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    tulo: MAIMONIDES

    autor: Emanuel Dimas de Melo Pimenta

    ano: 1998

    Maimonides, Moses Ben Maimon, flosofa

    editor: ASA Art and Technology UK Limited

    Emanuel Dimas de Melo Pimenta

    ASA Art and Technology

    www.asa-art.com

    www.emanuelpimenta.net

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    parte dos trabalhos apresentados emSymmetry: Order and DisorderFourth Interdisciplinary Symmetry Congress and Exhibion of theInternaonal Society for the Interdisciplinary Study of SymmetryTechnion Instute of Technology, Haifa, Israel, 1998

    MaimonidesEmanuel Dimas de Melo Pimenta

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    para Tomas Zinner e Joseph Brenner

    Todas as cadeias causais avanam na direo do tempo formando, assim, uma grande redecomum entrelaada em todos os sendos... constuindo o curso do mundo. Tudo se reete

    em tudo, toda coisa tem o seu eco em toda coisa...Arthur Schopenhauer

    primeira vista pode parecer estranho como algum que dedica a vida estca possa estar muito interessado na gura de um pensador medieval queno chegou a escrever uma nica linha sobre arte e que nunca considerou-seser um lsofo.

    Mas, h um pensador medieval que nunca se considerou lsofo e

    jamais escreveu qualquer coisa sobre estca que tem magnezado a atenode lsofos, arstas e cienstas ao longo de quase mil anos.

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    Moiss Ben Maimon que caria popularmente conhecido comoMaimonides, verso Grega do Hebraicolho de Maimon realizou formidveisobras como humanista, mdico, astrnomo, telogo e lsofo antecipando oesprito renascensta que surgiria sculos depois.

    Maimonides nasceu no ano de 1135, ou em 1138 segundo algunshistoriadores, onde hoje Espanha, na mesma Crdoba que viria inuenciar deforma deniva a obra de Maurits Cornelis Escher e que era o centro do mundocivilizado de ento.

    Moiss Ben Maimon poderia ser considerado, se pudssemos ulizarlivremente a expresso, umpragmco por excelncia no vesse tal conceitosido cunhado por Peirce cerca de setecentos anos mais tarde.

    As palavras de Charles Sanders Peirce defendendo que apenas a

    experincia ensina poderiam, seguramente, ser consideradas tambm as deMaimonides para quem o ser humano necessita de subordinar ao pensamentotodos os poderes da sua alma.

    Essa postura, orientada para o pensamento e para a experincia, parao connuo aprendizado, conduziria as reexes de ambos diretamente no

    sendo da lgica, mesmo quando tratavam de assuntos cuja natureza eraaparentemente diversa.

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    Maimonides no hesitava defender que nos textos sagrados podiam serencontradas as chaves para o bom funcionamento de qualquer governo, para aexcelncia na polca, no equilbrio dapolis.

    Seu pai foi matemco, astrnomo, juiz e famoso talmudista.

    Pertencente a uma famlia judaica de grande tradio, acabou por setornar num dos mais eminentes talmudistas de sempre.

    Diz-se que era direto descendente do Rei Davi.

    Mas, Moiss Ben Maimon no teve vida fcil.

    Quando nha apenas quinze anos de idade, sua famlia iniciou uma longae penosa fuga da cidade de Crdoba.

    Os temveis Almohadas seita Islmica organizada por fancosfundamentalistas, em certo sendo, ainda que grosseiramente, comparveis aostalib do sculo XX nham tomado boa parte da Pennsula Ibrica, povoando-a de cruis perseguies.

    Para aqueles fundamentalistas, a nica alternava para a recusa de

    converso era a morte.

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    Pai e lhos a me falecera dois anos antes fugiram pelo sul do mundoIbrico, subiram a costa catal e tero chegado at ao que hoje conhecidocomo a Provence francesa.

    Aps dez anos de fugas e perseguies, parram para Fes, no Marrocos onde, apesar de ser um importante centro almohada, conta-se que aadministrao local respirava alguns momentos de maior tolerncia.

    que Abd al-Ummin, o dirigente islmico radical, encontrava-se comidade avanada e teria aliviado as medidas repressoras e persecutrias.

    Cinco anos, apenas, foram sucientes para juscar uma nova fuga, destavez em direo Palesna, passando pelo Acre, por Hebron e Jerusalm quelaaltura devastada pelas Cruzadas acabando por se xarem denivamente emFustat, Ango Cairo, Egito.

    Rapidamente, tornou-se responsvel pelos negcios da comunidade

    judaica local, alm de reconhecido mdico e juiz.

    Logo depois, o seu pai morreria.

    Maimonides nha cerca de trinta anos de idade.

    A metade deles vivida sob perseguio e a tenso das fugas.

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    O irmo mais novo, Davi, que se revelara talentoso comerciante depedras preciosas, tratou de suprir a famlia de todas as necessidades materiais,de forma que Maimonides, que se tornara seu mestre, pudesse se dedicarintegralmente aos estudos.

    Havia entre eles um relacionamento de profundo amor e respeito.Davi dava ao seu papel como comerciante a importncia de providenciar

    ao irmo tempo livre, fundamental para os seus estudos e reexes.

    Para ele, essa postura era algo verdadeiramente sagrado, pois opensamento de Maimonides podia assim se expandir para iluminaro mundo.

    Depois de alguns anos de grande prosperidade, Davi decidiu realizaruma longa e aventurosa viagem atravs do Oceano ndico com o objevo deconcrezar um grande negcio.

    Levou consigo no apenas toda a fortuna da famlia como tambm a de

    vrias outras pessoas, que lhe conaram vultuosos bens na esperana de umrpido sucesso como parceiros naquele negcio promissor.

    Aconteceu, ento, uma tragdia.

    Conta-se que sob uma terrvel tempestade, ou por mos criminosas, houve

    um naufrgio Davi morre e a fortuna desaparece engolida pelas profundezasdo mar.

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    A perda do irmo foi um brutal choque que acompanharia Maimonidesat ao m dos seus dias.

    Numa carta datada de 1184, quando nha cerca de cinquenta anos deidade, ele diria que no Egito, fui vma de srios reveses. Ca doente e perdimuitas coisas. Mas, o golpe mais duro que me angiu e que me inigiu a maisprofunda dor de toda a minha vida foi o desaparecimento no oceano ndico domais perfeito e mais virtuoso de todos os seres humanos. Eu soube da tristenocia somente cerca de um ano depois dos fatos e lutei, naquele momento,contra a febre e o desespero. Esses acontecimentos ocorreram h mais de oitoanos, mas ainda lamento, pois como eu poderia encontrar algum consolo? Eo qu poderia me consolar? Meu irmo cresceu no meu colo, era meu lho,meu discpulo. Era ele quem ganhava dinheiro para permir que eu casse emcasa estudando. Ele era muito versado no Talmud e na Bblia, e era igualmenteum excelente gramco. Minha nica felicidade foi ter estado com ele, mashoje essa felicidade se transformou em escurido; ele passou eternidade eme abandonou, aqui prostrado num pas estrangeiro. Quando eu encontro

    por acaso um dos seus livros ou ainda algum dos seus escritos o meu coraoameaa falhar quando a minha dor reanimada. Em resumo: eu morrerei detristeza pela morte do meu lho; e se o estudo da Torah no constusse asminhas delcias, e se a invesgao das cincias no me distrasse da minha dor,eu cairia na mais completa misria.

    Tornar-se-ia mdico famoso, conta-se que ter chegado a ser responsvelat mesmo pela sade do lendrio sulto Saladino.

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    E que ter tratado de Ricardo Corao de Leo.

    Mas, as suas cartas e foi um homem dedicado a elas revelam algummuito s.

    Uma pessoa cujas razes se destacaram deste mundo e o lanaram dimenso das idias, ao permanente quesonamento de quem somos ns.

    E esse quesonamento, essa eterna dvida, que nos faz vacilar entreo livre arbtrio e o desno, entre um mundus phenomenon e um mundusintelligibilis, sempre desenhado pela linguagem, pela estrutura do pensamento,que nos faz admir-lo e busc-lo ao longo dos sculos.

    Por isso, ele universal.

    Maimonides tradicionalmente chamado de Rambam, palavra construdacom as iniciais do seu nome extraa da prca, das situaes objevas, o seuuniverso terico e, tambm por isso, foi considerado por muitos como sendoum aristotlico, em oposio a um carter platnico ou pitagrico emborauma tal classicao no faa muito sendo para uma personalidade da sua

    envergadura.

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    Nessa senda fortemente pragmca, sempre em perseguio obedincia aosensinamentos da Torah e tomando como ambiente o universo co do Talmud,ele parria para um profundo mergulho nas halachot as leis, preceitoselaborados sobre a realidade concreta do comportamento humano.

    As halachot tomadas, num certo sendo, como dharma objevo deequilbrio na vida, raiz da iluminao.

    O equilbrio , para Maimonides, o signo primeiro de um corpo so guiado pelas mos de um talentoso mdico; de uma mente s produzidapela gura do lsofo; mas tambm de uma sociedade ntegra orientada porgovernantes sbios.

    O equilbrio, para ele, est fundado no conhecimento, no saber etudo enfeixado pela educao, cujo sendo lano, no termo educere, indicaa conduo, a orientao, lembrando o papel do moneiro resgatado pelacibernca de Norbert Wiener ou pela anga e fascinante Paideia grega.

    O conhecimento , para ele, uma necessidade natural.

    Da inexnguvel perseguio, coroada pela doao de toda uma vida reexo intelectual, surgiu a sua principal e monumental obra, em quatorze

    volumes o MishnTorah, tambm conhecido como YadHachazak.

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    Na introduo do Mishn Torah ele defenderia que este livro umacompilao de toda a Lei Oral. Aquele que estudar a Lei Escrita, o Pentateuco,e esta obra, conhecer toda a Torah, e no necessitar de consultar qualqueroutro livro.

    Maimonides reconhecido como um talmudista por excelncia aqueleque observa privilegiadamente a ca.

    E embora nunca seja tomado como um msco, importante lembrarque a estrutura lgica da cabala, considerada enquanto mtodo losco, ter-lhe- fornecido inegveis subsdios para pracamente tudo o que elaborou aolongo dos anos.

    Dois elementos emergem, neste momento, como referncia estruturaldo seu pensamento. Um deles , exatamente, aquela estratgia lgica queto profundamente marcou a cabala e que lana profundas razes no universosumrio.

    Essa estratgia lgica caracteriza-se pela forte presena de relaestridicas.

    Foram elas que to nidamente marcaram odesenho de tantos pensadoresao longo dos tempos.

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    Junto com esse elemento, e de uma forma surpreendente, um dadoverdadeiramente revolucionrio, que apenas podia ter surgido num momentosituado entre campos civilizatrios, encontra-se o outro fator essencial das suasidias: algo a que poderamos, ainda que no sem algum risco, indicar como oproto-modelo do terceiro includo, princpio lgico genialmente revelado quasemil anos mais tarde pelo matemco Stephanne Lupasco.

    Dois elementos formadores do pensamento de Maimonides, o segundodeles responsvel por intensas, longas e calorosas polmicas discusses.

    O mundo mco Sumrio, tal como acontecia com as sociedades IndoEuropias, era arculado por relaes de natureza fortemente tridica.

    Na cabala, arvore da Vida se organiza atravs de cenrios tridicos nassuas dez sephirot.

    A compreenso da prpria lgica como obedecendo a priorium princpiotridico ir determinar muitas das reexes de Maimonides ao longo de toda asua vida.

    Por essa via, segundo os seus textos, exisriam trs naturezas do mal: adegenerao da matria, o domnio rnico entre seres humanos, e aquele

    que alcana cada um de ns atravs dos nossos prprios atos, que acontecemto frequentemente.

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    Para ele, sabedoria e vontade, ou f e razo, no so mais objeto dequalquer conito, lembrando-nos que a principal ligao entre Deus e o serhumano nada mais que a inteligncia, o conhecimento.

    Com uma defesa que nos faz pensar em algumas das recentes descobertasao nvel das neurocincias nomeadamente aquela bravamente defendidapor Antnio Damsio segundo a qual emoo e razo pertencem a um mesmocomplexo cognivo para Maimonides,f, razo e mundo se revelam parculasconnuas de um mesmo corpus lgico.

    Tudo enfeixado por estruturas tridicas.

    Mesmo a denio dos quatro pos de proposies feita por Maimonidesno seu Tratado da Arte da Lgica pode ser compreendida como imediatamentereversvel a um sistema notavelmente tridico.

    Segundo a sua denio, asproposies, ao nvel lgico, seriam de quatropos: as percepes sensoriais; aquilo a que chamou de primeiros inteligveis como saber, por exemplo, que o todo maior que uma das suas partes; asopinies geralmente aceites e, nalmente, as tradies.

    Na mesma obra, ele sugeriria que tanto as opinies geralmente aceites

    como as tradies poderiam ser consideradas como espcies defases de umamesma categoria.

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    J os chamados primeiros inteligveis seriam as prprias coisaspercebidas.

    Assim, teramos as percepes sensoriais, os primeiros inteligveis e,nalmente, as tradies. Ou, qualidades sensoriais, objectos concretos e leis.

    Esse princpio lgico parece ter sido mais que essencial, verdadeiro guiaconceitual do seu pensamento.

    Toda a existncia seria, assim, composta por trs relaes fundamentais:matria csmica e forma; matria terrestre e forma; e, nalmente,forma pura.Relaes que podem ser tomadas comoplanetas e esferas celestes; minerais,animais e vegetais; e idias. Ou, relaes de deduo, de induo e de inferncia.Ou ainda, em papis que podem ser trocados aqui ou ali, razo, existncia equalidade.

    No seu clebre e fascinante Guia dos Perplexos, trs palavras so porele consideradas como fundamentais para o que chamou de caminho para asabedoria.

    Elas so hesed que poderia ser compreendido como algo prximo do

    amor e do carinho; mishpat o julgamento; e sedaqah a rmeza e correo.Assim, pode ser resumido armando que hesed aplicado benecncia

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    tomada na sua dimenso absoluta; sedaqah toda a boa ao pracada por si

    em funo de uma virtude moral com a qual aperfeioa-se a alma; e mishpatque algumas vezes tem como consequncia a punio e outras a ajuda, abenfeitoria.

    Hesed estaria para a primeiridade de Peirce, como sedaqah para asecundidade e mishpatpara a terceiridade.

    Sedaqah correo, ca refere-se diretamente ao comportamento, concretude das aes, enquanto que mishpatbaseia-se nas leis, na reexoracional a priori.

    Maimonides aceitava, ainda, a diviso triparda da alma propostapor Galeno e que, tambm ela, ter sido inspirada nas angas tradiesmesopotmicas.

    Segundo essa diviso, algo a que ele chamou de poder natural seriareforado pela alimentao correta; o que disse ser opoder vitalpoderia tornar-se melhorado e amplicado pelos sons; e, nalmente, opoder psquico poderiaser mudado e melhorado pelo perfume.

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    Mesmo considerando a alimentao como algo primrio, podemosescolher o que ou no mais saboroso, o que preferimos, o que julgamos sermelhor ou pior para os nossos corpos estabelecendojulgamentos, decises;a audio obedece a uma ordem diacrnica, de natureza polar e causal umnmero dois; e o olfato o mais integral dos nossos sendos, tambm em grandeparte responsvel pela estruturao da memria a longo prazo nmero um.

    Um terceiro, um segundo e umprimeiro.

    Sabores, msica eperfume trs elementos essenciais da alma.

    Para ele haveriam, ainda, trs pos disntos de alma: a natural, a vitaleapsquica.

    Na medicina, como se esvesse seguindo a mesma estratgia lgica,Maimonides deniria trs classes diferentes de tratamentos: a prevenva, acurava e uma orientada recuperao, especialmente desnada s pessoasconvalescentes.

    A primeira visava cuidar da sade de forma a prevenir o aparecimentode doenas doenas que ainda no exisam, manifestando um princpio deprimeiridade.

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    A segunda classe referia o tratamento concreto das doenas perfeita

    secundidade. E a lma, que tambm inclua o que viria a ser denominadogeriatria, visava tratar o envelhecimento uma terceiridade.

    No apenas, ele defendia ainda que haveriam trs qualidades essenciaispara designar o verdadeiro discpulo de Abrao: o bom olhar, a humildade e aabnegao.

    O bom olharprimeiridade, inequvoca relao de qualidade; a humildadeacontece face a um Outro e, portanto, relao de existncia, secundidade;enquanto que a abnegao implica algum po de julgamento, de razo terceiridade.

    Quanto s pessoas, em geral, Maimonides as considerava tambm aqui pertencentes a trs grandes grupos.

    Aquelas que no se detm diante das questes da vida, os anneursde Baudelaire verdadeiros zumbis, os fantasmas dos Toltecas, badauds paraWalter Benjamin constuiriam o primeiro grupo.

    Em seguida, estariam as pessoas que tomam obedientemente comoverdade, literalmente aquilo que percebem com os seus sendos, semquesonamento, sem reexo pessoas que se consideram a si mesmos,segundo Rambam, verdadeiros intelectuais, mas que nada mais so queindivduos enciclopdicos, para quem tudo pode ser resumido memorizaomecnica de fatos e leis.

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    Finalmente, caracterizando uma formidvel minoria, estariam aquelesque, aps profundos quesonamentos e reexes, seriam capazes decompreender a lgica, a ordem estrutural das ideias, disnguindo-as entresignicados claros e encobertos.

    Logo no incio do Guia dos Perplexos, Maimonides designa trs categoriasfundamentais que orientaro todo o seu pensamento: o simblico, o imaginrioe o real!

    As relaes tridicas, ao nvel lgico, esto fortemente relacionadas emergncia do verbo e ao fenmeno da predicao isto aquilo, princpio-meio-e-m.

    Uma lgica relacionada estrutura sica e sensorial do ouvido internoque torna-se contedo de uma sociedade em transio para uma cultura maisfortemente visual.

    Foi assim que Aristteles, j vivendo um perodo de intensicao douso da viso atravs do papiro associado ao alfabeto fonco perodo quedesintegraria a lgica impressa nas Cidades Estado Gregas desencadeando odomnio de Roma trataria de estabelecer as bases para um princpio conhecidocomo terceiro excludo. Isto , se algo dado como existente, a sua no existncia impossvel.

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    Ou seja, no possvel duas coisas contraditrias exisremsimultaneamente.

    Embora esse princpio possa parecer-nos algo claramente evidente etenha dominado a losoa ocidental at ao sculo XIX, ele no uma verdadeabsoluta.

    Schopenhauer quesonou vivamente aquele princpio lgico defendidopor Aristteles com a introduo dos conceitos decausalidade localecausalidadeno local.

    No nal do sculo XX, as teses voltadas para uma Teoria das Super Cordascoroavam denivamente as idias de Schopenhauer.

    Maimonides representa uma fascinante antecipao, em vrios sculos,dessas intrigantes idias.

    Uma antecipao muitas vezes equivocadamente interpretada comoincompreensveis incoerncias, paradoxos e contradies.

    O primeiro dos seus escritos da fase adulta foi o Comentrio sobre aMishn, que iniciou com apenas vinte e cinco anos de idade, quando parapara Fes, e que consumiu treze anos de estudos.

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    Mishn trata, essencialmente, do corpus juris hebraico elaborado nostrs primeiros sculos depois de Cristo. Trata-se das leis hebraicas transmidas,at ento, oralmente conhecidas como a tradio oral.

    Curiosamente, a raiz sh-n-h que compe o termo Mishn, signicaensinar, mas tambm reper como se o aprendizado acontecesse

    privilegiadamente atravs da repeo. Esse ser, igualmente, pelo menos emparte, o segundo signicado da palavra religio, que lana-se expresso Lanamedieval relegere, em certa oposio, ou complementao, anterior raiz, maisanga, religare.

    Na Mishn, Maimonides tece alguns aprofundamentos essenciais. O

    principal deles, conhecido como Os Oito Captulos, lida com o tratado Aboth,uma coleo de mximas cas e religiosas elaboradas pelos angos rabinos estabelecendo uma forte relao entre elementos religiosos e discussesloscas.

    nos Oito Captulos que a sua ligao com Aristteles e com pensadoresrabes como Alfarabi, que tanto admirava revelam-se com maior clareza.

    Resgatando a defesa de Aristteles, segundo a qual as faculdades da almapodem ser classicadas em cinco departamentos tambm aqui lanando-seao ango universo Sumrio ele se pergunta sobre quais as faculdades seriampernentes aos mandamentos da lei religiosa. E d, ele mesmo, a resposta:aquelas que esto sujeitas nossa deciso e escolha.

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    Assim, as leis religiosas estariam sempre orientadas razo.

    No podemos controlar a nossa digesto, o nosso crescimento, anossa presso arterial, a temperatura dos nossos corpos, ou mesmo a nossaimaginao.

    Portanto, a Lei no poderia estar orientada diretamente para a estca,mas estaria tratando preferencialmente da linguagem verbal, fundamentoessencial da razo, conduzindo a um quadro de impacto estco a posteriori.

    Pois a arte, no seu sendo mais profundo inevitavelmente ligada imaginao seria, e deveria sempre ser, livre!

    Isto , livre de tudo o que cultura!

    Relacionado ao universo sensorial, mas traando profundas ligaes aotranscendental e iluminando algo daquilo que ele poderia ter tomado comoestca, encontra-se a sua concepo deprofecia.

    A profecia um transbordar transbordando de Deus atravs daintermediao do intelecto avo, primeiramente pela faculdade racionale, depois, pela faculdade da imaginao defendia claramente o papel doconhecimento, da formao do intelecto, como condio sine qua non para aprofecia.

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    curioso, para dizer o mnimo, observar o paralelo entre essa defesa e

    a de Hegel quando explica que o trabalho em arte segue uma direo das leispara as relaes de qualidade.

    Por essa via, os profetas no poderiam ser pessoas despreparadas, masverdadeiros lsofos conduzidos, principalmente, pela razo.

    Razo que esclarece-nos, pela sua prpria natureza, o signicado daprofecia,pr-viso, antecipao num complexo de causalidade.

    Tudo isso signica que Maimonides tomava privilegiadamente o mundocomportamental enquanto contedo, evidenciando um fenmeno conhecido

    como iluso da conguidade, que desenharia o mundo ocidental sculos maistarde.

    Os nossos comportamentos responderiam a contedos de informao,complexos de razo.

    Para ele, tudo na obedincia da Lei deve, portanto, estar fundado navolio, em certo sendo antecipando novamente Schopenhauer e a vontadecomo representao essencial do mundo.

    A Lei estaria, assim, consagrada numa estrutura fortemente hierrquica,num ponto de fuga, estratgia perspecvica que no afeta diretamente omundo dos sendos, as relaes de qualidade.

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    de deciso e ao implicando sempre a linguagem que Maimonidestrata privilegiadamente.

    por volta do ano de 1180, quando nha cerca de quarenta e dois anosde idade, que ele apresenta a sua grande obra o Cdigo da Lei, tambm

    conhecido como Mishn Torah buscando codicar todas as Leis da Torah eos seus regulamentos, sem nada omir.

    Aqui, como tantas vezes aconteceria, a palavra codicao parececonstuir a chave central do seu pensamento.

    Maimonides trata o Universo comosistema codicado, cujo entendimento,inteleco, atravs do connuo aprendizado, pode conduzir a uma iluminao,a uma compreenso csmica, a uma revelao.

    Mas, revelao apenas e exclusivamente atravs do conhecimento.

    ento que toda a separao entre cincia elosoa denivamenteabada por ele, atravs dos princpios metodolgicos e cos projetados pelaescritura sagrada.

    Durante toda a vida escreveu pracamente sempre em rabe ou emrabe-judaico. A sua nica obra escrita em hebraico foi o Sefer h-madda Livrodo Conhecimento a primeira parte do Mishn Torah.

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    Comeou a escrever muito cedo.

    A sua primeira obra foi Millot h-higgayon Terminologia Lgica escrito quando nha apenas treze ou quatorze anos de idade, ainda vivendo naPennsula Ibrica.

    Israel Efros deniria a sua Terminologia Lgica como uma verdadeira

    introduo losoa.

    Tudo nele gira em torno da escrita, da letra, da palavra pertencente aolivro.

    Uma postura que, pelas mais diversas vias, designaria o chamado Ocidente

    aps a imprensa de pos mveis de Gutenberg.

    Assim, a Mishn Torah um profundo exerccio de classicao, em muitosemelhante quele que caracterizou a obra de Aristteles.

    Tudo fundado no conhecimento.

    Est no conhecimento original, nas leis essenciais de funcionamento doUniverso, a chave para a compreenso da prpria vida.

    Por essa via, o Primeiro Motorde Aristteles se torna, para ele, em nadamais que num dado de inteligncia.

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    A parr do Comentrio sobre a Mishn se seguiu o seu gigantescoconjunto de escritos, passando pelo Tratado da Arte da Lgica, o famoso Guiados Perplexos e as suas epstolas entre vrios outros.

    Estaria no seu fascinante e intrigante Guia dos Perplexos a coroao dos

    seus trabalhos de interpretao losca dos textos sagrados.

    Escrito entre os anos de 1185 e 1190, como resposta a um jovemMarroquino chamado Joseph ben Judah ibn Shimon que viajara ao Egito como objevo de estudar com ele, o Guia se tornaria, seguramente, na obra maisconhecida de Maimonides.

    Durante cerca de trs anos, o jovem estudara com ele astronomia, lgicae losoa.

    Em 1185, ibn Shimon parte para Aleppo, Maimonides se torna mdicodo vizir de Saladino no Cairo e decide escrever uma profunda reexo sobre a

    perplexidade que ange algum culto e inteligente ao ler as escrituras.

    Sendo as escrituras a chave para a compreenso do Universo, a obrarefere-se, em lma instncia, perplexidade que somos todos objeto face complexidade do prprio conhecimento.

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    Antes, ainda, trata da perplexidade face ao maravilhamento da descoberta,quilo que Scrates to magistralmente apresentou a Teaeteto como sendo ajuscava, por excelncia, da prpria vida.

    Os sessenta e nove primeiros captulos do Guia dos Perplexos tratam domaior gerador possvel de perplexidade o conceito de Deus.

    As descries de Deus na Bblia so, para ele, simbolicamenteantropomrcas com o objevo didco como tornar tudo mais compreensvelpara o ser humano comum.

    aqui, na sua anlise do conceito de Deus, que surge com grande

    evidncia aquele proto-modelo do princpio do terceiro includo.

    Se, por um lado, quando consideramos as aes divinas o mesmoque dizer as aes naturais, revelando as razes das idias de Espinoza, toviolentamente atacadas sob a acusao de atesmo, temos Deus como tudo,tempo e espao; por outro lado, Deus o Primeiro Motor, aquele que causou

    tudo, causa original e essncia total.

    Sendo a origem de tudo e estando em tudo, Deus no passvel de serconhecido.

    Mas, Ele igualmente tudo, incluindo os seres humanos.

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    No h, para Maimonides, lugar para qualquer oposio ou diferena

    entre Natureza e Deus.

    Todavia, simultaneamente, Deus outra endade, separada da suacriao.

    Essa abordagem eminentemente paradoxal h muito tem sido fortemente

    quesonada, pois o instrumental lgico dos seus crcos, de natureza fortementeliterria, no previa o princpio do terceiro includo: a possvel existncia de a,no-a, assim como de a e no-a.

    Para Maimonides, Deus tudo, eterno, mas tambm o PrimeiroMotor.

    Ora, se Ele eterno e se est em tudo, aprimeira causa ter sido livre detempo e de espao e, portanto, eterna, sempre presente. Mas, se tal verdade,no poder ter exisdo um incio dos tempos e, assim, os textos sagradosestariam condenados.

    Maimonides defende que Deus eterno, est em todas as coisas, mastambm a primeira causa, desencadeando aquilo que nomeamos comoexistncia.

    Por outro lado, um mundo eterno como era defendido por Aristteles implica a noo do livre arbtrio, de volio; enquanto que um mundo iniciadopor uma causa, de carter espao-temporal, que provoca um sistema causal em

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    cadeia, numa complexidade crescente, signica o domnio absoluto do desno,

    da no volio.

    Para Maimonides, entretanto, o mundo no eterno possui um princpio,um meio e um m mas, em aparente paradoxo, a Lei se refere exclusivamenteao universo da volio, do livre arbtrio, da razo, indicando a sua naturezaeterna.

    Defesas tomadas como contraditrias e polmicas quando no possumoso recurso lgico do princpio do terceiro includo.

    Assim, o mais interessante no exatamente aquilo que ele defende,mas como o faz: a estrutura de pensamento que caracteriza, que designa as

    suas idias.

    A Lei a terceiridade por excelncia assim denida por Charles SandersPeirce a razo e se refere obrigatoriamente a ela, implicando um passado eum futuro, um universo de causalidade.

    Mas, a obedincia Lei implica a noo de livre-arbtrio, de deciso, deeternidade.

    O incio de tudo apenas pode ter sido objeto da vontade, da volio, deuma condio de eternidade que se projeta em causalidade, em mundo nito essa a natureza conituosa lgica da Lei.

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    Anal, como poderiam exisr milagres em algo que eterno?

    Deus o eterno.

    E como poderamos admir a inexistncia de fortes relaes entre omundo e o seu Criador?

    O milagre implica o no-eterno, uma singularidade, uma mudana damesma forma como acontece com o incio e com o m das coisas.

    A eternidade a no-Lei, por excelncia, pois implica a no-mudana, apermanncia enquanto totalidade.

    Pois, para ele, Deus eterno e, simultaneamente, o Primeiro Motor, aPrimeira Causa, num mundo criado, parndo da vontade, e que pode estarsujeito a milagres, sendo e no sendo, ao mesmo tempo, sem se submetera uma lgica do terceiro excludo, picamente aristotlica, mas antevendo oprincpio do terceiro includo.

    O mesmo acontece com o tratamento dado por ele aos divinos atributos,considerados como ponto de grande controvrsia do seu pensamento.

    A palavra atributo nasce do termo rabe sifa, que tambm poderia indicaras idias de descrio, de caractersca ou depropriedade.

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    Ora, se Deus um no sendo pitagrico da unidade total, singularidadeuniversal como poderia ter atributos,propriedades?

    Ser e no ser, eis a questo.

    Quando temos uma propriedade, um atributo, ele existe em referncia

    a algo exterior a si mesmo. Por exemplo, se algo azul essa qualidade azul uma parte do seu objeto e no a sua totalidade. Se fosse totalidade, seria oprprio objeto e no um atributo.

    Mas, como defende Maimonides, Deus um!

    Deus e no implicando o todo, e exisr como um todo absolutotambm signica ser a Sua prpria negao.

    Apenas um totos, um todo absoluto tambm a sua prpria negao.

    No h qualquer relao direta possvel entre Deus e as Suas criaturas e,

    ao mesmo tempo, Deus tudo, incluindo as Suas criaturas.

    A parr desse formidvel desenho lgico, Maimonides trata de provar aexistncia de Deus: se Ele tudo, ento no possvel qualquer conhecimentoacerca Dele pois qualquer conhecimento que possa exisr nada mais que

    parte do seu objeto.

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    Sendo tudo, sendo um, o totos universal, Deus no passvel de serconhecido, estando para muito alm de qualquer compreenso pois , em Si, oconhecimento total.

    Ora, sempre que signicamos alguma coisa, o fazemos em relao a algoque est fora do seu signicado. O signicado, como a Histria, aspira sempre

    sua signicao mxima, ao seu objeto, mas se trata de uma aspiraoimpossvel, pois se a angssemos a prpria signicao deixaria de o ser, parase tornar no prprio objeto.

    Por essa via, a palavra ma, por exemplo, aspira enquanto signicao o seu objeto, mas diferente dele, connua a ser uma palavra.

    Esse exerccio de linguagem verbal a priori impossvel em relao aoconceito de Deus que , por denio, tudo.

    Por isso, ele considera a imaginao como uma faculdade menor poisela est distante do seu objeto.

    Maimonides aspira concretude mxima, signicao lma de tudo.

    Foi essa postura, em certo sendo, que levou Jackson Pollock entreoutros a buscar uma pintura que no era qualquer coisa para alm de siprpria, tudo estava ali, na sua prpria existncia.

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    Seguramente o trao mais popularizado das suas estratgias lgicas tersido o princpio da negao o nosso desconhecimento de Deus a maiorprova de que Ele existe; pois tamanha a Sua grandiosidade, que no teramoscondies de existncia para aferir a Sua prpria existncia, embora saibamosDela pois a podemos cogitar.

    Negao que implica a existncia concreta de tudo.

    Em termos cabalscos, o princpio da negao expresso, narvore daVida, pelo mais elevado grau das dez Serot que chamado Keter, ou Coroa,que desaparece no Nada, que tambm Tudo, e que, assim, no pode possuirum Nome.

    Embora a sua aplicao por Rambam tenha sido de uma excelncia nica,projetando-se ao longo dos sculos, o princpio losco da negao no eranovo no tempo em que viveu.

    Pelo menos desde a Grcia Anga, de forma sistemca, sempre houve

    todo o po de especulaes a parr desse princpio.

    Seguindo esses passos, Maimonides trataria de defender que, dado todae qualquer existncia implicar o seu contrrio, haveria, consequentemente,uma endade no existente.

    Se algo tudo, porque esse tudo est em oposio a um nada.

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    e a ue d as de e o p e ta

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    Para se conhecer algo que no existe, trataremos, portanto, do que existe ainda assim, a sua signicao ser sempre negava.

    Segundo essa estratgia, tratamos de conhecer Deus pelo que Ele no por tudo o que conhecemos. Pois, em lma instncia, conhecemos apenasparculares e nunca, verdadeiramente, o universal.

    Esse exerccio lgico caria conhecido como via negava e indicaria muitodo seu pensamento.

    Segundo as suas palavras, os atributos armavos, ou posivos,indicam sempre uma parte da coisa que desejamos conhecer, seja uma parte

    da substncia, seja uma parte dos seus acidentes, enquanto que os atributosnegavos fazem-nos saber, de alguma forma, aquilo que realmente a essnciado que desejamos conhecer.

    Espinoza foi agrantemente marcado pela via negava de Maimonides,tendo sido violentamente acusado de atesmo, pois apenas pela negao que

    seria suposto poder conhecer algo do conceito de Deus.

    Mas, Maimonides vai alm e defende algo que caria conhecido comoprincpio da admissibilidade: qualquer coisa que possamos imaginar exisr admissvel.

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    Esse princpio nada mais que o fundamento essencial daquilo que sculosmais tarde conheceramos como utopia: aquilo que supreendentementepossvel, mas no esperado.

    E a parr da, faz emergir a questo: por que as coisas so como so, e node outra forma? Para resgatar, uma vez mais, a Lei mas no como o telogo

    dogmco e sim tomando a prpria Lei como indicadora dofuncionamento daNatureza.

    As coisas so como so devido ao seu funcionamento, sua funo sendo, portanto, afuno a natureza primeira de tudo.

    Essa diferena essencial entre uma organizao estabelecida por viaexclusivamente hierrquica como ocorre com a teleologia e outra, denatureza metablica, tal como aconteceria com os princpios darwinianos, seriadenivamente iluminada no sculo XX pelo conceito de teleonomia de KonradLorenz.

    De fato, para Maimonides o mundo uma criao de Deus, e acontecede forma hierrquica mas, ao mesmo tempo, Deus tudo, eterno e, portanto,sem tempo.

    Os peixes nadam e os pssaros voam dizia ele ao indicar que ocomportamento, a existncia concreta, , em si, a natureza das coisas.

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    Encontramos curiosas referncias nas teses de Gerald Edelman, j no nal

    do sculo XX, acerca daquilo a que nomeou como topobiologia a tendnciade tomos e at mesmo de substncias formarem agregamentos especializadosem funo da sua ordem estrutural ou mesmo na prpria Gestalt.

    Num meio que nha pracamente perdido muitas das suas ligaes com

    a tradio grega, Maimonides iria resgatar muito do pensamento de Aristteles para quem o nmero era privilegiadamente quandade mas tambm o dePlato e Pitgoras para quem o nmero era qualidade dando nova vida tradio Clssica e impulsionando uma enriquecida corrente losca quedesencadearia aquilo que caria conhecido como o Renascimento Ocidental.

    Maimonides vive na poca em que a Europa comea a produzir, pelaprimeira vez, papel.

    E esse incio, que indicaria uma formidvel transformao social, d-seprecisamente na Pennsula Ibrica.

    Um perodo que anunciaria, gradualmente, o predomnio da viso sobreos outros sendos.

    At neste ponto Maimonides foi um pioneiro. Quando ele descreve odesenvolvimento de um ser humano ideal, um ser humano mais prximoda perfeio, deixa clara a importncia do domnio da viso sobre os outros

    sendos.

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    Um tal ser humano adquiriria conhecimento at alcanar um intelectoperfeito e hbitos puros e equilibrados. Quando tal acontece, todos os seusdesejos so dirigidos para o aprendizado da cincia dos segredos de tudo oque existe e das suas causas... Atravs desse conhecimento ele ter o seupensamento destacado de todas as coisas besais, assim como ter abolido osseus desejos por essas coisas eu quero dizer da preferncia pelos prazeres dos

    alimentos, dos sabores, das bebidas, dos atos sexuais e, em geral, do sendodo tato....

    assim que no quinto captulo do Guia dos Perplexos ele trata de explicartrs razes hebraicas relacionadas percepo visual, indicando a sua essencialimportncia para preparar o intelecto.

    Essa postura conheceria um forte desenvolvimento no Ocidente,principalmente a parr do Renascimento.

    Ele defende que de todas as faculdades do esprito humano, apenas ointelecto, fundado na razo e estabelecido a parr da viso, pode ser imortal.

    Os outros sendos, como o paladar, o olfato, a audio ou o tato, estariam tointensamente e to diretamente ligados matria que, com a desintegrao docorpo, delas nada poderia sobreviver.

    A viso, cunhada pela luz, elemento imaterial por excelncia, produziriauma espcie de destaque da matria, gerando a nica forma que poderia tornar-

    se imortal.

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    Tambm aqui, Maimonides no esconde a sua admirao pelo pensamento

    de Aristteles.

    A estrutura que fundamenta as suas idias arcula-se por um corpusnico, fundindo religio e losoa, resgatando na Natureza as leis sagradas,produzindo uma espcie de Teoria Unicada, tudo estabelecido numa rede derelaes que acontecem em funo de uma rvore fortemente hierrquica,

    como que possuindo umponto de fuga virtual, potencial, gerador.

    Idencamos todos esses elementos, de uma ou outra forma, com opensamento Renascensta, com o Iluminismo, com as idias de Descartes, deHume, Berkeley, Kant, Hegel e muitos outros.

    Pode-se imaginar como a obra de Maimonides acabaria por se revelarcomo uma referncia essencial para pensadores como Espinoza, Toms deAquino, Newton, Leibniz e Emanuel Kant para referir somente alguns poucosnomes.

    No seu poderoso salto Grcia, Maimonides ter representado, ainda, oelo fundamental, ao nvel lgico, com toda a anga tradio Sumria.

    Charles Sanders Peirce armaria que a imaginao dos angosbabilnicos foi uma ajuda e no um entrave para o seu maior avano face aosegpcios ou mesmo face aos primeiros gregos na descoberta de verdades gerais

    na geometria, na lgebra e na astronomia, esta sendo a rainha das cincias.

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    Para Maimonides, a lgica manq no rabe, palavra derivada de umverbo que signica raciocinaroufalar, mas que muitas vezes traduzida comodivinao,presdigitao possui trs sendos diferentes.

    O primeiro a razo propriamente dita.

    O segundo a coisa inteligvel, aquilo que percepvel, a coisapercebida.

    O terceiro sendo a noo impressa na alma, as emoes, apercepona sua dimenso icnica.

    O primeiro () o poder racional. O segundo signicado o prpriointeligvel (). O terceiro signicado a expresso, em linguagem, das noesimpressas na alma, segundo as suas prprias palavras.

    Quantas semelhanas guardam entre si as estratgias de pensamento de

    Maimonides e de Peirce!

    Entretanto, para Maimonides, embora atuando na esfera da razo, aidia de Leino algo puramente racional ela estariapara alm daquilo quecompreendemos como razo.

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    Para ele, a Leisignica o que ordena todas as coisas, o princpio geral de

    arculao de tudo e que, dado signicar a ordem total, estando para alm daprpria lgica, no pode ser totalmente compreendido pela razo.

    Enquanto que para Maimonides a ideia de Lei algo semelhante ordemoculta de Anaxgoras, aos princpios do nmero de Pitgoras, o conceito de leipara Peirce um fenmeno de linguagem, prximo do logos compreendido por

    Herclito.

    Assim, o conceito de leipara Peirce parece ser, sintecamente, equivalenteaopoderracionalde Maimonides.

    Maimonides seria considerado um dos mais importantes lsofosmedievais. A sua celebridade no esteve conda nos fechados crculos dosaclamados pensadores e lsofos.

    Em Portugal, chegou a ser considerado como um mestre Portugus, aindaque nunca tenha l estado.

    Mas, a sua gigantesca e fascinante obra no passou livre de controvrsiase perseguies.

    Em 1320, Salomon ben Abraham, um rabino de Montpellier, interditouo estudo do Guia dos Perplexos, do Livro do Conhecimento e dos seus estudos

    loscos em geral, sob pena de expulso da comunidade judaica.

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    Na Espanha, crcos das suas idias solicitaram ajuda dos padresdominicanos e franciscanos para conscar e queimar os seus livros.

    Para Maimonides, ao longo de toda a sua vida, o estabelecimento domtodo foi algo manifestamente essencial.

    Tudo forjando um mundo onde o conhecimento, o connuo aprendizadodas leis da Natureza, a no separao entre ao e reexo, entre f e razo, soos seus signos essenciais.

    Nas suas abordagens do mundo, o aparato classicatrio picamente

    aristotlico apenas um recurso para a compreenso de um modelo dinmicoe no linear.

    Algo que nos faz lembrar Octavio Paz quando armava que umacomunidade seria aquela sociedade universal em que as relaes entre os seres

    humanos, longe de ser uma imposio da necessidade exterior, fossem comoum tecido vivo, feito da fatalidade de cada um ao se enlaar com a liberdade detodos.