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Processo PenalProf. Danilo Pereira
Apostila 2. O Direito Processo Penal: conceito; características;
direito público; relações com outras disciplinas; história; evolução
no Brasil; evolução doutrinária.
Conceito
Uma vez que seja praticado um fato definido como crime, surge ao Estado
o direito de punir. Este direito apenas poderá ser exercido através de um
processo. Pode-se definir processo como o conjunto de atos
cronologicamente concatenados (procedimentos), submetido a princípios
e regras jurídicas destinadas a compor as lides de caráter penal. Sua
finalidade é, assim, a aplicação do direito penal objetivo. O Direito
Processual Penal, porém, não se cinge a esse objeto. Para que o Estado
possa propor a ação penal, deduzindo a pretensão punitiva no processo,
são indispensáveis atividades investigatórias consistentes em atos
administrativos da Polícia Judiciária, o que é feito no inquérito policial
(persecução). Além disso, as pessoas que praticam os atos de
investigação e os atos do processo, devem estar devidamente legitimadas
para realizar as atividades que se concretizem no procedimento, e devem
ter reguladas as relações que entre si mantêm, com a determinação dos
direitos, deveres, ônus e obrigações que daí derivam. São, portanto,
necessárias as normas que disciplinem a criação, estrutura,
sistematização, localização, nomenclatura e atribuição desses diversos
órgãos diretos e auxiliares do aparelho judiciário destinado à
administração da justiça penal, constituindo-se o que se denomina
Organização Judiciária. Dessa forma, pode-se conceituar o Direito
Processual Penal, no seu aspecto de ordenamento jurídico, como o
conjunto de princípios e normas que regulam a aplicação jurisdicional do
Direito Penal, bem como as atividades persecutórias da Polícia Judiciária,
e a estruturação dos órgãos da função jurisdicional e respectivos
auxiliares. Como todo e qualquer Direito, o Direito Processual Penal
também pode ser encarado como Ciência Jurídica, que tem por objeto o
estudo das normas processuais penais, a sua construção dogmática, isto
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Processo PenalProf. Danilo Pereira
é, a formação dos institutos jurídicos dessa disciplina, e a crítica do
direito vigente.
Características do Direito Processual Penal
1. Autônoma: é uma ciência autônoma, pois possui objeto e princípios
que lhe são próprios.
2. Finalidade: a realização da pretensão punitiva que nasce da prática
de um ilícito penal, ou seja, é a de aplicar o Direito Penal.
3. Instrumentalidade: é o meio (instrumento) para fazer atuar o direito
material penal, tornando efetiva a função deste de prevenção e repressão
das infrações penais.
4. Dogmático: é uma disciplina normativa, de caráter dogmático
(irrefutável) pois, partindo da norma jurídica, investiga os princípios,
organiza os institutos e constrói o sistema.
Direito Público
O Direito Processual Penal é um dos ramos do Direito Público, que se
identifica pelo sujeito das relações por ele reguladas e pelas finalidades
das suas normas. No processo penal, de um lado, um dos sujeitos é o
Estado soberano, titular do interesse coletivo e que se situa numa relação
de subordinação do particular; não atua, portanto, como Estado-súdito,
como em suas relações comuns. De outro, a finalidade das normas
processuais penais é obter a repressão dos delitos, ou seja, o exercício do
jus puniendi, que constitui um dos fins essenciais do Estado. Não se pode
negar, portanto, o caráter publicístico do Direito Processual Penal. Sendo
o processo uma forma de composição do conflito de interesses, conclui-se
que, conceitualmente, é ele uno, ou seja, refere-se às lides civil e penal.
Entretanto, o Direito Processual divide-se em dois grandes ramos: o
Direito Processual Civil e o Direito Processual Penal. Tal divisão é
estabelecida de acordo com o conteúdo do processo, ou seja, aquilo que
nele se contém. Quando se trata de uma pretensão de natureza extra-
penal a regulamentação normativa é de Processo Civil. Porém, se se trata
de uma causa penal, de uma pretensão punitiva ou correlata, a
regulamentação é feita pelo Direito Processual Penal. Assim, embora a
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doutrina predominante se concentre numa concepção unitária do
processo, porque a teoria geral do processo é uma conseqüência
inarredável do estudo sistemático das diversas categorias processuais, o
conteúdo do processo penal, que é a pretensão punitiva, individualiza o
ramo jurídico denominado Direito Processual Penal.
Relações do Direito Processual Penal com outras disciplinas
O Direito Processual Penal, como qualquer outro, deve submeter-se ao
Direito Constitucional em decorrência da supremacia da Constituição na
hierarquia das leis. É na CF que se institui o aparelho judiciário, se regula
o exercício da atividade jurisdicional, se definem as garantias individuais,
se registram casos de imunidade etc. vejamos as relações com cada
disciplina:
Direito Constitucional: na Constituição Federal, se disciplina a
instituição do Poder Judiciário, inclusive na sua atividade jurisdicional
penal (arts. 92 a 126), se regula o Ministério Público como o órgão
destinado a deduzir em Juízo a pretensão punitiva (arts. 127 a 130), se
organizam as polícias (art. 144) etc. No artigo 5°, a Carta Constitucional
prevê as garantias constitucionais, inclusive as relativas ao status
libertatis da pessoa humana, que devem encontrar na lei processual penal
a maneira adequada de se imporem no caso concreto. Referem-se elas: ao
processo penal, com os princípios do juiz natural (incs. XXXVII e LII), do
devido processo legal (inc. LIV), do estado de inocência (inc. LVII), da
ampla defesa e do contraditório (inc. LV), da inadmissibilidade de provas
obtidas por meios ilícitos (inc. LVI), da ação penal privada subsidiária
(inc. LIX), da concessão de habeas corpus em caso de ilegalidade ou
abuso de poder (inc. LXVIII) etc.; às formalidades essenciais relativas à
prisão (incs. XI, LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV, LXVI, LXVII); à instituição do
Júri, com competência mínima para o julgamento dos crimes dolosos
contra a vida (XXXVIII); às regras sobre fiança (incs. XLII, XLIII, XLIV,
LXVI) e liberdade provisória (inc. LXVI); à execução da pena privativa de
liberdade (incs. XLVIII, XLIV, L); à extradição (incs. LI e LII); à
assistência jurídica (inc. LXXIV) etc.
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Direito Penal: sem este, o processo penal não existiria. É pelo processo
que se realiza, se dá existência concreta ao Direito Penal, ou seja, se
decide sobre a procedência e aplicação do jus puniendi (direito penal
subjetivo) do Estado, em conflito com o jus libertatis do acusado.
Matérias comuns, aliás, são disciplinadas tanto no Código Penal como no
Código de Processo Penal, com os relativos à ação penal, ao sursis, ao
livramento condicional, à reabilitação etc.
Além disso, no Código Penal são definidos os crimes, objeto final de
aplicação do processo penal.
Direito Processual Civil: são ramos do mesmo tronco, de tal sorte que
hoje se fala em Teoria Geral do Processo como disciplina para o estudo
dos institutos básicos dos dois ramos. Na verdade, os institutos
processuais só diferem em relação ao conteúdo do processo, seja ele a
pretensão punitiva (processo penal), seja ele a pretensão extra-penal
(processo civil).
Ressalte-se também que há influências recíprocas nas ações e sentenças
penais e civis. É efeito da condenação a obrigação de indenizar o dano
causado pelo crime (art. 92, I, do CP), tornando-se a sentença
condenatória título para a execução civil (arts. 63 do CPP). Também faz
coisa julgada no cível a sentença penal em que se reconhece ter sido o
ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito
cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito (art. 65 do
CPP). Por outro lado, deve-se anotar também as questões prejudiciais, em
que se suspende obrigatória ou facultativamente a ação penal até a
decisão do processo civil (arts. 92 a 94 do CPP). Regulam-se também no
Código de Processo Penal matérias que seriam, a rigor, do juízo civil,
como as questões de posse de coisas (art. 120), de perda de bens (art.
122), de seqüestro de imóveis (art. 125), de hipoteca legal (art. 134) etc.
Direito Administrativo: a lei penal é aplicada através do processo por
agentes da Administração Pública (Juiz, Promotor de Justiça, Delegado de
Polícia etc.), sendo inúmeros os pontos de contatos dos dois ramos
jurídicos quando se prevê legislativamente a organização, composição,
competência, disciplina, deveres, ônus etc., da organização judiciária
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(Poder Judiciário e seus auxiliares), do Ministério Público, da Polícia
Judiciária, da Defensoria Pública etc. Além disso, a execução penal tem
uma natureza jurídica híbrida, interpenetrando-se as matérias penais,
processuais e administrativas. Há, inclusive, uma parte da atividade da
execução que se refere especificamente a providências administrativas e
que fica a cargo das autoridades penitenciárias.
Direito Civil: lembrando-se novamente a matéria referente às questões
prejudiciais, cujo objeto é civil (arts. 92 e 93 do CPP). Faz ainda o Código
de Processo Penal referência às restrições estabelecidas na lei civil
quanto à prova do estado das pessoas (art. 155) e aos documentos (arts.
231 a 238). Institui impedimentos decorrentes do Direito de Família,
como o casamento e o parentesco (arts. 252, 253, 254, 255 etc.) e
possibilita a recusa ao testemunho por essas mesmas relações civis (art.
206).
Direito Comercial: as ligações do Processo Penal se encontram
principalmente na Lei de Falências (L. 11.101, de 9.02.2005), que,
prevendo os crimes falimentares, fixa normas pertinentes à fase
preparatória da ação penal, aos prazos, às conseqüências do recebimento
da denúncia, à prisão, à reabilitação etc.
Direito Internacional Público: as relações do Direito Processual Penal
se estabelecem nas matérias relacionadas no Código de Processo Penal e
referentes à ação penal por crimes praticados em território estrangeiro
(art. 88), à bordo de embarcações ou aeronaves (art. 89, 90), à
prevalência de tratados, convenções e regras de direito internacional
sobre a lei processual (art. 1°, I), às relações jurisdicionais com
autoridades estrangeiras (arts. 780 a 782), que se constituem das cartas
rogatórias (arts. 783 a 786) e da homologação de sentenças penais
estrangeiras (arts. 787 a 790) etc.
Ciências auxiliares: para a realização do Direito Penal e, portanto,
servindo como instrumento do Processo Penal, colaboram ciências
extrajurídicas auxiliares. São elas a Medicina Legal, a Psiquiatria
Forense, a Psicologia Judiciária e a Criminalística.
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É com a Medicina Legal, aplicação de conhecimentos médicos para a
realização de leis penais ou civis, que se comprova a materialidade ou
extensão de inúmeras infrações penais (homicídio, lesões corporais,
estupro etc.), incluindo-se nela a matéria de toxicologia (envenenamento,
intoxicação alcoólica e por tóxicos etc.). O Código de Processo Penal
disciplina a ocasião e a forma de realização dos exames de corpo de delito
nessas hipóteses (arts. 158 e ss).
A Psiquiatria Forense (ou Judiciária) tem por objetivo o estudo dos
distúrbios mentais em face dos problemas judiciários e, no processo
penal, tem importância decisiva na verificação das hipóteses de
inimputabilidade, apurada em exame realizado no incidente de
insanidade mental do acusado (arts. 149 a 154 do CPP). É importante
também essa ciência na execução da pena e da medida de segurança
quando da realização dos exames destinados à classificação dos
condenados e internados e de verificação de cessação de periculosidade.
Também a Psicologia Judiciária se ocupa dos exames de personalidade,
inclusive o criminológico, para a classificação dos criminosos com vistas à
individualização da execução. Entretanto, cuida ela especialmente do
estudo dos participantes do processo judicial (réu, testemunha, juiz,
advogado), fornecendo elementos úteis sobre a colaboração de cada um
na atividade processual, em especial quanto ao valor probatório dos
testemunhos, interrogatórios etc.
A Criminalística, também chamada Polícia Científica, é a técnica que
resulta da aplicação de várias ciências à investigação criminal,
colaborando na descoberta dos crimes, na identificação de seus autores,
na apuração de circunstâncias do fato etc. Seu objetivo é o estudo de
provas periciais referentes a pegadas, manchas, impressões digitais,
projéteis, locais de crime etc. A Datiloscopia pode levar à identificação de
pessoas com a comparação das impressões digitais.
História do Direito Processual Penal
O processo penal da Grécia
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Considerando a distinção então corrente entre crimes privados e crimes
públicos, na Grécia a repressão dos primeiros, que se caracterizavam
pela pouca relevância e por atingirem bens essencialmente particulares,
ficava à mercê do ofendido. Os demais, mais graves por atingirem
interesses sociais, eram apurados com a participação direta dos cidadãos
e o procedimento primava pela oralidade e publicidade dos debates.
Quanto aos delitos que atentavam contra o próprio Estado, após a
denúncia perante a Assembléia ou Senado, era indicado o acusador e
o Arconte (título dos membros que compunham a assembléia dos nobres
em Atenas) designava e compunha o tribunal popular para o julgamento.
Perante este se manisfestava o acusador, apresentando suas
testemunhas, e em seguida a defesa. Os juízes votavam sem deliberar e a
decisão era tomada por maioria de votos, sendo absolvido o acusado se
houvesse empate. Para os crimes políticos de maior gravidade, após a
manifestação do Conselho dos Quinhentos (Assembléia Legislativa),
reunia-se a Assembléia do Povo, não se concedendo ao acusado qualquer
garantia. Existiam outros tribunais como o Areópago, destinados a julgar
os homicídios premeditados, os incêndios etc., o Tribunal dos Éfetas,
composto de 51 membros, para o julgamento dos homicídios não
voluntários e não premeditados, e o Tribunal dos Eliastas (Heliea), com
jurisdição comum e que chegou a ser composto por 6.000 pessoas,
dividido em seções de 500 cada, em que cada uma podia julgar
isoladamente ou em conjunto com outras.
Direito romano
Em Roma, a separação entre delicta publica (delitos públicos - crimes
contra a segurança da cidade, parricidium etc.) e delicta privata (delitos
privados - infrações menos graves) determinava também a distinção dos
órgãos competentes para o julgamento. Quanto aos crimes privados, o
Estado era o árbitro para solucionar o litígio entre as partes, decidindo de
acordo com as provas por elas apresentadas. Com o passar dos anos,
porém, o processo penal privado foi abandonado quase totalmente. No
processo penal público, ao contrário, ocorreu a evolução. Da ausência de
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qualquer limitação ao poder de julgar existente no começo da monarquia,
em que nenhuma garantia era dada ao acusado (cognitio), passou-se ao
provocatio ad populum, em que o condenado podia recorrer da
condenação para o povo reunido em comício. Já na República surgiu a
justiça centurial (infantarias romanas), em que as centurias, integradas
por patrícios e plebeus, administraram a justiça penal em um
procedimento oral e público e, excepcionalmente, os julgamentos pelo
Senado, que a podia delegar aos questores. Já no último século da
República surgiu nova forma de procedimento: a accusatio, ficando a
administração da justiça a cargo de um tribunal popular, composto
inicialmente por senadores e, depois, por cidadãos. No império, a
accusatio foi, pouco a pouco, cedendo lugar a outra forma de
procedimento: a cognitio extra ordinem (conhecimento fora de ordem,
afastamento das regras impostas), processo penal extraordinário, a
cargo, no início, do Senado, depois ao imperador e, finalmente, outorgado
ao praefectus urbis (prefeito urbano, o prefeito da cidade de Roma). Os
poderes do Magistrado, foram invadindo a esfera de atribuições já
reservadas ao acusador privado a tal extremo que, em determinada
época, se reunia no mesmo órgão do Estado (magistrado) as funções que
hoje competem ao Ministério Público e ao Juiz. Fez-se introduzir, então, a
tortura do réu e mesmo de testemunhas que depusessem falsamente e a
prisão preventiva. Pode-se apontar tal procedimento como a base
primordial do chamado sistema inquisitivo.
Direito germânico
Entre os povos germânicos, os crimes privados eram reprimidos pela
vingança privada e também, mais tarde, pela composição. Existia também
a Assembléia, que atuava somente por iniciativa da vítima ou de seus
familiares, presidida pelo rei, príncipe, duque ou conde. O procedimento
era acusatório, regido pelos princípios da oralidade, imediatidade,
concentração e publicidade. A confissão tinha um valor extraordinário,
vigorando, na questão das provas as ordálias ou juízos de Deus (prova
de água fervente, do ferro em brasa, do fogo etc.), bem como os duelos
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judiciários, com os quais se decidiam os litígios, pessoalmente ou através
de lutadores profissionais. Era absolvido o acusado que suportasse as
ordálias ou vencesse o duelo.
Direito canônico
Entre as épocas do direito romano e germânico e o direito moderno
estendeu-se o Direito Canônico ou o Direito Penal da Igreja, com a
influência decisiva do cristianismo na legislação penal. Embora
contribuísse para essa humanização, politicamente a Igreja lutava para
obter o predomínio do Papado sobre o poder temporal a fim de proteger
os interesses religiosos de dominação. Assim, até o século XII, o processo
somente podia ser iniciado com a acusação, apresentada aos Bispos,
Arcebispos ou oficiais encarregados de exercerem a função jurisdicional.
No século seguinte, entretanto, estabeleceu-se o procedimento
inquisitivo, com denúncias anônimas e foram abolidas a acusação e a
publicidade do processo. Tentava-se abolir as ordálias e os duelos
judiciários mas se estabelecia a tortura, a ausência de garantia para os
acusados, o segredo. Instalou-se o temido Santo Ofício (Tribunal de
Inquisição) para reprimir a heresia, o sortilégio, a bruxaria etc. O
sistema inquisitivo estabelecido pelos canonistas pouco a pouco dominou
as legislações laicas da Europa Continental, convertendo-se em
verdadeiro instrumento de dominação política.
O processo penal moderno
As sementes do processo penal moderno encontram-se na segunda
metade do século XVIII, com o chamado período humanitário do
Direito Penal. O objetivo é a humanização da Justiça, procurando-se
conciliar a legislação penal com as exigências da justiça e os princípios de
humanidade. Montesquieu elogiava a instituição do Ministério Público,
que fazia desaparecer os delatores; Beccaria condena a tortura, os juízos
de Deus, o testemunho secreto, preconiza a admissão em Juízo de todas
as provas, investe contra a prisão preventiva sem prova da existência do
crime e de sua autoria. Voltaire censurava a lei que obrigava o juiz a
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Processo PenalProf. Danilo Pereira
portar-se não como magistrado mas como inimigo do acusado. Assim,
após o Código de Napoleão, de 1808, na França é organizada a
administração da Justiça, mantendo-se a tripartição de tribunais
(Tribunais Correcionais, Tribunais de Polícia e Cours d'assises [tribunal
de recursos]), com ação penal pública exercida pelo Ministério Público.
Instala-se, posteriormente um processo penal em que se estabelece um
sistema misto de inquisitivo (na fase de instrução preparatória) e
acusatório, que teve reflexos em toda a Europa. Já na metade do século
passado surge um movimento no sentido de se extinguir o sistema
inquisitivo da fase instrutória. Hoje em quase todas as legislações
predomina, com maior ou menor intensidade, o sistema misto.
Evolução do processo penal no Brasil
Quando da descoberta, vigente as Ordenações Afonsinas em Portugal,
entretanto não chegaram a ter qualquer aplicação no país pois tudo
estava por fazer e organizar por longos anos.
1603 - entrou em vigor as Ordenações Filipinas, que realmente foi o
primeiro instrumento legal aplicado no Brasil. Previam um processo
criminal iniciado por “clamores”, depois passaram a começar por
“querelas” (delações em juízo por particulares) e por “denúncias”, todas
em o concurso do acusado. Essa legislação refletia ainda o direito
medieval, em que os ricos e poderosos gozavam de privilégios, podendo,
com dinheiro, salvarem-se das sanções penais.
1609 - criou-se o Tribunal de Relações na Bahia que era destinado a
conhecer dos recursos das decisões dos Ouvidores Gerais, que conheciam
das apelações das sentenças proferidas pelos Ouvidores das Capitanias e
dos juízes ordinário.
1709 - criou-se o Tribunal de Relação do Rio de Janeiro, instância
superior a todas então existentes, que foi elevado à categoria de Casa de
Suplicação, constituindo o Superior Tribunal de Justiça.
Na região dominada pelos holandeses instalou-se o direito dos usos,
ordenações e costumes imperiais da Holanda, Zelândia e Frísia Oriental
(cordão de ilhas localizada no norte da Holanda e países baixos),
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Processo PenalProf. Danilo Pereira
complementada por leis promulgadas no país pelo Alto Conselho e pelos
demais poderes da colônia. No processo inexistia distinção entre fase
policial e fase judicial e a acusação contra criminosos partia de
funcionários do Estado ou dos particulares. O Escolteto era ao mesmo
tempo, chefe de polícia e promotor público, mas a acusação não era
apenas pública pois os particulares também podiam pedir aos tribunais a
condenação dos delinqüentes. Buscava-se a confissão dos réus com
insistência, inclusive por meio de fraude e de torturas. A prova
testemunhal tinha grande valor, ainda quando conseguida mediante
tortura ou promessas de recompensa. As normas jurídicas aplicadas pelos
holandeses nos territórios ocupados no Brasil, porém, em nada de
relevante contribuíram para a construção do processo penal brasileiro.
1822 - Proclamada a Independência em 7.09.1822, continuou a vigorar
as Ordenações do Reino.
1824 - Constituição promulgada, primeira o Brasil. Dava a organização
judiciária básica do Poder Judiciário brasileiro, previa as denúncias pelo
promotor público ou qualquer do povo. A regra era competência do
julgamento centrada no júri. Era uma constituição de anseios modernos e
liberais.
1830 – Promulgado o Código Criminal do Império, primeira legislação
penal genuinamente brasileira.
1832 – entrou em vigor o Código de Processo Criminal do Império
(29.11.1832), que foi a primeira legislação processual penal
genuinamente brasileira. Deixaram de existir as devassas e as querelas,
que assumiram novas formas, agora com o nome de queixas. As
denúncias podiam ser oferecidas pelo Promotor Público ou por qualquer
do povo, sendo possível o procedimento ex officio (de ofício) em todos os
casos de denúncia. Como regra geral, a competência para o julgamento
era centrada no Júri, estando delas excluídas as contravenções e os
crimes menos graves. Refletia um direito medieval em que os poderosos
gozavam de privilégios, escapando de sanções penais, apesar de
inspirado na CF/24, que era uma constituição liberal.
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Processo PenalProf. Danilo Pereira
1871 – decreto 4824/1871 e lei 2033/1871 regulavam também o processo
penal. Esta última regulou pela primeira vez o “inquérito policial”, cujo
nome até hoje é utilizado.
1889 – Proclamação da República (15.11.1889).
1890 – Promulgado o Código Penal de 1890 (11.10.1890).
1891 – promulgada Constituição de 1891. Os Estados passaram a ter
suas próprias constituições e leis, inclusive de caráter processual, mas
poucos utilizaram dessa faculdade. Apesar de instalado o novo sistema de
governo, e nova Constituição não houve um Código de Processo Penal
neste período.
1937 – Promulgada a Constituição Federal de 1937.
1940 - Promulgado o Código Penal de 1.940 (decreto lei 2.838/40, de
7.12.1940 e com vigência desde 1º.01.1942), vigente até os dias atuais.
Claro que diversas leis e reformas o alteraram ao longo dos anos.
1941 – Promulgado do Código de Processo Penal pelo decreto-lei
3.689/41, de 3.10.1941 e com vigência a partir de 1/01/1942, junto a Lei
de Introdução ao Código de Processo Penal, Decreto-lei 3.931/41, que
visava adaptar o novo Código aos processos pendentes. Manteve o
inquérito policial e o procedimento burocrático ainda derivado das
legislações portuguesas, instalou a instrução contraditória e a completa
separação das funções julgadoras e acusatória, restringiu a competência
do Júri dentre outras inovações.
Atualmente: o Código de Processo Penal possui 811 dispositivos. Sofreu
desde então várias alterações em seu conteúdo, além de existir várias leis
especiais cujo trazem em seu bojo diversas disposições processuais,
recentemente, as leis 11.689/08, 11.690/08, 11.719/08 e 12.403/11
trouxeram relevante alterações. Além disso, o processo de execução
penal passou a ser regido pela Lei 7.210/84 (lei das Execuções Penais),
tornando inaplicáveis as disposições contidas no Livro IV do CPP (artigos
668 a 779). Hoje, vivenciamos uma fase e grandes discussões no campo
processual e estamos na iminência de um novo Código de Processo Penal
fruto do Projeto de Lei no Senado nº 156/09, inclusive com redação
aprovada aos 8.12.2010.
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Processo PenalProf. Danilo Pereira
Evolução doutrinária
De acordo com o seu desenvolvimento científico, o Direito Processual
Penal pode ser separado em dois períodos, tendo o segundo se iniciado
com o Código de Processo Criminal (Code d'Instruction Criminelle),
promulgado na França em 1808. No primeiro período os doutrinadores
identificam as seguintes fases: dos glosadores, dos pós-glosadores,
dos práticos e dos precursores.
Os glosadores limitaram-se a breves notas de interpretação (glosae),
constituindo sua contribuição em mera exegese primitiva de fragmentos
do Direito Romano. Cabem-lhes, porém, os méritos de haver iniciado,
para o processo penal, o adequado tratamento jurídico, lançando assim os
alicerces da doutrina processual penal. Destacaram-se dentre eles Irnério
(1085-1125), Búlgaro (De Judiciis), Placentino (De varietate actionem),
Bernardo de Dorna (Summula de libellis), Tancredo e Acúrsio etc.
Os pós-glosadores desenvolveram o sistema das glosas, passando aos
comentários, ainda com base no direito romano (Justiniano), em estudos
conjuntos com o direito processual civil. Dessa fase são Bártolo de
Assoferrato (1314-1357), Jacobus de Bellovisu (1270-1335) e Albertus
Gandinus (Tratactus de maleficiis, de 1262).
Os práticos passaram à exposição sistemática, ainda com caráter
precário, mas numa ordem mais organizada de exposições que se
elevavam ao plano das questões gerais. Devem ser mencionadas as obras
de Júlio Claro de Alexandria (1525-1575), Prosperio Farinácio (1554-
1613), Benedito Carpsov, Antonio Matheus, Nicola Vigelus, Mathias
Berlich, Beaunamoir, Pierre Ayrault etc.
Os precursores são os comentadores do Período Humanitário, que
incluem, além de Cesare de Bonesana (marquês de Beccaria), Filangieri,
Vauglans, Romagnosi etc. e, em Portugal, Pascoal de Melo Freire, Pereira
de Souza, Caetano Gomes etc.
No segundo período, iniciado após o Código de Napoleão, de 1808,
surgem os estudos mais completos a respeito do processo penal,
distanciado do direito material, nas obras de Francesco Carrara
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Processo PenalProf. Danilo Pereira
(Programma del Corso di Diritto Criminalle); Faustin Hélie (Traité de l'
Insttruction Criminelle), Garraud (Compêndio de Direito Criminal); Luigi
Lucchini (Elementi di Procedura Penale) etc. Anote-se, sobretudo, o nome
de Oscar Bulow, com sua obra “A Teoria das Exceções Dilatórias e dos
Pressupostos Processuais”, em que, com fundamento na relação
processual de caráter público, imprime novos rumos e aponta outros
métodos ao Direito Processual.
No Brasil, durante o regime imperial, quem mais contribuiu para o
desenvolvimento da doutrina processual penal foi Pimenta Bueno, com a
obra “Apontamentos sobre o Processo Criminal Brasileiro”. Já na
República, o maior processualista é João Mendes de Almeida Junior (O
Processo Criminal Brasileiro), salientando-se ainda os nomes de Galdino
Siqueira, Costa Manso, Cândido Mendes, Firmino Whitaker, João de
Oliveira Filho, Pontes de Miranda, Florêncio de Abreu. Sobre o Código de
Processo Penal, devem ser ressaltados os comentários de E. Espínola
Filho (Comentários ao Código de Processo Penal), José Frederico
Marques (Elementos de Direito Processual Penal e Tratado de Direito
Processual Penal), Hélio Tornaghi (Instituições de Direito Processual
Penal), E. Magalhães Noronha (Curso de Direito Processual Penal).
Valiosa também tem sido a colaboração dos novos processualistas
brasileiros: Ada Pellegrini Grinover, Rogério Lauria Tucci, Afrânio Silva
Jardim, Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Herminio Alberto Marques
Porto, Vicente Greco Filho, Antonio Scarance Fernandes, Fernando da
Costa Tourinho Filho.
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