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2 // Ética e direito à vida: Volume II

CAPA: http://blogs.vancouversun.com/2013/07/25/b-c-man-who-tried-to-nurse-emaciated-horse-back-to-

health-acquitted-of-animal-cruelty/

Da Contextualização do Conceito de Meio Ambiente do Trabalho // 3

ÉTICA E DIREITO À VIDA

Volume II

4 // Ética e direito à vida: Volume II

Da Contextualização do Conceito de Meio Ambiente do Trabalho // 5

Daniela Menengoti Ribeiro

Jose Francisco de Assis Dias Larissa Yukie Couto Munekata

(Organizadores)

AUTORES: Andréa Silva Albas Cassionato

Danyani Rafaella Barbosa Camin Fernando Cézar Lopes Cassionato

Gabrielli Agostineti Azevedo Gisele Mendes de Carvalho

Gustavo Vinícius Camin Ihgor Jean Rego

José Francisco de Assis Dias Judith Aparecida de Souza Bedê Larissa Yukie Couto Munekata

Lucas Yuzo Abe Tanaka Luis Carlos Mucci Júnior

Márcia Fátima da Silva Giacomelli Pedro Henrique Sanches Aguera

Rafaela Simões dos Anjos Rodrigo Roger Saldanha Sarah Somensi de Lima

ÉTICA E DIREITO À VIDA

Volume II Primeira Edição E-book

Editora Vivens O conhecimento a serviço da Vida!

Maringá – PR – 2016

6 // Ética e direito à vida: Volume II

Copyright 2016 by

Daniela Menengoti Ribeiro; Jose Francisco de Assis Dias; Larissa Yukie Couto Munekata

EDITOR: Daniela Valentini

CONSELHO EDITORIAL:

Prof. Dr. Celso Hiroshi Iocohama - UNIPAR Prof. Dr. Ivan Dias da Motta - UNICESUMAR

Prof. Dr. Lorella Congiunti – PUU - Roma REVISÃO ORTOGRÁFICA:

Prof. Antonio Eduardo Gabriel CAPA, DIAGRAMAÇÃO E DESIGN:

Bruno Macedo da Silva Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi Bibliotecária CRB/9-1610

Todos os direitos reservados com exclusividade para o território nacional. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou

transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem

permissão escrita da Editora. Editora Vivens, O conhecimento a serviço da Vida!

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Ética e direito à vida, volume II. / organizadores

E84 Daniela Menengoti Ribeiro, José Francisco de

Assis Dias, Larissa Yukie Couto Munekata;

autores, Andréa Silva Albas Cassionato

... [et al]. – 1. ed. e-book – Maringá, PR:

Vivens, 2016. 224 p.

Modo de Acesso: World Wide Web:

<http://www.vivens.com.br>

ISBN: 978-85-8401-059-2

1. Direito à vida. 2. Vida humana. 3. Direitos

da personalidade. 4. Direito e ética. I. Título.

CDD 22. ed. 340.112

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO................................................................... I = PESSOA COM DEFICIÊNCIA E O DIREITO A VIDA DIGNA Gustavo Vinícius Camin Danyani Rafaella Barbosa Camin Rodrigo Roger Saldanha.......................................................... II = DIREITO À VIDA E DIREITO À MORTE COM DIGNIDADE Judith Aparecida de Souza Bedê.............................................. III = A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE Gabrielli Agostineti Azevedo Gisele Mendes de Carvalho Larissa Yukie Couto Munekata................................................. IV = DA EXISTÊNCIA DA EUGENIA NA PÓS-MODERNIDADE COMO EFETIVAÇÃO DO DIREITO À VIDA Lucas Yuzo Abe Tanaka Pedro Henrique Sanches Aguera............................................ V = O DIREITO À VIDA DO NASCITURO Ihgor Jean Rego Luis Carlos Mucci Júnior.............................................................. VI = O DIREITO À VIDA E A PROBLEMÁTICA DA PENA DE MORTE Márcia Fátima da Silva Giacomelli Rafaela Simões dos Anjos Sarah Somensi de Lima...............................................................

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VII = O DIREITO À VIDA E O SUICÍDIO ASSISTIDO FRENTE À DIGNIDADE HUMANA Andréa Silva Albas Cassionato Fernando Cézar Lopes Cassionato Jose Francisco de Assis Dias......................................................

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APRESENTAÇÃO Esta obra é o segundo volume da série coletânea “Ética

e Direito à Vida”, nascida como “ideia” durante as aulas ministradas pelo Prof. Dias, na disciplina “Fundamentos ontológicos do direito à vida”, no programa de mestrado em ciências jurídicas do Unicesumar, no ano acadêmico de 2015.

Esta série saiu da “ideia” e se tornou realidade graças à dedicação e empenho da mestranda Larissa, que com tenacidade nipônica mobilizou a todos para que participassem e cumprissem os prazos acordados.

Este volume traz aos estudantes de ética, bioética e direito à vida os seguintes temas: - no primeiro capítulo, “Pessoa com deficiência e o direito à vida digna”, de autoria de Gustavo Vinícius Camin, Danyani Rafaella Barbosa Camin e Rodrigo Roger Saldanha; - no segundo capítulo, “Direito à vida e direito à morte com dignidade”, de autoria de Judith Aparecida de Souza Bedê; - no terceiro capítulo, “A dignidade da pessoa humana como fundamento dos direitos da personalidade”, de autoria de Gabrielli Agostineti Azevedo, Gisele Mendes de Carvalho e Larissa Yukie Couto Munekata; - no quarto capítulo, “Da existência da eugenia na pós-modernidade como efetivação do direito à vida”, de autoria de Lucas Yuzo Abe Tanaka e Pedro Henrique Sanches Aguera; - no quinto capítulo, “O direito à vida do nascituro”, de autoria de Ihgor Jean Rego e Luis Carlos Mucci Júnior; - no sexto capítulo, “O direito à vida e a problemática da pena de morte”, de autoria de Márcia Fátima da Silva Giacomelli, Rafaela Simões dos Anjos e Sarah Somensi de Lima; - no sétimo capítulo, “O direito à vida e o suicídio assistido frente à dignidade humana”, de autoria de Andréa Silva Albas Cassionato, Fernando Cézar Lopes Cassionato e Jose Francisco de Assis Dias.

Boa leitura!

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= I =

PESSOA COM DEFICIÊNCIA E O DIREITO A VIDA DIGNA

Gustavo Vinícius Camin*

Danyani Rafaella Barbosa Camin** Rodrigo Roger Saldanha***

1.1 INTRODUÇÃO

A Constituição da Republica de 1988 trouxe em seu bojo

inúmeros princípios basilares do ordenamento jurídico que surgia com ela, em especial os direitos fundamentais do homem e os princípios fundamentais.

Neste rol se encontram o direito à vida e a dignidade da pessoa humana, elencados, respectivamente, no caput do art. 5º e no inciso III do art 1º do texto constitucional.

Assim, muito se falou em colisão ou choque entre vida e dignidade humana e como lidar com estes fenômenos em

* Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Maringá – UNICESUMAR; Especialista em Direito do Estado pela Universidade Estadual de Londrina – UEL; Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná – EMAP; Graduado em Direito pela Faculdade Maringá – CESPAR; Procurador do Município de Maringá; Advogado; e-mail: [email protected]. ** Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Maringá – CESPAR; Especialista em Comunicação Empresarial pelo Instituto Paranaense de Ensino; Especialista em Comunicação, Educação e Artes pela UNIPAR; Graduada em Comunicação Social com ênfase em jornalismo pela Faculdade Maringá – CESPAR; Jornalista e Chefe de Redação na empresa Jornal do Povo; e-mail: [email protected]. *** Mestrando em Ciências Jurídicas no Centro Universitário de Maringá – UNICESUMAR; Especialista em educação Ambiental pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM; Especialista em Ciências Penais pela Universidade Estadual de Maringá – UEM; Formado em Direito com Ênfase em Políticas Públicas pela Faculdade Metropolitana de Maringá – FAMMA; Advogado; Professor do Curso de Direito na Faculdade Alvorada de Maringá; e-mail:[email protected]

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relação aos preceitos fundamentais anteriormente elencados, para se poder também chegar a um denominador comum.

Neste ponto que se vislumbra o objeto do estudo, muito se fala em dignidade humana, vida e até mesmo em vida digna, mas existem grupos de indivíduos que não possuem acesso a estes direitos e princípios tão fundamentais e básicos a todos.

Dentre estes grupos se encontram as pessoas com deficiência, pessoas que dentro de sua trajetória histórica na história da humanidade, teve ou não acesso a tal vida digna, como fazer para que este grupo de pessoas tenha acesso a tal vida digna.

Assim, o estudo permeia toda a história das pessoas com deficiência e a melhor forma de se portar ao grupo de pessoas que possui deficiências, para se poder utilizar a expressão correta e não as equivocadas.

Em momento posterior se faz o estudo da vida digna, direito a vida e dignidade humana, para ao final do estudo se poder concluir o que vem a ser a vida com dignidade e como se pode fornecer tal vida com dignidade as pessoas que possuem deficiências.

1.2 PESSOA COM DEFICIÊNCIA

1.2.1 Evolução Histórica da Proteção da Pessoa com Deficiência

Para se poder falar em pessoa com deficiência, torna-

se, primeiramente salutar observar este grupo de pessoas foi tratado no decorrer da evolução histórica da própria humanidade.

Referente a história da pessoa com deficiência explica Flávia Piovesan:

A história da construção dos direitos humanos das pessoas com deficiência compreende quatro fases: a) uma fase de intolerância em relação às pessoas com deficiência, em que a deficiência simbolizava impureza, pecado, ou mesmo, castigo divino; b) uma fase marcada pela invisibilidade das pessoas com deficiência; c) uma terceira fase orientada por uma ótica assistencialista, pautada na perspectiva médica e biológica de que a deficiência era uma "doença a ser curada", sendo o foco centrado no indivíduo "portador da enfermidade"; e d)

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finalmente uma quarta fase orientada pelo paradigma dos direitos humanos, em que emergem os direitos à inclusão social, com ênfase na relação da pessoa com deficiência e do meio em que ela se insere, bem como na necessidade de eliminar obstáculos e barreiras superáveis, sejam elas culturais, físicas ou sociais, que impeçam o pleno exercício de direitos humanos. Isto é, nessa quarta fase, o problema passa a ser a relação do indivíduo e do meio, este assumido como uma construção coletiva. Nesse sentido, esta mudança paradigmática aponta aos deveres do Estado para remover e eliminar os obstáculos que impeçam o pleno exercício de direitos das pessoas com deficiência, viabilizando o desenvolvimento de suas potencialidades, com autonomia e participação. De "objeto" de políticas assistencialistas e de tratamentos médicos, as pessoas com deficiência passam a ser concebidas como verdadeiros sujeitos, titulares de direitos.1

Percebe-se que a história da pessoa com deficiência

teve uma evolução muito grande dentro dos períodos histórico, fazer apenas a mesma análise que a citação acima seria muito singelo para o estudo, assim se torna necessário analisar tal evolução no decorrer dos eventos mais importantes da história da humana, desde a idade antiga até os tempos atuais.

1.2.1.1. Idade Antiga

A intitulada idade antiga se origina com a descoberta da

escrita, aproximadamente em 4.000 A.C. e se desloca até a queda do império romano, que se deu perto do século V d.C.

O primeiro povo antigo a ser analisado referente ao tratamento das pessoas com deficiência em sua sociedade foram os egípcios, conforme relata Maria Aparecida Gugel: "Evidências arqueológicas nos fazem concluir que no Egito Antigo, há mais de cinco mil anos, a pessoa com deficiência integrava-se nas diferentes e hierarquizadas classes.”2

1 PIOVESAN. Flavia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 214-215 2 GUGEL, Maria Aparecida. A pessoa com deficiência e sua relação com a história da humanidade. Florianópolis: Obra Jurídica. 2007, p.

2.

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Pode-se, perceber assim, que no Egito antigo as pessoas com deficiência não eram deixadas de lado ou eliminadas da sociedade, mas sim integravam a sociedade egípcia dentro de todas as camadas sociais existentes.

Referente ao povo persa, vizinho próximo dos egípcios, Otto Marques da Silva3 salienta que este povo também possuía médicos egípcios em sua corte e seu Rei preocupado com graves problemas na visão, solicitou ao faraó egípcio seu melhor especialista, o qual foi enviado a Persa. Este especialista atuou na Persa por vários anos, cuidando de pessoas que corriam grandes riscos de ficarem cegos.

Pode-se afirmar, então, que o povo persa também se preocupava com o tratamento de seus deficientes, como se pode observar no exemplo supra. Porém, assim como os egípcios, aqueles mais abastados teriam acesso a melhores recursos médicos.

O próximo povo antigo a ser observado no presente será os gregos, levando em consideração suas principais cidades-estados, quais sejam, Esparta e Atenas.

Segundo Otto Marques da Silva o tratamento das pessoas com deficiência em Esparta na Grécia antiga era da seguinte forma:

Aqueles que tivessem algum tipo de deficiência não estariam aptos para o exercício da guerra. Ao nascer, os bebês eram levados a uma espécie de comissão oficial formada por anciãos de reconhecida autoridade. Conforme as leis: Se lhes parecia feia, disforme e franzina, como refere, Plutarco, esses mesmos anciãos, em nome do Estado e da linhagem de famílias que representavam, ficavam com a criança. Tomavam-na logo a seguir e a levavam a um local chamado Ápothetai, que significa depósito. Tratava-se de um abismo situado na cadeia de montanhas Tahgetos, perto de Esparta, onde a criança era lançada e encontraria a morte, pois, tinham a opinião de que não era bom nem para a criança nem para a república que ela vivesse, visto como desde o nascimento não se mostrava bem constituída para ser forte, sã e rija durante toda a vida4

3 SILVA, Otto Marques da. A epopéia ignorada: a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. São Paulo; Caderno

Cedes, 1986, p. 41. 4 Ibidem, p. 122.

Pessoa com deficiência... // 15

Percebe-se assim que as pessoas com deficiência em

Esparta na Grécia Antiga eram tratadas como imprestáveis, tendo por consequência ser descartado por não possuir a aptidão necessária para o exército, situação a qual todo espartano se submeteria, pois eram criados para pertencer ao exército.

Em Atenas se pode notar o mesmo tratamento em pensamentos de filósofos renomados daquela época, observa-se, por exemplo, o pensamento do filósofo Platão: “no que concerne aos que receberam corpo mal organizado, deixa-os morrer”5:

O mesmo pensador grego ainda salienta: Pegarão então os filhos dos homens superiores, e levá-los-ão para o aprisco, para junto de amas que moram à parte num bairro da cidade; os dos homens inferiores, e qualquer dos outros que seja disforme, escondê-los-ão num lugar interdito e oculto, como convém.6

Nítido aqui que para os gregos as pessoas com

deficiência ou deviam ser mortas, ou na menos sofrida das hipóteses serem retiradas do convívio da família e serem escondidas não vindo assim a fazer parte da sociedade grega.

Torna-se, de suma importância, analisar ainda o pensamento de Aristóteles, outro pensador grego que salienta:

Quanto a rejeitar ou criar os recém-nascidos, terá de haver uma lei segundo a qual nenhuma criança disforme será criada com vistas a evitar o excesso de crianças, se os costumes das cidades impedem o abandono de recém-nascidos, deve haver um dispositivo legal limitando a procriação, se alguém tiver um filho contrariamente a este dispositivo deverá ser provocado o aborto antes que comecem as sensações e a vida, a legalidade ou ilegalidade do aborto será definida pelo critério de haver ou não vida e sensações.7

Denota-se portanto que em ambas as principais cidades

gregas da antiguidade clássica as pessoas com deficiência eram

5 PLATÃO. República. Rio de Janeiro: Hemus 1970, p. 136. 6 PLATÃO. República. Rio de Janeiro: Hemus 1970, p. 213. 7 ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Editora Martin Claret, 2001.

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sacrificadas sem piedade, seja por um colegiado de anciões, seja por seus próprios progenitores, sem ter direito a qualquer direito inclusive a vida.

Exarada as cidades gregas estudar-se-á o próximo ponto de grande relevância na antiguidade clássica, Roma, que segundo Mario Alighiero Manacorda tratava as pessoas com deficiência como:

O período que antecede o segundo século antes de Cristo. Até então o exército romano era formado por pequenos agricultores, que iam à guerra para defenderem suas propriedades e adquirir novas terras. Durante este período, o tratamento dado às pessoas com deficiências era praticamente o mesmo que aquele dado na Grécia. “A antiga lei das Doze Tábuas, do início da república até a metade do século V a.C., permite entre outras coisas, que o pai mate os filhos anormais8

Para ilustrar o exposto pelo pensador supra, torna-se

importante mencionar o texto da Lei das 12 tabuas, em especial o pertinente a pessoa com deficiência, que determina: “TÁBUA QUARTA. Do pátrio poder e do casamento. 1. É permitido ao pai matar o filho que nasce disforme, mediante o julgamento de cinco vizinhos.”9

Assim fica claro que no começo do período romano existia nesse povo o mesmo costume bárbaro dos gregos o de sacrificar pessoas inocentes apenas pelo fato de nascerem com uma determinada deficiência.

Em um segundo momento dentro da cultura romana este tratamento muda para algo menos bárbaro e um pouco mais ameno conforme leciona Otto Marques da Silva:

Passou-se então a existir uma certa tolerância com as pessoas que nasciam com alguma deficiência. Entre os ricos e nobres alguns chegaram a ser imperadores, tais como: Tiberius Claudius César Augustus Germanicus, conhecido como Imperador Cláudio I; Servius Sulpicius Galba; Aulus Vitelius. Já entre os pobres, a realidade era bem diferente, “existia em

8 MANACORDA, Mário Alighiero. História da educação: da antigüidade aos nossos dias. São Paulo: Cortez, 1997, p. 71. 9 A Lei das XII Tabuas. Disponível em

<http://api.adm.br/direito/TABUAS.htm>, acessado em 29 abr. 2015.

Pessoa com deficiência... // 17

Roma um mercado especial para compra e venda de homens sem pernas ou braços, de três olhos, gigantes, anões, hermafroditas10

Assim, no império romano as pessoas com deficiência passaram a ser toleradas e não mais mortas, podendo viver em todas as camadas da sociedade romana.

No sentido supra, da mudança de tratamento das pessoas com deficiência pelos romanos antigos, Maria Aparecida Gugel ensina em sua obra

Foi no vitorioso Império Romano que surgiu o cristianismo. A nova doutrina voltava-se para a caridade e o amor entre as pessoas. As classes menos favorecidas sentiram-se acolhidas com essa nova visão. O cristianismo combateu, dentre outras práticas, a eliminação dos filhos nascidos com deficiência. Os cristãos foram perseguidos porém, alteraram as concepções romanas a partir do Século IV. Nesse período é que surgiram os primeiros hospitais de caridade que abrigavam indigentes e pessoas com deficiências.11

Percebe-se, portanto, que o cristianismo teve um grande

papel na mudança de pensamento dos romanos em relação às pessoas com deficiência, inclusive em relação à forma de tratamento, vindo, inclusive, a serem criados locais onde estas pessoas podiam ser abrigadas.

1.2.1.2. Idade Média

Este período histórico é o que compreende aquele que

vai do século V ao século XV, conhecido por ter sua população encravada no feudalismo, composta pelo clero, pela nobreza e pela plebe, de um modo geral.

Referente ao tratamento das pessoas com deficiência na idade média salienta Maria Aparecida Gugel:

10 SILVA, Otto Marques da. A epopéia Ignorada: a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. São Paulo; Caderno

Cedes, 1986, p. 124. 11 GUGEL, Maria Aparecida. A pessoa com deficiência e sua relação com a história da humanidade. Florianópolis: Obra Jurídica. 2007, p.

6.

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A população ignorante encarava o nascimento de pessoas com deficiência como castigo de Deus. Os supersticiosos viam nelas poderes especiais de feiticeiros ou bruxos. As crianças que sobreviviam eram separadas de suas famílias e quase sempre ridicularizadas. A literatura da época coloca os anões e os corcundas como focos de diversão dos mais abastados.12

Referente a este período Gustavo Vinicius Camin ainda ensina:

no período da Idade Média, as pessoas com deficiência passam a ser foco de ridicularização por parte das pessoas mais abastadas e (também) das menos abastadas; passam a ser temidas, devido à superstição de serem bruxos ou de serem amaldiçoadas.13

Fica evidente aqui que no período medieval as pessoas

com deficiência passam a ser consideradas como diversão para alguns e como motivo de medo, vez que acabam sendo vistas como amaldiçoadas.

Salienta Maria Aparecida Gugel ainda referente este período da história: “O rei Luís IX, cujo reinado ocorreu entre 1214 e 1270, fundou o primeiro hospital para pessoas cegas, o Quinze-Vingts. Quinze- Vintes significa 15 x 20 = 300. Era o número de cavaleiros cruzados que tiveram seus olhos vazados na 7ª Cruzada”14.

Assim fica visível que pelo menos um monarca daquela época teve piedade para com os cavaleiros que ficaram cegos em cruzadas e fundou o primeiro hospital para cegos, um lugar para que estas pessoas ficassem.

12 Ibidem, p. 9. 13 CAMIN, Gustavo Vinícius. A aposentadoria especial da pessoa com deficiência. In: I Congresso Internacional de Direitos da

Personalidade, 2014, Maringá. Anais Eletrônicos. 14 GUGEL, Maria Aparecida. A pessoa com deficiência e sua relação com a história da humanidade. Florianópolis: Obra Jurídica. 2007, p.

11.

Pessoa com deficiência... // 19

1.2.1.3. Idade Moderna O período que se origina após a idade média teve sua

marca no renascimento cultural, momento onde se separa da cultura teocêntrica e se passa para o humanismo e para o antropocentrismo, este período fica conhecido na história como Idade Moderna.

Neste período da história muito se evoluiu em questões de inventos tecnológicos, por assim dizer, inclusive para as pessoas com deficiência, conforme Maria Aparecida Gugel ensina:

Gerolamo Cardomo (1501 a 1576), médico e matemático inventou um código para ensinar pessoas surdas a ler e escrever, influenciando o monge beneditino Pedro Ponce de Leon (1520-1584) a desenvolver um método de educação para pessoa com deficiência auditiva, por meio de sinais. Esses métodos contrariaram o pensamento da sociedade da época que não acreditava que pessoas surdas pudessem ser educadas.15

Percebe-se assim que o primeiro invento tecnológico ou

cultural para pessoas com deficiência poderem ser tratadas como pessoas veio neste período histórico com o método de se se ensinar a leitura e a escrita para pessoas com deficiência auditiva.

Ainda referente aos surdos complementa Maria Aparecida Gugel:

Em 1620 na Espanha, Juan Pablo Bonet (1579-1633), escreveu sobre as causas das deficiências auditivas e dos problemas da comunicação, condenando os métodos brutais e de gritos para ensinar alunos surdos. No livro Reduction de las letras y arte para ensenar a hablar los mudos, Pablo Bonet demonstra pela primeira vez o alfabeto na língua de sinais.16

Assim se torna evidente que o movimento humanista

começou pelo menos a tentar desenvolver métodos para a integração das pessoas com deficiência, os quais alguns destes, como se verá ainda são usados até os dias atuais.

15 Ibidem, p. 20. 16 Ibidem, p. 25.

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Segundo Maria Aparecida Gugel houve melhoras no tratamento de pessoas com perturbações mentais, nas seguintes palavras: “Philippe Pinel (1745-1826) explicou que pessoas com perturbações mentais devem ser tratadas como doentes, ao contrário do que acontecia na época, quando eram trados com violência e discriminação.”17

Houve neste período também avanços para as pessoas com deficiência visual, nas palavras de Maria Aparecida Gugel:

No Século XIX, em 1819, Charles Barbier (1764-1841), um capitão do exército francês, atendeu a um pedido de Napoleão e desenvolveu um código para ser usado em mensagens transmitidas à noite durante as batalhas. Em seu sistema uma letra, ou um conjunto de letras, era representada por duas colunas de pontos que por sua vez se referiam às coordenadas de uma tabela. Cada coluna podia ter de um a seis pontos, que deveriam estar em relevo para serem lidos com as mãos. O sistema foi rejeitado pelos militares, que o consideraram muito complicado. Barbier então apresentou o seu invento ao Instituto Nacional dos Jovens Cegos de Paris. Entre os alunos que assistiram a apresentação encontrava-se Louis Braille (1809- 1852), então com quatorze anos, que se interessou pelo sistema e apresentou algumas sugestões para seu aperfeiçoamento. Como Barbier se recusou a fazer alterações em seu sistema, Braille modificou totalmente o sistema de escrita noturna criando o sistema de escrita padrão – o BRAILLE – usado por pessoas cegas até aos dias de hoje.18

Portanto a idade moderna foi cheia de avanços para a

concretização de deficientes como pessoas, devido os métodos e inventos demonstrados sucintamente neste tópico, demonstrando assim uma nova visão das pessoas com deficiência, que assim como os outros também são pessoas e por assim serem possuem direitos e possuem por tal a possibilidade de se desenvolver como pessoa.

Salienta Maria Aparecida Gugel: O Século XIX, ainda com reflexos das idéias humanistas da Revolução Francesa, ficou marcado na história das pessoas com deficiência. Finalmente se percebia que elas não só precisavam de hospitais e abrigos mas, também, de atenção

17 Ibidem, p. 30. 18 Ibidem, p. 32.

Pessoa com deficiência... // 21

especializada. É nesse período que se inicia a constituição de organizações para estudar os problemas de cada deficiência. Difundem-se então os orfanatos, os asilos e os lares para crianças com deficiência física. Grupos de pessoas organizam-se em torno da reabilitação dos feridos para o trabalho, principalmente nos Estados Unidos e Alemanha.19

A cada século que se passa neste período só evoluem

os conceitos referente as pessoas com deficiência e a necessidade que se tem de lhes dar apoio para tentar ser uma pessoa, tudo isso ocorre graças ao caráter humanista deste momento histórico.

Esse movimento que ocorreu em todo o mundo também foi acompanhado pelo Brasil no período do império de Don Pedro II, conforme ensina Maria Aparecida Gugel:

No Brasil, por insistência do Imperador Dom Pedro II (1840-1889), seguia-se o movimento europeu e era criado o Imperial Instituto dos Meninos Cegos (atualmente Instituto Benjamin Constant), por meio do Decreto Imperial nº 1.428, de 12 de Setembro de 1854. Três anos depois, em 26 de setembro de 1857, o Imperador, apoiando as iniciativas do Professor francês Hernest Huet, funda o Imperial Instituto de Surdos Mudos (atualmente Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES) que passou a atender pessoas surdas de todo o país, a maioria abandonada pelas famílias.20

Só se pode perceber a grande importância que se teve

a evolução do tratamento neste momento da história, todos os países, inclusive o Brasil, buscando formas de tentar ajudar e muitas das vezes conseguindo ajudar as pessoas com deficiência a conseguir um desenvolvimento dentro da sociedade em que vivem.

19 Ibidem, p. 35. 20 Ibidem, p. 39.

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1.2.1.4. Séculos XX e XXI

Neste momento só houve evolução e avanços do que já se havia desenvolvido no momento histórico anterior, leciona Maria Aparecida Gugel sobre o tema:

O Século XX trouxe avanços importantes para as pessoas com deficiência, sobretudo em relação às ajudas técnicas ou elementos tecnológicos assistivos. Os instrumentos que já vinham sendo utilizados - cadeira de rodas, bengalas, sistema de ensino para surdos e cegos, dentre outros - foram se aperfeiçoando. A sociedade, não obstante as sucessivas guerras, organizou-se coletivamente para enfrentar os problemas e para melhor atender a pessoa com deficiência.21

Denota-se assim que a importância do tratamento e do

desenvolvimento da pessoa com deficiência no desenrolar da história após a idade moderna só veio a aumentar.

Portanto, destaca-se a grande evolução do pensamento humano referente a este grupo de pessoas que possuem uma deficiência que limita determinadas situações, o que a partir destes momento vem tendo ajuda para superar tais limitações.

Referente ao final do período do século XX, salienta Ricardo Tadeu Marques da Fonseca:

Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, a Organização das Nações Unidas vem aperfeiçoando, por meio de seus tratados internacionais, o processo de edificação dos Direitos Humanos, o qual se universalizou a partir da primeira metade do Século XX, para fazer frente aos abusos havidos no período das Guerras Mundiais e aos que foram cometidos posteriormente até os nossos dias. Não é por outra razão que, a partir do enunciado constante do art. 1º daquela Declaração Universal, no sentido de que “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. (...)”, a própria organização Internacional editou as sete primeiras convenções internacionais, agora complementadas pela supra mencionada.22

21 Ibidem, p. 44. 22 FONSECA. Ricardo Tadeu Marques da. A ONU e seu conceito revolucionário de pessoa com deficiência. Revista Ltr. Legislação do

Trabalho, v. 72-I, p. 263-270. 2009.

Pessoa com deficiência... // 23

Como resultado do exposto supra, o mesmo autor traz os seguintes documentos internacionais:

São, assim, as seguintes: o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias.23

Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, ainda salientando

sobre a Convenção Internacional da Pessoa com Deficiência, conclui:

Como se vê, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência insere-se num processo de construção do conjunto dos direitos humanos, os quais foram sistematizados a partir do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ambos de 1966, os quais elencaram os direitos individuais básicos e os direitos sociais. Posteriormente, esta construção voltou-se a grupos vulneráveis, a saber: minorias raciais, mulheres, pessoas submetidas à tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, crianças, migrantes e, finalmente, pessoas com deficiência. Observa-se, destarte, conforme expresso no próprio preâmbulo da última Convenção Internacional que a atenção aos grupos vulneráveis visa dar eficácia aos direitos humanos de forma a fazê-los unos, indivisíveis e interdependentes, de vez.24

Percebe-se, por consequência, que a própria ONU vem

desenvolvendo inúmeros documentos na proteção dos direitos humanos de todos os grupos de pessoa, inclusive da pessoa com deficiência, para assim proteger todos os direitos que não eram protegidos até então.

23 Ibidem. 24 Ibidem.

24 // Ética e direito à vida: Volume II

1.2.2. Evolução conceitual Passada a evolução histórica da pessoa com deficiência

dentro da história da humanidade, passa-se agora a se fazer uma evolução conceitual, uma vez que ao longo dos tempos se houve conceitos distintos para se reportar a este grupo de pessoas. 1.2.2.1. Excepcionais

Adentrando-se a noção de conceito de como se tratar as

pessoas que possuem algum tipo de deficiência, a primeira forma de expressão utilizada foi excepcional, assim será a primeira a ser analisada no estudo.

Luis Alberto David Araújo salienta acerca da expressão excepcional:

A primeira, que foi utilizada na Emenda Constitucional de 1969, traz uma idéia normalmente mais ligada à deficiência mental. Há uma tendência muito forte de se tratarem as pessoas mentalmente doentes como sendo «excepcionais». Assim sendo, entendemos desaconselhável ou uso do termo, especialmente porque a matéria deve ser tratada da forma mais comum possível, pois o Direito precisa trabalhar com dados da realidade e esta indica que a palavra «excepcional» não tem grande aceitação para cuidar de deficiências físicas ou de deficiência do metabolismo. Seria difícil, por exemplo, chamarmos um portador do HIV de «excepcional». “25

Sobre este tema, percebe-se uma incongruência se

reportar a pessoas que possuem deficiências, sendo estas de inúmeras naturezas, de uma forma tão simplória quanto excepcionais.

Referente a esse tema leciona Pontes de Miranda: “excepcional está ai, por pessoas que, por faltas ou defeitos

25 ARAUJO. Luiz Alberto David. A proteção constitucional da pessoa com deficiência. Brasília: Coordenadoria Nacional Para Integração da

pessoa Portadora de Deficiência. 2011, p. 15.

Pessoa com deficiência... // 25

físicos ou psíquicos, ou por procedência anormal (nascido, por ex., em meio social perigoso), precisam de assistência”26

Por sua vez Nair Lemos Gonçalves define excepcional como sendo: «desvio acentuado dos mencionados padrões médios e sua relação com o desenvolvimento físico, mental, sensorial ou emocional, considerados esses aspectos do desenvolvimento separada, combinada ou globalmente»27

Nota-se, a relação entre o termo excepcional e a pessoa que possui transtorno intelectual, sendo incabível por conseqüência poder relacionar excepcional para com quem possui uma deficiência na locomoção ou nos sentidos.

Referente a Excepcionais preceitua Romeu Kazumi Sassaki: “os excepcionais”. O termo significava “indivíduos com deficiência intelectual”.28

Portanto, pode-se perceber com base no exposto que o termo excepcional foi incluído primeiramente no texto constitucional da ditadura militar, porém é um termo equivocado, cheio de falhas e que não deve ser utilizado.

1.2.2.2. Pessoa portadora de deficiência

Verificado a incongruência de se portar a quem possui

deficiência com o termo excepcional, necessário vislumbrar a possibilidade do próximo termo ou expressão que se utiliza, qual seja, pessoa portadora de deficiência.

Sobre esta expressão leciona Luis Alberto David Araujo: A última expressão, «pessoas portadoras de deficiência», tem o condão de diminuir o estigma da deficiência, ressaltando o conceito de pessoa; é mais leve, mais elegante, e diminui a situação de desvantagem que caracteriza esse grupo de indivíduos. Pelos motivos acima, a expressão «pessoas portadoras de deficiência», onde o núcleo é a palavra «pessoa» e

26 MIRANDA, Pontes de. Comentários á Constituição de 1967, com a emenda nº 1 de 1969. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1967,

vol. 6, p.333. 27 GONÇALVES, Nair Lemos. O estado de direito do excepcional. In:

9o Congresso Nacional De Federação Nacional das APEs, 1979. 28 SASSAKI, Romeu Kazumi Como chamar as pessoas que têm deficiência? In: Sociedade Brasileira de Ostomizados, ano I, n. 1, 1º

sem. 2003.

26 // Ética e direito à vida: Volume II

«deficiência» apenas um qualificativo, foi aquela que julgamos mais adequada para este estudo. Há valorização da «pessoa» a qualificação, apenas, completa a idéia29.

Nota-se que a expressão pessoa portadora de

deficiência se torna uma pessoa menos ofensiva para se referir a este grupo de pessoas, até porque se foca no núcleo do ordenamento jurídico atual que é a pessoa.

Romeu Kazumi Sassaki ao abordar o termo portador de deficiência salienta:

Tanto o verbo “portar” como o substantivo ou o adjetivo “portadora” não se aplicam a uma condição inata ou adquirida que faz parte da pessoa. Por exemplo, não dizemos e nem escrevemos que uma certa pessoa é portadora de olhos verdes ou pele morena. Uma pessoa só porta algo que ela possa não portar, deliberada ou casualmente. Por exemplo, uma pessoa pode portar um guarda-chuva se houver necessidade e deixá-lo em algum lugar por esquecimento ou por assim decidir. Não se pode fazer isto com uma deficiência, é claro.30

Conclui-se assim que o termo pessoa portadora de

deficiência ou portador de deficiência é um termo equivocado, devido tanto portar quanto portador ou portadora remeter a algo que se pode deixar de portar e uma deficiência não se pode deixar de portar a qualquer momento pelo bel prazer da pessoa, senão não seria uma deficiência.

29 ARAUJO. Luiz Alberto David. A Proteção Constitucional da Pessoa com Deficiência. Brasília: Coordenadoria Nacional Para Integração da

pessoa Portadora de Deficiência. 2011, p. 15-16. 30 SASSAKI, Romeu Kazumi. Como chamar as pessoas que têm deficiência? In: Sociedade Brasileira de Ostomizados, ano I, n. 1, 1º

sem. 2003.

Pessoa com deficiência... // 27

1.2.2.3. Pessoa com deficiência Como se verificou no estudo as expressões

anteriormente utilizadas são inoportunas e não devem ser utilizadas.

Passa-se, assim, a se observar a última expressão que se utiliza, inclusive esta se utiliza atualmente, trata-se da expressão pessoa com deficiência.

Sobre pessoa com deficiência ensina Luis Alberto David Araujo:

Atualmente, a expressão utilizada é ―pessoa com deficiência‖. A idéia de ―portar‖, ―conduzir‖ deixou de ser a mais adequada. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que ingressou no sistema constitucional brasileiro por força do Decreto-Legislativo n. 186 de 09 de julho de 2008 e do Decreto de Promulgação n. 6949, de 25 de agosto de 2009, utiliza-se da expressão contemporânea, mais adequada. A pessoa (que continua sendo o núcleo central da expressão) tem uma deficiência (e não a porta).}31

Romeu Kazumi Sassaki explica em sua óptica os

motivos que levaram a ser escolhido o termo pessoas com deficiência, com as seguintes palavras:

Eis os princípios básicos para os movimentos terem chegado ao nome “pessoas com deficiência”: 1. Não esconder ou camuflar a deficiência; 2. Não aceitar o consolo da falsa idéia de que todo mundo tem deficiência; 3. Mostrar com dignidade a realidade da deficiência; 4. Valorizar as diferenças e necessidades decorrentes da deficiência; 5. Combater neologismos que tentam diluir as diferenças, tais como “pessoas com capacidades especiais”, “pessoas com eficiências diferentes”, pessoas com habilidades diferenciadas”, “pessoas deficientes”, “pessoas especiais”, “é desnecessário discutir a questão das deficiências porque todos nós somos imperfeitos”, “não se preocupem, agiremos

31 ARAUJO. Luiz Alberto David. A proteção constitucional da pessoa com deficiência. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da

Pessoa Portadora de Deficiência. 2011, p. 16.

28 // Ética e direito à vida: Volume II

como avestruzes com a cabeça dentro da areia” (i.é, “aceitaremos vocês sem olhar para as suas deficiências”); 6. Defender a igualdade entre as pessoas com deficiência e as demais pessoas em termos de direitos e dignidade, o que exige a equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência atendendo às diferenças individuais e necessidades especiais, que não devem ser ignoradas; 7. Identificar nas diferenças todos os direitos que lhes são pertinentes e a partir daí encontrar medidas específicas para o Estado e a sociedade diminuírem ou eliminarem as “restrições de participação” (dificuldades ou incapacidades causadas pelos ambientes humano e físico contra as pessoas com deficiência)32

Desta forma atualmente se pode dizer que a expressão

mais adequada para se retratar a este grupo de pessoas é pessoas com deficiência, porém talvez não seja o que se perpetuará, uma vez que a sociedade evolui, como visto, no andar da história, assim este termo

1.3 DIREITO A VIDA DIGNA

Neste ponto será realizado um estudo sobre o que vem

a ser a vida digna que se salienta que todos possuem direito, inclusive as pessoas com deficiência.

Para tanto, far-se-á primeiramente um estudo sobre o que vem a ser direito a vida para em seguida discutir sobre a vida digna, que a princípio é vida com dignidade, porém possui outros fundamentos, os quais serão demonstrados no decorrer do trabalho.

32 SASSAKI, Romeu Kazumi. Como chamar as pessoas que têm deficiência? In: Sociedade Brasileira de Ostomizados, ano I, n. 1, 1º

sem. 2003.

Pessoa com deficiência... // 29

1.3.1 Direito a vida Para se entender o que vem a ser a vida digna, torna-se

primeiro salutar observar o que vem a ser o direito a vida. Sob a óptica de Elio Sgreccia, a vida é: a pessoa, apresenta-se como uma unidade de espírito e corpo, sendo composta de elementos espirituais, intelectivos e morais, além dos meramente biológicos. O aspecto mais humano do homem está em sua essência, na capacidade de se separar do determinismo do mundo e de estar na singularidade única por meio da consciência e da liberdade.”33

Ainda, referente ao direito a vida, ensina Maria Helena

Diniz: A vida tem prioridade sobre todas as coisas, uma vez que a dinâmica do mundo nela se contém e sem ela nada terá sentido. Consequentemente, o direito à vida prevalecerá sobre qualquer outro, seja ele o de liberdade religiosa, de integridade física ou mental etc. Havendo conflito entre dois direitos, incidirá o princípio do primado do mais relevante. Assim, por exemplo, se se precisar mutilar alguém para salvar sua vida, ofendendo sua integridade física, mesmo que não haja seu consenso, não haverá ilícito nem responsabilidade penal médica. (...) Embora a vida se inicie com a fecundação, e a vida viável com a gravidez, que se dá com a nidação, entendemos que na verdade o início legal da consideração jurídica da personalidade é o momento da penetração do espermatozóide no óvulo, mesmo fora do corpo da mulher "34

Assim, pode-se perceber que a vida é o direito mais

importante que uma pessoa possui, não atoa o art. 2o do Código Civil diz que só haverá direitos a pessoa que nascer com vida, colocando a salvo a perspectiva de direitos do nascituro.

Evidente assim, que sem a vida não há qualquer outro direito, portanto é salutar afirmar que todos os demais direitos

33 SGRECCIA, Elio. Manual de bioética I. Fundamentos e Ética Biomédica. Tradução de Orlando Soares Moreira. São Paulo: Loyola,

2002. p. 112-113. 34 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil, Parte geral. São Paulo:

Saraiva. 2013, p. 8-10.

30 // Ética e direito à vida: Volume II

decorrem deste, sendo este o mais absoluto dos direitos, caso exista direito absoluto.

Vislumbra-se aqui a necessidade então de se pontuar quando se começa a vida para o direito, inúmeras são as correntes referente ao tema, podendo citar:

a) Teoria da fecundação: defende que o início da vida começa com a concepção; b) Teoria da nidação: defende que o início da vida começa com a implantação do embrião no útero; c) Teoria encefálica: defende que o início da vida começa com o início da atividade cerebral; d) Teoria do Nascimento: defende que o início da vida começa com o nascimento com vida do embrião.35

Percebe-se, portanto, que atualmente se torna salutar

observar as correntes e explanar a cerca delas de forma sucinta no presente.

Como visto, a fecundação trata da teoria que segue preceitos religiosos, que a própria igreja sempre pregou e que a biologia também acompanhou por tempos quando salientam que a um novo ser quando o gameta masculino fecunda o gameta feminino formando o embrião, o qual Dara origem a um novo ser.

Apesar deste ponto, há aqueles que mencionam que não se pode falar em vida enquanto o ovulo fecundado não se fixa de forma intrauterina, sendo esta a segunda corrente da origem da vida, a qual salienta que a vida ocorre não na fecundação, mas quando o ovulo fecundado fixa no útero da mulher, situação a qual pode afirmar que dali sairá uma vida.

A terceira corrente da origem da vida nos traz a observação de que um ser possui vida apenas quando se inicia o momento das sinapses nervosas, ou seja, no momento em que o feto tem iniciada a sua ação nervosa com o surgimento do cérebro.

A última corrente nos traz a visão de que a vida inicia apenas com o nascimento com vida, situação esta que se entende que foi a colocada no código civil brasileiro, situação a

35 RIBAS, Ângela Mara Piekarski. O direito à vida sob uma ótica contemporânea. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 54, jun 2008.

Disponível em: <http://www.ambito ridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2986>. Acesso em set 2015.

Pessoa com deficiência... // 31

qual muito se discute atualmente, pois o mesmo texto legal traz expectativas de direitos e obrigações para o ser intrauterino.

Outro ponto de extrema relevância para o estudo se pauta no momento em que se termina a vida, que pode-se extrair da doutrina de Gisele Mendes de Carvalho:

As primeiras definições de morte levavam em consideração a cessação dos batimentos cardíacos, a ausência dos movimentos respiratórios e a destruição traumática do sistema nervoso central. Tal critério, todavia, não era adequado, pois eram freqüentes os casos de enterramento em vida na Europa durante o século XVIII; assim, no século seguinte, fixou-se como critério para a morte o desaparecimento das funções circulatória e respiratória, conceito clássico que permaneceu inquestionável até meados da década de 60.36

Todavia, como todo e qualquer conceito evolui, houve

evolução no critério do fim da vida, conforme salienta Angela Ribas:

Posteriormente, com o desenvolvimento de aparelhos que faziam a função cardíaca (como marcapassos) e respiratória (pela ventilação mecânica), demonstrando a possibilidade de se manter artificialmente tais processos, a definição clássica foi substituída pela morte encefálica, critério resultante da evolução da medicina, que tornou possível o prolongamento indefinido de uma vida por meios artificiais. 37

Nota-se, assim, que atualmente o fim da vida ocorre

quando se tem o fim das funções nervosas, ou em sentido contrário, quando não se existe qualquer sinal do sistema nervoso do indivíduo.

36 CARVALHO, Gisele Mendes. Aspectos jurídico-penais da eutanásia. São Paulo: IBCCRIM, 2001. p. 106. 37 RIBAS, Ângela Mara Piekarski. O direito à vida sob uma ótica contemporânea. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 54, jun 2008.

Disponível em: <http://www.ambito ridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2986>. Acesso em set 2015.

32 // Ética e direito à vida: Volume II

1.3.2 Dignidade da pessoa humana Não é possível se falar em vida digna, sem antes se

vislumbrar o que é digno, o que vem a ser a dignidade da pessoa humana.

Antes de se adentrar ao conceito propriamente dito de dignidade humana, mister se faz observar de forma sintética como a dignidade foi observada em momentos importantes no decorrer da vida do homem, vez que em cada momento a seguir observado a dignidade foi tratada de forma singular.

O primeiro posicionamento que se faz salutar observar dentro da história se trata do de São Tomás de Aquino: “a dignidade é algo absoluto e pertence à essência” (...) o corpo humano tem a máxima dignidade, uma vez que a forma que o aperfeiçoa, a alma racional, é a mais digna”. 38

Conclui-se, aqui, que para São Tomás de Aquino a dignidade emana do próprio criador, como noção do período o qual se encontrava, tratando-se do período da idade média, momento histórico importante para o início da compreensão do que vem a ser a dignidade.

EM seguida, faz necessário observar o posicionamento de Samuel Pufendorff:

A natural dignidade do homem [humanae naturae dignitas] e sua superioridade sobre os outros animais requerem que suas ações sejam ajustadas por normas; sem as quais nenhuma ordem, nenhum decoro, nenhuma beleza pode ser concebida. Portanto, a máxima dignidade do homem [Maxima inde homine dignatio] é ter obtido alma imortal, luz do intelecto, faculdade de julgamento e de escolha, e ser em muitas artes solertíssimo [...] foi sem dúvida intencional, que ele pudesse empregar os poderes que recebeu para manifestar a glória de seu Criador, e para promover sua própria felicidade.39

Neste caminho ainda se pode elencar as lições de

Immanuel Kant:

38 AQUINO, São Tomás de. Suma de Teología. 4. ed. Madri: Biblioteca de Autores Cristianos, 2001, p. 411. 39 PUFENDORF, Samuel von. Of the law of nature and nations. 1. ed.

Oxford: L. Lichfield, 1710, p. 78-79

Pessoa com deficiência... // 33

aquilo que [...] constitui a condição só graças à qual qualquer coisa pode ser um fim em si mesma, não tem somente um valor relativo, isto é, um preço, mas um valor íntimo, isto é, dignidade [...] a moralidade, e a humanidade enquanto capaz de moralidade, são as únicas coisas que têm dignidade.40

Após o período medieval, com o surgimento das teorias

antropocêntricas se vislumbra uma mudança da dignidade para colocar como um atributo do homem pelo fato de ser homem e não mais algo que emane puramente do divino.

Observado o pequeno caminho que a dignidade humana seguiu desde o cristianismo até o momento da história mais próxima, torna-se importante tentar conceituar o que vem a ser dignidade.

Referente a este conceito, leciona Ingo Wolfgang Sarlet: Assim sendo, tem-se por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável.41

Conclui-se que por conceito de dignidade se pode dizer que este se trata de um atributo inerente a pessoa humana, intrínseco, que não pode ser deixado de lado pelo Estado, o qual deve lhe dar uma atenção muito especial, pois concretizar a dignidade da pessoa humana nada mais será do que lhe concretizar tudo aquilo que lhe seja necessário para ter concretizado seus direitos fundamentais.

Porém, como se pode ver do próprio autor acima, necessita-se de uma delimitação de um núcleo essencial, um núcleo vital destes direitos que devem fazer parte da dignidade humana, a este se concede atualmente o título de mínimo existencial.

40 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes.

Tradução de Paulo Quintela. 1. ed. Lisboa: Edições 70, 2007, p. 74-78. 41 SARLET, Ingo Wolfgang. As Dimensões da Dignidade da Pessoa Humana. Porto Alegre: Revista do Advogado. 2009, p. 23.

34 // Ética e direito à vida: Volume II

Referente ao Mínimo Existencial leciona Ana Paula de Barcellos:

Na linha do que se identificou no exame sistemático da própria Carta de 1988, o mínimo existencial que ora se concebe é composto de quatro elementos, três materiais e um instrumental, a saber: a educação fundamental, a saúde básica, a assistência aos desamparados e o acesso à justiça.42

Ainda, Adda Peregrine Grinolver ensina, referente ao

mínimo existencial: Costuma-se incluir no mínimo existencial, entre outros, o direito à educação fundamental, o direito à saúde básica, o saneamento básico, a concessão de assistência social, a tutela do ambiente, o acesso à justiça. É esse núcleo central, esse mínimo existencial, que, uma vez descumprido, justifica a intervenção do Judiciário nas políticas públicas para corrigir seus rumos ou implementá-las.43

Percebe-se, então que o mínimo da dignidade se pauta

nas condições mínimas para que a pessoa possa disfrutar da sua existência de uma forma adequada. 1.3.3 Direito à vida e dignidade humana

Como visto no estudo se trata de dois grandes direitos

elencados na Constituição da Republica de 1988 elevados a grandeza de fundamentais ao ser humano.

Salutar se faz considerar, ainda, que a dignidade humana se encontra no art. 1º inciso III da Constituição, tendo inclusive um caráter de princípio basilador do ordenamento jurídico pátrio e o direito à vida se encontra no rol de direitos do art. 5º do mesmo texto constitucional.

42 BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. 2. ed.

Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 288. 43 GRINOVER, Ada Pelegrini. O Controle de políticas públicas pelo poder judiciário. In SALLES, Carlos Alberto de. (coord.) As grandes

transformações do processo civil brasileiro. Quartier Latin, 2009, p. 109-134.

Pessoa com deficiência... // 35

Aqui se observa que se pode existir um choque entre estes princípios tão fundamentais ao ser humano em determinada situação, sendo que se torna necessário observar como se poderia visualizar este choque.

Em um eventual choque entre estes gigantescos direitos haveria um deles de ceder, ou em uma hipótese mais branda conjuga-los e torna-los uma premissa única, referente a essa questão salienta-se:

A aparente colisão de princípios constitucionais trata de situação denominada pela doutrina como “antinomia jurídica imprópria”, uma vez que o intérprete fará a ponderação dos princípios conflitantes e, posteriormente, sua harmonização, quando cada um cederá até certo ponto, sem retirar qualquer deles do ordenamento.44

Fica nítido, então que tal choque ou colisão pode ser

resolvido utilizando-se da ponderação por parte daquele que deve interpretar tal colisão ou choque.

Observemos os seguintes exemplos que podem ilustrar o choque ou a colisão entre vida e dignidade:

Pode-se considerar a existência de um aparente conflito entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à vida, quando, por exemplo, um doente em fase terminal é vítima de sofrimentos tão intensos que lhe retiram a dignidade, ou no caso de uma gestação de feto sem qualquer possibilidade de sobrevida, como os anencéfalos. Tais questões nos fazem indagar acerca da proeminência de um dos direitos, no caráter absoluto ou relativo destes.45

Assim, evidencia-se que o direito a vida e a dignidade

humana não são diferentes de outros direitos do nosso ordenamento, os quais podem sofrer restrições tanto quanto os

44 ALVES, Cleber Francisco. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: o enfoque da doutrina social da igreja. Rio de

Janeiro: Renovar, 2001. p. 92. 45 RIBAS, Ângela Mara Piekarski. O direito à vida sob uma ótica contemporânea. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 54, jun 2008.

Disponível em: <http://www.ambito juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2986>. Acesso em set 2015.

36 // Ética e direito à vida: Volume II

demais para melhor satisfazer este ou aquele, quando em conflito direto entre si.

Vislumbra-se, desta forma, que tal colisão faz com que a dignidade humana ou a vida tenha de ceder ou de ser mitigado para a concretização do outro.

Na verdade, pode-se perceber que não há como se falar, utilizando-se dos exemplos acima, em uma pessoa co vida e sem dignidade ou uma pessoa com dignidade e sem vida, pois um depende do outro, este se faz o conceito da expressão foco do estudo vida digna.

Assim, fica evidente que muito embora em determinado momento um ou outro deva ceder o melhor a se utilizar para o caso especifico de vida e dignidade se faz em conjuga-los e não afastar a efetividade deste ou daquele, vez que se precisa de vida para se ter direitos e dignidade para se poder usufruir destes.

1.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Trabalho se propôs a analisar a situação das pessoas

com deficiência, a estrutura da vida digna e como as pessoas com deficiência podem por ventura alcançar tal vida digna.

Após muito se discutir, pode-se perceber no trabalho que todos os indivíduos são dotados de vida e necessitam da dignidade, não podendo assim falar em mitigação deste ou daquele, mas sim em uma conjugação de ambos, surgindo assim a questão da expressão vida digna.

O estudo nos mostrou, ainda, que as pessoas que possuem deficiências ficaram a margem da sociedade desde momentos da antiguidade da história até momentos próximos, e ainda, salutar mencionar que em ocasiões ainda hoje se encontra deficientes a margem da sociedade.

Neste sentido, o estudo vislumbra que todos, sem exceção, são merecedores e fazem jus a gozarem da vida com dignidade, situação está que como visto não se faz a realidade de muitos daqueles que possuem deficiência nos dias atuais.

Como visto ter acesso a vida digna não se aparenta ser complexo, vez que cabe ao Estado providenciar a concretização do mínimo necessário para a existência do indivíduo, fornecendo assim a assistência a seus direitos mais básicos.

Pessoa com deficiência... // 37

Vislumbra-se, portanto, que para se falar em direito a vida digna para deficientes, cabe primeiramente poder reconhece-los como indivíduos membros da sociedade onde vivem e em segundo momento o Estado reconhecer que merecem a mesma proteção dos direitos fundamentais como toda e qualquer pessoa que não possui deficiência.

Somente desta forma se pode falar em pessoas com deficiência alcançando o direito a vida digna, o que diga-se de passagem já e sujeito titular, necessitando apenas de estrutura para poder ter acesso e concretizar tal anseio a vida digna.

1.5 REFERÊNCIAS

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dignidade da pessoa humana: o enfoque da doutrina social da igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

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GRINOVER, Ada Pelegrini. O Controle de políticas públicas pelo poder judiciário. In SALLES, Carlos Alberto de. (coord.) As grandes transformações do processo civil brasileiro. Quartier Latin, 2009.

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São Paulo; Caderno Cedes, 1986.

40 // Ética e direito à vida: Volume II

= II =

DIREITO À VIDA E DIREITO À MORTE COM DIGNIDADE

Judith Aparecida de Souza Bedê* “Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo”.

Estatutos do homem, artigo VII. Thiago de Mello 2.1 INTRODUÇÃO

Em diversos lugares do mundo, nos mais variados

momentos históricos, a busca pelo respeito ao ser humano, ou aos valores considerados essenciais à sua existência, geraram lutas; ora travadas nos campos de batalha reais, ora disputadas no tabuleiro político das grandes nações. Eis aí o caráter universal do qual se revestem a dignidade e seus frutos: os direitos humanos.

Embora o conceito de universalidade denote amplitude e generalidade, um de seus aspectos mais relevantes reside justamente na particularidade de atingir, a um só tempo, realidades tão díspares, culturas tão singulares, pessoas tão complexas como as organizações sociais a que se liga o ser humano. Aparente paradoxo deve-se, por certo, à compreensão que todo homem tem acerca do que vem a ser o justo ou o injusto. É na aceitação da diferença que se constrói a igualdade.

No Brasil e em diversos outros países, as prerrogativas, garantias e ditames da dignidade, elevaram os direitos humanos à categoria de preceito constitucional. Seguindo a noção kelseniana de construção escalonada do ordenamento jurídico, pode-se dizer que tal fato traduz o anseio coletivo pela tutela de

* Doutoranda pela Alfa – Faculdade de Direito de São Paulo, na linha de pesquisa “Acesso à Justiça e as Constituições” sob a orientação de Henrique Garbelini Carnio. Professora da UNIMAN-FAFIMAN, advogada.

42 // Ética e direito à vida: Volume II

bens tão caros à humanidade, como a igualdade, a liberdade, a segurança, a privacidade, o meio ambiente, o patrimônio genético, enfim, a vida em plenitude, direito à vida com dignidade. Estando presente tanto na noção de direito natural quanto nas legislações pátria e internacional, o direito à vida digna espraia ramos pela vida de cada um, impondo deveres não só ao cidadão, mas também aos entes sociais, o que resulta em limites ao direito-poder do Estado.

A delimitação da autonomia estatal, entretanto, é mais do que limite; trata-se, antes, de liberdade, porque não há falar-se nesta última, sem que outras garantias acessórias sejam oferecidas, respeitadas e ampliadas no convívio entre homens que coabitam um planeta. É impossível haver meios de coibir a atuação estatal se não houver liberdade para exigi-lo; é improvável que os particulares respeitem direitos que os governantes ignorem. Talvez resida neste ponto o destaque dado aos documentos que elencam prerrogativas de dignidade do homem.

As diversas declarações de direitos concretizadas ao longo da história da humanidade disseminaram, pelo mundo civilizado, não só os bens tutelados em si, mas garantiram a propagação da noção de dignidade inerente a todo ser humano, cumprindo um papel de fundamental importância no trato das relações humanas. Dado o paradigma primeiro, cumpre continuar garantindo direitos e limitando atuações, a fim de ver a convivência harmônica, um dos fins do direito, triunfar na sociedade. Porém, enquanto o homem for lobo do homem, não deve ser esquecida a lição de Bobbio: “O grave problema do nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é mais de fundamentá-los, e sim o de protegê-los” 1.

Na perspectiva protetiva situam-se os direitos da personalidade, dentre os quais se destaca o direito à vida digna. O presente trabalho pretende, por meio da revisão bibliográfica, trazer a lume alguns aspectos bastante discutidos pela doutrina, principalmente os relacionados à dignidade no contexto dos direitos humanos, chegando à questão do aborto, da eutanásia, do suicídio e da greve de fome.

1 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. De Carlos Nelson

Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 25.

Direito à vida e direito à morte com dignidade... // 43

Tomou-se como noção central a acepção da dignidade da pessoa humana como valor fundamental a ser perseguido, fonte donde emanam as prerrogativas do homem que, vivendo em sociedade, precisa aprender e ensinar a lição da convivência pacífica e da igualdade. Contudo, a citada igualdade não descarta o reconhecimento do multiculturalismo, do pluralismo, das diferenças sazonais, econômicas e sociais, próprias do ser humano, que tem direito a ter direitos sem sofrer constrangimentos ou limitações injustificadas, posto ser o limite do direito do homem, o direito dos outros homens.

Ao final, espera-se evidenciar que viver com dignidade implica não somente na concessão de direitos, mas na concretização da autodeterminação e no estabelecimento de condições de efetivação dos direitos humanos; fazendo-se, primordial o desenvolvimento da ideia de limitação de poderes e faculdades, tanto do Estado como dos particulares a fim de garantir o pleno direito à vida digna.

2.2 DIFERENÇAS ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS, DIREITOS HUMANOS E DIREITOS DA PERSONALIDADE

A Ciência do Direito tem experimentado, ao longo do

tempo, grande desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial; aspecto extremamente positivo à sociedade dinâmica e efervescente na qual está introduzida. Tal fato vem acompanhado de um aprofundamento e especialização legais que possibilitam ao Direito atender aos anseios e necessidades da população que a ele está submetido; a exemplo do vivenciado após a Segunda guerra mundial, quando o mundo sentiu a necessidade de consolidar os direitos humanos.

O advento da nova Constituição Federal, promulgada em outubro de 1988, trouxe notáveis alterações no âmbito jurídico, sobretudo a proteção aos direitos e garantias fundamentais, o que ocasionou, em efeito cascata, outras tantas mudanças na codificação nacional, destacando-se as da área cível, onde ainda vigia o Código Civil de 1916. Com o Código Civil de 2002, temas de relevo internacional ganharam destaque, entre eles a questão dos direitos da personalidade.

Não obstante tratar-se de temas diferentes, é comum que sejam usados como sinônimos, motivo pelo qual, pretende-

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se, com base na melhor doutrina, traçar as diferenças entre estes itens.

Magistério de Luiz Alberto Davi Araújo ensina que os direitos e garantias fundamentais “constituem um amplo catálogo de dispositivos, onde estão reunidos os direitos de defesa do indivíduo perante o Estado, os direitos políticos, os relativos à nacionalidade e os direitos sociais, dentre outros”.2

É do mesmo doutrinador a preocupação em diferenciar os direitos positivados daqueles que, embora consolidados, compõem documentos internacionais. São dele, as palavras a seguir:

A expressão direitos do homem [...] ficou impregnada de um sentido histórico, especificamente como o rol de enunciados, de conteúdo declaratório, constantes de documentos internacionais, como, por exemplo, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (França, 1789), a Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia (EUA, 1776) ou a Declaração Universal de Direitos do Homem, editada em 1948 pela Organização das Nações Unidas. Esses documentos, conquanto de grande importância histórica e política, não são textos de direito positivo, vale dizer, constantes de uma Constituição. Embora não raro considerados direitos naturais, não estão colocados sob a proteção do Estado3.

No conhecido “A era dos direitos”, Norberto Bobbio4

explica que se deve enfrentar o problema “do fundamento dos direitos do homem”, o qual tem por base noções de direito natural. A afirmação do autor leva à reflexão sobre a natureza de tais direitos, inerentes ao próprio homem, componentes não só de sua essência jurídica, mas, antes, de sua natureza de ser social; afinal, como pregava Aristóteles, “o homem só ou é um bruto, ou é um deus”.

Lembra Manoel Gonçalves Ferreira Filho5, que desde a Revolução de 1789, a existência de uma Constituição estava

2 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 7ª. ed. São Paulo: Saraiva. 2003, p. 85. 3 Ibidem, p. 86. 4 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. De Carlos Nelson

Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 15. 5 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional.6ªed.São Paulo: Saraiva, 1976, p.81.

Direito à vida e direito à morte com dignidade... // 45

condicionada à proteção que deveria oferecer aos direitos individuais. Deste modo, pode-se afirmar que o respeito aos direitos do homem é tema recente na sociedade, faltando ainda muito a ser conquistado.

Luiz Flávio Gomes e Flávia Piovesan defendem que as declarações universais, internacionais e regionais são perfeitamente compatíveis e que suas estruturas de conteúdo global deveriam coadunar-se às perspectivas regionais no intuito de buscar “um código comum a ser alcançado por todos os povos e nações” 6.

Se é árdua a tarefa de garantir os direitos, não menos é a de distingui-los teoricamente. Entretanto, pode-se buscar auxílio na lição de Luiz Eduardo Gunther, o qual assevera:

Direitos fundamentais são aqueles positivados em nível

interno. Por descreverem um conjunto de direitos e liberdades reconhecidos pelo Direito positivo, possuem sentido mais preciso e estrito. Direitos humanos consistem em defesa contra o poder

arbitrário do Estado, contra o absolutismo monárquico. Originam-se em declarações e convenções internacionais, e em exigências básicas relacionadas com a dignidade, liberdade e igualdade da pessoa, que não alcançaram um estatuto jurídico positivo. Direitos da personalidade manifestam-se numa dimensão

privatista, correspondendo às faculdades exercidas normalmente pelo homem7. (grifou-se).

Do exposto, é possível entender que os direitos da

personalidade são, no mínimo, fruto da evolução das teorias preocupadas com os direitos mais elementares do homem, defendidas por documentos de relevo internacional e, por isso mesmo, no caso brasileiro, consolidadas na Carta Constitucional vigente. Estando os direitos humanos fundamentais como vida, igualdade, segurança, privacidade e meio ambiente tutelados

6 GOMES, Luiz Flávio e PIOVESAN, Flávia. O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro. São Paulo:

RT, 2000, p. 23. 7 GUNTHER, Luiz Eduardo. Os direitos da personalidade e suas repercussões na atividade empresarial. Palestra proferida durante o

1º CONJURI_Congresso Jurídico Integrado_ Maringá-PR, 03 a 05 de ago. de 2007.

46 // Ética e direito à vida: Volume II

pela norma hierárquica superior, servem à promoção da justiça, sendo capazes de delimitar a autonomia estatal, além da autonomia privada. 2.2.1 Sobre declarações e sobre direitos

Os instrumentos internacionais de proteção aos direitos

humanos tem experimentado grande desenvolvimento na era moderna, entretanto, sua gênese é bastante anterior. De acordo com Sylvia Helena de Figueiredo Steiner, “as ideias de liberdade, dignidade e igualdade dos seres humanos podem ser encontradas em atos que remontam à Antiguidade e à época medieval, mas não foram formuladas como ‘direitos’ antes da era moderna” 8.

Escrevendo sobre as declarações de direitos para a Revista Consulex, o advogado Ronaldo Rebello de Britto Poleie9, afirma existir muita confusão entre as expressões “direitos humanos” e “direitos fundamentais”. Para ele, é lógico pensar que as declarações de direitos guardam relação com os direitos do homem e, por consequência, com os fundamentos constitucionais.

A posição esposada pelo supracitado autor evidencia que as declarações de direitos, ainda que não universalizadas ou positivadas, repercutem entre os homens, variando de tempos em tempos e de sociedade para sociedade. Britto Poletti explica, ainda, que os textos das declarações de direitos possuem ambiguidades intrínsecas de ordem retórica, política ou ideológica, fato este que poderia ser atribuído ao seu conteúdo universalizante aplicado a realidades regionais.

Também neste sentido, situa-se a preocupação de José Francisco de Assis Dias10; para quem não é possível conciliar uma declaração universal com o pluralismo cultural. Questiona

8 STEINER, Sylvia Helena de Figueiredo. A convenção americana sobre direitos humanos e sua integração ao processo penal brasileiro. São Paulo: RT, 2000, p.25. 9 POLETTI, Ronaldo Rebello de Britto. As declarações de direitos. Consulex, Brasília (DF), ano X, n. 242, p. 09, 15 de fev. de 2007. 10 DIAS, José Francisco de Assis. Direitos Humanos: Fundamentação

Ontoteleológica dos Direitos Humanos. Maringá: Unicorpore, 2005, p. 299.

Direito à vida e direito à morte com dignidade... // 47

o autor, ainda, acerca do público alvo, ou seja, a que tipo de homem se dirigiriam os direitos de uma declaração.

Sem a pretensão de dar resposta à indagação acima, é possível tecer algumas considerações alicerçadas em Celso Ribeiro Bastos11. De acordo com Bastos, “é importante analisar a formação histórica dessas liberdades12”. Explica o autor que, envolvido pelas ideias do Cristianismo, o ser humano começa a ser visto como “pessoa criada à imagem e semelhança de Deus”, o que deu início à discussão da soberania monárquica na Idade Média, tornando-se célebre a Magna Carta Libertatum, assinada pelo rei inglês João Sem Terra em 1215, tido até nossos dias, segundo palavras de Celso Ribeiro Bastos, como “expressão fundamental do direito à liberdade física”.

O advento da independência das colônias inglesas na América do Norte, quase no final do século XVIII, também é responsável por um importante documento, a Carta do Estado da Virgínia, na qual se declara a liberdade de todos os homens, buscando garantir-se o gozo da vida, bem como os meios de adquirir a propriedade, até então, monopólio monárquico e clerical. Também a liberdade era tida como importante aspecto a ser garantido na busca pela felicidade.

Igualmente célebre é a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Observe-se importante afirmação de Celso Ribeiro Bastos:

O que ela tem de particular é a sua universalidade e o seu cunho teórico e racional. Enquanto as Declarações anglo-saxônicas apresentavam-se eminentemente vinculadas às circunstâncias históricas que as precederam e, por essa razão, se afiguravam como limitadas ao próprio âmbito sobre o qual vigiam, a Declaração Francesa se considera válida para toda a humanidade13.

11 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São

Paulo: Saraiva, 1997, p. 166. 12 O autor refere-se às liberdades públicas, o mesmo que direitos humanos ou individuais, prerrogativas que o indivíduo tem em face do Estado ou, ainda, nas palavras dele, uma inibição do poder estatal, uma prestação negativa. p. 165. 13 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São

Paulo: Saraiva, 1997, p.167.

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A afirmação de Celso Ribeiro Bastos poderia ser utilizada como resposta à questão proposta anteriormente por José Francisco de Assis Dias no que pertine à universalidade e ao público a que se destina.

Felizmente, também o Brasil encontra-se inserido na crescente evolução dos sistemas de direitos humanos e, com ele, o próprio sistema interamericano. Patrícia Galvão Ferreira explica:

O Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos da OEA vem evoluindo de forma rápida e marcante desde a sua criação, em 1948. A efetiva inserção do Estado brasileiro no Sistema, e a atenção dos órgãos do Sistema aos graves problemas de direitos humanos no nosso País, têm evoluído em ritmo muito mais lento, no entanto14. Assim, pode-se afirmar que a proteção aos direitos

humanos tem raízes históricas e motivações políticas, além de envolver noções de justiça diante do poder estatal, representando uma evolução no modo como os homens vêm-se a si mesmos e aos outros homens, alterando sensivelmente a compreensão de suas relações.

2.2.2 Direitos humanos

Os direitos humanos, elevados à categoria

constitucional no Brasil, notabilizaram-se mundialmente como sinônimo de justiça, uma vez que seus contornos são traçados pelas linhas da liberdade, da nacionalidade, da independência, entre outros. Mesmo tendo ratificado vários tratados internacionais sobre a matéria, o país ainda sofre denúncias de abusos dos direitos humanos, as quais são investigadas por organismos internacionais. Patrícia Galvão Ferreira chega a afirmar:

Infelizmente, a atual situação dos direitos humanos no Brasil evidencia que a assinatura e ratificação desses tratados não

14 FERREIRA, Patrícia Galvão. O Brasil e o sistema Interamericano de Direitos Humanos. In: SYDOW, Evelise; MENDONÇA, Maria Luisa. Direitos Humanos no Brasil 2002: Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos em parceria com Global Exchange. São

Paulo: Rede de Justiça e Direitos Humanos, 2003, p. 281.

Direito à vida e direito à morte com dignidade... // 49

levou concretamente à proteção e garantia desses direitos para a ampla maioria da população brasileira. A persistência de graves violações aos direitos humanos, como a prática sistemática da tortura, os milhares de casos de execuções sumárias, a violência contra os movimentos e organizações sociais que lutam pela reforma agrária e pelos direitos indígenas [...] a discriminação racial e contra a mulher etc. indicam a necessidade de utilização de todos os mecanismos disponíveis no sistema interamericano no ordenamento jurídico e na prática interna no Brasil15.

Gustavo Filipe Barbosa Garcia explica que a doutrina

dos direitos humanos parte do pressuposto de existência de um direito justo e sábio, relevado aos homens pela sabedoria; o que implica, segundo o autor, em destaque ao Direito Natural aos “valores comuns individuais e universais, essenciais para a humanidade, e a dignidade da pessoa humana” 16.

Os citados valores opõem-se ao Estado, primeiramente, devendo este abster-se de determinados atos, respeitando prerrogativas individuais. Por outro lado, como destaca Daniel Sarmento, “também as pessoas e entidades privadas encontram-se diretamente vinculadas à Constituição, [...] no sentido que mais favoreça a garantia e promoção dos direitos fundamentais” 17.

Muito embora exista incontestável preocupação com a garantia dos direitos humanos, o desembargador aposentado, Regis Fernando de Oliveira18, em matéria publicada na Revista Jurídica Consulex, alerta para o perigo do terrorismo e do crime organizado atualmente, capazes de gerar um temor de tal ordem que os Estados venham a negar os direitos que defendiam, limitando, restringindo-os em nome de uma suposta segurança social ou jurídica.

Em que pese tal ameaça, ainda há muito direitos humanos a efetivar, os quais foram divididos, para fins didáticos em dimensões ou gerações, mas que são concomitantes e

15 Ibidem. 16 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. O futuro dos direitos humanos fundamentais. Consulex, Brasília (DF), ano X, n. 232, p. 60-62, 15 de

set. de 2006. 17 SARMENTO, Daniel.Direitos Fundamentais e relações privadas.

Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p.277-301. 18 OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Direitos Humanos em Perigo. Consulex, Brasília (DF), ano X, n. 219, p. 50-52,28 de fev. de 2006.

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reciprocamente relacionados. A seguir, será vista, brevemente, a divisão dos direitos humanos em gerações.

2.2.3 Direitos humanos de 1ª dimensão: liberdades públicas

Embora a sociedade moderna esteja repleta de discriminações, preconceitos, hipocrisias e problemas de toda ordem, apresenta como aspecto positivo a tentativa de garantir uma enorme gama de direitos, por muito tempo, negados e usurpados.

A análise histórica perpetrada por Ingo Wolfgang Scarlet revela o fascínio exercido pelo tema, salientando um aspecto deveras importante para o autor (com o qual se concorda); apoiado nos estudo de K. Stern, afirma Sarlet:

a história dos direitos fundamentais é também uma história que desemboca no surgimento do moderno Estado constitucional, cuja essência e razão de ser residem justamente no reconhecimento e na proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem. Neste contexto, há que se dar razão aos que ponderam ser a história dos direitos fundamentais, de certa forma, também a história da limitação do poder19.

Neste diapasão é que Ingo Wolfgang Sarlet, dado o

reconhecimento e consagração dos direitos fundamentais, situa a questão das gerações ou dimensões20 dos direitos fundamentais. Para este autor, a primeira delas “é justamente aquela que marcou o reconhecimento de seu status constitucional material e formal”.

Nomeados como “liberdades públicas”, os direitos da primeira dimensão referem-se aos chamados direitos subjetivos naturais; cabendo ao Estado, de acordo com Gustavo Filipe

19 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª.

ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 38-39. 20 A discussão sobre a utilização do termo “geração” ou do termo “dimensão” aparece em vários textos, com abordagens de diversos doutrinadores; entretanto, percebe-se tratar-se de escolha mais pessoal que conceitual, apoiada ora na semântica, ora na função precípua. Não obstante a discussão terminológica, restam intactas as observações acerca de seu relevo e necessidade de aplicação eficaz no meio social.

Direito à vida e direito à morte com dignidade... // 51

Barbosa Garcia21, a abstenção de determinados atos que possam interferir na vida do indivíduo. Fruto do ideário da sociedade do século XVIII, expressa a vontade do homem de gerir a própria vida. Já para Ricardo Chimenti, os direitos de primeira geração “são os que se fundamentam na liberdade civil e politicamente considerada” 22, resultado do pensamento filosófico do século XIX.

2.2.4 Direitos humanos de 2ª dimensão: igualdade- direita econômica e social

Manoel Gonçalves Ferreira Filho explica que o pleno

desenvolvimento das ideias do liberalismo econômico gerou um Estado abstencionista, no qual a classe trabalhadora passava por um momento de penúria, onde

a máquina reduzia a necessidade de mão-de-obra, gerando a massa dos desempregados [...] e dos baixos salários [...]. As péssimas condições de trabalho, a vida em condições subumanas e sem dignidade, provocando hostilidade em relação aos ‘ricos’ e ‘poderosos’, o que gera um movimento de reivindicação pelo sufrágio universal.23

Neste quadro é que se situam os direitos da segunda

geração, que agora se pautam no fundamento da igualdade. Tais direitos passam a figurar nas Constituições com maior ênfase em função dos graves acontecimentos da Segunda guerra Mundial. Ao passo que os direitos de primeira geração envolviam uma inação estatal, os de segunda geração, segundo Gustavo Garcia24, envolvem uma prestação positiva do Estado, como direito ao trabalho, à educação, à saúde, direitos

21 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. O futuro dos direitos humanos fundamentais. Consulex, Brasília (DF), ano X, n. 232, p. 60-62, 15 de

set. de 2006. 22 CHIMENTI, Ricardo Cunha et. Al. Curso de Direito Constitucional.

São Paulo: Saraiva, 2005, p. 46. 23 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 42-43. 24 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. O futuro dos direitos humanos fundamentais. Consulex, Brasília (DF), ano X, n. 232, p. 60-62, 15 de

set. de 2006.

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trabalhistas e previdenciários; tendo por intuito corrigir as desigualdades sociais e econômicas então vislumbradas.

Seguindo lição de Celso Lafer, Ingo W. Sarlet explica que não se trata mais “de liberdade perante o Estado, e sim, de liberdade por intermédio do Estado”,25 o que implica no entendimento de que cabe à governança estatal o papel de garantir a todos os indivíduos e a cada um, acesso ao rol de direitos humanos, estejam eles positivados ou não. 2.2.5 Direitos humanos de 3ª dimensão: fraternidade- direitos de solidariedade

Garantidos os direitos subjetivos individuais, corrigidas

as desigualdades sociais e econômicas; as quais se ligavam às lutas de classes estudadas por Marx (ou questão social); estar-se-ia caminhando rumo à concretização da dignidade da pessoa humana; posto que, enfim, estava o cidadão apto a exigir o cumprimento de seus direitos por parte do Estado. Dentro deste quadro advém a terceira dimensão de direitos humanos.

Diferentemente das anteriores, que privilegiavam aspectos subjetivos individuais, esta dimensão distingue-se das demais pela opção de uma proteção subjetiva coletiva, ou seja, o alvo desta geração é o homem em sociedade, marcado pelo grupo social do qual participa: a família, o povo, a nação, enfim, os agrupamentos humanos que caracterizam o ser humano deste os tempos aristotélicos.

Conforme magistério de Gustavo Filipe Barbosa Garcia, a terceira dimensão refere-se aos “direitos de solidariedade, pertinentes ao desenvolvimento, ao patrimônio comum da humanidade, à autodeterminação dos povos, à paz, à comunicação e à preservação do meio ambiente” 26. Talvez a melhor expressão destes direitos encontre eco em Tomaz de Aquino, citado por Javier Saldaña, quando aquele estabelece

25 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª.

ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 51. 26 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. O futuro dos direitos humanos fundamentais. Consulex, Brasília (DF), ano X, n. 232, p. 60-62, 15 de

set. de 2006.

Direito à vida e direito à morte com dignidade... // 53

que a regra da qual derivam todas as demais seja a de que se “debe obrar y proseguir el bien y evitar el mal” 27.

Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho28, o desafio desta nova geração de direitos é qualidade de vida e a busca da solidariedade entre os homens, o que implica a existência de conflitos, podendo haver colisão entre esses direitos.

A contribuição do desenvolvimento tecnológico deveria ter sido capaz de atingir a grandes massas de desvalidos, todavia, não foi isto que se observou, ao contrário, houve um processo que Ingo Wolfgang Sarlet denominou de “erosão e degradação [...] dos direitos e liberdades fundamentais”.29 A sociedade, mesmo experimentando grande desenvolvimento na área técnica, não conseguiu levar a todo ser humanos os direitos de dignidade apregoados durante séculos.

Em suma, “a moderna doutrina os agrupa entre os direitos difusos e coletivos, cuja concretização só é possível se houver cooperação entre os povos” 30.

2.2.5 Direitos humanos de 4ª dimensão: participação democrática, pluralismo e biogenética

De acordo com Regis Fernandes de Oliveira31, é

possível afirmar que se vive um tempo de afirmação dos direitos humanos, sobretudo na esfera constitucional, consagrando-se direitos em declarações nacionais, internacionais e em textos normativos formais. Uma quarta dimensão de direitos ainda é discutida; contudo, para aqueles que a reconhecem e atribuem-lhe uma esfera de atuação, esta geração refere-se aos “direitos

27 SALDAÑA, Javier. El derecho a la vida. La defensa de Tomás de Aquino John Finnis. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Direito Fundamental à Vida. São Paulo: Quartier Latin/ Centro de

Extensão Universitária, 2005, p. 46. 28 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 66. 29 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª.

ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 53. 30 CHIMENTI, Ricardo Cunha et. Al. Curso de Direito Constitucional.

São Paulo: Saraiva, 2005, p. 47. 31 OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Direitos humanos em perigo. Consulex, Brasília (DF), ano X, n 219, p. 50-52, 28 de fev. de 2006.

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ligados à biogenética e ao patrimônio genético, bem como à participação democrática, à informação e ao pluralismo” 32.

Reconhecendo esta geração e destacando a bioética estão Tereza Rodrigues Vieira e Daniel Martins, para quem...

O maior obstáculo à efetividade dos direitos humanos fundamentais consiste na sua inobservância pelo Estado e, também, por parte da sociedade. No que toca à Bioética, encontramo-la submersa em celeumas ético-jurídicas, sobretudo por implicar reflexão acerca dos valores colidentes que emergem diariamente com o avanço tecnológico, em razão de serem impróprias as condições socioeconômicas da maioria da população. [...] Desse modo, evidencia-se que, além dos entraves à eficácia dos direitos humanos fundamentais, os temas bioéticos abarcam outro problema, que é o da posição a ser adotada em determinada circunstância, dada a pluralidade de entendimentos, motivada, mormente pelas inovações científicas que demandam apreciação ética e jurídica33.

Nesta esteira, não só devem ser reconhecidos os

direitos de quarta geração como devem ser efetivados e estudados a fim de serem, também, garantidos à população que, enfim, teria acesso à biogenética, à liberdade, igualdade, à fraternidade, e mais, como bem destacou Ingo Sarlet, estaria este conjunto incompleto se não houvesse a garantia do “mais fundamental dos direitos, isto é, à vida e ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana”.34

32 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. O futuro dos direitos humanos fundamentais. Consulex, Brasília (DF), ano X, n. 232, p. 60-62, 15 de

set. de 2006. 33 VIEIRA, Tereza Rodrigues e MARTINS, Daniel. A bioética, os direitos humanos fundamentais e seus entraves. Consulex, Brasília (DF), ano

XI, n. 243, p. 11 de fev. de 2007. 34 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª.

ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 59.

Direito à vida e direito à morte com dignidade... // 55

2.3 DEFINIÇÃO DE DIGNIDADE

Para Gilberto Haddad Jabur, “a noção e o conceito de dignidade humana são daqueles em torno dos quais pouco se cansaram as mentalidades jurídicas [...] falta de correta apreensão e fixação dos elementos que a compõem”.35

Vários são os doutrinadores a tentar conceituar a dignidade, donde se chega a tantos outros que tratam da impossibilidade de conceituar a contento o termo e sua aplicação prática. Embora inexista consenso a respeito do conceito de dignidade, pode-se dizer que, em sua trama, é forte a presença da tolerância, uma vez que engloba tanto aspectos ligados a valores; tais como respeito à essência da pessoa humana; quantos aspectos conectados à justiça, logo, relacionados aos direitos e garantias fundamentais já positivados. É de José Dias a reflexão abaixo:

A palavra dignidade é um dos grandes sustentáculos da nossa língua e da nossa cultura [...] tudo parece indicar que a mais remota origem linguística [...] seja do sânscrito [...]. O significado desta raiz “dec” (decente) corresponde ao “ser conveniente, conforme, adequado”. Atribuiu-se às qualidades, as relações enquanto capazes de conformar-se aos homens e às coisas, às tarefas e às atividades. [...] O significado da palavra “digno” parece ser “justo”. Aquilo que não é “digno” é “in-justo” 36.

Contribui para o entendimento do tema o pensamento

de Gilberto Haddad Jabur para quem “a dignidade não aceita transigência nem gradação. O respeito que se lhe deve estar acima de qualquer outro valor ou direito estabelecido pelo homem”.37

35 JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos da personalidade. São Paulo: RT,

2000, p.202. 36 DIAS, José. DIAS, José Francisco de Assis. Direitos Humanos:

Fundamentação Ontoteleológica dos Direitos Humanos. Maringá: Unicorpore, 2005, p 248. 37 JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos da personalidade. São Paulo: RT,

2000, p. 203.

56 // Ética e direito à vida: Volume II

Assim, evidencia-se que a dignidade estará resguardada na mesma medida pela qual serão protegidos os direitos humanos; não cabendo esta tarefa protetiva apenas ao Estado, como bem lembra Guilherme Arruda Aranha38, pois o tema revela não apenas legítimo interesse nacional, mas também, ganhou merecido destaque internacional.

Fernanda Schaefer Rivabem, acertadamente observa que é mais fácil

identificar situações em que a dignidade é desrespeitada, maior dificuldade se encontra em definir o princípio da dignidade da pessoa humana, pois, tratando-se de um princípio aberto e não taxativo, possui múltiplos significados e efeitos.39

Observe-se que a autora supracitada opta por classificar

a dignidade como princípio, ao passo que aqui, opta-se pelo entendimento esposado por Wanderlei de Paula Barreto, o qual prefere classificá-la como valor fundante do sistema jurídico, dando-lhe o destaque merecido e necessário. Entendimento semelhante é o de Roxana Cardoso Brasileiro Borges, donde se destaca a aproximação entre dignidade e personalidade:

O valor dignidade da pessoa humana surge, no ordenamento jurídico, como um elemento unificador das normas e categorias jurídicas, com forte influência sobre os direitos da personalidade. [...]. Com o passar do tempo, a personalidade vem sendo entendida mais como valor jurídico ou como princípio do que como atributo jurídico40.

38 ARANHA, Guilherme Arruda. Direitos Humanos e Dignidade. In: PIOVESAN, Flávia e IKAWA, Daniela. Direitos Humanos: fundamento,

proteção e implementação, perpectivas e desafios contemporâneos. Vol II. Curitiba: Juruá, 2007. 39 RIVABEM, Fernanda Schaefer. A Dignidade da pessoa humana como valor-fonte do Sistema constitucional brasileiro. Disponível

em<http://calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/viewFile/7004/4982> Acesso em 02 out. 2007. fl. 09. 40 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos da personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005, p.

7, 12.

Direito à vida e direito à morte com dignidade... // 57

Se não há definições abrangentes o suficiente, deve haver noções fundamentais, ao menos elementos caracterizadores. É isto que se buscará no tópico seguinte.

2.3.1 Composição da dignidade - fatos extrínsecos e fatos intrínsecos

Estudando a evolução do pensamento ocidental no que

pertine ao conteúdo e ao significado da noção de pessoa humana, Ingo Wolfgang Sarlet assevera:

Cumpre ressaltar, de início, que a ideia do valor intrínseco da pessoa humana deita raízes já no pensamento clássico e no ideário cristão. [...] No pensamento filosófico e político da Antiguidade clássica, verifica-se que a dignidade (dignitas) da

pessoa humana dizia, em regra, com a posição social ocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade41.

Desta feita, poder-se-ia dizer, acerca do conceito de

dignidade, que seu significado tem algo de intrínseco à natureza humana, a qual o reconhece ainda que não consiga determinar-lhe os limites com precisão. Neste contexto, interessa ressaltar o que diz Fernanda Schaefer Rivabem:

A dignidade não só é inerente ao ser humano individualmente considerado (visão ontológica) como é fruto do desenvolvimento histórico e cultural da sociedade e, por isso, deve ser considerada prévia ao Direito, existindo, portanto, independente de sua previsão expressa, cabendo ao Direito a árdua tarefa de concretizá-la (promoção e proteção) 42.

Para Gilberto Haddad Jabur, o respeito ao valor da

dignidade é fundamental, asseverando o autor:

41 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2001, p.30. 42 RIVABEM, Fernanda Schaefer. A Dignidade da pessoa humana como valor-fonte do Sistema constitucional brasileiro. Disponível

em<http://calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/viewFile/7004/4982> Acesso em 02 out. 2007. fl 02.

58 // Ética e direito à vida: Volume II

O respeito que se deve render à dignidade é o respeito à condição mínima de existência humana, encarnada nos direitos personalíssimos [...]. Nem precisaria a dignidade radicar-se em preceito algum, porque valor supremo que é, dispensa ostensiva normatização. Dignidade é sobrenorma. Seu reconhecimento e sua sagração podem ser considerados pressupostos lógicos à construção de qualquer sistema jurídico43.

Assim, plena de significado intrínseco, como direto

natural do ser humano, o valor dignidade é “sobrenorma” que se impõe, no caso brasileiro, aos textos legais infraconstitucionais, onde encontra seu elemento extrínseco. Não admitindo acordo, limitação, omissão ou expropriação sob qualquer hipótese.

Imbuídos da preocupação de compreender os contornos do valor dignidade no contexto dos direitos humanos fundamentais é que se passa ao próximo item. 2.3.2 Direitos humanos e dignidade

A dignidade humana somente alcançará seu verdadeiro

sentido se fundar sua preocupação no ser humano, considerado em sua autonomia e capacidade de autodeterminação. Não há falar-se em direitos humanos, e muito menos em dignidade se o indivíduo não puder preordenar-se em face dos seus direitos e deveres dentro do contexto social.

Tal direcionamento vem sendo dado pelos documentos de reafirmação dos direitos humanos em escala global, como a Carta Árabe de Direitos Humanos, a Carta Africana, o Pacto de Direitos Civis e Políticos, a Convenção Europeia de Direitos Humanos, só para citar os mais recentes.

Quando se afirma e reafirma um direito humano fundamental, seja em documento com força legal ou, apenas resultado de intenções, já se está dando um grande passo em direção à garantia da dignidade, pois diante do ecletismo que permeia a sociedade (e que deve ser respeitado), parte-se para um processo de compreensão da igualdade fundamental que é

43 JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos da personalidade. São Paulo: RT,

2000, p. 202.

Direito à vida e direito à morte com dignidade... // 59

inerente a cada homem, a cada mulher, enfim, a cada indivíduo único e, paradoxalmente, igual a todos em direitos.

Não só a dignidade é valor fundante, como é germe donde brotam a possibilidade da convivência ordenada, tão almejada pela humanidade ao longo de séculos de luta pela liberdade, pelo direito à propriedade, pela igualdade, pela solidariedade, enfim, por aquilo que é capaz de diferenciar o homem dos demais animais. Para ser paradoxal, é preciso defender a igualdade na diferença. Conclui-se este item com o pensamento de Roxana Borges:

O sentido de dignidade é um valor básico do ordenamento jurídico e se aproxima das noções de respeito à essência da pessoa humana, respeito às características e sentimentos da pessoa humana, distinção da pessoa humana em relação aos demais seres [...] depende de seus sentimentos de respeito, da consciência de seus sentimentos, das suas características físicas, culturais, sociais44.

O ser humano pode atuar no universo natural e com

outras pessoas, entretanto, deve possuir um objetivo, ir além da construção de casas ou objetos, mas desenvolvendo conceitos, os quais, baseados numa escala de valores, tornam o homem único, complexo e merecedor do domínio que exerce sobre as outras espécies do planeta; mas não sem antes reconhecer ao diferente o direito de ser tratado de modo digno.

2.3.3 IDH – índice de desenvolvimento humano

No ano de 2002, a prefeitura do Estado de São Paulo,

através da então Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade, divulgou dados sobre o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com destaque para o cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). De acordo com o exposto no site da Prefeitura de São Paulo, o Programa de IDH foi adotado a partir de 1990 como medida padrão para comparar o desenvolvimento humano entre os países, sendo

44 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos da personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005, p.

143.

60 // Ética e direito à vida: Volume II

considerados três elementos: renda, longevidade e educação. O documento explicita:

O IDH é o mais amplamente utilizado entre os índices sociais criados para medir o desenvolvimento humano, apesar das limitações que oferece para captar diferenças efetivas de qualidade de vida, ao não incluir em sua fórmula sintética, por exemplo, indicadores de distribuição de renda, de desemprego ou mesmo de violência entre jovens. No Brasil, a instituição encarregada do cálculo do IDH, para todas as unidades da Federação, incluindo os mais de 5.500 municípios, é o IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, vinculado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão45.

O site do IPEA informa que o critério anteriormente

utilizado para se medir o desenvolvimento de uma “cidade, região ou nação costumava ser a medida de PIB per capita” 46. Entretanto, os economistas Mahbub ul Haq e por Amartya Sem entendiam que uma medida mais completa deveria considerar elementos mais ligados à qualidade de vida do ser humano, criaram, desta feita, o IDH.

Por sua vez, o relatório de desenvolvimento humano de 200247, elaborado pela própria Organização das Nações Unidas, traz importantes observações acerca da importância da administração (do governo) para a erradicação da pobreza e promoção do desenvolvimento humano. O então secretário geral

45 ÍNDICE de Desenvolvimento Humano–IDH. Disponível

em<http://www9.prefeitura.sp.gov.br/sempla/mm/mapas/intro_idh.pdf. Acesso 07 out. 2007, fl 01. 46 PNUD, IBGE IPEA, FJP. Desenvolvimento Humano e Condições de Vida: Indicadores Brasileiros. Apresenta dados estatísticos e

reflexões sobre a pesquisa coordenada pelas Nações Unidas, em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e a Fundação João Pinheiro. Disponível em <http://www.undp.org.br/HDR/Hdr98/dhcv98.htm>. Acesso em 05 out. 2007, fl 01. 47 NAÇÕES UNIDAS. Relatório do desenvolvimento humano 2002.

Capítulo 2_Governação democrática para o desenvolvimento humano, 2002. Apresenta estudo sobre os índices de desenvolvimento humano pesquisados e sua relação com a qualidade das ações governamentais.12 p. Disponível em <http://www.pnud.org.br/hdr/hdr2002/2-Capitulo%202.pdf>. Acesso em 08 out. 2007, fl. 01.

Direito à vida e direito à morte com dignidade... // 61

das Nações Unidas, Kofi Annan, destaca que “regras e processos políticos desempenham um papel relevante, influenciando, por exemplo, o crescimento da economia, a frequência escolar, ou os progressos e retrocessos do desenvolvimento humano. Portanto, a promoção do desenvolvimento humano”.

Continua o referido relatório da ONU, destacando a fundamental importância da boa governança, qualificando a questão do bem estar social como um desafio econômico e tecnológico, além de um desafio institucional e político.

Deste modo, a análise do IDH nacional e municipal serviria como parâmetro norteador da ação governamental no intuito de garantir direitos humanos fundamentais e, consequentemente, efetivar a promoção da dignidade da pessoa humana.

Considerando a realidade da população afrodescendente no Brasil, a historiadora Wania Sant’Anna48 destaca a importância do IDH, afirmando:

A aceitação do Índice de Desenvolvimento Humano como parâmetro de avaliação das condições de vida da população de um expressivo número de países, e a credibilidade adquirida pela formulação do IDH ajustado à realidade étnico/racial na população brasileira, nos leva a crer que este seja um instrumento adequado para avaliar o quanto a população afrodescendente tem, ou não tem, se apropriado de políticas essenciais ao seu desenvolvimento.

Embora se entenda que a autora tenha desejado tratar

da questão racial, sua afirmação importa numa melhor compreensão do IDH por dois fatores, o primeiro é o destaque e a importância deste cálculo; bastante respeitado em nível mundial como instrumento de avaliação da qualidade de vida da população; o que remete, obrigatoriamente, a aspectos dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana. O segundo fator de relevo está na consideração de que,

48 SANT´ANNA, Wania. Novos marcos para as relações étnico/raciais no Brasil: uma responsabilidade coletiva. Rio de

Janeiro. Disponível em<http://www2.mre.gov.br/ipri/Rodrigo/RACIMO/SALVADOR%5CPAPERS%5C2%20Wania%20Sant%C2%B4Anna.rtf. Acesso 08 out. 2007.

62 // Ética e direito à vida: Volume II

independentemente das questões raciais, a dignidade deve ser garantida a todo cidadão, pois o que se observa na sociedade atual é a negação de direitos ao ser humano, seja ele de que origem for, pois importa viver, mas vida com dignidade.

2.3.4 Direito à vida digna

Fábio Konder Comparato49 assinala que a dignidade da

pessoa humana é de tal complexidade que não necessita de paradigmas ou modelos referenciais externos, mas é ela própria um fim, o qual se liga à vontade da pessoa humana, corolário de sua capacidade de autodeterminação.

Sidney Guerra e Lilian M. Balmant Emerique50, em artigo publicado na Revista de mestrado da Faculdade de Direito de Campos, destacam que embora haja uma preocupação significativa com os direitos fundamentais e, consequentemente, com as questões relativas à dignidade, muitos destes direitos não encontram efetividade, observando-se uma violação contínua dos direitos humanos e “o aviltamento da dignidade humana”.

Tereza Rodrigues Vieira51, versando sobre bioética também destaca a importância do respeito à dignidade da pessoa humana, defendendo a tese da reflexão caso a caso “numa demonstração de que há um mínimo de dignidade que não se pode negociar”. Assim, não basta a positivação ou a constitucionalização dos direitos humanos, garantidores da dignidade, é preciso uma forte conscientização social, bem como uma postura governamental mais comprometida com o cidadão. Conquistar direitos exige disseminação do conhecimento e ação efetiva de cada indivíduo que compõe a sociedade.

49 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 20. 50 GUERRA, Sidney e EMERIQUE, Lilian Márcia Balmant. O princípio da dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial. Revista da

Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 9 - Dezembro de 2006, p. 09. Disponível em <http://www.fdc.br/ Arquivos/ Mestrado/Revistas/Revista09/Artigos/Sidney.pdf Acesso em 02 out. 2007, fl. 06. 51 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética: temas atuais e seus aspectos

jurídicos. Capítulo. Brasília: Consulex, 2006, p. 17.

Direito à vida e direito à morte com dignidade... // 63

O direito à vida digna está intimamente ligado à capacidade de autodeterminação do indivíduo, mas é inegável que o reconhecimento estatal das prerrogativas do indivíduo é essencial, entretanto, poderá o indivíduo decidir/dispor sobre todos os seus direitos, inclusive o bem jurídico de maior destaque, a vida? É o que se passa a discutir no próximo título.

2.4 DIREITO DE NASCER E DIREITO DE MORRER

2.4.1 Abortos

Extremamente delicada, a questão do aborto há muito

vem sendo discutida pela sociedade sem que, contudo, Estado, Igreja e sociedade cheguem a um consenso, se é que isto é possível diante de tão complexo tema. O motivo de tamanha complexidade deve-se ao fato de que o aborto atinge um dos bens jurídicos de maior relevo para a humanidade: a vida humana. E quando o direito à vida entra em conflito com outros direitos da personalidade; como o direito da mulher de dispor do próprio corpo ou escolher o melhor momento de deixar descendentes; tem-se o choque de direitos da personalidade tutelados igualmente pelo Ordenamento Jurídico nacional. Compõem, ainda, o problema, aspectos de cunho moral e religioso.

Isto sem se chegar à questão do anencefálico, ou outra anomalia fetal, pois há permissão legal para o aborto, mas uma total negação desta possibilidade por parte da Igreja, o que inspira uma divisão de opiniões e, muitas vezes, acirra ânimos na defesa de um ou outro lado.

Tereza Rodrigues Vieira52 entende que o aborto deva ser incluído nas políticas sanitárias nacionais, tendo em vista que a proibição tem gerado mortes das pacientes por complicações em decorrência da falta de assistência médico-hospitalar adequada; pois estando os médicos e enfermeiros que praticam o aborto na clandestinidade, não há nenhuma garantia de saúde para a mulher que se submete a tal procedimento.

Tratando do tema, José Francisco de Assis Dias, apresenta as razões levantadas para “negar ao embrião humano

52 Ibidem, p. 37-39.

64 // Ética e direito à vida: Volume II

[...] direitos fundamentais” 53. A primeira razão assenta-se no não reconhecimento da personalidade do embrião; a segunda razão destaca que ao embrião faltam atributos psicológicos, “necessários ao ser”. Por sua vez, a terceira razão encontra apoio no aspecto orgânico, “o embrião não é persona porque não adquiriu o desenvolvimento orgânico _ dos órgãos dos sentidos e do cérebro considerados necessários para a vida pessoal”. Por último, a quarta razão diz respeito ao caráter “epigenético do desenvolvimento biológico” que, segundo o autor, retoma a motivação da terceira razão54.

Aleksandro Clemente55 pondera que o direito à vida é fundamental ao homem, porque dele decorrem os demais, sendo inerente à condição de ser humano. Seguindo esta linha de raciocínio, lembra o Pacto de São José da Costa Rica, o qual apregoa o direito à vida desde a concepção. Completa seu entendimento citando a Constituição Federal, que declara a inviolabilidade do direito à vida e o Código Civil vigente, donde se observa a tutela jurisdicional da personalidade a partir do nascimento com vida, com a salvaguarda desta desde a concepção.

Tais observações levam-no a afirmar que a lei brasileira reconhece o embrião como “pessoa viva”; logo, a prática do aborto seria ato criminoso, negando ao Projeto de legalização do aborto, qualquer possibilidade de triunfo.

Também se opõe à legalização do aborto José Arnóbio Amariz de Sousa56, inclusive na situação de estupro da mulher. Para Amariz de Sousa, o direito à vida tem primazia, devendo ser preservado em qualquer situação.

Mas ainda há mais uma questão a ser considerada em relação à proteção à vida: será ele um direito disponível? A eutanásia se constitui em um direito? Será esta a nossa próxima discussão.

53 DIAS, José Francisco de Assis. Direitos Humanos: Fundamentação

Ontoteleológica dos Direitos Humanos. Maringá: Unicorpore, 2005, p. 354-355. 54 Ibidem, p. 356-357. 55 CLEMENTE, Aleksandro. O Direito à vida e a questão do aborto. Consulex, Brasília (DF), ano XI, n. 243, p. 14, 28 de fev. de 2007. 56 SOUSA, José Arnóbio Amariz de. Os filhos do estupro. Consulex,

Brasília (DF), ano IX, n. 211, p. 46-51, 31 de out. de 2005.

Direito à vida e direito à morte com dignidade... // 65

2.4.2 Eutanásia O termo eutanásia eu + thanatos significava,

inicialmente, boa morte, morte sem dor, morte tranquila, sem sofrimento57. Entretanto, conforme lição de Letícia Ludwig Möller58, o termo passou por transformações, significando, atualmente, morte provocada por sentimento de piedade à pessoa que sofre. Tal conceito exclui definitivamente a morte provocada sem motivação humanística; assim, a chamada eutanásia eugênica do nazismo, nada mais foi que puro homicídio.

De acordo com Canotilho, “o direito à vida é um direito, mas não se constitui numa liberdade”, o que significa a impossibilidade de disposição sobre a mesma. A vida é elemento essencial da pessoa, mas para grande parte da doutrina, não é direito disponível; tanto se dá desta forma que a tutela Estatal permanece mesmo diante da manifestação em sentido contrário do próprio indivíduo.

José Francisco de Assis Dias59, situando a eutanásia entre os direitos do doente, comenta que o progresso tecnológico da medicina, levou os indivíduos a situações-limite de aplicação de todos os meios terapêuticos possíveis, o que, na concepção do autor, pode resultar em uma ofensa à dignidade humana do paciente em estado terminal, para ele, trata-se de “direito inalienável de morrer em paz”.

Há tipos de eutanásia, conforme magistério de Roxana Borges60, a eutanásia propriamente dita, no sentido atual, é aquela provocada por sentimento de piedade em relação ao indivíduo que sofre de alguma enfermidade grave. A distanásia é o prolongamento artificial do processo de morte, com sofrimento do doente, “esbanjando cuidados extraordinários,

57 Ibidem. 58 MÖLLER, Letícia Ludwig. Direito à morte com dignidade e autonomia: o direito à morte de pacientes terminais e os princípios da

dignidade e autonomia da vontade. Curitiba: Juruá, 2007, p. 71. 59 DIAS, José Francisco de Assis. Direitos Humanos: Fundamentação

Ontoteleológica dos Direitos Humanos. Maringá: Unicorpore, 2005, p. 365. 60 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos da personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005, p.

235.

66 // Ética e direito à vida: Volume II

desvelos sem os quais ele não poderia subsistir”.61 Já o termo ortotanásia refere-se à morte correta, o não prolongamento artificial do processo de morte, além do que seria o processo natural, feito pelo médico. O doente já se encontra em processo natural de morte, processo este que recebe uma contribuição do médico no sentido de deixar que esse estado se desenvolva no seu curso natural.

Para Tereza Rodrigues Vieira, existem duas correntes que abordam o assunto sob o ponto de vista ético. A primeira entende o direito à vida como intocável e sagrado; a segunda corrente, por sua vez, defende que o indivíduo é um ser livre e autônomo, podendo renunciar a qualquer direito, inclusive à vida62.

O âmbito de discussão da eutanásia não pode deixar de lado considerações acerca da igualdade, da justiça e da segurança, pois são valores supremos insculpidos no art. 5º. da Constituição Federal, como bem lembra Letícia Ludwig Möller. Também não deve escapar a importância da dignidade, a qual, de acordo com a autora, é exigência e necessidade humana básica das mais relevantes63.

Lembrando o campo de incidência dos direitos da personalidade, Maurício Kenji Yonemoto64, desenvolveu artigo sobre o direito à morte. Apoiado em Adriano de Cupis, Elimar Szaniawski e no Código Civil, salienta o autor que os direitos da personalidade são fundamentais, o cerne da constituição do próprio indivíduo, com destaque para a proteção à vida. Motivo este que traz ainda maior destaque ao tema da “eutanásia”.

Maurício Kenji Yonemoto apresenta argumentos favoráveis e contrários à prática da eutanásia, afirmando que “os defensores da eutanásia (como medida humanitária de alívio de sofrimentos, como é entendida nos dias atuais), apresentam

61 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética: temas atuais e seus aspectos

jurídicos. Capítulo. Brasília: Consulex, 2006, p. 33. 62 Ibidem, p. 35. 63 MÖLLER, Letícia Ludwig. Direito à morte com dignidade e autonomia: o direito à morte de pacientes terminais e os princípios da

dignidade e autonomia da vontade.Curitiba:Juruá,2007,p.143. 64 YONEMOTO, Maurício Kenji. O “Direito à morte” e os direitos da personalidade. Revista de Direito Privado e Processual da Universidade Estadual de Maringá, Maringá, v. 01, n. 1, p. 145-162 ,

jun. 2000, p. 146-147.

Direito à vida e direito à morte com dignidade... // 67

vários argumentos a este respeito”. Alguns deles estão aqui reproduzidos:

a) uma pessoa, sofrendo de doença mortal, não tem

mais deveres a cumprir, porque é simplesmente incapaz de fazer qualquer coisa por si ou pelos outros;

b) uma pessoa que não Acredita em Deus pode [...] concluir que o homem é dono da própria vida. Logo, pode terminar, livremente, com a própria vida...

c) a eutanásia voluntária positiva é um ato de bondade para com a família e para com a sociedade.

Opondo-se à permissão da eutanásia também há muitos

argumentos elencados por Maurício Kenji Yonemoto, entre eles: a) nossa vida é parte integrante do meio em que vivemos,

sendo que, em nossa formação filosófica teológica, Deus é quem tem o destino de nossas vidas;

b) se a justificativa da eutanásia é a morte a fim de aliviar a dor, infeliz é a escolha, pois muito melhor seria eliminar a dor e manter a vida, do que causar a morte para pôr fim a dor;

c) na eutanásia voluntária, corre-se o risco de que, sendo voluntária, pela forma com que se procederia, determinando-se o dia e a hora do procedimento que levará à morte, o ato assemelha-se à execução de uma pena de morte, causando aspecto de se estar punindo ao enfermo65.

Importa observar que segundo Adriano de Cupis66,

ninguém tem o direito de tirar a vida de outrem, nem mesmo o próprio titular, sendo exceções a legítima defesa e o estado de necessidade. Contudo, outro lado da questão é apresentado por Hélio Schwartsman, escrevendo para a Folha Online. Ele afirma que recusar o prolongamento artificial da vida em caso de

65 YONEMOTO, Maurício Kenji. O “Direito à morte” e os direitos da personalidade. Revista de Direito Privado e Processual da Universidade Estadual de Maringá, Maringá, v. 01, n. 1, p. 145-162 ,

jun. 2000, p. 156. 66 CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. Campinas:

Romana, 2004, p. 71.

68 // Ética e direito à vida: Volume II

doenças fatais, constitui-se em um direito do cidadão à medida que reflete a autonomia do sujeito, pois a própria sociedade aplaudiu decisões nesse sentido nos casos do ex-governador Mário Covas e do Papa João Paulo II.

Assim, são muitas as possibilidades de compreensão do tema e, por isso, não se pretende, de modo algum, encerrar sua discussão, no máximo, deseja-se lançar luzes sobre a situação oferecendo argumentos recolhidos na melhor doutrina. Por este motivo, parte-se para um novo tema, o suicídio.

2.4.3 Suicídios

Tereza Rodrigues Vieira explica que o suicídio, também

chamado de autoquiria, “é uma forma peculiar de morte”, quando o indivíduo se sente infeliz, sem perspectivas de melhora e deseja livrar-se de sua própria vida.

A supracitada autora alerta que o suicídio (ou a tentativa) não é punido pelo Direito, embora a instigação ao suicídio seja delito previsto no art. 122 do Código Penal. A visão afasta-se do pressuposto de Tomás de Aquino à medida que não entende o suicídio como atentatório à sociedade, mas sinônimo de desprezo que o indivíduo tem pela própria vida67.

Javier Saldaña, explanando sobre a Filosofia de Tomás de Aquino, esclarece que este se opõe veementemente ao suicídio, sendo apontadas três razões principais: i) o suicídio se à conservação da vida humana; ii) constitui-se este ato numa ofensa à sociedade; iii) configura-se num agravo a Deus. Ainda apoiado em Tomás de Aquino, Javier Saldaña assinala:

Matar-se a sí mismo es completamente ilícito […] porque cada cosa se ama naturalmente a sí misma, de donde resulta que cada cosa conserva a sí misma en el ser y resiste cuanto puede a los agentes que la corrompen. Por tanto, cuando alguien se mata a si mismo va en contra de esa inclinación natural y contra la caridad con la que cada cual debe amarse a sí mismo. La muerte de uno mismo es siempre pecado mortal, como contraria a la ley natural y la caridad68.

67 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética: temas atuais e seus aspectos

jurídicos. Capítulo. Brasília: Editora Consulex, 2006, p. 95. 68 SALDAÑA, Javier. El derecho a la vida. La defensa de Tomás de Aquinoy John Finnis. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.).

Direito à vida e direito à morte com dignidade... // 69

Observe-se que a concepção tomazina, ligada ao dogma religioso, condena o suicídio, classificando-o como pecado. Esta visão negativa sobre o indivíduo que atenta contra/deseja tirar a própria vida está enraizada na mentalidade ocidental; por outro lado, na mentalidade oriental japonesa, representa ato de grande coragem.

Talvez a expressão que melhor traduza o desejo humano de controlar a própria vida esteja expresso na frase de John Stuart Mill: “sobre si mesmo, sobre seu corpo e sua mente, o indivíduo é soberano” 69. No entanto, ainda não há consenso sobre o tema, havendo defensores e opositores desse direito (?) humano.

2.4.4 Greve de fome

A greve de fome não é tema tão frequentemente tratado

pela doutrina, mas por envolver uma situação que põe em risco a dignidade da pessoa humana. Tereza Rodrigues Vieira traz à baila o assunto pelo prisma da bioética jurídica. Para a autora, a greve de fome pode ser assim caracterizada:

a greve de fome é forma de pressão social da qual lançam pessoas mentalmente capazes que desejam suprimir uma injustiça e para tal se recusam à ingestão de alimentos por período longo, correndo o risco de morte por jejum. Seu caráter é reivindicativo.

Adriano de Cupis70 afirma que a vida se identifica com a

simples existência biológica e que o direito à vida é essencial, tem como objeto um bem muito elevado, sendo um direito essencialíssimo. É um direito inato, adquirido no nascimento, portanto, intransmissível, irrenunciável e indisponível. Assim, o suicídio não constitui exercício de um direito.

Direito Fundamental à Vida. São Paulo: Quartier Latin/ Centro de Extensão Universitária, 2005, p. 41. 69 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética: temas atuais e seus aspectos

jurídicos. Capítulo. Brasília: Editora Consulex, 2006, p. 93. 70 CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. Trad. Afonso

Celso Furtado Rezende. Campinas: Romana, 2004, p. 73.

70 // Ética e direito à vida: Volume II

O código de Ética Médica também se preocupa com o tema, vedando ao médico o ato de nutrir compulsoriamente qualquer pessoa em greve de fome. O art. 51 assim dispõe:

É vedado ao médico alimentar compulsoriamente qualquer pessoa em greve de fome que for considerada capaz, física e mentalmente, de fazer juízo perfeito das possíveis consequências de sua atitude. Em tais casos, deve o médico fazê-la ciente das prováveis complicações do jejum prolongado e, na hipótese de perigo de vida iminente, tratá-la71.

Para Hélio Schwartsman72, “aceitar que existe uma

norma que não admite grandes desvios é negar a liberdade ao indivíduo e quem sabe até abrir as portas para a censura química”. Ainda em defesa do direito de greve de fome, é interessante analisar a tese da teóloga Ivone Gebara:

Creio que qualquer pessoa em pleno uso de suas faculdades de reflexão e decisão tem o direito de dispor da vida por um bem que ela considera naquele momento maior que a própria vida. Tal posição relativiza o chamado direito único de Deus de dispor da vida humana. Não é nosso papel como seres humanos legislar sobre os direitos de Deus. Mas é nosso papel legislar sobre os direitos humanos, as ações humanas e as escolhas humanas73.

Também do meio religioso, há opinião completamente

diversa, como a de Dom Jaime Luiz Coelho, para quem a vida é dom de Deus, cabendo apenas a Ele “o direito soberano divino de dispor do hálito da vida do homem” 74.

71 SCHWARTSMAN, Hélio. Censura química. Disponível em

http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult510u220.shtml. Acesso em 07/11/2007, fl 01. 72 Ibidem. 73 GEBARA, Ivone. A greve de fome e o direito de dispor da vida. Disponível em http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=19387. Acesso em 30.11.2007. 74 COELHO, Jaime Luiz. O dom da vida. Revista Tradição, Maringá

(PR), ano XXVII, n. 295, p. 24, julho de 2007.

Direito à vida e direito à morte com dignidade... // 71

Eis aí mais uma questão delicada para a sociedade. Mais uma questão que caberá ao Direito, pela lei e pela doutrina, analisar.

2.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A variedade e amplitude dos temas tratados, por si só,

impossibilita que sejam traçadas conclusões. Portanto, pretende-se apresentar apenas considerações acerca da dignidade da pessoa humana enfocando os temas tratados, a saber: a relação com os direitos humanos, as implicações da dignidade da pessoa humana em situações de aborto, eutanásia, suicídio e greve de fome e, por via transversa, perpassou-se a noção de dignidade ligada ao direito à vida.

A partir dos estudos realizados, evidenciou-se que a dignidade da pessoa humana é valor-fonte do ordenamento jurídico, estando presente nas mais diversas situações, desde aquelas que envolvem a possibilidade/capacidade do indivíduo dispor de seu corpo e sua vida; até aquelas nas quais o respeito à dignidade do ser humano chega a oferecer uma limitação ao exercício do direito; mas não por mera arbitrariedade legal, mas, antes, pelo respeito extremo conferido à dignidade quando esta se liga aos direitos da personalidade.

Outro aspecto evidenciado durante o processo de pesquisa deste trabalho foi a constatação do total desrespeito a muitos dos direitos da personalidade, aos direitos humanos e a vários outros direitos do ser humano, pois a população carece de tudo que lhe seria mínimo para subsistência digna.

As duas constatações levam a uma conclusão lógica sobre a importância da vida digna, pois não adianta ter um belo rol de direitos humanos e garantias da dignidade, se isto não chega a atingir a vida de cada cidadão.

Quanto aos temas mais específicos, ficam questionamentos em vez de respostas: seria admissível a aprovação da legislação que visa regular a prática da eutanásia? O direito à vida, como direito indisponível da personalidade, pode ser mitigado com a permissão do aborto ou da eutanásia? Quando um indivíduo opta pela greve de fome em nome de um bem maior que deseja defender, ainda que isto ameace a sua vida, tem a sociedade o direito de obrigá-lo a alimentar-se? O

72 // Ética e direito à vida: Volume II

código de ética médica tem legitimidade para tratar de questões como eutanásia, aborto ou greve de fome?

Novamente, destaca-se que o maior dos direitos é o de levar uma vida digna, gozando das prerrogativas sociais, econômicas, religiosas e filosóficas que permitem ao homem viver em plenitude, livre de qualquer preconceito ou discriminação.

2.6 REFERÊNCIAS ARANHA, Guilherme Arruda. Direitos Humanos e Dignidade.

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78 // Ética e direito à vida: Volume II

= III =

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Gabrielli Agostineti Azevedo*

Gisele Mendes de Carvalho ** Larissa Yukie Couto Munekata***

3.1 INTRODUÇÃO

A dignidade da pessoa humana não possuía a mesma

compreensão que se tem atualmente. Porém no presente trabalho recorrer-se-á principalmente à filosofia, por esta ciência oferecer completos fundamentos ao próprio homem e ao Direito. Necessariamente, como a dignidade da pessoa humana está inserida nos direitos da personalidade? Como funciona esta proteção?

* Graduada em Direito pela UNICESUMAR –Centro Universitário de Maringá. Pós-Graduanda em Ciências Penais pela Universidade Estadual de Maringá – UEM. Mestranda em Ciências Jurídicas com concentração na área de Direitos da Personalidade, pela UNICESUMAR – Centro Universitário de Maringá. Advogada, com OAB/PR 71.829. Endereço eletrônico: <[email protected]>. ** Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá – UEM. Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Doutora e Pós-Doutora em Direito Penal pela Universidade de Zaragoza, Espanha. Professora Adjunta de Direito Penal na Universidade Estadual de Maringá e na UNICESUMAR – Centro Universitário de Maringá. Chefe do Departamento de Direito Público da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Endereço eletrônico: <[email protected]>. *** Graduada em Direito pela UniCesumar – Centro Universitáro de Maringá – PR. Pós-graduanda em Ciências Penais pela Universidade Estadual de Maringá - UEM. Mestranda em Ciências Jurídicas, com concentração na área de Direitos da Personalidade, pela UniCesumar – Centro Universitário de Maringá-PR. Advogada, com OAB/PR nº 70.158. Endereço eletrônico: <[email protected]>.

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Inicialmente, a dignidade da pessoa humana tratava-se de um conceito elaborado desde o período do século XV, na tentativa de fundamentar a essência do próprio homem; porém pode-se dizer que desde a Antiguidade Clássica esteve presente (embora não de forma expressa, e em diversa conotação). Muito embora haja sua previsão constitucional e em documentos internacionalmente reconhecidos, há ainda quem insista em sua transgressão, desvirtuando a própria alma e essência humanas.

De acordo com a Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, de acordo com o artigo 1º, II daquele diploma. Trata-se de condição essencial e intrínseca ao homem, posto ser estritamente ligado à sua valorização ontológica.

Destarte, a dignidade da pessoa humana é intrínseca também no contexto dos próprios direitos da personalidade, estando estes também presentes no Código Civil e Penal brasileiros. Estes, juntamente com o Direito Constitucional, zelam a personalidade humana em um vasto campo ambiental, envolvendo desde o contexto laboral, social, do meio ambiente, na esfera privada, pública, isto é, em qualquer espaço de convívio humano.

Diante do extenso campo de inserção da dignidade humana, cumpre o presente trabalho a finalidade de limitar sua análise no âmbito dos direitos da personalidade, caracterizando-se estes como inerentes ao homem, gerais, extrapatrimoniais, subjetivos, impenhoráveis, inalienáveis, dentre outras características que serão tratados no decorrer deste teor científico.

O objetivo geral do presente trabalho é destacar a dignidade da pessoa humana como um princípio enfático, necessário, relevante e primordial para que surjam quaisquer outros direitos condizentes com sua filosofia. Os objetivos específicos consistem em destacar a aplicação da dignidade da pessoa humana no campo dos direitos da personalidade; analisar as principais características destes e os conceitos relevantes para seu completo entendimento.

Como justificativa cita-se a relevância da abordagem do tema pela necessidade de retomada do ideal entendimento acerca da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade, tendo em vista a tentativa da sociedade midiática deturpar suas corretas aplicações no campo do Direito.

A dignidade da pessoa humana... // 81

Com relação à metodologia, empregou-se o método: a) de investigação o bibliográfico, destacando a utilização de obras e artigos científicos; b) de abordagem o dedutivo, perpassando a dignidade da pessoa humana (âmbito geral) para a esfera dos direitos da personalidade (âmbito particular); c) de procedimento o tipológico, na tentativa de criação de um modelo ideal de interpretação.

3.2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA FUNDAMENTAÇÃO

Antes de adentrar na análise histórica-filosófica e

constitucional da dignidade humana, demonstra-se necessário uma breve análise da trajetória do significado desta expressão. Para se analisar historicamente a dignidade da pessoa humana, deve-se remontar à Grécia e Roma. Em Roma, a dignidade era dada apenas a quem tinha status (posição política ou social) ou a instituições (soberano, a coroa, o Estado); sendo que seu desrespeito acarretava em medidas civis ou penais1. Na Grécia, o ser humano deveria se vincular na polis, para que assim fosse considerado cidadão.

Também encontrava indícios de existência na Bíblia (mas não a forma expressa deste termo), com a previsão do homem ser a imagem e semelhança de Deus. Ou seja, o homem foi considerado como algo tão superior quanto Deus, deixando de ter a conotação de inferioridade. Deus mandou seu Filho para que trouxesse a paz, a salvação, dignidade entre os homens e para pagar por todos os pecados destes. Muito embora haja os descrentes da veracidade da Bíblia, este não deixa de ser um livro histórico, prevendo leis e costumes do povo de Israel.

Marco Túlio Cícero, em 44 a.C, foi quem primeiro utilizou a expressão “dignidade do homem”, de acordo com Luís Roberto Barroso2, o qual se transcreve a seguir:

Há outros que, colocados entre filósofos e homens de Estado, encontram o encanto de sua vida administrando negócios, não

1 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Tradução de Humberto Laport de Mello. 3. reimp. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 13. 2 Ibidem, p. 14.

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para aumentar riqueza e desfrutá-la sozinho, mas para ajudar amigos e se necessário, a república. Que sua riqueza seja adquirida sem nenhuma transação desonesta ou execrável; que seja útil ao maior número possível, desde que útil para pessoas de bem; que aumente, pela ordem, a atividade, a economia; que não sirva ao luxo e à libertinagem, mas à liberalidade e à humanidade. Observando tais normas, pode-se viver bem, com dignidade e altivez, sendo, ao mesmo tempo, simples, sincero e útil aos semelhantes3.

Continua o mesmo autor afirmando que: “Conclui-se que

jamais é útil fazer mal, pois isso é sempre indigno, e que é sempre útil ser homem de bem, pois isso é virtuoso4”. Subentende-se de Cícero que a dignidade estaria associada aos requisitos mínimos para uma vida feliz e tranquila, ou seja, que a vida fosse almejada de forma simples (sem luxo), honesta, sincera, que o homem se mostre útil aos seus semelhantes, valorizando a humanidade e a liberalidade.

São Tomás de Aquino5, além de afirmar que pessoa é constituída de corpo e alma, aduz que pessoa é a hipóstasis, distinguida pela dignidade; sendo que a razão das pessoas são os relacionamentos combinados com a dignidade. Ainda:

[...] a dignidade é algo absoluto e pertence à essência. [...] a liberdade de vontade pertence à dignidade do homem. [...] Os corpos celestes são mais nobres do que os terrestres. Mas o corpo humano tem maior dignidade, porque a forma como ele aperfeiçoa a alma racional, é o mais digno.6

Disto, subentende-se que São Tomás de Aquino afirma

que a dignidade pertence à essência do homem, justamente porque a pessoa é racional e possuidora de liberdade. Posteriormente, explicar-se-á com profundidade o conceito de pessoa para este autor.

3 CÍCERO. Dos deveres. Tradução de Alex Marins. Martin Claret, 2009, p. 58-59. 4 Ibidem, p. 131. 5 AQUINO, São Tomás de. Suma de Teología. 4. ed. v. 1, parte 1. Tradução de José Martorell Capó. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2001, I q. 40 a.3, p. 394-395. 6 Ibidem, I q. 42 a.5, p. 411; I q. 59 a.3, p. 556; I q. 91 a.1, p. 816.

A dignidade da pessoa humana... // 83

Para Elisabete Morais Cotta e Gilmara Pesquero F. M. Funes, a dignidade para São Tomás de Aquino adotaria o mesmo sentido: “A dignidade que guarda intensa relação com a sua concepção de pessoa, nada mais é do que uma qualidade inerente a todo ser humano e o que o distingue das demais criaturas é a racionalidade7”.

Em um sentido bíblico, Pico Della Miràndola (crente de Deus), filósofo do humanismo renascentista, no ano de 1486 afirmou que o homem foi constituído como um ser próximo a Deus, pois: “Quem não admiraria esse novo camaleão? Que outra coisa mais digna de ser admirada?8”. Prossegue ao dizer que o homem seria um ser inacabado, encontrando-se ontologicamente no centro da preocupação mundial9. Ainda, o homem seria merecedor da dignidade por possuir plenos direitos, ser hierarquicamente superior, com liberdade de escolha de ser o que quiser, capacidade de fazer sua própria imagem e de se autodeterminar; pois nos dizeres de Pico: o homem possui uma natureza versátil, devido ser auto transformável10.

Com o advento do iluminismo (no século XVIII), substituto do cristianismo pela razão, ampliou-se a concepção de dignidade, posto ter fundamentado a teoria dos direitos individuais, principalmente no tocante à igualdade e liberdade11.

Nos dizeres de Luís Roberto Barroso, a dignidade humana não se associava aos direitos humanos:

Até o final do século XVIII a dignidade ainda não estava relacionada com os direitos humanos. De fato, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, ela estava entrelaçada com ocupações e posições públicas [...].

7 COTTA, Elisabete Morais; FUNES, Gilmara Pesquero Fernandes Mohr. Da dignidade da pessoa humana. In: III Encontro de Iniciação Científica das Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo e II Encontro de Extensão Universitária. v. 3. n. 3. Presidente Prudente, 2007, p. 2. 8 MIRÀNDOLA, Pico Della. A dignidade do homem. Coleção grandes obras do pensamento universal. v. 26. Tradução de Luiz Francine. São Paulo: Escala, s.d, p. 40. 9 Ibidem, p. 39-40. 10 Ibidem, p. 38, 40, 56. 11 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. 2. ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 141.

84 // Ética e direito à vida: Volume II

Portanto, na cultura ocidental, começando com os romanos e chegando até o século XVIII, o primeiro sentido atribuído à dignidade – enquanto categorização dos indivíduos – estava associado a um status superior, uma posição ou classificação social mais alta12.

Tal afirmação prospera ao se analisar o artigo 6º da

Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789): “Art. 6º. [...] Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos”. Ou seja, havia uma certa limitação de acordo com a capacidade, virtudes e talentos.

A dignidade da pessoa humana encontra fundamento na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), mais precisamente em seu artigo 1º: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. Diante do fim da Segunda Guerra Mundial, havia a necessidade da redação de um documento que passasse a proteger e garantir a pessoa humana diante da crueldade global vivenciada. Muito embora tenha essa ideia clara, a Arábia Saudita, a África do Sul e os países comunistas não votaram pela aprovação do documento, tais como a União Soviética, Iugoslávia, Ucrânia, Rússia Branca, Polônia e Tchecoslováquia13.

O Pacto de São José da Costa Rica, ou Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), prevê também em vários artigos a proteção da dignidade humana, sendo o Brasil um Estado parte. Representou outro marco com relação ao reconhecimento da dignidade humana, liberdade e direitos humanos. Foi promulgado através do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992 no Brasil. O art. 5º trata do direito à integridade pessoal: “2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”. Já o art. 11 traça a

12 BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 13-14. 13 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 223.

A dignidade da pessoa humana... // 85

proteção da honra e da dignidade: “1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade”.

Para tanto, de acordo com Luiz Antônio Rizzatto Nunes: “Com efeito, é reconhecido o papel do Direito como estimulador do desenvolvimento social e freio da bestialidade possível da ação humana14”. Era necessário a valorização do homem como forma de preservação da própria espécie, diante de tanta violência, atrocidades e do medo. Para que haja o desenvolvimento social, é necessário a união, bem como a proteção humana.

Cleide Fermentão e Paulo G. de Lima Júnior15 afirmam que no Brasil, a dignidade humana se transformou em princípio com a Constituição Federal de 1988, porém este diploma não a conceituou; mas pode-se dizer que a dignidade humana é um princípio supremo, servindo de limite às demais normas.

Cumpre destacar que a dignidade humana é defendida de maneira diversa em alguns ordenamentos jurídicos. Toma-se como exemplo Israel e o Brasil. Naquele país:

[...] em Israel uma pessoa é “culpada” até prova em contrário. Para que consiga provar a sua inocência, você pode precisar de mais do que um bom advogado. [...] O problema é a posição geral adotada pela Polícia, segundo a qual se considera melhor mandar um inocente para a cadeia, de modo a se anular qualquer possibilidade de um mal ser causado. Isto porque se algo de ruim vier a acontecer, a mídia o noticiará de forma massiva, e a Polícia será responsabilizada16.

Em contrapartida, no Brasil há a garantia da presunção

de inocência, em que o acusado não será considerado culpado se não houver a prolação de uma sentença condenatória transitada em julgado; conforme o artigo 5º, LVII da Constituição

14 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 46. 15 LIMA JÚNIOR, Paulo Gomes de; FERMENTÃO, Cleide Aparecida Gomes Rodrigues. A eficácia do direito à dignidade da pessoa humana. Revista Jurídica Cesumar. Mestrado, v. 12, n. 1, jan./jun., 2012, p. 315. 16 SZAJNBRUM, Henrique Tzvi. O Sistema Judicial Penal em Israel. Israel, 03 nov. 2014. Disponível em: <http://lawadv.com/pt-br/sistema-judicial-penal-em-israel/>. Acesso em 27 set. 2015.

86 // Ética e direito à vida: Volume II

Federal. E isso porque há a necessidade de comprovação da autoria do crime.

Percebe-se desta forma a diferença de visões acerca da dignidade humana entre o Direito brasileiro e do de Israel. Neste, não ocorrerá ofensa à dignidade humana caso o Estado suspeite ter ocorrido infração por determinada pessoa; já no Brasil a acepção desta é diversa, pois prefere-se não condenar alguém com sua submissão ao cárcere caso haja dúvidas de sua autoria no crime.

Isto posto, cumpre afirmar que a dignidade em Israel foi empregada de forma cultural e moral. Ao julgar a dignidade humana deste modo, seria desprezar sua característica imutável de condição ôntica do homem, de um mínimo necessário para que haja o desenvolvimento físico e psíquico. Porém na visão israelense, é legítimo considerar desta forma.

Conforme Peter Häberle17, a dignidade humana divulga concepções normativas à pessoa, que são marcadas pela cultura; sendo que se converte no decorrer do tempo em especificidade cultural; e portanto se torna flexível devido às várias orientações; sendo portanto aparentemente absoluto. Ou seja, na opinião do filósofo, a dignidade humana também deve ser vista como algo específico cultural, não de forma absoluta como a doutrina emprega.

[...] as cláusulas sobre a dignidade humana se encontram no contexto da cultura constitucional, a qual aponta para além da previsão legal da Constituição, ao cultural, isto é, para os textos clássicos, bem como para utopias concretas (por exemplo, a dos ambientalistas), com as experiências de um povo (por exemplo, com as tiranias), bem como às expectativas (até 1990, a unidade alemã Europa de hoje)18.

A cultura varia e pode mudar diante de situações

políticas, econômicas e sociais. No presente momento o Brasil vive uma democracia, valorizando a dignidade humana como fundamento da República Federativa do Brasil, e diante disso o Estado possui o dever de proteger a dignidade da pessoa

17 HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Serie Doctrina Jurídica, n. 47. Tradução de Héctor Fix-Fierro. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2003, p. 170-172. 18 HÄBERLE, Peter. Op. cit., p. 172.

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humana. Caso contrário, correrá o risco de transgredir suas próprias normas (de acordo com o art. 60, §4º, IV da Constituição Federal), acarretando inclusive em responsabilidade internacional perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Em ocorrendo a mudança para o regime ditatorial, a dignidade humana restaria prejudicada em seu sentido valorativo ôntico, bem como ilegítima seria sua transição para uma concepção tirânica, pois marcaria um retrocesso diante do avanço internacional e nacional alcançado. Muito embora os direitos não sejam absolutos, a dignidade humana deve sempre ser observada. Mesmo porque, caso não haja sua disposição escrita no ordenamento jurídico, a dignidade humana ainda assim deverá ser garantida, por possuir um caráter geral de proteção.

Karl Larenz19, ao analisar acórdãos do Tribunal Constitucional Federal, aponta que a dignidade humana e a vida posicionam-se em escala superior sobre qualquer bem, sobretudo dos bens materiais. De outra parte, o mesmo autor caracteriza a proteção da dignidade da pessoa humana como um princípio, mesmo não possuindo previsão e consequência jurídicas específicas, mas apenas uma ideia jurídica geral; pois: “Os princípios jurídicos não têm o carácter de regras concebidas de forma muito geral, às quais se pudessem subsumir situações de fato, igualmente de índole muito geral. Carecem antes, sem exceção, de ser concretizados20”.

Coaduna-se com essa opinião: os princípios devem ser concretizados, principalmente o relacionado à dignidade da pessoa humana. Para tanto, necessita-se a análise sobre como seria enquadrada ao homem:

Só o homem enquanto pessoa em sentido ético tem uma dignidade, pode suscitar face ao seu semelhante a pretensão ao respeito e reconhecimento dos seus direitos e ter os correlativos deveres, assumir responsabilidades. [...] O conceito concreto de homem, assim entendido, é o que se tem em conta quando atribuímos ao homem enquanto tal um valor

19 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do Direito. 3. ed. Tradução José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1991, p. 585-586. 20 Ibidem, p. 674.

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especial, uma dignidade, e, com respeito à sua posição no Direito, certas capacidades, como a capacidade de gozo, de exercício e a imputabilidade21.

O sentido ético de Larenz é na verdade a visão de que

o homem não pode ser usado como meio para os fins humanos, caso contrário seria incompatível com o próprio termo “dignidade”.

Para dar sustentabilidade a esse argumento, necessário perpassar pelo discurso de Kant com relação ao reino dos fins. Neste, há a ideia da dignidade e do preço. Quando pode-se substituir a coisa por algo equivalente, diz que há o preço; porém quando é insubstituível e está acima do preço, é necessária para dar condição de ser um fim em si mesma e tem valor íntimo, então ter-se-á a dignidade (exemplo: moralidade, humanidade, lealdade nas promessas e o bem-querer com base nos princípios)22.

De acordo com Kant, a condição para que o ser racional seja considerado digno, é a moralidade, pois:

[...] aquilo porém que constitui a condição só graças à qual qualquer coisa pode ser um fim em si mesma, não tem somente um valor relativo, isto é, um preço, mas um valor íntimo, isto é, dignidade. Ora, a moralidade é a única condição que pode fazer de um ser racional um fim em si mesmo, pois só por ela lhe é possível ser membro legislador do reino dos fins. Portanto, a moralidade, e a humanidade enquanto capaz de moralidade, são as únicas coisas que têm dignidade23.

Ao afirmar que a moralidade e a humanidade são as

únicas coisas que tem dignidade, talvez seja uma boa forma de se resumir propriamente a dignidade humana. Porém ainda mostra-se necessário aprofundar a respeito do termo “dignidade humana”.

21 Ibidem, p. 648, 652. 22 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela. In: KANT, Immanuel. Crítica da razão pura e outros textos filosóficos. Coleção Os Pensadores. Seleção de Marilena de Souza Chauí Berlinck. São Paulo: Abril Cultural, 1974, p. 234 e ss. 23 Ibidem, p. 234.

A dignidade da pessoa humana... // 89

Prossegue Kant afirmando que todos os seres racionais estão submetidos à lei de que de modo algum podem tratar a si mesmos ou os outros como meios, mas sim como fim em si mesmos24. Assim, trata que a dignidade25 é um princípio prático supremo, e para tanto precisa ser puro: ao acrescentar conhecimentos empíricos e duvidosos, fará com que haja a perda da pureza de sua influência, bem como o valor não limitado de suas ações.

José Manuel de Sacadura Rocha afirma que: “[...] enquanto Kant apregoa o dever do ser pondo como centralidade o homem – princípio e fim –, Kelsen define o dever-ser tendo por centralidade a norma –, e assim, o homem como simples meio. Lá, a norma serve ao homem, aqui o homem serve à norma!26”. Kelsen não colaborou para uma visão humana do Direito, mas apenas técnica, positiva. Impossível se vislumbrar o homem como meio, se quiser analisar a dignidade humana como uma condição essencial.

O que José M. de Sacadura Rocha27 quis dizer com o “dever do ser”, é que isto significa a construção livre do ser, ou o dever de ser existencial; justificando-o através dos seguintes argumentos: a) o ser obrigações para com o outro; b) caso se enxergue o próximo apenas como instrumento para conquistas materiais egoísticas, só haverá respeito à alteridade do próximo se houver coerção da lei; c) ou sou o espelho do outro, ou não serei nada. Portanto, para que haja a proteção da dignidade humana, deve-se pensar também no outro, e não apenas em si mesmo.

Quanto à natureza da dignidade humana, defende ser de princípio, e não de valor. É arriscado dizer que a dignidade humana possui natureza de valor, pois este é relativo. O valor pode assumir várias facetas dependendo da realidade e do contexto social; pois está em constante transformação. O princípio, em contrapartida, possui caráter absoluto.

Nas palavras de Cleide Fermentão e Paulo G. de Lima Júnior:

24 Ibidem, p. 233. 25 Ibidem, p. 216-217. 26 ROCHA, José Manuel de Sacadura. Antropologia Jurídica: para uma filosofia antropológica do direito. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 96-97. 27 Ibidem, p. 98.

90 // Ética e direito à vida: Volume II

Os princípios são normas, impõe um dever ser a sociedade, atribuindo proibições e permissões à sociedade. Já os valores estão ligados ao contexto social, ao tempo e à forma como a sociedade e o indivíduo se comportam para promover o bem da sociedade. O valor se modifica conforme o tempo, o espaço, componente histórico e se impõe às atitudes dos próprios indivíduos como um juízo de interpretação de regras jurídicas ou não28.

Os autores supracitados defendem ser de natureza

dúplice a dignidade da pessoa humana, pois além de assumir o caráter de princípio, também possui a natureza de postulado normativo, tendo em vista conduzir a confecção e a aplicação das normas de modo que não se fira a dignidade humana29.

Muito embora assista razão os autores, ainda assim pensa-se ser completo ao defender sua natureza de princípio, pois estes podem e devem conduzir a aplicação e confecção de quaisquer outras normas, independente se positivadas ou não, ou se houver omissão legislativa.

Com relação ainda ao valor, diante do contexto atual vivenciado, Fernanda Menegotto Sironi aduz que:

O direito, neste passo, outrora radicado na ontologia humana, passa a ser tratado como forma jurídica ou vontade da autoridade, neutralizando a dignidade, a despeito das propostas emancipatórias constitucionais, a custa de uma ideologia axiológica, que empresa valor ao valor, ou seja, retira-lhe o sentido ontológico e empresta-lhe um sentido retórico e adiáforo30.

Desde o início ao fim da vida, a pessoa terá sua

dignidade intacta. Mesmo sofrendo atentados contra a própria vida, integridade física ou psíquica, a pessoa não a perderá. Não se pode dizer que uma mulher que tenha sofrido estupro teve

28 LIMA JÚNIOR, Paulo Gomes de; FERMENTÃO, Cleide Aparecida Gomes Rodrigues. Op. cit., p. 316. 29 Ibidem, p. 316-317. 30 SIRONI, Fernanda Menegotto. A dignidade da pessoa humana na perspectiva do ser. In: DIAS, José Francisco de Assis; SIRONI, Fernanda Menegotto (orgs.). Temas de tutela penal dos direitos de personalidade e dignidade da pessoa humana. v. 7. Maringá, PR:

Vivens, 2013, p. 47.

A dignidade da pessoa humana... // 91

sua dignidade violada, pois não é porque esta foi violentada que se extinguirá sua dignidade. Ela será digna antes de ser violentada, durante e mesmo depois. Houve a falha no dever de alteridade e do cuidado com seu próximo. Para São Tomás de Aquino, quem perdeu a dignidade foi o próprio sujeito ativo do crime, e não a vítima:

Que el hombre, al pecar, se separa del orden de la razón, y por ello decae en su dignidad, es decir, en cuanto que el hombre es naturalmente libre y existente por sí mismo; y húndese, en cierto modo, en la esclavitud de las bestias, de modo que puede disponerse de él en cuanto es útil a los demás [...].Por consiguiente, aunque matar al hombre que conserva su dignidad sea en sí malo, sin embargo, matar al hombre pecador puede ser bueno, como matar una bestia, pues peor es el hombre malo que una bestia y causa más daño31.

Por outro lado, Jesús González Pérez32 afirma que a

dignidade deve ser protegida independente do comportamento e da conduta humana, mesmo que a pessoa seja um criminoso; tendo em vista dever a dignidade ser preservada até a morte. Coaduna-se com tal posição, pois a dignidade deve ser tutelada independente das atitudes da pessoa. Tanto é que os apenados devem ainda assim ter sua dignidade e integridade protegida, independente do crime cometido.

Fábio Konder Comparatto33 acredita que a dignidade não é apenas não considerar o homem como meio e sim como fim; mas também que a dignidade é resultante da própria vontade racional, justamente por só a pessoa conseguir viver com base em sua autonomia. Tal entendimento vai de encontro com Immanuel Kant, que diz que o fundamento da dignidade humana é a autonomia:

E o que é então que autoriza a intenção moralmente boa ou a virtude a fazer tão altas exigências? Nada menos do que a possibilidade que proporciona ao ser racional de participar na

31 AQUINO, São Tomás de. Suma de Teología. v. 3, parte II-II (a).

Tradução de Ovidio Calle Campo, Lorenzo Jiménez Patón. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1990, q. 64 a. 3, p. 531. 32 PÉREZ, Jesús González. La dignidad de la persona. 2. ed. Madrid: Thomson Reuters, 2011, p. 27-28. 33 COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 21.

92 // Ética e direito à vida: Volume II

legislação universal, tornando-o por este meio apto a ser membro de um possível reino dos fins, para que estava já destinado pela sua própria natureza como fim em si e, exatamente por isso, como legislador no reino dos fins, como livre a respeito de todas as leis da natureza, obedecendo somente àquelas que ele mesmo se dá e segundo as quais as suas máximas podem pertencer a uma legislação universal (à qual ele simultaneamente se submete). Pois coisa alguma tem outro valor senão aquele que a lei lhe confere. A própria legislação porém, que determina todo o valor, tem que ter exatamente por isso uma dignidade, quer dizer um valor incondicional, incomparável, cuja avaliação, que qualquer ser racional sobre ele faça, só a palavra respeito pode exprimir convenientemente. Autonomia é pois o fundamento da dignidade da natureza humana e de toda a natureza racional34.

Diante do explanado pelo renomado filósofo, nota-se a

concepção de dignidade vinculada à autonomia do homem racional; ao dizer que este possui liberdade de seguir as máximas ou leis que quiser adotar, desde que pertencentes à legislação universal.

De acordo com Elimar Szaniawski, o conceito de dignidade é:

[...] multifacetário e multidisciplinar. O conceito de dignidade da pessoa humana é, frequentemente, confundido com o próprio conceito de personalidade. Assim, a dignidade da pessoa humana, sob o ponto de vista jurídico, tem sido definida como um atributo da pessoa humana, o “fundamento primeiro e a finalidade última, de toda a atuação estatal e mesmo particular”, o núcleo essencial dos direitos humanos35.

O autor supracitado formalizou uma definição atual,

unindo a responsabilização estatal e privada em caso de transgressão. No mesmo sentido, é válido lembrar os ensinamentos de Boa Ventura de Souza Santos, pois realiza várias críticas com relação ao pós-modernismo, época vivenciada atualmente.

Para Boaventura de Souza Santos o pós-modernismo possui um déficit e ao mesmo tempo um excesso de

34 KANT, Immanuel. Op. cit., p. 234-235. 35 SZANIAWSKI, Elimar. Op. cit., p. 140.

A dignidade da pessoa humana... // 93

cumprimento de promessas, e está ocorrendo uma crise em um momento de transição36.

O autor ainda diz que: “A racionalidade moral-prática liga-se preferencialmente ao princípio do Estado na medida em que a este compete definir e fazer cumprir um mínimo ético para o que é dotado do monopólio da produção e da distribuição do direito37”. Ou seja, o autor atribui ao Estado a responsabilidade de cumprimento ético do Direito. Porém tal acepção é um tanto quanto lógica, não devendo haver a necessidade de redação. Mas diante do hedonismo, egoísmo e descumprimento de promessas estatais, não resta outra alternativa a não ser tentar desmistificar a letra formosa da lei.

Após a análise histórica dos conceitos de dignidade humana, redigir-se-á um breve estudo acerca de sua inclusão nos direitos da personalidade, e considerações sobre alguns conceitos essenciais.

3.3 BREVE ESCORÇO ACERCA DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE

Quanto aos direitos de personalidade, merecem

destaque alguns pontos importantes: a nomenclatura atribuída pela doutrina acerca do conceito de pessoa e personalidade, dos direitos da personalidade propriamente ditos no Código Civil e na Constituição Federal de 1988; bem como as características e forma de tutela destes últimos.

Primeiramente o estudo versará sobre a nomenclatura dos direitos da personalidade. Alguns diplomas legais, ao tratarem de determinados direitos intrínsecos à pessoa humana, utilizam a expressão “Direitos Fundamentais”, “Direitos da Personalidade”, ou “Direitos Humanos”. De acordo com Anderson Schreiber38: a) A Assembleia Constituinte Francesa em 1789 utilizou “Direitos do Homem e do Cidadão”; b) A Declaração das Nações Unidas em 1948 preferiu “Direitos Humanos”; c) A Constituição Federal Brasileira de 1988 trata como “Direitos e Garantias Fundamentais”; d) e o Código Civil

36 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2003, p. 77. 37 Ibidem. 38 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2. ed. São Paulo:

Atlas, 2013. p. 13.

94 // Ética e direito à vida: Volume II

Brasileiro de 2002 faz o uso da expressão “Direitos da Personalidade”.

Utiliza-se no plano nacional pátrio a expressão direitos fundamentais para demonstrar os direitos que estão positivados na Constituição Federal, protegendo a pessoa humana da atuação do Estado (plano público). No plano internacional a expressão direitos humanos é empregada para expressar os direitos que estão positivados nos documentos internacionais, adotados por vários Estados. Já a expressão direitos da personalidade, é empregada para proteger a pessoa humana nas relações particulares39.

Independente da nomenclatura utilizada, a finalidade de tais direitos deve sempre ser a proteção da dignidade40, pois são intrínsecos à pessoa humana.

Vale ressaltar que na visão de Anderson Schreiber os Direitos de Personalidade são Direitos Fundamentais, visto que a maioria dos direitos de personalidade que encontram previsão no Código Civil brasileiro está também prevista na Constituição Federal de 1988, como por exemplo, o direito a imagem, honra, dentre outros41. O que ocorre, na verdade, é o encontro de vários direitos, que se tornam ao mesmo tempo fundamentais e da personalidade.

A diferença é com relação à proteção. Nesse sentido, faz-se necessário demonstrar que “Todas essas diferentes designações se destinam a contemplar atributos da personalidade humana merecedores de proteção jurídica. O que muda é tão somente o plano em que a personalidade humana se manifesta42”. A proteção fora explanada logo acima. Porém, caso o Estado não proteja devidamente os direitos fundamentais ou da personalidade, as Cortes internacionais devem ser acionadas para cumprirem seu papel.

É mister ressaltar a necessidade do entendimento do momento do reconhecimento da personalidade, quando será considerada para fins de direitos e garantias; e ainda o que é pessoa humana para o ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, o ordenamento jurídico pátrio indica que a

39 Ibidem. 40 Ibidem. 41 Ibidem, p. 14. 42 Ibidem, p. 13.

A dignidade da pessoa humana... // 95

personalidade começa a partir do nascimento com vida, conforme o artigo 2º do Código Civil Brasileiro de 2002.

Quando o ser humano nasce com vida passa a ser independente, ou seja, passa a não necessitar mais de alguém diretamente para respirar (que é papel da gestante) e fazer suas necessidades. Porém, carece de alguém que o alimente (mas que não necessariamente deve ser pela mãe) para que se desenvolva.

Ao nascer com vida, passa-se a ter sua personalidade reconhecida, ou seja, dá início à sua proteção jurídica; além de se tornar titular de direitos e obrigações43. Porém, vale ressaltar a posição de Hegel no que tange ao início da personalidade, pois possui uma posição divergente da adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro:

A personalidade só começa quando o sujeito tem consciência de si, não como de um eu simplesmente concreto e de qualquer maneira determinado, mas sim de um eu puramente abstrato e no qual toda limitação e valor concretos são negados e invalidados. É assim que na personalidade existe o conhecimento de si como de um objeto exterior, mas elevado pelo pensamento à infinitude simples e, portanto, idêntico a ela. Não tem os indivíduos e os povos personalidade enquanto não alcançam esse pensamento e este puro saber de si44.

Ou seja, Hegel atribui uma limitação ao início da

personalidade. Por este entendimento, a pessoa que nasce e não tem consciência de si (independente do motivo) não possui personalidade, não sendo assim sujeito de direitos e obrigações (ao contrário do que defende o Brasil). Ao se considerar esta teoria como verdadeira, os deficientes mentais nunca possuiriam personalidade, pois não apresentam discernimento ou contam com desenvolvimento psíquico carente. Não faz sentido tal posição, pois a personalidade deve ser concedida independente de critérios ou determinações.

Além do mais, impossível se coadunar com a afirmação de Hegel de que a personalidade inicia com a consciência de um eu abstrato, com limitação e valores invalidados. Ao se

43 Ibidem, p. 24. 44 HEGEL, Georg Wilhem Friedrich. Princípios da filosofia do Direito.

Tradução de Orlando Vitorino. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 40.

96 // Ética e direito à vida: Volume II

considerar a personalidade ou o “eu” como abstratos e objetos, desconsidera-se totalmente suas proteções e dignidade humana. Se houvesse escrito que a personalidade inicialmente deve ser vista como algo metafísica e válida, haveria a concordância de tal tese, porém não é isso que se transpareceu.

A personalidade é formada com o decorrer da vida, ou seja, esta não é absolutamente e nem de uma ver por todas construída. Para tanto, há a necessidade de se passar por várias situações, emoções e da convivência com muitas pessoas. De acordo com o psiquiatra e psicoterapeuta Carl Gustav Jung45, ao se atingir 6 anos de idade a criança ainda é um produto dos pais: tem a consciência do “eu” em estado embrionário, mas ainda não é capaz de afirmar integralmente sua personalidade. Portanto, ao se considerar a personalidade e o “eu” como abstrato é ignorar e desconsiderar integralmente sua dignidade.

A personalidade se desenvolve no decorrer da vida, a partir de germes, cuja interpretação é difícil ou até impossível; somente pela nossa ação é que se torna manifesto quem somos de verdade. [...] A personalidade, no sentido de realização total de nosso ser, é um ideal inatingível. [...] o desenvolvimento da personalidade não obedece a nenhum desejo, a nenhuma ordem, a nenhuma consideração, mas somente à necessidade; ela precisa ser motivada pela coação de acontecimentos internos ou externos46.

Esse processo ocorre independente se a pessoa nasceu

com alguma deficiência física ou mental, pois é um sujeito possuidor de personalidade, protegida perante o ordenamento. Vale lembrar novamente que a dignidade da pessoa humana é o que primeiramente se busca.

Nesta mesma posição cumpre dizer ainda que o puro e completo saber de si não é alcançado em nenhum momento da vida humana. Ninguém usufrui de pleno conhecimento de si. Em situações de perigo ou de violenta emoção, não há como se prever do que uma pessoa é capaz, a não ser que vivencie o fato. Para confirmar tal argumento, basear-se-á teoricamente em Carl G. Jung, que diz que: “De início não sabemos o que está

45 JUNG, Carl Gustav. O desenvolvimento da personalidade. Tradução de Frei Valdemar do Amaral. 14. ed. v. 17. Petrópolis: Vozes, 2013, p. 63. 46 Ibidem, p. 183-184.

A dignidade da pessoa humana... // 97

contido em nós, que feitos sublimes ou que crimes, que espécie de bem ou mal. Somente o outono revela o que a primavera produziu, e somente a tarde manifesta o que a manhã iniciou47”.

Antes de adentrar nas características dos direitos da personalidade, julga-se essencial analisar o próprio conceito de pessoa; pois conforme Diogo Costa Gonçalves, muitos autores logram como sinônimos e vocábulos equivalentes os termos “pessoa” e “personalidade”48. Karl Larenz49 se manifesta dizendo que “pessoa” na doutrina dominante é equiparada à sujeito de direito ou qualquer possível titular de direitos e deveres; abrindo a possibilidade de incluir tanto a pessoa física quanto jurídica.

Porém pretende-se buscar não apenas o sentido jurídico de pessoa, mas uma conotação filosófica, ontológica. Parte-se primeiramente do documento da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Neste, é declarado no artigo VI que: “Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei”. A partir deste documento, far-se-á a análise.

A palavra “pessoa”, conforme Diogo Costa Gonçalves50, surgiu com o teatro grego (sem nenhum significado ontológico), diante da máscara usada pelos atores em cena, evoluindo para a identificação do personagem representado, e por fim traspassou ao conceito de que é quem exerce seu papel na vida e na polis.

Pessoa para o autor supracitado é: “[...] aquele ente que, em virtude da especial intensidade do seu acto de ser, autopossui a sua própria realidade ontológica, em abertura relacional constitutiva e dimensão realizacional unitiva51”.

De acordo com Fábio Konder Comparato52, Boécio no início do século VI dizia que pessoa era a “substância individual da natureza racional”, ou seja, uma fôrma que amolda a matéria, dando as características permanentes do ser.

47 Ibidem, p. 183. 48 GONÇALVES, Diogo Costa. Pessoa e direitos de personalidade: Fundamentação ontológica da tutela. Coimbra: Edições Almedina. Janeiro, 2008. p. 64 49 LARENZ, Karl. Op. cit., p. 648. 50 GONÇALVES, Diogo Costa. Op. cit., p. 21. 51 Ibidem, p. 64. 52 COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 21.

98 // Ética e direito à vida: Volume II

São Tomás de Aquino destaca que ao significado de pessoa deve se acrescentar a essência, adentrando na hipóstasis e sustancia. Neste último53 porque a substancia se individualiza por si mesma; e em hipóstasis por serem substancias individuais (ou primeira substancia). E assim diz: “Portanto, na definição da pessoa que se ofereceu, entra a substância individual para significar o singular no gênero da substância. E acrescenta natureza racional para significar o singular em substâncias racionais54”.

Ainda, São Tomás de Aquino indica que a pessoa deve portar três elementos: incomunicabilidade, subsistência e intelectualidade. Sebastián Fuster Perelló explica55: a) Incomunicabilidade: a pessoa é a última perfeição da substância, sendo que o homem não é transferível e é incomunicável; b) Subsistência: significa existência, incomunicabilidade; c) Intelectualidade: é aquele que subsiste com autonomia racional, podendo realizar qualquer ação, é livre, porém deve ser responsável pelos seus atos.

Para Cleide Aparecida Gomes Rodrigues Fermentão:

O termo pessoa tem dois significados. Na linguagem comum, pessoa é o ser humano. Para o direito, que tem vocabulário específico, pessoa é o ser com personalidade jurídica, aptidão para titularidade de direitos e deveres. Todo ser humano é pessoa pelo fato de nascer ou até mesmo de ser concebido. Pessoa é o ser humano como sujeito de direitos56.

Ou seja, pessoa é o ente que juridicamente adquire

direitos e deveres, e após o seu nascimento com vida é que se adquire a proteção da personalidade. Ainda, pessoa é o ente que

53 AQUINO, São Tomás de. Suma de Teología. 4. ed. v. 1, parte 1. Tradução de José Martorell Capó. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2001, I q. 29 a. 1, p. 322. 54 Ibidem. 55 PERELLÓ, Sebastián Fuster. Notas de rodapé. In: AQUINO, São Tomás de. Suma de Teología. 4. ed. v. 1, parte 1. Tradução de José Martorell Capó. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2001, I q. 29 a. 1, p. 321. 56 FERMENTÃO, Cleide Aparecida Gomes Rodrigues. Direito e Axiologia – o valor da pessoa humana como fundamento para os direitos de personalidade. Revista Jurídica Cesumar. Mestrado,

Maringá, v. 7, n. 1, jan./jun. 2007, p. 66.

A dignidade da pessoa humana... // 99

porta características únicas, específicas e essenciais para o desenvolvimento da natureza racional e da realidade ontológica.

Parte-se então para a análise do conceito de personalidade. Diogo Costa Gonçalves considera que:

A personalidade é o conjunto das qualidades e relações que determinam a pessoa em si mesma e em função da participação na ordem do ser de forma única e singular. Teríamos assim por satisfatória toda a definição de personalidade que considerasse, no seu texto, os acidentes intrínsecos qualidades e relações57.

Para Elimar Szaniawski:

A personalidade humana consiste no conjunto de características da pessoa, sua parte mais intrínseca. [...] a ordem jurídica tem por principal destinatário o ser humano, protegendo sua dignidade e garantindo-lhe o livre desenvolvimento da personalidade. Daí consistir o direito de personalidade em um direito subjetivo de categoria especial, de proteção e de respeito a todo ser humano58.

Anderson Schereiber analisa o direito de personalidade

sob duas óticas: a subjetiva e a objetiva. A primeira no sentido de que toda pessoa física ou jurídica é capaz de contrair direitos e obrigações. A objetiva no sentido de que a personalidade é tida como um conjunto de características intrínsecas ao ser humano, que são objeto de proteção da ordem jurídica. Para ele, fala-se em direito de personalidade sob a ótica objetiva59. Ambas se complementam, por fim.

A personalidade é o atributo que possibilita contrair direitos e obrigações, que devem ser protegidos pelo Estado. A expressão “direitos da personalidade” foi primeiramente usada por jusnaturalistas franceses e alemães, com a finalidade de nomear alguns direitos inatos e essenciais ao homem60.

Nota-se que desde a antiguidade o Direito reconhece que o homem possui características próprias, que eram capazes de ser individualizados através destas; por isso havia a

57 GONÇALVES, Diogo Costa. Op. cit.,. p. 68. 58 SZANIAWSKI, Elimar. Op. cit., p. 57. 59 SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 6. 60 Ibidem.

100 // Ética e direito à vida: Volume II

necessidade de se proteger tais características, passando a ser considerado como direito personalíssimo61.

A partir das ideias de Aristóteles, surgiu a necessidade da luta pela igualdade entre as pessoas, ou seja, a lei deveria se atentar no regulamento da convivência em sociedade62. Desde então começou-se a reconhecer que havia igualdade entre os seres humanos; destarte deveria haver leis que regulassem tais direitos para que não houvessem conflitos.

Essa nova concepção, trazida pelos filósofos gregos, concretizou a proteção jurídica da personalidade humana, reconhecendo a existência de um direito geral de personalidade em cada ser humano, firmando-se desta maneira, a noção de uma cláusula geral protetora da personalidade de cada indivíduo63.

Com as duas grandes Guerras Mundiais, a sociedade de

uma forma geral passou por uma fase de transformação econômica-social. Nesta ocasião, deve-se atentar à mudança do Estado Liberal para o Estado Social. Eclodiu uma nova ordem econômica-social, em razão do sistema jurídico desenvolvido pelo Direito Civil clássico não atender mais às necessidades sociais e do homem.

Conforme o discurso de Diogo V. Félix e Alessandro S. V. Zenni: “Esse fenômeno excluiu o direito civil da tradicional posição de ponto nuclear da ordem jurídica dos povos, vindo a ocupar seu lugar a Constituição, que passou a ditar princípios e regras que constituem e regulam as relações sociais64”.

Após esse período conturbado de guerras, nota-se que antes o núcleo do ordenamento jurídico era o Direito Civil clássico. Posteriormente, o mencionado ramo não surtiu mais efeito para solucionar os problemas sociais e as necessidades da pessoa humana. Diante disso, a Constituição se posicionou

61 FÉLIX, Diogo Valério; ZENNI, Alessando Severino Valler. Crítica a teoria clássica dos Direitos de Personalidade. 2 ed. Maringá-PR: Editora

Humanitas Vivens, 2015, p. 82. 62 SZANIAWSKI, Elimar. Op. cit., p. 25. 63 FÉLIX, Diogo Valério; ZENNI, Alessando Severino Valler. Op. cit., p. 82-83. 64 SZANIAWSKI, Elimar. Op. cit., p. 55-56.

A dignidade da pessoa humana... // 101

no centro das discussões, passando a ser responsável por regular a vida social65.

Deste modo, pode-se afirmar que os direitos de personalidade surgiram em meados do século XIX, que fora marcado por revoltas e injustiças66. Tais direitos já eram tidos como essenciais à vida humana67. Quando emergiram os primeiros comentários acerca dos direitos de personalidade, foram vistos como necessários e primordiais. Começou-se então a perceber que certos direitos deveriam ser juridicamente protegidos, em razão da necessidade de sobrevivência. A partir do momento que tais direitos apresentassem proteção jurídica, impreterivelmente assumiriam outra forma.

Quanto à tutela do direito de personalidade, merece a apresentação de ideias para esclarecimento de sua importância. Elimar Szaniawski salienta que:

Um direito de tal grandiosidade e importância, que representa a parte intrínseca do ser humano, as manifestações de sua personalidade somente poderá encontrar a tutela efetiva ao tornar-se uma cláusula geral constitucional pétrea. Por esta razão, a tutela da personalidade humana, por atentados praticados contra a mesma, não pode encontrar tutela plena, somente no âmbito civil, devendo ser procurada, primeiramente na Constituição68.

Vale demonstrar que o mesmo autor considera que a

proteção da personalidade jurídica se deu sob três óticas:

A primeira formulava a noção de repúdio à injustiça; a segunda vedava toda e qualquer prática de atos de excesso de uma pessoa contra outra e a última, proibia a prática de atos de insolência contra a pessoa humana. [...] Nesse período, a tutela da personalidade humana possuía natureza exclusivamente penal69.

65 FÉLIX, Diogo Valério; ZENNI, Alessando Severino Valler. Op. cit., p.

83. 66 SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 5. 67 Ibidem, p. 6. 68 SZANIAWSKI, Elimar. Op. cit., p. 57-58. 69 Ibidem, p. 24.

102 // Ética e direito à vida: Volume II

Atualmente a proteção da personalidade evoluiu, deixando de ser apenas a proteção penal por si só, mas também Constitucional, Civil, Trabalhista, Tributária e Consumerista. No plano internacional, a personalidade fora devidamente tutelada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), juntamente no artigo XXII, ao destacar que todo ser humano tem direito a: “[...] segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade”.

Quanto às características dos direitos de personalidade, o artigo 11 do Código Civil Brasileiro de 2002 menciona que são intransmissíveis e irrenunciáveis. Intransmissíveis no sentido de que não podem ser alienados ou transmitidos a outrem70. E irrenunciáveis, pois são direitos que o titular não pode rejeitar sua proteção perante o Estado.

Vale ainda ressaltar a visão de Roxana Cardoso Brasileiro Borges, que menciona outras características dos direitos de personalidade:

[...] extrapatrimoniais, inalienáveis, impenhoráveis, imprescritíveis, irrenunciáveis, indisponíveis, inatos, absolutos, necessários, vitalício. Não são suscetíveis de avaliação pecuniária, não podendo ser transmitidos a outrem, sendo inerente à pessoa, não podem ser renunciados; não se extinguem com o tempo; enquanto for viva, a pessoa é titular de todas as expressões dos direitos de personalidade, não estão sujeitos a execução forçada. Quando há lesão ao direito de personalidade a compensação em dinheiro é devida porque não há como reparar o dano em sua integridade, não há como restituir a pessoa, de modo satisfatório o que foi lesado71.

Destaca-se que não se deve reconhecê-los como

absolutos, pois podem ser relativizados. Toma-se como exemplo a vida, com o aborto e estado de necessidade. Se considera-los como absolutos, em ocorrendo um conflito entre os mesmos não haverá como se posicionar a favor de algum específico, pois

70 SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p.26. 71 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos da Personalidade e Autonomia Privada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 32-33.

A dignidade da pessoa humana... // 103

todos em tese seriam absolutos. O que se defende com relação a essa característica é que são oponíveis erga omnes.

Ao tratar os direitos da personalidade indisponíveis, não se cogitaria nenhuma discussão acerca de um em detrimento do outro. São considerados extrapatrimoniais pela impossibilidade de conversão em dinheiro; porém há também a possibilidade de relativização. Por exemplo: lesão à imagem, com a condenação em danos morais.

Anderson Schreiber preconiza que não havia um consenso acerca de quais eram os direitos de personalidade; pois alguns diziam que era o direito ao próprio corpo, direito à honra e direito à vida. Ainda, alguns acrescentavam o direito ao nome, direito à propriedade, dentre outros. Para outros não se falava em direito de personalidade, e sim em direito geral de personalidade72.

O Código Civil Brasileiro de 2002 em seu capítulo II, dos artigos 11 ao 21, dispõe sobre os direitos da personalidade. O legislador brasileiro os dividiu em 5 grupos: direito à honra; à imagem; ao corpo; ao nome e direito à privacidade e intimidade. Porém, em suma, podem se concentrar na vida, liberdade e integridade (física, psíquica e moral).

3.3.1 Direito à honra

Quanto ao direito à honra, Adriano de Cupis conceitua

que: “A “honra” significa tanto o valor moral íntimo do homem, como a estima dos outros, ou a consideração social, o bom nome ou a boa fama, como, enfim, o sentimento ou consciência, da própria dignidade pessoal73”.

Vale demonstrar o posicionamento dos doutrinadores que entendem que o direito à imagem está concentrado no âmbito do direito à honra; ou seja, ao se ferir a imagem, automaticamente se atinge a honra da pessoa. Diante dessa visão, cumpre salientar a crítica de Luiz Alberto David Araujo, no sentido de que os dois direitos não se coincidem, pois há a possibilidade de ferir a honra sem lesionar a imagem; e conclui ainda que:

72 SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 14. 73 CUPIS, Adriano de. Os direitos de personalidade. 2 ed. São Paulo:

Quorum, 2008, p. 121.

104 // Ética e direito à vida: Volume II

A imagem, é preciso reconhecer, é ferida em outras situações em que a honra pode ser deixada de lado, havendo, mesmo assim, violação da imagem. É o caso, por exemplo, da usurpação de fotografia. Posso me utilizar da fotografia de alguém sem lhe ferir a honra, maltratando, no entanto, seu direito à imagem74.

Portanto pode-se dizer que a honra é tida como um valor

intrínseco ao homem, que merece proteção jurídica perante terceiros, para evitar que a sociedade adquira uma visão errônea acerca de determinadas pessoas.

3.3.2 Direito a imagem

O direito a imagem visa proteger a imagem da pessoa

humana: e por isso é analisada sob duas óticas: a imagem-retrato e a imagem-atributo. A imagem-retrato, por sua vez, é considerada com um conceito mais amplo, englobando a reprodução visual do homem e também seus direitos de personalidade. Em outras palavras, decorre da fisionomia da pessoa. Já a imagem-atributo, é aquela que a sociedade determina; são as características que o homem demonstra possuir na coletividade75.

Portanto, o direito a imagem é tido como um direito de personalidade, pois possui o condão de tentar impedir que terceiros utilizem indevidamente a imagem de alguém; independente do meio. Vale ressaltar (conforme supracitado) que ao utilizar a imagem sem autorização de uma pessoa, não necessariamente transgredirá a honra76.

Há algumas justificativas para a utilização da imagem sem autorização, como por exemplo: “[...] o cargo público ou as funções políticas que a pessoa ocupa, sua notoriedade artística ou social e algumas exigências de administração da justiça e de manutenção da ordem pública77”. Justifica-se tal posição pelo interesse social e público ser superior à imagem pessoal.

74 ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional da própria imagem. 2 ed. São Paulo: Editora Verbatim, 2013, p. 30. 75Ibidem, p. 138-141. 76 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Op. cit., p. 157. 77 Ibidem.

A dignidade da pessoa humana... // 105

O possuidor de tais informações visuais extrapolaria o próprio sujeito, alcançando o corpo coletivo; posto a verdade e a transparência merecer prosperar. De certa forma, o titular de cargo público ou político possui uma responsabilidade maior no sentido da imagem coletiva, pelo seu dever de honrar os deveres e princípios da própria Administração Pública (vide art. 37, Constituição Federal).

3.3.3 Direito ao corpo

O direito ao corpo está inserido no direito à integridade

física. Engloba, por exemplo, a doação de órgãos, mudança de sexo, reprodução humana, dentre outros. Para Roxana Cardoso Brasileiro Borges: “O direito ao próprio corpo abrange tanto o direito a defender-se dos atentados de terceiros quanto o direito de dispor de seu corpo, por meio da autonomia privada e da autonomia jurídica individual78”.

Portanto, o direito ao corpo compreende o direito da própria pessoa de se defender quando houver violação por terceiros; e ainda a possibilidade de disposição de seu próprio corpo. Nesse caso, a pessoa tem a liberdade de dispor para auxiliar as pesquisas e experimentos científicos; porém deve se ater ao consentimento esclarecido, que é necessário e imprescindível para uma disposição (ainda que seja benéfica)79.

3.3.4 Direito ao nome

De acordo com a doutrina tradicional o direito ao nome

é considerado um dos direitos de personalidade mais importantes, abrangendo prenome, sobrenome e pseudônimo, ou seja, é através do nome que a sociedade reconhece a pessoa80.

De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, o nome é adequado para a individualização pessoal. Vale ressaltar que esta não é exercida apenas pelo nome, mas também pela imagem81. É válido dizer que todos são iguais

78 Ibidem, p. 175. 79 Ibidem, p. 209. 80 Ibidem, p. 221. 81 Ibidem, p. 222.

106 // Ética e direito à vida: Volume II

perante a lei, porém cada um conserva qualidades e características próprias, que as diferenciam das outras pessoas.

Anderson Schreiber dispõe acerca do direito-dever ao nome, no sentido de que a Lei de Registros Públicos não considera o nome como uma faculdade, mas sim um dever, o qual as pessoas devem se valer quando do seu nascimento82.

Por fim, o direito ao nome é um direito essencial, irrenunciável, sendo também considerado um dever que todas as pessoas naturais devem exercer, bem como serem protegidos até a morte83.

3.3.5 Direito à privacidade

O direito à privacidade engloba não somente proteção

da vida íntima, privada e familiar (como era quando iniciou sua proteção), mas também a possibilidade de a pessoa controlar seus dados pessoais84.

Reconhecê-lo como direito de personalidade é proteger a vida íntima e privada pessoal contra a curiosidade alheia; e ainda evitar que haja divulgação de informações obtidas sem o devido consentimento85.

Pode-se afirmar, portanto, que o direito à privacidade é mais amplo que o da intimidade, pois não protege apenas a vida particular: também adentra no campo de tutela dos órgãos que possuem informações pessoais. “Nesse sentido, a privacidade pode ser definida sinteticamente como o direito ao controle da coleta e da utilização dos próprios dados pessoais86”.

Em suma, o direito à privacidade é uma proteção à vida íntima, familiar e particular da pessoa. Envolve também a proteção de informações particulares.

Cleide Aparecida Gomes Rodrigues Fermentão conclui que através da personalidade é que os seres humanos conseguem defender os demais direitos. Portanto, pode-se afirmar que devido à existência dos direitos de personalidade é que a pessoa possui condições de se viver. “Os outros bens inerentes à pessoa humana são: a vida, a liberdade, e a honra

82 SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 192. 83 CUPIS, Adriano de. Op. cit., p. 165. 84 SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p.136-137. 85 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Op. cit., p. 163. 86 SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p.137.

A dignidade da pessoa humana... // 107

entre outros. A proteção que se dá a esses bens primeiros do indivíduo constitui os denominados direitos de personalidade87”.

Portanto, através dos direitos de personalidade a pessoa humana possui direitos intrínsecos, essenciais e inerentes à vida humana protegidos, em razão de serem necessários e primordiais à essência e crescimento humano.

3.4 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Após realizado um breve estudo acerca da dignidade da

pessoa humana e dos direitos da personalidade, bem como do conceito de pessoa, cumpre salientar a importância deste princípio como o próprio fundamento dos direitos da personalidade.

Não há como se prever a existência de direitos da personalidade, ou até mesmo dos direitos fundamentais, se não estiver assegurado uma garantia de existência. Toma-se como exemplo um ambiente de trabalho. Não há como se pensar, dentro de um estado democrático de Direito, um ambiente de trabalho em que o empregado não seja tutelado com alguma garantia, que gere uma segurança laboral. Aquele não é formado por máquinas, mas por pessoas que necessitam de proteção, e ao mesmo tempo direitos.

Na mesma ótica se insere o processo penal. É impossível vislumbrar a existência de um processo penal sem as devidas garantias às partes, com a finalidade de segurança jurídica e dignidade da pessoa humana.

De acordo com Elimar Szaniawski, o princípio da dignidade da pessoa humana caracteriza-se como cláusula geral de proteção da personalidade. Em verdade, o direito geral de personalidade foi reconhecido desde a Grécia antiga, porém em Roma que começou sua proteção efetiva. Neste país, apresentava personalidade quem reunisse três status: a) status civilitatis (quem fosse cidadão); b) status libertatis, (deveria ser

87 FERMENTÃO, Cleide Aparecida Gomes Rodrigues. Os direitos da personalidade como direitos essenciais e a subjetividade do direito. Revista Jurídica Cesumar. Mestrado, Maringá, v. 6, n. 1, p. 255,

2006.

108 // Ética e direito à vida: Volume II

uma pessoa livre); c) status familiae (com o atributo do pater-família)88.

Entre os séculos VI e III a. C., houve a noção desse direito geral de personalidade por influência da filosofia. O ser humano era reconhecido por ter personalidade e capacidade jurídica.

Segundo Cleide Aparecida Gomes Rodrigues Fermentão, “a dignidade acaba sendo, de forma direta e evidente, a fonte ética dos direitos de personalidade89”. No mesmo sentido, a autora também preconiza que: “A pessoa humana traz em si valores que lhes são privativos, e esses valores integram a sua personalidade e lhe potenciam desenvolver-se em sociedade. A dignidade da pessoa humana é o centro da personalidade90”.

Seria ineficaz por parte do ordenamento jurídico preconizar a proteção de bens jurídicos essenciais à personalidade humana, sem disponibilizar meios efetivos e finalidades únicas para tais. Como a dignidade humana persiste em qualquer e em todo indivíduo, deve ser vislumbrada como núcleo de qualquer outro direito, sejam direitos civis, políticos, econômicos, penais, públicos e privados.

Quanto à construção dos direitos de personalidade, Cleide Aparecida Gomes Rodrigues Fermentão menciona que:

A construção dogmática dos direitos de personalidade, primeiramente, analisa o homem e o direito natural. É preciso reconhecer que o homem, para viver a sua vida pessoal e social, necessita de certos bens que, na sua maioria, estão no seu ambiente natural, ou seja: coisas móveis e imóveis, corpóreas ou incorpóreas, que se encontram fora dele, mas são necessárias à satisfação de suas faculdades e à sua vida. Além desses bens externos, existem outros que se encontram no próprio homem, interiorizados à sua personalidade, necessários à sua dignidade e integridade interior. Tais bens

88 FÉLIX, Diogo Valério; ZENNI, Alessando Severino Valler. Op. cit., p. 83. 89 FERMENTÃO, Cleide Aparecida Gomes Rodrigues. Os direitos da personalidade como direitos essenciais e a subjetividade do direito. Revista Jurídica Cesumar. Mestrado, Maringá, v. 6, n. 1, 2006, p. 252. 90 Ibidem, p. 246.

A dignidade da pessoa humana... // 109

são tão importantes que, se privados desses bens interiores, o ser humano sofrerá grave mutilação nos seus interesses91.

Tais bens, vale dizer, são variados e vai além do que

fora supramencionado, pois inclui outros, tais como: a vida; integridade física, psíquica e moral; identidade genética; entre outros (que, por conter os direitos da personalidade um rol exemplificativo, resta impossível sua plena transcrição). Nesse sentido, Elimar Szaniawski também preconiza que:

A valorização da pessoa humana e a salvaguarda de sua dignidade, recoloca o indivíduo como ponto nuclear, como primeiro e principal destinatário da ordem jurídica, sendo o fenômeno denominado de repersonalização do direito. O Direito civil, a exemplo dos demais ramos do direito, caminha para uma total repersonalização. O direito, como um todo, é um sistema ético, tendo como centro o ser humano, como primeiro de seus valores, repousando os fundamentos do ordenamento jurídico, dentro da noção de dignidade do ser humano92.

Deste modo, pode-se dizer que a dignidade da pessoa

humana é considerada como o centro da personalidade, e por isso é válido dizer que a pessoa possui valores inatos, intrínsecos à sua personalidade, responsáveis pelo seu desenvolvimento na sociedade93. A repersonalização do Direito deve ser vista como uma humanização dos direitos, de modo que o homem fosse protegido em grau superior.

Peter Häberle afirma que:

Tem que partir da tese de que o conjunto dos direitos do tipo pessoal, por um lado, e os deveres, pelo outro, devem permitir ao ser humano chegar a ser pessoa, sê-lo e seguir sendo. Nesta garantia jurídica, específica dos âmbitos vitais, de ser pessoa, da identidade, se encontra a dignidade humana seu lugar central: a forma como que os seres humanos chegam a ser pessoas nos oferece indícios do que seja “dignidade humana” 94.

91 Ibidem, p. 252, 2006. 92 SZANIAWSKI, Elimar. Op. cit., p. 57. 93 Ibidem, p. 246, 2006. 94 HÄBERLE, Peter. Op. cit., p. 169-170.

110 // Ética e direito à vida: Volume II

Diante de tal afirmação, assevera-se que a dignidade humana é essencial para que a pessoa se identifique como tal; bem como este princípio deve ser considerado o núcleo de qualquer direito relacionado à pessoa humana.

Peter Häberle destacou anteriormente que a dignidade é um conceito que deve ser tomada como culturalmente específica, mas que: “[...] certos componentes fundamentais da personalidade humana devem ser considerados em todas as culturas, que se tornam o conteúdo de um conceito de dignidade humana que não é redutível a uma cultura específica95”; que no decorrer de sua obra deixa subentendido ser96: a educação; o desenvolvimento da pessoa de forma livre, porém com orientação; direito à autodeterminação informacional; identidade regional ou nacional como cultura; liberdade de trabalhar. Ou seja, estes são os componentes que deveriam ser considerados em qualquer sociedade, para a formação da personalidade, essenciais também para a dignidade humana ser alcançada.

Niklas Luhmann afirma que: “O ser humano atinge a sua individualidade, como uma personalidade, apenas no relacionamento social, na medida em que a apresentação de si mesmo seja aceita por consenso ou dissenso97”. Ou seja, para que haja o desenvolvimento da personalidade individual, deve haver o contexto social, porém ocorre independentemente da aceitação desta. Como a sociedade deve respeitar a dignidade humana, bem como as pessoas individualmente, comprova-se mais uma vez que o mínimo que se exige, portanto, é a existência deste princípio.

A dignidade, para Niklas Luhmann, é um bem:

Ela é um dos bens mais sensíveis do homem, já que ao estar tão fortemente generalizada cada detalhe afeta a totalidade do ser humano. Apenas um deslize, uma indiscrição pode destruí-la radicalmente. É tudo ao contrário de algo “intangível”. Precisamente porque sempre está exposta, é uma das

95 Ibidem, p. 170. 96 Ibidem, p.170-171, ss. 97 LUHMANN, Niklas. Los derechos fundamentales como institución: Aportación a la sociología política. Tradução de Javier Torres Nafarrate. Colección Teoría Social. México: Universidad Iberoamericana, 2010, p. 149.

A dignidade da pessoa humana... // 111

matérias de proteção mais más importantes de nossa Constituição98.

Não se considera adequado considerar a dignidade

como um bem, porém não se pode negar que se adeque na classificação de bem jurídico (como por exemplo no contexto do assédio moral, tráfico de órgãos, entre outros crimes). Porém ao adentrar nessa discussão, render-se-ia uma generosa atribuição de páginas no presente trabalho. O filósofo considerou como tangível, por ser relativamente simples sua transgressão.

Portanto, pode-se afirmar que a dignidade humana seria uma cláusula geral de proteção, tendo em vista ser o núcleo dos direitos da personalidade, assegurando seu pleno desenvolvimento e proteção, de acordo com os ordenamentos jurídicos internacionais e nacionais.

3.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se, deste modo, que a dignidade da pessoa

humana é um princípio que fora construído ao longo da história da humanidade, sendo aprimorado a cada nova era. É o que mais tem de elementar e absoluto; posto ser a qualidade intrínseca, essencial, irrenunciável e primordial para a existência humana.

Importante destacar que é protegida igualmente a todos, independentemente de qualquer condição, exceto que seja pessoa humana. Como resposta aos questionamentos inicialmente elencados, a dignidade humana está inserida como o centro (ou núcleo) dos direitos da personalidade. Defende-se: ao se comprometer em focar na proteção da dignidade humana, não há possibilidade de transgressão da personalidade (ou não deveria). É o princípio que adentra na classificação de cláusula geral de proteção dos direitos da personalidade.

Os direitos da personalidade são aqueles que garantem uma proteção à personalidade humana, posto ser este um atributo essencial para a própria pessoa humana, bem como sua individualização. Muito embora tenha um conceito complexo, pessoa é todo o ente que possui qualidades diversas de qualquer outro ser, que o torna único. Além de possuir

98 Ibidem, p. 158.

112 // Ética e direito à vida: Volume II

autonomia e liberdade, é dotado de racionalidade a ponto de tomar decisões que permitem definir sua própria personalidade.

Muito embora a personalidade seja adquirida apenas com o nascimento com vida, não há dúvidas de que é formada desde o início com base em estímulos e reflexos paternais. Não há limites para sua formação, pois todos os acontecimentos na vida do ser humano agregam no desenvolvimento da personalidade.

Os direitos da personalidade possuem um rol complexo e interminável, de forma ser exemplificativo. Juntamente com a dignidade humana, assevera-se ser essencial à pessoa humana, para que seja valorizada e tutelada da forma como merece, independentemente de sua condição física, psíquica, moral e financeira.

A proteção da personalidade se dá com as várias áreas do Direito: Constitucional, Penal, Tributária, do Consumidor, do Trabalho e Civil. Caso o Estado falhe em seu dever de tutela, resta ainda a proteção internacional.

Indiretamente demonstrou-se a importância da análise filosófica dos conceitos jurídicos, pois ao se estudar cada um deve-se primeiramente conhecer a história e o conceito exato das palavras, para assim entender suas consequências no Direito. Deve haver a mudança de pensamento dos juristas (não só brasileiros) de apenas vislumbrar a aplicação automática da lei, argumento este facilitador para qualquer acadêmico de Direito ou aplicador legal, diante da segurança jurídica que acreditam haver. A codificação é um importante documento que intende reunir a legislação protetiva e determinadora de deveres à sociedade. Porém, a realidade brasileira encontra-se em urgência de entendimento do princípio mais essencial de qualquer ordenamento jurídico existente: a dignidade humana.

Entendendo e aplicando este como base, não só para os direitos da personalidade, como para qualquer direito humano e fundamental, não haverá a deturpação dos ideais seguidos por qualquer Estado.

A dignidade da pessoa humana... // 113

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116 // Ética e direito à vida: Volume II

= IV =

DA EXISTÊNCIA DA EUGENIA NA PÓS-MODERNIDADE COMO EFETIVAÇÃO DO

DIREITO À VIDA

Lucas Yuzo Abe Tanaka* Pedro Henrique Sanches Aguera**

4.1 INTRODUÇÃO

O presente artigo verifica que em vezes o

desenvolvimento de uma técnica, seja médica ou genética, traz melhoramentos à vida humana, em especial o direito à vida do indivíduo. Com o desenvolvimento tecnológico, da engenharia genética, já há a possibilidade de desenvolver um melhor ser humano, com qualidades que venham a aprimorar ainda mais o seu desenvolvimento e sua saúde, garantindo-se assim o direito à vida e o princípio da dignidade humana.

O termo eugenia existe desde o ano de 1865 idealizado pelo inglês Francis Galton, pelo que busca com as práticas eugênicas uma melhoria significativa da vida humana, ou seja, tenta aperfeiçoar a pessoa humana retirando características genéticas que não traria nenhuma boa qualidade de vida, ou ainda colocando caraterísticas genéticas desejáveis, para que o indivíduo tenha então, a chamada um aprimoramento de sua espécie, sendo que quanto aquela chama-se de eugenia negativa, já quanto a esta última eugenia positiva.

* Mestrando em Ciência Jurídica pelo Centro Universitário de Maringá – Unicesumar. Pós- Graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Maringá – Unicesumar. Endereço eletrônico: [email protected]. ** Mestrando em Ciência Jurídica pelo Centro Universitário de Maringá – Unicesumar. Pós- Graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Pós-Graduando em Direito Empresarial pelo entro Universitário de Maringá – UniCesumar. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Maringá – Unicesumar. Endereço eletrônico: [email protected].

118 // Ética e direito à vida: Volume II

A eugenia é um termo já conhecido pelo mundo inteiro, e, inclusive, já utilizado por alguns países, e por outros não, pelo que é necessário verificar as legislações do direito comparado, em especial na Inglaterra e nos Estados Unidos, para verificar de que forma são as realizados as práticas eugênicas nesses países.

No Brasil, percebe-se que a prática da eugenia, continua no olvido do poder legislativo, sendo que, na realidade deveria ser ponto primordial da legislação brasileira, em decorrência ao envolvimento em questões essenciais ao futuro da pessoa humana, e principalmente do princípio da dignidade da pessoa humana.

Através da vida humana é que se decorrem todos os outros direitos, pautando-se principalmente pelo princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, sendo que a prática da eugenia coloca o ser humana em primazia, exceto nos casos em que se quer eliminar a pessoa humana, noutros casos estará resguardando o direito à vida, principalmente no que concerne a ter uma vida boa, mantendo a sua existência, e, buscando que se efetive na sua plenitude o direito à vida.

Este trabalho, portanto, tem o objetivo primordial de pautar considerações sobre as práticas eugênicas de que elas podem ser mecanismos de proteção à vida humana, efetivando principalmente o princípio fundamental da Constituição Federal de 1988, o da dignidade da pessoa humana.

4.2 EUGENIA

Desde o início da humanidade tem-se plena convicção

de que alguns traços biológicos e hereditários são herdados de pais para filhos, pelo que de alguma forma resultou nas normas culturais de cada povo, e, principalmente com filósofos da Antiguidade, como por exemplo, de Platão na República1.

Conforme Casabona2: As contribuições da biologia humana e animal sobre os mecanismos da reprodução e da herança biológica permitiram

1 CASABONA, Carlos Maria Romeo. . Do gene ao direito: sobre as implicações jurídicas do conhecimento e intervenção no genoma humano. São Paulo: IBCCRIM, 1999, p. 169. 2 Ibidem, p. 169-170.

Da existência da eugenia... // 119

que os propósitos seletivos pudessem ser apoiados em bases cientificas – embora em algumas ocasiões não suficientemente avaliadas e, inclusive, errôneas -, assim como em seus recursos e técnicas disponíveis para tais objetivos. A eugenia foi-se enroupando deste modo de um pretenso suporte cientifico e, com isso, de uma maior credibilidade intelectual e autoridade moral, o que não impediu, por outro lado, que tenha sido contestada nos momentos históricos de maior esplendor, ao menos frente a algumas de suas práticas radicais.

O termo eugenia remonta a tempos, podendo ser

entendido como uma pratica das leis biológicas da herança ao aprimoramento da espécie humana, ou ainda, ciência e arte que procurar favorecer a dotação genética da humanidade3. Assim, eugenia tenta aprimorar a espécie humana seja para extinguir com características genéticas indesejáveis ou aumentando na descendência o número dos elementos hereditários apreciados4.

Eugenia, para Casabona5 “se entendem os procedimentos capazes de melhorar a espécie humana.”

O termo eugenia, de antigas raízes, foi tradicionalmente entendido como a “aplicação das leis biológicas da herança ao aperfeiçoamento da espécie humana. Outra definição caracteriza a eugenia com a ciência e a arte que buscam melhorar a dotação genética da humanidade.6

Ademais, cumpre observar que o significado de eugenia

é diversa do termo eufenia. LACADENA distingue o termo “eugenia” (tentativa de modificar os genótipos dos indivíduos e a estrutura genética das populações humanas) de “eufenia” (tentativa de modificar o fenótipo mediante manipulações ambientais, tanto internas, quanto externas, ao próprio indivíduo, encaminhadas no

3 MARTINEZ, Stella Maris. Manipulação genética e direito penal. São Paulo: IBCCRIM, 1998, p. 237. 4 Ibidem, p. 238. 5 CASABONA, Carlos Maria Romeo. Op. cit., p.170. 6 MARTINEZ, Stella Maris. Op. cit., p. 237.

120 // Ética e direito à vida: Volume II

sentido da correção de um fenótipo mal adaptado produzido por uma constituição genética defeituosa.7

Cumpre destacar ainda que conforme Tereza Rodrigues

Viera8 que não se pode confundir os termos eugenia e eugenismo, pelo que quanto a este seria um movimento ideológico e sociopolítico que estabelece um grupo de indivíduos com genes avaliados como superiores, trazendo assim, uma discriminação entre os seres humanos, com o objetivo de aprimorar a qualidade biológica por uma afronta a integridade de certos indivíduos ou grupos, por serem em tese, inferiores, tendo em vista suas características genéticas.

A eugenia como ciência, surge com o inglês Francis Galton no ano de 1865 através da obra Hereditary talento and character, sendo eugenia para este autor uma ciência que aventa todas as influências que aprimoram as qualidades nativas de uma raça, ou melhor, etimologicamente significa “boa geração”.9

Galton quanto a eugenia, foi influenciado pelas ideais de Charles Darwin, da qual tinha um relacionamento familiar, tendo em vista que eram primos, sendo que aquele através de suas pesquisas tenta evidenciar que a habilidade humana e seu caráter são fruto da herança genética, pelo que Darwin (CASABONA, 1999, p. 171) criou a teoria da evolução, sob a qual havia uma luta entre os seres vivos para sua sobrevivência e que os mais fortes, ou seja, os mais aptos, venceriam nesse combate pela vida e que quanto a eugenia acreditava que os menos aptos, ou seja, os mais fracos se propagariam na sociedade e que este aumento desses débeis seria totalmente danoso a toda sociedade.10

Através de sua teoria, Darwin desempenhou um amplo impacto nos campos do pensamento e influenciaram significativamente as ciências sociais, e, inclusive, indiretamente as ciências jurídicas, (CAZABONA, 1999, p.171) “o impulso definitivo até a eugenia foi Galton, que a estruturou e reforçou com a aplicação de métodos científicos, fundamentalmente o

7 Ibidem, p. 238. 8 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Ensaios de bioética e direito. Brasília: Consulex, 2009, p. 48. 9 Ibidem, p. 47. 10 CASABONA, Carlos Maria Romeo. Op. cit., p.171.

Da existência da eugenia... // 121

estatístico e matemático, e insistiu na importância da herança nos componente mentais e morais dos indivíduos e da eugenia.”

Todo este complexo emaranhado de ideias e projeções, em tão variadas facetas do pensamento humano contemporâneo, deu lugar aos movimentos eugênicos da primeira metade do século e à sua penetração no mundo jurídico, através do darwinismo social e legal.11

Com essas ideias sobre a eugenia, (CASABONA, 1999,

p. 172) alguns países passaram a se preocupar legislativamente e inclusive sustentou algumas decisões jurisprudências, principalmente nos Estados Unidos, pois estavam preocupados com a degradação da “qualidade” biológica de sua população, sendo que, na verdade deveria valer-se o interesse da espécie humana, pelo que apesar de promoverem a eugenia positiva, chegaram no âmbito legislativo a fomentar a eugenia negativa, no sentido de realizarem leis de esterilização, que tinha como principal objetivo uma imposição coercitiva aos cidadãos, bem ainda, a concordância de que os traços mentais eram herdados.

Apesar da teoria de Francis Galton, no início serem negadas, acabou-se tendo algumas aceitações por alguns governos, pois acreditavam que o ser humano poderia ter alguma melhoria significativa na sua vida, no entanto, mais tarde houve algum repúdio a esta teoria, uma vez que os Estados Unidos estabeleceu leis de esterilização obrigatória para deficientes mentais e criminais, pelo que pairou-se na população uma ideia de racismo e, portanto, ganhando um grande descrédito perante o povo.12

Além do mais, a Europa, por meio dos nazistas, buscaram a teoria da eugenia de Galton, para retirar fundamentos de suas campanhas de esterilização em massa de pessoas consideradas perigosas, pois acreditavam que esta “qualidade” seria hereditária, pelo que nas palavras de Vieira13:

Os antecedentes históricos de eugenismo são remarcáveis. Cumpre não esquecer que os nazistas basearam-se nas teorias de eugenismo para justificar suas campanhas de

11 Ibidem. 12 MARTINEZ, Stella Maris. Op.cit., p. 240. 13 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Op. cit., p. 48.

122 // Ética e direito à vida: Volume II

esterilização em massa de pessoas consideradas desviantes, situação tida como hereditária.

Para tentar ampliar seus estudos e conhecimentos

sobre a Eugenia, o Ingês, inclusive, fundou a Sociedade Eugênica, na qual confiava nas contendas da natureza entre as classes sociais, onde os genes mais dotados alteram de classe social.14

Pode-se diferencias dois tipos de eugenia, a positiva e a negativa, pelo que quanto a primeira trata-se promover as qualidades desejáveis, ou seja, aquelas características boas ou até mesmo ruins, e, assim, fazendo sua transferência, já quanto esta última tem como objetivo retirar os caracteres indesejáveis.15

Ainda, a eugenia positiva pode ser um fazer positivo de uma seleção, vez que trata-se de uma conduta que aponta a seleção de gametas volvida para o alcance de gametas desejáveis, sendo que um exemplo típico deste tipo de eugenia seria aqueles seres inteligentes acima da média escolhidas pelos pais em um laboratório16, ou até mesmo a reprodução das chamadas boas linhagens.

Além disso a eugenia positiva é entendia também como “todas as tentativas destinadas a melhorar a dotação cromossômica do afetado (transferência de gentes, tantos humanos, como animais, construção de mosaicos genéticos, reprodução assistida”.17

Casabona sobre eugenia positiva18:

14 Ibidem. 15 Ibidem, p. 47. 16 SANTOS. André Luis Pugas. CALDEIRA. Denise Barbosa. FONSECA. Maria João Viana. Et al. OS CONTORNOS DISTINTIVOS ENTRE A EUGENIA POSITIVA E A EUGENIA NEGATIVA EM FACE À NECESSÁRIA PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO GENÉTICO. Disponível em <http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/2476/1817> Acesso: 06 nov. 2015). 17 MARTINEZ, Stella Maris. Op.cit., p. 242. 18 CASABONA, Carlos Maria Romeo. Do gene ao direito: sobre as implicações jurídicas do conhecimento e intervenção no genoma humano. São Paulo: IBCCRIM, 1999, p. 169. 18 Ibidem, p. 170.

Da existência da eugenia... // 123

consiste em favorecer a transmissão de caracteres considerados desejáveis, o que em algum momento se pretendeu pôr em prática – sem grandes perspectivas de êxito em virtude das limitadas possibilidades então existentes – fomentando matrimônios de casais selecionados, ou, mais recentemente, coletando gametas (em concreto, sêmen) de pessoas com traços físicos ou intelectuais considerados excelentes.

Em contrapartida a eugenia negativa evita a

transferência do gene com defeito, seja através de sua eliminação física de que a detêm, evitando que sejam paridos ou até mesmo impedido que se procrie estes indivíduos com alto risco genético de possuir genes indesejáveis19.

O eugenismo negativo, a seu turno, pretende desencorajar o nascimento de indivíduos cujos genes são considerados inferiores. O positivo defende, por exemplo, a reprodução das chamadas boas linhagens, com incentivo de salário para universitários proporcionais ao número de filhos. No negativo, sustenta-se, por exemplo, a elaboração de leis sobre a esterilização, e também a esterilização voluntária, com conselhos genéticos, contracepção, etc.”. indesejáveis20.

Com a eugenia negativa anseia impedir a transmissão

de caracteres considerados não desejáveis, ou seja, ruins, e, deste modo amparara-se por procedimentos muito mais eficazes, como por exemplo, a inseminação artificial ou até mesmo o aborto e a morte do recém-nascido.

Há ainda uma preocupação com a chamada eugenia liberal, sob a qual seria “a coisificação do ser humano, a partir da liberalidade concedida aos mesmos de definirem, através de condutas eugênicas positivas, negativas ou mistas, para fins de obtenção de um resultado desejado”21, pelo que a salvaguarda

19 MARTINEZ, Stella Maris. Manipulação genética e direito penal. São Paulo: IBCCRIM, 1998, p. 248. 20 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Ensaios de bioética e direito. Brasília: Consulex, 2009, p. 48. 21 SANTOS. André Luis Pugas. CALDEIRA. Denise Barbosa. FONSECA. Maria João Viana. Et al. OS CONTORNOS DISTINTIVOS ENTRE A EUGENIA POSITIVA E A EUGENIA NEGATIVA EM FACE À NECESSÁRIA PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO GENÉTICO. Disponível em

124 // Ética e direito à vida: Volume II

do ser humano, e até mesmo sua sobrevivência e, principalmente, a melhora da qualidade de vida e de suas condições sociais, foram a justificativa para a eugenia.

Com efeito, a nova tentação eugênica desta época tem à sua disposição estes poderosos meios que proporcionam o cada vez mais amplo e preciso conhecimento sobre o genoma humano da espécie e dos indivíduos, e não somente de suas doenças orgânicas, como também segundo se anuncia, de doenças mentais, de comportamentos considerados desviados, de aptidões, habilidade (e de sua carência). Mas, sobretudo, suas possibilidades dependerão também do desenvolvimento futuro da engenharia genética.22

Apesar de que anteriormente a eugenia buscava uma

melhor raça humana e a proteção e manutenção da espécie, pelo que era tratado como um problema social e pesquisado por pensadores, juristas, cientistas e políticos, a nova era da eugenia está propugnada a questão médica, ou seja, preocupados na questão da saúde do indivíduo, de suas gerações futuras para que se tenha uma vida saudável.

Através das “descobertas modernas sobre o genoma humano e o aperfeiçoamento e ampliação das técnicas de reprodução assistida já abriram uma enorme potencialidade instrumental para o pensamento eugênica”23, sendo que quanto a eugenia negativa pode-se dizer que os diagnósticos pré-conceptivos, pré-natal são procedimentos que visam a salvaguarda da saúde e as decisões do planejamento familiar do casal, pelo que, no entanto, podem também serem utilizados com fins exclusivamente de eugenia negativa, pois assim tentam evitar qualquer tipo de doenças hereditárias.

No entanto, temos ainda que as técnicas de reprodução assistida são meios eficientes de eugenia positiva, pois através delas selecionam-se gametas ou zigotos que não possuem qualquer tipo de deficiência ou portadores de características desejadas, que será de grande monta para o diagnóstico pré-implantatório.

<http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/2476/1817> Acesso: 06 nov. 2015). 22 CASABONA, Carlos Maria Romeo. Op. cit., p. 175. 23 Ibidem, p. 174.

Da existência da eugenia... // 125

A eugenia além de manter a continuidade da espécie humana deve prevenir as doenças hereditárias, bem como para que a pessoa que venha a nascer tenha uma melhor qualidade de vida, e preservando assim o seu direito à vida.

4.3 DA PRÁTICA INTERNACIONAL DA EUGENIA

Diversas são as legislações estrangeiras que há tempos

ou mesmo recentemente consagraram o direito da autonomia do paciente em face aos princípios da bioética. Desta feita, importante a análise do Direito Comparado para pautar como poderá ser realizada futura legislação sobre o tema no nosso Ordenamento Jurídico, de modo a identificar previamente erros e acertos.

A eugenia emerge como um estágio progredido do darwinismo social, se refere a uma seleção natural das espécies. Na pratica trata-se da extinção das raças através de intervenções em sua reprodução sexual. Acreditando ser possível produzir uma raça superdotada a partir de cruzamentos específicos ao longo de algumas gerações. Segundo o autor.24, casamentos inter-raciais deveriam ser proibidos visando um maior equilíbrio genético e o aprimoramento das populações.

Recortando na história mundial exemplos que reforçavam seus argumentos, esses teóricos acreditavam que o bom desenvolvimento de uma nação seria resultado, quase imediato, de sua conformação racial pura. A evolução europeia, e em especial o tipo ariano, representaria para pensadores como Gobineau um caso extremo em que o apuro racial teria levado a um caminho certo rumo à civilização

Até mesmo o ditador Adolf Hitler em sua autobiografia

titulada em alemão de “Mein Kampf” que traduzido para o português significa “Minha luta” expõem:

E assim os homens erram pelo Jardim da Natureza, convencidos de quase tudo conhecer e saber, e, no entanto, com raras exceções, deixam de enxergar um dos princípios básicos de maior importância na sua organização a saber: o

24 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças – cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Editora

Companhia das Letras, 1993, p. 61.

126 // Ética e direito à vida: Volume II

isolamento de todos os seres vivos desta terra dentro das suas espécies. Já a observação mais superficial nos mostra, como lei mais ou menos implacável e fundamental, presidindo a todas as inúmeras manifestações expressivas da vontade de viver na Natureza, o processo em si mesmo limitado, pelo qual esta se continua e se multiplica. Cada animal só se associa a um companheiro da mesma espécie. O abelheiro cai com o abelheiro, o tentilhão com o tentilhão, a cegonha com a cegonha, o rato campestre com o rato campestre, o rato caseiro com o rato caseiro, o lobo com a loba etc.25

Levando-se em consideração respectiva afirmação,

cogente ressaltar as legislações que mais se destacam na análise do tema, de modo a identificar eventuais erros e como deveriam ser adaptadas no ordenamento jurídico brasileiro.

A liberdade inglesa em temas controversos é notória. De fato, este país sempre foi conhecido pela sua política não conservadora. Neste sentido, também foi uns dos primeiros países a legalizar a eutanásia, quando preenchidos os devidos requisitos. Não sendo diferente sobre o tema eugenia.

Historicamente, no século XX os cientistas ingleses maciçamente protegiam a eugenia. Mais precisamente Leonard Darwin, filho de Charles Darwin, que em 1921 presidia a Federação Internacional das Sociedades Eugênicas, tutelando assim o exercício da eugênica na Grã-Bretanha. Em seu livro Leonard Darwin: The need of Eugenic Reform – Em seu texto, defendiam que a raça humana estava se deteriorando devido à elevada multiplicação dos mal adaptados, ou seja, à grande propagação do tidos “inferiores”.26

Todavia, pós-Primeira Guerra Mundial a eugenia não se propagou no país. Por força, do incentivo a discriminação a pessoa, gerando uma grande quantidade de pessoas mutiladas e despossuídas sem perspectivas de vida.27

Dando continuidade, temos a ideia norte-americana sobre a eugenia. No final do século XIX, por força da forte discussão da castração como punição para certos crimes,

25 HITLER, Adolf. “Mein Kampf” – Minha Luta. São Paulo: Centauro,

2005, p. 269. 26 BIZZO, Nélio Marco Vincenzo. O paradoxo social-eugênico, genes e ética. Dossiê Genética e Ética. São Paulo: Revista USP (24), dezembro/fevereiro 1994/95, p. 28. 27 Ibidem, p. 30.

Da existência da eugenia... // 127

medida que não foi implantada legalmente, excepcionalmente devido à violência da cirurgia. Entretanto, a ideia somente foi possível através da vasectomia, cirurgia socialmente mais aceita pela coletividade, com a ideia de eliminar a herança criminosa herdada de seu genitor.

Neste sentido, a eugenia surge no campo norte americano através da chamada eugenia negativa. Somando as teorias eugênicas europeias e o racismo que consistindo no banimento das futuras “gerações de incapazes”, através do impedimento de casamentos, esterilização coercitiva e eutanásia. De fato, a promoção privada à eugenia começou nos EUA, nos anos iniciais do século XX. Financiadores do racismo norte-americano.

Em 1907, o governo Indiano do século XX, fundamentado pela ideia cientifica da hereditariedade, legalizou a esterilização coercitiva, seguido por outros 31 estados. Foram esterilizadas por determinação legal, nos EUA, cerca de 60.000 pessoas, metade delas na Califórnia.

Analisando a legislação dos Estados Unidos da América na atualidade é dificultosa em virtude da autonomia legislativa dos diversos estados que compõem esta federação. Mesmo assim, é imprescindível destacar que em 1920 o Congresso Norte-americano promove audiências para detectar quais seriam os problemas e como a genética estrangeira poderia prejudicar a Federação norte-americana.

Tal congresso resultou na lei de imigração norte-americanas de 1924, eclodido em 3,2 mil esterilizações compulsórias em 1922 e chegou a 30 mil em 1938. A legislação foi questionada, entretanto o Supremo Tribunal dos EUA legitimou a medida em 1927 e assinalou ser melhor impedir o nascimento de miscigenados. Atualmente, há divergência substancial sobre esta legislação em cada ente federado americano, destacando-se a autonomia de cada um.28

Assim, ao contrário a uma crença popular refere a origem da eugenia, do ponto de vista da invenção à eugenia é inglesa, e não alemã. E ainda, o que se refere ao pioneirismo legislativo é estadunidense.

28 FÉO, C.O. A Seleção de Embriões e Problemas Éticos. In: Biodireito e Bioética: uma introdução crítica. Organizador: Arthur Magno e Silva Guerra. Rio de Janeiro, América Jurídica, 2005, p. 249.

128 // Ética e direito à vida: Volume II

No mesmo seguimento a eugenia também foi abraçada na sociedade Brasil, no início do século XX, circulando em 1918 o Boletim de Eugenia, um periódico que defendia as práticas eugênicas. Da mesma forma que ocorreu na Europa, o discurso se propagava a raça superior, com o interesse do governo no discurso eugênico para legitimar certas práticas sanitaristas.

A eugenia defendida pela comunidade Brasileira do século XX é muito bem descrita pelo autor Bizzo:29

O paradoxo social-eugênico dependeu da concordância de intelectuais de todo tipo, escritores e cientistas, não com a aplicação de verdades científicas universais, mas, muito mais, com a implementação prática de medidas políticas de interesse de segmentos restritos da sociedade. Seu alvo não era o progresso científico, definido de forma pura, universal e abstrata, mas muito mais, e significativamente, a redefinição do conceito de cidadania. Confirmando e retirando a cidadania de grupos sociais, a luta pelo poder em diversos países, e mesmo entre eles, ganhava novas armas. O discurso eugênico entusiasmara massas, decididas a morrer para comprovar sua superioridade enfrentando quem a questionasse em outros países e matando quem a ameaçasse em seu próprio berço.

Fica, desse modo, necessário citar os art. 13 e 14 da

Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina estabelece que:

Art. 13. Uma intervenção que tenha por objecto modificar o genoma humano não pode ser levada a efeito senão por razões preventivas, de diagnóstico ou terapêuticas e somente se não tiver por finalidade introduzir uma modificação no genoma da descendência. Art. 14. Não é admitida a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida para escolher o sexo da criança a nascer, salvo para evitar graves doenças hereditárias ligadas ao sexo.

Todavia, imprescindível ressaltar que não se deve

simplesmente importar uma legislação estrangeira a um ordenamento jurídico de maneira a desconsiderar seus

29 BIZZO, Nélio Marco Vincenzo. O paradoxo social-eugênico, genes e ética. Dossiê Genética e Ética. São Paulo: Revista USP (24),

dezembro/fevereiro 1994/95, p. 29.

Da existência da eugenia... // 129

princípios fundamentais vigentes e a realidade social, ou seja, não se pode desconsiderar história, religião, cultura e valores morais de uma nação.30

Desta forma, o exame a legislação internacional teve ser vista com cautela, ainda mais no tocante a eugenia, tema este diretamente relacionado ás perspectivas humanas. Deve-se, verificar o caso concreto, a luz da dignidade da pessoa humana.

4.4 DA (IN) EXISTÊNCIA DE NORMAS NO BRASIL COMO VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE E DA DIGNIDADE HUMANA

Perante a técnica eugênica, infere-se que somente o

Estado é que detém o poder de estabelecer controle e limitação sobre esta ferramenta biotecnológica.

Acerca do tema Stella Maris Martinez preconiza que:31 Estabelecerão os Estados um “controle de qualidade” que defina quais as características devem ter os seres humanos para integrar-se à comunidade¿ Embora estas opções possam desenvolver-se em determinadas ideologias, parece-nos claro que devem merecer repudio absoluto por parte de um Estado Social Democrático de Direito, em cuja estrutura filosófica não podem merecer acolhida. O respeito à dignidade humana impede taxativamente todo tipo de discriminação.

O Estado, por força de sua soberania, é quem possui

legitimidade para instituir e fazer prevalecer sua vontade nas relações humanas, desde que, respeitados os princípios do direito, em especial a dignidade de pessoa humana.

Entretanto, especialmente o que se refere ao poder legislativo, é evidente que o Estado não agrada inteiramente a sua função de regulador da sociedade, deixando inúmeros episódios sem uma legislação específica, em verdade insegurança jurídica.

30 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Ensaios de bioética e direito. Brasília: Consulex, 2009, p. 123. 31 MARTINEZ, Stella Maris. Manipulação genética e direito penal. São

Paulo: IBCCRIM, 1998, p. 258.

130 // Ética e direito à vida: Volume II

De acordo com o explanado, especificamente a eugenia há um desequilíbrio entre as regras e os princípios. Posto que a única fonte legal a respeito da manipulação genética é a Lei de Biossegurança (11.105-2005), Acha visto que a Resolução 2.013-2013 do Conselho Federal de Medicina não possui força de lei, servido apenas de parâmetro em caso de litigio.

De fato, a eugenia, permanece no esquecimento do legislador, quando, na verdade deveria ser ponto essencial da legislação pátria, em decorrência ao envolvimento em questões essenciais ao futuro da pessoa humana.

Afirma mais incisivamente Tereza Rodrigues Viera:32 Isto nos faz refletir acerca das finalidades das técnicas de reprodução assistida. No Brasil não há lei sobre o assunto, que é regulado pela Resolução n. 1.358-92 do Conselho Federal de Medicina, que reza: “As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer”.

Em contrapartida, os princípios jurídicos e bioéticos, já

nos fornecem alguns parâmetros para discutir a legalidade da realização do diagnósticos genético pré-implantacional e da pratica da eugenia.

Desta forma, não basta ter legislação contrária à bioética, pois o mais importante é o respeito aos princípios defendidos, como expõem Fátima Oliveira:33

Clonar humanos significa a reedição sofisticada da eugenia, a negação do direito à diferença e do direito de ser geneticamente único, tudo sob as bênçãos das biociências! Sou contrária a fabricação de clones humanos por uma questão ética e não apenas porque a técnica não oferece ainda biossegurança, no entanto sou de opinião que os conflitos científicos, políticos, jurídicos, sociais e éticos decorrentes da clonagem humana não serão resolvidos vias leis rígidas e punitivas. Não podemos mais nos enganar. Os cientistas só tornam público o que lhes interessa. Ninguém sabe

32 Ibidem, p. 98. 33 OLIVEIRA, Fátima. Medicina Preditiva: temores e alertas. Revista Medicina, ano XV, nº 119/120, de julho,agosto de 2000, p. 08.

Da existência da eugenia... // 131

exatamente quais os segredos guardados nos laboratórios/oratórios de biologia. Nem nós, as pessoas comuns, e nem os governos.

Igualmente, apenas a bioética infelizmente não se

demostra capaz de limitar a desempenho dos cientistas. Além de ausência de um controle ou de uma fiscalização eficaz e ativa dos procedimentos de procriação artificial, especialmente sobre o diagnostico eugênico, que contribuem com este progresso desenfreado das biotecnologias sem o conhecimento afundo de suas implicações éticas e jurídicas.

Conforme imperativo categórico de Kant “Age de forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa, como de qualquer outro, sempre também como fim e nunca unicamente um meio”. Desta forma, o homem carrega em si o valor próprio de sua natureza.34

Comunga da ideia Kantiana, professor Ingo Wolfgang salienta que expõem “a dignidade, como qualidade intrínseca do ser humano é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano”35, isto é, não pode a dignidade ser retirada do próprio ser humano por tratar-se de um direito inerente do indivíduo.

A Constituição Federal de 1988, no art. 1ª inciso III, consagrou o princípio da dignidade da pessoa humana, Consolidando o Principio no ordenamento jurídico Brasileiro como valor supraconstitucional.

Desta forma, a dignidade da pessoa humana é o princípio supremo da constituição federal servindo como alicerce para todo o ordenamento jurídico pátrio. Sendo o princípio constitucional mais relevante, é ele que traça a diretriz para a harmonização dos princípios.36

34 KANT Immanuel, Grundlegungzur Metaphysik der Sitten. Trad. de Paulo Quintela: Fundamentação da Metafisica dos Costumes. São Paulo: Abril Cultura, 1980, p. 135. 35 SARLET, Ingo Wolfgang. As Dimensões da Dignidade da Pessoa Humana: Construindo uma compreensão jurídica-constitucional necessário e possível. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC. n. 09, jan./jun. 2007, p. 361/388. 36 NUNES, Rizzato O princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. São Paulo, Editora Saraiva, 2002, p. 55.

132 // Ética e direito à vida: Volume II

O princípio da dignidade humana é o que fundamenta o ordenamento jurídico, pelo que coordena as normas existentes no país, bem como os seus princípios, e, ainda, por ser um princípio norteador, este possui dupla natureza, vez que indica como as demais normas devem ser feitas e aplicadas, de forma que nenhuma dela pode ferir a dignidade da pessoa humana, por justamente ser a norma suprema da Constituição Federal.37

É preciso ponderar os avanços da medicina, e visualizar os métodos alternativos que, inclusive, possam resultar em maiores benefícios para as pessoas do que a submissão ás técnicas invasivas de procriação artificial.

Infere-se, neste sentido, que o entendimento do Ministro Eros Grau que votou pela constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança com ressalvas na ADI 3.510, se demonstra acertado e razoável, devendo, assim, existir um limite de fertilização de óvulos nas técnicas de reprodução humana assistida, para evitar que embriões sejam fecundados com a certeza da inutilização pelo casal idealizador, e até mesmo para estimular a medicina a buscar soluções alternativas que não sejam a manipulação genética.

Sem contar que a utilização do diagnóstico genético pré-implantacional para seleção de embriões com finalidades terapêuticas é contrária com a própria finalidade das técnicas de reprodução humana assistida, a saber: a cura da infertilidade e da esterilidade de um dos envolvidos na idealização do projeto parental.

A Resolução n.º 1931/2009 Código de Ética Médica, em seu capítulo III, apresenta a Responsabilidade Profissional, se vê apreciado de algumas questões referentes à reprodução assistida:

Art. 15. Descumprir legislação específica nos casos de transplantes de órgãos ou de tecidos, esterilização, fecundação artificial, abortamento, manipulação ou terapia genética.

37 FERMENTÃO, Cleide Aparecida Rodrigues Gomes; JÚNIOR, Paulo Gomes de Lima. A EFICÁCIA DO DIREITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. Revista Jurídica Cesumar – Mestrado. v.12, n. 1, 2012, p. 313-340.

Da existência da eugenia... // 133

§ 1º No caso de procriação medicamente assistida, a fertilização não deve conduzir sistematicamente à ocorrência de embriões supranumerários. § 2º O médico não deve realizar a procriação medicamente assistida com nenhum dos seguintes objetivos: I – criar seres humanos geneticamente modificados; II – criar embriões para investigação; III – criar embriões com finalidades de escolha de sexo, eugenia ou para originar híbridos ou quimeras. § 3º Praticar procedimento de procriação medicamente assistida sem que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o mesmo.

A própria Resolução 2.013-2013 contém uma verdadeira

dissonância entre seus dispositivos e princípios, na medida em que permite a um casal, sem problemas de infertilidade ou esterilidade, utilizar-se das técnicas de reprodução humana assistida para selecionar embriões.

No ordenamento Jurídico Brasileiro, o fato do médico viole algum dispositivo nas citadas Resoluções, o CFM apenas pode cassar a licença do agente de saúde, impedindo o exercício da medicina em todo território nacional. Não existindo responsabilidade penal, posto a nulla poena nullum crimen sine lege (não há crime nem pena sem lei prévia que o define).38

Por outro lado, em que pese fosse aprovada uma lei para regulamentar o diagnóstico genético pré-implantacional em suas extensões, para limitar os embriões fecundados por ciclo, e impedir procedimentos eugênicos, infelizmente, como atestou Tereza Rodrigues Viera e Christina Féo, só se pode contar com a ética de cada profissional envolvido, uma vez que, na prática, não há como fiscalizar os procedimentos de diagnóstico genético pré-implantatório e os critérios de escolha dos embriões.39

Todavia, entende-se que exista uma necessidade mínima, de que o Estado exerça o seu poder de polícia, e inicie uma inspeção das clinicas de reprodução humana assistida, exigindo dados para que os pesquisadores, de um modo geral, tenham parâmetro de real situação da procriação artificial do Brasil, do seu panorama na sociedade brasileira.

38 VIEIRA, Mônica Silveira. Eutanásia: Humanização a visão jurídica. Curitiba: Juruá, 2009, p. 56. 39 Ibidem, p. 75

134 // Ética e direito à vida: Volume II

Notoriamente somente com a reflexão e consciência do homem é que valores éticos e jurídicos poderão ser sustentados e aplicados neste procedimento. A discussão e informação da sociedade pode torna-se mais eficaz do que a simples limitação legal, uma vez que o Estado se mostra ineficiente em sua função fiscalizatória, e a necessidade de se cultuar valores de espírito é iminente frente à sociedade capitalista e imediatista que transforma a vida do homem numa vida fútil, materializada e corrompida pelo valor do capital.

No que se refere a eugenia, deveras, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, e os princípios da bioética dão parâmetros suficientes para enjeitá-la das práticas médicas e na realização do planejamento familiar. Afinal, verifica-se que os direitos de ser e estar em igualdade de condições sociais, jurídicas e éticas, pressupõe a ressalva da diferença, ou seja, “dignidade e igualdade pressupõe diversidade que não se instala artificialmente”.40

Com esta compreensão, não se pode fechar os olhos sobre o tema eugenia. Realmente existe há pratica diária nos hospitais. Porquanto, repete-se, a ausência de legislação regulamentadora, é extremamente maléfica, uma vez que apenas deixa a mercê de condutas não revisadas e extremamente subjetivas.

4.5 DA EUGENIA COMO CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À VIDA

A vida é um dos valores mais essenciais e importantes

do homem41, pelo que é inerente à pessoa humana, sendo que sua origem é misteriosa, ou seja, da natureza, sendo certo que sem vida a pessoa humana não existe como tal.

Somente com o passar dos séculos e do tempo que à vida passou a ser reconhecida, e, principalmente protegida como um valor jurídico e inerente a pessoa humana. Antigamente, não havia qualquer formalização para garantia do

40 FACHIN, Luiz Edson. Discriminação por Motivos Genéticos. In: FREIRE DE SÁ, Maria de Fatima; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Bioética, Biodireito e o novo Código Civil de 2002. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 180. 41 SÁ, Maria de Fátima Freire de. . Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 102.

Da existência da eugenia... // 135

direito à vida, e sua proteção era feita de forma reflexa, no sentido de que, quem a desrespeitasse, atentando contra ela, era punido. O Brasil é um típico exemplo de que apesar de desde 1830 punisse o crime de homicídio, apenas com a Constituição Federal de 1988 é que houve uma expressa proteção constitucional ao direito à vida, no caput do artigo 5º.42

Não bastasse a Constituição de 1988, o Pacto de São José da Costa Rica, sob o qual fora introduzido no ordenamento jurídico brasileiro como norma constitucional por tratar-se de um tratado internacional de direito humanos, dispõe em seu artigo 4º que “toda pessoa tem direito a que se respeite sua vida. Este direito estará protegido pela lei e, em geral, a partir do momento da concepção”, pelo que verifica-se que à vida deve ser protegida de todas as formas.

Assim, somente à partir de 1988 que o direito à vida passou a ser tutelado no ordenamento jurídico brasileiro tendo em vista que os direitos fundamentais e da personalidade passaram a ter uma maior relevância em razão do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, e, a vida, foi o primeiro direito a ser tutelado, posto que através dela é que decorrem os demais direitos, e portanto, necessário a sua proteção.

A vida passou a ter maior relevância e proteção à partir do princípio da dignidade da pessoa humana, na concepção de Tepedino:43

Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais juntamente com a previsão do § 2ºdo art. 5º, no sentido da não exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados pelo texto maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento.

42 Ibidem. 43 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 48

136 // Ética e direito à vida: Volume II

A vida que a Constituição Federal de 1988 protege44 não e apenas a vida humana, mas também a vida humana vivida com dignidade, pelo que é o bem mais importante e essencial da vida humana, e, portanto à vida é umas conjecturas para o exercício dos titulados direitos fundamentais que são protegidos pelo ordenamento jurídico brasileiro.

O direito à vida para Alexandre de Moraes45 “é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos”, sendo que cabe ao próprio Estado a proteção do duplo aspecto da vida, seja do direito de nascer e de sobrevier, que não é diferente nos casos de eugenia.

Em relação ao direito à vida “O direito à vida, quando considerado ulteriormente na sua inerência ao sujeito, caracteriza-se pela sua intransmissibilidade, irrenunciabilidade, e outros, como todos os direitos da personalidade”. 46

Portanto verifica-se o quão importante é o direito à vida, não concebendo puramente um bem jurídico qualquer a ser protegido, mas sim o bem jurídico maior e primeiro, do qual decorrem todos os demais direitos.

O princípio da dignidade humana é o que fundamenta o ordenamento jurídico, pelo que coordena as normas existentes no país, bem como os seus princípios, e, ainda, por ser um princípio norteador, este possui dupla natureza, vez que indica como as demais normas devem ser feitas e aplicadas, de forma que nenhuma dela pode ferir a dignidade da pessoa humana, por justamente ser a norma suprema da Constituição Federal47.

A dignidade da pessoa humana não é apenas um direito, mas mais do que um direito, posto que é a base em que se fundamenta os direitos da personalidade, pelo que os demais direitos devem estar em conformidade com a dignidade humana

44 FACHIN, Zulmar Antonio. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Método, 2008, p. 227. 45 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 35. 46 CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. Tradução Afonso Celso Furtado Rezende. Campinas, SP: Romana, 2004, p. 73. 47 FERMENTÃO, Cleide Aparecida Rodrigues Gomes; JÚNIOR, Paulo Gomes de Lima. A EFICÁCIA DO DIREITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. Revista Jurídica Cesumar – Mestrado. v.12, n. 1, 2012, p. 313-340, p. 317.

Da existência da eugenia... // 137

que é reconhecida como um valor supremo no ordenamento jurídico.

Os direitos da personalidade, assim retiram seu fundamento da dignidade da pessoa humana, pelo que segundo Elimar Szaniawski48:

A Constituição Federal, edifica o direito geral de personalidade a partir de determinados princípios fundamentais nela inseridos, provenientes de um princípio matriz, que consiste no princípio da dignidade da pessoa humana, que funciona como cláusula geral de tutela de personalidade. A pilastra central, a viga mestra, sobre a qual se sustenta o direito geral da personalidade, está consagrado no inciso IIII, do art. 1º da Constituição, consistindo no princípio da dignidade da pessoa humana. As outras colunas de sustentação do sistema da personalidade, consistem no direito fundamental de toda a pessoa possuir um patrimônio mínimo, previsto no Título II, art. 5º, inciso XXIII, e no Título VII, Capítulo II e III; e os demais princípios consagrados no Título VIII, garantindo, no Capítulo II, a toda pessoa, o exercício do direito à saúde; no Capítulo VI, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a fim de poder exercer seu direito à vida com o máximo de qualidade de vida; e, no Capítulo VII, o direito de possuir uma família e de planejá-la, de acordo com os princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. Todos estes princípios, asseguram a tutela da personalidade humana segundo a atuação de uma cláusula geral.

Quanto a dignidade da pessoa humana e o direito à vida

Bulos49 assevera que: A dignidade da pessoa humana é o valor constitucional que agrega em torno de si a unanimidade dos demais direitos e garantias fundamentais do homem, expressos nesta Constituição. Daí envolver o direito à vida, os direitos pessoais tradicionais, mas também os direitos sociais, os direitos econômicos, os direitos educacionais, bem como as liberdades públicas em geral.

48 SZANIASKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela. 2. ed. São Paulo: RT, 2005, p. 138-139. 49 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada: acompanhada dos índices alfabético-remissivos da constituição e das súmulas dos tribunais superiores. 10. ed. rev. e atual até a Emenda Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 58.

138 // Ética e direito à vida: Volume II

Verifica-se, portanto, que com a vida se decorrem todos os outros direitos, pautando-se principalmente pelo princípio maior esculpido por nossa Constituição, o da dignidade da pessoa humana, pelo que a prática da eugenia seja positiva ou negativa, coloca-se o ser humano em primeiro lugar, para manter a sua existência, buscar que se efetive na sua plenitude o direito à vida.

As técnicas de eugenia pertencem a natureza humana, pelo que é aplicável o princípio da dignidade da pessoa humana50 e, principalmente a proteção do direito à vida, fazendo com que a pessoa tenha qualidades para sobreviver e garantir a sua vida no máximo possível.

No entanto nos dizeres51: Condenamos o eugenismo por parte do Estado, quando este objetiva a eliminação das pessoas indesejáveis do circuito procriativo. Não se pode eliminar uma doença eliminando pura e simplesmente os doentes. Deve-se estudar cada caso em particular. À mulher grávida deverão ser dadas as condições para a realização de exames sistemáticos todos os meses. O Estado brasileiro é laico, democrático e deve ser pluralista e não participativo.

Se a prática de eugenia for utilizada para a eliminação

da pessoa, esta não está respeitando o direito à vida, e muito menos a dignidade da pessoa humana, pelo que é preciso aceitar e respeitar as pessoas seja qual ou quais problemas que possuir, para o melhor desenvolvimento de sua personalidade, e por consequência, a sua dignidade humana e o seu direito à vida.

No mesmo sentido52: O que o pensamento eugênico não deve olvidar é que qualquer tipo de medida preventiva que seja adotada, de forma

50 BARBOZA, Heloisa Helena; MEIRELLES, Jussara; BARRETTO, Vicente de Paulo. Novos temas de biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 93. 51 VIEIRA, Tereza Rodrigues. Ensaios de bioética e direito. Brasília: Consulex, 2009, p. 67. 52 CASABONA, Carlos Maria Romeo. . Do gene ao direito: sobre as implicações jurídicas do conhecimento e intervenção no genoma humano. São Paulo: IBCCRIM, 1999, p. 178.

Da existência da eugenia... // 139

voluntária ou coercitiva, não poderá impedir, de todo, o nascimento de crianças com patologias congênitas relacionadas a mutações genéticas espontâneas, à impossibilidade de erradicar, a médio ou longo prazo, as doenças de origem poligênica e multifatorial (ambiental) e à incapacidade de controlar, também a longo prazo, outra alterações biológicas secundárias, em intervenções no genoma humano.

A vida é o bem mais importante que qualquer ser

humano possui, a prática da eugenia, contanto que não venha eliminar a pessoa, garante ao indivíduo uma melhor qualidade de vida, e portanto, desenvolvendo o ser humano em sua plenitude, garantindo-se assim a dignidade da pessoa humana e o deu desenvolvimento da personalidade.

4.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Constituição Federal, analisada pelos juristas como

sendo a mais democrática de todos os tempos, ao atribuir como fundamento culminante a dignidade da pessoa humana, criou toda a ordem jurídica pré-existente especifica ao tema e sem qualquer restrição quanto à sua proteção. Inquestionável também foi influenciada pela Teoria da Constitucionalização, haja vista que sagrou os direitos fundamentais de forma bastante clara e pontual, de maneira a permitir sua irradiação para os demais ramos do direito (âmbito privado), no desígnio de evitar qualquer atrocidade em face da pessoa humana, independentemente do caso concreto.

Tema totalmente correlato com a eugenia, o procedimento eugênico se refere à tentativa de apurar a pessoa humana afastando-se atributos genéticas que não traria nenhuma boa qualidade de vida. Ou até mesmo, depositando caraterísticas genéticas almejáveis pela sociedade, para que o indivíduo tenha então, a chamada um aprimoramento de sua espécie humana.

A eugenia é um termo já conhecido no ordenamento jurídico inteiro, inclusive, já utilizado por alguns países, como Inglaterra, Estados Unidos, Índia, entre outros. Para tanto torna-se necessário verificar as legislações do direito comparado, com a finalidade de verificar de que forma são as realizados as práticas eugênicas nesses países.

140 // Ética e direito à vida: Volume II

Partindo-se da conjetura que dignidade da pessoa humana deve ser analisada princípio corretor na solução da colisão entre os bens jurídicos vida e autonomia, verificando-se que a vida do indivíduo deverá prevalecer.

Por sua vez, a ilegalidade das clínicas de reprodução humana assistida, agregada à omissão estatal, provoca uma insegurança em relação ao direito a vida. Isto porque os limites para a manipulação do embrião humano e da evolução das técnicas de procriação artificial, atualmente, estão basicamente na ética do profissional.

Atualmente, diante da inexistência de qualquer legislação que regulamente a matéria, o Conselho Federal de Medina dispôs sobre o tema por meio de duas Resoluções n. 2.013-2013 e n.1.358-92. É louvável a atitude deste Conselho, mas não se deve olvidar que dentro de suas prerrogativas regularam a matéria dentro de uma perspectiva médica. Por outro lado, estas são passiveis de críticas, inclusive por abordarem de maneira extremamente resumida tema complexo e somente sob a perspectiva favorável a classe médica.

Desta forma, é preciso que o Estado saia da inércia de seu cargo legislativo, e promova efetivamente um controle ativo nas clinicas de reprodução humana assistida, com a finalidade de conhecer a realidade dos laboratórios.

Trata-se de um assunto que em virtude de seu enredo humano, exige mais do que a leitura de poucos artigos, os quais essencialmente dispõem como atuar o médico perante geradas situações no dia-a-dia. Isso porque, desta forma abre-se brechas para omissões injustificáveis e incoerências jurídicas. Tal matéria há muito tempo já deveria estar regulamentada por meio de lei neste país, a qual deveria existir para tutelar os direitos dos sujeitos.

Da existência da eugenia... // 141

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146 // Ética e direito à vida: Volume II

= V =

O DIREITO À VIDA DO NASCITURO

Ihgor Jean Rego* Luis Carlos Mucci Júnior **

5.1 INTRODUÇÃO

Este artigo tem por escopo trazer à baila uma situação

muitas vezes recorrente, e que pode nos pegar de surpresa, ou seja, o nascituro tem direito a vida? Quais seriam os direitos do nascituro frente o aborto? O que seria e qual a dimensão dos alimentos gravídicos?

Neste artigo o princípio da dignidade da pessoa humana é como uma ferramenta mestra, e vai servir para contribuir na solução de conflitos jurídicos advindos dos avanços na área médica relacionados ao início e terminalidade da vida.

O presente estudo utiliza, em regra, o método teórico, pois pressupõe a busca do conhecimento pelo levantamento de leis, doutrinas e princípios gerais de direito, demonstrando como os direitos da personalidade podem ser aplicados aos nascituros inclusive frente ao aborto.

O instrumento de pesquisa foi o método bibliográfico, fazendo um percurso em que o primeiro capítulo trata da evolução dos Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, constando quão antigas são as prerrogativas inerentes à condição humana e direitos da personalidade.

No segundo capítulo, apresentamos o princípio da dignidade humana, que atualmente é a norma das normas, o princípio dos princípios, e deve prevalecer quando confrontado tendo em vista a regra de ponderação.

* Mestrando em Direito pelo Centro Universitário de Maringá – UniCesumar; Especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo Instituto de Direito Constitucional e Cidadania – IDCC; advogado. ** Mestrando em Direito pelo Centro Universitário de Maringá – UniCesumar; Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Instituição Toledo de Ensino de Presidente Prudente; advogado.

148 // Ética e direito à vida: Volume II

No terceiro capítulo, falamos do direito a vida do nascituro, inclusive frente ao aborto.

5.2 EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS

O pensamento que nós possuímos direitos e liberdades

fundamentais associado a condição humana, já que fomos feitos a imagem e semelhança de Deus, existe a muito tempo. Segundo Celso de Albuquerque Mello1, as origens dos Direitos Humanos constituem ponto de divergência entre os juristas, nas quais subsistem diversas correntes teóricas que possuem diferenciados entendimentos sobre os Direitos Humanos. Esses conceitos é que determinam qual será a origem defendida pelas posições teóricas, da quais destacam-se a jusnaturalista, positivista e histórica.

Os jusnaturalista desde a antiguidade clássica através de seu filósofos, passaram a admitir, entendendo que os Direitos Humanos são atemporais, universalmente válidos, guiados pela razão e obviamente inerentes a condição humana.

[...] o jusnaturalismo defende a existência de direitos naturais do indivíduo que são originários e inalienáveis, em função dos quais, e para sua segurança, concebe-se o Estado. São direitos que, portanto, não incube ao Estado outorgar, mas sim reconhecer e aprovar formalmente.2

Já para os positivistas os direitos naturais não tem

sentido, uma vez que o direito pressupõe a sua positivação, não podendo considerar uma norma válida antes do surgimento do direito. Nas palavras de Bobbio “o positivismo jurídico é aquela doutrina segundo a qual não existe outro direito senão o positivo”3.

1 MELLO, C. D. A. Direitos Humanos e Conflitos Armados. Rio de

Janeiro: Renovar, 1997. p. 444. ² TAVARES, A. R. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo:

Saraiva, 2008, p. 444. 3 BOBBIO, N. O positivismo jurídico. São Paulo: Ícone, 1995. p. 26.

O direito à vida do nascituro // 149

[...] os direitos humanos são o produto não da natureza, mas da civilização humana; enquanto direitos históricos, eles são mutáveis, ou seja, suscetíveis de transformação e ampliação.4

Norberto Bobbio reforça que os direitos humanos são

direitos históricos, conquistados de tempos em tempos, a medida das necessidades e da evolução e necessidade da própria sociedade.

Assim divergem sobre o momento do surgimento dos direitos humanos na história. Genevois5, referência para o movimento brasileiro de Direitos Humanos, muitos autores os situam na antiguidade clássica, quando teriam sido aludidos em um texto de Sófocles, sobre um conceito de liberdade, como sendo uma expressão ímpar da dignidade da pessoa humana e da igualdade.

Mais ao oriente, Buda e Confúcio pregam a supremacia do direto e da justiça, a fraternidade e generosidade, a aquilatar de uma sociedade pacífica e justa. Já os Estoicos defendiam princípios morais, eternos e imutáveis que resultam direitos inerentes ao homem.6

O Cristianismo supõe o dever do amor ao próximo, assim os direitos humanos acompanham o processo histórico, não ficam estáticos, no entanto, um processo não linear uma vez que por vezes pode sofrer retrocessos. “Esta igualdade não se limita ao usufruto individual dos direitos, mas supõe o dever do amor ao próximo”.7

Com o liberalismo do século XVII, os direitos individuais em face do Estado começam a ser acentuados. Estudiosos como Espinoza, Locke, Rousseau e Montesquieu, que defendem a liberdade e igualdade, com fundamentos racionais e não teológicos.

É bem verdade que teve grande importância para o reconhecimento dos direitos inerentes a pessoa as revoluções

4 BOBBIO, N. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 37. 5 GENEVOIS, M. Direitos humanos na história. Disponível em:

<thttp://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/margarid.htm>. Acesso em 20 out. 2015. 6 Ibidem. 7 Ibidem.

150 // Ética e direito à vida: Volume II

Inglesa, Americana e Francesa, que a sua maneira influenciaram as constituições do século XIX.8

A revolução Inglesa estabeleceu pela primeira vez no Estado moderno no tocante as liberdades públicas a separação de poderes como forma das liberdades civis.9

Em 1776, foi realizada a Declaração de Independência dos Estados Unidos, que tinha como norte a igualdade entre todos os homens, outorgando-lhes direitos inalienáveis superiores a qualquer poder político, seja qual, a vida, a liberdade e a busca da felicidade.

Por seu turno a Revolução Francesa conduziu muitos estudiosos a tê-la não apenas como um movimento nacional, capaz de descerrar cinco séculos de regime absolutista, mas como uma revolução supranacional, com legados que nem a era napoleônica conseguiu suprimir ou apagar.

Este evento não foi um fenômeno isolado, mas, sim, o mais importante se comparado a outras revoluções, pois ocorreu em um dos países mais populosos e poderosos da época e foi uma revolução social de massa que teve seus ideais repercutidos pelo mundo todo.10

Vejam que as ideias dessa revolução são patrimônios da

humanidade e produzem eco até a atualidade nas Constituições dos países democráticos, a exemplo do Brasil.

Diríamos que o maior legado da Revolução Francesa foi a evolução do alcance dos Direitos Humanos, uma evolução dos direitos chamados inerentes à pessoa humana.

Em 1789 é promulgada pela Assembleia Nacional Francesa a mais importante declaração de Direitos Fundamentais, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que em seu artigo 16 afirma solenemente que “qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia

8 RUBIO, V. L. Introduccion a la Teoria de los Derechos Humanos:

Declaración Universal de 10 de diciembre de 1948. Madrid: Civitas, 1998. p. 82. 9 COMPARATO, F. K. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos.

3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 92. 10 HOBSBAWM, E. J. Da revolução industrial inglesa ao imperialismo. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. p. 44.

O direito à vida do nascituro // 151

dos Direitos Fundamentais nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.11

Com o passar do tempo, os postulados históricos que surgiram na Revolução Francesa foram recepcionados e melhorados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948, e no ordenamento jurídico brasileiro assumiu aplicação efetiva na Carta Magna de 1988.

Por outro lado, historiadores do século XX acreditavam que os direitos humanos se definiam e adquiriam o reconhecimento mundial com o fim da Segunda Guerra Mundial.

Segundo Piovesan12 sua origem é atribuída às monstruosas violações da condição humana na Segunda Guerra Mundial e à crença de que parte disso poderia ser prevenido, sem um efetivo sistema de proteção internacional de Direitos Humanos existisse.

[...] O Direito Internacional dos Direitos Humanos consiste em um sistema de normas internacionais, procedimentos e instituições desenvolvidas para implementar esta concepção e promover o respeito dos Direitos Humanos em todos os países, no âmbito mundial.13

Os direitos humanos são próprios da condição humana,

já seu reconhecimento e garantias se devem a um processo histórico, com lutas que modificam a realidade social e econômica de uma nação, sendo assim, vai além das concepções naturalistas ou positivistas.

A positivação de tais direitos, nos ordenamentos nacionais, vem a seguir, com a égide das Constituições Sociais, na constitucionalização dos chamados Direitos Fundamentais.14

11 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Disponível em

http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%Ao-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3B5es-at%C3A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html>. Acesso em 20 out. 2015. 12 PIOVESAN, F. Temas de Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo:

Saraiva, 2009. 13 Ibidem, p.04. 14 BOBBIO, N. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p.

30.

152 // Ética e direito à vida: Volume II

Canotilho distingue quanto à sua origem e significado as expressões Direitos do Homem e Direitos Fundamentais.

[...] direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos; direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporal. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intertemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.15

Sarlet diferencia Direitos Humanos e Direitos

Fundamentais, acreditando que os humanos são fundados da dignidade da pessoa humana, já os Direitos Fundamentais são direitos que independentemente de terem, ou não, relação direita com a Dignidade da Pessoa Humana, são assegurados em face de sua previsão e positivação no ordenamento constitucional vigente.16

Barroso assegura que é o princípio da Dignidade da Pessoa Humana o núcleo do qual irradiam todos os direitos materialmente fundamentais, “que devem receber proteção máxima, independentemente de sua posição formal, da geração a que pertencem e do tipo de prestação a que dão ensejo”.17

Veja que surge a normas das normas, o princípio dos princípios, que sempre deverá prevalecer e receber a máxima proteção independentemente de posição formal, geração e prestação a que poderá dar ensejo, traduzindo em uma verdadeira teoria a Justiça, onde contrariar a dignidade da pessoa humana significa o injusto frente ao novo ordenamento jurídico que está se construindo.

A Declaração Universal dos Direitos do homem de 1948 colocou premissas para colocar os indivíduos singulares, não mais apenas os Estados, em sujeitos jurídicos do direito

15 CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 259. 16 SARLET, I. W. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 8. ed, Porto Alegre:

Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 97. 17 BAROSSO, L. R. Direito Constitucional Contemporâneo – os

conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.180.

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internacional, passando para uma nova fase do direito internacional, a que torna esse direito não apenas o direito de todas as gentes, mas o direito de todos os indivíduos.

Também foi Bobbio que consagrou as dimensões clássicas do direito, sendo a primeira geração os direitos civis e políticos; a segunda geração compreende os direitos econômicos, sociais e culturais, como direito a saúde, educação, moradia, trabalho, lazer e os direitos trabalhistas; a terceira dimensão é dos chamados direitos dos povos, decorrentes da solidariedade ou de titularidade coletiva, difusos, como a paz, ao desenvolvimento, a participação no patrimônio comum da humanidade, a comunicação, a autodeterminação dos povos e o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.

Caracterizam-se por destinarem-se à proteção, não do homem em sua individualidade, mas do homem em coletividade social, sendo, portanto, de titularidade coletiva ou difusa.18

Outras correntes doutrinárias defendem direitos de

quarta dimensão, que surgiram pelos avanços sociais, genéticos ou tecnológicos.

Para Bobbio “tratam-se dos direitos relacionados à engenharia genética”19.

Os direitos fundamentais resultam de um movimento de constitucionalização que começou nos primórdio do século XVIII. Encontram-se incorporados ao patrimônio comum da humanidade e foram reconhecidos internacionalmente a partir da declaração universal dos direitos do homem da Organização das Nações Unidas de 1948.

Os direitos fundamentais precisam estar inseridos na Constituição da República Federativa do Brasil, enquanto não estiver não posso dizer que ele é direito fundamental, é simplesmente um direito.

Os direitos fundamentais fazem parte de normas constitucionais, estão tutelados pela Constituição de um Estado.

Os direitos fundamentais tem contribuído para o progresso moral da sociedade, pois são direitos inerentes a pessoa humana, pré-existentes ao ordenamento jurídico, visto

18 CUNHA JÚNIOR, D. Curso de Direito Constitucional. 6. ed.

Salvador: JusPODIVM, 2012, p. 626. 19 BOBBIO. N. Op. cit., p. 06.

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que decorrem da própria natureza do homem. Portanto, são indispensáveis e necessários para assegurar a todos uma existência livre, digna e igualitária.

Para a análise da diferença entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais é trazer à lume quem são os destinatários de sua proteção.

Adotado esse fator de diferenciação, não ficaria clara a separação entre direitos humanos e fundamentais, permanecendo a zona de penumbra originalmente existente, pois nos dois casos o destinatário da proteção é a pessoa humana.

Assim considerando a evolução dos direitos humanos e direitos fundamentais denota-se o seguinte:

Direitos humanos e fundamentais, não sendo o critério pessoal suficiente para se determinar a diferença, qual seria então o aspecto capaz de separar os dois termos jurídicos?

Direitos Fundamentais se aplica para aqueles direitos da pessoa humana reconhecidos e positivados na esfera dos direitos constitucional positivo de determinado estado. Direitos humanos tem relação com os documentos de DIREITO INTERNACIONAL por referir-se aquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à VALIDADE UNIVERSAL, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).

5.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

As coisas têm preço, e as pessoas, dignidade, conforme

preceituado por Immanuel Kant.20 A dignidade da pessoa humana e não poderia ser

diferente deve ser vista como um fundamento da República Federativa do Brasil, em outras palavras o foco do Estado não deveria ser os bens e demais valores, mas sim a pessoa humana, nem mesmo o foco pode ser o Estado em si mesmo, mas a pessoa humana de ser colocada no centro do ordenamento jurídico em vigor.

20 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes.

São Paulo: Martin Claret, 2001. p. 77.

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Os três poderes, ou seja, o legislativo, o executivo e o judiciário, em todas as suas ações deveria ter como base o respeito a pessoa humana, já que o homem é um fim em si mesmo e tudo que ocorre faticamente deve ter como premissa e base a sua dignidade.

O ser humano está acima de qualquer coisa, não tem valor pecuniário que lhe represente, o seu valor é inato, inerente e desde a sua concepção, não estando atrelado ao valor pecuniário, mas sim a um valor superior, dito transcendental. Não existe outro valor equivalente por conta da sua dignidade.

Tudo que completa, satisfaz o ser humano está vinculado a noção de dignidade humana, a dignidade é um valor intimo que ninguém pode retirar ou subtrair do ser humano.

A natureza da pessoa humana, com seu conteúdo de direito natural, e não de outros fatores exógenos é que atrai a noção de dignidade humana, a existência humana atribui ao ser humano um valor inestimável que nenhuma norma seja ela qual for tem o poder de diminuir ou aniquilar esse valor do ser humano feito à imagem e semelhança de Deus.21

Todo ser humano deve ter o seu valor como pessoa reconhecida pelo Estado, devendo assim ser garantido os seus direitos da personalidade, não podendo ser aviltado tal direito por nenhum poder ou norma seja ela qual for.

O Estado e não poderia ser diferente passa a se preocupar de uma tal maneira com a dignidade da pessoa humana, que a sua proteção por meio de preceito constitucional não é a questão fulcral, mas passa a se referir a dignidade da pessoa humana como um fundamento da existência do Estado, passando o ser humano a ocupar o centro do ordenamento jurídico, nos direitos de maior importância e na consciência da exigência do bem comum e de todos.

21 BÍLIBLIA ONLINE. Gênesis. Disponível em: https://www.bibliaonline.com.br/acf/gn/1, acesso em: 05/01/2016.

156 // Ética e direito à vida: Volume II

5.3.1 A dignidade humana A dignidade é um macroprincípio, do qual se extraem

princípio e valores indispensáveis, veja: a liberdade, a autonomia privada, a cidadania, a igualdade, a alteridade e a solidariedade, e muitos outros que se difundem pelo ordenamento jurídico em vigor ou ainda pelo contexto social.

Cleide Aparecida Gomes Rodrigues Fermentão esclarece que:

A dignidade humana “é qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável” entendendo dessa forma que a dignidade humana não é uma criação estatal que pode ser concedida ou retirada já que existe em cada pessoa como algo que lhe é inerente. Assim, a dignidade humana pode e deve ser reconhecida e protegida pelo ordenamento jurídico.[...] A dignidade humana é inerente a cada pessoa, está ligada de modo íntimo e necessário, inseparável. Estabelecer um conceito de dignidade humana, é buscar os meios necessários para tornar o princípio efetivo. (informação oral).22

Como dito alhures a pessoa humana é o centro do

direito, e o princípio da dignidade é o que dá o fundamento do sistema jurídico. O Artigo 3º, da Constituição Federal almeja uma sociedade livre, justa e solidária, assim a dignidade é o alicerce mínimo do ordenamento jurídico pátrio.

Carmem Lúcia Antunes Rocha diz que a dignidade antes de ser a pedra de toque primordial de todo ordenamento jurídico, ela era um instituto de direito natural, que está presente até mesmo antes do ser vivo nascer, não é necessário nenhum ato para que seja declarado “ser digno”:

Dignidade é o pressuposto da ideia de justiça humana, porque ela é que dita a condição superior do homem como ser de razão e sentimento. Por isso é que a dignidade humana independe de merecimento pessoal ou social. Não se há de

22 FERMENTÃO, Cleide Aparecida Gomes Rodrigues. Aula ministrada no Curso de Mestrado em Direito do Centro Universitário de Maringá – CESUMAR, na disciplina de Normatividade Contemporânea e a dignidade da pessoa humana. Maringá – PR, 18

jun. 2011.

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ser mister ter de fazer por merecê-la, pois ela é inerente à vida e, nessa contingência, é um direito pré-estatal.23

Essa ideia vem sendo estudada e difundida há tempos,

sendo na atualidade o maior dos atributos e por seu turno indispensável para a humanidade, hodiernamente as reações civis ganharam uma despatrimonialização, ou ainda uma reforma do direito, com a intenção de colocar o ser humano no centro de todo o direito e as demais coisas em um segundo plano.

José Carlos Teixeira Giorgis esclarece: A conversão da família em espaço de realização da efetividade humana marca o deslocamento da função econômica-política-religiosa-procracional para nova função: a repersonalização das relações civis que prestigia a pessoa mais que o

patrimônio, é a recusa da coisificação ou reificação da pessoa, para ressaltar sua dignidade. A família é o espaço por excelência da repersonalização do direito.24

No âmbito familiar o ser humano exercita a noção de

dignidade, perde o adereço os bens e o patrimônio, dando azo a um dos ensinamentos de Jesus em Mateus Capítulo 6, versículo 19. “Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam25”.

Dentro do contexto da humanidade faz-se necessário um histórico da dignidade a partir de quando emergiu a dignidade da pessoa humana na vida do ser humano.

23 ANTUNES ROCHA, Carmem Lúcia. O princípio da dignidade humana e a exclusão social. In: Anais do XVVI Conferência Nacional dos Advogados – Justiça: realidade e utopia. Brasília: Conselho Federal

da Ordem dos Advogados do Brasil, v. I, 2000, p. 72. 24 GIORGIS, José Carlos Teixeira. Arqueologia das Famílias: da Ginecocracia aos Arrajos Plurais. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre: Magister, n. 17, ago./set. 2010,

p. 61. 25 BÍBLIA ONLINE. Mateus. Disponível em: <https://www.bibliaonline.com.br/acf/mt/6>. Acesso em: 05/01/2016.

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5.3.1.1 Histórico da dignidade Consabido a noção de dignidade é fruto de inegáveis

lutas constantes, ocorridas após grandes batalhas e guerras onde se havia disputa de poder, entrementes, não se tem o marco primordial de sua existência havendo divergência a cerca disso.

Antigamente a dignidade na Grécia era medida de acordo com a posição social o sujeito, apenas os cidadãos poderiam participar da pólis, enquanto os escravos eram coisas.

Cleide Aparecida Gomes Fermentão mostra como a dignidade era vista na antiguidade: “No pensamento filosófico e político, na antiguidade clássica, a dignidade da pessoa humana correspondia à posição social ocupada pelo homem em determinada comunidade. No pensamento estoico, a dignidade era tida como a qualidade que o distinguia das demais pessoas”.26

Alguns estudiosos atribuem o nascedouro da dignidade na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10.12.1948. Após o fim da segunda guerra mundial, a Declaração Universal foi um marco histórico da humanidade, com o fim de impedir os horrores vivenciados na segunda guerra mundial.

Para evitar chacinas e carnificinas humanas surgiram instrumentos de defesa contra ações e tratamentos degradantes ao ser humano, ou seja, Organização das Nações Unidas, e Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Outros juristas entendem que a dignidade teve seu reconhecimento antes mesmo da vida de Jesus Cristo, já que se o ser humano teria sido criado à imagem e semelhança de Jesus, homem e mulher, seria assim um ser dotado de dignidade.

“E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. 27

26 FERMENTÃO, Cleide Aparecida Gomes Rodrigues. Direito e Axiologia – O valor da pessoa humana como fundamento para os direitos da personalidade. Revista Jurídica Cesumar – Mestrado.

Maringá, v. 7, n. 1, jan./jun. 2007, p. 72. 27 BÍBLIA ONLINE. Gênesis. Disponível em: <https://www.bibliaonline.com.br/acf/gn/1>. Acesso em: 05/01/2016.

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Veja que não há consenso em relação da data da origem da dignidade perante os povos da humanidade, entrementes, só a título de registro existiam algumas Constituições que já previam a dignidade antes mesmo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

A Carta Magna de João Sem-Terra de 1215, como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, proveniente da Revolução Francesa, tiveram influência e participação na colocação da dignidade no carrear da história, entretanto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que traçou os contornos da dignidade a nível internacional após as barbaridades vivenciadas na Segunda Grande Guerra:

A Carta Magna, de 1215, da Inglaterra, constituiu o ser humano como fim do direito, limitando o poder dos governantes e garantindo direitos próprios ao homem. O status jurídico da pessoa, porém, foi realmente consagrado, na ordem internacional, com as Declarações de Direitos surgias no final do séc. XVIII, que ficou conhecido como o século das Declarações. Destaca-se, nesse período, a Declaração dos Diretos do Homem e do Cidadão, da França, de 1789, resultante dos princípios da Revolução Francesa, que alavancou a defesa dos direitos individuais e a valorização da pessoa humana e da liberdade do cidadão. O indivíduo era tratado como cidadão, com direitos e deveres e ao Estado foram estabelecidos limites. No seu preâmbulo, o documento destaca que a ignorância, o esquecimento e o menosprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos governos. Após as Grandes Guerras, fazia-se necessária a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos em âmbito internacional e de caráter universal. Elaborou-se, então, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10.12.1948, como ideal comum a ser atingido por todos os povos e nações28.

A Constituição Republicana da Itália em 1947 no seu artigo 3º, já fazia menção ao termo dignidade. 29

28 SPINELI, Ana Cláudia Marassi. Direitos da Personalidade e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Revista Jurídica Cesumar

– Mestrado. Maringá, v. 8, n.2, jul./dez. 2008, p. 376. 29 ITÁLIA. Constituição de República de 1947, art. 3º: “Tutti i cittadini

hanno pari dignitá sociale e sono eguali davanti ala legge, senza

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Em 1949, a Constituição da República da Alemanha, no art. 1.1 proclamou a dignidade: “A dignidade do homem é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo o poder público”.30

Cleide Aparecida Gomes Rodrigues Fermentão assevera:

Foi a lei fundamental da República Federal da Alemanha que, em primeiro, erigiu a dignidade da pessoa humana em direito fundamental, estabelecendo no seu art. 1º n. 1: A dignidade humana é inviolável. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todos os Poderes estatais. A Alemanha, após o Estado

nazista ter praticado a barbárie contra a dignidade humana, tinha o dever moral de normatizar o respeito e a proteção à dignidade humana.[...] No Brasil, a recente história de torturas e de desrespeito à pessoa humana, praticadas no período da regime militar, levou o constituinte brasileiro a incluir a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado democrático de direito, dispondo no inc. III do Art. 1º da Constituição promulgada em outubro de 1988: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos. III – a dignidade da pessoa humana.

O reconhecimento da dignidade humana como princípio, pelo Constituição de 1988, entre outras, fez gerar a concepção antropocêntrica do direito contemporâneo.31

Todas as Constituições após esses acontecimentos que

tivessem como base fundamental o Estado democrático de

distinzione di sesso, di razza, di língua, di religione, di opinioni politiche, di condizioni personali e sociali”. Disponível em: <http://www.edscuola.it/archivio/norme/leggi/costituzione.html>. Acesso em 20 out. 2015. 30 ALEMANHA. Constituição da República de 1949, art. 1º.1.

Disponível em: <http://www.uni.leipzig.de/~leite/wiki/Direitos_B%C3%A1sicos_da_Constitui%C3%A7%C3%A3o_Alem%C3%A#_Art%C2%BA_1_a_19#Artigo_1.C2.B0>. Acesso em 20 out. 2015. 31 FERMENTÃO, Cleide Aparecida Gomes Rodrigues. Direito e Axiologia – O valor da pessoa humana como fundamento para os direitos da personalidade. Revista Jurídica Cesumar – Mestrado.

Maringá, v. 7, n. 1, jan./jun. 2007, p. 76.

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direito deveriam inserir a palavra dignidade como palavra de ordem.

Ainda segundo Cleide Aparecida Gomes Rodrigues Fermentão: “o que deve ser considerado na teoria Kantiana é que ao tratar o homem como um fim em si mesmo, além de não prejudicar ninguém, deve-se fazer o máximo para melhorar a vida do outro, trazendo condições dignas”32.

Diante da magnitude da dignidade da pessoa humana, como sendo o princípio dos princípios, a norma das normas, Fernanda Borghetti Cantali acena e esclarece em casos de colisões de direitos.

Fernanda Borghetti Cantali, em seu livro, Direitos da Personalidade, Disponibilidade Relativa, Autonomia Privada e Dignidade Humana, mencionam:

Ademais, não existe nenhum direito de conteúdo absoluto, nem mesmo a vida assim o é, justificando-se a sua disposição diante da renúncia legitimada pela garantia da autonomia e da dignidade humana, o que somente é verificável diante do caso concreto. Até porque, se uma pessoa está apenas biologicamente viva, sua vida não pode ser usufruída por completo e uma vida proveitosa é aquela que pode ser vivida em todos os seus aspectos. Diante da colisão de direitos fundamentais, somente no caso concreto, lançando mão do princípio da proporcionalidade, se poderá optar pelo bem constitucionalmente preponderante, servindo a dignidade humana de valor guia para a tomada da decisão.33

Veja que o caso concreto que vai definir pela

proporcionalidade o direito fundamental que irá prevalecer.

32 FERMENTÃO, Cleide Aparecida Gomes Rodrigues. Aula ministrada no Curso de Mestrado em Direito do Centro Universitário de Maringá – CESUMAR, na disciplina de Normatividade Contemporânea e a dignidade da pessoa humana. Maringá – PR, 18

jun. 2011. 33 CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da Personalidade, Disponibilidade Relativa, Autonomia Privada e Dignidade humana.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 183.

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5.4 O DIREITO À VIDA DO NASCITURO Nascituro significa criança que está para nascer34. A vida é o bem fundamental do ser humano, já que sem

vida, não há que se falar em outros direitos, nem mesmo direitos da personalidade, assim temos que todos os seres humanos têm direito de viver e ainda de ter uma vida plena e digna, com respeito aos valores e prioridades.

A palavra VIDA, é conceituada no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, sob diferentes aspectos, sendo que, no que pertine ao Direito à Vida, são os seguintes:

... 3 – o período de um ser vivo compreendido entre o nascimento e a morte; existência... 5 – motivação que anima a existência de um ser vivo, que lhe dá entusiasmo ou prazer; alma, espírito... 8 – o conjunto dos acontecimentos mais relevantes na existência de alguém; 9 – meio de subsistência ou sustento necessário para manter a vida... p. 2.858”35.

Nas palavras de Montaigne que eloquentemente

afirmava “Você não morre por estar doente, mas você morre porque está vivo”.

A morte é ambígua, leva-nos a pensar. Por detrás de seu sentido aparente podem esconder-se significados latentes que o homem, desde o pensamento mítico até o pensamento filosófico e cientifico, vem tentando desvendar. Sobre este processo temos poucos elementos que nos permitam uma interpretação segura. É enorme a quantidade de representações e de concepções que se opõem e se contradizem a respeito da morte, no transcorrer da história da humanidade. Pluralismo ideológico e cultural e a secularização são dois fatos inquestionáveis em nossa época atual. Estamos em um ponto de não retorno. Os homens em geral nas mais diversas culturas e sociedades, até as modernas têm, por diversas razões, se distanciado da morte tentando exorcizá-la. Desde tempos imemoriais as sociedades tem delegado o poder de decisões sobre a vida, o cuidado da vida e sobre a morte a uma instancia especial, a medicina. O âmbito deste

34 DICIONÁRIO da Academia Brasileira de Letras. 2. ed. São Paulo:

Companhia Nacional, 2008, p. 895. 35 DICIONÁRIO Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:

Objetiva, 2001.

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trabalho não me permite aprofundar na análise dessa questão. Mas esse poder da medicina tem uma longa história. Hoje questiona-se, não a competência da medicina no cuidado com a saúde humana, mas a desmesura desse poder, sua exacerbação. O conceito de morte era há até pouco tempo um conceito médico. Hoje já se exige que seja contextualizado, passando toda a problemática que concerne às condições do viver e do morrer a ser do interesse de toda a sociedade.36

Consabido é inconstitucional o direito ao aborto apesar

de, ainda, em algumas hipóteses, ser o mesmo agasalhado pela legislação penal, surge então um conflito entre os direitos fundamentais do nascituro em oposição aos da mãe.

Assim, surge a questão: qual direito prevalecerá, ou seja, o direito fundamental da mulher grávida ou o direito do nascituro? Afinal, se existe violação de princípios isso é grave, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um especifico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.37

A solução é encontrada no princípio da

proporcionalidade, que vai indicar qual o direito que, na situação concreta, está ameaçado de sofrer a lesão mais grave caso venha a ceder o exercício do outro, e, por isso, merece prevalecer, excluindo a realização deste (colisão excludente).

Sobre o tema anota J.J. Gomes Canotilho: Os exemplos anteriores apontam para a necessidade de as regras do direito constitucional de conflitos deverem construir-

36 ZUBEN, Newton Aquiles von. Questões de Bioética: Morte e Direito

de Morrer. Apresentado na Mesa Redonda “Diálogos” promovido pela UNISO-PUCSP Sorocaba. Jun. 1998. 37 In: ROLIM, Luciano Sampaio Gomes. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Disponível

em:<www.jusnavegandi.com.br>. Acesso em 20 out. 2015.

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se com base na harmonização de direitos, e, no caso, de isso ser necessário, na prevalência (ou relação de prevalecia) de um direito ou bem em relação a outro (D1 P D2). Todavia, uma eventual relação de prevalecia só em face das circunstancias concretas se poderá determinar, pois só nestas condições é legítimo dizer quem um direito tem mais peso do que o outro (D1 P D2) C, ou seja, um direito (D1) prefere (P) outro (D2) em face das circunstancias do caso (C).38

A solução está em colocar o fato analisado numa

“balança”, equilibrando-se os vários princípios, buscando equacioná-los, observando-se a necessária adequação e proporcionalidade ou, segundo o magistério de Willis Santiago Guerra filho:

...pode-se dizer que uma medida é adequada, se atinge o fim almejado, exigível, por causar o menor prejuízo possível e, finalmente, proporcional em sentido estrito, se as vantagens que trará superarem as desvantagens, para a efetivação dos direitos fundamentais, considerados em seu conjunto”.39

Assim sendo, o direito do nascituro prevalece em

relação aos direitos da mãe de praticar exercícios físicos durante da gravidez, assim como de ingerir bebidas ou substancias de efeitos análogos na gravidez, e ainda, de cumprir pena junto com sua mãe, pois o estabelecimento prisional traz malefícios para sua saúde física e emocional.

Dessa forma, sempre é mais razoável, mais proporcional, defender os direitos do nascituro quando em confronto com interesse de sua mãe ou do próprio Estado, havendo uma inversão apenas na terrível hipótese de se escolher entre a vida da mãe e do nascituro, nos parecendo que neste caso deverão prevalecer os interesses da mãe.

38 CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 1194. 39 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Dimensões dos Direitos Fundamentais e Teoria Processual da Constituição. Estudos de

Direito Constitucional. (José Ronald Cavalcante Soares Coord.). São Paulo: LTr, 2001. p. 400-414.

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5.5 O aborto anencefálico O aborto sempre foi e nunca deixará de ser um tema

relevante, polêmico e controvertido em nossa sociedade e no decorrer da evolução dos tempos, surgem situações que acabam por abalar os ditames da sociedade.

A interrupção da gravidez de feto portador da anencefalia fez retornar a discussão sobre a legalidade ou não do aborto. Tivemos em 2004, a Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental número 54, pelo Conselho Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS questiona-se deve sempre proibir a prática abortiva quando o feto não possuir qualquer viabilidade de vida extrauterina? Alguns escolhem a liberalidade, integral e indiscriminada, outros apelam pela tipificação total e incondicional, amparados pelos apelos religiosos e morais.

A prática do aborto em casos de anencefalia tem um grande problema, ou seja, o ponto de disponibilidade da vida humana.

O aborto eugênico, segundo Ricardo Henry Marques Dip40 “é o aborto fundado em indicações eugenésicas, equivalente a dizer, em indicações referentes à qualidade de vida”. Eugenia ocorre quando há comprovação de que o feto nascerá com má-formação congênita, assim os casos de anencefalia é a princípio sua espécie.

Realmente é repugnante a ideia de admitir indiscriminadamente o aborto eugênico, pois a má formação física ou mental não pode servir de base para sobrepor ao direito universalmente reconhecido de que todos possuem o direito ao gozo da vida.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem reconheceu em seus artigos 1º e 2º que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos, e todos têm capacidade para gozar os direitos e as liberdades sem distinção de raça, cor, sexo, entre outros, sendo que a Constituição da República Federativa do Brasil elevou o princípio da dignidade da pessoa humana como pressuposto para a realização do Estado Democrático de Direito (Artigo 2º, inciso II, CRFB).

40 DIP, Ricardo Henry Marques. Uma questão biojurídica atual: a autorização judicial do aborto eugenésio – alvará para matar. Revista dos Tribunais. São Paulo, Ano 85, v. 734, Fasc. Pen, dez 1996, p. 520.

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Logo, a princípio fica claro que o aborto eugênico somente em casos que o feto não conseguirá sobreviver.

A anencefalia é uma má-formação congênita em decorrência de um defeito no fechamento do tubo neural. A grande celeuma acerca da precisão de qual momento o feto ou embrião é considerado vivo, se no nascimento, na concepção ou em período intermediário, assim o debate destoa facilmente para as questões religiosas e morais.

O presidente do Conselho Federal de Medicina, Dr. Edson de Oliveira Andrade41, um feto anencefálico tem chance estatística de praticamente cem por cento de estar morto durante a primeira semana após o seu nascimento. Para que se prolongue seu estado vegetativo deve-se se socorrer a aparelhos mecânicos, que gera custos exorbitantes e anda pelo fato de quase nunca o feto resistir, já que sua existência está condicionada a ligação ao organismo materno.

Determinar o momento da vida não é fácil, o que dizer então o momento da morte, que assusta por demais todos os seres humanos, na doutrina existe a morte encefálica e a morte clínica, a morte encefálica consiste na cessação da atividade elétrica desse principal órgão do corpo humano, mesmo que o tronco cerebral esteja temporariamente funcionando; a morte clínica, tem um conceito mais rígido, exigindo a mais, a parada irreversível da atividade cardíaca. A lei vigente – Lei 9.434/97 – adotou o primeiro conceito, o de morte cerebral ou encefálica, para autorizar a extração de tecidos, partes e órgãos do corpo humano destinados a transplante ou tratamento.

A resolução n. 1480, de 8 de agosto de 1997, referenciada pela Lei 9434/97, põe fim ao debate ao mencionar que a morte encefálica deverá ser consequência e processo irreversível e de causa conhecida.

Dr. Heverton Neves Pettersen42, o encéfalo é formado pelos hemisférios cerebrais, pelo cerebelo e pelo tronco

41 ANDRADE, Edson de Oliveira. A Grande diferença. Provida

Anápolis: Goiás, 2003. 42 Formado pela Universidade Federal de Minas Gerais, com título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela Federação Brasileira das Associações em Ginecologia e Obstetrícia – FEBRASGO. Pós-graduado em Medicina Fetal pelo Hospital King´s College – Londres, à época, Vice Presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Fetal, Diretor da Clínica Gennus – Núcleo de Medicina Fetal de Belo Horizonte

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cerebral. Para o diagnóstico de anencefalia, consoante afirmou o especialista, “precisamos ter ausência dos hemisférios cerebrais, do cerebelo e um tronco cerebral rudimentar. É claro que, durante essa formação, não tendo cobertura da calota craniana, também vai fazer parte do diagnóstico a ausência parcial ou total do crânio”.

A anencefalia já é tema resolvido em grande parte do globo, tendo a Alemanha, a Áustria, o Reino Unido, a França, já se posicionado favoráveis a sua liberalização.

No Brasil muitos juristas pesam como o Min. Marco Aurélio, a exemplo de Luís Roberto Barroso que defende a saúde da mãe, uma vez que essa gravidez pode acarretar perigos a sua salubridade.

Anencefalia e vida são termos antitéticos, o feto anencefálico não tem potencialidade de vida, trata-se de um natimorto cerebral. Por ser absolutamente inviável, o anencefálico não tem expectativa nem é ou será titular do direito à vida, sendo assim existe apenas um conflito aparente de direitos fundamentais que não pratica não se exteriorizam.

Na verdade em contraposição aos direitos da mulher, não se encontra o direito à vida ou à dignidade humana de quem está por vir, simplesmente porque não há viabilidade de vida.

O aborto é crime contra a vida, no caso do anencefálico não existe vida possível, não gozando a proteção jurídico-penal.

Tal posicionamento foi confirmado pelos ensinamentos de Nelson Hungria, que condicionava o crime de aborto à existência de potencialidade de vida.

O interesse jurídico relativo à vida e à pessoa é lesado desde que se impede aquisição da vida e da personalidade civil a um feto capaz de adquiri-la. Por outro lado, ainda que não se pudesse falar de vida em sentido especial ou próprio, relativamente ao feto, não deixaria de ser verdade que este é dotado de vida intra-uterina ou biológica, que também é vida, em sentido genérico. Quem pratica um aborto não opera ´in materiam brutam´, mas contra um homem na ´ante-sala´da vida civil. O feto é uma pessoa virtual, um cidadão em germe. É um homem ́ in spem´. Entre o infanticídio (eliminação da vida

e Coordenador do Serviço de Medicina Fetal do Hospital Vila da Serra/Nova Lima.

168 // Ética e direito à vida: Volume II

intra-uterina) a diferença é de apenas um grau, ou, como dizia CARRARA, de quantidade natural e de quantidade política.43

E prossegue: Caso de gravidez extra-uterina, que representa um estado patológico, a sua interrupção não pode constituir o crime de aborto. Não está em jogo a vida de outro ser, não podendo o produto da concepção atingir normalmente vida própria, de modo que as consequências dos atos praticados se resolvem unicamente contra a mulher. O feto expulso (para que e caracterize o aborto) deve ser um produto fisiológico, e não patológico. Se a gravidez se apresenta como um produto fisiológico, e não patológico. Se a gravidez se apresenta como um processo verdadeiramente mórbido, de modo a não permitir sequer uma intervenção cirúrgica que pudesse salvar a vida do feto, não há falar-se em aborto, para cuja existência é necessária a presumida possibilidade de continuação da vida do feto.44

5.6 DOAÇÕES DE ÓRGÃOS DE ANENCÉFALOS

Ao contrário do que se possa imaginar, não é possível

inovar a pretexto de proteção da proteção dos anencefálicos, atinente à possibilidade de doação de seus órgãos, por duas razões.

Por ser proibido obrigar uma manutenção da gravidez apenas para viabilizar a doação de órgãos, pois com isso estaremos coisificando a mulher e ferindo ainda mais a sua dignidade humana.

A segunda é por revelar-se impossível o aproveitamento dos órgãos de um feto anencefálico.

Kant, em “Fundamentação à Metafísica dos Costumes”, assevera:

O homem, e, de maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade (...). Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm, contudo, se são seres irracionais, apenas m valor relativo

43 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Volume V, RJ

Forense, 1958. p. 15, 286 e 287. 44 Ibidem, p. 297-298.

O direito à vida do nascituro // 169

como meios, e por isso se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não pode ser empregado como simples meio.45

Com isso a mulher deve ser tratada como um fim em si

mesma, e não, sob uma perspectiva utilitarista, como máquina para produção de órgãos para sua posterior doação.

Ainda que os órgãos de anencefálicos fossem necessários para salvar vida, premissa que não se confirma, não se poderia impor uma gestação que violaria a própria condição humana da mulher.

5.7 O CARÁTER NÃO ABSOLUTO DO DIREITO À VIDA QUANDO EM CONFRONTO COM O MACROPRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Não há hierarquia do direito à vida sobre os demais

direitos, inclusive no artigo 5º, inciso XLVII, da CRFB, admite-se a pena de morte em caso de guerra declarada na forma do artigo 84, inciso XIX.

Fundamenta esse entendimento o fato do Código Penal prever, como causa excludente de ilicitude ou antijuricidade, o aborto ético ou humanitário – quando o feto, mesmo sadio, seja resultado de estupro. Ao sopesar o direito à vida do feto e os direitos da mulher violentada, o legislador houve por bem priorizar estes em detrimento daquele, e até os dias autuais ninguém questionou a constitucionalidade dessa previsão.

No direito comparado, outros Tribunais Constitucionais já consolidaram não ser a vida um valor constitucional absoluto. A Corte Constitucional italiana declarou inconstitucionalidade parcial de dispositivo que criminalizava aborto sem estabelecer exceção alguma. Eis o que ficou consignado:

[...] o interesse constitucionalmente protegido relativo ao nascituro pode entrar em colisão com outros bens que gozam de tutela constitucional e que, por consequência, a lei não pode dar ao primeiro um prevalência absoluta, negando aos segundos adequada proteção. E é exatamente este vício de ilegitimidade constitucional que, no entendimento da Corte, invalida a atual disciplina do aborto...

45 KANT, Immanuel. Op. cit., p. 135.

170 // Ética e direito à vida: Volume II

Ora, não existe equivalência entre o direito não apenas à vida, mas também à saúde de quem já é pessoa, como a mãe, e a salvaguarda do embrião, que pessoa ainda deve tornar-se.46

Se a proteção ao feto saudável é passível de

ponderação com direitos da mulher, com maior razão o é eventual proteção dada ao feto anencefálico.

5.8 DIREITO À SAÚDE, À DIGNIDADE, À LIBERDADE, À AUTONOMIA, À PRIVACIDADE

Manter uma gravidez de um feto anencefálico prejudica

em demasia a saúde da gestante que terá sérios abalos psicológicos, com relatos impressionantes, Fraquear a decisão a mulher é medida necessária ante o texto da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, também conhecida como “Convenção de Belém do Pará”, ratificada pelo Estado brasileiro em 27 de novembro de 1995, cujo artigo 4º, inclui como direitos das mulheres o direito à integridade física, mental e moral, à liberdade, à dignidade e a não ser submetida a tortura, sendo violência qualquer ato que cause a morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como privada.

Não se mostra razoável e proporcional, proteger apenas um lado da moeda, privilegiar aquele que, no caso da anencefalia, não tem sequer expectativa de vida extrauterina, vulnerando os direitos da mãe, impondo um sacrifício à mesma sobremaneira.

A incolumidade física do feto anencefálico, que, se sobreviver ao parto, o será por poucas horas ou dias, não pode ser preservada a qualquer custo, em prejuízo dos direitos da mulher, no caso, ainda que se conceda direito a vida do feto anencefálico, o que não acho razoável, tal direito cederia, conforme a ponderação em favor dos direitos da dignidade da pessoa humana, à liberdade no campo sexual, à autonomia, à privacidade, à integridade física, psicológica e moral e à saúde, previstos, respectivamente, nos artigos 1º, inciso III, 5º, Caput e incisos II, III e X, e 6º, Caput, da Carta da República.

46 SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais: estudos de direito

constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006, p. 103.

O direito à vida do nascituro // 171

5.9 CÓDIGO PENAL E OS CASOS DE ANENCEFALIA

O ministro Marco Aurélio, nas décadas de 30 e 40,

quando foi editado o Código Penal hoje vigente, descreveu que a medicina não possuía os recursos técnicos necessários para identificar previamente esse tipo de anomalia fetal, e afirmou quem em relação ao fato de não haver menção no Código Penal aos casos de anencefalia como quesito autorizador de interrupção de gravidez, quando foi editado o Código Penal hoje vigente, a medicina não possuía os recursos técnicos necessários para identificar previamente esse tipo de anomalia fetal. “Mesmo à falta de previsão expressa no Código Penal de 1940, parece-me lógico que o feto sem potencialidade de vida não pode ser tutelado pelo tipo penal que protege a vida”

O mesmo ministro lembrou que para proteger a honra mental e a saúde da mulher, estabeleceu que o aborto em gestação oriunda do estupro não seria crime, situação em que o feto é plenamente viável. Se a proteção ao feto saudável é passível de ponderação com direitos da mulher, com maior razão o é eventual proteção dada ao feto anencefálico.

5.10 ESTADO LAICO

O ministro Marco Aurélio, ao proferir seu voto, reforçou

ainda o caráter laico do Estado brasileiro, previsto desde a Carta Magna de 1891, quando da transição do Império à República. A questão posta nesse processo – inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual configura crime a interrupção de gravidez de feto anencefálico - não pode ser examinada sob os influxos de orientações morais religiosas:

Assim como ocorreu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3510 - sobre possibilidade de realização das pesquisas científicas com células-tronco embrionárias, em que o STF primou pela laicidade do Estado - para o ministro, as concepções morais e religiosas não podem guiar as decisões estatais, devendo ficar circunscritas

172 // Ética e direito à vida: Volume II

à esfera privada. “O Estado não é religioso, tampouco é ateu. O Estado é simplesmente neutro47

5.11 DADOS

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde

(OMS), obtidos entre 1993 e 1998, até o ano de 2005, os juízes e Tribunais de Justiça formalizaram cerca de 3 mil autorizações para interromper gestações em decorrência da impossibilidade de sobrevivência do feto, o que demonstra, segundo constatou o ministro Marco Aurélio, a necessidade de o STF se pronunciar sobre o tema. Conforme mencionou no início de seu voto, o Brasil é o quarto país do mundo em casos de fetos anencefálicos, ficando atrás do Chile, México e Paraguai. A incidência é de aproximadamente um em cada mil nascimentos.

50

5.12 CONSIDERAÇÕES FINAIS Antes de tudo é preciso garantir a dignidade da pessoa

antes do nascimento até o seu fim, garantindo o direito mais sagrado e inviolável que é o direito a vida.

Havendo colisão entre direitos fundamentais somente no caso concreto poderá decidir sobre um bem que prevalecerá sobre o outro, vislumbrando que os direitos do nascituro por estarem ligados diretamente à sua vida e aos interesses de sua saúde física e mental, preponderam sobre os demais, atraindo a mais ampla proteção estatal.

Sempre mais razoável defender os interesses do nascituro em relação a sua mãe ou o próprio Estado.

Prevalecendo ainda o direito do nascituro em relação à prática de exercícios físicos da genitora na gestação, assim como a uso de bebidas alcoólicas ou substancias de efeitos análogos, e ainda ao cumprimento de pena junto com a genitora, já que em um ambiente altamente prejudicial a sua saúde física e mental, podendo ceder espaço talvez no caso de escolha entre a vida da mãe em sacrifício da do próprio filho, mas deixando um

47 GENEVOIS, M. Direitos humanos na história. Disponível em:

<thttp://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/margarid.htm>. Acesso em 20 out. 2015. 50 47 Ibidem.

O direito à vida do nascituro // 173

alarde que essa ponderação somente poderá ser realizada em confronto com o caso concreto.

Por fim Anencefalia e vida são termos antitéticos, o feto anencefálico não tem potencialidade de vida, trata-se de um natimorto cerebral.

Por ser absolutamente inviável, o anencefálico não tem expectativa nem é ou será titular do direito à vida, sendo assim existe apenas um conflito aparente de direitos fundamentais que não pratica não se exteriorizam.

Na verdade em contraposição aos direitos da mulher, não se encontra o direito à vida ou à dignidade humana de quem está por vir, simplesmente porque não há viabilidade de vida.

Conclui-se que o direito à vida é um direito sagrado, e caso haja conflitos entre direitos fundamentais, apenas no caso concreto deve-se fazer a escolha pelo critério de ponderação sendo o princípio da proporcionalidade que vai indicar qual o direito que, na situação concreta, está ameaçado de sofrer a lesão mais grave caso venha a ceder o exercício do outro e por essa razão deva prevalecer.

5.13 REFERÊNCIAS

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= VI =

O DIREITO À VIDA E A PROBLEMÁTICA DA PENA DE MORTE

Márcia Fátima da Silva Giacomelli*

Rafaela Simões dos Anjos** Sarah Somensi de Lima***

6.1 INTRODUÇÃO

O presente artigo visa trazer ao debate a pena de morte,

apresentando aspectos históricos da pena letal no mundo e especificamente na legislação brasileira.

Desde os tempos primórdios da civilização, algumas condutas já eram consideradas crime e reprimidas pela sociedade. Inicialmente, a reprimenda legal era bastante violenta e, constantemente aplicava-se a pena capital, nas mais diversas formas.

Tal questão se faz importante para que se possa entender mais esse instituto penal que, apesar de ser exceção na lei brasileira, vez que somente é prevista a pena de morte no caso de guerra declarada, constantemente volta à tona debates entre os que são a favor e os que a condenam.

Esboçam-se os direitos de personalidade do ser humano, conferindo a este o título de sujeito de direitos.

* Juíza Leiga TJ/PR. Licenciatura em História pela UEM – Universidade Estadual de Maringá e Bacharel em Direito pela Unicesumar – Centro Universitário de Maringá. Especialista em Fundamentos da Educação, Neurociência e Direito Civil e Processo Civil. Mestranda em Direitos da Personalidade pela Unicesumar – Centro Universitário de Maringá. Docente do curso de Graduação de Direito da Faculdade Alvorada em Maringá – PR. Endereço eletrônico: <[email protected]>. ** Advogada com OAB/PR nº 76.301. Conciliadora no TJPR. Graduada em Direito pela Universidade Paranaense (UNIPAR). Mestranda em Direitos da Personalidade pela Unicesumar - Centro Universitário de Maringá. Endereço eletrônico: <[email protected]>. *** Advogada com OAB/PR nº 72.616. Mestranda em Direitos da Personalidade pela Unicesumar - Centro Universitário de Maringá. Endereço eletrônico: <[email protected]>.

178 // Ética e direito à vida: Volume II

Destaca-se que tais direitos foram difundidos após as guerras mundiais e o massacre à dignidade humana e seus direitos daí decorrentes.

Dentre os direitos de personalidade, destaca-se o direito à vida.

Considerado o direito inato e essencial, é a partir dele que surgem os demais direitos e, por isso, o mais importante.

A vida é considerada, ainda, um direito absoluto, que deve ser tutelado contra tudo e contra todos.

Posto isto, questiona-se se: a pena suprema é um atentado ao direito à vida?

De um lado entende-se que o Estado, que tem a obrigação de defender a vida e a dignidade de seus indivíduos, não tem a legitimidade de tirar este direito absoluto deles.

Ademais, coloca-se a possibilidade da ocorrência de um erro judiciário e aplicação da pena capital a um inocente, o que seria irreversível.

Do outro lado, têm-se os entendedores de que ao cometer um crime, o sujeito equipara-se a um animal e, por isso, não tem por que a sua vida ser preservada; argumenta-se também a necessidade de extirpação dos criminosos da sociedade e da consequente diminuição da população carcerária.

Por fim, tenciona-se demonstrar que a pena capital é um atentado ao direito supremo do ser humano e sua aplicação não traz benefício nenhum à sociedade.

Um debate secular que não será resolvido no presente artigo, porém pertinente discuti-lo, analisando-o à luz do ordenamento jurídico e doutrinas existentes.

Para intuir as conclusões trazidas neste artigo, utilizou-se do método científico indutivo, partindo das questões particulares pertinentes ao tema, para as conclusões gerais, sobre as questões objetos deste estudo.

O direito à vida e a problemática... // 179

6.2 HISTÓRICO DA PENA DE MORTE

6.2.1 Histórico da pena de morte no Brasil Antes mesmo da descoberta do Brasil os índios que aqui

viviam já aplicavam a pena letal para punirem seus infratores. Após a descoberta do Brasil pelos portugueses, estes

puniam os infratores com o enforcamento ou esquartejamento em praça pública, sem qualquer chance de defesa por parte do acusado.

Os negros africanos trazidos para o Brasil criaram diversas formas de luta contra a escravidão a que eram submetidos aqui.

Diante de tal luta, os portugueses criaram uma legislação punitiva rigorosa. O quilombo e outras formas de resistência à escravidão foram duramente reprimidos com punição de morte.

Com o intuito de fazer de exemplo aos outros escravos, a pena de morte era aplicada das formas mais violentas. Ocorreu muito o esquartejamento seguido da exposição em praça pública da cabeça e partes do corpo dos condenados.

Para punir os escravos que promoviam as rebeliões, usou-se a forca e o fuzilamento.

Em 1789, na então capitania de Minas Gerais eclodiu a Inconfidência Mineira de natureza separatista. Os inconfidentes lutavam contra a opressão do governo português no período colonial, a execução da derrama e o domínio português.

A tentativa separatista foi abortada governo português e em 1792, após três anos de processo, o inconfidente Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi o único condenado à pena letal pelo crime de traição contra o rei. Tiradentes foi enforcado em praça pública e teve sua cabeça exposta na entrada da cidade de Vila Rica.

Em 1822 o Brasil tornou-se independente e em 1824 foi promulgada a primeira Constituição Federal brasileira, a qual ainda sustentava a pena capital.

Somente em 1891 com a promulgação da primeira Constituição Republicana, a pena de morte foi abolida no Brasil. Em seu artigo 72, § 21, a Constituição Federal de 1891 previa: “Fica igualmente abolida a pena de morte, reservadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra”.

180 // Ética e direito à vida: Volume II

A Constituição seguinte, de 1934, seguiu a anterior no que tangia à pena de morte.

Em 1937 com a instituição do Estado Novo por Getúlio Vargas, foi promulgada uma Constituição Federal ditatorial e como tal violava os direitos fundamentais. A pena de morte voltou à legalidade em casos de crime que ferissem a preservação das instituições governamentais.

Abolida a ditadura do Estado Novo, a Lei Magna de 1937 deu lugar para a Constituição Federal de 1946, também chamada de “A Redemocratizadora”, proibindo definitivamente a pena de morte, salvo sob casos específicos em tempos de guerra, onde haja crime de traição à nação.

Noutra ocasião, em 1964, o país viveu outra a ditadura, agora militar. Promulgou-se em 1967 uma nova Lei Magna, extremamente ditatorial, restringia dos direitos fundamentais já conquistados, previa cesura, suprimiu eleições para Presidente da República, Governadores, Prefeitos das Capitais e das áreas de segurança Nacional e, é claro, previa a temida pena letal.

Em 1969 houve a Edição do Ato Institucional nº 14º qual previa a pena de morte nos casos de guerra externa psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva nos termos que a lei determinar.

O §2º, do artigo 3º do Decreto-Lei nº 314, de 13 de março de 1967 define que:

A guerra psicológica adversa é o emprego da propaganda, da contrapropaganda e de ações nos campos político, econômico, psicossocial e militar, com a finalidade de influenciar ou provocar opiniões, emoções, atitudes e comportamentos de grupos estrangeiros, inimigos, neutros ou amigos, contra a consecução dos objetivos nacionais.

Com o esgotamento do regime militar e o desejo da

sociedade de retornar ou construir um regime democrático, outorgou-se em 1988 a atual Constituição Federal.

Caracterizada como democrática e assegurando o direito à vida a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, em seu artigo 5º, inciso XLVII, alínea “a”, rechaça a pena de morte, excetuando no caso de crime de guerra declarada, de acordo com o art. 84, XIX, da Constituição, o qual, por sua vez, concede poderes ao Presidente da República, autorizado pelo

O direito à vida e a problemática... // 181

Congresso Nacional, para declarar guerra nos casos de agressão estrangeira.

O Código Penal militar brasileiro (Decreto-Lei Nº 1.001, de 21 de outubro de 1969), em seu artigo 55, alínea “a” também prevê a pena de morte para crimes militares em tempo de guerra. O mesmo diploma legal prevê, ainda, que o militar será morto por fuzilamento.

Destaca-se, aqui, que os direitos e garantias fundamentais prescritos no artigo 5º da Constituição Federal não podem ser alterados, pois o artigo 60 da mesma Constituição, confere àquele a qualidade de Cláusula Pétrea, conforme será explorado posteriormente.

Desse modo, jamais haverá a possibilidade da aplicação da pena letal no Brasil em tempo de paz.

6.2.2 Histórico da pena de morte ao redor do mundo

De acordo com Beccaria, a pena de morte é encarada

sob uma ótica reformadora, sendo a certeza da punição o real caminho para a prevenção dos crimes, e não o terror das próprias penas. Segundo o autor: “A finalidade das penas não é atormentar e afligir um ser sensível […]. O seu fim […] é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo1”.

Trata-se da pena mais arcaica e nem sempre estava amparada a um processo, a um código jurídico e por isso ocorreu a execução de muitos inocentes.

Na Grécia antiga os julgamentos aconteciam na ágora e os jurados eram escolhidos entre os cidadãos e as penas variavam conforme a gravidade do delito, sendo a mais cruel a pena capital.

Quando um cidadão era abordado em flagrante, poderia ser executado sem a necessidade de um julgamento. O acusado do delito poderia ser executado a pauladas, apedrejamento ou ainda poderia ser jogado do alto da acrópole.

Aos infratores de classe social mais alta condenados à punição de morte, a execução era por meio de uma bebida à base do suco de planta venenosa, um famoso exemplo da

1 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. 2. ed. São Paulo:

Martin Claret, 2008, p. 29.

182 // Ética e direito à vida: Volume II

pratica a pena de morte, foi a execução de Sócrates, que preferiu a morte a manchar sua cidadania. Cartledge (2009) descreve que “em 399, Sócrates foi acusado de heresia por pequena maioria dos 501 jurados, uma ampla maioria votou pela pena de morte2”.

No Egito a pena de morte era aplicada quando o acusado mentia ao tribunal. A punição letal poderia custar não só a vida do acusado, mas também o de toda a sua família. Entretanto esta penalidade não era empregada quando a mulher era a criminosa, neste caso o marido não seria morto com ela.

Eram considerados crimes graves no Egito os cometidos contra o estado, o rei e ainda no roubo as tumbas. As execuções ocorriam pela empalação no estomago, pela queima do condenado vivo ou pela entrega do criminoso aos crocodilos. Nos crimes contra o rei, o acusado ao final do julgamento era convidado a se matar.

A Idade Média foi marcada pelos movimentos do absolutismo e da inquisição que utilizavam a pena letal para punir os que ousavam infringir as regras por eles postas.

A Inquisição era o tribunal eclesiástico instituído pela Igreja católica no começo do XIII. Objetivava investigar e julgar sumariamente pretensos hereges e feiticeiros, acusados de crimes contra a fé católica. A utilização de fogueiras como maneira de aplicar a pena de morte aos condenados pela Inquisição era o método mais famoso de aplicação da pena capital, embora existissem outros.

O absolutismo, por sua vez, era um regime político caracterizado pela concentração de poderes nas mãos dos monarcas e justificava a imposição da pena de capital na teoria de que a autoridade e legitimidade do monarca advinha de mandamento Divino, sendo aquele enviado por Deus para governar os outros homens.

No século XVII, com a ascensão do Iluminismo e Humanismo, valores como a dignidade da pessoa humana, a igualdade e a liberdade foram difundidos pelo mundo, iniciando uma onda abolicionista da pena de morte.

Portugal foi o primeiro país a abolir totalmente a pena de morte, em 1867.

2 CARTLEDGE, Paul (org.). História Ilustrada Grécia Antiga. 2. ed.

São Paulo: Ediouro, 2009, p 236.

O direito à vida e a problemática... // 183

Após o término da Segunda Guerra Mundial a luta abolicionista ganhou força com países europeus como Alemanha, Itália e Inglaterra.

Em 1953 na Convenção Europeia de Direitos Humanos, a União Europeia formulou o protocolo n º 6 vedando a pena de morte com exceção aquelas aplicadas em tempo de guerra.

Atualmente, nenhum Estado-membro da União Europeia apena, em tempo de paz, seus infratores com a morte. Porém, não é esta a realidade em muitos países.

O crime de tráfico de drogas, no Brasil equiparado aos hediondos, é punido com a morte na China, Indonésia, Tailândia, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Irã, Iêmen, Malásia, Paquistão, Qatar.

Execuções púbicas ocorrem em quatro países: Irã, Coréia do Norte, Arábia Saudita e Somália.

Na mesma linha do Brasil, a Suíça, Itália, Espanha e Inglaterra a pena de morte só é prevista em tempos de guerra.

Os Estados Unidos conferem aos seus estados o poder de legislar sobre o tema; dessa maneira a pena de morte é aplicável em 34 dos 55 estados.

Destacam-se alguns países que a pena letal foi totalmente abolida: Alemanha, Áustria, França, Portugal, Escandinava, Austrália, Filipinas, Venezuela, Peru, entre outros.

6.3 DIREITOS DA PERSONALIDADE

Quando se fala em direitos da personalidade é

importante destacar antes de tudo que tais direitos são resultantes de um processo histórico que remonta desde a Grécia antiga e vem ao longo dos anos se aperfeiçoando e cada vez mais destacando o ser humano como sujeito de direitos.

O Cristianismo teve seu papel fundamental para os direitos da personalidade, pois foi através dele que o ser humano tornou-se um ser individualizado, na medida em que era se assemelhava à Deus.

Avançando um pouco mais na história, nota-se que a partir das duas grandes guerras mundiais houve uma profunda mudança econômica e social. Com o regime totalitário dominante na Europa, havia um total desrespeito para com a vida humana, e com seu fim, o povo despertou para uma nova

184 // Ética e direito à vida: Volume II

realidade: “a de proteger, sob todos os aspectos, os valores da personalidade e a importância do indivíduo como ser humano3”.

Szaniawski continua sobre o assunto: “Em virtude desse fato terrível, os constituintes deram prevalência nas Constituições promulgadas a partir do pós guerra, à tutela especial do indivíduo como pessoa, à proteção de sua personalidade e à garantia da salvaguarda da dignidade do ser humano4”.

Elimar Szaniawski ainda afirma que: [...] a valorização da pessoa como ser humano e a salvaguarda da sua dignidade, recoloca o indivíduo como ponto nuclear, como primeiro e principal destinatário da ordem jurídica [...] a personalidade humana consiste no conjunto de características da pessoa, sua parte mais intrínseca [...] a ordem jurídica tem por principal destinatário o ser humano, protegendo sua dignidade e garantindo-lhe o livre desenvolvimento da personalidade5.

Por todas essas citações percebe-se a importância que

o homem alcançou ao longo da história e depois de tantas lutas. O homem hoje é o indivíduo mais importante e o destinatário do ordenamento jurídico. Hoje, cada ser que nasce, já nasce com seus direitos da personalidade, todos garantidos constitucionalmente.

Os direitos da personalidade são importantes para dar proteção à dignidade do ser humano. Pontes de Miranda escreve sobre o tema: “o direito de personalidade, os direitos, as pretensões e ações que dele se irradiam são irrenunciáveis, inalienáveis, irrestringíveis. São direitos irradiados dele os de vida, liberdade, saúde (integridade física e psíquica), honra, igualdade6”.

Rizzardo nos traz alguns esclarecimentos acerca dos direitos da personalidade:

3 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. 2. ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 57. 4 Ibidem. 5 Ibidem. 6 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo I. Atual. Vilson Rodrigues Alves. 2. ed. Campinas:

Bookseller, 2000, p. 216.

O direito à vida e a problemática... // 185

Trata-se dos direitos decorrentes da personalidade, que vêm do nascimento, sendo intransmissíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis e inegociáveis. São essenciais à plena existência da pessoa humana, à sua dignidade, ao respeito, à posição nas relações com o Estado e com os bens, à finalidade última que move todas as instituições, eis que tudo deve ter como meta maior o ser humano7.

Nota-se pelos sábios dizeres do autor, que os direitos da personalidade são inerentes ao ser humano, nascem com ele e com ele permanece até o fim da vida, sendo além de tudo irrenunciáveis. É necessário que haja essa discussão acerca do tema, pois tendo o ser humano direitos da personalidade, todos, sem exceção devem ser tratados com toda a dignidade e respeito. Roxana Borges também explana a respeito do tema:

Os direitos da personalidade são próprios do ser humano, direitos que são próprios da pessoa. Não se trata de direito à personalidade, mas de direitos que decorrem da personalidade humana, da codificação de ser humano. Com os direitos da personalidade, protege-se o que é próprio da pessoa, como o direito à vida, o direito à integridade física e psíquica, o direito à integridade intelectual, o direito ao próprio corpo, o direito ao nome, dentre outros. Todos esses direitos são expressões da pessoa humana considerada em si mesma. Os bens jurídicos mais fundamentais, primeiros, estão contidos nos direitos da personalidade8. Adriano De Cupis trata dos direitos essenciais dos indivíduos:

Existem certos direitos sem os quais a personalidade restaria uma suscetibilidade completamente irrealizada, privada de todo valor concreto: direitos sem os quais todos os outros direitos subjetivos perderiam todo o interesse para o indivíduo – o que equivale a dizer que, se eles não existissem, a pessoa não existiria como tal. São esses os chamados “direitos

7 RIZZARDO, Arnaldo. Parte geral do código civil: lei n. 10.406, de

10.01.2002. 4. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 151. 8 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 21.

186 // Ética e direito à vida: Volume II

essenciais” com os quais se identificam precisamente os direitos da personalidade9.

6.3.1 O direito à vida como direito da personalidade

A Constituição Federal em seu artigo 5° assegura a

todos o direito à vida: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Para o doutrinador De Cupis, o direito à vida se trata de um direito essencial entre os essenciais e inato. Para ele, direitos essenciais são aqueles que possuem por objeto os bens mais elevados, ou seja, que se sobrepõe a outros. No caso, o direito à vida é notadamente um bem elevado, no qual sem ele não existiriam os demais direitos. Além disso, o simples fato do indivíduo ter personalidade já o torna detentor do direito à vida, por isso, é direito inato10.

Alexandre de Moraes também considera o direito à vida o mais fundamental de todos, isso porque, esse direito vem antes dos demais, sem ele não existe os outros11.

Luiz Flávio Gomes, também traz seu entendimento “não se pode ignorar que o valor vida conta com prioridade (ou seja: prepondera sobre qualquer outro direito. O direito à vida é inderrogável e inviolável (CF, art. 5º caput), ou seja, não pode ser restringido nem sequer em época de exceção12”.

Sobre a importância do direito à vida, o Ministro Gilmar Mendes afirma que:

[...] dada a capital importância desse direito e em reconhecimento de que deve ser protegido, sobretudo nos casos em que seu titular se acha mais vulnerável a Constituição Federal, no artigo 227, dispõe ser dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao

9 DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. Trad. Afonso

Celso Furtado Rezende. 2° Ed. – São Paulo: Quorum, 2008, p. 24. 10 Ibidem, p. 72. 11 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo:

Editora Atlas, 2000, p. 61. 12 GOMES, Luiz Flávio. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo:

RT, 2009, p. 36.

O direito à vida e a problemática... // 187

adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida.[...]Proclamar o direito à vida responde a uma exigência que é previa ao ordenamento jurídico, inspirando-o e justificando-o. Trata-se de um valor supremo na ordem constitucional que orienta, informa e dá sentido último a todos e demais direitos fundamentais13.

Dalmo Dallari, traz um esclarecedor conceito sobre o

direito à vida: “a vida é um bem de todas as pessoas, de todas as idades e de todas as partes do mundo. Nenhuma vida humana é diferente de outra, nenhuma vale mais nem vale menos do que outra. E nenhum bem humano é superior à vida14”.

Maria Helena Diniz discorre acerca do tema: O direito à vida, por ser essencial ao ser humano, condiciona os demais direitos da personalidade. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, caput, assegura a inviolabilidade do direito à vida, ou seja, a integralidade existencial, consequentemente, a vida é um bem jurídico tutelado como direito fundamental básico desde a concepção, momento específico, comprovado cientificamente, da formação da pessoa. Se assim é, a vida humana deve ser protegida contra tudo e contra todos, pois é objeto de direito personalíssimo. O respeito a ela e aos demais bens ou direitos correlatos decorre de um dever absoluto erga omnes, por sua própria natureza, ao qual a ninguém é lícito desobedecer... Garantido está o direito à vida pela norma constitucional em cláusula pétrea,

que é intangível, pois contra ela nem mesmo há o poder de emendar...tem eficácia positiva e negativa... A vida é um bem jurídico de tal grandeza que se deve protegê-lo contra a insânia coletiva, que preconiza a legalização do aborto, a pena de morte e a guerra, criando-se normas impeditivas da prática de crueldades inúteis e degradantes... Estamos no limiar de um grande desafio do século XXI, qual seja, manter o respeito à dignidade humana15.

13 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4. ed. São

Paulo: Saraiva, 2009, p. 394. 14 DALLARI, Dalmo. Viver em Sociedade: Direito à vida. Disponível em

<http://www.dhnet.org.br/educar/redeedh/bib/dallari.htm> Acesso em: 19 nov. 2015. 15 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo:

Saraiva, 2009, p. 32, 34.

188 // Ética e direito à vida: Volume II

Pode-se dizer que a totalidade dos entendimentos traz o direito à vida como o mais importante, devendo ser tutelado desde a concepção da vida, além disso, deve ser tutelado integralmente, contra tudo e todos. Tem-se pela maioria, ser um direito absoluto, no qual não cabe a ninguém desobedecer. É importante ressaltar, que o direito à vida encontra-se na Constituição Federal como cláusula pétrea.

Quem nasce com vida, tem direito à ela, ou seja, como já dito antes, é um direito inato e encontra-se assegurada pelo ordenamento jurídico16.

É importante ressaltar que esse direito deve ser protegido pelo Estado, no entanto, o direito à vida abarca tanto o direito de continuar vivo, como direito de ter uma vida digna17.

Sobre o direito de ter uma vida digna, Dalmo Dallari é esclarecedor:

O respeito à vida de uma pessoa não significa apenas não matar essa pessoa com violência, mas também dar a ela a garantia de que todas as suas necessidades fundamentais serão atendidas. Toda pessoa tem necessidades materiais, as necessidades do corpo, que se não forem plenamente atendidas levarão à morte ou uma vida incompleta, que não se realiza totalmente e que já é um começo de morte. Assim, também, as pessoas têm necessidades espirituais, como a necessidade de amor, de beleza, de liberdade, de gozar do respeito dos semelhantes, de ter suas crenças, de sonhar, de ter esperança. Todos os seres humanos têm o direito de que respeitem sua vida. E só existe respeito quando a vida, além de ser mantida, pode ser vivida com dignidade18.

Face a todo o exposto, podemos concluir que o direito à

vida é inato, nasce com a concepção e acompanha o indivíduo por toda a vida. É o direito da personalidade mais importante, pois é a partir dele que os outros direitos nascem. Além do mais, o direito a vida abarca não só o direito de continuar vivo como também o direito de viver dignamente. Ninguém tem o direito à

16 MIRANDA. Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial, Tomo VII. 3. ed, reimpressão. Rio de Janeiro:

Borsoi, 1971, p. 14-29. 17 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo:

Atlas, 2000, p. 62. 18 DALLARI, Dalmo. Op. cit., Acesso em: 19 nov. 2015.

O direito à vida e a problemática... // 189

vida exercido plenamente se não puder viver com total dignidade e respeito. 6.4 PENA DE MORTE: UM ATENTADO AO DIREITO A VIDA?

A pena de morte como vimos no item anterior, existe

desde o início da civilização humana, com registro de suas raízes desde o início da organização social do homem.

Tal pena, tem em alguns países previsão e aplicação, até os dias de hoje.

Face disso, podemos diariamente assistir em noticiários reportagens a respeito de prisioneiros, homens, mulheres e crianças que enfrentam essa execução, independentemente do crime por tenham realizado.

No entanto, é necessário nos perguntar: Será mesmo que tal pena é a resposta para a solução da violência instaurado no mundo em que vivemos?

Será que nós seres humanos temos mesmo o direito de atentar a vida de outrem com o objetivo de acabar com a violência? Não estaríamos atentando contra a própria dignidade humana?

Já dizia, Cesare Beccaria: “quem poderia ter concedido a homens o direito de fazer degolar seus iguais? Tal direito não tem por certo a mesma origem que as leis que protegem19”.

Ainda, o a nossa Constituição Federal em seu artigo 5º previu a proibição dessa pena, nos “Direitos e Garantias Fundamentais”:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

Ao vedar a pena de morte na nossa legislação, nítido

está a proteção dos princípios que norteiam e caracterizam um

19 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Martin

Claret, 2002, p. 51.

190 // Ética e direito à vida: Volume II

Estado Social Democrático de Direito. Esse princípio é o da dignidade da pessoa humana e o princípio do direito à vida.

O direito à vida em nosso ordenamento jurídico é colocado no topo dos direitos e garantias fundamentais, pois é considerado um direito de primeira grandeza.

Alexandre de Moraes discorre que “O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência de todos os demais direitos20”.

Assim, temos que o direito a vida é um direito fundamental, aquele que é inerente a pessoa humana, pré-existentes ao ordenamento jurídico, visto que decorrem da própria natureza do homem. Portanto, são indispensáveis e necessários para assegurar a todos uma existência livre, digna e igualitária.

Dessa forma, como afirma Dias, “matar um Indivíduo humano ou impedi-lo de acessar aos meios necessários para viver – ou deixá-lo morrer – é sempre a máxima agressão à nossa própria dignidade humana, portanto à humanitas vivens que nós somos21”.

Ademais, temos a segurança pública como um direito de todo cidadão brasileiro, garantido pelo Estado, assim como são também tutelados os direitos à vida e à liberdade, entre outros.

Dessa forma, punir é dever do estado como também o é, dar proteção à vida. Neste diapasão seria incoerente, o Estado, que tem a obrigação de defender a vida, direito fundamental do ser humano, tirá-la.

Adotada em grau exceptio, a pena de morte, tem sua razão na própria existência do cenário bélico; que não deixa de ser construído a partir do instrumento da resistência com finalidade de proteção do Estado, que por sua vez, é guardião da família, da cultura, dos homens22.

Assim, a pena de morte, que também é conhecida como pena capital “aniquila o Ser, em absoluto (...). Matar o

20 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo:

Atlas, 2004, p. 65. 21 DIAS, José Francisco de Assis. Pena de morte e aborto procurado:

o problema da pena de morte e do aborto procurado no pensamento de Norberto Bobbio. Sarandi: Humanitas Vivens, 2009, p. 127. 22 AMARAL, A. R. Pena de morte. Disponível em:

<http://carneiro.jusbrasil.com.br/artigos/111686526/pena-de-morte>. Acesso em 24 nov. 2015.

O direito à vida e a problemática... // 191

delinquente equivale a cometer um delito contra a sua própria essência23”.

Tal pena “é e será sempre uma agressão, mesmo que instituída e constitucionalmente aceita pela autoridade pública24”.

Em nosso país o direito à vida, não é puramente jurídica, como preceitua Amaral:

[...] a Constituição Federal onde se é previsto este direito, é uma carta política. Logo, a Lei Maior ao garantir tal direito, não o garantiu de forma aleatória ou simplesmente às escuras, ela baseou-se no cenário político-social brasileiro, que apesar de ser um país laico, tem origem cristã, desta forma tendo herdado em sua cultura dogmas do cristianismo, estando entre esses dogmas o direito à vida25.

O direito à vida é tido como insuscetível de valoração,

dessa forma, não se pode substituir a vida por qualquer valor econômico, uma das razões que não se admite pena de morte em nosso país.

Não há comprovação, que a pena de morte possa ser causa de diminuição da violência, ou que tenha diminuído a prática de pessoas em crimes que aceitam esse tipo de pena, no entanto, encontramos quem defende a pena de morte, pois há os que entendem, que se o homem ao cometer um crime rompe a barreira humana tornando-se um animal, sendo assim, porque sua vida deveria ser preservada?

Nas palavras de Aydos:

O que há de sagrado na vida que desrespeita outra vida? Se a sociedade atual fundamenta-se na exclusão (e se não pretendemos modificá-la) por que, em lugar de isolar, não aniquilar de uma vez o inimigo, solução final desde que a prisão não funciona?26

23 DIAS, José Francisco de Assis. Direitos Humanos: Fundamentação

Onto-teleológica dos Direitos Humanos. Maringá: Unicorpore, 2005, p. 370. 24 Ibidem. 25 AMARAL, A. R. Op. cit. Acesso em 24 nov. 2015. 26 AYDOS, Marco Aurélio Dutra. Ilustres assassinos: ensaio contra a

pena de morte. São Paulo: Editora Acadêmica, 1992, p. 7.

192 // Ética e direito à vida: Volume II

Entendem aqueles que defendem a pena capital, que com critérios a fim de não cometer injustiça, devem os criminosos que lesam a nossa sociedade serem extirpados desse mundo, impossibilitando-os de qualquer tipo de reintegração ao convívio social, assim, livrando a sociedade de criminosos perigosos e sem nenhuma possibilidade de serem inseridos no meio social.

Ainda, entendem os favoráveis a pena de morte, que: [...] com a sua aplicação, diminuir-se-ia a superpopulação carcerária, evitando, com isso, o grande número de rebeliões e fugas, como também o dispêndio com a manutenção dos presídios já existentes e com a construção de novas casas prisionais. Para eles, esse dinheiro deveria ser usado na melhoria de vida da população brasileira, como a saúde e a educação27.

Todavia, devemos nos lembrar que a vida depois de

extirpada ela é irreversível, ai o que fazer no caso de um erro judiciário, por exemplo?

Como poderá esse julgamento de uma pessoa inocente ser revertido, se não mais existe a vida daquele ser humano condenado por algo que não foi ele quem cometeu?

Pois não devemos ser hipócritas a ponto de acreditar que o judiciário não é vulnerável e passível de erros, pois como bem pondera Souza “nenhum sistema é, nem será, capaz de decidir com justiça, com consistência e sem falhas28”.

E com a pena de morte, o bem mais precioso do ser humano se esvai, ou seja, a vida. E quem somos nós para tirar a vida do ser humano?

Uma afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana. O maior bem da humanidade, a vida, e ninguém deve ter o direito de eliminá-la.

Segundo Silva “A dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida29”.

27 SOUZA, J. F. S. Pena de Morte: Solução da violência ou violação do

direito à vida? Revista da Direito e Liberdade. Mossoró, v. 7, n. 3, jul/dez 2007, p. 171. 28 SOUZA, J. F. S. Op. cit., p. 174. 29 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo.

22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 37.

O direito à vida e a problemática... // 193

Ainda Souza: “Se não houver respeito pela vida humana, ou não for reconhecido que ela é o nosso maior bem, acima de qualquer outro bem do homem, o mundo entrará num completo caos, pois não haverá mais respeito a qualquer valor, e ninguém terá segurança30”.

Amaral, prega: O direito à vida é anterior ao homem, assim, não é direito em sentido formal, mas sim em sentido material, que só é suscetível de apreciação após a existência do homem, momento em que poderá ser considerado também direito em sentido formal. Destarte, os direitos humanos não podem estar sujeitos a arbitrariedade do estado. O homem criou o estado porque é vivo, mas a vida não foi determinada pelo homem31.

O direito à vida humana encontra-se protegido como já

citado, na nossa constituição em seu artigo 5º, significando o primeiro direito ao ser humano, antecedendo a existência da própria pessoa.

Segundo José Afonso da Silva, o direito de existir “consiste no direito de estar vivo, de lutar para viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo. É o direito de não ter interrompido o processo vital senão pela morte espontânea e inevitável32”.

Assim, podemos perceber que a vida é o bem mais protegido no nosso ordenamento, é o maior dos direitos fundamentais, devendo o Estado a obrigação de resguardá-lo.

Eis que as agressões contra a dignidade atentam contra a própria humanidade do indivíduo, cabendo ao Estado, por sua vez, não apenas coibi-las, mas proteger ativamente a vida humana, sendo esta a própria razão de ser do Estado, eis a importância da eficácia do Princípio da dignidade humana.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, afirma que ninguém deverá ser sujeitado a tortura ou a tratamento ou castigo cruel, desumano e degradante, a pena de morte viola estes direitos.

30 SOUZA, J. F. S. Op. cit., p. 175. 31 AMARAL, A. R. Op. cit. Acesso em 24 nov. 2015. 32 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 2001.

194 // Ética e direito à vida: Volume II

Destaca, Silva, sobre o assunto enfatizando sobre a impossibilidade de coexistência do direito à vida e a pena de morte:

Ao direito à vida contrapõe-se a pena de morte. Uma constituição que assegure o direito à vida incidirá em irremediável incoerência se admitir a pena de morte, é da tradição do Direito Constitucional brasileiro vedá-la, admitida só no caso de guerra externa declarada, nos termos do art. 84, XIX (art. 5º, XLVII, a), porque, aí, a Constituição tem que a sobrevivência da nacionalidade é um valor mais importante do que a vida individual de quem porventura venha a trair a pátria em momento cruciante33.

Segundo os preceitos de Gilmar Mendes: A existência humana é o pressuposto elementar de todos os demais direitos e liberdades dispostos na Constituição. Esses direitos têm nos marcos da vida de cada indivíduo os limites máximos de sua extensão concreta. O direito à vida é a premissa dos direitos proclamados pelo constituinte; não faria sentido declarar qualquer outro se, antes, não fosse assegurado o próprio direito de estar vivo para usufruí-lo. O seu peso abstrato, inerente à sua capital relevância, é superior a todo outro interesse34.

Bobbio aponta que:

Considerando do ponto de vista do direito à vida, o problema da pena de morte insere-se no debate geral sobre o direito à vida em sentido estrito e, por conseguinte, sobre o fundamento de validade, e eventualmente, sobre os limites da norma “não matarás”.35

A Santa Sé, CIDADE DO VATICANO, em declaração

emitida por ocasião do congresso mundial sobre a pena de morte, qualificou esta prática de “ofensa à dignidade humana”.

33 Ibidem, p. 200-201. 34 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., p. 393. 35 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier,

2004, p. 191.

O direito à vida e a problemática... // 195

Esse congresso ocorrido em Paris, teve como principal objetivo a discussão da pena de morte, ou seja, a discussão permeia pela abolição dessa pena, tendo em vista, ser uma prática desumana e fere totalmente o princípio da dignidade humana.

Nesta perspectiva, afirma a declaração: “que o uso da pena de morte é não só uma negação do direito à vida, mas também uma ofensa à dignidade humana36”.

Ainda, segundo a Santa Sé: Tais métodos não letais de prevenção e de castigo correspondem melhor às condições concretas do bem comum e estão mais em conformidade com a dignidade da pessoa humana. Toda decisão de pena de morte incorre em numerosos perigos, como o de castigar pessoas inocentes; a tentação de estimular formas violentas de vingança, ao invés de uma justiça social verdadeira; uma ofensa clara à inviolabilidade da vida humana [...] e para os cristãos, um desprezo do ensinamento evangélico sobre o perdão37.

Assim, o que se deve sempre ser considerado é o que

preceitua Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, “todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa. Então, quem somos nós a tirar a vida de outrem, mesmo que este tenha tirado? Pois com certeza, estaríamos cometendo a mesma atrocidade que cometeu o criminoso anteriormente.

6.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pena de morte, se funda na convicção que de

eliminando o ser humano criminoso, será a forma de resolver a criminalidade. Assim, despreza todos os meios proporcionais de resolução de conflitos.

Além de solucionar com a criminalidade, alguns defensores da pena de morte, acreditam ser ela uma economia para o mundo, país, onde ela é instituída, tendo em vista que

36 ZENIT. Pena de morte: uma ofensa a dignidade humana, segundo a

santa sé. Disponível em: <http://www.zenit.org/pt/articles/pena-de-morte-uma-ofensa-a-dignidade-humana-segundo-santa-se>. Acesso em 24 nov. 2015. 37 Ibidem.

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com o dinheiro gasto para manter “criminosos” presos, poderia ser aplicado em outras áreas fundamentais para dar a pessoa humana uma vida digna.

Todavia, não é o ponto de vista dos Direitos Humanos, que luta pela vida, e a considera um direito ímpar, básico e acima de tudo, essencial a todo ser humano.

A vida, direito indisponível, irrenunciável, não pode ser dissipada por uma pena que retira toda a chance da pessoa apontada como criminosa de, em caso de falha, lutar para comprovar a sua inocência, pois depois de retirada, não mais poderá tê-la.

A pena de morte para os defensores de sua extirpação do ordenamento jurídico de muitos países que ainda a mantem, entendem como um retrocesso, pois o Estado foi criado para proteger a vida e os bens comuns dos cidadãos, e não tem direito a eliminar uma vida, pois isso seria contraditório com sua missão, e seria um desrespeito à dignidade da pessoa humana e o direito à vida.

A função do Estado é manter os homens, e não retirá-los da sociedade. Deve ele permitir que haja o seu desenvolvimento e não o seu fim.

Diante dessas considerações, acabar com a pena de morte é reconhecer que esta faz parte de uma política pública destrutiva que não é consistente com os valores universalmente aceites. Promove uma resposta simplista em relação a problemas humanos complexos e acaba por evitar que sejam tomadas medidas eficazes contra a criminalidade.

A pena de morte responde de forma muito superficial ao sofrimento das famílias das vítimas de homicídio e estende esse sofrimento aos entes queridos do prisioneiro condenado.

Bem, além disso, desperdiça recursos que poderiam ser melhor aproveitados na luta contra o crime violento e na assistência aos que dele foram vítimas. A pena de morte é um sintoma de uma cultura de violência, não uma solução para a mesma. É uma afronta à dignidade humana e devia ser abolida.

O direito à vida e a problemática... // 197

6.6 REFERÊNCIAS

AYDOS, Marco Aurélio Dutra. Ilustres assassinos: ensaio contra a pena de morte. São Paulo: Editora Acadêmica,

1992.

AMARAL, A. R. Pena de morte. Disponível em: <http://carneiro.jusbrasil.com.br/artigos/111686526/pena-de-morte>. Acesso em 24 nov. 2015.

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. 2. ed. São

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BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo:

Martin Claret, 2002.

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Elsevier, 2004.

BOGOTÁ. Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Bogotá, abril de 1948, art. 1º. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OEA-Organiza%C3%A7%C3%A3o-dos-Estados-Americanos/declaracao-americana-dos-direitos-e-deveres-do-homem.html>. Acesso em 21 nov. 2015.

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2007.

BRASIL. Ato Institucional nº 14, de 5 de Setembro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-14-69.htm>. Acesso em 18 nov. 2015.

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de Fevereiro de 1891). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm>. Acesso em 18 nov. 2015.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível

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BRASIL. Decreto-Lei nº 314, de 13 de março de 1967. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-314-13-marco-1967-366980-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em 19 nov. 2015.

CARTLEDGE, Paul (org.). História Ilustrada Grécia Antiga. 2.

ed. São Paulo: Ediouro, 2009.

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= VII =

O DIREITO À VIDA E O SUICÍDIO ASSISTIDO FRENTE A DIGNIDADE HUMANA

Andréa Silva Albas Cassionato*

Fernando Cézar Lopes Cassionato** Jose Francisco de Assis Dias***

7.1 INTRODUÇÃO

O direito à vida é o ponto de partida para a existência

humana e a para a existência de todos os direitos. A importância desse direito é representada de forma

clara pela sua condição de pertencer, concomitantemente, as três dimensões de direito: humano, fundamental e de personalidade.

* Especialista em Direito Civil e Processo Civil e mestranda em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de Maringá/PR. Endereço eletrônico: <[email protected]>. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4275817652253513 ** Possui graduação em Direito pela Associação Educacional Toledo (2004). Atualmente é oficial/tabelião - REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS E TABELIONATO DE NOTAS DE NARANDIBA. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Notarial e Registral. Especialista em Direito Imobiliário, Direito Notarial e Registral e Direito Público. Estudante regular do curso intensivo válido para doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, Argentina. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2332428846956396 *** Professor doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Urbaniana, Cidade do Vaticano (2003-2005); doutor em Filosofia pela mesma Pontifícia Universidade (2006-2008). Atualmente é Professor de Filosofia do Direito na Graduação, Pós-graduação e Mestrado em Direito; e também professor de Filosofia e Ética, no Mestrado em Gestão do Conhecimento nas Organizações, no UNICESUMAR; coordenador do projeto de pesquisa FUNDAMENTAÇÃO ONTOLÓGICA DO DIREITO À VIDA E SEUS LIMITES INICIAIS E FINAIS; membro do Grupo de Pesquisa EDUCAÇÃO E GESTÃO NAS ORGANIZAÇÕES.

202 // Ética e direito à vida: Volume II

Por essa razão que, para melhor compreensão do direito à vida, faz-se necessário o estudo dos direitos humanos, fundamentais e de personalidade.

Imaginando-se possível, a subsunção de todos esses direitos contempla o total e absoluto respeito à dignidade humana.

A dignidade humana, que hoje é o tema mais controverso no Direito, constitui um dos fundamentos do estado democrático de direito, é reconhecida hoje de forma uníssona como um princípio aplicável a todos os ramos do direito.

Apesar de não se saber exatamente o que constitui exatamente a dignidade humana, esta tornou-se um princípio com força de norma conforme o neoconstitucionalismo pós-positivista fundado em Ronald Dworkin.

Diante disso, a dignidade humana sustenta qualquer teoria que envolva garantia à eficácia de direitos e, por essa razão, é o grande paradigma para a solução de casos concretos onde há antinomia jurídica.

Dentre esses casos difíceis pode-se enquadrar o direito do indivíduo ao suicídio assistido. A escolha entre ter uma vida indigna para garantir o direito à vida gera uma evidente antinomia sobre a qual o direito deve debruçar-se.

O direito à vida poderia ser renunciado com o objetivo precípuo de garantir ao indivíduo uma morte digna. Por óbvio que a escolha de suicidar-se é livre, e sobre isso não há como o Estado agir. No entanto, a assistência ao suicídio pode ser proibida e punida pelo Estado justamente no intuito de garantir plenamente o direito à vida.

7.2 DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS

Como o direito à vida é um direito humano, fundamental

e de personalidade, faz-se importante um breve relato histórico acerca da origem desses direitos na sociedade moderna.

A Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) foi o marco histórico na luta pela garantia dos direitos e liberdades fundamentais.

Com o fim da guerra todo o terror do holocausto foi exposto ao mundo: genocídio, torturas, cárceres privado, etc. Houve total e absoluto desrespeito às garantias fundamentais do ser humano. Aqueles que não eram arianos não eram

O direito à vida e o suicídio... // 203

considerados pessoas e, por essa razão, podiam ser tratados como animais. Eram capturados, destituídos de qualquer personalidade, perdiam sua identidade e seu nome e ganhavam um número através do qual eram reconhecidos. E o mais aterrorizante é que tudo o que foi feito era absolutamente LEGAL. Os estados do Eixo editaram leis que justificavam toda a atrocidade ocorridas em seus territórios. Essa experiência histórica demonstrou os danos imensuráveis que um governante tirano pode causar à seus governados.

Com o fim da guerra os líderes mundiais vencedores (os Aliados) uniram-se no intuito de produzir documentos internacionais capazes de afirmar e garantir os direitos e liberdades fundamentais em todo o mundo.

A esse respeito merece destaque a Carta das Nações Unidas de 1945 e a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948.

Quando elaborada em São Francisco, nos Estados Unidos da América, a Carta das Nações Unidas teve como fundamento justamente a união dos países para preservar a paz mundial e lutar, se necessário, pelos direitos e liberdades individuais1.

Vale transcrever o belo introito: NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.

A Declaração de Direitos do Homem de 1948 já tratou,

em seu primeiro artigo, de garantir a liberdade e dignidade do indivíduo, nos seguintes termos2:

1 Carta das Nações Unidas - ONU, 1945. 2 Declaração Universal dos Direitos Humanos - ONU, 1948.

204 // Ética e direito à vida: Volume II

Artigo 1. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Por óbvio que há várias discussões a respeito da

efetividade desses direitos. Uma delas consiste em como proceder nos Estados que não são signatários dos referidos documentos internacionais e, portanto, em tese não teriam a obrigação de garantir esses direitos, fato comum no mundo árabe, por exemplo.

Mas fato é que a grande maioria (senão todos) os países do mundo ocidental aderiram aos principais documentos internacionais que tratam dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo e da coletividade. Além disso, todo o indivíduo humano deve ter seus direitos fundamentais garantidos, sendo ou não signatários dos documentos internacionais.

Sobre o assunto, Daniel Sarmento3 leciona que: Por isso, consideramos, sobre todos os aspectos, preferível a idéia de que os direitos humanos, conquanto tenham se originado de fato do pensamento ocidental, se universalizaram e constituem imperativos éticos que protegem todo e qualquer ser humano, independentemente do seu país ou cultura.

Por essa razão que a dignidade humana ganhou o

cenário mundial com o principal objetivo a ser alcançado por todo e qualquer Estado na condição de direito humano e fundamental, ao passo que está prevista tanto em tratados internacionais quanto na Constituição Federal (legislação interna).

Os direitos fundamentais têm como características: 1) Fundamentalidade: a alguns direitos fundamentais

que não se aplicam algumas características. Mas em regra todas as características são aplicadas. A fundamentalidade pode ser vista de duas dimensões:

a) Formal: os direitos fundamentais são positivados, uma vez que se encontram previstos na Constituição Federal.

3 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro Lumen Juris, 2006, p. 20/21.

O direito à vida e o suicídio... // 205

b) Material: os direitos fundamentais possuem uma base axiológica no núcleo normativo.

2) Historicidade: possuem caráter histórico, nascendo com o cristianismo, passando pelas diversas revoluções e chegando aos dias atuais. Para que os direitos elencados do artigo 5º ao artigo 17 da Constituição Federal fossem positivados houve uma longa trajetória histórica, sendo que surgiram de forma gradual, de tal forma que cada um deles nasceram em momentos históricos distintos.

3) Universalidade: os direitos fundamentais existem em todos os tempos, em todos os lugares e são inerentes a todos os seres humanos. Mesmo que alguns tenham uma concepção diferente, os direitos fundamentais devem existir em todo o mundo.

4) Inalienabilidade: não podem ser doados, permutados, transferidos porque são inerentes à pessoa, de tal forma que a ela não compete abdicar de um direito fundamental.

5) Inexauribilidade: apesar de existir previsão constitucional expressa dos direitos fundamentais referido rol não se exaure: impossível esgotá-los. Por maior amplitude que possua o rol não é taxativo. Tem-se como exemplo o parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição Federal que classifica o referido artigo como cláusula aberta, passível de recepcionar outros direitos.

6) Aplicabilidade Imediata: antes da Constituição Federal de 1988 os direitos constitucionais previstos passavam a ser vigentes somente após a promulgação de lei que regulamentasse o tema. Contudo, atualmente há o parágrafo 1º do artigo 5º que garante a aplicabilidade imediata de todos os direitos fundamentais.

7) Positividade: é uma consequência da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que determina ao estado democrático de direito instituir a separação dos poderes e estabelecer um rol de direitos individuais, posteriormente ampliados para os direitos fundamentais através de suas Constituições. No Brasil, o rol de direitos fundamentais encontra-se nos já citados artigos 5º a 17 da Constituição Federal.

8) Transindividualidade: isso ocorre porque há certos direitos que não são titularizados por um único indivíduo, mas por uma pluralidade de indivíduos concomitantemente. Eles transcendem a esfera individual.

206 // Ética e direito à vida: Volume II

9) Complementariedade: os direitos fundamentais complementam um ao outro de tal modo que somente ter-se-á acesso a todos os direitos fundamentais se tiver um contato inicial com um deles. Exemplos: para exercer adequadamente o direito fundamental de exercício político é preciso que tenha exercido os direitos fundamentais de educação, alfabetização e informação; para exercer o direito ao contraditório e a ampla defesa previstos no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, é preciso ter prévio acesso ao Poder Judiciário através do exercício do direito de ação. No entanto, é importante frisar que nem todos os direitos fundamentais necessitam dessa complementariedade, tal como o direito à vida, que existe por si só.

10) Imprescritibilidade: tanto o exercício quanto a validade dos direitos fundamentais são imprescritíveis.

11) Indivisibilidade: significa que seu conteúdo elementar não pode ser tocado, cindido, fragmentado.

12) Vinculatividade: os direitos fundamentais vinculam o poder estatal, o poder privado, e indivíduos. Essa vinculatividade incide no Brasil desde 1988, através da Constituição Federal. Os poderes do Estado estão vinculados da seguinte forma:

a) Legislativo: não pode produzir leis que contrariem/violem direitos fundamentais e, do mesmo modo, devem elaborar normas que promovam tais direitos.

b) Executivo: na elaboração de políticas públicas deve-se levar em consideração os direitos fundamentais, sobretudo em países com déficit orçamentário como o Brasil.

c) Judiciário: também está vinculado aos direitos fundamentais quando da aplicação do direito ao caso concreto através da análise da existência de um direito fundamental a ser protegido e, de fato, protegê-lo.

Através dessas características é possível analisar o direito à vida e se é possível escolher o modo como irá exercê-lo.

O direito à vida e o suicídio... // 207

7.3 O PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO O neoconstitucionalismo, uma nova forma de interpretar

e aplicar as constituições dos Estados e seus preceitos, possui como fundamento o PÓS-POSITIVISMO.

O pós-positivismo jurídico consiste em um pensamento jusfilosófico responsável por inovar os conceitos dos pilares básicos do constitucionalismo. Essas inovações são importantes para melhor compreensão das consequências do pós-positivismo no constitucionalismo contemporâneo.

Dentre os pilares do constitucionalismo vale citar as teorias da norma, das fontes e a da interpretação.

Na teoria da norma, a norma jurídica foi destituída de toda a carga positivista abrangendo, além das leis, das decisões judiciais, dos costumes, da jurisprudência e da doutrina, os PRINCÍPIOS. Entender os princípios como uma norma jurídica reformula toda a teoria da norma.

Na teoria das fontes ocorre o mesmo processo de valorização dos princípios, que deixam de ser fontes secundárias e passam a ser fontes primárias do Direito e, consequentemente, tornam-se capazes de regular condutas.

Na teoria da interpretação foram acrescentados como meios de interpretação das normas jurídicas a hermenêutica, a argumentação jurídica e a tópica. Diante disso, passa a ser evidente a influência direta da jusfilosofia no processo de interpretação jurídica.

O pensador norte americano Ronald Dworkin4 foi o primeiro a defender os princípios como oposição ao positivismo jurídico, propondo, assim, uma ruptura com o sistema positivista. O pós-positivismo é, portanto, o oposto do positivismo na medida em que não sustenta a separação do direito com a moral e a política, e se afasta do jusnaturalismo ao passo que está fundado na racionalidade, como ocorre, por exemplo, na solução de conflitos entre princípios através da ponderação de interesses.

Para o positivismo, a grosso modo, a aplicação do Direito resume-se a uma simples fórmula matemática: se o caso concreto for A, deve-se aplicar a lei A, se B, a lei B.

4 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira.

São Paulo: Martins Fontes, 2002.

208 // Ética e direito à vida: Volume II

Ocorre que o Direito não é uma ciência exata. Uma afirmação tão óbvia mas tão necessária para fundamentar o pós-positivismo. Nele, o princípio é uma norma jurídica e pode ser aplicado a toda e qualquer situação em qualquer lugar do globo. Assim, os países que possuem interesses em comum, tais como o de garantir o respeito à dignidade humana aderem ao princípio não mais como meio de auxiliar na interpretação das normas, mas sim como principal objetivo a ser atingido pelo Direito5.

Os princípios passaram, portanto, a ser aplicáveis integral e imediatamente em todas as situações, sem a necessidade de normas que a deem eficácia. Nota-se que há nesse processo uma evidente aproximação do Direito com a moral e os valores, o que não ocorria há muito tempo.

A dignidade humana: o objetivo do planeta desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Impossível considerar esse princípio apenas como um meio de interpretação das normas jurídicas. Rebaixar este princípio à menos do que a lei é inconcebível.

Por esse motivo que a teoria de Dworkin é tão clara e aceita pelos juristas atualmente. A dignidade humana é um valor fundamental na ordem jurídica e é capaz de intervir de forma absoluta nas demais normas justamente por ser o “valor dos valores”6, motivo pelo qual sua efetividade DEVE ser promovida pelos Estados.

A fim de atender aos anseios ideológicos tanto internos quando externos, o Brasil incluiu a dignidade humana em sua Constituição Federal como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

5 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, págs. 57/61. 6 REIS, Calyton; PINTO, Simone Xavier. O abandono afetivo do filho, como violação aos direitos da personalidade. Revista Jurídica Cesumar.

Mestrado, Maringá, v. 12, n. 2, p. 503-523, 2012.

O direito à vida e o suicídio... // 209

V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.7

Graças ao pós-positivismo jurídico a dignidade humana

ganhou o status que lhe cabe tanto nas normas jurídicas internas dos Estados quanto nos documentos internacionais.

A localização topográfica da dignidade humana na Constituição Federal de 1988 indica justamente sua importância para o ordenamento jurídico brasileiro. A dignidade humana passou a ser a matriz principiológica de todo o texto constitucional e do ordenamento jurídico. Tornou-se o princípio dos princípios.

Como princípio a dignidade humana é o: [...] mais relevante da nossa ordem jurídica, que lhe confere unidade de sentido e de valor [...]. Além disso, o princípio em questão legitima a ordem jurídica, centrando-a na pessoa humana, que passa a ser concebida como “valor-fonte fundamental do Direito”. Dessa forma, alicerça-se o direito positivo sobre profundas bases éticas, tornando-o merecedor do título de “direito justo.8

Inicialmente a proteção da dignidade humana era tarefa

dos poderes Legislativo e Executivo. Mas conforme foi sendo incorporada em textos legais e tornando-se um conceito jurídico essa função passou rapidamente para o Poder Judiciário.

O que favoreceu de fato a ascensão da dignidade humana como princípio foi justamente o pós-positivismo.9 Considerando tudo o que foi apresentado até o momento, nota-se que já é entendimento pacífico de que as soluções claras e acabadas do direito positivo não são mais suficientes para solucionar as questões altamente complexas da atualidade. Assim, o princípio ganha status de norma jurídica e, como tal, deve possuir aplicação imediata sob qualquer circunstância.

7 Original sem grifos. 8 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 86. 9 Conforme Luís Roberto Barroso. Dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito

jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo horizonte: Fórum, 2013.

210 // Ética e direito à vida: Volume II

Há quem entenda que a dignidade humana constitui um valor absoluto. Principalmente na Alemanha. Entretanto, “[...] no direito não há espaço para absolutos. [...]”10. Se há exceções, não é absoluto. A dignidade humana é um princípio que contempla diversos direitos fundamentais, tais como a liberdade, que pode ser restringida em caso de prisão.

Assim, a dignidade humana não é um valor absoluto, mas sim um valor fundamental, intrínseco a todo indivíduo humano de modo a fazer parte de todo o conteúdo essencial de todos os direitos fundamentais. 7.4 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA

A dignidade humana: o objetivo do planeta desde o fim

da Segunda Guerra Mundial. Impossível considerar esse princípio apenas como um meio de interpretação das normas jurídicas. Rebaixar este princípio à menos do que a lei é inconcebível.

Por esse motivo que a teoria de DWORKIN (2002) é tão clara e aceita pelos juristas atualmente. A dignidade humana é um valor fundamental e merece incidir sobre os casos concretos a fim de dar-lhes efetividade.

A fim de seguir com os anseios internacionais o Brasil incluiu a dignidade humana em sua Constituição Federal como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III).

Graças ao pós-positivismo jurídico a dignidade humana ganhou o status que lhe cabe tanto nas normas jurídicas interna dos Estados quanto nos documentos internacionais.

A dignidade humana pode ser analisada, então, em duas dimensões: uma interna, ligada a sua origem, e uma externa, relacionada ao contexto histórico. A origem da dignidade humana está na filosofia que a compreendia como um conceito ligado a moralidade e a ética. O contexto histórico, por sua vez, está relacionado ao fim da Segunda Guerra Mundial. Assim, segundo BARROSO (2013), somente a dignidade humana externa é passível de ofensas e violações.11

10 BARROSO, Luís Roberto Dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo horizonte: Fórum, 2013, p. 64. 11 Ibidem.

O direito à vida e o suicídio... // 211

A dignidade da pessoa humana tornou-se, a partir daí, o principal bem jurídico a ser amparado pelo Direito em todo o mundo.

Nesse sentido, de forma extremamente elucidativa Gustavo Vinícius Camin e Zulmar Antonio Fachin, no artigo denominado “Dignidade da pessoa humana: o princípio dos princípios”12, concluem que:

[...] principalmente após as atrocidades da segunda guerra mundial, passou-se a dar uma atenção especial à dignidade da pessoa humana, elevando-a a princípio dos princípios e como núcleo essencial a ser protegido pelo Direito dos Países.

Inicialmente a proteção da dignidade humana era tarefa

dos poderes Legislativo e Executivo. Mas conforme foi sendo incorporada em textos legais e tornando-se um conceito jurídico essa função passou rapidamente para o Poder Judiciário.

O que favoreceu de fato a ascensão da dignidade humana foi justamente o pós-positivismo.13 Considerando tudo o que foi apresentado até o momento, nota-se que já é entendimento pacífico de que as soluções claras e acabadas do direito positivo não são mais suficientes para solucionar as questões altamente complexas da atualidade. Assim, o princípio ganha status de norma jurídica e, como tal, deve possuir aplicação imediata sob qualquer circunstância.

Há quem entenda que a dignidade humana constitui um valor absoluto. Principalmente na Alemanha. Entretanto, “[...] no direito não há espaço para absolutos. [...]”14 (BARROSO, 2013, p. 64). Se há exceções, não é absoluto. A dignidade humana é um princípio que contempla diversos direitos fundamentais, tais como a liberdade, que pode ser restringida em caso de prisão.

Assim, a dignidade humana não é um valor absoluto, mas sim um valor fundamental, intrínseco a cada indivíduo

12 PEGINI, Adriana Regina Barcellos (Org.). Direito e pessoa humana. Maringá/PR: Editora Vivens, 2014, pág. 365. 13 Conforme BARROSO, Luís Roberto. Dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo horizonte: Fórum, 2013. 14 BARROSO, Luís Roberto. Dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à

luz da jurisprudência mundial. Belo horizonte: Fórum, 2013, p. 64.

212 // Ética e direito à vida: Volume II

humano de modo a fazer parte do conteúdo essencial de todos os direitos.

Mas, a questão levantada consiste em saber quais direitos devem ser respeitados para que se viva com dignidade. Alguns direitos são inquestionáveis: direito à liberdade, a integridade física, a educação, etc. No entanto, há direitos que são discutíveis uma vez que cada um determina o que é importante para o que considera uma vida digna. Pode-se citar como exemplo o livre acesso a internet associado ao direito à informação: alguém pode entender que somente terá uma vida digna se possuir acesso a internet.

Não se discute aqui se o acesso a internet é ou não direito fundamental. A pretensão é demonstrar a subjetividade do conceito de dignidade humana.

Diante disso, a fim de encontrar um conceito Luís Roberto Barroso identificou a natureza jurídica da dignidade humana, encontrou o um conteúdo mínimo para seu conceito e dele extraiu consequências jurídicas.

Desse modo, sobre a natureza jurídica a dignidade humana é um valor fundamental na origem dos direitos humanos e um princípio jurídico que integra o núcleo dos direitos fundamentais e age como princípio interpretativo dos mesmos. Quanto ao conteúdo mínimo, a dignidade é formada por três elementos: valor intrínseco, autonomia e valor comunitário. Por fim, as consequências jurídicas são encontradas justamente como resultado da análise desses três elementos do conteúdo mínimo do conceito de dignidade humana.15

Utilizando desse método, é possível identificar nos hard cases se existe e qual o direito humano/fundamental a ser protegido.

Para Roxana Cardoso Brasileiro Borges a dignidade constitui na liberdade do indivíduo de conduzir sua vida e na possibilidade de realizar sua personalidade conforme sua própria consciência.16

Tanto uma quanto outra concepção da dignidade compreende a subjetividade de seu conceito e, portanto, permite as variações necessárias para cada caso concreto.

Observando referidos conceitos como paradigma para o

15 Ibidem. 16 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos da personalidade e a autonomia privada. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 230.

O direito à vida e o suicídio... // 213

desenvolvimento do tema proposto, passa-se a analisar o direito à vida e morte dignas em relação a assistência ao suicídio. 7.5 O DIREITO A VIDA E A MORTE DIGNA: ASSISTÊNCIA AO SUICIDIO

Além de inúmeros documentos internacionais17, o direito

à vida está amparado pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, caput, que prescreve:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]

Inicialmente, observa-se que a Constituição Federal

trata do DIREITO à vida, e não do DEVER a vida. E se essa condição for levada em consideração a vida passa a ser um direito que poderá ser exercido da forma que lhe aprouver. E justamente nisso que está a dignidade humana: no exercício pleno do livre arbítrio.

Ao direito do direito de morrer faz-se necessário uma distinção prévia entre direito de morrer e direito de morrer dignamente.

Quanto se trata do direito de morrer, se está referindo a eutanásia e ao suicídio assistido, ao passo que o direito de morrer dignamente refere-se a possibilidade de optar pelo fim da dor.

O suicídio assistido trata do direito de morrer e, em muitos casos, o direito de morrer dignamente.

O suicídio assistido difere da eutanásia, que consiste na morte causada por alguém que se compadece do sofrimento do paciente que sofre alucinadamente ou que possui doença incurável.

Há, ainda, a distanásia e a ortotanásia. A distanásia é uma tentativa não de prolongar a vida,

mas de adiar a morte. Não há mais meios do paciente se

17 Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, por exemplo.

214 // Ética e direito à vida: Volume II

recuperar e há insistência em mantê-lo vivo a qualquer custo. É uma obstinação terapêutica sem fim.

O ortotanásia, por sua vez, é o auxílio médico a morte. Nela o médico apenas auxílio no processo de morte dando ao paciente tudo o que for necessário para amenizar seu sofrimento. Apenas permite que a morte aconteça naturalmente, da forma mais confortável possível para o paciente.

Já para que ocorra o suicídio assistido é necessário que haja uma ajuda material, efetiva, para que o indivíduo cometa, por si só, o suicídio com o único objetivo de aliviar um sofrimento que, segundo ele próprio, lhe é indigna. Entretanto, não há, nesse caso, morte eminente: o paciente não está em estado terminal.

Roxana Cardoso Brasileiro Borges delimita o suicídio assistido:

O auxílio ao suicídio de pessoa que não se encontra em estado terminal e com fortes dores, da mesma forma, não se caracteriza como eutanásia, mas como o simples auxilio a suicídio, previsto no Código Penal. Trata-se de participação material. Quem executa o ato que vai causar a morte é a própria vítima. Para que a ação de auxílio ao suicídio tenha a valoração de eutanásia, é preciso que o paciente tenha solicitado a ajuda para morrer, diante do fracasso dos métodos terapêuticos e dos paliativos contra as dores, o que acaba por retirar a dignidade do paciente, segundo seu próprio entendimento.

O programa “SBT Repórter” sobre o “Direito de Morrer”

narrou que na Suíça existem clínicas que prestam auxílio ao suicídio como forma de respeito a liberdade de escolha do indivíduo.

Pode-se se citar como exemplo a clínica EXIT localizada na cidade de Laussane. Uma associação se fins lucrativos, cujo lema é “minha morte pertence a mim” presta auxílio ao suicídio aos suíços residentes naquele país.

Para usufruir dos serviços dessa clínica é necessário associar-se e pagar uma mensalidade até sua decisão final, que pode ser no sentido de suicidar-se ou não.

Para o momento final a clínica fornece ao indivíduo um coquetel com sabor laranja que cessa a respiração e interrompe o funcionamento do coração em apenas dois minutos: é o próprio indivíduo quem toma, conscientemente, a dose letal.

O direito à vida e o suicídio... // 215

Por outro lado, também existem casos como o da advogada Leide Moreira que foi diagnosticada com esclerose lateral amiotrófica, doença degenerativa que cessa, de forma progressiva e definitiva, todos os movimentos do corpo. Essa advogada, por sua vez, deseja viver imensamente e é manifestamente contrária a qualquer forma de abreviar a vida.

Desse modo, poder-se-ia citar vários casos em que os pacientes, alguns em estado terminal e outros não, decidem interromper sua vida. Quando o Estado proíbe esse procedimento, como ocorre no Brasil, há relatos de pessoas que imploram para que a deixem morrer.

Valentina Maureira, uma adolescente chilena com apenas 14 anos de idade, sofria de fibrose cística, uma doença genética e incurável que afeta as glândulas exócrinas provocando alterações nos pulmões, pâncreas, fígado e intestino. Tamanho era seu sofrimento que pleiteou à presidente de seu país, Michelle Bachelet, via web, que lhe concedesse o direito de morrer para que sua dor cessasse. Ela faleceu em 14 de maio de 2015, sem que tivesse seu pedido atendido.18

Ao ter contato com casos como os descrito há inicialmente o despertar de um sentimento de compaixão que tende a concordar com o fim de sofrimentos tão graves e inexplicáveis.

Entretanto, uma análise técnica sobre os casos traz à tona uma questão crucial ao tema: o consentimento do paciente. Como saber se o indivíduo que passar por inenarrável dor e sofrimento está plenamente capaz para tomar esse tipo de decisão?

O indivíduo doente, vivendo um sofrimento atroz pela dor e pelo sentimento de perda, está absolutamente fragilizado e, por essa razão, poderia tomar decisões equivocadas e, talvez, viciadas pela ausência de sanidade plena.

Além da possibilidade de existir um consentimento viciado há uma questão importante a ser considerada: o direito à vida é um direito fundamental e, como tal, é irrenunciável. Não é possível “negociar” um direito fundamental justamente por ele existir por si só.

18 BBC BRASIL. Morre menina chilena que havia apelado a presidente por eutanásia. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/05/150515_chilena_eutanasia_apelo_valentina_morte_pu>. Acesso em: 12 jan. 2016.

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Na assistência ao suicídio o direito em discussão é o de morrer com dignidade e não o de viver que, como dito anteriormente, não é um dever. Não é possível a quem quer que seja, a um particular ou a uma instituição, obrigar alguém a viver e se esse alguém decide morrer, não há nada a ser feito.

No Brasil não há qualquer previsão a respeito do tema. Ajudar alguém a suicidar-se é crime previsto no artigo 122 do Código Penal:

Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

No entanto, a discussão é presente na sociedade ao

passo que várias pessoas tem procurado países em que o auxílio ao suicídio é permitido com o objetivo de pôr fim de seu sofrimento. 7.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os trágicos acontecimentos históricos ocorridos no

século XX culminaram no despertar da sociedade pela busca de garantias efetivas à direitos fundamentais a todos os indivíduos humanos.

Uma luta iniciou com o fim da Segunda Guerra Mundial e que é travada até a atualidade por grande maioria dos juristas: concretizar o princípio da dignidade humana na realidade dos indivíduos.

Mais do que uma teoria jurídica ou jusfilosófica a dignidade humana é uma condição de todo aquele que nasce com vida e sua garantia é o que se busca cotidianamente. Nesse interim, DWORKIN (1967) foi pioneiro em teorizar a importância de se agregar ao Direito mais valores e moral do que regras jurídicas. Para isso, os princípios opõem-se ao positivismo jurídico que não mais atendia as necessidades da comunidade jurídica mundial. Prova disso foi o horror do holocausto praticado por quem “de direito” e sob o manto da legalidade. A essa ideologia deu-se o nome de pós-positivismo jurídico, que defende como macro princípio a dignidade humana.

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Como ponto de partida para a dignidade humana está o direito à vida, sem o qual não há nenhum outro direito a ser protegido. A vida é um direito a ser protegido em face do Estado e de terceiros, mas não em face de seu próprio titular.

Apesar do direito fundamental possuir como característica a irrenunciabilidade, a assistência ao suicídio trata não de dispor do direito à vida, mas de escolher como morrer.

O direito à vida é exercido plenamente ao passo que o Estado proporciona ao indivíduo condições para que tenha um nascimento assistido, uma infância saudável, uma assistência médico-hospitalar eficaz, etc. Em momento algum, quando se trata da escolha pela morte, fala-se em qualquer circunstância que tornaria a vida do indivíduo menos digna.

Interessante a ideia ressaltada por Roxana Cardoso Brasileiro Borges, de que a vida é um direito, e não um dever. Ninguém possui o dever de viver, ainda mais quando para o próprio titular, a vida deixa de ser digna em face do sofrimento a que é submetido.

Por fim a própria vida nas condições do suicídio assistido é a forma mais concreta de respeito à liberdade de escolha: é o exercício do livre arbítrio em sua concepção mais cristalina.

Na eutanásia há a possibilidade do paciente sequer expor seu consentimento. Trata-se de uma escolha de terceiros (médicos ou familiares) em nome do paciente. Já no suicídio assistido há a mais genuína opção do paciente, apesar de também ser possível existir um consentimento eivado de vícios.

Na prática, é complexo estabelecer um procedimento adequado de quando e como deve ser realizado o suicídio assistido. No entanto, apesar de toda a controvérsia sobre o tema, deve-se reconhecer que a assistência ao suicídio é o supra sumo do direito à vida e a morte dignas.

218 // Ética e direito à vida: Volume II

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