2014_CamilaBatistella
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Universidade de Braslia - UnB
Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade - FACE
Departamento de Economia - Eco
CONSUMO E ENDIVIDAMENTO NA CLASSE MDIA
BRASILEIRA NO INCIO DO SCULO XXI.
CAMILA BATISTELLA
Braslia - DF
2014
-
ii
CAMILA BATISTELLA
CONSUMO E ENDIVIDAMENTO NA CLASSE MDIA BRASILEIRA NO
INCIO DO SCULO XXI
Monografia apresentada ao
Departamento de Economia da
Universidade de Braslia como
requisito parcial obteno do ttulo
de Bacharel em Cincias
Econmicas.
Orientao: Adriana Moreira Amado e Guilherme
Resende Oliveira.
Braslia - DF
2014
-
iii
CAMILA BATISTELLA
CONSUMO E ENDIVIDAMENTO NA CLASSE MDIA BRASILEIRA NO
INCIO DO SCULO XXI
Monografia apresentada ao
Departamento de Economia da
Universidade de Braslia como
requisito parcial obteno do ttulo
de Bacharel em Cincias
Econmicas.
Aprovada em de de 2014.
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________________
Profa. Doutora Adriana Moreira Amado
____________________________________________
Prof. Mestre Guilherme Resende Oliveira
Braslia - DF
2014
-
iv
AGRADECIMENTOS
Agradeo a Deus pelo dom da vida e por todas as oportunidades que
tive. Agradeo tambm por este passo to importante.
Agradeo aos meus pais e meus irmos, por sempre estarem presentes
na minha vida me dando carinho, amor, apoio e incentivo.
Agradeo aos meus amigos pelos momentos alegres e tambm pelos
momentos difceis que passamos juntos durante os quatro anos de graduao.
Agradeo em especial ao amigo Ciro Peixinho Campos que no segundo
semestre se tornou meu namorado.
Agradeo aos meus orientadores, professora Adriana Moreira Amado e
professor Guilherme Resende de Oliveira, pela disponibilidade, pela ateno e
por todos os comentrios e sugestes.
Agradeo aos professores pelo aprendizado e pela dedicao ao longo
do curso.
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v
RESUMO
O objetivo do estudo encontra-se em analisar o consumo da atual classe
mdia brasileira, apontar quais so as despesas com que essa classe gasta a
maior proporo da sua renda e observar se essas despesas tambm so a
causa do endividamento dessa classe. Essa anlise feita por meio de dados
obtidos de pesquisas domiciliares e pesquisas feitas por rgos que estudam o
consumo e o endividamento. A partir da anlise observa-se que habitao,
alimentao e transporte so as despesas com que a classe mdia brasileira
gasta a maior parte de sua renda, mas pesquisa realizada pelo SPC aponta
que a despesa com roupas e calados a principal causa do endividamento da
classe mdia brasileira. O presente estudo contribui com argumentos que
contestam esse resultado, apontando que despesas com habitao,
alimentao e transporte podem ser a principal causa do endividamento da
atual classe mdia brasileira.
Palavras-chave: classe mdia brasileira, consumo, endividamento, despesas
de consumo.
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vi
ABSTRACT
The objective of the study is to analyze the consumption of the current
Brazilian middle class, pointing out which are the expenses which they spent a
greater proportion of their income and observing whether these expenses are
also the cause of the debt that class. This analysis is done using data from
household surveys and research done by agencies that study the consumption
and debt. From the analysis it is observed that housing, food and transportation
are the expenses that the Brazilian middle class spends most of his income, but
research conducted by the SPC indicates that expenditure on clothing and
footwear is the main cause of debt Brazilian middle class. This study contributes
to arguments challenging this result, pointing out that expenditure on housing,
food and transportation can be a major cause of indebtedness of the current
Brazilian middle class.
Keywords: Brazilian middle class, consumption, debt, consumer spending.
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vii
SUMRIO
INTRODUO.....................................................................................................1
1. O CONSUMO NA ECONOMIA BRASILEIRA..................................................3
1.1 O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR.................................................3
1.2 O CONSUMO DAS FAMLIAS BRASILEIRAS............................................11
1.2.1 Participao do consumo das famlias no Produto Interno Bruto.........12
1.2.2 Despesas das famlias brasileiras com consumo.................................17
2. A CLASSE MDIA BRASILEIRA...................................................................29
2.1 DEFINIES DE CLASSE MDIA.............................................................29
2.2 QUEDA DA DESIGUALDADE DE RENDA BRASILEIRA...........................36
2.3 CONSUMO NA CLASSE MDIA BRASILEIRA..........................................42
2.3.1 Despesas da classe mdia brasileira com consumo............................46
3. ENDIVIDAMENTO DA CLASSE MDIA BRASILEIRA.................................52
3.1 EXPANSO DO CRDITO..........................................................................52
3.2 ENDIVIDAMENTO DA POPULAO BRASILEIRA...................................57
3.3 ENDIVIDAMENTO DA CLASSE MDIA BRASILEIRA...............................66
CONCLUSO....................................................................................................74
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..................................................................77
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1
INTRODUO
A partir dos anos 2000 renasceu o interesse dos estudos brasileiros
sobre a classe mdia, os quais foram pouco valorizados nos anos de 1980 e
1990 devido crise econmica do pas. A partir de ento, entram os conceitos
de renda e poder de compra como variveis definidoras de classe mdia, pois
nos trabalhos mais antigos, dcadas de 60 e 70, a definio de classe mdia
era centrada nas discusses sobre a ocupao e a natureza do trabalho.
Nos ltimos anos a classe C, chamada de classe mdia vem crescendo
de forma expressiva. De acordo com Neri (2010), 94,9 milhes de brasileiros
pertenciam classe mdia brasileira em 2009, o que representa 50,45% da
populao brasileira, enquanto que em 2003 esse percentual era de 37,56%.
Segundo estimativa da SAE/PR (2012), em 2012 a classe mdia compreendia
53% da populao brasileira.
Neri (2010) mostra que a expanso da classe mdia resultado da
ascenso de pessoas das classes D e E, ascenso esta que foi permitida
principalmente pela reduo da desigualdade. Desde 2001, o ndice Gini, uma
das medidas mais tradicionais de desigualdade de renda, vem caindo
continuadamente, alcanando os menores valores das ltimas trs dcadas.
Nos ltimos anos, a renda dos mais pobres cresceu de forma substantiva,
acarretando um declnio dos nveis de pobreza e misria.
Seja do ponto de vista da distribuio de renda, da diminuio de
pobreza, do crescimento do emprego, da formalidade no mercado de trabalho
ou do aumento dos salrios reais, a ltima dcada trouxe melhorias
significativas para uma grande parte da populao brasileira, aumentando sua
renda e consequentemente seu poder de consumo.
De acordo com a SAE/PR (2012) a renda e o consumo da classe mdia
cresceram mais que a mdia das famlias brasileiras. Em 2009 a classe mdia
brasileira concentrava 46,24% do poder de compra dos brasileiros, sendo a
classe dominante do ponto de vista econmico.
Diante dessa evoluo da classe mdia brasileira surgiram os
questionamentos que este trabalho busca responder. Primeiro avaliamos como
o consumo da atual classe mdia brasileira e com quais despesas essa
classe gasta a maior parte da sua renda. Posteriormente abordamos o
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2
endividamento da classe e quais foram as despesas que acarretaram nessa
situao de endividamento. Portanto, os principais objetivos deste trabalho so
observar algumas das caractersticas do consumo e do endividamento da
classe mdia brasileira e observar se so as mesmas despesas que so
responsveis pela maior porcentagem dos gastos da classe mdia que causam
o endividamento dessa classe.
Para tanto, o presente estudo composto de trs captulos. O primeiro
captulo traz uma abordagem das teorias microeconmicas e
macroeconmicas do consumo. Depois tratamos brevemente da Economia
Comportamental, que uma rea de estudos nova e que busca explicar o
comportamento dos agentes econmicos pautada em matrias como a
Psicologia e a Sociologia. Na segunda parte deste captulo analisamos a
participao do consumo das famlias no PIB e a evoluo do consumo da
populao brasileira a partir das POFs de 2008-2009 e 2002-2003 e do ENDEF
de 1974-1975.
No segundo captulo o estudo se volta para a anlise da classe mdia
brasileira. Na primeira seo so descritas algumas das diversas definies de
classe mdia. Na segunda seo discorremos sobre a queda da desigualdade
de renda brasileira a partir de 2001, um dos principais motivos da ascenso da
classe mdia. Por fim, na terceira seo, abordamos o consumo da classe
mdia brasileira.
O terceiro e ltimo captulo aborda a questo do endividamento. Primeiro
feita uma breve anlise da expanso do mercado de crdito e mostramos que
o crdito tem se tornado mais barato e mais acessvel nos ltimos anos. Depois
descrevemos o endividamento da populao brasileira por meio de dados
fornecidos por duas pesquisas, uma da CNC (2013) e outra da CNI (2012). A
ltima seo aborda o endividamento da classe mdia brasileira, por meio de
dados de pesquisa realizada pelo SPC (2012) em conjunto com a UFMG E
CNDL, e sugerimos algumas justificativas para que a real causa do
endividamento da classe mdia no seja a apontada pela pesquisa.
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3
Captulo 1- O CONSUMO NA ECONOMIA BRASILEIRA
A primeira seo deste captulo aborda o comportamento dos
consumidores, que considerado pela teoria econmica neoclssica um
comportamento racional. apresentada a teoria microeconmica da escolha
do consumidor e as teorias macroeconmicas sobre consumo, como a teoria
do ciclo de vida e a teoria da renda permanente. Ao final dessa seo
apresentada a Economia Comportamental, rea de estudo que busca mostrar
que nem sempre o agente econmico age de forma racional. Na segunda
seo busca-se mostrar a trajetria do consumo das famlias na economia
brasileira, primeiro com uma abordagem sobre a influncia desse consumo no
Produto Interno Bruto (PIB) e nas contas nacionais e em um segundo momento
trata-se das caractersticas das despesas de consumo da populao a partir de
dados da Pesquisa de Oramento Familiar (POF).
1.1 O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR
A teoria econmica neoclssica considera o agente econmico como
sendo um ser racional que adota o comportamento maximizador, buscando
maximizar benefcios e minimizar prejuzos. Portanto, a ideia que se passa
que o homem econmico busca o maior ganho possvel e suas atitudes e
decises financeiras so voltadas para este fim.
A teoria da escolha do consumidor baseada em diversos postulados e
a forma como o consumidor escolhe a cesta tima de consumo representada
por modelos. Considera-se que o agente econmico toma decises racionais
diante das escolhas a que submetido e que quando ele comete erros estar
aprendendo com esses e em uma prxima vez agir com racionalidade e no
os repetir (FERREIRA, 2008).
Na prtica sabe-se que as aes dos agentes no derivam apenas da
busca pelo maior ganho. Os indivduos tomam decises econmicas, como por
exemplo, a de comprar um bem, porque esto felizes, porque tm crenas e
por diversos outros tipos de motivao. Portanto, a noo de um homem
econmico que age sempre racionalmente, buscando seu maior ganho
individual no o que ocorre de fato, e sendo assim, o comportamento das
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4
pessoas na realidade no igual ao que se espera dos modelos econmicos
usados para prever o comportamento dos agentes.
A Economia Comportamental uma rea de estudos nova que surge na
dcada de 1980 com as insatisfaes de alguns economistas com as
explicaes da teoria econmica neoclssica para o comportamento do
consumidor. Esses economistas comearam a buscar em outras disciplinas,
principalmente na psicologia, explicaes para o comportamento dos
consumidores observado na prtica. Richard Thaler um dos pioneiros no
estudo da Economia Comportamental, seguido por George Loewenstein, Matt
Rabin, Sendhil Mullainathan e David Laibson, um economista comportamental
especializado em consumo. Em 2002 o Prmio Nobel em Economia foi
outorgado a dois estudiosos dessa rea, Daniel Kahneman e Amos Tversky, j
falecido na ocasio da premiao, pelos estudos sobre incerteza e risco a partir
de crenas e escolhas intuitivas dentro de um contexto de racionalidade
limitada (FERREIRA, 2008).
Teoria do Consumidor
Existem vrias definies para economia e a mais utilizada a de que
economia a alocao de recursos escassos. Os agentes econmicos
procuram satisfazer desejos, necessidades e prazeres ilimitados, mas os
recursos e a renda disponveis so limitados. No existem recursos naturais
nem tecnologia para produzir todos os bens e servios que so desejados.
Portanto, o mecanismo de alocao de recursos escassos feito pelos agentes
a base do estudo da cincia econmica (RESENDE, 2011).
Para definir a alocao tima de recursos a economia estuda o
comportamento dos agentes econmicos. Basicamente, existem trs tipos de
agentes econmicos: consumidores, firmas e o governo. Os consumidores, que
so os agentes econmicos em foco neste trabalho, representam seus desejos
e necessidades por intermdio de suas demandas. O objetivo dos
consumidores atingir a satisfao mxima diante da renda disponvel e dos
preos dos bens e servios.
Resende (2011) afirma que existem dois princpios bsicos que
envolvem a economia neoclssica, que a vertente da economia que
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fundamenta a microeconomia. O primeiro o comportamento maximizador dos
agentes econmicos sujeito a restries. O segundo o princpio de equilbrio.
A partir desses princpios temos a ideia de racionalidade dos agentes na
economia. A economia reconhece que o ser humano apresenta um
comportamento complexo e que as pessoas agem de forma irracional diante de
vrias circunstncias. No entanto, a hiptese de um agente econmico racional
simplifica os modelos.
A ideia de racionalidade em economia defende que os agentes usam as
informaes disponveis para fazer previses de resultados futuros, sem
cometerem erros, e obterem o resultado timo em suas decises. Caso os
agentes cometam erros em suas previses, agiro de forma lgica e racional,
aprendendo com eles, e no os repetiro (FERREIRA, 2008).
Na microeconomia o problema do consumidor definido como a
maximizao de seu bem-estar ou utilidade, dadas as restries que a
escassez impe sobre suas escolhas. O bem-estar que o consumidor busca
maximizar definido pelas suas preferncias. A ideia de preferncia se baseia
no comportamento do consumidor, que sempre que puder escolher, ir optar
pela cesta de bens que ele acha melhor e que lhe traz maior satisfao
(VARIAN, 2006).
Grfico 1.1 - Restrio oramentria e reta oramentria. Fonte: Varian (2006) e Resende (2011). Elaborao: Prpria.
A escassez no problema do consumidor representada pela restrio
oramentria. A restrio oramentria representa o quanto de dinheiro que o
consumidor tem disponvel para gastar em um determinado perodo e o que ele
consumir de bens e servios no pode exceder esse valor. A reta oramentria
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a reta onde o consumidor esgota sua renda, ou seja, toda renda recebida no
perodo gasta na compra de bens e servios. A restrio oramentria e a
reta oramentria so apresentadas no grfico 1.1.
Teorias sobre o consumo
Desde que a macroeconomia teve incio como uma rea de estudos,
muitos economistas se dedicaram a escrever sobre o comportamento do
consumidor, e sugeriram modos alternativos de interpretar dados relacionados
a consumo e renda. Um dos primeiros economistas a escrever sobre a funo
do consumo foi John Maynard Keynes, na dcada de 1930, apresentando
importantes conjecturas sobre a funo do consumo, fundamentadas na
introspeco e na observao casual.
A primeira conjectura sobre a propenso marginal a consumir, ou seja,
a quantidade consumida com uma unidade de moeda corrente adicional na
renda do consumidor. Para Keynes essa propenso se situa entre zero e um, o
que significa que quando uma pessoa ganha uma unidade de moeda corrente
adicional, ela geralmente gasta uma parte e poupa outra. Sua segunda
conjectura trata da propenso mdia a consumir, proporo entre consumo e
renda, a qual diminui medida que a renda aumenta. A terceira e ltima
conjuntura de Keynes diz que a renda atual o determinante principal para o
consumo.
Ao serem confrontadas com dados, as conjecturas de Keynes foram
confirmadas por estudos realizados com dados de domiclios e sries histricas
de curto prazo. No entanto, estudos com dados de sries histricas de longo
prazo no apresentaram qualquer tendncia propenso mdia a consumir
cair medida que a renda aumenta, mas sim de se manter estvel ao longo de
extensos perodos de tempo (MANKIW, 2010).
Na dcada de 1950, Franco Modigliani e Milton Friedman propuseram,
em estudos individuais, explicaes para as contradies da funo de
consumo keynesiana. Os dois se basearam na teoria do comportamento do
consumidor proposta por Irving Fisher. Fisher desenvolveu um modelo no qual
o consumidor racional se preocupa com o futuro e precisa fazer escolhas
intertemporais, ou seja, escolhas que envolvem diferentes perodos de tempo.
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7
Isso implica que quando o consumidor consome mais hoje, ele estar
poupando menos, e menor ser o consumo que ele poder desfrutar no futuro,
j que o que poupado hoje ser consumido amanh. Portanto, ao se deparar
com essa situao, de consumir menos hoje para poder consumir mais
amanh, os consumidores devem olhar para a renda que esperam ter ao longo
de toda a vida, e no apenas para a renda atual, como props Keynes
(MANKIW, 2010).
O modelo de Fisher evidencia as restries com as quais se deparam os
consumidores, as suas preferncias, e o modo como essas restries e
preferncias, conjuntamente, determinam suas escolhas em relao a
consumo e poupana. Ao decidir sobre o quanto consumir hoje em oposio a
quanto poupar para o futuro, os consumidores enfrentam uma restrio
oramentria intertemporal, que mede os recursos totais disponveis para o
consumo hoje e no futuro. O modelo de Fisher considera a taxa de juros, j que
quando se poupa parte da renda de um perodo para o outro so auferidos
juros sobre a renda poupada como recompensa pela espera.
Franco Modigliani enfatizou que a renda varia de maneira um tanto
previsvel e em um padro regular durante a vida de uma pessoa e que os
consumidores utilizam a poupana e a obteno de emprstimos para manter o
consumo estvel ao longo da vida. Essa interpretao do comportamento do
consumidor a base da sua Hiptese do Ciclo de Vida. Segundo essa
hiptese o consumo depende tanto da renda quanto da riqueza do consumidor
e a poupana varia durante a vida de uma pessoa. As pessoas desejam
estabilizar o consumo ao longo de suas vidas e, portanto, os jovens iro poupar
durante a vida economicamente ativa e quando se aposentarem gastaro essa
poupana (SACHS E LARRAIN, 2000).
Milton Friedman props a Hiptese da Renda Permanente para explicar
o comportamento do consumidor. Essa hiptese complementa a Hiptese do
Ciclo de Vida e tambm se baseia na teoria de Fisher para argumentar que o
consumo no depende apenas da renda atual. Diferentemente da hiptese de
Modigliani, a Hiptese da Renda Permanente enfatiza que as pessoas passam
por variaes aleatrias e temporrias em suas rendas de ano para ano
(MANKIW, 2010).
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Neste modelo, a renda atual a soma de duas parcelas; a renda
permanente, que corresponde parcela da renda que as pessoas esperam
continuar recebendo no futuro e a renda transitria que corresponde a uma
parcela extraordinria da renda atual e que as pessoas no esperam que
persista para o futuro. Desse modo as pessoas experimentam oscilaes
permanentes e oscilaes transitrias em suas rendas. No entanto, o consumo
deve depender principalmente da renda permanente, uma vez que os
consumidores utilizam a poupana e emprstimos para manter estvel o seu
padro de consumo, em resposta a variaes transitrias na renda. Portanto,
os consumidores gastam as suas rendas permanentes, mas poupam a maior
parte de sua renda transitria, sendo o consumo proporcional renda
permanente.
Pesquisas recentes sobre consumo tm combinado a Hiptese de
Renda Permanente com o pressuposto de que os consumidores tm
expectativas racionais. O economista Robert Hall foi o primeiro a projetar as
implicaes das expectativas racionais para o consumo (MANKIW, 2010).
Segundo ele, tomando a Hiptese da Renda Permanente como correta e se os
consumidores tiverem expectativas racionais, as variaes no consumo, ao
longo do tempo, sero imprevisveis e seguiro um caminho aleatrio.
O argumento de Hall que segundo a Hiptese da Renda Permanente
os consumidores se deparam com uma renda oscilante e tentam da melhor
maneira possvel, manter seu patamar de consumo constante ao longo do
tempo. Se os consumidores agem de acordo com expectativas racionais, eles
utilizam de todas as informaes disponveis da melhor maneira possvel e s
devem ser surpreendidos com eventos que sejam inteiramente imprevisveis.
Portanto, as variaes em seus patamares de consumo tambm sero
imprevisveis.
Economia Comportamental
Keynes sustentava a ideia de que a funo consumo era uma lei
psicolgica fundamental. No entanto, as hipteses posteriores sobre o
comportamento do consumidor no atriburam importncia significativa
psicologia. A maioria dos estudos pressupe que os consumidores so
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maximizadores racionais da utilidade, que esto avaliando suas oportunidades
a todo o momento no intuito de obter o mais alto nvel de satisfao durante
suas vidas (MANKIW, 2010).
Estudos recentes comearam a retornar psicologia. Estes estudos
sugerem que os consumidores no so o homo economicus racional suposto
pela teoria econmica neoclssica, mas sim seres humanos reais, cujo
comportamento pode estar bem distante do racional. Esse novo campo de
estudo, que introduz a psicologia na economia, chamado de Economia
Comportamental.
A Economia Comportamental tem origem na insatisfao de
economistas com as explicaes oferecidas por sua prpria
disciplina para os comportamentos econmicos observados na
prtica. Esses economistas buscaram, ento, contribuies em
diversas outras disciplinas Psicologia, Sociologia,
Antropologia, Histria, Biologia (FERREIRA, 2008, p.66).
Aps a dcada de 40, principalmente aps a Segunda Guerra Mundial, a
cincia econmica comeou a deixar os aspectos da psicologia e a
irracionalidade, usados at ento por economistas como Adam Smith, Irving
Fisher e John Maynard Keynes e se voltou para a racionalidade econmica
sendo ditada por fatores mais previsveis. O mercado torna-se mais
concorrente em um contexto de globalizao e de uma maior abertura
comercial (MACIEL e LUCENA, 2012).
Por muitos anos o mercado foi considerado racional, j que era
composto de agentes ditos racionais. No entanto, aps as crises da economia
mundial, onde pode se observar o comportamento irracional de investidores e
instituies financeiras, uma nova rea de estudo comeou a se desenvolver.
a chamada Economia Comportamental (MACIEL e LUCENA, 2012).
A Economia Comportamental busca representar como os consumidores
agem na prtica, como o comportamento dos agentes na realidade, e no
baseado nos modelos da teoria econmica neoclssica. uma rea de estudo
recente, que incorpora aspectos sociais, cognitivos e emocionais para entender
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10
as decises econmicas de consumidores e agentes financeiros, integrando a
psicologia e a economia.
Os modelos econmicos sobre escolha dos consumidores consideram
os agentes econmicos como racionais. De fato, essa considerao torna os
modelos e os clculos mais simples. No entanto, a Economia Comportamental
acredita que com essa hiptese os modelos da teoria econmica neoclssica
se tornaram incompletos para representar o comportamento real dos agentes
econmicos.
Como no possvel satisfazer todas as necessidades, somos
forados a escolher entre alternativas, o que pode implicar a
dor de renunciar s vantagens das outras opes. Os modelos
de tomada de decises formais e complexos que a Economia
utiliza para explicar e prever o comportamento econmico,
tomando como ponto de partida um pequeno nmero de
axiomas sobre a lgica do comportamento humano, no
costumam levar a Psicologia em considerao, restringindo-se
a examinar decises sobre a alocao de recursos finitos com
base na premissa da racionalidade e maximizao de utilidade
(FERREIRA, 2008, p.43).
As pessoas, quando devem tomar uma deciso financeira, no tm seu
comportamento influenciado apenas pela ideia de que devem atingir o maior
ganho individual possvel. Fatores emocionais, culturais, sociais, entre outros
tambm influenciam na deciso. por isso que muitas pessoas compram por
impulso, se endividam ou tomam uma deciso de investimento errnea.
Segundo Varian (2006) esses erros ocorrem porque as pessoas olham
apaixonadamente para a situao. por isso que quando buscamos investir
em aes, por exemplo, e no queremos perder dinheiro, consultamos um
corretor, que tem uma viso mais desapaixonada da situao e, portanto tem
menor chance de agir irracionalmente e acabar errando.
Para Maciel e Lucena (2012), o consumidor antes de tudo um ser
humano e sendo assim existe a necessidade de se considerar os fatores
psicolgicos que influenciam na hora da tomada da deciso de compra de bens
e servios, se fazendo assim uma abordagem comportamental vinculada s
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11
finanas. O vis psicolgico tem um papel fundamental nas decises
financeiras dos seres humanos, tanto para decises de compra e aquisies de
bens e servios cotidianos como para compras e aquisies maiores.
Portanto, a Economia Comportamental surge com o propsito de
flexibilizar os postulados da teoria econmica neoclssica e inserir fatores
psicolgicos, sociais, culturais, etc. para explicar o comportamento econmico
dos agentes de forma que seja semelhante ao comportamento que se espera
na realidade de um consumidor ou agente financeiro.
Um dos mais proeminentes economistas comportamentais especializado
no estudo sobre consumo David Laibson, professor de Harvard. Laibson
observa que muitos consumidores se consideram tomadores de deciso
imperfeitos. As pessoas tm um forte desejo de gratificao imediata, por
exemplo, consumir agora e no esperar pelo amanh onde este consumo
poderia ser mais vantajoso. Desse modo, os consumidores podem apresentar
comportamento inconsistente no tempo e acabar poupando menos que
gostariam (MANKIW, 2010).
1.2 CONSUMO DAS FAMLIAS BRASILEIRAS
O Produto Interno Bruto (PIB) de uma economia pode ser calculado por
trs ticas distintas, sendo uma delas a tica do dispndio. Por este mtodo o
PIB ser a soma de todas as despesas em que a produo gasta. Nesta tica
o componente com maior peso no PIB o consumo final, o qual se divide em
consumo da administrao pblica, consumo das famlias e consumo das
instituies sem fins de lucro a servio das famlias, sendo o consumo das
famlias o componente com maior participao no PIB.
A partir de 1994, aps o Plano Real, a inflao comeou a se estabilizar
na economia brasileira, a qual havia sofrido com o pesadelo da inflao nos
anos anteriores. Essa melhora no cenrio econmico possibilitou redues nas
taxas de juros, redues e isenes em impostos, aumento do crdito, dentre
outros fatores que contribuem para a expanso do consumo. A estabilizao da
inflao, a acelerao do crescimento econmico, a melhora na distribuio de
renda e a ampliao do crdito so alguns dos fatores responsveis pelo
surgimento de um novo mercado consumidor de massa que composto por
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12
pessoas de classes de renda inferiores que vm observando um aumento do
seu poder de consumo nos ltimos anos.
As melhoras no cenrio econmico do pas permitiram que pessoas das
classes D e E ascendessem para a classe C. Ventura (2010) afirma que de
acordo com pesquisa realizada pelo instituto Ipsos, de 2005 a 2007 um
contingente de 23,5 milhes de pessoas passou a fazer parte da classe C e
que segundo o IBGE, o potencial de consumo da classe C somou R$ 365
bilhes em 2007, um quarto da capacidade total de compra de todas as
famlias que moram nas cidades. Segundo Neri (2010), a nova classe mdia
a classe dominante do ponto de vista econmico. Em 2008 essa classe
dominava 45,66% do poder de compra dos brasileiros, passando para 46,24%
em 2009 superando as classes A e B, as quais detinham 44,12% do poder de
compra em 2009. As classes D e E foram perdendo poder de compra medida
que pessoas dessas classes ascenderam para a classe C.
A melhora na distribuio de renda e o aumento do poder de compra
que permitiram a entrada desses novos consumidores no mercado, com
padres de consumo diferenciados, merecem especial ateno, mas antes de
se aprofundar nestes assuntos necessrio entender o papel do consumo das
famlias na economia brasileira e analisar se o consumo das famlias brasileiras
de modo geral est seguindo a mesma tendncia que o consumo das famlias
das classes inferiores.
1.2.1 Participao do consumo das famlias no Produto Interno Bruto
O PIB uma medida estatstica da produo global de bens e servios
finais obtida em territrio nacional em um determinado perodo de tempo. O
PIB pode ser obtido por trs ticas distintas, e dessa forma seu clculo pode
ser feito de trs maneiras, todas gerando o mesmo resultado. Portanto, o PIB
a soma de todas as compras finais da economia, a soma do valor adicionado
de todas as empresas da economia, ou ainda, a soma de todas as rendas
dos fatores de produo da economia (SACHS E LARRAIN, 2000).
Uma das trs formas de calcular o PIB pelo mtodo do dispndio.
Neste clculo o PIB medido como a soma de todas as demandas finais dos
produtos e servios na economia, ou seja, a soma das aplicaes em que a
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produo total gasta. As contas nacionais dividem o PIB em quatro
categorias abrangentes para as despesas. Os produtos e servios podem ser
usados para consumo das famlias (C), consumo do governo (G), investimento
(I) ou venda lquida para o exterior (X - M), onde X representa as exportaes
realizadas pelo pas e M as importaes. O investimento, tambm chamado de
formao bruta de capital, composto pela formao bruta de capital fixo e
pela variao de estoques da economia. O consumo das famlias somado ao
consumo do governo e ao consumo das instituies sem fins de lucro a servio
das famlias resulta no consumo final. Assim, o PIB (Y) obtido atravs da
seguinte equao:
Y = C + I + G + (X M) (1)
Em 2009, o componente do PIB pela tica do dispndio que obteve
maior crescimento foi o consumo final, apresentando um crescimento de 4,1%
em volume, conforme a tabela 1.1. O consumo final representou 82,3% do PIB,
enquanto que em 2008 essa participao foi de 79,1%. Devido ao seu peso no
consumo final, o principal responsvel por esse aumento foi o consumo das
famlias que cresceu 4,4% em volume. As despesas da administrao pblica
com consumo cresceram 3,1% e o consumo das instituies sem fins de lucro
a servio das famlias cresceu 5,7% (IBGE, 2011).
Para o IBGE (2011) o aumento do consumo das famlias coerente com
o aumento de 3,3% na massa salarial real, segundo a Pesquisa Mensal de
Emprego (PME) e com o aumento de 19,7%, em termos nominais, nas
operaes de crdito do sistema financeiro para pessoa fsica, segundo dados
do Banco Central do Brasil.
A formao bruta de capital fixo totalizou R$ 585,3 bilhes em 2009,
representando um aumento nominal de 1,0% em relao a 2008, quando este
componente do PIB correspondeu a R$ 579,5 bilhes. Em termos de volume,
se observou um declnio de 6,7% em 2009, o nico ano com variao negativa
de volume entre 2005 e 2009. A participao da formao bruta de capital fixo
no PIB foi de 17,9% em 2009 contra 18,8% em 2008. Essa queda alterou uma
sequncia de anos consecutivos em que a participao vinha crescendo: 2005
(16,2%), 2006 (16,8%) e 2007 (17,6%). Apesar de a participao da formao
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bruta de capital fixo ter registrado queda em 2009, segunda maior desde o
ano 2000. A variao de estoques da economia brasileira registrou uma queda
de R$ 55 bilhes, passando de uma acumulao de R$ 48 bilhes em 2008
para uma variao negativa de R$ 7,5 bilhes em 2009 (IBGE, 2011).
Tabela 1.1- Variao real anual dos componentes do Produto Interno Bruto pela tica da despesa: 2008 2009.
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenao de Contas Nacionais.
Exportaes e importaes desaceleraram seu ritmo de crescimento em
2009. Em termos de volume as exportaes apresentaram declnio de 9,1% e
as importaes de 7,6%. Nas exportaes destaca-se a queda em volume de
bens de capital (-41,5%) e de bens de consumo durveis (-32,0%). J nas
importaes destaca-se a queda no volume de bens e servios intermedirios
(-11,9%) e de bens de capital (-8,7%). Contrabalanceando essas quedas as
importaes de bens e servios de consumo no durveis expandiram em
22,3% (IBGE, 2011).
O consumo das famlias, que consiste nos bens e servios comprados
pelos domiclios, a categoria com maior participao no PIB. No grfico 1.2
observa-se a evoluo dessa participao. Entre 1990 e 2012, os anos em que
o consumo das famlias obteve as menores participaes percentuais no PIB
foram 1990 com 58,3% e 2008 com 58,9%. Os anos que registraram as
maiores participaes foram 1997 com 64,9% e 1996 e 1999 com 64,7%.
Durante a dcada de 1990 a taxa de crescimento do PIB apresentou
variaes significativas. Nos anos anteriores a 1994, a variao do PIB
brasileiro foi negativa, devido ao cenrio de alta inflao e instabilidade
econmica.
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15
Grfico 1.2 Despesa de consumo das famlias em relao ao produto interno bruto. Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas. Coordenao de Contas Nacionais. Elaborao: Prpria. (1) Para os anos de 2010, 2011 e 2012 os resultados preliminares foram obtidos a partir das Contas Nacionais Trimestrais. Para os outros anos foi utilizado o Sistema de Contas Nacionais Anual.
Em 1994, com a adoo do Plano Real, a economia brasileira comeou
a se estabilizar, reduzindo os elevados nveis de inflao dos anos anteriores.
Apesar da melhora no setor interno, a economia brasileira ficou mais frgil no
setor externo, devido ao aumento da taxa de juros e ao cmbio que estava
valorizado, fato que limitou o crescimento econmico. De 1993 para 1994 a
taxa de crescimento do PIB brasileiro passou de 4,9% para 5,9% (RIBEIRO et.
al., 2010). Esse aumento se deve principalmente reduo dos nveis
inflacionrios e aos saldos positivos da produo e do consumo.
De 1994 para 1995 a taxa de crescimento do PIB caiu de 5,9% para
4,2%, refletindo o cenrio internacional, que estava enfrentando a crise
mexicana a qual impactou no fluxo de capitais dos pases emergentes,
incluindo o Brasil. A queda da taxa de inflao a partir da adoo do Plano Real
teve efeitos expressivos sobre o poder de compra da populao, assim como o
aumento salarial aliado ao aumento do nvel de emprego. Esses fatores
estimularam o consumo, e de 1994 para 1995 as vendas de automveis,
eletrodomsticos da linha branca e outros bens durveis cresceram mais de
50% (RIBEIRO et. al., 2010). Devido a esse aumento no consumo, o pas
passou a adotar algumas medidas restritivas, como por exemplo, aumento dos
emprstimos compulsrios, restrio de crdito, juros altos e desvalorizao
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cambial. Essas medidas foram adotadas para se evitar um aumento na inflao
causado pelo excesso de demanda e para amenizar os dficits na balana
comercial, e acabaram prejudicando o crescimento econmico do perodo
(GIAMBIAGI et. al., 2005).
A economia brasileira foi prejudicada por uma combinao de eventos
no ano de 2001, como por exemplo, a crise energtica, a crise da Argentina e
os atentados terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos. Nesse
contexto, o risco pas aumentou refletindo uma menor disponibilidade de
capitais para o pas e afetando os juros domsticos. Isso comprometeu o
crescimento econmico, resultando em uma taxa de crescimento real de
1,42%. A despesa de consumo das famlias cresceu 8,4% em termos nominais
e 0,70% em termos reais, em relao ao ano anterior. O reduzido crescimento
do consumo das famlias resultado combinado da poltica monetria restritiva,
que elevou suas despesas financeiras, e do comportamento da renda do
trabalho e do nvel de emprego (GIAMBIAGI et. al., 2005).
Em 2005, o pas apresentou crescimento de 3,2%, desempenho menor
que o verificado em 2004, que foi de 5,7%, devido desacelerao dos
investimentos, da indstria de transformao e da agropecuria. Este resultado
foi puxado pelo consumo das famlias, influenciado principalmente pelo
aumento do crdito e dos salrios reais (RIBEIRO et. al., 2010).
No final do ano de 2008 e durante o ano de 2009 a economia brasileira
sofreu os impactos da crise econmica mundial. Nos trs primeiros trimestres
de 2008 a atividade econmica brasileira crescia a uma taxa de 6,6%
comparada do mesmo perodo do ano anterior. No ltimo trimestre essa taxa
caiu para 0,8%. Nos trs primeiros trimestres de 2009 o PIB brasileiro
continuou a cair, apresentando uma queda de 1,7% em relao ao mesmo
perodo do ano anterior. O consumo das famlias foi uma das variveis
responsveis por impedir que o efeito da crise fosse maior na economia
brasileira. Nos trs primeiros trimestres de 2009, esse apresentou uma
variao positiva de 2,8% em relao ao mesmo perodo de 2008. (CONTRI,
2010).
No segundo semestre, a economia se recuperou, em funo do bom
desempenho do mercado interno aquecido pelas sucessivas redues nas
taxas de juros, as isenes fiscais nos setores de automveis, da construo
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civil e da linha branca que estimularam o consumo nesses setores que
apresentam um elevado efeito multiplicador sobre a renda e o emprego. Essas
medidas e os programas de polticas sociais, como por exemplo, a ampliao
do Programa Bolsa Famlia e a extenso do seguro desemprego, mantiveram o
consumo em patamares sustentveis para um cenrio de crise mundial, e
desse modo sustentaram o mercado interno brasileiro. (CONTRI, 2010).
1.2.2 Despesas das famlias brasileiras com consumo
A Pesquisa de Oramentos Familiares (POF) visa principalmente
mensurar as estruturas de consumo, dos gastos, dos rendimentos e parte da
variao patrimonial das famlias (IBGE, 2010). Portanto, a partir da POF
possvel conhecer quanto da renda familiar despendido para o consumo e
como se compem e se distribuem as despesas das famlias de acordo com os
diversos itens disponveis para o consumo.
A POF 2008-2009 a quinta pesquisa realizada pelo IBGE sobre
oramentos familiares. As pesquisas anteriores foram o Estudo Nacional de
Despesa Familiar (ENDEF) realizado em 1974-1975, com abrangncia
territorial nacional, com exceo das reas rurais das Regies Norte e Centro-
Oeste e as POFs realizadas nos anos, 1987-1988, 1995-1996 e 2002-2003.
No ENDEF e nas POFs, para efeito de divulgao de resultados, o termo
famlia tem sido utilizado para representar o conceito unidade de consumo. A
POF uma pesquisa realizada por amostragem, na qual so investigados os
domiclios particulares permanentes. No domiclio, por sua vez, identificada a
unidade bsica da pesquisa, a unidade de consumo, que compreende um
nico morador ou conjunto de moradores que compartilham da mesma fonte de
alimentao ou compartilham as despesas com moradia. O conceito de
famlia para o IBGE refere-se s pessoas ligadas por laos de parentesco,
dependncia domstica ou normas de convivncia, sem referncia explcita ao
consumo ou despesas. Entretanto, na maior parte das situaes, a unidade de
consumo da POF coincide com a famlia, segundo o conceito adotado pelo
IBGE (IBGE, 2010).
Entre os principais objetivos da POF 2008-2009 est a pesquisa de
todas as despesas, as quais so classificadas como monetrias e no
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monetrias. As despesas monetrias so definidas como aquelas efetuadas
atravs de pagamento, realizado vista ou a prazo, em dinheiro, cheque ou
por meio do carto de crdito. J as despesas no monetrias so definidas
como aquelas efetuadas sem pagamento monetrio, ou seja, so obtidas
atravs de doao, retirada do negcio, troca, produo prpria, pescado,
caado, e outras formas de obteno sem pagamento monetrio.
O conceito de despesa total inclui todas as despesas monetrias e
tambm as despesas no monetrias realizadas pela unidade de consumo.
Compem a despesa total todas as despesas monetrias e no monetrias
correntes, que incluem despesas de consumo e outras despesas correntes,
alm do aumento do ativo e da diminuio do passivo.
As despesas de consumo correspondem s despesas realizadas pelas
unidades de consumo com aquisies de bens e servios utilizados para
atender diretamente s necessidades e desejos pessoais de seus
componentes no perodo da pesquisa. Esto organizadas segundo os
seguintes grupamentos: alimentao, habitao, vesturio, transporte, higiene
e cuidados pessoais, assistncia sade, educao, recreao e cultura,
fumo, servios pessoais e outras despesas diversas no classificadas
anteriormente.
As outras despesas correntes correspondem a despesas com impostos
pagos, contribuies trabalhistas, servios bancrios, penses, mesadas,
doaes e previdncia privada.
O aumento do ativo visto como o aumento do patrimnio familiar.
Corresponde a despesas com aquisio de imveis, construo e
melhoramento de imveis prprios e outros investimentos como, por exemplo,
ttulos de capitalizao, ttulos de clube, aquisio de terrenos para jazigo e
outras aquisies similares.
Na diminuio do passivo, esto includas as despesas com pagamentos
de dbitos, juros e seguros com emprstimos pessoais, inclusive dvidas
judiciais e carns de mercadorias, e prestao de financiamento de imvel.
A POF 2008-2009 apresentou o valor de R$ 2.626,31 para a estimativa
da despesa total mdia mensal familiar no Brasil. A Regio Sudeste foi aquela
que apresentou o maior valor para a despesa total mdia mensal familiar, R$
3.135,80; 19,4% maior que a estimativa encontrada para o Brasil. J a regio
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19
com menor valor foi a Regio Nordeste, ficando 35,3% abaixo do valor obtido
para o Brasil, sendo a sua despesa total mdia mensal familiar estimada em R$
1.700,26, conforme os dados da tabela 1.2.
Pela tabela 1.2 observa-se que quando comparados os valores da
despesa total mdia mensal familiar para as situaes urbana e rural
apresentam resultados bastante distintos. A situao urbana foi 8,6% maior
que o resultado obtido para a despesa total mdia nacional. J para a situao
rural o valor obtido foi 46,8% inferior ao obtido para o Brasil.
Tabela 1.2 - Despesa monetria e no monetria mdia mensal familiar, por Grandes Regies e a situao do domiclio, segundo os tipos de despesa perodo 2008-2009.
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenao de Trabalho e Rendimento, Pesquisa de Oramentos Familiares 2008-2009.
Na tabela 1.2 tambm apresentada a distribuio percentual da
despesa total dentre os grandes grupos que a compem, ou seja, despesas
correntes, aumento do ativo e diminuio do passivo. Essa distribuio feita a
nvel nacional e para as reas urbana e rural do pas.
Para o Brasil, a despesa total mdia mensal foi estimada em R$
2.626,31 sendo que 92,1% desse valor correspondem s despesas correntes,
81,3% referentes parcela de despesas de consumo e 10,9% referentes s
outras despesas correntes. O aumento do ativo representa 5,8% da despesa
total, enquanto a diminuio do passivo tem participao de 2,1%.
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20
As despesas correntes apresentaram valores similares para os trs
estratos (Brasil, rea urbana e rea rural). No entanto, as despesas que a
compem, ou seja, as despesas de consumo e outras despesas correntes j
apresentaram diferenas significativas entre os trs estratos. As despesas de
consumo apresentaram seu maior valor na rea rural, sendo responsvel por
87,3% da despesa total, enquanto que na rea urbana essas representam
80,7%. O grupo representado por outras despesas correntes foi 5,9 pontos
percentuais menor na rea rural que na rea urbana. Essas diferenas so
explicadas principalmente por despesas com impostos, contribuies
trabalhistas e servios bancrios (IBGE, 2010).
Ainda pela tabela 1.2 possvel analisar a composio da despesa total
para as cinco Grandes Regies do pas. As despesas correntes apresentam
poucas variaes em relao mdia nacional de 92,1%, sendo a Regio Sul
a que mais se distancia desse valor com uma variao de menos 2,2%. No
entanto, quando se analisa as despesas que compem as despesas correntes,
observam-se dois valores ao redor dos quais as despesas de consumo das
Grandes Regies se concentram. As Regies Norte e Nordeste apresentam
participaes dessa despesa na ordem de 84,0% enquanto as Regies
Sudeste, Sul e Centro-Oeste na ordem de 80,0%. O mesmo ocorre para as
outras despesas correntes, onde as Regies Centro-Oeste e Sudeste se
concentram ao redor do patamar mais elevado, na ordem de 12,0%, enquanto
as outras trs Regies se concentram ao redor do patamar de 9,0%.
O grfico 1.3 apresenta uma comparao entre os resultados do Brasil
obtidos no ENDEF 1974-1975, na POF 2002-2003 e na ltima POF, a de 2008-
2009, sendo as trs pesquisas de abrangncia nacional. Na comparao dos
resultados, a POF 2002-2003 apresenta resultados mais prximos aos da POF
2008-2009 do que o ENDEF 1974-1975. Isso se deve ao intervalo de tempo
entre as pesquisas, que maior para o ENDEF, s mudanas no modo de vida
das famlias brasileiras e tambm a oferta crescente de servios e produtos
que ocorreu de 1974 at 2009 (IBGE, 2010).
-
21
Grfico 1.3 - Distribuio das despesas monetria e no monetria mdia mensal familiar, no Estudo Nacional da Pesquisa Familiar - ENDEF e na Pesquisa de Oramentos Familiares - POF, segundo os tipos de despesas - Brasil - perodo 1974/2009. Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenao de Trabalho e Rendimento, Estudo Nacional da Despesa Familiar 1974-1975 e Pesquisa de Oramentos Familiares 2002-2003/2008-2009. (1) Exclusive a rea rural das Regies Norte e Centro-Oeste.
No grupo das despesas correntes quando se compara o ENDEF 1974-
1975 com a POF 2008-2009 observa-se um aumento de 12,2 pontos
percentuais. J quando se compara a POF 2008-2009 com a POF 2002-2003 o
movimento contrrio, sendo observada uma queda de 1,2 pontos
percentuais, passando de 93,3% na POF 2002-2003 para 92,1% na POF 2008-
2009.
O mesmo movimento das despesas correntes observado para as
despesas de consumo. Na POF de 2008-2009 essa despesa representava
81,3% da despesa total, apresentando um aumento de 6,7 pontos percentuais
quando comparada ao ENDEF 1974-1975 (74,6%). No entanto, quando
comparada com a POF 2002-2003 (82,4%), as despesas de consumo da POF
2008-2009 apresentam uma queda de 1, 1 ponto percentual.
Quando se compara os resultados das trs pesquisas em relao s
reas urbanas e rurais observamos que as despesas de consumo na POF
2008-2009 para a rea urbana era de 80,7% apresentando uma queda de 1,1
ponto percentual quando comparada a POF 2002-2003 (81,8%) e um aumento
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de 4,5 pontos percentuais quando comparada ao ENDEF 1974-1975 (76,2%).
Para a rea rural a POF 2008-2009 (87,3%) apresentou queda de 2,5 pontos
percentuais nas despesas de consumo quando comparada com a POF 2002-
2003 (89,8%) e aumento de 2,2 pontos percentuais quando comparada ao
ENDEF 1974-1975 (85,1%). Observa-se tambm, nas POF 2008-2009 e POF
2002-2003, que as participaes do grupo despesas de consumo
apresentaram diferenas de 6,6 pontos percentuais e 8,0 pontos percentuais,
respectivamente, entre as reas urbana e rural (IBGE, 2010).
Ao se aprofundar na anlise das despesas de consumo, observa-se que
elas correspondem ao item mais importante da despesa familiar. Conforme o
grfico 1.3, as despesas de consumo na POF 2008-2009 corresponderam a
81,3% da despesa total das famlias brasileiras. Essa porcentagem
equivalente ao valor mdio mensal de R$ 2.134,77 considerando que a
despesa total mdia mensal equivale a R$ 2.626,31. O valor mdio das
despesas de consumo mensais das famlias residentes na rea rural de R$
1.220,14 correspondendo a 57,2% do valor nacional, enquanto que as famlias
residentes na rea urbana despendem o valor mdio mensal de R$ 2.303,56
em despesas de consumo, estando acima da mdia nacional (IBGE, 2010).
No grfico 1.4 apresentada a distribuio da despesa familiar com
consumo, para o Brasil, dentre os grupos que compem as despesas de
consumo. Na tabela 1.3 pode-se ver como essa distribuio ocorre nas
grandes regies do pas e nas reas urbana e rural. Observa-se que as
despesas com alimentao, habitao e transporte equivalem a 75,3% da
despesa de consumo mdia mensal das famlias brasileiras, representando
61,3% da despesa total mdia familiar.
A participao das despesas com consumo segundo seus grupamentos
dentro dos gastos familiares difere bastante entre as reas urbana e rural. Nos
trs grupamentos que representam mais de 75% das despesas com consumo
observa-se que enquanto na rea rural a alimentao representa 27,6% dos
gastos totais com consumo, na rea urbana representa 19,0%. As despesas
com habitao representam 36,4% das despesas com consumo na rea
urbana, enquanto que na rea rural representam 30,6%. Dentre os trs
grupamentos mais significativos, o transporte o que mais se assemelha entre
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23
as duas reas, sendo equivalente a 19,5% na rea urbana e 20,6% na rea
rural.
Grfico 1.4 - Distribuio das despesas de consumo monetria e no monetria mdia mensal familiar, por tipos de despesa - Brasil - perodo 2008-2009.
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenao de Trabalho e Rendimento, Pesquisa de Oramentos Familiares 2008-2009.
As despesas com habitao so responsveis pela maior percentagem
das despesas de consumo tanto em nvel nacional como em nvel regional.
Para esse grupo, as maiores participaes nos gastos com consumo so
registradas nas regies Centro-Oeste e Sudeste e a menor participao vista
na regio Nordeste. J para as despesas com alimentao, as maiores
participaes so registradas nas regies Norte e Nordeste, enquanto a menor
participao ocorreu na regio Centro-Oeste. Por fim as maiores participaes
registradas para as despesas com transporte foram para as regies Sul e
Centro-Oeste e a menor participao observada na regio Norte.
Tabela 1.3 - Distribuio das despesas de consumo monetria e no monetria mdia por tipos de despesa, segundo a situao do domiclio e as Grandes Regies - perodo 2008-2009.
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24
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenao de Trabalho e Rendimento, Pesquisa de Oramentos Familiares 2008-2009.
Na POF 2008-2009 tambm foi estimada a distribuio da despesa de
consumo dentre seus grupamentos para classes extremas de rendimentos. As
classes so definidas como sendo as famlias com rendimentos at R$ 830,00
pertencentes classe inferior extrema e as famlias com rendimentos acima de
R$10.375,00 pertencentes classe superior extrema. Os resultados podem ser
observados na tabela 1.4.
A diferena entre essas classes na maioria dos grupamentos da
despesa com consumo expressiva. As despesas com alimentao, por
exemplo, enquanto que na classe inferior extrema so responsveis por 27,8%
dos gastos totais, na classe superior extrema equivale a apenas 8,5%. Quanto
habitao, quando os rendimentos foram os mais baixos, a participao na
despesa total foi de 37,2% e, na situao oposta, foi de 22,8%. As famlias de
rendimentos inferiores apresentaram participao mais significativa para os
gastos com os itens aluguel (17,5% contra 8,8% do grupo com rendimentos
mais elevados), servios e taxas (8,9% contra 4,5%), mobilirios e artigos para
o lar; e eletrodomsticos (5,7% contra 2,7%). Nas despesas com transporte, as
famlias da classe inferior extrema registraram menor participao (9,7%) na
despesa total que as famlias da classe superior extrema (17,7%). Para as
famlias de rendimentos mais baixos foi mais importante o item transporte
urbano (3,8% contra 0,6%) e para as famlias de rendimentos mais elevados o
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25
item mais importante foi aquisio de veculos (9,4% contra 2,4%) (IBGE,
2010).
Tabela 1.4 - Distribuio das despesas monetria e no monetria mdia mensal famlia, por classes extremas de rendimento total e variao patrimonial mensal familiar, segundo os tipos de despesas selecionadas Brasil perodo 2008-2009.
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenao de Trabalho e Rendimento, Pesquisa de Oramentos Familiares 2008-2009. (1) Inclusive sem rendimento.
Anteriormente foi feita uma comparao entre os resultados do ENDEF
1974-1975, da POF 2002-2003 e da POF 2008-2009 abordando os principais
grupamentos da despesa total. Essa comparao feita para os grupamentos
da despesa de consumo na tabela 1.5. A comparao feita apenas entre
alguns dos grupamentos em que se dividem as despesas com consumo,
devido as diferentes formas de classificao dos itens de consumo nas trs
pesquisas.
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26
Tabela 1.5 - Participao na despesa de consumo monetria e no monetria mdia mensal familiar, no Estudo Nacional da Despesa Familiar ENDEF e na Pesquisa de Oramentos Familiares POF, por situao do domicilio, segundo os tipos de despesa selecionada Brasil perodo 1974/2009.
Fontes: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenao de Trabalho e Rendimento, Estudo Nacional da Despesa Familiar 1974-1975 e Pesquisa de Oramentos Familiares 2002-2003/2008-2009. (1) Exclusive a rea rural das Regies Norte e Centro-Oeste.
Os resultados obtidos para os trs grupos mais expressivos nas
despesas de consumo sofreram alteraes significativas ao longo do tempo, a
nvel nacional e nas reas urbana e rural. As despesas com alimentao, que
na POF 2008-2009, representaram 19,8% do total das despesas de consumo,
na POF 2002-2003 registraram participao de 20,8% e no ENDEF 1974-1975,
33,9%. A evoluo dessa participao confirma o comportamento de queda
que vem sendo observado. Na rea urbana do Brasil, o ENDEF 1974-1975
registrou participao de 30,1% para esse grupo de despesas, a POF 2002-
2003 registrou 19,58% e a POF 2008-2009 19%. Na rea rural tambm foi
observada uma queda na evoluo da participao das despesas com
alimentao. Os resultados observados foram: ENDEF 1974-1975 (53,2%),
POF 2002-2003 (34,12%) e POF 2008-2009 (27,6%).
No grupo de despesas com habitao, os resultados das POFs apontam
crescimentos significativos em relao ao ENDEF. Para o Brasil, verificou-se
na POF 2008-2009, participao nas despesas de consumo de 35,9% e na
POF 2002-2003, de 35,5%, contra 30,4% no ENDEF 1974-1975, indicando
crescimento continuado. Na situao urbana, a evoluo das participaes nos
perodo ocorreu em escala mais suave no sentido do crescimento. J na rural,
o aumento da participao dos gastos com habitao no perodo avaliado foi
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27
mais significativo, tendo registrado 17,8% no ENDEF 1974-1975, 28,66% na
POF 2002-2003 e 30,6% na POF 2008-2009.
Quanto s participaes das despesas com transporte verificou-se
crescimento em sua evoluo nos trs estratos observados. No resultado
nacional, verificaram-se crescimentos de 7,2 pontos percentuais entre o
ENDEF 1974-1975 e a POF 2002-2003 e de 1,2 pontos percentuais entre a
POF 2002-2003 e a POF 2008-2009. Para as famlias residentes em situao
urbana, o crescimento foi similar ao verificado para o pas. Na rea rural os
gastos com transporte apresentaram crescimentos mais acentuados. As
participaes registradas foram: no ENDEF 1974-1975, 7,5%; na POF 2002-
2003, 17,9%; e na POF 2008-2009, 20,6%.
Portanto, diante dos dados das trs pesquisas, observa-se que as
famlias brasileiras despendem a maior parte de sua renda para as despesas
de consumo. De 1974-1975 para 2008-2009 ocorreu um aumento significativo
das despesas de consumo, passando de 74,6% para 81,3% das despesas
totais, o que indica mudanas no modo de vida das pessoas e maior oferta de
bens e servios.
As despesas de consumo so maiores na rea rural e nas Regies
Norte e Nordeste, de onde podemos inferir que as pessoas com rendimentos
inferiores despendem mais de sua renda com consumo que as pessoas com
rendimentos mais elevados. Essa inferncia confirmada pela tabela 1.4 que
mostra que as pessoas da classe inferior extrema tm 93,9% de suas
despesas destinadas ao consumo, enquanto as pessoas da classe superior
extrema destinam apenas 67,2% de suas despesas para este fim. Desse
modo, chega-se a concluso que so as famlias de rendimentos inferiores que
tm maior participao nas despesas de consumo no pas.
Quando se compara o ENDEF 1974-1975 com as POFs 2002-2003 e
2008-2009 observa-se que a composio das despesas com consumo vem
mudando ao longo dos anos. As despesas com alimentao vm perdendo
participao nas despesas com consumo enquanto que outros tipos de
despesas, como habitao e transporte, vm aumentando seu peso. Isso um
indcio de que os padres de consumo da populao esto mudando e que as
pessoas esto tendo um acesso maior a bens que antes no podiam ser
consumidos pelas pessoas pertencentes s classes inferiores por serem
-
28
considerados bens de luxo. Um exemplo disso que as despesas com
aquisio de eletrodomsticos da classe inferior extrema em 2008-2009 foi
superior a da classe superior extrema, sendo esta despesa correspondente por
3,2% das despesas totais da classe inferior extrema e apenas 1,3% das
despesas totais da classe superior extrema (IBGE, 2010).
-
29
Captulo 2 - A CLASSE MDIA BRASILEIRA
No primeiro captulo foram apresentadas caractersticas das despesas
de consumo para a populao brasileira. Nesse captulo essa anlise se
concentrar na classe mdia brasileira. Na primeira seo sero apresentadas
diferentes definies de classe mdia e a definio adotada por este trabalho.
Na segunda seo abordaremos a queda da concentrao de renda que vem
ocorrendo no Brasil desde 2001 e um dos principais motivos para a expanso
da classe mdia brasileira. A ltima seo destaca o consumo da classe mdia
brasileira, trazendo dados sobre o acesso dessa classe a alguns bens de
consumo durveis e a alguns servios pblicos. Nessa seo tambm ser
apresentado o comportamento das despesas de consumo da classe mdia
brasileira de acordo com a POF 2008-2009.
2.1 DEFINIES DE CLASSE MDIA
Os estudos brasileiros produzidos nas dcadas de 1960 e 1970 tinham
como pano de fundo a discusso sobre o papel poltico da classe mdia e
analisavam de que lado a classe mdia iria se postar: ao lado do proletariado
ou ao lado da burguesia ( ALBUQUERQUE, 1977).
Aps essa primeira fase de pesquisas, verifica-se uma lacuna de
estudos econmicos sobre este tema durante as dcadas de 1980 e 1990,
salvo a exceo representada por Quadros (1985 e 1991). Na histria do pas
estas duas dcadas foram marcadas pelo aprofundamento da crise econmica
e o tema da classe mdia ficou em segundo plano at a estabilizao
monetria.
Nos anos 2000 renasceu o interesse e essa retomada marcada por
uma transformao metodolgica. Saem de cena as discusses sobre a
ocupao e a natureza do trabalho como variveis definidoras de classe mdia
e entram os conceitos de renda e poder de compra.
O termo classe mdia pode ser entendido como uma referncia s
pessoas que no se encontram nem na situao de pobreza, mas que tambm
no atingem os nveis mais altos de renda e, portanto, a classe mdia a
classe econmica entre a classe baixa e a classe alta. Na literatura no existe
-
30
um consenso quanto a como se estimar ou medir a classe mdia. Easterly
(2001), Barnerjee e Duflo (2007) e Neri (2010) so alguns dos autores que
definem a classe mdia de forma mais objetiva, isto , em termos da renda e
da capacidade de consumo dos indivduos. Outros autores buscam definir a
classe mdia de acordo com caractersticas mais subjetivas, como o caso de
Scalon e Salata (2012) que buscam uma definio de classe mdia com bases
em perspectivas sociolgicas dos estudos de classe.
Banerjee e Duflo (2007) levam em conta que em uma sociedade
heterognea podem existir diferentes nveis de classe mdia e, portanto, fazem
a distino entre as famlias cujos gastos dirios per capita, avaliados pela
paridade do poder de compra, esto entre US$ 2 e US$ 4 e aquelas com
gastos dirios per capita entre US$ 6 e US$ 10 para uma definio global de
classe mdia.
Segundo Neri (2012), o estudo sobre a classe mdia mundial da
Goldman Sachs (2008), define classe C com o intervalo compreendido entre
R$ 859 e R$ 4.296 e o Banco Mundial define classe mdia como o intervalo
compreendido entre R$ 2.435 a R$ 10.025. Segundo o estudo da Goldman
Sachs (2008) a definio do Banco Mundial encontra-se mais prxima da
definio de classe mdia em pases desenvolvidos.
Easterly (2001) define a classe mdia como aqueles que se encontram
entre o 20 e 80 percentil da distribuio de renda e conclui com base na
comparao de um grande nmero de pases que os pases que tm uma
classe mdia maior tendem a crescer mais rpido, pelo menos se eles no so
muito diferentes etnicamente.
Portanto, observa-se que a definio de classe mdia em nvel mundial
varia bastante. Assim como a classe mdia mundial, a classe mdia brasileira
tambm pode ser definida de diversas maneiras. Sero apresentadas abaixo
algumas das definies de classe mdia brasileira, como a definio seguida
pelo Critrio Brasil, em vigor desde 2003, a definio da Secretria de
Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica (SAE/PR) e a definio de
Neri (2010).
O Critrio de Classificao Econmica Brasil (CCEB), conhecido como
Critrio Brasil, elaborado pela Associao Brasileira de Empresas de Pesquisa
(ABEP) (2003) um instrumento de segmentao que utiliza o levantamento
-
31
de caractersticas domiciliares, como a presena e quantidade de alguns itens
de conforto e grau de escolaridade do chefe de famlia, para diferenciar a
populao. A funo do Critrio Brasil estimar o poder de compra das
pessoas e famlias urbanas e abandona a pretenso de classificar a populao
em termos de classes sociais e, portanto, a diviso de mercado de classes
econmicas. Esse critrio foi construdo para definir grandes classes que
atendam s necessidades de segmentao da maioria das empresas.
Essa classificao feita com base na posse de bens e para cada bem
possudo h uma pontuao e cada classe definida pela soma dessa
pontuao. As classes definidas pelo CCEB so A1, A2, B1, B2, C, D e E. A
renda mdia familiar das classes apresentada na tabela 2.1.
Tabela 2.1 Renda mdia familiar das classes econmicas segundo a definio do Critrio Brasil.
Fonte: Associao Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP) (2003). Elaborao: Prpria.
A Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica
(SAE/PR) (2012) divide a sociedade brasileira em trs grandes grupos em
termos da renda familiar per capita, a saber: classe baixa, classe mdia e
classe alta. O critrio que foi seguido para definir essa diviso foi o grau de
vulnerabilidade, buscando assim gerar grupos homogneos com relao
vulnerabilidade pobreza. Dessa forma, a classe baixa composta por
pessoas que tm alta probabilidade de permanecer ou passar a ser pobres no
futuro prximo, e que vivem em famlias com renda per capita inferior a R$ 291
por ms. Fazem parte da classe mdia aqueles com baixa probabilidade de
passarem a ser pobres no futuro prximo e que vivem em famlias com renda
per capita compreendida entre R$ 291 e R$ 1.019 por ms. As pessoas que
pertencem classe alta possuem probabilidade mnima de se tornarem pobres
-
32
no futuro prximo e vivem em famlias com renda per capita superior a R$
1.019 por ms.
A SAE/PR (2012) ainda faz uma diviso dentro da classe mdia,
definindo trs grupos dentro desta classe: a baixa classe mdia, com renda
familiar per capita entre R$ 291 e R$ 441, a mdia classe mdia, com renda
familiar per capita de R$ R$ 441 a R$ 641 e a alta classe mdia, cuja renda
familiar per capita fica entre R$ 641 e R$ 1.019. De acordo com os percentis da
distribuio de renda, pela definio da SAE/PR (2012), a classe mdia
brasileira se encontra entre o 34 e o 82 percentil.
Segundo a SAE/PR (2012) em 2002 a classe mdia correspondia a 38%
da populao brasileira e em 2009 esse nmero passou para 48%. A
estimativa a partir de dados da PNAD era que a classe mdia compreendia
53% da populao brasileira em 2012, ou seja, 104 milhes de pessoas. As
estimativas em 2012 para a classe alta eram de 20% da populao (40
milhes) e 28% (55 milhes) para a classe baixa. A evoluo do tamanho das
classes econmicas pode ser vista no grfico 2.1.
Grfico 2.1 Evoluo do tamanho das classes econmicas brasileiras, de acordo com a definio da SAE/PR 2002 a 2012. Fonte: Estimativas produzidas com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD). Elaborao: SAE/PR (2012)
-
33
De 2002 a 2012, em mdia 21% da populao brasileira ascendeu da
classe baixa para a classe mdia, enquanto que 6% da populao ascenderam
dessa classe para a classe alta. Portanto, houve um crescimento lquido de
15% na classe mdia brasileira, j que o tamanho da classe mdia definido
como o resultado lquido da diferena entre o nmero de pessoas que
ascenderam da classe baixa para a classe mdia e o nmero de pessoas que
ascenderam da classe mdia para a alta (SAE/PR, 2012).
Neri (2010) mensura as classes econmicas atravs da organizao de
toda a distribuio de renda sob a forma de estratos econmicos. As classes
econmicas so definidas por suas rendas per capita de todas as fontes. Para
quantificar as faixas das classes econmicas, calculado a renda domiciliar
per capita e depois essa expressa em termos equivalentes de renda
domiciliar total de todas as fontes. Dessa forma, Neri (2010) define que a
classe C est compreendida entre os que ganham de R$ 1.126 a R$ 4.854,
conforme a tabela 2.2. A definio de classe mdia de Neri (2010) ser
adotada por este trabalho por ser determinada em termos da renda domiciliar e
desse modo torna mais fcil a comparao com os dados da POF 2008-2009.
Segundo Neri (2010), a classe C aufere em mdia a renda mdia da
sociedade, sendo a classe mdia no sentido estatstico, representando com
proximidade a mdia da sociedade brasileira. No entanto, como existe
desigualdade de renda no Brasil, a renda mdia brasileira acaba se tornando
alta em relao ao resto da distribuio.
Tabela 2.2 Definio das classes econmicas de acordo com a renda domiciliar total mensal de todas as fontes.
Fonte: CPS/FGV a partir do processamento dos microdados da PNAD/IBGE. Elaborao: Prpria.
Neri (2010) observa que de acordo com a PNAD 2009, a proporo de
pessoas pertencentes classe A aumentou em 0,18% em relao a 2008,
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34
percentual equivalente a 106,5 mil novas pessoas pertencentes classe A
(tabela 2.3). Desde 2003, 3,2 milhes de pessoas ingressaram na classe A. De
2008 para 2009 a classe B cresceu 3,5% o que significa que 443 mil pessoas
ascenderam para esta classe. Em 2009, 40,4 milhes de pessoas eram
classificadas como classe B. As classes A e B foram as que cresceram mais
em termos relativos de 2003 a 2009, 39,6%, quando 6,6 milhes de brasileiros
foram incorporados a essas duas classes, que atingiam juntas cerca de 10% da
populao, 20 milhes de brasileiros. A classe C aumentou de 37,56% em
2003 para 50,45% da populao brasileira em 2009 (grfico 2.2), ou seja, 94,9
milhes de brasileiros pertenciam classe mdia em 2009. O crescimento
acumulado da classe C entre 2003 e 2009 foi de 34,32%, o que significa dizer
que 29 milhes de brasileiros se tornaram classe mdia durante esse perodo,
sendo que 3,2 milhes foram entre 2008 e 2009, perodo de crise econmica,
quando a classe C cresceu mais em termos proporcionais, 2,5% a mais do que
as demais classes.
Tabela 2.3 Evoluo das classes econmicas em nmero de pessoas e em porcentagem.
Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD/IBGE. Elaborao: Prpria.
Em contrapartida ao crescimento das classes A, B e C, as classes D e E
diminuram, conforme se observa na tabela 2.3. De 2003 para 2009 a classe D
encolheu 11,63%, ou seja, 2,5 milhes de pessoas deixaram de pertencer
classe D. De 2008 para 2009 essa classe sofreu reduo de 0,9 milhes de
pessoas, valor equivalente a 3%. A classe E encolheu em 45,50% de 2003
para 2009 e 4,32% de 2008 para 2009 representando a sada de 1 milho de
pessoas da classe de renda mais baixa. A partir do grfico 2.2 possvel notar
os movimentos de aumento das classes AB e C e de queda na classe DE. Nas
classes ABC 35,7 milhes de pessoas foram adicionadas entre 2003 e 2009.
Em contrapartida a base da pirmide econmica, classes DE, foi reduzida de
96,2 milhes em 2003 para 73,2 milhes em 2009 (NERI, 2010).
-
35
Grfico 2.2 Evoluo das classes econmicas (em porcentagem). Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD/IBGE. Elaborao: Neri (2010).
No grfico 2.3 apresentado o movimento de evoluo da classe C a
partir de 1992, com um pequeno recuo em 1993 em consequncia da crise que
o pas passava naquela poca e um recuo tambm em 2003 no incio do
governo Lula. Em 1992 a classe C representava 32,52% da populao
brasileira, passando para 37,56% em 2003 e atingindo 50,45% da populao
em 2009.
Grfico 2.3 Evoluo da classe C (em porcentagem). Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD/IBGE. Elaborao: Neri (2010).
Len (2012) busca uma definio objetiva da classe mdia brasileira,
levando em conta as caractersticas do pas e do perodo de tempo em que
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36
realizou seu estudo. Sua proposta basear a definio de classe mdia
apenas em rendimentos provenientes do trabalho. A autora toma como
referncia em sua definio as subdivises estabelecidas pela PNAD
(Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios), que mostram oito grupos de
diferentes retornos mensais do trabalho. Estes oito grupos consistem em:
aqueles cujo retorno mensal do trabalho equivalente metade ou menos do
salrio mnimo, aqueles cujo retorno mensal est entre mais de metade do
salrio mnimo e um salrio mnimo, seguido por aqueles cujos retornos so
entre mais de um a dois salrios mnimos, aqueles entre mais de dois e trs,
aqueles entre mais de trs e cinco, entre os mais de cinco e dez, entre mais de
dez e vinte, e, finalmente, aqueles cujos rendimentos mensais do trabalho so
equivalentes a mais de vinte salrios mnimos.
De acordo com Len (2012) o salrio mnimo mensal era de R$ 465 em
2009, o que seria equivalente a US$ 335 por ms pela paridade do poder de
compra ou US$ 10 por dia. Seguindo o mesmo critrio de determinao dos
salrios mensais equivalentes para os diferentes grupos, temos: para os
grupos de trabalho cujo retorno entre a metade do salrio mnimo e dois
salrios mnimos, o salrio mnimo seria entre 10 $ e 16 $ por dia; e para
aqueles grupos cujo retorno est entre mais de dois e cinco salrios mnimos, o
seu salrio seria entre 26 $ e 42 $ por dia. Os primeiros so definidos como
baixa classe mdia, que tm abaixo deles aqueles que no atingem a metade
do salrio mnimo, e os segundos como alta classe mdia, que tm sobre eles
as classes mais ricas cujos salrios so entre 75 $ e 353 $ por dia. De acordo
com Len (2012) a partir dessa definio possvel fazer subdivises dentro
da classe mdia e ter em conta alteraes na sua composio de acordo com o
salrio mnimo.
2.2 QUEDA DA DESIGUALDADE DE RENDA BRASILEIRA
De acordo com a Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da
Repblica (SAE/PR) (2012), a expanso da classe mdia brasileira foi
resultado da combinao entre crescimento econmico e reduo da
desigualdade. Devido a essa combinao a classe baixa pode obter uma
reduo acentuada, sendo esta reduo notoriamente maior que a expanso
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37
da classe alta. Para a SAE/PR (2012) se o pas tivesse seguido apenas no
caminho do crescimento econmico, sem reduo da desigualdade a classe
mdia no teria crescido tanto nos ltimos anos. Sem reduo da desigualdade
apenas 9% da populao teria passado de classe baixa para classe mdia,
enquanto que com o processo de reduo de desigualdade esse nmero foi de
21% da populao. Da mesma forma, sem reduo na desigualdade 5% da
populao teria sado da classe mdia para a classe alta, contra 6% com
queda na desigualdade, diferena significativamente menor que a ascenso da
classe baixa para a classe mdia. Dessa forma, sem a reduo da
desigualdade a classe mdia brasileira teria crescido apenas 4% contra os 15%
efetivamente observados. Portanto, observa-se que o crescimento acentuado
da classe mdia brasileira nos ltimos anos se deve mais a reduo da
desigualdade do que ao crescimento econmico, cabendo uma anlise da
evoluo da desigualdade de renda na economia brasileira das ltimas
dcadas.
Ao longo dos anos 1980 e 1990 a proporo de pobres na populao
brasileira manteve-se relativamente estvel, com redues nos momentos de
implementao dos Planos Cruzado e Real, quando a porcentagem de pobres
na populao chegou a 28,2% e a 33,9%, respectivamente. O grau de pobreza
atingiu seus valores mximos durante a recesso do incio da dcada de 80,
quando a porcentagem de pobres ultrapassou os 50%, atingindo 51,1% em
1983 e 50,5% em 1984 (BARROS et. al., 2001).
O Brasil registrou at o incio dos anos 2000 um nvel alto de
desigualdade na distribuio de renda e elevados nveis de pobreza, e
consequentemente parte significativa da populao era excluda do acesso a
condies mnimas de sobrevivncia. Em 1999, cerca de 14% da populao
brasileira vivia em famlias com renda inferior linha de indigncia e 34% em
famlias com renda inferior linha de pobreza. Portanto, aproximadamente 22
milhes de brasileiros eram classificados como indigentes e 53 milhes como
pobres (BARROS et. al., 2001).
Barros et. al. (2001) argumenta que o nvel elevado de pobreza no Brasil
registrado at 1999 no deve ser associada escassez, absoluta ou relativa,
de recursos, mas sim a um problema relacionado distribuio dos recursos.
Dessa forma o alto e estvel grau de desigualdade de renda presente na
-
38
economia brasileira at incio dos anos 2000 representa o principal
determinante da pobreza. Portanto, de acordo com esse pensamento, a
pobreza brasileira mais sensvel a mudanas na desigualdade de renda do
que ao crescimento econmico. Logo, as polticas voltadas para reduzir a
pobreza brasileira devem ter como objetivo a reduo dos nveis de
desigualdade de renda. No entanto, at 1999 os mecanismos utilizados pelo
Brasil para reduzir a pobreza eram resultado do crescimento econmico e no
de polticas pblicas focadas em uma maior equidade da distribuio de renda
e por isso o pas no obteve resultados satisfatrios em relao reduo da
pobreza.
A partir de 2001, o grau de desigualdade de renda no Brasil comea a
declinar e o pas est prximo de atingir o seu menor nvel de desigualdade de
renda desde registros iniciados em 1960 (grfico 2.4). O ndice de Gini passou
de 0,5957 em 2001 para 0,5448 em 2009, conforme o grfico 2.5. De acordo
com Neri (2010) desde 1960 a desigualdade na economia brasileira nunca caiu
tanto. As quedas registradas a partir de 2002 em termos percentuais foram: -
1,2% em 2002; -1% em 2003; -1,9% em 2004; -0,6% em 2005; -1,06% em
2006; -1,3% em 2007; -1,15% em 2008 e -0,70% em 2009. No entanto, para
Barros et. al. (2006a) mesmo com esta reduo a desigualdade no pas
permanece elevada, e mesmo que a desigualdade esteja declinando de forma
acentuada seriam ainda necessrios mais de 20 anos para que o Brasil
atingisse nveis similares aos da mdia dos pases com o mesmo grau de
desenvolvimento.
Estudos realizados para investigar as causas da queda do grau de
desigualdade de renda, como por exemplo, Barros et. al. (2006b) e Hoffmann
(2006), apontam que parte dessa reduo no est relacionada s
transformaes no mercado de trabalho, mas sim a mudanas na distribuio
da renda no derivada do trabalho, j que entre 2001 e 2005 a participao da
renda no derivada do trabalho no oramento familiar aumentou de 22% para
24% e a proporo de brasileiros que vivem em domiclios em que parte do
oramento provm de fontes no derivadas do trabalho passou de 42% para
52%. Em 2005, 24,1% da renda das famlias advinha de outras fontes distintas
do trabalho, entre as quais as transferncias pblicas e privadas eram as mais
importantes, representando 88,8% da renda no derivada do trabalho. Quase
-
39
90% das transferncias so pblicas, sendo que 95% dessas transferncias
so formados por penses e aposentadorias. Os benefcios do programa Bolsa
Famlia representam 2,37% das transferncias pblicas e a participao do
Benefcio de Prestao Continuada de 2,35% (BARROS et. al., 2007).
Grfico 2.4 ndice de Gini - 1960 a 2009. # Baseada na variao de renda individual entre Censos de 1960 e 1970 incluindo a populao sem rendimentos de Langoni 1973. Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD, e Censos/IBGE. Elaborao: Neri (2010).
Grfico 2.5 Evoluo do ndice de Gini. Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD/IBGE. Elaborao: Neri (2010).
No decorrer dos anos 2000, a cobertura das polticas de transferncia de
renda aumentou, inicialmente com a ampliao da implementao de dois
programas federais, o Benefcio de Prestao Continuada (BCP) e o Programa
de Erradicao do Trabalho Infantil (PETI), institudos em 1996. Em 2001 foram
-
40
implementados os programas Bolsa Escola e Bolsa Alimentao, em 2002 o
programa Auxlio Gs e em 2003 o Carto Alimentao. Em outubro de 2003
foi criado o programa Bolsa Famlia que unificou esses quatro programas e que
gradativamente aumentou a cobertura, aumentando o acesso de domiclios
mais pobres a esses programas de transferncia de renda, que visam o
combate da pobreza (MONTALI e TAVARES, 2008).
Hoffmann (2013) avalia que no perodo de 1995-2011 o rendimento de
aposentadorias e penses pagas pelo sistema de previdncia oficial (do INSS
ou do regime especial para funcionrios pblicos) contribuiu com 11,7% da
reduo do ndice de Gini. A estimativa do rendimento de transferncias do
governo federal, incluindo Bolsa Famlia e Benefcio de Prestao Continuada
contribui com 16,1% da reduo do ndice de Gini de 2001 a 2011, sendo sua
participao mdia na renda total declarada inferior a 1,0%. Isto est associado
grande progressividade das transferncias federais, particularmente s do
Programa Bolsa Famlia. Hoffmann (2013) afirma que vrios autores j usaram
procedimentos mais sofisticados e trabalhosos que o usado por ele para
separar, na PNAD, os rendimentos de transferncias e um desses trabalhos foi
desenvolvido por Barros et. al. (2007).
De acordo com Barros et. al. (2007) metade da queda na desigualdade
de renda entre 2001 e 2005 decorreu de transformaes na renda no derivada
do trabalho, valor bastante significativo, j que essa fonte representa cerca de
25% da renda total das famlias. A renda no derivada do trabalho formada
por ativos e transferncias. Os ativos no apresentaram contribuio
significativa para a queda da desigualdade, e, portanto, todo o impacto das
transformaes sobre a renda no derivada do trabalho se devem s
transferncias. Dentre as transferncias o impacto das transformaes nas
transferncias privadas foi negativo, ou seja, se essa fosse a nica fonte de
mudana a desigualdade teria aumentado. Portanto, o impacto das
transferncias na queda da desigualdade decorre de mudanas nas
transferncias pblicas, responsveis por 48% da queda recente da
desigualdade. Dentro das transferncias pblicas as penses e aposentadorias
foram as que causaram maior impacto na queda da desigualdade (26%). Os
programas Bolsa Famlia (12%) e o BCP (11%) apresentaram contribuies
similares.
-
41
A maior parte do impacto das transferncias pblicas foi em virtude de
mudanas na distribuio marginal da fonte, por meio da expanso da
cobertura da fonte e de alteraes na distribuio entre os que recebem renda
dessa fonte. O mecanismo principal por meio do qual a renda no derivada do
trabalho afetou a desigualdade total foi a expanso da cobertura. A
porcentagem de pessoas em famlias que recebem esse tipo de renda passou
de 42% para 52% entre 2001 e 2005, fato que respondeu por cerca de 51% da
queda da desigualdade. No caso das penses e aposentadorias, as mudanas
na distribuio entre os receptores foram responsveis por 20% da queda da
desigualdade total. Quanto ao BCP o aumento de 2 pontos percentuais na
cobertura foi responsvel pela queda de 9% da desigualdade total. A cobertura
do programa Bolsa Famlia cresceu em torno de 10% entre 2001 e 2005,
causando uma queda de 12% na desigualdade total.
Entre 2001 e 2009, a renda per capita dos 10% mais ricos aumentou em
1,49% ao ano, enquanto a renda per capita dos mais pobres cresceu a taxa de
6,79% ao ano, de acordo com o grfico 2.6. Em consequncia da manuteno
do crescimento econmico com reduo da desigualdade a pobreza est
diminuindo. Em 2003 o nmero de pobres segundo a linha de pobreza da FGV
era 49 milhes de pessoas, que corresponde na classificao de classes de
Neri (2010) a classe E. Aps a recesso do primeiro ano de governo Lula at
2008 19,5 milhes de pessoas saram da pobreza. Entre 2008 e 2009 a taxa de
pobreza caiu de 16,02% para 15,32%, uma queda de 4,2%, valor elevado
considerando que nesse perodo o pas passava pela crise de 2008 (NERI,
2010).
A SAE/PR (2012) estima que se for mantido o ritmo de crescimento
econmico e de queda na reduo da desigualdade dos ltimos 10 anos, a
classe mdia brasileira ir abranger 57% da populao em 2022. Se a queda
na desigualdade no for mantida a classe mdia continuar no mesmo patamar
de 2012, abrangendo 53% da populao brasileira.
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42
Grfico 2.6 - Variao per capita da renda mdia por dcimos de renda Brasil 2001 a 2009. Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD. Elaborao: Neri (2010).
2.3 CONSUMO NA CLASSE MDIA BRASILEIRA
Da mesma forma que a classe mdia apresenta grande
representatividade na populao brasileira ela tambm possui participao
expressiva na renda e no consumo das famlias. A renda da classe mdia
brasileira cresceu 3,5% ao ano no perodo de 1999 a 2009, ao passo que a
renda mdia das famli