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HOBBES, Thomas. A dialogue between a Philosopher and a Student of the common laws of England. Edição e introdução por Joseph Cropsey, Chicago, University of Chicago Press, 1971. Introdução 1 Do direito de razão O Diálogo inicia com um discurso do Jurista que deve ter sido uma resposta à fala do Filósofo que precede a conversação registrada. O assunto parece ter sido a idéia básica do direito ou talvez da justiça, com o Filósofo argüindo que ele poderia ser mal compreendido como sugerindo que o estudo do direito é menos racional que o da matemática. Sua correção deste mal entendido através da noção de que os matemáticos erram com menos freqüência do que os juristas é o começo de seu argumento dirigido não contra a inteligibilidade do direito, mas contra a reivindicação de que os profissionais práticos do direito são os autênticos declaradores daquilo que concretamente é o direito. No contexto do Dialogue, será provado ser o Filósofo, e não o detentor da arte jurídica, quem está habilitado a dizer o que direito é. A primeira grande sentença do Filósofo faz uma ampla concessão à via de que há uma base racional do direito, isto é, à via de que o direito é informado pela razão e de que nada pode ser direito se com ela conflita. Ao menos uma de suas concessões específicas (de que a razão, na forma da eqüidade, corrige a legislação) é explicitamente rejeitada por ele na página 87. No momento, entretanto, e não obstante 1 Esta é uma tradução provisória de um extrato da introdução de Cropsey ao Dialogue de Hobbes, p. 15-18. Tr. Wladimir Barreto Lisboa.

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HOBBES, Thomas. A dialogue between a Philosopher and a Student of the common laws of England. Edição e introdução por Joseph Cropsey, Chicago, University of Chicago Press, 1971.

Introdução1

Do direito de razão

O Diálogo inicia com um discurso do Jurista que deve ter sido uma resposta à fala do Filósofo que precede a conversação registrada. O assunto parece ter sido a idéia básica do direito ou talvez da justiça, com o Filósofo argüindo que ele poderia ser mal compreendido como sugerindo que o estudo do direito é menos racional que o da matemática. Sua correção deste mal entendido através da noção de que os matemáticos erram com menos freqüência do que os juristas é o começo de seu argumento dirigido não contra a inteligibilidade do direito, mas contra a reivindicação de que os profissionais práticos do direito são os autênticos declaradores daquilo que concretamente é o direito. No contexto do Dialogue, será provado ser o Filósofo, e não o detentor da arte jurídica, quem está habilitado a dizer o que direito é.

A primeira grande sentença do Filósofo faz uma ampla concessão à via de que há uma base racional do direito, isto é, à via de que o direito é informado pela razão e de que nada pode ser direito se com ela conflita. Ao menos uma de suas concessões específicas (de que a razão, na forma da eqüidade, corrige a legislação) é explicitamente rejeitada por ele na página 87. No momento, entretanto, e não obstante qualquer concessão provisória e superficial, seu ponto é simplesmente o de que a redução do direito à razão abre o caminho à desobediência da parte de todo homem (e pode haver muitos) que reivindica ser mais plenamente razoável do que a própria lei. Assim, o problema está posto : se o direito é razão, e se apenas a razão produz o direito, então o direito ganha enormemente em dignidade, mas perde sua própria natureza, pois é da natureza do direito comandar e é da natureza do comando buscar a obediência. Mas um comando cuja autoridade começa e termina com sua razoabilidade não obterá, por natureza, obediência, pois é da natureza da razão ser sempre aberta à disputa. Deste modo, a dignidade do direito entra em conflito com a eficácia e, portanto, com a natureza do direito. Pior ainda, se a razoabilidade do direito é, de fato, sua justeza, então não apenas sua dignidade, mas também sua justeza estão em conflito com sua eficácia ou natureza. (…) Se isso é assim, tal como parece ser, então o direito ele mesmo é um paradoxo, pois sua natureza a ser justo conflita com sua natureza enquanto um comando. A resolução desta dificuldade é um dos objetivos do Dialogue.

1 Esta é uma tradução provisória de um extrato da introdução de Cropsey ao Dialogue de Hobbes, p. 15-18.Tr. Wladimir Barreto Lisboa.

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O Filósofo demanda ao Jurista que explique de que modo Coke, falando pelos juristas, pode evitar a censura de que, ao conectar o direito tão estritamente à razão, ele está destruindo o direito através do encorajamento da desobediência. O Jurista cita o dictum de Coke segundo o qual o direito não está baseado naquilo que é razoável à luz de um homem qualquer enquanto razoável, mas apenas de acordo com a razão dos homens que possuem a arte jurídica. Isso proporciona ao Filósofo a ocasião de depreciar a arte, neste contexto, argüindo que não há uma arte cuja posse habilite um homem ou homens a fazer a lei  : « Não é a sabedoria, mas a autoridade que faz a lei. » Na medida em que esta fórmula reflete a posição hobbesiana de dissociar a excelência do legislador do poder do legislador, ela reforça a impressão do leitor de que aquilo com que Hobbes está concernido é com a virtude dos súditos (a saber, a obediência) mais do que com a virtude dos legisladores. Ele parece pensar que é mais importante para a vida civil que os súditos sejam governados do que eles sejam excelentemente governados, exceto na medida em que o último seja condição para o primeiro. É como se o principal objetivo do governo fosse garantir o governo : a vida civil não dominada por estrangeiros, mais tarde denominada de segurança do povo, é o mais elevado bem político. Isto permitirá a Hobbes reconciliar a justeza e a razoabilidade das leis com sua eficácia : o que efetivamente promove o bem civil é o justo e o razoável eo ipso.

O Jurista introduz agora a distinção entre a legislação (statute law) e o common law, supondo que a desqualificação que o Filósofo efetua da arte de legislar do jurista aplica-se a produção da legislação, mas não ao common law. Evidentemente a intenção do Filósofo é precisamente tornar claro que não há tal coisa como um common law que foi gerado pela destreza, sabedoria ou experiência de qualquer corpo de homens essencialmente desautorizados – tal como ele considera ser o caso de juristas e juízes. Sendo isto suficientemente mencionado, o Jurista pronuncia uma importante sentença em réplica. Ele supõe haver um direito que não seja legislação (isto é, direito positivo humano) e que esse direito é o common law qua divino e eterno, cuja violação « se não punida nesse mundo, será suficientemente punida no mundo futuro. » Neste discurso do Jurista, com sua linguagem tomista de lei divina e eterna e sua crença em um juízo a ser alcançado em uma vida posterior, Hobbes mostra ou constrói a relação entre a noção de um direito natural acessível à razão enquanto tal e a noção de que tal direito tem uma fonte divina. A seguir, Hobbes sugere a semelhança entre o ponto de vista divino e o do jurista e sugere seu plano no Dialogue : o descrédito do jurista (essencialmente privado) é a continuação do descrédito do divino (essencialmente privado) alcançado em seus outros escritos famosos. O descrédito do clero e dos juristas constitui um esforço em negar aos homens privados uma função política que eles não podem exercer sem uma nociva usurpação. A impostura, ao menos com referência ao jurista, tal como o Dialogue mostrará, procede do fato de que os juristas, enquanto reivindicando traduzir a razão em direito, devem falhar, pois eles não possuem razão, mas um

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falso fac-símile dela, isto é, a arte. Como será visto, Hobbes chega a este ponto através de uma radicalização contra a posição da razão como fonte do direito.

O fundamento para o comum descrédito pode ser discernido mesmo nas primeiras passagens desta obra. Hobbes nega que a razão enquanto tal, a arte ou a razão enquanto informada pelo divino é suficiente para declarar o direito. Todos estes instrumentos são incompetentes uma vez que apenas a autoridade é competente para declarar o direito. Negar que a razão, a arte e a razão informada pelo divino sejam competentes é negar que a natureza, a arte, a divindade ou o suplemento da natureza sejam competentes, ao contrário da autoridade. A mera razão, arte e a razão informada pelo divino constituem atributos privados de seres humanos individuais qua privados. A autoridade é propriedade e signo daquilo que é essencialmente público ou político. Para Hobbes a distinção entre o público e o privado ou entre o autorizado e o não-autorizado precede a distinção entre o natural, o artificial ou convencional e o divino. Não é verdade que não haja um padrão natural conhecido por Hobbes para guiar a atividade humana. Mas estes padrões são fundamentalmente concebidos enquanto dirigidos à sustentação da autoridade. Assim, a natural prioridade da preservação demanda a clara demarcação entre autoridade e não-autoridade, caso contrário tem-se a desordem. A enfática separação hobbesiana entre o autorizado e o não-autorizado ou entre o público e o privado é a sua própria versão do ensinamento de Platão no sentido de que cada homem deve fazer aquelas coisas e apenas aquelas coisas que lhe são atribuídas : todos devem observar aquilo que lhes compete. Platão é auxiliado neste ensinamento com a idéia suplementar de que os homens – enquanto cidadãos – devem ser livres para fazer apenas aquelas coisas que a autoridade lhes atribui em virtude da lei. Hobbes, entretanto, pensava que os homens devem ser livres para fazer todas as coisas que não são expressamente proibidas pela lei. Ele deve, assim, ser compreendido como acreditando que todo homem pode ser induzido a fazer apenas aquilo que é apropriado a sua posição privada ou pública, mesmo se o espírito do direito contemple um importante ou talvez crucial sentido libertário [and must be so to the extent that the natural foundation for norms going significantly beyond preservation has been undermined.] Hobbes acreditava que a benéfica instrução dos súditos os levaria a observar a indispensável divisão entre autoridade e privacidade. (…)