2015jun10 - o Inquérito Civil e o Contraditório

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O INQUÉRITO CIVIL É CONTRADITÓRIO? Eudes Quintino de Oliveira Júnior e Antonelli Antonio Moreira Secanho O inquérito civil vem se mostrando como um instrumento eficaz na apuração e também na composição de lesões potenciais ou efetivas aos interesses transindividuais. segunda-feira, 8 de junho de 2015 Cada vez mais presente no cotidiano jurídico, o inquérito civil vem se mostrando como um instrumento eficaz na apuração e também na composição de lesões potenciais ou efetivas aos interesses transindividuais, cuja importância e notoriedade aumentam a largos passos ao longo dos últimos anos. Não há que se confundir o inquérito civil com o policial. Esse, presidido por delegado de polícia, se presta a colher elementos probatórios para esclarecimento de infração penal, dizendo respeito à apuração da autoria e materialidade delitivas. Já o inquérito civil, segundo leciona o ilustre jurista Hugo N. Mazzilli, tem natureza de procedimento administrativo de investigação prévia, presidido por membro do MP, e tem a finalidade de definir se há elementos suficientes que justifiquem a propositura de ação civil pública referente a alguma lesão a um interesse transindividual. No mais, o inquérito civil vem expressamente previsto no artigo 8º, §1º, da lei 7.347/85 (lei da ação civil pública LACP), além de constar, ainda, na lei 8.069/90 ECA; lei 8.078/90 CDC; lei 7.853/89 Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais; lei 8.625/93 - Orgânica Nacional do MP e pela lei complementar Federal 75/93 Orgânica do MP da União. Com efeito, entende a maioria da doutrina e também da jurisprudência que o inquérito civil se configura como procedimento administrativo e não processo administrativo, porque não tem por finalidade resolver alguma questão de que dependa ato decisório da Administração Pública. Como já dito, o inquérito civil se presta a colher elementos que possam justificar eventual ajuizamento de ação civil pública e, como tal, apresenta-se como instrumento preparatório. Apenas a título de esclarecimento, cumpre observar interessante debate que emergiu na doutrina: a LACP menciona apenas o MP como apto a presidir o inquérito civil. Isto é, dentre todos os legitimados a propor a ACP, o MP é o único que pode instaurar e presidir o inquérito civil.

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INQUERITO CIVIL

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  • O INQURITO CIVIL CONTRADITRIO?

    Eudes Quintino de Oliveira Jnior e Antonelli Antonio Moreira Secanho

    O inqurito civil vem se mostrando como um instrumento eficaz na apurao e tambm na composio de leses potenciais ou efetivas

    aos interesses transindividuais.

    segunda-feira, 8 de junho de 2015

    Cada vez mais presente no cotidiano jurdico, o inqurito civil vem se

    mostrando como um instrumento eficaz na apurao e tambm na composio de leses potenciais ou efetivas aos interesses

    transindividuais, cuja importncia e notoriedade aumentam a largos passos ao longo dos ltimos anos.

    No h que se confundir o inqurito civil com o policial. Esse,

    presidido por delegado de polcia, se presta a colher elementos

    probatrios para esclarecimento de infrao penal, dizendo respeito apurao da autoria e materialidade delitivas.

    J o inqurito civil, segundo leciona o ilustre jurista Hugo N. Mazzilli,

    tem natureza de procedimento administrativo de investigao prvia, presidido por membro do MP, e tem a finalidade de definir se h

    elementos suficientes que justifiquem a propositura de ao civil pblica referente a alguma leso a um interesse transindividual.

    No mais, o inqurito civil vem expressamente previsto no artigo 8,

    1, da lei 7.347/85 (lei da ao civil pblica LACP), alm de constar, ainda, na lei 8.069/90 ECA; lei 8.078/90 CDC; lei 7.853/89 Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais; lei 8.625/93 - Orgnica Nacional do MP e pela lei complementar Federal

    75/93 Orgnica do MP da Unio. Com efeito, entende a maioria da doutrina e tambm da

    jurisprudncia que o inqurito civil se configura como procedimento administrativo e no processo administrativo, porque no tem por

    finalidade resolver alguma questo de que dependa ato decisrio da Administrao Pblica. Como j dito, o inqurito civil se presta a

    colher elementos que possam justificar eventual ajuizamento de ao civil pblica e, como tal, apresenta-se como instrumento

    preparatrio.

    Apenas a ttulo de esclarecimento, cumpre observar interessante debate que emergiu na doutrina: a LACP menciona apenas o MP

    como apto a presidir o inqurito civil. Isto , dentre todos os legitimados a propor a ACP, o MP o nico que pode instaurar e

    presidir o inqurito civil.

  • Porm, diante de posterior alterao legislativa, foi conferida Defensoria Pblica a possibilidade de ajuizar ao civil pblica,

    mediante ampliao do rol de legitimados do artigo 5, LACP.

    Diante do silncio legislativo quanto presidncia do inqurito civil,

    surge o interessante fato novo quanto possibilidade da Defensoria Pblica de instaurar referido procedimento administrativo, j que

    legitimada para propor ACP e "quem pode o mais; pode o menos". Entretanto, este no o objetivo do presente estudo, motivo pelo

    qual no ser aprofundado o relevante debate.

    De qualquer modo, seguindo o raciocnio proposto, tem-se que o inqurito civil , tambm, inquisitorial. Ou seja, no existe a figura de

    um acusado, pois a finalidade do inqurito civil no punitiva, mas sim investigatria, assemelhando-se ao inqurito policial.

    Nesta linha de raciocnio, possuindo ntida natureza inquisitorial, o

    inqurito civil apresenta regras prprias para instaurao, instruo e

    concluso. Desta forma, toda sua ordenao fica concentrada nas mos de uma nica autoridade, seu presidente, que ir executar as

    medidas probatrias que julgar necessrias (expedio de ofcios, elaborao de laudos, ouvir pessoas etc).

    Portanto, denotada referida natureza, espanca-se a contraditoriedade

    real e indispositiva, como propunha no processo penal Rogrio Lauria Tucci. Inicialmente, no se pode perder de vista que o inqurito civil

    no instrumento hbil a aplicar sanes, pois circunda no terreno de colheita de provas preparatrias. Para tanto, deve ser ajuizada

    ao civil pblica competente que, dependendo do material probatrio disponvel, pode dispensar a instaurao do inqurito civil

    para seu ajuizamento.

    Desta feita, levando-se tudo o acima exposto, o STF posiciona-se de

    maneira tranquila quanto no incidncia do contraditrio no inqurito civil:

    RECURSO EXTRAORDINRIO. ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE

    DE OBSERVNCIA NO INQURITO CIVIL DOS PRINCPIOS DO CONTRADITRIO E DA AMPLA DEFESA. PRECEDENTES. RECURSO

    PROVIDO.

    (...) A jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal firmou-se no

    sentido de que as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditrio no so aplicveis na fase do inqurito civil, pois este

    tem natureza administrativa, de carter pr-processual, que se destina colheita de informaes para propositura da ao civil

  • pblica, no havendo, portanto, que se falar em ru ou acusado,

    nessa fase investigativa. (...)1

    Por fim, destaca-se o termo de ajustamento de conduta (TAC), que

    nada mais do que um instrumento de extrema eficincia na resoluo e, principalmente, na preveno de leses a interesses

    transindividuais.

    O TAC se configura como um documento assinado pelo presidente do inqurito civil MP e pelas partes interessadas que se comprometem a cumprir determinadas medidas condicionantes propostas pelo MP, de forma a compensar o dano causado ou

    prevenir que ele acontea.

    Como exemplo, cita-se um TAC ambiental: imagine-se um enorme

    empreendimento, cujo dano potencial ao meio ambiente possa vir a ser de grande monta. O MP, tendo notcia por qualquer meio, instaura

    o competente inqurito civil para apurar os possveis danos que possam ocorrer, antes mesmo da implantao do empreendimento.

    Uma vez delimitados, o MP convoca os responsveis pelo

    empreendimento e prope medidas condicionantes que, se aceitas e cumpridas, evitam o ajuizamento da ACP. Por outro lado, caso

    recusadas ou descumpridas, ensejam a propositura da ao, alm de medidas cautelares, como a suspenso das licenas ambientais, por

    exemplo.

    Mesmo nesse caso, no se fala em contraditrio, porque os responsveis no so obrigados a aceitar o TAC, j que podem

    discutir o que desejarem em juzo. Somente na esfera judicial que

    h que se respeitar o contraditrio, at porque somente ali que sero impostas verdadeiras sanes. Em sede se inqurito civil, tem-

    se no mximo a possibilidade de sugesto de condicionantes para agilizar a proteo a interesses transindividuais, mas jamais ser

    usado como meio de aplicao das sanes legalmente previstas.

    Portanto, conclui-se que o inqurito civil no se v atingido pelo princpio do contraditrio, j que todos os elementos ali colhidos

    sero analisados em juzo e, a sim, submetidos ao basilar princpio. Caso, porm, no se invoque a esfera judicial, a parte que se sentir

    prejudicada poder se valer da justia para frear abusos, mas jamais para invocar a necessidade de contraditar as provas, justamente pela

    natureza inquisitiva do inqurito civil.

    Conforme se observa, a ACP, apesar de no ter atingido a maioridade

    processual, fincou definitivamente suas razes no direito ptrio para fazer com que os direitos fundamentais de todas as geraes possam

    ser plenamente exercidos pelos cidados que fazem parte do Estado

  • Democrtico de Direito. E o MP recebeu a incumbncia constitucional

    de utilizar tal instrumento para apurar e combater leses a interesses que transbordam a esfera do direito individual e que reclamam uma

    atuao rpida e eficiente.

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    1 RExt 981.455/PR

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    *Eudes Quintino de Oliveira Jnior promotor de Justia aposentado, mestre em Direito Pblico, ps-doutorado em Cincias

    da Sade, advogado e reitor da Unorp - Centro Universitrio do Norte Paulista.

    *Antonelli Antonio Moreira Secanho advogado, bacharel em

    Direito pela PUC/Campinas e ps-graduao "lato sensu" em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP.