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o controle externo das licitações e doscontratos dos tribunais de contas

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  • REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjulho | agosto | setembro 2009 | v. 72 n. 3 ano XXVII

    49Doutrina

    marina morena alves CoelhoAdvogada. Ps-graduanda em Direito Pblico.

    1 Introduo

    As cortes de contas, rgos autnomos e de extrao constitucional, devem obedincia Cons-tituio da Repblica vigente. Portanto, independentemente de serem entidades de cpula do sistema de controle externo brasileiro, no se encontram imunes ao dever legal de prestar contas de seus atos de gesto fi scal, pois somente o respeito Lei Maior do Pas consolida a democracia, a cidadania e a dignidade do povo.

    Este artigo trata da prestao de contas dos tribunais de contas, sob a perspectiva constitucio-nal aplicada ao Direito Pblico administrativo-fi nanceiro, contemplando o sistema de freios e contrapesos.

    Se considerarmos que a obrigao de prestar contas alcana todos os responsveis por dinhei-ros, bens e valores pblicos da administrao direta e indireta, obviamente as casas de contas tambm devem prestar contas de atos de administrao, incluindo as licitaes e os contratos, pois entendimento contrrio a esse dever nunca foi juridicamente admitido no seio de uma sociedade democrtica de direito.

    Recordemos que os administradores pblicos, rol no qual se enquadram os presidentes das cortes de contas, tm o dever de efi cincia e de efi ccia na gesto dos bens pblicos, inde-pendentemente da obrigao de prestar contas sociedade das despesas por eles realizadas, licitadas e contratadas. Cabe ao rgo de controle externo dar o exemplo de bem executar

    o controle externo das licitaes e doscontratos dos tribunais de contas

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    o seu oramento pblico, prestando contas de seus atos ao Poder Legislativo. Isso porque a Constituio Federal, no momento de sua promulgao em 1988, j determinava que o Tri-bunal encaminhar ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatrio de suas ativi-dades (CF, art. 71, 4). Logo, sendo funo constitucional do Poder Legislativo o controle externo da administrao pblica, atribuio desse poder fi scalizar as cortes de contas, quando estas praticam atos de administrao, como, exempli gratia, nos procedimentos lici-tatrios e nos contratos.

    2 Desenvolvimento

    2.1 Controle externo

    2.1.1 Conceito e espcies de controle externo

    A noo de controle adentra a teoria do Estado a partir da assuno do paradigma do Estado de Direito, que consagra, entre os seus pilares, as ideias de separao de funes estatais e de controle do poder, como formas de garantia das liberdades individuais.

    Os juristas Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2007, p. 523), em breve defi nio, argumentam ser aquele exercido por um poder sobre os atos administrativos praticados por outro poder.

    2.1.2 o sistema de freios e contrapesos na moldura republicana brasileira

    Conforme exposto no tpico anterior, o controle externo efetuado por rgos alheios estru-tura administrativa do Estado e, como tal, constitui um importante instrumento de efetivao do intitulado sistema de freios e contrapesos que constitui um dos pilares da teoria da tripar-tio de poderes.

    A tripartio dos poderes do Estado a teoria desenvolvida por Montesquieu, no livro O esprito das leis (1748), que visou moderar o poder do Estado, dividindo-o em funes e repartindo as competncias a diferentes rgos estatais. Montesquieu, ao desenvolver seu trabalho cient-fi co, partiu das teses lanadas por John Locke cerca de cem anos antes. Vale lembrar, ainda, que a ideia da existncia de trs poderes, como suplantado, no era novidade, remontando a Aristteles na obra Poltica.

    No Brasil, a Proclamao da Repblica marcou a real descentralizao dos poderes e criao do sistema de freios e contrapesos, que sequer estava esboado como hoje, pois a sociedade brasileira da poca valia-se de uma separao absoluta, traada pela Constituio imperial.

    Assim, a estrutura tripartida, hoje adotada pelos modernos Estados Democrticos de Direito, que busca a efi ccia do controle de um poder sobre o outro, desvinculou-se do clssico sistema

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    de separao idealizado por Montesquieu. Hoje, evidencia-se clara interferncia de um poder sobre o outro, sem, contudo, inviabilizar a prtica das funes tpicas reservadas a cada um dos poderes. A interferncia revela-se como forma de controle das atividades desempenhadas no exerccio de cada um dos poderes, ao encontro da lgica de Montesquieu, segundo a qual o nico que pode deter o poder o prprio poder.

    A esse respeito, extraem-se do Professor Celso Ribeiro Bastos (1990, p. 149) os seguintes ensi-namentos:

    Tambm arrola-se entre os princpios fundamentais a chamada tripartio dos poderes, que poderia ter sido melhor chamada de tripartio de funes, uma vez que o poder ao povo pertence. O Legislativo, o Executivo e o Judicirio so meras funes desempenhadas pelo Estado, que exerce o poder em nome do povo. O trao importante da teoria elaborada por Montesquieu no foi o de identi car essas trs funes, pois elas j haviam sido abordadas por Aristte-les, mas o de demonstrar que tal diviso possibilitaria um maior controle do poder que se encontra nas mos do Estado. A ideia de um sistema de freios e contrapesos, onde cada rgo exera as suas competncias e tambm controle o outro, que garantiu o sucesso da teoria de Montesquieu.

    Maral Justen Filho (2009, p. 24-25), por sua vez, afi rma que a teoria da separao de poderes alicera-se em trs postulados fundamentais, quais sejam: diferenciao de estruturas organi-zacionais estatais, as quais costuma-se denominar poder; diferenciao entre funes estatais, o que se faz em vista de sua consistncia material, identifi cando-se trs funes diversas (a jurisdio, a legislao e a administrao) e, por ltimo, atribuio a cada estrutura organiza-cional de um tipo diverso de funo.

    Tambm discorrendo sobre a teoria da separao dos poderes, Maurlio Maldonato (2003, p. 206) sustenta, acertadamente, verbis:

    (...) dividido o poder e individuados seus rgos, assim como superada a ideia da prevalncia de um sobre o outro, atravs da compreenso da necessidade de equilbrio, independncia e harmonia entre eles, admitindo-se, inclusive, a interdependncia entre eles, ganha fora a ideia de controle e vigilncia rec-procos de um poder sobre o outro relativamente ao cumprimento dos deveres constitucionais de cada um. A esto presentes os elementos essenciais carac-terizadores do moderno conceito do princpio da separao dos poderes.

    Exatamente com o intuito de garantir o controle dos atos da administrao pblica, na composi-o do sistema de freios e contrapesos, foram criados os tribunais de contas, rgos autnomos e independentes, aos quais a Lei Maior de 1998 atribui competncia para, ao lado dos poderes da Repblica, exercerem o controle externo da administrao pblica, no exame dos atos de ndole fi nanceira e oramentria.

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    Logo, as cortes de contas, garantia de democracia, so obstculos aos abusos ou excessos que possam ser cometidos no exerccio das funes pblicas. que a ausncia de prestao de contas do dinheiro pblico no alcana o Direito, impondo-se, ao contrrio, como conduta in-justa. E no se pode esquecer que precedentes como esses nascem onde o modelo de freios e contrapesos no funciona.

    Assim, a partir da nova acepo dada teoria da separao dos poderes, qual seja, a de con-trole dos atos de um poder por outro poder, que se aplica corretamente o sistema de freios e contrapesos.

    2.1.3 Competncia constitucional para exerccio do controle externo

    Com a atribuio de zelar pela correta aplicao dos recursos pblicos, o Poder Legislativo, titular do controle externo, possui inafastvel e exclusiva competncia constitucional para jul-gar, politicamente, o agente poltico.

    A Constituio Federal de 1988 foi clara ao prever expressamente que o controle externo dos atos da administrao pblica ser exercido pelo Poder Legislativo, com o auxlio dos tribunais de contas.

    Nesse quadrante, o Legislativo realiza o controle poltico das contas do chefe do Executivo, hiptese em que o Tribunal de Contas atua como rgo de auxlio, emitindo parecer prvio.

    Todavia, a autoridade administrativa ou qualquer pessoa que utilize, arrecade, guarde ou ge-rencie bens e valores pblicos sero punidas, em razo de malversao do dinheiro da socieda-de, pelos tribunais de contas, pois grande parte da competncia para controle externo sequer passa pelo crivo do Parlamento.

    A Constituio prev que as contas dos presidentes dos Poderes Legislativo e Judicirio, das autarquias, fundaes, empresas governamentais (empresa pblica e sociedade de economia mista), demais rgos e entidades pblicas, etc. sero julgadas pelas cortes de contas sem qualquer interferncia da Casa dos parlamentares.

    Em verdade, a Lei das Leis da Repblica, quando a matria controle externo, atribui mais competncia s cortes de contas do que ao prprio Parlamento, reservando a este apenas o controle das atividades de natureza tipicamente legislativas, controle parlamentar direto. Pro-va disso a diminuta atribuio conferida ao Legislativo, arrolando-lhe competncia para as seguintes atividades: julgamento anual das contas dos chefes do Poder Executivo e o exame de relatrios (art. 49, inciso IX, da Constituio Federal de 1988); fi scalizao direta dos atos do Poder Executivo (art. 49, inciso X, da Constituio Federal de 1988); convocao de autoridades para prestarem informaes (art. 50, CF 88); fi scalizao de determinados atos administrativos (art. 49, inciso XII) e comisses parlamentares de inqurito (art. 58, 3).

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    Importante lembrar a competncia concorrente insculpida no art. 71, 1, da Constituio da Repblica de 1988, que prev atribuio ao Legislativo para o ato de sustao de contrato celebrado pelo Poder Executivo. Todavia, se no efetivado o ato pelo Poder Legislativo ou no adotadas as medidas necessrias por parte desse poder, a Corte de Contas decidir a respeito.

    Nota-se, ainda, que o Poder Legislativo, diretamente, no pode realizar inspees e auditorias, de modo que, pretendendo faz-las, deve provocar o Tribunal para que as faa.

    Assim, a par de o Legislativo ser o titular do controle externo da administrao pblica bra-sileira, vrias competncias no exerccio do controle externo foram atribudas ao Tribunal de Contas, conforme relacionado no art. 71 da Constituio da Repblica de 1988, in verbis:

    Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, ser exercido com o auxlio do Tribunal de Contas da Unio, ao qual compete:

    I apreciar as contas prestadas anualmente pelo presidente da Repblica, mediante parecer prvio que dever ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;

    II julgar as contas dos administradores e demais responsveis por dinheiros, bens e valores pblicos da administrao direta e indireta, includas as fun-daes e sociedades institudas e mantidas pelo Poder Pblico federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuzo ao errio pblico;

    III apreciar, para ns de registro, a legalidade dos atos de admisso de pes-soal, a qualquer ttulo, na administrao direta e indireta, includas as funda-es institudas e mantidas pelo Poder Pblico, excetuadas as nomeaes para cargo de provimento em comisso, bem como a das concesses de aposentado-rias, reformas e penses, ressalvadas as melhorias posteriores que no alterem o fundamento legal do ato concessrio;

    IV realizar, por iniciativa prpria, da Cmara dos Deputados, do Senado Fe-deral, de comisso tcnica ou de inqurito, inspees e auditorias de natureza contbil, nanceira, oramentria, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judicirio e demais enti-dades referidas no inciso II;

    V scalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a Unio participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo;

    VI scalizar a aplicao de quaisquer recursos repassados pela Unio median-te convnio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Municpio;

    VII prestar as informaes solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer

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    de suas casas, ou por qualquer das respectivas comisses, sobre a scalizao contbil, nanceira, oramentria, operacional e patrimonial e sobre resulta-dos de auditorias e inspees realizadas;

    VIII aplicar aos responsveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregula-ridade de contas, as sanes previstas em lei, que estabelecer, entre outras cominaes, multa proporcional ao dano causado ao errio;

    IX assinar prazo para que o rgo ou entidade adote as providncias necess-rias ao exato cumprimento da lei, se veri cada ilegalidade;

    X sustar, se no atendido, a execuo do ato impugnado, comunicando a de-ciso Cmara dos Deputados e ao Senado Federal;

    XI representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.

    1 No caso de contrato, o ato de sustao ser adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitar, de imediato, ao Poder Executivo as medi-das cabveis.

    2 Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, no efetivar as medidas previstas no pargrafo anterior, o Tribunal decidir a respeito.

    3 As decises do Tribunal de que resulte imputao de dbito ou multa tero e ccia de ttulo executivo.

    4 O Tribunal encaminhar ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatrio de suas atividades.

    Logo, depreende-se da norma de regncia que a fi scalizao contbil, fi nanceira, oramentria, operacional e patrimonial da administrao pblica direta e indireta, quanto legalidade, legi-timidade, economicidade, aplicao das subvenes e renncia de receitas, , de fato, exercida diretamente pelo Tribunal de Contas, que julga as contas dos demais administradores pblicos.

    que as funes constitucionais atribudas aos tribunais de contas no podem se dizer de natureza propriamente legislativa, segundo ensinamentos do Professor Maral Justen Filho. Explica o autor que o Tribunal de Contas no dotado de poderes legiferantes e que ao Tribu-nal de Contas incumbido o controle externo, especialmente na modalidade de fi scalizao.

    Assim, no denominado controle externo voltado para fi scalizao contbil, fi nanceira, ora-mentria, patrimonial e operacional da administrao pblica, cuja titularidade pertence ao Legislativo, que se aperfeioa com a participao direta do cidado nas denncias de irregu-laridades , o Tribunal de Contas auxiliado pelos rgos de controle interno do Legislativo, Executivo, Judicirio, Ministrio Pblico, entidades da administrao pblica, empresas gover-namentais e da prpria Casa de Contas, como previsto no art. 74 da Lex Mater da Repblica.

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    Portanto, o controle externo pode ser exercido pelo Poder Legislativo, com o auxlio dos tri-bunais de contas, quando ento denominado controle parlamentar direto ou, ainda, exercido pelos tribunais de contas sem interferncia de nenhum rgo ou poder estatal.

    Ora, h muito tempo Montesquieu, em seu livro O esprito das leis, sustentou, adaptando a tese para a realidade do nosso sculo, que cabe ao Legislativo exercer controle externo, no de maneira a no obstaculizar a ao dos demais poderes e rgos, mas a fi m de verifi car a legalidade de sua execuo.

    Sobre essa distino de atuao dos tribunais de contas, Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2003, p. 48) traz lio esclarecedora:

    Como se pode observar, com a determinao de que o controle externo ser exercido com o auxlio do Tribunal de Contas, j seria bastante esse caput para afastar a hiptese de existncia de uma eventual margem discricionria para o Congresso Nacional vir a optar se aceita ou no a coadjuvao; muito ao contrrio, o preceito torna inequivocadamente obrigatria a cooperao do Tribunal de Contas no exerccio da funo de controle externo.

    Ora, se o Poder Legislativo, que o poder poltico por excelncia, como j o de nia Cooley, por ser o rgo mximo de representao democrtica, se deve valer necessariamente da atuao coadjutria do Tribunal de Contas, duas con-cluses parciais podem ser retiradas.

    A primeira, de que a Constituio instituiu uma distino estrutural de cunho po-ltico entre o Poder Legislativo e o Tribunal de Contas; e o fez, no s por estar a mencion-los separadamente, o que seria um dado puramente formal, como, e principalmente, porque quis estabelecer entre ambos uma relao que, no sendo paritria nem, tampouco, de hierarquia ou de subordinao, s pode ser de cooperao, o que claramente se expressa na voz auxlio (art. 71, caput).

    Segundo, como o caput genrico e se refere irrestritamente a controle ex-terno, deve-se concluir, a priori, que essa cooperao foi preconizada tambm genericamente, o que vale dizer que, embora no tendo toda amplitude pre-vista no art. 49, IX e X, da Constituio, e aparecer limitada por um rol de atribuies espec cas, que a seguir sero examinadas (muito embora, como se ver, essas comportem tambm certas atuaes discricionrias), inegvel que a funo de cooperao compartilha a mesma natureza poltica de contro-le externo exercido pelo rgo assistido.

    2.2 os tribunais de contas

    2.2.1 Histrico

    Com o escopo de evitar o desperdcio do dinheiro real e fornecer mais riqueza ao monarca, foi criado, no ano de 1714, em Berlim, no reinado de Frederico Guilherme I, da Prssia, o primeiro Tribunal de Contas, com o nome de Controladoria-Geral de Contas (Medeiros, 2009, p. A9).

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    medida que o Estado se organiza, surgem necessidades que devem ser preenchidas para que as receitas e as despesas no sejam comprometidas sem qualquer fi scalizao.

    No Brasil, o sistema de controle externo, inspirado no modelo francs de 1807, foi, por inspira-o de Ruy Barbosa, institudo em 1890 com a criao do Tribunal de Contas da Unio como se depreende do Decreto n. 966-A.

    O referido normativo, datado de 07/11/1890, baixado pelo Marechal Manoel Deodoro da Fonse-ca, Chefe do governo provisrio da Repblica dos Estados Unidos do Brasil, criou um tribunal de contas vinculado ao Poder Executivo, atribuindo-lhe poderes para exame, reviso e julgamento de todas as operaes concernentes receita e despesa da Repblica. Contudo, somente na Constituio de 1891, art. 89, a referida Corte foi institucionalizada.

    Atualmente, as cortes de contas, rgos de Estado, tm extrao constitucional, so vinculadas ao Legislativo mas sem qualquer subordinao , possuem competncia para fi scalizar, sob o ngulo contbil, fi nanceiro, oramentrio, operacional e patrimonial, os poderes, rgos, entidades e empresas da Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios quanto legalidade e legitimidade.

    2.2.2 autonomia e independncia

    Embora alguns doutrinadores questionem a natureza independente e desvinculada dos poderes atribuda pela atual Constituio brasileira aos tribunais de contas, assentou-se entendimento de que os mesmos so rgos autnomos e independentes.

    A prpria Constituio da Repblica, em seu art. 73, evidencia a autonomia administrativa do Tribunal de Contas, numa reafi rmao de que tal rgo no integra a estrutura do Poder Legis-lativo e tampouco a ele subordinado, apesar de seus membros como, por exemplo, so os integrantes do Supremo Tribunal Federal serem nomeados pelo presidente da Repblica, sis-temtica que se insere no complexo sistema de repartio de poderes e funes estatais, nsito ao democrtico mecanismo de freios e contrapesos. De fato, a Constituio de 1988, estabele-ceu a indispensvel autonomia orgnica, administrativa e fi nanceira aos rgos incumbidos da execuo do controle externo, fundamental democracia, a conferir:

    Art. 73. O Tribunal de Contas da Unio, integrado por nove ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro prprio de pessoal e jurisdio em todo o territrio nacional, exercendo, no que couber, as atribuies previstas no art. 96.

    De fato, as casas de contas no se sujeitam a nenhum dos trs poderes da Repblica e, na qualidade de rgos independentes que so, auxiliam o Poder Legislativo no desempenho do controle externo, prestando-lhe informaes, emitindo pareceres e relatrios, etc.

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    57Doutrina

    A esse respeito convm no omitir os ensinamentos da Professora Odete Medauar(2003, p. 421), assim ecoados:

    Criado por iniciativa de Ruy Barbosa, em 1890, o Tribunal de Contas insti-tuio estatal independente, pois seus integrantes tm as mesmas garantias atribudas ao Poder Judicirio (CF, art. 73, 3). Da ser impossvel consider-lo subordinado ou inserido na estrutura do Legislativo. Se a sua funo atuar em auxlio ao Legislativo, sua natureza, em razo das prprias normas consti-tucionais, a de rgo independente, desvinculado da estrutura de qualquer dos trs poderes.

    No mesmo sentido vale colacionar entendimento de Diogo de Fiqueiredo Moreira Neto (2003, p. 46):

    Os tribunais de contas no Brasil so, assim, um ntido exemplo de rgos do-tados de autonomia constitucional, no contexto da ordem jurdica brasileira, mas no so os nicos, porquanto, do mesmo modo, tambm o so as funes essenciais Justia (...).

    No desempenho da atividade jurisdicional prpria, os tribunais de contas, estruturados para funcionar como instrumentos de democracia, no julgam pessoas e tampouco confl itos de inte-resses, apenas contas de gestores pblicos, visando fi scalizao, verifi cao e correo de atos por eles praticados, ressalvadas as de responsabilidade dos chefes do Poder Executivo, que so, por expressa disposio na Lex Major da Repblica, conferidas ao Poder Legislativo, que as realizam por meio de auxlio tcnico desse rgo de Estado.

    Como se v, o Tribunal de Contas, rgo independente em relao aos trs poderes, no desem-penho de suas atividades de Estado, auxilia tecnicamente o rgo legiferante no desempenho do controle externo.

    2.2.3 natureza jurdica das decises

    As decises dos tribunais de contas no possuem natureza administrativa judicial. que os atos decisrios das casas de contas, desvinculados dos oriundos dos rgos do Poder Judicirio, tm natureza administrativa sui generis, tpica e peculiar sua jurisdio anmala, que, dentro da sistemtica jurdica brasileira, possui efi ccia de ttulo executivo, como se depreende do co-mando inserto no art. 71, 3, da Constituio da Repblica de 1988.

    No entanto, de h muito assente na doutrina e jurisprudncia, tem-se que os decisum dos tribunais de contas podero, quanto ao aspecto da legalidade, ser apreciados e revistos pelo Poder Judicirio, como, a propsito, j foi sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, conforme Verbete n. 6 daquela excelsa Corte Suprema.

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    58 Doutrina

    No h nada mais atual do que falar em controle das contas pblicas pelos tribunais de contas.

    2.3 Controle externo das licitaes e contratos realizados pelos tribu-nais de contas

    Esclarecidos eventuais questionamentos acerca da natureza e atuao dos tribunais de contas no auxlio e exerccio do controle externo dos atos administrativos dos poderes, uma vez que esses fi s-calizam a administrao pblica direta e indireta, o presente trabalho vem elucidar a competncia para o exerccio do controle externo dos atos praticados pelas cortes de contas, quando elas prati-cam atos de administrao, como, exempli gratia, realizam licitaes e celebram contratos.

    Vale indagar, pois, a competncia para controlar e fi scalizar o Tribunal de Contas.

    2.3.1 obrigatoriedade de prestao de contas

    Apesar de compor o sistema de freios e contrapesos estatal, o Tribunal de Contas, quando realiza suas licitaes, celebra contratos, etc., ou seja, quando exerce tpica atividade de au-toridade administrativa gestora de bens pblicos, no est imune ao controle externo a cargo do Poder Legislativo.

    Vale dizer, nenhum rgo do Estado, autnomo e independente como so as casas de contas, Ministrio Pblico, conselhos nacionais de controle, etc., ou mesmo os vinculados ao Poder Ju-dicirio, Poder Executivo ou Poder Legislativo , est imune a se submeter ao controle externo. Pela Carta Poltica da Repblica, a fi scalizao fi nanceira, oramentria e operacional, quanto legalidade e economicidade dos gastos pblicos, est a cargo do Poder Legislativo, que, com o auxlio do Tribunal de Contas, cobe o desperdcio na utilizao e aplicao dos dinheiros pblicos, controle esse que se insere no sistema de freios e contrapesos.

    O controle externo do Legislativo poder representativo de todos os cidados contribuintes sobre as atividades fi nanceiras dos tribunais de contas , no s, um imperativo democrtico no domnio da fi scalizao dos dinheiros pblicos, como tambm um instrumento fundamental para assegurar maior rigor e disciplina na execuo do oramento pelas cortes de contas, que fazem o controle fi nanceiro, operacional, contbil e oramentrio dos demais rgos e poderes do Estado federal brasileiro.

    2.3.2 Competncia para exerccio do controle externo dos atos dos tribunais de contas

    No entanto, fi ca a a dvida: quem dispe de competncia para julgar as contas e demais atos de administrao dos tribunais de contas, tais como as licitaes, contratos, etc.? A prpria Corte de controle externo?

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    59Doutrina

    Antes de o Supremo Tribunal Federal ser instado a se manifestar em sede de Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADIN n. 1.175-8), o entendimento majoritrio era o de que caberia prpria Corte de Contas o julgamento de suas contas, em razo do disposto no art. 71, II, da Constituio da Repblica.

    Mas esse entendimento foi sepultado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIN n. 1.175-8. Chamado a enfrentar os questionamentos acima delimitados, essa Corte fi rmou jurisprudncia no sentido de que, em razo do dever constitucional de prestao de contas na administrao pblica, os tribunais de contas, embora dotados de autonomia administrativa e fi nanceira, no formato preconizado pelo art. 73 da Carta Poltica Federal, tm o dever legal de prestar contas ao Poder Legislativo, obrigao extrada da prpria Lei Maior Federal, mais precisamente no 4 do art. 71.

    Isso porque, na oportunidade, manifestou-se no sentido de que o ministro presidente do Tribu-nal de Contas da Unio e os conselheiros presidentes das cortes estaduais, distrital e municipais sediadas nas cidades de So Paulo e Rio de Janeiro, como ordenadores de despesas, tm, em respeito ao sistema de freios e contrapeso, o dever de prestar contas ao Poder Legislativo.

    Em voto condutor na referida ADIN n. 1.175-8, o Excelentssimo Senhor Marco Aurlio de Mello assim pontifi cou:

    Sabemos que as cortes de contas recebem as contas da administrao pblica para exame e, em certos casos, a maioria deles, para julgamento; e que a Ad-ministrao Pblica, como um grande todo, est sujeita prestao de contas. Ora, relativamente ao rgo que recebe tais contas, podemos asseverar, no tocante aos prprios gastos, ausncia total de superviso quanto atividade desenvolvida? Estaria o Tribunal de Contas em situao superior at mesmo aos poderes, ao Poder Judicirio, j que o Supremo Tribunal Federal presta contas ao Tribunal de Contas da Unio, e em situao superior ao Poder Legislativo? A meu ver, no, presidente. Sob minha ptica, trata-se de um rgo auxiliar do Legislativo, que atua tambm no campo da administrao, fazendo despesas, manuseando o dinheiro pblico. Tem de haver uma interpretao construtiva que revele a existncia de um rgo para tomar essas contas; e, se o Tribunal de Contas rgo auxiliar do Legislativo, a Casa Legislativa deve arcar com essa incumbncia (...) a menos que possa assentar que os tribunais de contas esto fora de uma superviso, relativamente aos gastos pblicos (...)1

    guisa de ilustrao, trago colao os didticos ensinamentos insertos nos votos dos demais ministros que aderiram ao bem lanado voto condutor do Ministro Marco Aurlio de Mello.

    O Ministro Cezar Peluso assim se pronunciou:

    Parece-me no ser compatvel com o princpio democrtico, de que todos de-vem prestar contas, o fato de que o rgo que colhe as contas que a legibus

    1 STF. Tribunal Pleno, ADIN n. 1.175/DF. Relator do acrdo Ministro Marco Aurlio de Mello, deciso de 04/08/2004, DJ de 19/12/06.

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    60 Doutrina

    solutus, isto , no preste contas a ningum. Alm do mais, no encontro, na Constituio, norma que proba ao legislador exigir prestao de contas, tal como dispe a lei orgnica.

    Com nfase escreveu o Ministro Seplveda Pertence que:

    O sistema constitucional repele a ideia de que fosse o Tribunal de Contas o ni-co rgo com a competncia para julgar suas prprias contas, na condio que tem de um rgo da administrao direta. Subscrevo as consideraes feitas pelo Ministro Marco Aurlio e, coerente com o voto proferido na cautelar, julgo improcedente a ao direta.

    Por fi m, arremata a Ministra Ellen Gracie:

    Com efeito, no a subordinao da Corte de Contas ao Poder Legislativo, tese repudiada pelo prprio texto da Carta de 1988, que conduz legitimidade da apreciao, pelo Poder Legislativo, das contas das cortes de contas estaduais. O dever de prestar contas decorre, na verdade, do prprio mecanismo de checks and balances do sistema constitucional, regra inafastvel perfeita realizao do princpio democrtico. Bem asseverou o Ministro Celso de Mello, em seu brilhante voto, que o sistema de scalizao de contas e de prestao de contas, segundo o modelo institucional consagrado na Constituio da Repblica, representa (...) um dos princpios constitucionais sensveis, cujo desrespeito pode at mesmo ensejar a possibilidade de interveno federal nos Estados-Membros. o que diz clara-mente a Constituio da Repblica em seu artigo 34, inciso VII, alnea d.

    Sendo a funo de scalizar funo tpica do Poder Legislativo (CF, art. 70), que se estende com o mesmo delineamento s unidades federadas, emerge do prprio sistema constitucional a natural prerrogativa institucional deste poder para apreciar e julgar as contas das cortes de contas. Consectrio lgico da atribuio conferida ao Poder Legislativo a implcita outorga s casas legisla-tivas dos meios que lhes permitam a integral realizao dos ns previstos pelo sistema constitucional.

    A esses argumentos, acrescente-se a ideia de que a interpretao diversa con-duziria existncia de um rgo que no estaria sujeito a qualquer tipo de controle, ou seja, um rgo a legibus solutus. No vislumbro, portanto, incons-titucionalidade nos arts. 60, XXIX, e 81 da Lei Orgnica do Distrito Federal.

    A Suprema Corte de Justia andou bem no julgamento dessa ao direta de inconstitucionalidade, pois de fato a prestao de contas constitui elemento capaz de motivar e ampliar a conscincia sobre a legitimidade do poder e dos valores despendidos para a consecuo das atividades desem-penhadas, no s pelo Tribunal de Contas, mas por toda a administrao pblica.

    A Ministra Ellen Gracie, em seu voto vista, considerou que o dever de prestar contas decorre, na verdade, do prprio mecanismo de checks and balances do sistema constitucional, regra

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    inafastvel perfeita realizao do princpio democrtico, que diz respeito existncia do controle de uma instituio por outra. Para Gracie, seria uma decorrncia lgica do prprio sistema constitucional a prerrogativa do Legislativo para apreciar e julgar as contas das cortes de contas. A ministra acrescentou, ainda, que fi ca implcita a outorga s casas legislativas dos meios que lhes permitam a integral realizao dos fi ns previstos pelo sistema constitucional, salientando que interpretao diversa conduziria existncia de um rgo que no estaria su-jeito a qualquer tipo de controle, o que seria uma excrescncia jurdica.

    Por outro lado, extrai-se do 4 do art. 71 da Lex Fundamentais da Repblica a seguinte de-terminao:

    Art. 71.

    (...)

    4 O Tribunal encaminhar ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatrio de suas atividades.

    De fato, nos termos da Constituio Federal, compete ao Legislativo acompanhar as atividades do Tribunal de Contas, adotando, tambm na seara do controle externo, o sistema de governar mediante o qual o poder ou rgo autnomo guisa de exemplo cito as cortes de contas e o Ministrio Pblico se autolimita, a fi m de evitar a ocorrncia de abusos.

    Do referido regramento constitucional percebe-se que os atos de atividade-meio das cortes de contas, por exemplo as licitaes e contratos, recebem controle do Poder Legislativo, fe-chando, assim, o crculo do sistema de freios e contrapesos de controle estatal, pois, como ocorre fi scalizao sobre os poderes, demais rgos e instituies do Estado, tambm sobre os tribunais de contas deve existir alguma forma de fi scalizao, no para cercear a autonomia do rgo de Estado ou a independncia de seus membros (ministros, conselheiros e auditores substitutos de ministros ou de conselheiros), mas para assegurar que tambm eles tm o dever de prestar contas da sua gesto fi nanceiro-oramentria, evidenciando, assim, a publicidade e transparncia das atividades das casas de contas, como ocorre com qualquer rgo pblico.

    2.3.3 o controle externo sobre os atos do tribunal de Contas

    O sbio legislador constituinte, ao outorgar s cortes de contas autonomia, independncia or-gnica e funcional em face dos poderes da Repblica e demais rgos da administrao pblica, procurou neutralizar possvel interferncia poltica nesses tribunais, deixando nas mos do Le-gislativo, que o titular formal do controle externo, a fi scalizao sobre os atos, no jurisdicio-nais, mas de administrao das casas de contas. No Texto Magno da Repblica, a quem caberia controlar o controlador, in casu, os tribunais de contas, que so controlados diretamente pelos parlamentos federal, estadual, distrital e municipal, pois temos, ainda, no mbito do controle

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    62 Doutrina

    externo, duas cortes de contas municipais que integram a estrutura do Municpio de So Paulo e do Rio de Janeiro.

    E, mais, ao lado do controle parlamentar sobre os atos de administrao das cortes de contas, existe o controle social, exercido diretamente pelo cidado, que o verdadeiro titular do controle externo de toda administrao pblica, dispondo ele de diversos instrumentos para exercer a fi scalizao de seu patrimnio pblico, tais como, denncia, ao civil pblica, ao popular, etc. Percebe-se, pois, que no por falta de instrumentos que contam com a parti-cipao da sociedade que vivemos situao de descontrole.

    V-se, assim, que as casas de contas, no campo de sua atuao administrativa e fi nanceira, no esto, e nunca estiveram, fora do alcance da fi scalizao do prprio Estado e da sociedade que as mantm, limitando, assim, as suas aes aos ditames da lei. O controle, limitao da ao estatal, um ciclo permanente nos Estados Democrticos de Direito.

    Logo, indagao sobre quem controla as licitaes, contratos e demais atos de gesto dos tribunais de contas, a prpria Lei Maior da Repblica de 1988 oferece resposta pronta e acertada ao disciplinar que compete ao Poder Legislativo, nos limites do disposto no 4 do art. 71, examinar os atos oriundos da execuo fi nanceiro-oramentria praticados pelas cortes de contas.

    Ento, o controle externo do Poder Legislativo sobre as casas de contas atua no mesmo mbito do controle interno desses tribunais, isto , nas matrias concernentes fi scalizao fi nanceira, oramentria, patrimonial e operacional, conforme est descrito no art. 70 c/c o 4 do art. 71 da Constituio. Este dispositivo diz que essa fi scalizao fi ca a cargo da Casa Legislativa, que a realizar mediante exame dos relatrios encaminhados, trimestral e anualmente, pelas cortes e pelo sistema de controle interno do prprio Tribunal que, in casu, funcionar como rgo de apoio ao Legislativo. Ou seja, o Legislativo e o rgo de controle interno do Tribunal de Contas controlam o controlador da administrao pblica, no que se refere aos atos de gesto.

    O Poder Legislativo, valendo-se das comisses de sua prpria estrutura, exerce essa atividade de controle diretamente, podendo contar com a colaborao do rgo de controle interno do Tribunal de Contas.

    O controle do Legislativo sobre as cortes de contas realizado pelo mtodo tradicional (ma-terializado por via de inqurito parlamentar, convocaes e pedidos de informaes, etc.) e pelo especial, centrado no encaminhamento trimestral e anual de relatrio das atividades e da atuao desses tribunais, que lhe prestam auxlio no desempenho do controle externo da administrao pblica brasileira. Ora, sabemos que o controle pode ser prvio, concomitante e posterior prtica do ato. Logo, o Parlamento exerce o controle posterior prtica dos atos dos tribunais de contas.

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    63Doutrina

    inequvoca, no Texto Constitucional, a fi scalizao pelo Poder Legislativo das atividades de gesto dos tribunais de contas, sindicncia que no alcana a funo jurisdicional de contas afeta a esses rgos de Estado, estando esses atos, na hiptese de ilegalidade, sujeitos ao con-trole do Poder Judicirio. Explicando melhor, as casas legislativas no podem, a par de serem titulares do controle externo, questionar a legalidade dos julgados dos tribunais de contas e, muito menos, executar, diretamente, a fi scalizao contbil, fi nanceira e patrimonial da admi-nistrao pblica, pois dependem, nessa questo, da atuao das cortes de contas.

    O tema instigante, complexo e de vital importncia democrtica, tanto pela abrangncia quanto pela problemtica que traz consigo. Veremos que a doutrina diverge a respeito dele e que (como se constata no julgamento do pedido liminar na Ao Direta de Inconstitucionali-dade n. 1.175-8, em 19/12/94) os ministros do Supremo Tribunal Federal no foram unnimes quando chamados a decidi-lo, ao deferirem, at a deciso fi nal da ao, por maioria de votos, os efeitos dos art. 60, inciso XXIX, e 81 da Lei Orgnica do Distrito Federal, atos normativos que encerram competncia ao Poder Legislativo distrital para julgar as contas do Tribunal de Contas local. Embora esse decisum da Corte Constitucional seja tratado com mais profundidade poste-riormente, convm explicitar desde j que o prprio STF, desconstituindo a deciso liminar e, por conseguinte, revendo a sua posio, mostrou-se seguro ao examinar o mrito da Adin, afi r-mando que as cortes de contas, em matria de controle externo dos atos por elas produzidos, sujeitam-se ao julgamento do Poder Legislativo.

    O Mestre Jos Nilo de Castro (1995, p. 68), especialista em Direito Pblico e Administrativo, com foco em Direito Municipal, sustenta, para esse caso, em seu Julgamento das contas muni-cipais, que falece competncia ao Legislativo para julgar as contas do Tribunal de Contas, pois a Constituio apenas lhe reservou atribuio de apreciar os relatrios produzidos trimestral e anualmente pelas casas de contas, ao pontuar que o prprio Tribunal, nos termos do art. 71, II, CR, preceitos esses que se estendem aos Estados, ex vi do art. 75 da Carta Magna, julgar as contas de responsabilidade do ministro ou conselheiro presidente da Corte de Contas. Sem embargo boa valia dos fundamentos em que se ancora esta corrente doutrinria, a verdade que no fez seno carreira minoritria ante a esmagadora maioria dos acrdos do Supremo Tribunal Federal sobre a matria.

    Colaciona-se, ainda, entendimento do Professor Jos Rubens Costa (1996, p. 65), do qual co-mungo, vazado nos seguintes termos:

    Na qualidade de rgo auxiliar (= ancilar), os tribunais de contas tambm se submetem ao controle externo do Congresso Nacional (= Tribunal de Contas da Unio), das assembleias legislativas (= tribunais de contas dos Estados) e das cmaras municipais (= tribunais de contas municipais, v. g., o dos Municpios de So Paulo e Rio de Janeiro). A explicao bvia. Decorre da explanao, dever geral, universal, de prestao de contas dos trs poderes e de todos aqueles que gerenciem ou administrem recursos pblicos. Assevera o Ministro Alfredo

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    64 Doutrina

    Buzaid que a poltica legislativa (= constitucional) obedece ao princpio de que todos os que so responsveis por dinheiro, valores e bens pblicos esto obrigados a prestar contas de sua administrao. Desta regra no se pode ex-cetuar o Tribunal de Contas, que, sendo rgo auxiliar do Poder Legislativo, a este se acha sujeito; no lcito, pois, ao Tribunal subtrair-se prestao de contas quando a lei lhe impe esta obrigao. A condio jurdica do Tri-bunal de Contas, visto que autnoma e relevante, foi de nida pela prpria Constituio. E conclui, de modo impecvel, a Constituio da Repblica, atribuindo ao Tribunal de Contas o carter de rgo auxiliar do Poder Legisla-tivo, no precisa inserir norma expressa estabelecendo que ele deve prestar contas ao Congresso porque esta verdade resulta da sua prpria condio ju-rdica. Na ADIN n. 375-AM, ponti ca o Ministro Octavio Gallotti: No esto os tribunais de contas dos Estados e Municpios indenes ao controle externo da Assembleia. Por certo, como ainda aduz, que insu ciente a atender o objetivo do controle externo seria o simples encaminhamento dos relatrios a serem apresentados pelos tribunais de contas ao Poder Legislativo ( 4 do art. 71 da CF). O controle externo, amplo, do Legislativo gnero, do qual as diferentes hipteses constitucionais, v. g., julgamento, relatrios, auditorias, constituem espcie. A nalidade do julgamento legislativo no se confunde com a de en-caminhamento de relatrios, que, esclarece o Ministro Gallotti, destinam-se a fornecer ao Legislativo um quadro de gesto das nanas pblicas, pelos r-gos e entidades scalizadas, com o natural destaque das falhas e irregularida-des apontadas. No se prendem tais relatrios eventual conferncia dos atos de administrao interna (a chamada atividade meio) das cortes de contas.

    No assiste, pois, nenhuma razo doutrina minoritria quando defende que a norma constitucio-nal entregou prpria Corte de Contas o poder para julgar os atos fi nanceiro, oramentrio, pa-trimonial e contbil por ela produzidos no exerccio de sua atividade de administrao porque isso fere os princpios democrticos do Direito, em especial o de sistema de freios e contrapesos.

    J em julgados da dcada de 80 proclamou o STF:

    No obstante o relevante papel do Tribunal de Contas no controle nanceiro e oramentrio, como rgo eminentemente tcnico, nada impede que o Poder Legislativo, exercitando o controle externo, aprecie as contas daquele que, no particular, situa-se como rgo auxiliar.

    Entendimento esse reproduzido na ementa abaixo:

    EMENTA: AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 92, INCISO XXX, E ARTIGO 122 DA CONSTITUIO DO ESTADO DO PAR, COM REDAO CONFERIDA PELA EMENDA N. 15/99, DE 3 DE AGOSTO DE 1999. COMPETNCIA EXCLUSIVA DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA PARA JULGAR ANUALMENTE AS CONTAS DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PAR. PRESTAO DE CONTAS PELO TRIBUNAL DE JUS-TIA PARAENSE ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NO PRAZO DE 60 DIAS CONTADOS DA ABERTURA DA SESSO LEGISLATIVA. ALEGAO DE VIOLAO DO DISPOSTO NOS

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    65Doutrina

    ARTIGOS 71, INCISOS I E II, e 75, DA CONSTITUIO DO BRASIL. INOCORRNCIA. 1. A Constituio do Brasil de 1988, ao tratar de scalizao contbil, nan-ceira e oramentria, prev o controle externo a ser exercido pelo Congresso Nacional com o auxlio do Tribunal de Contas da Unio. 2. A funo scalizadora do TCU no inovao do Texto Constitucional atual. Funo tcnica de audito-ria nanceira e oramentria. 3. Questes anlogas contida nestes autos foram anteriormente examinadas por esta Corte no julgamento da Rp n. 1.021 e da Rp n. 1.179. No obstante o relevante papel do Tribunal de Contas no controle -nanceiro e oramentrio, como rgo eminentemente tcnico, nada impede que o Poder Legislativo, exercitando o controle externo, aprecie as contas daquele que, no particular, situa-se como rgo auxiliar. 4. Ao Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. (STF. Tribunal Pleno. Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 2.597. Relator: Ministro Nelson Jobim. Redator do Acrdo Ministro Eros Grau Requerente: Associao dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil ATRICON. Requerido: Assembleia Legislativa do Estado do Par. Julgado de 04/08/04, publi-cado no DJ 17/08/2007, LEXSTF v. 29, n. 346, 2007, p. 133-148)

    Assim, perante a jurisprudncia do STF a doutrina minoritria no tem base para ser sustentada. Tambm no procede a argumentao de que o Legislativo detm competncia somente para apreciar os relatrios enviados pela Corte de Contas em cumprimento ao regramento constitu-cional. O acerto da jurisprudncia do STF, nesse particular, merecedor de incessantes aplausos, pois os ministros daquela Corte Constitucional no se deixaram infl uenciar pelo entendimento que fulminaria de morte o decantado sistema de freios e contrapesos, indispensvel democracia.

    A propsito, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADIN 2.911), relatada pelo Ministro Carlos Ayres Britto, entendeu que o sistema de freios e contrape-sos de observncia obrigatria e que esse tipo de mecanismo, embora habilite tambm o Le-gislativo a exercer a fi scalizao contbil, fi nanceira, oramentria, operacional e patrimonial sobre as unidades administrativas de qualquer poder, rgo ou entidade pblica, isso somente poder se materializar por intermdio do Tribunal de Contas em respeito ao princpio da sepa-rao dos poderes.

    O decisum da mais alta Corte de Justia do Pas (STF) encontra-se assim ementado:

    EMENTA: CONSTITUCIONAL. AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. IMPUG-NAO DA EXPRESSO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIA, CONTIDA NOS 1 E 2 DO ART. 57 DA CONSTITUIO DO ESTADO DO ESPRITO SANTO. Os dispositivos impugnados contemplam a possibilidade de a Assembleia Legisla-tiva capixaba convocar o presidente do Tribunal de Justia para prestar, pes-soalmente, informaes sobre assunto previamente determinado, importando crime de responsabilidade a ausncia injusti cada desse chefe de poder. Ao faz-lo, porm, o art. 57 da Constituio capixaba no seguiu o paradigma da Constituio Federal, extrapolando as fronteiras do esquema de freios e con-trapesos cuja aplicabilidade sempre estrita ou materialmente inelstica e maculando o princpio da separao de poderes. Ao julgada parcialmente

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    66 Doutrina

    procedente para declarar a inconstitucionalidade da expresso presidente do Tribunal de Justia, inserta no 2 e no caput do art. 57 da Constituio do Estado do Esprito Santo. (STF. Tribunal Pleno. Ao Direta de Inconstituciona-lidade n. 2.911. Relator: Ministro Carlos Ayres Britto. Requerente: Procurador-Geral da Repblica. Requerido: Assembleia Legislativa do Estado do Esprito Santo. Julgado de 10/08/06, publicado no DJ 02/02/2007, Ata n. 1/2007)

    Observa-se, no entanto, que o controle externo dos atos de gesto dos tribunais de contas ainda realizado de modo parcial pelos Poderes Legislativos, constituindo-se, na essncia, na remes-sa de prestao de contas anual. Assim, preciso que sejam adotadas medidas para a plena efi ccia, pois o povo, detentor do poder poltico, no tolera a ideia oposta, qual seja, omisso de fi scalizao, j que a ausncia do controle leva ao descontrole. Ora, no caso brasileiro, o sis-tema de fi scalizao e de controle externo est a cargo dos tribunais de contas, rgo autno-mo e de atuao independente dos Poderes Legislativos federal, estadual, distrital e municipal, mas a inoperncia dos parlamentos no pode prevalecer sobre o dever de fi scalizar, por meio de controle direto dos atos de administrao das cortes de contas, nica exceo autorizada pela Constituio, j que, nas demais situaes, o controle externo realizado indiretamente, cabendo s casas de contas exerc-lo diretamente sem interferncia das casas parlamentares.

    O Legislativo, pelo Texto Constitucional, deveria fazer o controle externo do rgo controlador das contas pblicas, de acordo com 4 do art. 71 da Constituio Federal. Assim, o parlamen-to, a par de ser o fi scal indireto de toda a administrao pblica, fi scalizador dos tribunais de contas. Diante das pesquisas realizadas, constata-se, contudo, que fi ca mais no campo do ideal do que material. Deveria fazer do ditame constitucional uma rotina e, com o apoio tcnico de sua Comisso de Fiscalizao Financeira e Oramentria, inspecionar, por meio das prestaes encaminhadas pela Casa de Contas, todos os atos de gesto dos tribunais de contas, inclusive as licitaes e contratos, mas, em geral, o controle realizado de modo no efi caz, pois se costuma apenas verifi car os relatrios encaminhados anualmente, como se essa espcie de fi scalizao pudesse ser perpetrada uma vez por ano, fulminando de morte o controle concomitante, prtica moderna e usual nos seios dos tribunais de contas, mormente nos procedimentos licitatrios.

    No mesmo sentido, o STF, em Tribunal Pleno (ADIN 687/PA), reconhece a obrigatoriedade de os tribunais de contas se subjugarem fi scalizao fi nanceira, oramentria, contbil, operacio-nal e patrimonial do Poder Legislativo, e assevera:

    LEGITIMIDADE DA COMPETNCIA DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA PARA JULGAR AS CONTAS DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO. Reveste-se de plena legitimidade constitucional a norma inscrita na Carta Poltica do Estado-Membro que atribui Assembleia Legislativa competncia para efetuar, em sede de scalizao nan-ceira, oramentria, contbil, operacional e patrimonial, o controle externo das contas do respectivo Tribunal de Contas. Doutrina. Precedentes. O Tribunal de Contas est obrigado, por expressa determinao constitucional (CF, art. 71, 4), aplicvel ao plano local (CF, art. 75), a encaminhar ao Poder Legislativo,

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    a que se acha institucionalmente vinculado, tanto relatrios trimestrais quanto anuais de suas prprias atividades, pois tais relatrios, alm de permitirem o exame parlamentar do desempenho, pela Corte de Contas, de suas atribuies scalizadoras, tambm se destinam a expor ao Legislativo a situao das nan-as pblicas administradas pelos rgos e entidades governamentais, em ordem a conferir um grau de maior e ccia ao exerccio, pela instituio parlamentar, do seu poder de controle externo. (STF. Tribunal Pleno. Ao Direta de Inconsti-tucionalidade n. 687. Relator: Ministro Celso de Mello. Requerente: Procurador-Geral da Repblica. Requerido: Assembleia Legislativa do Estado do Par. Julgado de 02/02/95, publicado no DJ 10/02/06, LEXSTF v. 28, n. 329, p.24/72)

    V-se, pois, que o Tribunal de Contas, de acordo com a legislao de regncia, soberanamente interpretada pela Suprema Corte de Justia, prestar contas de seus atos de gesto fi nanceira e patrimonial Casa Legislativa, bem como encaminhar relatrios trimestrais e anuais de suas atividades, em respeito ao controle externo.

    Carlos Pedrosa Jnior e Pedro Humberto Teixeira Barretto (2003, p.10), em excelente artigo, aprovado e publicado nos anais pelo XXXVIII Congresso do Conselho Latino-Americano de Escolas de Administrao, realizado em Lima Peru, no perodo de 20 a 24/10/2003, revisam extensa-mente o tema, concluindo, aps citar doutrina e legislao de regncia, que no h mais espao para que as Cortes de Contas fi quem imunes ao controle externo, verbis:

    As principais instituies superiores de controle do mundo contemporneo, a exemplo do Tribunal de Contas europeu e do Tribunal de Contas de Portugal, submetem suas prprias contas a auditorias externas, realizadas por empresas privadas especializadas. Tal procedimento, exemplar, d maior credibilidade a essas contas perante os organismos que as controlam os parlamentos e a so-ciedade. No Brasil, tal prtica ainda no adotada em nenhum dos trinta e quatro tribunais de contas responsveis pelas atividades de controle externo dos oramentos da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios. Como continuar esta situao? Por quanto tempo perdurar a intocabilidade das contas dos tribunais de contas brasileiros? At quando esses tribunais de contas brasileiros permanecero inauditveis?

    O Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, baixado pela Resolu-o n. 5.176, de 1997, com alteraes posteriores conforme Resolues n. 5.183/98, 5.197/00, 5.204/02, 5.207/02, 5.212/03, 5.222/04, 5.229/05 e 5.322/08, a par de regulamentar o dever de accountability (obrigao de se prestarem contas a instncias controladoras) sobre os atos de gesto fi nanceira do Tribunal de Contas do Estado, determina que, recebido o processo, as contas e a documentao que o acompanham sero publicadas, distribuindo-se cpia aos par-lamentares, fi cando o procedimento aguardando, por dez dias, requerimento de informaes complementares do presidente da Corte de Contas, se assim for necessrio, e, ao trmino do prazo, o processo ser encaminhado Comisso de Fiscalizao Financeira e Oramentria para, em 45 dias, emitir parecer sobre a sua aprovao ou no, que ser enviado Mesa da

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    68 Doutrina

    Assembleia, rgo deliberativo, para apreciao, em turno nico de votao dos deputados estaduais. Rejeitadas as contas dos atos de administrao praticados pelo presidente da Corte de Contas, o processo ir Comisso de Constituio e Justia da prpria Assembleia, que ter dez dias para sugerir medidas a serem adotadas pela Assembleia Legislativa.

    A referida norma regimental encontra-se assim insculpida:

    Art. 216. Recebido o processo de prestao de contas do governador do Esta-do, o presidente da Assembleia, independentemente de leitura no expediente, mandar publicar o balano geral das contas e os documentos que o instrurem, observado o disposto no art. 207.

    Pargrafo nico. Distribuir-se- cpia do processo aos deputados no prazo de cinco dias a contar da data da publicao do parecer do Tribunal de Contas.

    Art. 217. Aps a distribuio, o processo car sobre a mesa, por dez dias, para requerimento de informaes ao Poder Executivo e ao Tribunal de Contas.

    Art. 218. Esgotado o prazo estabelecido no artigo anterior, o processo ser en-caminhado Comisso de Fiscalizao Financeira e Oramentria, para, em 45 dias, receber parecer, que concluir por projeto de resoluo.

    1 Publicado o projeto, abrir-se-, na Comisso, prazo de dez dias para apre-sentao de emendas.

    2 Emitido o parecer sobre o projeto e emendas, se houver, o projeto ser encaminhado Mesa da Assembleia e includo em ordem do dia para discusso e votao em turno nico.

    3 Aplicam-se discusso e votao, no que couber, as disposies relativas ao projeto de lei ordinria.

    4 Quando o projeto dispuser sobre aprovao de parte das contas e rejeio das demais, sua votao se dar por partes.

    5 Aprovado, o projeto ser encaminhado Comisso de Redao.

    6 A rejeio do projeto pelo Plenrio, no todo ou em parte, resulta em de-liberao contrria ao seu teor.

    Art. 219. Se as contas no forem, no todo ou em parte, aprovadas pelo Plen-rio, ser o processo encaminhado Comisso de Constituio e Justia, que, no prazo de dez dias, indicar as providncias a serem adotadas pela Assembleia Legislativa.

    Art. 220. Decorrido o prazo estabelecido no inciso XIX do art. 62 da Constitui-o do Estado sem que a Assembleia Legislativa tenha recebido a prestao de

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    69Doutrina

    contas do governador do Estado, estas sero tomadas pela Comisso de Fis-calizao Financeira e Oramentria, aplicando-se, no que couber, o disposto nesta subseo.

    Art. 221. As contas do Tribunal de Contas esto sujeitas aos procedimentos estabelecidos nesta subseo. (grifei)

    No Estado de Minas Gerais, no h dvidas de que o Tribunal de Contas prestar contas de seus atos fi nanceiro, oramentrio, contbil, operacional e patrimonial Assembleia Legislativa do Estado.

    O constitucionalista Jos Afonso da Silva (1989, p. 627) enftico ao afi rmar que o exerccio do controle externo, materializado na fi scalizao contbil, fi nanceira, oramentria, patrimonial e operacional, consequncia do Estado Democrtico de Direito, a conferir:

    (...) somente quando vigem os princpios democrticos em todas as suas conse-quncias e entre elas das mais importantes a consagrao da diviso de po-deres e o oramento votado pelo povo atravs de seus legtimos represen-tantes, que as nanas, de formal, se tornam substancialmente pblicas, e a sua scalizao passa a constituir uma irrecusvel prerrogativa da soberania.

    Mais do que resultado da democracia, imperioso ressaltar a necessidade da real existncia do controle realizado diretamente pelo Poder Legislativo sobre os atos de gesto dos presidentes dos tribunais de contas, funo que lhe determinada pela Constituio da Repblica, deven-do os controles, interno das cortes de contas e externo do Legislativo, entrelaarem-se para possibilitar a efetiva efi ccia da terceira forma de controle, o controle misto, preconizado pela Constituio Federal nos arts. 71 e 74, pois o controle externo o controle maior da Repblica, e por meio dele que se controlam os prprios rgos autnomos que realizam os demais con-troles da administrao pblica.

    2.3.4 Controle das licitaes e dos contratos dos tribunais de contas

    Nunca demais lembrar a regra geral do art. 37, XXI, da Lei das Leis da Repblica, que, em respeito ao princpio da igualdade de todos perante a lei, insculpido no art. 5, caput, deter-mina a obrigatoriedade de licitar, comando que, livre de dvida, alcana os tribunais de contas quando praticam atos de gesto. As cortes de contas, enquanto guardis do controle prvio das licitaes, tambm tm seus atos de licitao e contratos sujeitos ao controle externo que se encontra sob a sua jurisdio, pois elas no podem, diretamente, controlar os atos que prati-cam nessa condio, sob pena de malsinar o sistema de freios e contrapesos e, igualmente, a Lei Federal n. 8.666/93, norma motora dos certames licitatrios e contratos administrativos.

    Logo, dentre o controle parlamentar direto destaca-se a misso de, em respeito ao sistema de freios e contrapesos, fi scalizar as licitaes e os contratos delas decorrentes, realizados e celebrados pelos tribunais de contas, desvendando, assim, os certames licitatrios das casas

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    de contas, responsveis por controlar, nessa seara, a administrao pblica como um todo, in-cluindo o prprio Poder Legislativo, quando esse, por sua Mesa Diretora, pratica ato de gesto fi nanceiro-oramentrio.

    Assim, cabe ao Legislativo no s o controle da legalidade dessas licitaes e contratos perpe-trados pelas casas de contas, mas tambm de sua legitimidade e economicidade, satisfazendo, por conseguinte, o interesse da sociedade de ver o sistema de freios e contrapesos fechado.

    A fi scalizao das licitaes, por meio de um procedimento externo de controle, como forma de ga-rantir a legalidade dos atos pblicos, evitar fraudes e manipulao, foi entregue indiretamente ao Legislativo e de forma direta ao Tribunal de Contas, que autnomo e independente. Quando ato dessa espcie praticado pelas cortes de contas, o Legislativo exerce diretamente o controle exter-no, com o auxlio do controle interno do prprio Tribunal de Contas, que tem o dever constitucional de levar ao conhecimento da Casa Legislativa respectiva o conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, sob pena de responsabilidade solidria de seus membros, em razo de omisso.

    Lado outro, convm no se esquecer de que, a par do controle parlamentar direto sobre os atos de gesto dos presidentes das cortes de contas, o Legislativo no possui atribuio legal de fazer, ele prprio, inspees e auditorias no Tribunal de Contas, competncia reservada consti-tucionalmente ao Tribunal de Contas, como se depreende do disposto no inciso IV do art. 71 da Magna Carta Republicana de 1988.

    O Legislativo deve, todavia havendo indcios de irregularidades, denncias, cincia do con-trole interno do Tribunal de Contas da existncia de ilegalidade provocar as comisses de sua prpria estrutura, inclusive a de inqurito parlamentar, requisitar documentos e informaes para investigar a veracidade da denncia e a apurao de possveis irregularidades na realiza-o de licitaes e na celebrao de contratos.

    Assim, ao realizar a sua atividade de fi scalizao, controle parlamentar direto, se apurar irre-gularidade, responsabilizar o presidente do Tribunal de Contas que deu causa ao procedimento administrativo que envolva despesa e encaminhar a documentao, acompanhada de parecer do Plenrio Legislativo, ao Ministrio Pblico para adotar as providncias necessrias ao exato cumprimento da lei, e, se for o caso, ajuizar a ao de ressarcimento.

    Hoje no h mais dvida, o Supremo Tribunal Federal colocou uma p de cal em antiga con-trovrsia doutrinal e jurisprudencial de o Legislativo, no exerccio do controle externo, poder fi scalizar o Tribunal de Contas, consolidando, assim, a sua jurisprudncia no sentido de que per-tence aos Parlamentos federal, estadual, distrital ou municipal a competncia para controlar a legalidade dos atos de administrao praticados pelos presidentes das cortes de contas, na execuo oramentria, fi nanceira, patrimonial e contbil, incluindo a, por bvio, as licitaes e contratos perpetrados por esses rgos de fi scalizao.

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    Recentemente, a Ministra Ellen Gracie arquivou a Reclamao n. 6.364 (Reclamao Constitui-o), proposta pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B) perante o Supremo Tribunal Federal, pretendendo suspender a efi ccia de dispositivo da Constituio do Estado da Bahia que confe-re competncia Assembleia Legislativa local para julgar as contas do Tribunal de Contas dos Municpios baianos. O reclamante defende em sua pea de ingresso que a Corte de Contas dos Municpios baianos, em cumprimento ao disposto nos arts. 71, II, e 75 da Lex Mater da Rep-blica, deveria encaminhar sua prestao de contas ao Tribunal de Contas do Estado da Bahia. A ttulo de ilustrao, trago colao o pedido que foi assim resumido:

    Trata-se de reclamao constitucional, com pedido de liminar, fundada no art. 102, I, l, da Constituio Federal, ajuizada pelo Partido Comunista do Brasil PC do B, em face do Tribunal de Contas dos Municpios do Estado da Bahia e da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia. O reclamante sustenta, em sntese, a inconstitucionalidade da competncia atribuda pelos arts. 71, XI, e 91, 3, da Constituio Estadual no sentido de que o Tribunal de Contas dos Municpios baianos seja compelido a prestar suas contas diretamente Assembleia Legis-lativa do Estado ( s. 3). Alega a ocorrncia de ofensa ao conjunto de atribui-es do Tribunal de Contas do Estado, em paralelo com as do Tribunal de Contas da Unio, como quer o art. 71, II, c/c art. 75 da Constituio Federal ( s. 3). Suscita, ainda, a existncia de afronta autoridade do acrdo proferido pelo Plenrio do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ao Direta de Incons-titucionalidade n. 687/PA, Relator Ministro Celso de Mello, DJ 10/02/2006, no qual foi declarada a inconstitucionalidade de norma de idntico contedo que impregnava a Constituio do Estado do Par ( s. 6), razo por que h a necessidade de aplicao, no presente caso, da teoria da transcendncia dos motivos determinantes. Requer, ao nal, o deferimento de medida liminar para o m de se determinar ao Tribunal de Contas dos Municpios do Estado da Bahia que preste suas prprias contas ao Tribunal de Contas do Estado da Bahia, bem assim que a Assembleia Legislativa do Estado da Bahia se abstenha de exigir a referida prestao de contas do TCM-BA ( s. 8), reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos arts. 71, XI, e 91, 3, da Constituio do Estado da Bahia e a ofensa ao acrdo proferido no julgamento da Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 687/PA. (STF. Reclamao n. 6.364. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Reclamante: Partido Comunista Brasileiro PC do B. Reclamados: Assembleia Legislativa do Estado da Bahia e Tribunal de Contas do Estado da Bahia. Despacho de 13/08/2008, publicado no DJ de 18/08/2008)

    Por fi m, importante ressaltar que, para que uma norma seja efetiva, esta no tem que ser necessariamente declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, mas, sim, apreciada por um juiz competente, e sua deciso deve ser motivada, como ocorreu no caso dessa recla-mao constitucional.

    Em qualquer caso, importante no confundir a prestao de contas de responsabilidade dos presidentes dos tribunais de contas, que deve ser encaminhada ao Poder Legislativo para julga-

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    mento, com o exerccio do controle externo constitucionalmente atribudo s casas de contas, pois so coisas bem distintas.

    Assim, os Poderes Legislativos da Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios (existem, ainda, dois tribunais de contas municipais no Pas, um no Rio de Janeiro e outro em So Paulo), com o auxlio do sistema de controle interno das prprias cortes de contas, fi scalizaro os atos de gesto dos tribunais de contas, em cumprimento s normas da Constituio da Repblica.

    As jurisprudncias do Supremo Tribunal Federal no deixam dvidas de que cabe s casas le-gislativas o controle externo (indireto) em matria de fi scalizao fi nanceira, oramentria, patrimonial e contbil dos trs poderes, abrangendo tanto a administrao direta como a indi-reta, sem prejuzo do sistema interno de controle no mbito de cada poder, rgo ou entidade pblica, em razo da inteligncia do art. 70, pargrafo nico, da Constituio Federal. Logo, no existe, no sistema jurdico nacional, dispositivo constitucional que explicite vedao ao exerccio do controle externo, pelo Parlamento, das contas dos tribunais de contas, estando os atos de gesto dos presidentes das cortes de contas, ainda que seja uma simples licitao ou contratao, sujeitos fi scalizao do Poder Legislativo.

    A respeito do dever de prestar contas, convm repisar que ele decorre do princpio da indis-ponibilidade do interesse pblico e inerente funo do administrador pblico, que mero gestor de bens e interesses do povo. Essa obrigao constitucional, portanto, toca diretamente ao administrador e no entidade ou ao rgo por ele administrado, vale dizer, ela alcana no s os administradores pblicos mas tambm qualquer pessoa responsvel por bens e dinheiros pblicos. Logo, quem tem a obrigao de prestar contas ao Legislativo o presidente da Corte de Contas e no o Tribunal de Contas propriamente dito j que o ato de dispor do dinheiro p-blico desempenhado pelo gestor da Casa de Contas.

    Tambm no se deve confundir ato de gesto, aquele que envolve ordenao de despesa do prprio Tribunal, com a prtica de ato voltada para o exerccio do controle externo, constitu-cionalmente atribudo s cortes de contas, pois este, ao contrrio daquele, no sofre fi scali-zao do Poder Legislativo, apenas do Poder Judicirio e, ainda assim, quanto ao seu aspecto formal, ou seja, quanto legalidade na sua elaborao.

    Ao exercitar o controle externo sobre as despesas realizadas pelo presidente da Corte de Contas, o Poder Legislativo, fi scalizando a execuo oramentria dessa autoridade administrativa, busca comprovar a probidade dos atos de despesas por ele praticados, bem assim a regularidade da guarda e do emprego do dinheiro pblico entregue ao Tribunal de Contas para o desempenho de seu mister. Logo, o controle poltico de legalidade contbil, fi nanceiro, oramentrio e patrimo-nial dos atos de gesto dos administradores das casas de contas, exercido pelo Legislativo, tem fundamento constitucional e vai ao encontro do democrtico sistema de freios e contrapesos.

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    Assim, os relatrios de gesto fi scal e prestao de contas desses tribunais, que incluem, dentre outros atos, as licitaes e contrataes por eles realizadas, devem ser encaminhados ao Poder Legislativo competente que, com o auxlio de sua Comisso de Fiscalizao Ora-mentria, os julgaro.

    A propsito, diante da realidade brasileira sobre o controle administrativo-fi nanceiro externo dos tribunais de contas, Carlos Pedrosa Jnior e Pedro Humberto Teixeira Barretto (2003, p. 8), ante a insufi cincia de procedimentos normativos para um efetivo controle, entendem que, em que pese a Lei Complementar n. 101/2000 Lei de Responsabilidade Fiscal, art. 56, 2 estabelecer que o parecer sobre as contas das cortes de contas deve ser emitido por comisso mista permanente da Casa Legislativa competente (Comisso de Fiscalizao Financeira e Or-amentria), os tribunais de contas, na execuo de seus oramentos, deveriam ser auditados por empresa privada de auditoria, seno confi rmemos:

    Alis, tais cortes, responsveis, no geral, pelo controle externo, e que preci-sam, portanto, ter uma conduta tanto administrativa quanto nanceira, exem-plar, mais que o disposto no comando, deveriam, tambm, adicionalmente, ser submetidas anual e sistemtica auditoria, mediante a imposio normativa de contratao de uma empresa privada de auditoria.

    Aqui, com todo respeito aos Mestres Carlos Pedrosa Jnior e Pedro Humberto Teixeira Barretto e, tambm, ao magnfi co artigo por eles produzido, vou pedir vnia para discordar. Convocar a iniciativa privada para auditar o governo no a soluo mais adequada, porquanto, presente toda a arquitetura legal avanada para fi scalizar os tribunais de contas, no falta competncia tcnica, mas vontade poltica, j que a maioria dos membros das cortes de contas oriunda das casas legislativas. O melhor caminho a ser trilhado talvez seja avanar os mecanismos legais e institucionais existentes, ao invs de entregar o controle dos Tribunais de Contas s empresas privadas de auditoria. Isso porque a maior difi culdade tem sido em relao efetiva ausncia de controle e no insufi cincia de procedimentos normativos para o controle administrativo-fi nanceiro externo dos tribunais de contas brasileiros.

    3 Concluso

    Como sabido, fruto do desenvolvimento do princpio da separao dos poderes, o checks and balances, do Direito ingls, o sistema de freios e contrapesos acolhido pela Constituio Re-publicana brasileira de 1988. Equilibrar e balancear as aes dos poderes e rgos de governo uma caracterstica dos regimes representativos. Assim, em cumprimento ao interesse pblico, os freios e contrapesos, como controle de fi scalizao, exigem gesto responsvel dos admi-nistradores pblicos, deles esperando-se efi cincia administrativa e efi ccia de resultado no trato com o dinheiro pblico. E mais, o exerccio do controle externo das licitaes, contratos e demais atos de gesto produzidos pelos tribunais de contas, rgos de cpula da fi scalizao

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    74 Doutrina

    contbil, fi nanceira, oramentria, operacional e patrimonial do Poder Pblico, um dever de execuo do Poder Legislativo para, em obedincia Lei Maior, regular as aes de adminis-trao das cortes de contas, pois onde no h controle podero ocorrer abusos, e, para isso, a fi scalizao no pode ser omissa.

    In casu, a aplicao da norma constitucional, no momento em que as casas de contas passam a ser avaliadas sob a tica da tcnica do controle externo de gesto, tem deixado a desejar, pois os parlamentos, encarregados de fi scalizar a execuo oramentria desses tribunais, no tm exercido, com efi cincia e efi ccia, o poder de fi scalizao dos atos administrativos praticados pelos presidentes daqueles rgos de controle externo, subjugando o sistema de freios e con-trapesos e, por conseguinte, o indisponvel interesse pblico, deixando que as citadas entida-des, no que se refere execuo de seus oramentos, naveguem ao sabor dos ventos.

    Logo, conclui-se que os poderes legislativos, na conformidade com a Constituio Federal e com as decises do Supremo Tribunal Federal, tm o poder-dever de fi scalizar os atos de gesto dos tribunais de contas, dentre eles as licitaes e contratos por eles produzidos, pois nenhum dinheiro pblico pode fi car sem fi scalizao, e as cortes de contas, rgos de controle externo da administrao pblica, devem ser efi cientes ao agirem e efi cazes ao atingirem os resultados realizadores do interesse pblico, observados os preceitos do art. 71 e seguintes da Constitui-o da Repblica, inclusive a eles se submetendo quando da execuo de seus prprios ora-mentos. S assim os fi scais dos poderes, rgos e entidades pblicos (Legislativo e Tribunal de Contas) estaro cumprindo, na forma da lei, a relevante misso constitucional a eles atribuda pelo legislador constituinte, qual seja, regularem a atividade fi nanceira, econmica, patrimo-nial e fi scal do Estado. No basta fazer de conta que fi scaliza, preciso inspecionar, controlar, punir quando necessrio, e, para isso, o Legislativo, detentor dos freios e contrapesos sobre as casas de contas, deve dispor de todas as informaes necessrias para bem desempenhar essa funo legal, qual seja, o poder-dever de controle e fi scalizao dos atos de gesto dos tribunais de contas, equilibrando e balanceando as aes de administrao dos presidentes dos rgos controladores da gesto pblico-administrativa do Estado.

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