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    A RELATIVIZAO DO CONCEITO DESOBERANIA NO PLANO INTERNACIONAL

    RELATIVIZATION THE CONCEPT OFSOVEREIGNTYIN PLAN INTERNATIONAL

    Silvana COLOMBO*

    SUMRIO: Introduo; 1.O Princpio da soberania dos Estados na teoria de

    Bodin;1.1 titularidade da soberania; 2. A dimenso interna e externa do conceitode soberania; 3. A soberania como conceito relativo e histrico no planointernacional; 4.Concluso; Referncias.

    RESUMO: Nas pginas que seguem procede-se um estudo do Estado Moderno ede sua principal atributo: o princpio soberania . Aps uma breve abordagemconceitual do princpio da soberania na teoria de Jean Bodin, o presente artigo,convida o leitor (re) pensar a soberania no plano internacional. Ao final abordaa soberania como poder relativo e histrico no plano internacional.

    ABASTRACT:In the pages that follow carry out a study of the modern state andits main attributes: the principle of sovereignty. After a brief conceptual approachof the principle of sovereignty in the theory of Jean Bodin, this article invites thereader to (re) think the sovereignty at the international level. At the end discussesthe relative power and sovereignty as history internationally.

    PALAVRAS-CHAVE: Soberania-Estado Direito

    KEYWORDS:State Sovereignty- Law

    INTRODUONo final da idade mdia, os prncipes soberanos ou monarcas j eram

    detentores de um poder centralizado, no sujeito a qualquer tipo de restrio.entretanto, os tratados de paz de vestflia consolidaram a existncia de um novotipo de estado-o estado moderno-cuja nota caractersitica a soberania.

    * Professora Universitria na Unoesc. Advogada. 49 88348732/ [email protected]. Artigo submetido em10/08/2012. Aprovado em 16/08/2012.

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    A par disso, a Paz de Vestflia se constitui num momento histrico degrande relevncia, porque marca a passagem da sociedade medieval (domnio dopoder da Igreja) para a sociedade do Estado Moderno, vinculado noo desoberania e centralizao do poder poltico, to desfragmentado no perodomedievo.

    Diante de tal importncia, preciso pontuar que a Paz de Vestflia tevecomo marco histrico central o fim da Guerra dos Trinta Anos, em 1648. AsConferncias realizadas culminaram com o Tratado de Paz, em 1648, e a afirmaode trs princpios fundamentais: a) o princpio da liberdade religiosa dos Estados;b) o princpio da soberania dos Estados; c) o princpio da igualdade entre os Estados.

    Mais do que os efeitos prticos de suas disposies e de seus tratados, aPaz de Vestflia consagrou o reconhecimento oficial da idia de uma sociedadeinternacional integrada por Estados iguais e soberanos(BOSON,1994,p.162).Notadamente, a partir do Tratado de Vestflia, a mudana mais significativa foi o

    aparecimento da figura do soberano como instncia poltica mais elevada nacircunscrio de seu territrio, ou seja, detentor de um poder supremo supremapotestas.

    O conceito de soberania e, portanto, da qualificao de soberano dada aoEstado desempenha um papel decisivo na solidificao do Estado Moderno. Apartir do uso da fora sobre um determinado territrio e populao e do monopliodo direito, estrutura-se uma forma de organizao do poder centrada numaautoridade legal suprema, detentora do poder originrio, livre de interveno internaou externa.

    A grandeza histrica desse conceito consiste em haver visado a snteseentre o poder e direito, entre ser e dever ser, sntese sempre problemticoe sempre possvel, cujo objetivo era identificar um poder supremo eabsoluto, porm legal ao mesmo tempo, e o de buscar a racionalizaoatravs do direito, deste poder ltimo, eliminado fora da sociedadepoltica ( MATTEUCCI,1995,p.1179).

    Neste sentido, o artigo abordar num primeiro momento, o princpio dasoberania enquanto fora definidora e legitimadora do poder estatal e, porconseguinte, a construo sistemtica do conceito de soberania e principalmentea idia de absolutizao e perpetuidade desta atribuda a Jean Bodin.

    1.O PRINCPIO DA SOBERANIA DOS ESTADOS NA TEORIA DE BODINA teoria da soberania do jurista francs teve sua formulao inicial na

    obra Mtodo para Fcil Compreenso da Histria (1566), sendo claramenteesboada em Seis Livros da Repblica (1576). E o primeiro aspecto importante a

    considerar o que se refere ao termoRepblica, utilizada por Bodin na obra acima

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    referida, muito embora a palavra Estado j se fazia presente no sculo XVI naliteratura poltica/jurdica. Para Jean Bodin, o termo Repblicasignificava umreto governo, de vrias famlias, e do que lhe comum, com poder soberano(BODIN, 1992, p.8).

    A par disso, Repblica possui sentido de Estado e/ou de sociedade

    politicamente organizada, necessariamente submissa a uma mesma autoridadesoberana. A soberania assegura a unidade e coeso desta sociedade e seu detentordeve estar acima das leis civis, o que implica na liberdade destas leis de acordocom a vontade do soberano. Define-se, ento, a soberania como poder perptuo eabsoluto de uma Repblica.

    preciso ter presente que a noo de soberania no se formou de um diapara outro. Primeiro, porque foi elaborada de forma lenta e gradual num contextode lutas polticas e de disputa pelo poder. E, segundo, porque o conceito de soberaniaaflorou juntamente com a afirmao do Estado Moderno, enquanto unidade poltica

    independente, igualitria e livre de qualquer interferncia interna ou externa.O significado terico da obra de Bodin para o direito poltico moderno

    no outro seno de atribuir um carter sistemtico na discusso sobre Estado, oque se concretiza pela recuperao do processo de desenvolvimento, dosfundamentos tericos e dos princpios que deram sustentao para a existncia dasoberania como elemento indispensvel organizao da sociedade poltica.

    A soberania atribuda ao Estado apresenta dupla significao na teoriabodiana. Uma noo normativa, no sentido de que este poder soberano inclui omonoplio da fora, o direito de legislar e aplicar a lei, ou seja, ele designa asaspiraes do poder do Estado. tambm um conceito descritivo, usado comoelemento caracterizador do poder estatal.

    oportuno ressaltar que a definio normativa de soberania a maispresente na sociedade internacional, isto porque os Estados, apesar das pressesque o pretendem conduzir integrao internacional, buscam afirmar a jurisdiode forma exclusiva sobre um determinado territrio.

    A soberania exercida pelo Estado e para o Estado. O soberano o Estado,que define sua competncia territorial nos limites das suas fronteiras. Com efeito,a ordem internacional estabelecida em funo da igualdade soberana dos Estados,porque este pode submeter-se ao direito, mas no deve abandonar os elementosque fundamentam a soberania.

    Tudo isto esclarece que a soberania est ligada a uma concepo de poder,a um poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu territrioa universalidade de suas decises nos limites dos fins ticos de convivncia.(REALE, 2002, p.127). Sendo assim, a soberania compreendida como umaqualidade essencial do Estado e adquire na teoria de Bodin as caractersticas deum poder superior, incondicionado e ilimitado.

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    A afirmao da soberania enquanto poder absoluto e perptuo um dosfundamentos do Estado moderno. Enquanto poder perptuo o exerccio da soberaniano est submetido a um tempo determinado, ou seja, no sofre restrio de ordemcronolgica. Na teoria bodiana, a perpetuidade da realeza transferida para arepblica, para que no haja confuso entre a sociedade poltica e a pessoa fsica

    do rei.Como afirma Bodin, seja qual for o poder e a autoridade que o soberano

    concede a outrem, ele no concede tanto que no retenha sempre mais. (BODIN,1992, p.227) Ou seja, aquele que recebe o poder absoluto apenas de formatemporria no pode ser designado soberano, apenas detentor ou depositrio.

    Desta forma, uma vez estabelecido que o carter perptuo da soberaniasignifica a continuidade do poder no tempo, pode-se inferir que tal adjetivo estintrinsecamente ligado ao poder pblico, independente-mente de quem o assume.A soberania passa para outras mos, mas nem por isso desaparece. O Estado

    quem detm o princpio da summa potestas, da supremacia do poder, pois h umaidentificao entre a abstrao do Estado e os governantes que agem em seu nome.

    Quanto ao adjetivo absoluto, significa um poder ilimitado no tempo, queno sofre restries nem pelo cargo e nem por outro poder. Assim, conceito desoberania, enquanto poder absoluto indica que ao poder soberano so atribudasas seguintes notas caractersticas: superior, independente, ilimitado eincondicionado.

    Em primeiro lugar, diferentemente do poder subordinado, a soberania independente, porque o seu possuidor tem total liberdade para agir no campo dodireito positivo. Em segundo lugar, que o poder soberano superior porque quemdetm o poder supremo encontra-se numa posio de superioridade ou no estem condies de igualdade em relao aos demais poderes.

    Este poder absoluto, na sociedade poltica, significa estar acima das leiscivis assim como o soberano tem o poder de criar as leis civis e de alter-las deacordo com sua vontade. Assim, na definio bodiana de soberania, o poder dosoberano livre diante das leis civis, tanto em relao quelas que o mesmoestabeleceu quanto s estabelecidas pelos seus antecessores.

    Em decorrncia deste poder absoluto e perptuo do Estado, emanamdireitos de ordem exclusiva do soberano (ou soberania), que somente podem serexercidos por seu titular ou possuidor. Assim, decorre da soberania o direito dedeclarar a guerra ou negociar a paz; o direito de instituir moedas; o direito de

    julgamento em ltima instncia; o direito de conceder graas ao condenado e odireito de instituir e de cobrar impostos. (BODIN, 1992).

    Por tudo quanto foi visto, pode-se dizer que independentemente destesdireitos, a afirmao da soberania um poder absoluto e perptuo na obra deBodin. Esta a grande contribuio dele Bodin para a formao do Estado Moderno:

    a soberania una e indivisvel, porque num mesmo Estado no se admite a

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    convivncia de duas soberanias, j que se configura como poder superior a todosos demais existentes na sociedade poltica.

    Entretanto, mesmo que tenha definido a soberania como o poder absolutoe perptuo, Bodin no descarta os limites de ao do soberano, isto significa dizerque seu detentor no possui um poder arbitrrio porque o soberano est sujeito s

    leis humanas comuns a todos os povos.A lei divina tambm uma idia fundamental na teoria bodiana, porque o

    detentor da soberania est a ela submetido e deve no exerccio de seu poder observ-la. Se por um lado, o soberano no se sujeita s limitaes das leis civis, queresultam da sua vontade, por outro lado, diante da lei divina no pode transgredi-la, porque enquanto expresso da vontade de Deus, ela superior e fundamenta opoder soberano.

    Neste sentido, evidencia-se que h uma ordem jurdica anterior e superiorao soberano, que garante a continuidade do poder ao longo do tempo. O poder

    absoluto do detentor da soberania est restrito ao mbito das leis civis e no atingeas leis de Deus.

    importante ressaltar, outrossim, que o adjetivo absoluto e perptuo dasoberania revela a luta pela unidade do poder, j que a Idade Mdia, alm de serum perodo de transio ente o mundo antigo e o mundo moderno, caracterizadapela ausncia ou fragilizao dos poderes centralizados e pelo antagonismo dopoder espiritual e o poder religioso.

    1.1 A titularidade da soberaniaUm aspecto importante a ser mencionado a titularidade do poder

    soberano. A explicao da origem do poder soberano e a justificao do sujeito dodireito de soberania no Estado, tm como aporte terico duas teorias: as teoriasteocrtica e democrtica.

    As teorias teocrticas predominaram no fim da Idade Mdia, no momentoem que se esboava a soberania como elemento essencial do Estado Moderno.Elas tm como base em comum a afirmao de que todo o poder vem de Deus. Deum lado, sustentavam que a soberania vem de Deus assim como todas as coisasterrenas, de outro lado, reconheciam que a soberania apresenta imperfeies porquedecorre diretamente do povo (BOBBIO, 1995).

    J as teorias democrticas sustentavam que a soberania origina-se do povo.Apresentam trs variaes: na primeira, o titular da soberania o povo, situadofora do e Estado. Num segundo momento, a partir da Revoluo Francesa, atribuda nao a titularidade da soberania. E, por ltimo, a consolidao doEstado como titular do poder soberano (BOBBIO, 1995).

    A doutrina da soberania popular encontra em Hobbes e Rousseau seusdefensores. A referida doutrina tem como fundamento o princpio democrtico, a

    igualdade poltica e o sufrgio universal. Cada indivduo detm uma parcela da

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    soberania, que o permite participar ativamente na escolha de seus representantes,tanto que Rousseau afirma: se o Estado composto de dez mil cidados, cada umter a dcima milsima parte da autoridade soberana. (ROUSSEAU, 2003, p.52).

    No perodo da Revoluo Francesa (1789), a doutrina democrtica fezprevalecer a teoria da soberania nacional. O indivduo como titular de uma frao

    da soberania cede espao para a Nao, titular exclusiva do poder soberano. Oprprio artigo 3 da Declarao dos Direitos do Homem (1789) refora essa idiaao asseverar que: o princpio de toda a soberania reside essencialmente na Naoe que nenhuma corporao, nenhum indivduo pode exercer autoridade que delano emane expressamente. A nao e povo formam um s corpo poltico e asoberania exercida pela nao por meio de seus representantes.

    A afirmao da soberania como um direito requer que seu titular seja umapessoa jurdica, e o povo mesmo concebido como nao, apenas participa do Estado,sendo um dos elementos formadores da vontade do mesmo. Desta forma, o Estado

    como titular da soberania mantm as idias democrticas de universalizao dosufrgio e, sobretudo, afirma a supremacia deste sobre todos os outros grupossociais, seja interno (igreja, escola, famlia), seja externo (sociedade internacional).

    Em relao significao da soberania sob o aspecto poltico e jurdico,especialmente no que tange sua aquisio, exerccio e perda, ela apresentaconseqncias prticas de suma relevncia. Primeiro, porque a soberania comodireito traz tona o carter antijurdico do uso arbitrrio da fora. E, segundo, semignorar o carter poltico da soberania, enquanto expresso de fora contribuipara a formao de uma conscincia que repudia o uso abusivo da soberania.(BOBBIO, 1995).

    2. A DIMENSO INTERNA E EXTERNA DO CONCEITO DE SOBERANIAApresentadas algumas consideraes sobre a soberania na teoria de Bodin

    e a sua titularidade, temos que mencionar a dimenso interna e externa do seuconceito para que se possa compreender o porqu a soberania passa por uma revisoconceitual.

    A afirmao da soberania sobre determinado territrio significa que opoder ser exercido dentro dos limites territoriais estabelecidos e que tal poder superior sobre todos os demais existentes no Estado. Isto implica dizer que asoberania tem uma dimenso interna, e uma dimenso externa. A afirmao dasoberania em relao aos outros Estados implica na independncia, noreconhecimento de outras unidades polticas juridicamente iguais e soberanas.

    Dito de outra forma, a soberania como poder supremo dentro dos limitesdo territrio do Estado ou dentro dos limites da jurisdio (dimenso interna) e asoberania enquanto sinnimo de independncia, que reconhece a igualdade jurdicados Estados na ordem internacional. Os Estados no esto subordinados a nenhuma

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    potncia estrangeira, apenas sua prpria vontade, j que so ordens jurdicasindependentes e soberanas.

    Por conseguinte, a soberania tem como fundamento a ordem intra-estatale interestatal. De um lado, o Estado soberano porque a instncia superior dentrode um territrio limitado, aplicando-se s pessoas de uma dada nacionalidade. Por

    outro lado, a soberania nas relaes interestatais pressupe a excluso da sujeioa uma nica autoridade (ARON, 1996, p.886).

    O conceito de soberania que tem como fundamento a ordem intra-estatal, nas palavras de Aron, intil pelo fato de que representa apenas a validade de umsistema de normas num espao determinado. No entanto, na ordem interestatal,ela nociva porque os imperativos jurdicos retiram sua fora obrigatria davontade dos poderes do Estado (1996).

    A afirmativa de que a soberania intra-estatal diferente da soberaniainterestatal implica, no primeiro caso, na sujeio a um poder soberano e, no

    segundo caso, na independncia dos Estados igualmente soberanos. Significa dizerque na soberania externa, cada unidade poltica no aceita uma autoridade externa,apenas se submete s suas prprias leis e vontades.

    3. A SOBERANIA COMO CONCEITO RELATIVO E HISTRICO NOPLANO INTERNACIONAL

    Como j mencionado, a teoria bodiana serve de base terica para aformao e sustentao da ordem jurdica e poltica do Estado Moderno. O processode centralizao e de concentrao que marcaram o Estado moderno coincidecom o reconhecimento da supremacia absoluta do poder poltico a soberania.

    E sem negar a importncia do significado histrico da doutrina francesa,e de seu terico principal, que caracterizou a soberania como um poder absoluto,ilimitado e incontrastvel, tem-se que o conceito de soberania nesta tica obscuroe controverso. A simples indagao o que soberania ganha respostas diversasque oscilam entre as teorias do direito e as do poder. Por isso, so poucos os que searriscam a responder a tal indagao.

    Certo que a doutrina da soberania no mundo moderno, como conceitoterico idealizado por Bodin, traz alguns embaraos que atingem de forma crucialo direito internacional. Raymond Aron com muita propriedade questiona se afrmula da autoridade absoluta e indivisvel verdadeira quando aplicada aosatores presentes no cenrio internacional.

    E responde afirmando que se dentro das unidades polticas prevalece umnico sistema de normas, aplicada por um rgo jurisdicional nico, nas relaesentre os Estados, a soberania significa independncia. Ao menos do ponto de vistaexterno, h uma dificuldade de conciliar a soberania como poder absoluto eperptuo na ordem internacional (ARON, 1986, p.889).

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    A soberania na ordem internacional significa independncia. O sistemainternacional no se subordina a um sistema legal ou a um imperativo tico absoluto,razo pela qual a definio de soberania no plano externo tem uma significaodiferenciada que torna problemtica a conformao do seu conceito enquanto poderabsoluto.

    Se a soberania na ordem interna serve para justificar em cada Estado umaforma de governo, o poder de certas instncias ou de certas pessoas, na ordemexterna est diretamente ligado no-dependncia. Portanto, nas relaesinterestatais, vigora a teoria do Direito Internacional.

    No se pretende eliminar de forma completa o conceito de soberania naordem internacional, porque a ela condio para assegurar a coeso da sociedadepoltica, mas eliminar alguns dos seus equvocos e contradies. Se os Estadosso soberanos, ser preciso que no se submetam s obrigaes do DireitoInternacional?

    Importante dizer que os Estados contemporneos no esto isolados. Comoafirma Bobbio, Todo Estado existe ao lado de outros estados numa sociedade deEstados (1987, p.101). As relaes interestatais tambm se submetem aos limitesimpostos pelo Direito, seja por meio das regras costumeiras, seja pelos tratadosinternacionais.

    Nesta perspectiva, o conceito de soberania, da doutrina francesa, encontrana doutrina contempornea do direito pblico seu principal contraponto. Paracomear, os publicistas contemporneos consideram a soberania como umacategoria relativa e no absoluta. Segundo, pelo princpio da soberania no seriapossvel qualificar os Estados que se submetessem s normas do DireitoInternacional como soberanos.

    Tal indagao vem corroborar que a soberania conceito histrico etambm relativo na ordem externa. histrico, pois apesar de no se fazer presentena antigidade, aparece com o processo de centralizao poltica e com onascimento do estado moderno um conceito relativo tambm, porque se a priorifora considerado elemento fundamental do estado moderno, atualmente do pontode vista externo, a soberania uma adjetivao do poder, considerada um elementorelativo no essencial(jellinek,1978,p.76).

    A soberania enquanto poder tem como base a ordenao positiva em queela estabelecida. Na ordenao interna, a soberania sempre o poder supremo eoriginrio. J na relao entre Estados, a soberania nas palavras de Santi Romanopode faltar ou ser negada pelo direito internacional atravs da ordenao diversa(...)(1977,p.93).

    E se a soberania tem uma face intra-estatal e outra interestatal, os limitestambm podero ser internos, quando provenientes das relaes entre governantese governados, e externos quando derivam das relaes entre os Estados. H uma

    correspondncia entre os limites, j que quanto maior a centralizao do poder a

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    nvel interno, mais o Estado consegue estabelecer um processo de emancipao eindependncia em relao aos demais Estados.

    Nenhum observador do Direito Internacional moderno e tambm dodesenvolvimento histrico da noo de soberania pode ignorar as transformaesque o referido termo tem sofrido de forma mais contundente no decorrer deste

    sculo. A idia de absolutizao e perpetuidade da soberania, abordada pela primeiravez por Jean Bodin, se esvazia diante de normas internacionais ius cogens, isto, normas que vinculam os Estados de forma imediata.

    Se o Direito Internacional nos seus primrdios se desenvolveu em termosde soberania, com o fim de regular a coexistncia entre as unidades polticassoberanas, medida que se reduzem as fronteiras fsicas da humanidade e quecrescem os problemas de ordem global, torna-se cada vez mais necessria primaziados direitos do homem sobre a soberania nacional.

    Ou seja, um direito internacional fundamentado na soberania dos Estados,

    mas na autonomia dos povos: a humanidade no lugar dos Estados; umconstitucionalismo mundial, inclusive com garantias jurisdicionais globais, noposto ou ao lado dos constitucionalismos nacionais (FERRAJOLI, 2003, p.7).

    Ferrajoli aponta trs aporias para o estudo do conceito de soberania: aprimeira que se refere ao significado filosfico da soberania, ou seja, a soberaniacomo construo de matriz jusnaturalista, que se constitui de base para a concepo

    juspositivista do estado e ao direito internacional moderno. Em sntese, a soberaniacomo atributo do Estado e de cunho absoluto (FERRAJOLI, 2003).

    A segunda aporia nos remete para a noo de soberania como um podersupremo, manifestando-se de forma diferenciada no mbito interno e externo dosestados. Enquanto que na ordem interna a soberania sofre uma progressiva limitaoparalelamente formao dos Estados democrticos de direitos, na ordeminterestatal, a histria da soberania de progressiva a absolutizao (FERRAJOLI,2003, p.7).

    Dito de outra forma, a soberania externa segue um caminho diferente dainterna. Enquanto esta sofre um processo de limitao a partir da formao doEstado de Direito e tambm da consagrao dos Direitos fundamentais, aquelapercorre um caminho de absolutizao no plano do Direito Internacional.

    Trata-se de um processo em que a relao entre Estado e cidado, nodireito estatal, no uma relao entre soberano e sdito, como preconizava Bodin,mas sim uma relao em que ambos so detentores de uma soberania limitada. Osoberano, no Estado democrtico de Direito, est vinculado s leis e aos direitosfundamentais, o que significa dizer que a soberania como poder ilimitado, livre daobedincia das leis est suplantado.

    Esse fato leva-nos a discorrer sobre o processo inverso que percorre asoberania externa dos Estados nacionais. A considerao da soberania como valor

    absoluto alcana seu pice no sculo XIX e XX, aps as guerras mundiais, momento

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    em que as relaes externas entre os Estados consubstanciam-se comodesvinculadas de qualquer freio jurdico.

    Este processo inverso percorrido de forma concomitante pela soberaniainterna e externa, porm interligado. Isto porque:

    O estado de direito, internamente, e o estado absoluto, externamente,crescem juntos como os dois lados da mesma moeda. Quanto mais se selimita e, atravs de seus prprios limites, se autolegitima a soberaniainterna, tanto mais se absolutiza e se legitima, em relao aos outrosEstados e, sobretudo em relao ao mundo incivil, a soberania externa(STONES, 1961, p.35).

    Pode-se verificar, do processo de absolutizao da soberania externa, aprojeo do Estado como entidade auto-suficiente, como a nica fonte de direito,

    mas no sujeito a ele. Conseqentemente, o Estado no est subordinado aosparmetros do Estado de Direito e tampouco aceita a existncia de um podersupranacional.

    J a ltima aporia diz respeito soberania a partir da teoria do direito. Atese sustentada pelo autor supramencionado de uma antinomia entre direito esoberania, tanto no plano interno dos Estados, em que a mesma est em contrastecom o Estado Democrtico de Direito, quanto no plano do direito internacional,onde a soberania mitigada pela carta das Naes Unidas (1945) e pela Declaraodos Direitos do Homem (1948).

    No plano interno, a dicotomia entre direito e soberania resolveu-se com oEstado Constitucional de Direito porque nele no existe nenhum soberano, amenos que no se entenda como soberana, com puro artifcio retrico, a prpriaConstituio, ou melhor, o sistema de limites e de vnculos jurdicos por eleimpostos aos poderes pblicos j no mais soberanos(FERRAJOLI, 2003.44).

    Agora, no plano do direito internacional, esta dicotomia permanece latente,pois no h um sistema de garantias correspondentes aos direitos fundamentaisconsagrados e nem contra os atos ilcitos dos Estados que violam estes direitos.Assim, o princpio da igualdade soberana entre os Estados, previsto no artigo 2da Carta da ONU, se desmantela na prtica pela desigualdade entre os Estados epela prevalncia dos interesses dos Estados mais fortes.

    Nesta conjectura, a soberania tanto na dimenso interna quanto externano ilimitada e nem absoluta; pelo contrrio, limitada, repartida, dependentee diferenciada. (FERRAJOLI, 2003). indispensvel que os Estados soberanosrevejam os princpios e fundamentos que regem suas relaes externas, porque ovazio entre os smbolos legais da soberania e sua significao na realidade denossos dias cada vez mais acentuado.

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    O Estado como principal agente das relaes internacionais, munido pelaforma jurdica de soberania, tenta se manter como o centro principal do poderpoltico, numa conduta internacional pautada pelas relaes de poder, justamentepara assegurar a igualdade, independncia e a soberania estatal.

    A soberania como uma forma histrica de poder, condicionada por fatores

    econmicos, culturais e sociais no exclusivamente jurdica. Ela condicionou osurgimento e desenvolvimento do Estado Moderno, mas tambm expresso

    jurdica desta fora no Estado. Por isso, o problema da soberania scio, jurdicoe poltico, sendo a conjuno destes elementos que a torna um poder peculiar noEstado Moderno (REALE, 2003, p.139).

    Reale (2003, p.55) diz que a definio de soberania poder ser desdobradaem trs aspectos: (a)Histrico: a soberania poder que possui uma sociedadehistoricamente integralizada como Nao de se constituir em Estado independente;(b) Jurdico: a soberania poder de uma Nao juridicamente constituda e (c)

    poltico: a soberania o meio indispensvel realizao do bem comum em todaconvivncia nacional.

    Os aspectos jurdicos, histricos e polticos do conceito de soberania soindissociveis e interligados. Na sua dimenso poltica, a soberania serviu defundamento de justificao das conquistas territoriais realizadas pelos Estados eprincipalmente para justificar a noo jurdica do poder estatal.

    J numa concepo jurdica a soberania tambm expresso do poder,mas um poder jurdico ou o poder de decidir em ltima instncia sobre aatributividade das normas, vale dizer, sobre a eficcia do direito (KAPLAN, 1964,p.68).

    De tudo isso, infere-se que a soberania no que se tange aos interessesnacionais garante o poder supremo do Estado de fazer valer dentro do seu territriosuas decises, ao passo que em relao aos interesses comuns busca preservar aindependncia estatal. Mas tal fato no significa que este poder supremo desconhealimites ou que seja um poder arbitrrio, embora permanea a idia deturpada deque a soberania representa uma s supremacia, nica e exclusiva criadora do

    Direito.As consideraes feitas do razo identificao da soberania com o

    poder estatal, sendo que o reconhecimento de um poder superior no deverepresentar, tanto no plano interno quanto no externo, a supresso das liberdadesdos indivduos. O Estado no possui um poder absoluto sobre seus cidados etampouco pode desrespeitar a tica, o Direito e as normas do Direito Internacionalsob o manto da proteo da soberania.

    A par disso, nota-se, sobretudo, que a soberania se tornou objeto decontrovrsias diante dos fenmenos de interdependncia e da globalizao domundo, que levou ao declnio do Estado Moderno. preciso manter a autoridade

    soberana e ao mesmo tempo proteger a esfera de liberdade e os direitos dos

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    indivduos; no h espao apenas para a ordem e a autoridade, mas tambm paraa legalidade e constitucionalidade (FERRAJOLI, 2003, p.25).

    Por isso, impe-se reviso sobre o significado da soberania. Primeiro,porque conceito de soberania pode ser tomado, atualmente, como modificvel econtrovertido, pois sofre influncias das concepes polticas e filosficas de cada

    momento histrico. Segundo, porque a submisso soberania dos Estados e forma como os Estados a exercem, no pode resultar no desrespeito aos direitosfundamentais do homem.

    No obstante o carter controvertido e impreciso do conceito de soberania,o Direito Internacional tem a dupla funo de recuperar a prpria noo de soberaniae de utiliz-la em funo dos direitos fundamentais do homem.

    4.CONCLUSOAnalisou-se nos itens anteriores o surgimento do Estado Moderno. a

    partir da idade medieval que vai se formando a concepo jurdica do Estadobaseado no poder soberano. A Paz de Vestflia consolidou as idias constitudasno Estado Moderno. Um Estado que: (a)abandona a sobreposio do poder; (b) omecanismo de poder est vinculado a um soberano, que se confunde com a figurado prprio Estado; (c) estabelecimento de fronteiras delimitadas, pois neste espaoque o soberano exerce seu poder;

    A construo sistemtica do conceito de soberania e a idia deabsolutizao e perpetuidadedesta atribuda a Jean Bodin. O adjetivo absolutosignifica um poder ilimitado no tempo, que no sofre restries nem pelo cargo enem por outro poder. J o adjetivo ilimitado, significa que a soberania no reconhecenenhum outro poder acima de si.

    Na ordem interna, a soberania representa o poder dentro dos limites doterritrio. Na ordem externa, sinnimo de independncia, pois os Estados soumidades polticas igualmente soberanas e independentes. Em razo disso, a idiade soberania exposta por Bodin encontra dificuldades de ser aplicada no planointernacional.

    H um declnio do Estado como Nao-Soberana, exclusivista eindividualista, cuja autonomia mostrou-se absoluta na esfera internacional (ou daidia de soberania absoluta do ente poltico jurdico estatal). A crise do Estado-Nao a crise de todos os tipos de Estados, eregidos sob a mesma base terica-a soberania. Isto porque os seres humanos reivindicam sua existncia dentro docontexto social, poltico, econmico e ecolgico.

    A soberania permanece, contudo, mais restringida do que outrora. Issono apaga o significado terico da obra de Bodin para o direito poltico modernoque o de atribuir um carter sistemtico na discusso sobre Estado.

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