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13 ESCOLARIZAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL: ELABORAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS COMO RECURSOS PEDAGÓGICOS INCLUSIVOS Fernanda Vilhena Mafra Bazon Universidade Federal de São Carlos Resumo A inclusão escolar é tema relevante no cenário político, social e educacional do país, sendo este processo discutido em diversos âmbitos e foco de políticas e ações governamentais. Este trabalho, então, focaliza a discussão do uso de recursos didáticos adaptados para alunos com deficiência visual como estratégia pedagógica que possa favorecer o processo inclusivo. Para tanto, serão expostos e analisados resultados de pesquisas realizadas entre 2009 e 2011 que visaram elaborar e avaliar materiais didáticos de Biologia e Química adaptados ao referencial perceptual de alunos com cegueira e baixa visão. Os estudos em questão apontaram para a importância da elaboração e utilização de materiais didáticos adaptados em sala de aula, mostrando a dificuldade que os professores encontram ao possuir um aluno com cegueira ou baixa visão em sala de aula, desde a problemática com a explicação de conceitos abstratos até a adequação viável de materiais que possam ser usados como modelo destes conceitos. Os materiais elaborados foram avaliados por alunos com deficiência visual, professores universitários tanto de ensino de ciências quanto de educação especial e professores da rede especial de ensino. As avaliações assinalaram a adequação destes materiais para o uso com alunos com deficiência visual bem como videntes, destacaram ainda o potencial lúdico dos mesmos e a facilidade de construção, já que são elaborados com material de baixo custo. Ao longo das pesquisas foi evidenciado que a adequação destes materiais ao referencial perceptual de alunos com deficiência visual favorece a apropriação de conhecimento pelos mesmos, auxiliando assim no desenvolvimento de práticas educacionais inclusivas. Palavras-chave: práticas educacionais inclusivas, material didático, deficiência visual. Neste trabalho serão discutidos os resultados de seis pesquisas desenvolvidas pela autora em conjunto com orientandos e professores colaboradores (citados ao longo do texto) entre os anos de 2009 e 2011. Todos estes estudos objetivaram a elaboração e avaliação de materiais didáticos adaptados para o uso por alunos com deficiência visual, visando sempre uma forma de elaboração que permitisse o desenvolvimento e melhora na qualidade da educação inclusiva. Escolarização de alunos com deficiência visual: o que os dados oficiais revelam A deficiência visual, conforme aponta Conde (http://www.ibc.gov.br/?itemid=94#more) agrupa tanto as condições de cegueira quanto XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.003290

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    ESCOLARIZAO DE ALUNOS COM DEFICINCIA VISUAL:

    ELABORAO E UTILIZAO DE MATERIAIS DIDTICOS COMO

    RECURSOS PEDAGGICOS INCLUSIVOS

    Fernanda Vilhena Mafra Bazon Universidade Federal de So Carlos

    Resumo

    A incluso escolar tema relevante no cenrio poltico, social e educacional do pas, sendo este processo discutido em diversos mbitos e foco de polticas e aes

    governamentais. Este trabalho, ento, focaliza a discusso do uso de recursos didticos adaptados para alunos com deficincia visual como estratgia pedaggica que possa

    favorecer o processo inclusivo. Para tanto, sero expostos e analisados resultados de pesquisas realizadas entre 2009 e 2011 que visaram elaborar e avaliar materiais

    didticos de Biologia e Qumica adaptados ao referencial perceptual de alunos com cegueira e baixa viso. Os estudos em questo apontaram para a importncia da

    elaborao e utilizao de materiais didticos adaptados em sala de aula, mostrando a dificuldade que os professores encontram ao possuir um aluno com cegueira ou baixa

    viso em sala de aula, desde a problemtica com a explicao de conceitos abstratos at a adequao vivel de materiais que possam ser usados como modelo destes conceitos.

    Os materiais elaborados foram avaliados por alunos com deficincia visual, professores universitrios tanto de ensino de cincias quanto de educao especial e professores da

    rede especial de ensino. As avaliaes assinalaram a adequao destes materiais para o uso com alunos com deficincia visual bem como videntes, destacaram ainda o

    potencial ldico dos mesmos e a facilidade de construo, j que so elaborados com material de baixo custo. Ao longo das pesquisas foi evidenciado que a adequao destes

    materiais ao referencial perceptual de alunos com deficincia visual favorece a apropriao de conhecimento pelos mesmos, auxiliando assim no desenvolvimento de

    prticas educacionais inclusivas.

    Palavras-chave: prticas educacionais inclusivas, material didtico, deficincia visual.

    Neste trabalho sero discutidos os resultados de seis pesquisas desenvolvidas

    pela autora em conjunto com orientandos e professores colaboradores (citados ao longo

    do texto) entre os anos de 2009 e 2011. Todos estes estudos objetivaram a elaborao e

    avaliao de materiais didticos adaptados para o uso por alunos com deficincia visual,

    visando sempre uma forma de elaborao que permitisse o desenvolvimento e melhora

    na qualidade da educao inclusiva.

    Escolarizao de alunos com deficincia visual: o que os dados oficiais revelam

    A deficincia visual, conforme aponta Conde

    (http://www.ibc.gov.br/?itemid=94#more) agrupa tanto as condies de cegueira quanto

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    de viso subnormal. A cegueira ou amaurose a perda completa da viso, sem que haja

    percepo luminosa, entretanto, em termos pedaggicos, todo o aluno que necessitar de

    instruo em braile, mesmo se clinicamente apresentar viso subnormal, considerado

    como cego. A viso subnormal ou baixa viso agrupa a acuidade visual entre 6/60 e

    o

    com viso subnormal pode fazer uso de tipos impressos ampliados ou potentes recurso

    pticos.

    Nota-se que um aluno com deficincia visual, a partir desta definio,

    necessitar ento de recursos diferenciados em seu aprendizado, sendo necessrio que a

    educao escolar esteja preparada para fornecer e utilizar estes recursos.

    Dados acerca da populao com deficincia visual no Brasil e seu acesso ao

    sistema educacional podem ser obtidos por meio do censo demogrfico realizado pelo

    IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica) e o censo escolar elaborado pelo

    .

    dos censos demogrficos e escolares serem a fonte oficial de dados sobre a populao

    brasileira e suas condies, norteando assim polticas pblicas, financiamento e aes

    governamentais, ambos os censos encontram srias dificuldades, tais como a

    metodologia de auto-declarao na coleta de dados, a ambiguidade e impreciso da

    definio das deficincias, entre outras.

    No censo demogrfico de 2010 os dados preliminares disponibilizados pelo

    Sistema IBGE de Recuperao Automtica SIDRA - demonstram que 190.755.799

    brasileiros apresentam algum tipo de deficincia. No que se refere deficincia visual, o

    Censo 2010 estimou que 35.791.488 pessoas apresentem algum nvel de deficincia

    visual, o que representa aproximadamente 18,8% da populao com deficincia no pas

    (IBGR, 2011).

    Quanto ao acesso educao bsica, a partir das informaes disponibilizadas

    pelos microdados do Censo Escolar de 2010, foram computadas 82.425 matrculas de

    alunos com deficincia visual no Brasil, sendo destas 8.775 matrculas de alunos com

    cegueira e 73.650 matrculas de alunos com baixa viso. Em comparao ao total de

    matrculas com NEE no Brasil, que em 2010 computou 928.827 alunos matriculados, a

    deficincia visual representa aproximadamente 8,87% das matrculas neste ano (INEP,

    2011).

    No que se refere distribuio das matrculas em 2010, o banco de dados do

    censo escolar aponta que no que concerne cegueira 58% das matrculas ocorreram no

    18/60 (escala mtrica) e/ou com campo visual entre 20 e 50 . Pedagogicamente o aluno

    INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira) Apesar

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    Ensino Regular, 28% na Educao Especial e 13% na EJA; j para a baixa viso 80%

    das matrculas foram no Ensino Regular, 6% na Educao Especial e 14% na EJA. Estes

    dados demonstram que nas duas condies a maioria das matrculas ocorre no Ensino

    Regular, o que vai ao encontro da Poltica Nacional de Educao Especial na

    Perspectiva da Educao Inclusiva de 2008, que prev o atendimento escolar de alunos

    com deficincia no Ensino Regular. No entanto, nota-se que grande parte dos alunos

    com cegueira ainda esto sendo escolarizados em espaos de Educao Especial, que no

    Censo Escolar representam as escolas especiais ou classes especiais. Este fator pode

    estar relacionado dificuldade das escolas regulares em atender as necessidades destes

    alunos de fazer uso de materiais em braile e outros recursos adaptados para a perda total

    ou parcial da viso.

    Tendo em vista que a maioria dos alunos com deficincia visual no pas esto

    frequentando a escola regular, cabe o questionamento acerca de como est ocorrendo o

    processo inclusivo. Neste trabalho ao se considerar a incluso do aluno com deficincia

    na rede regular de ensino, no se est entendendo que a mesma ocorre apenas com a

    matrcula do estudante, j que o acesso ao ambiente escolar no garante a execuo de

    prticas pedaggicas adequadas s necessidades perceptuais deste alunos.

    Sobre esta questo Martins (2002), Amaral (2002) e Patto (2008) demonstram

    que o discurso educacional e poltico que coloca em oposio o processo de incluso e

    excluso traz nefastas consequncias, pois esconde em seu cerne o real problema a

    incluso precria ou marginal.

    Martins (2002) aponta que ao se viver em um sistema capitalista neoliberal a

    excluso passa a ser um trao inerente ao sistema econmico, isto , exclui-se para

    incluir novamente de outra forma, mais precria e marginal. No ambiente escolar ocorre

    o mesmo, assim como discutem Amaral (2002) e Patto (2008), ao fazer a matricula de

    um aluno com NEE e no proporcionar a ele as condies de permanncia e efetiva

    participao no processo de aprendizagem, est-se propagando uma incluso perversa,

    que acompanhada por nmeros e ampliaes de matrcula, mas que no garantem a

    qualidade no ensino que est sendo proporcionado a estes alunos.

    As pesquisas aqui tratadas ocorreram nos municpios de Araras (SP) e Alfenas

    (SP), portanto na tabela 1 econtram-se os dados de matrculas disponibilizados pelo

    Censo Escolar de 2010 para ambas as cidades.

    Assim como no panorama nacional as matrculas de alunos com deficincia

    visual nos municpios de Alfenas e Araras representam uma pequena porcentagem do

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    total de matrculas de alunos com NEE. Entretanto, ao se pensar que estes alunos esto

    inseridos no sistema educacional, seja ele especial, regular ou EJA (Educao de Jovens

    e Adultos) preciso estar atento s prticas educacionais que esto sendo desenvolvidas

    para atender as necessidades de aprendizagem dos mesmos.

    Em Araras e Alfenas, ao contrrio do que acontece com o total de matrculas de

    alunos com NEE, os alunos com cegueira esto concentrados em sua maioria na rede

    especial de educao, sendo que em Alfenas a maior parte dos alunos com baixa viso

    so direcionados para esta modalidade de ensino. Estes dados conforme ilustra a

    figura 1 indicam que a deficincia visual ainda se caracteriza como uma condio na

    qual as prticas pedaggicas na rede regular de ensino precisam ser aprimoradas para

    que a escolarizao de alunos que a apresentem seja efetivada.

    A partir deste panorama geral, pode-se iniciar a discusso acerca das prticas

    pedaggicas envolvidas na incluso de alunos com deficincia visual, tendo por base

    para tanto pressupostos da Teoria Scio-Histrica.

    Incluso do aluno com deficincia visual: vias alternativas de desenvolvimento e

    aprendizagem

    Vigoski (1997) aponta que o indivduo que apresenta uma deficincia visual

    pode contar com um processo de compensao desta deficincia. Compensao esta que

    de cunho social e no apenas do ponto de vista biolgico. Para este autor o homem

    aprende e se constitui na relao com o outro, isto , todo indivduo s adquire sua

    condio humana ao ser inserido em um meio social e cultural. Sendo assim, os

    processos de compensao social da pessoa com deficincia visual tambm se dirigem a

    sua relao com o outro, que na sua maioria composta por videntes. A compensao

    permite que a pessoa com deficincia adapte-se vida social construda historicamente,

    sendo assim, a concepo social que se tem da deficincia influencia a constituio do

    indivduo, j que como se o defeito fsico provocasse um desvio social anlogo ao

    desvio corporal.

    Desta forma, as concepes sobre pessoas com deficincia visual influenciam

    diretamente na educao formal das mesmas. Tanto a viso mstica quanto de

    compensao biolgica ainda esto fortemente relacionadas esta deficincia, porm

    Vigotski (1997) afirma que a educao de crianas com deficincia no deve se

    diferenciar da educao de crianas normais. Porm, para que a educao possa ser a

    mesma essencial o uso de mtodos didtico-pedaggicos que forneam aos alunos

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    com deficincia a possibilidade de desenvolvimento. As atividades realizadas por estes

    alunos devem ser do mesmo nvel, j que esto sujeitos s mesmas leis de

    desenvolvimento e aprendizagem que se impem a qualquer indivduo, entretanto estes

    processos acontecem por vias e com recursos diversos, chamados por Ges (2002) de

    caminhos alternativos e recursos especiais.

    Os recursos especiais so definidos por esta autora como instrumentos

    diferenciados que fornecem as condies para que uma pessoa com deficincia possa se

    apropriar de determinadas funes, habilidades e conhecimentos, como por exemplo, o

    braile para a escrita do aluno cego. Os caminhos alternativos, por sua vez, utilizam-se

    da ideia de que cada indivduo aprende de forma diferenciada, por uma via que lhe

    prpria, sendo assim, as pessoas com deficincia precisam ter o seu referencial

    perceptual respeitado para serem includas no processo de aprendizagem (GES, 2002).

    A partir destas ideias pode-se compreender que o uso de recursos especiais e

    caminhos alternativos ligam-se possibilidade de compensao, que no est

    relacionada de forma exclusiva superao do dficit biolgico, mas volta-se

    especialmente ao desenvolvimento cultural do indivduo, minimizando assim as

    limitaes impostas pela sociedade ao lidarem com a deficincia do mesmo. Com isso, a

    disponibilidade e uso adequado de materiais didticos adaptados passam a ser de

    extrema importncia para a qualidade do ensino de alunos com deficincia visual.

    Elaborao de material didtico adaptado como estratgia para favorecer prticas

    educacionais inclusivas

    As pesquisas analisadas neste trabalho tiveram por objetivo elaborar materiais

    didticos adaptado para o ensino de alunos com deficincia e avaliar sua utilizao

    como recurso didtico inclusivo. Estes materiais visaram o atendimento das disciplinas

    de Biologia e Qumica em nvel mdio e ao serem elaborados para uso na rede regular

    de ensino, todos os instrumentos utilizaram-se de materiais de baixo custo, podendo ser

    reproduzidos em sala de aula e visando torn-los inclusivos.

    A escolha pela produo de materiais de Qumica e Biologia ocorreu devido

    dificuldade apontada por alunos de licenciatura e professores acerca do ensino de

    determinados contedos para alunos cegos e com baixa viso. Alm disso, ao se buscar

    na literatura pesquisas que focassem o ensino destas disciplinas para indivduos com

    esta deficincia, notou-se que as mesmas so ainda escassas e poucas contemplam a

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    ideia do uso destes recursos como mecanismos de compensao tal como proposto por

    Vigotski (1997).

    Foram elaborados os seguintes materiais didticos:

    Modelo de caritipo humano (REIS; BAZON; ORLANDO, 2010);

    Modelo de mecanismo de traduo de protenas (PAULINO; VAZ; BAZON,

    2011);

    Modelo de clula eucaritica animal (PAULINO; VAZ; BAZON, 2011);

    Modelo de ncleo celular (PAULINO; VAZ; BAZON, 2011);

    Modelo molecular atmico (SCALCO; BAZON; CORDEIRO, 2010);

    Jogos adaptados para qumica orgnica (SILVA & FERREIRA, 2010)

    As figuras 2, 3 e 4 mostram trs dos materiais elaborados para ilustrar a

    discusso que ser feita a seguir.

    Conforme apontado anteriormente, estes estudos foram desenvolvidos nos

    municpios de Araras e Alfenas e seguiram abordagem qualitativa de pesquisa. Todos os

    materiais elaborados foram testados e avaliados por alunos com deficincia visual,

    professores universitrios e professores de educao especial.

    Para a avaliao dos materiais foram aplicados questionrios com perguntas

    abertas e fechadas e o contato com cada participante ocorreu de forma individual, tendo

    este recebido esclarecimento quanto aos objetivos do trabalho, uma carta de informao

    ao sujeito de pesquisa e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

    A aplicao do questionrio com alunos com deficincia visual e com videntes

    foi realizada em formato de aula, com avaliao posterior do contedo e do uso do

    material didtico.

    Os materiais utilizados na pesquisa foram: EVA, feltro, tecido, tule, velcro,

    biscuit, cola quente, cola branca, massa de modelagem, isopor, tinta pva, lixa, arame,

    madeira mdf, mquina braile.

    Cabe ressaltar, que estas pesquisas, ao pautarem-se em abordagem qualitativa,

    no pressupem generalizaes, mas sim a avaliao de materiais especficos para o

    ensino de Biologia e Qumica, visando adequabilidade do mesmo ao referencial

    perceptual do aluno com deficincia visual.

    Os materiais elaborados foram considerados adaptados utilizao por alunos

    com deficincia visual por todos os sujeitos de pesquisa. A seguir sero apresentados de

    forma resumida os principais resultados por grupo de avaliadores:

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    Alunos com deficincia visual (baixa-viso e cegueira): a avaliao dos materiais

    didticos foi realizada em formato de aula, visando o entendimento de como estes

    materiais poderiam favorecer a aprendizagem dos alunos. Aps a aula, os alunos

    com deficincia visual foram questionados tanto acerca do contedo abordado

    quanto sobre o uso do material didtico. Ao total, as pesquisas contaram com a

    participao de 6 alunos com esta deficincia, que consideraram que os materiais

    no apenas estavam adaptados ao referencial perceptual dos mesmos, mas tambm

    ofereciam oportunidade de contextualizao do contedo tratado e favoreciam a

    apropriao de conceitos abstratos.

    Professores universitrios de ensino de cincias: participaram das pesquisas 6

    professores universitrios envolvidos com disciplinas de ensino de cincias,

    Qumica ou Biologia. Eles avaliaram os materiais no que se refere adequao

    conceitual dos mesmos. Foram feitas sugestes de algumas adaptaes em alguns

    dos modelos, como por exemplo, a construo do modelo de traduo com

    mobilidade para a estrutura do ribossomo. Todas as sugestes foram atendidas e o

    modelo final foi novamente avaliado pelo grupo de professores que os considerou

    adequados aos contedos tratados. Um ponto destacado por este grupo foi a

    importncia de materiais deste tipo, pois ao se depararem com um aluno com

    deficincia visual em sala de aula encontram dificuldade em adequar os contedos

    para o referencial perceptual dos mesmos. Consideraram que os materiais facilitam a

    elaborao de estratgias de ensino que possam incluir todos os alunos em sala de

    aula, trazendo muitas vezes componentes ldicos para o cotidiano escolar.

    Professores de educao especial: este grupo foi composto de cinco professores de

    educao especial, sendo quatro professores universitrios e um professor de sala de

    recursos. Os materiais foram considerados altamente adequados ao referencial

    perceptual de alunos com deficincia visual, em especial devido s suas

    caractersticas tteis e de contraste de cores.

    Assim como apontado por Haddad (2011) a deficincia visual abrange tanto a

    cegueira quanto a baixa viso, desta forma, ao elaborar um material adaptado para

    alunos com esta deficincia preciso estar atento as caractersticas de cada uma destas

    condies. A cegueira, ao contrrio da baixa viso, possui um padro nico de resposta,

    isto , a perda total ou quase total da viso. J a viso subnormal apresenta padres

    diferenciados de resposta, pois dependem da acuidade visual, campo visual e outras

    funes como sensibilidade ao contraste, percepo das cores e intolerncia

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    luminosidade. Desta forma, todos os materiais elaborados buscaram atender de forma

    mais abrangente possvel as necessidades especficas de alunos com deficincia visual,

    visando a constituio de um recurso que pudesse auxiliar a prtica pedaggica em sala

    de aula, nas disciplinas de Cincias, Qumica e Biologia.

    A partir das avaliaes realizadas, todos os materiais elaborados foram

    considerados adequados tanto no que se refere ao contedo conceitual, quanto s

    adaptaes feitas para sua utilizao por alunos com deficincia visual. Com base nas

    reflexes de Vigotski (1997) acerca da educao de pessoas com deficincia visual,

    pode-se afirmar que os materiais pedaggicos favorecem a apropriao do

    conhecimento e desenvolvimento destes alunos, pois promove, por meio da ao

    mediada a formao de sistemas funcionais que levam ao desenvolvimento de suas

    potencialidades favorecendo a aquisio de autonomia.

    Nuemberg (2008), a partir das ideias de Vigotski, discute os conceitos de

    deficincia primria e secundria. Para ele, a deficincia primria restringe-se a

    limitao biolgica ocasionada por uma deficincia, assim, a cegueira impede que o

    indivduo enxergue. J a deficincia secundria, define-se pelas consequncias sociais

    geradas pela deficincia primria, sendo assim, caracterizada pelas limitaes

    impostas pela sociedade para um indivduo com deficincia. A deficincia secundria

    ento no causada diretamente como consequncia da primria, mas sim como

    resultado da interao do indivduo com sua cultura e meio social e a partir das

    concepes de deficincia que permeiam esta cultura.

    Na escola, por meio das prticas pedaggicas desenvolvidas com alunos com

    deficincia visual, pode-se exacerbar a deficincia secundria destes aprendizes, em

    especial ao no se ter disponvel materiais adequados ao referencial perceptual dos

    mesmos. Nas pesquisas desenvolvidas, ficou claro que os professores avaliadores dos

    materiais, em especial aqueles de ensino de cincias, encontram dificuldades no dia-a-

    dia em sala de aula por falta de conhecimento acerca das necessidades perceptuais de

    alunos com cegueira ou baixa viso e principalmente por falta de materiais adequados

    para a explicao e experimentao de conceitos importantes em suas disciplinas.

    Os alunos com cegueira e baixa viso que avaliaram os materiais, tambm

    apontaram para a importncia dos mesmos na explicao de contedos, em especial ao

    se tratar da disciplina de Qumica, na qual os conceitos so abstratos.

    Os jogos educativos de Qumica Orgnica tambm foram utilizados em uma aula

    com alunos videntes de um cursinho pr-vestibular, para analisar o potencial inclusivo

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    dos mesmos. Nas avaliaes destes alunos, o material criado no apenas auxilia os

    alunos com deficincia, mas tambm indivduos sem qualquer deficincia, pois auxilia

    na aprendizagem da nomenclatura de compostos qumicos de forma ldica e

    contextualizada, levando em considerao o conhecimento cotidiano.

    Desta forma, as limitaes impostas pela deficincia podem ser compensadas

    socialmente por meio das vias alternativas de desenvolvimento e aprendizagem, sendo

    as prticas pedaggicas fatores essenciais que oportunizam este tipo de compensao.

    Por fim, para que a compensao social possa ocorrer inserida na prtica pedaggica, os

    estudantes com deficincia precisam beneficiar-se do uso de recursos especiais, tais

    como materiais didticos e formas de mediao pedaggica que favoream a

    apropriao do conhecimento acumulado socialmente.

    Consideraes finais

    Este trabalho buscou discutir a elaborao e uso de materiais didticos adaptados

    para alunos com deficincia visual como uma forma de favorecer a melhoria nas

    prticas pedaggicas escolares disponveis para estes estudantes. Muito j se discutiu

    sobre a escolarizao de pessoas com deficincia, sendo este um debate polmico e que

    envolve interesses diversos, mas utilizando-se novamente das idias de Vigotski (1997)

    pode-se destacar que no que diz respeito deficincia visual, este autor j apontava a

    importncia da educao da pessoa cega acontecer em escolas comuns, de forma no

    segregada. Este apontamento tem por base a ideia do autor de que o desenvolvimento da

    pessoa com deficincia visual pode ocorrer da mesma forma que da pessoa vidente,

    desde que lhe seja garantido o uso de vias alternativas de aprendizagem e

    desenvolvimento e recursos especiais.

    Estas consideraes relacionam-se com o fato de que na base de toda a

    organizao da educao no Brasil encontra-se a instituio escolar. Para entender a

    escolarizao de pessoas com deficincia visual precisa-se ento refletir sobre o papel

    da escola e quais as caractersticas que viabilizam sua existncia. Segundo Saviani

    (2008) a escola responsvel pela transmisso do conhecimento cientfico acumulado

    na histria da humanidade, sendo necessrio que esta instituio fornea os

    instrumentos necessrios para a aquisio destes conhecimentos. Com isso, a educao

    bsica precisa se organizar para esta finalidade, incluindo em suas prticas pedaggicas

    formas de atendimento s necessidades educacionais de alunos com deficincia.

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    Reyli (2004) afirma que muitas vezes ao se falar em equiparao de

    oportunidades para pessoas com deficincia, entende-se erroneamente que se deve

    oferecer o mesmo tipo de tratamento a todos os alunos. Claramente as oportunidades

    devem ser equiparadas, mas para tanto os alunos com deficincia precisam fazer uso de

    formas alternativas de aprendizagem, que devem ser desenvolvidas em conjunto com

    todos os alunos inseridos na escola comum.

    Os dados do censo escolar apresentados no incio deste trabalho apontam o

    nmero de matrculas de alunos com NEE e especificamente daqueles com deficincia

    visual. Ao se analisar a evoluo das matrculas destes alunos ao longo dos anos, nota-

    se que houve um aumento das mesmas, mas ainda cabe a pergunta, eles esto realmente

    inseridos no processo de aprendizagem ou apenas fazem parte da estrutura escolar?

    Bueno (2008) chama a ateno para o fato de que enquanto buscar-se como ideal

    a construo de uma escola inclusiva, haver sempre a necessidade de incluso, portanto

    este ideal pressupe pessoas excludas ou includas de forma marginal. Para superar esta

    contradio o autor coloca como meta a construo de uma escola democrtica, na qual

    a apropriao do conhecimento seja direito de todos, independente de suas necessidades

    especficas de desenvolvimento e aprendizagem.

    Por fim, para focar a construo de uma escola na qual as prticas pedaggicas

    sejam democrticas e favoream a apropriao do conhecimento cientfico preciso

    discutir como a incluso vem ocorrendo e quais as condies os alunos com deficincia

    tem encontrado nas mesmas. Para tanto, props-se neste texto iniciar uma reflexo

    acerca de materiais adaptados para alunos com deficincia visual que possam favorecer

    a melhoria das prticas pedaggicas desenvolvidas na escola regular.

    Referncias

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    Alfenas Araras

    Total alunos com NEE 428 929

    Cegueira 10 6

    Baixa viso 9 35

    Tabela 1: Matriculas nos municpios de Alfenas e Araras

    100,00%

    80,00%

    60,00%

    EJA

    40,00% Ed. Especial

    Ed. Regular

    20,00%

    0,00% Total Cegueira Baixa Total Cegueira Baixa

    NEE Viso NEE Viso

    Araras Alfenas

    Figura 1: Distribuio das matrculas em Araras e Alfenas

    Figura 2: Modelo de traduo adaptado (PAULINO; VAZ; BAZON, 2011)

    Figura 3: Modelo ncleo celular (PAULINO; VAZ; BAZON, 2011)

    Figura 4: Representao da molcula do Aspartame (C14H18N2O5) e da Cafena

    (C8H10N4O2), respectivamente (SCALCO et al, 2009)

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