2.5. filosofia e ciência

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Fundamentos Epistemológicos da Medicina 2.5. Filosofia e Ciência Luiz Salvador de Miranda Sá Jr. Do que já se viu, pode-se inferir que este trabalho distingue o conhecimento vulgar do conhecimento superior, que é representado pelos conhecimento filosófico e científico. Superioridade que lhe é conferida por sua objetividade, sua metodologia, sua sistematicidade e, pode-se acrescentar sua ética. Historicamente, a filosofia foi o primeiro conhecimento que se diferenciou do conhecimento vulgar, ainda na Antigüidade. O conhecimento da filosofia surgiu não como uma ciência, mas como A CIÊNCIA. É possível que, no início, quando surgiu o conceito de filosofia da natureza, não tenha havido qualquer intenção de diferenciar a ciência do conhecimento científico da natureza, do homem e da sociedade possível naquele momento; mas só de designar um conhecimento provindo de um pensador com mais autoridade que os demais. O filósofo era tido como alguém que pensava melhor que os outros e cuja capacidade de estudar o mundo e pensar sobre ele lhe dava grande vantagem cognitiva sobre os demais. Todas as ciências se originaram da Filosofia e, ao encontrarem sua autonomia, nela deixaram seus alicerces. O papel de fundamento filosófico das ciência se apresenta como cinco colunas: a coluna ontológica que se refere à sua objetividade, sua coluna metodológica que envolve sua comprobabilidade, sua conduta lógica sobre a qual se assena os prcessos inteligentes de que se vale a atividade cientifica, sua coluna gnosiolócia em que se assenta seus procedimentos cognitivos e a coluna ética que é o fundaento da moralidade das ações pelas quais as ciências se constróem e atuam. 1

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epistemologia médica e gnosiologia da medicina

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Fundamentos Epistemológicos da Medicina

2.5. Filosofia e Ciência Luiz Salvador de Miranda Sá Jr.

Do que já se viu, pode-se inferir que este trabalho distingue o conhecimento vulgar do

conhecimento superior, que é representado pelos conhecimento filosófico e científico.

Superioridade que lhe é conferida por sua objetividade, sua metodologia, sua

sistematicidade e, pode-se acrescentar sua ética. Historicamente, a filosofia foi o

primeiro conhecimento que se diferenciou do conhecimento vulgar, ainda na

Antigüidade. O conhecimento da filosofia surgiu não como uma ciência, mas como A

CIÊNCIA. É possível que, no início, quando surgiu o conceito de filosofia da natureza,

não tenha havido qualquer intenção de diferenciar a ciência do conhecimento científico

da natureza, do homem e da sociedade possível naquele momento; mas só de

designar um conhecimento provindo de um pensador com mais autoridade que os

demais. O filósofo era tido como alguém que pensava melhor que os outros e cuja

capacidade de estudar o mundo e pensar sobre ele lhe dava grande vantagem

cognitiva sobre os demais. Todas as ciências se originaram da Filosofia e, ao

encontrarem sua autonomia, nela deixaram seus alicerces. O papel de fundamento

filosófico das ciência se apresenta como cinco colunas: a coluna ontológica que se

refere à sua objetividade, sua coluna metodológica que envolve sua comprobabilidade,

sua conduta lógica sobre a qual se assena os prcessos inteligentes de que se vale a

atividade cientifica, sua coluna gnosiolócia em que se assenta seus procedimentos

cognitivos e a coluna ética que é o fundaento da moralidade das ações pelas quais as

ciências se constróem e atuam.

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Ao longo de sua história, a filosofia tem mantido com as ciências específicas, mesmo

depois que conquistam autonomia e se configuram como disciplinas individualizadas,

uma espécie de relação de supervisão exercida através da gnosiologia ou

epistemologia (dois nomes do ramo da filosofia que tem como objeto estudar o

conhecimento, inclusive o conhecimento científico), da metodologia, da ontologia, da

lógica e da ética. Mal compaarndo, é possível imaginar as ciências filosóficas como os

alicerces ou infrestrutura do conhecimento superior e as ciências fáticas como sua

superestrutura Tal prespectiva sistêmica do conhecimento põe à mostra o caráer

artificial do esforço que é feito para separar a filosofia das cências fáticas. Esforço que

apresenta duas lacunas, a dos positivisras quem aproveitam unicamente a metodologia

dentre as ciências fi;osóficas e a dos racionalistas que tenta se valer apenas da logica

e da e[ostemologia.

Desde a origem do conhecimento científico, quando de sua separação do

conhecimento vulgar, ainda na Antigüidade pré-clássica, as palavras ciência e filosofia

tinham a mesma significação e as duas condutas não se distinguiam, só mais tarde, no

Renascimento, passaram a ser diferenciados. Desde então, a filosofia acompanhou e,

muitas vezes, motivou, cada mudança que aperfeiçoou a prática científica e o

significado do conceito de ciência, não apenas em termos da ampliação de seu acervo

de informações, mas principalmente como instrumento criador de procedimentos de

padronização, procedimentos que, aplicados ao estudo das coisas do mundo,

redundaram no aprimoramento do processo de investigar, descobrir e explicar os

princípios ordenadores e as regularidades da natureza, da sociedade e do homem.

As ciências são atividades cognitivas voltadas para descobrir os princípios reguladores

e prever as regularidades que se dão em áreas específicas da natureza, da sociedade

e do homem, com a maior confiabilidade possível. Tudo isto, a partir da contribuição da

Filosofia (principalmente da teoria do conhecimento, da lógica e da metodologia, mas

também da ontologia). Apesar de expressarem realidades diferentes, os conceito de

ciência e filosofia são partes de um continuum: o conhecimento (especificamente o

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conhecimento não vulgar, o conhecimento superior).

Ao longo da história do conhecimento e na evolução da civilização moderna e

contemporânea, a filosofia e as ciências, ainda que possam ser concebidas

separadamente, têm se mantido como atividades extremamente próximas (cada vez

mais próximas, é verdade) e em permanente interação. Ainda que não se considere a

filosofia como ciência, ela também não pode ser tida apenas como provedora da

ciência, por lhe fornecer instrumentos metodológicos e procedimentos lógicos que ela

emprega na sua busca da verdade sobre seu objeto. Ciência e filosofia são atividades

cognitivas controladas em permanente interação. Até porque compartilham a situação

de um tipo de conhecimento superior ao senso comum.

Ainda que sejam consideradas como modos qualitativamente diferentes de conhecer o

mundo, a relação que se estabelece entre a ciência e a filosofia deve ser considerada

bilateral, recíproca e complementar; porque a filosofia se beneficia das generalizações

suficientemente amplas advindas da ciência experimental e, sobretudo, da ciência

teórica e as incorpora, enriquecendo-se com elas (como aconteceu, por exemplo, na

construção da lógica formal e da lógica dialética, métodos essenciais da filosofia); e

porque o aperfeiçoamento da filosofia enriquece a ciência e amplia suas possibilidades

de generalizações válidas e confiáveis.

A concepção de filosofia, como ciência (ainda que um tipo particular de ciência, uma

ciência formal), acessível ao estudo objetivo e à investigação sistematizada apenas por

meios racionais, encerra um paradigma filosófico científico-natural, não apenas sobre a

filosofia, mas sobre a natureza, sobre a sociedade, sobre o homem (sobre todo

universo, enfim). E, este paradigma científico-natural (ou materialista) tem suas raízes

no início mesmo da Medicina, podendo-se dizer que este paradigma fez nascer a

Medicina leiga atual. Uma outra concepção que fosse metafísica, idealista ou

irracionalista acerca do mundo, da Medicina, da filosofia ou do conhecimento, por

exemplo, implicaria em conceituações, explicações e definições diferentes, em

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procedimentos cognitivos diversos e, por isto mesmo, em outras conclusões.

Unidade e Diversidade na Trajetória das Ciências em sua Relação com a Filosofia

O conjunto das ciências, (a ciência, como se diz genericamente para referir ao conjunto

de todas as atividades científicas) enquanto reunião de todas as atividades cognitivas

sistematizadas e mais a soma dos seus conhecimentos, constitui uma categoria

definida, independente de como tal conjunto de ciências possa ser subdividido e

quaisquer que forem os critérios empregados nesta subdivisão. No entanto, não

obstante, não se pode imaginar que esta unidade conceitual da ciência possa (ou deva)

encerrar igualdade de todas elas ou, sequer, uma certa equivalência do nível de

desenvolvimento de cada ciência em particular, quando comparada com as demais;

quer se leve em conta seu acervo de conhecimentos, quer se considere suas

possibilidades metodológicas ou outras características quaisquer.

Não existe necessariamente igualdade nos objetos ou fenômenos que correspondem

ao conteúdo de uma determinada unidade conceitual ou categorial, senão naquele

atributo ou relação essencial e geral a que o conceito se refere. Em geral, tais objetos

ou fenômenos contidos em um conceito guardam entre si, não igualdade, mas

identidade que se limita a uma característca ou um conjunto delas. E, quase sempre,

esta identidade se manifesta unicamente em relação àquele atributo que os situa

naquela dado conceito ou categoria. O mesmo acontece com as ciências.

Devido à diversidade de níveis de desenvolvimento das ciências, embora estejam

todas contidas no conceito de ciência, há quem prefira a designação plural ciências

para mencionar sua coletividade, destacando a diversidade entre elas, para não

empregar o singular ciência, indicativo do que elas têm de unitário, embora ambas as

designações sejam defensáveis. Na unidade do conceito de ciência coexistem as

numerosas ciências particulares absolutamente diversificadas uma das outras em

função de suas peculiaridades. Esta singularidade de cada ciência não se revela só na

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identidade de seu objeto, seu definidor principal e em seu arsenal metodológico (que é,

em última análise, dependente do objeto e do desenvolvimento técnico), mas de seu

potencial investigativo teórico e prático e, mais, da extensão e da qualidade de seu

acervo de informações.

Se bem que, não é demais insistir, a identidade específica de cada ciência seja sempre

definida por seu objeto. Além disto, os diversos ramos existentes dentro de cada

ciência em particular, que lidam com partes ouaspectos daquele seu objeto, costumam

apresentar níveis diferentes de possibilidades investigativas, heurísticas (explicativas) e

de previsibilidade.

Considerando tudo isto, parece ser possível classificar as ciências em função do nível

de desenvolvimento de sua estrutura metodológica, de sua tecnologia de

experimentação, de seu grau de previsibilidade e de sua possibilidade heurística,

expressas todas estas característica em uma curva previsível que seria expressa pelos

seguintes argumentos:

1. Todas as ciências nasceram ou nascem da filosofia, diretamente ou por via de uma

outra disciplina científica ou de uma série de outras ciências, tendo ao menos a

primeira delas sido originada na filosofia; nesta primeira fase, na qual se transforma em

ciência, seu objeto é definido, seus fenômenos ou fatos mais significativos são

nominados, delineia-se sua metodologia, ao menos em termos de observação, e se

inicia seu patrimônio de explicações, inicialmente limitados, mas tendendo a ser cada

vez mais gerais.

2. Em um segundo momento, já desfrutando de status científico, experimentam uma

primeira fase de maturidade, analítico-indutiva-descritiva, que enriquece seu repertório

de conceitos, categorias e leis o que lhes permite formular hipóteses experimentais

(que serão verificadas quando suas possibilidades tecnológicas o permitirem) e

delinear seus procedimentos metodológicos e instrumentos tecnológicos de

experimentação.

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3. No terceiro momento, na fase experimental, alcançam um patamar sintético-

hipotético-dedutivo-explicativo, no qual acumulam conhecimentos (conceitos,

categorias e leis) que representam generalizações tão universais que possam ser

transformadas em argumentos lógicos.

4. Voltam à filosofia neste novo patamar de seu desenvolvimento ou se vulgarizam

como senso-comum.

As ciências da sociedade, em geral, estão no segundo estágio e as ciências naturais

(ao menos, em grande parte) estão no terceiro. Parte da física se avizinha do quarto

nível ou já se confunde com ele.

Exigência implícita em todo conhecimento superior, consiste em saber o que se

conhece, como se estrutura aquele conhecimento e que grau de certeza pode

proporcionar e a confiança que inspira; eis um dos ângulos mais importantes e menos

cuidados de todas as ciências. Exatamente por isto, e pelo caráter científico da teoria e

da prática da Medicina, este estudo sobre os Fundamentos Científicos da Medicina e

da Psiquiatria deve se iniciar na circunscrição sintética e genérica do que é

conhecimento, sobretudo o que é e como se caracteriza o conhecimento científico, de

como ele se diferencia do conhecimento comum e que relações mantém com a

Filosofia e esta, com a Medicina, e a Psiquiatria. Em suma, tenta-seinvestigar o

conhecimento e, em particular o conhecimento científico, ele próprio eleito como objeto

de cogitação científica

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