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Tipos móveis de metal: de Gutenberg até os dias atuais Movable metal type: from Gutenberg until nowadays Aragão, Isabella; MsC; Universidade Federal de Pernambuco [email protected] Farias, Ana Maria; Universidade Federal de Pernambuco [email protected] Resumo O surgimento dos tipos móveis de metal, em 1450, proporcionou uma maior divulgação do conhecimento através da substituição dos limitados manuscritos. Atualmente, formas mais eficientes de impressão surgiram e os tipos fundidos foram desvalorizados para produzir texto, mas estão sendo resgatados em projetos experimentais. A preservação desse material torna-se necessária e, dessa forma, este artigo irá apresentar os resultados de um projeto de extensão que tem por finalidade catalogar o acervo tipográfico da Editora UFPE, com identificação das fontes em metal, além de sua utilização em projetos experimentais, como acontece em trabalhos feitos por designers no Brasil e no exterior. Palavras Chave: história da tipografia; tipos móveis de metal; fontes. Abstract The appearing of movable metal type, in 1450, provided a wider dissemination of knowledge by replacing the limited manuscripts. Currently, more efficient ways of printing emerged and the metal types have became devalued to produce text, but are being rescued in an experimental design. The preservation of this material is required and thus this article will present the results of a project that identify fonts, and use them in experimental projects, like works made by universities and companies in Brazil and abroad. Keywords: letterpress history; movable metal type; fonts. Anais do 8º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design 8 a 11 de outubro de 2008 São Paulo – SP Brasil ISBN 978-85-60186-03-7 ©2008 Associação de Ensino e Pesquisa de Nível Superior de Design do Brasil (AEND|Brasil) Reprodução permitida, para uso sem fins comerciais, desde que seja citada a fonte. Este documento foi publicado exatamente como fornecido pelo(s) autor(es), o(s) qual(is) se responsabiliza(m) pela totalidade de seu conteúdo. 305

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Tipos móveis de metal: de Gutenberg até os dias

atuais Movable metal type: from Gutenberg until nowadays Aragão, Isabella; MsC; Universidade Federal de Pernambuco [email protected] Farias, Ana Maria; Universidade Federal de Pernambuco [email protected] Resumo O surgimento dos tipos móveis de metal, em 1450, proporcionou uma maior divulgação do conhecimento através da substituição dos limitados manuscritos. Atualmente, formas mais eficientes de impressão surgiram e os tipos fundidos foram desvalorizados para produzir texto, mas estão sendo resgatados em projetos experimentais. A preservação desse material torna-se necessária e, dessa forma, este artigo irá apresentar os resultados de um projeto de extensão que tem por finalidade catalogar o acervo tipográfico da Editora UFPE, com identificação das fontes em metal, além de sua utilização em projetos experimentais, como acontece em trabalhos feitos por designers no Brasil e no exterior. Palavras Chave: história da tipografia; tipos móveis de metal; fontes. Abstract The appearing of movable metal type, in 1450, provided a wider dissemination of knowledge by replacing the limited manuscripts. Currently, more efficient ways of printing emerged and the metal types have became devalued to produce text, but are being rescued in an experimental design. The preservation of this material is required and thus this article will present the results of a project that identify fonts, and use them in experimental projects, like works made by universities and companies in Brazil and abroad. Keywords: letterpress history; movable metal type; fonts.

Anais do 8º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design 8 a 11 de outubro de 2008 São Paulo – SP Brasil ISBN 978-85-60186-03-7 ©2008 Associação de Ensino e Pesquisa de Nível Superior de Design do Brasil (AEND|Brasil) Reprodução permitida, para uso sem fins comerciais, desde que seja citada a fonte.

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Introdução Conforme Semeraro e Ayrosa (1979), a tipografia móvel teve importância na sua

criação, no século XV, por ser uma forma de substituir o limitado processo de produção dos manuscritos, de difundir as idéias da época também entre as classes populares, o que antes era restrito aos clérigos e a uma pequena elite. Ao longo da sua existência, foi utilizada para imprimir desde documentos oficiais, como na Imprensa Régia do Brasil, em 1808, há exatos 200 anos, a obras literárias; ainda tornou-se importante na difusão da cultura, por exemplo, com O Gráfico Amador, um grupo de intelectuais que utilizava a tipografia como experimentação de um fazer artesanal, no Recife de 1954 a 1961, como explicitou Lima (1997).

Hoje, o resgate da tipografia móvel está sendo bem visto pelos interessados no assunto e, atualmente, existem organizações que buscam resgatar a linguagem visual desse antigo sistema de impressão, criando projetos que se diferenciam dos trabalhos impressos no sistema mais avançado tecnicamente da atualidade, o offset.

O projeto de Catalogação e Preservação do Acervo Tipográfico da Editora UFPE é um exemplo que visa pesquisar e recuperar parte da memória gráfica nacional. A identificação das fontes de metal do acervo é importante para que ele seja conservado e possa, então, ser utilizado em projetos de design, como está acontecendo em diversos locais no mundo. Para que se entenda a necessidade de resgate desse material, é importante contextualizar a tipografia, desde seu surgimento até sua utilização atual, como será visto a seguir. Surgimento da tipografia

A tipografia surgiu num contexto de transição entre o fim da Idade Média e o início da Renascença, no qual reinava um espírito de renovação religiosa e tecnológica. Os grandes empreendimentos foram favoráveis ao aparecimento do livro impresso, que também surgiu como uma necessidade comercial para atender a demanda existente, trazida pela efervescência intelectual da época.

Até então, os livros eram caligrafados pelos copistas e, sendo escritos inteiramente à mão, eram insuficientes como produção para atender a demanda. Segundo Ribeiro (2003, p.43), inicialmente somente os monges copiavam os livros, solicitados principalmente pela nobreza, mas, devido à grande procura, quase todas as classes sociais passaram a trabalhar na reprodução dos textos. A alta procura também elevou os preços e fez perder a qualidade e a beleza dos manuscritos, havendo urgência de uma técnica que substituísse o limitado processo de produção dos copistas.

A invenção dos tipos móveis metálicos foi uma importante evolução do século XV e, apesar dos chineses já empregarem a técnica de letras móveis desde 1041 e de caracteres móveis feitos de madeira já serem utilizados Ribeiro (2003, p. 45), a produção dos primeiros tipos metálicos, em 1450, foi atribuída a Johannes Gutenberg, nascido entre 1394 e 1399, em Mainz, Alemanha.

É importante observar as vantagens do invento de Gutenberg, além de benefícios comerciais, como a maior venda de indulgências pela Igreja Católica através das facilidades de impressão, a tipografia permitiu que uma parcela maior da população tivesse acesso aos impressos, devido ao baixa custo na produção.

Portanto, os tipos móveis fundidos, assim como o desenvolvimento de outros assuntos necessários para a impressão, como a prensa e a tinta, foram o que permitiu a criação da imprensa no Ocidente. Embora limitassem os exacerbados caprichos da estética manuscrita, os tipos de metal reduziam os erros das cópias caligrafadas e também eram mais resistentes que os frágeis tipos de madeira, sendo conservados após várias impressões. Sua utilização foi rapidamente difundida pelo mundo, tanto na Europa quanto nos outros continentes, conforme

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corroborou Niemeyer (2006, p.23), “é impressionante a velocidade com que esse processo se deu: nos seus primeiros cinqüenta anos, havia mais de mil impressores dispersos em duzentas cidades européias”.

A tipografia no Brasil

No Brasil, a tipografia também teve sua importância e comemoram-se no ano de 2008, duzentos anos de sua chegada oficial ao nosso país.

Pode-se dizer que o Brasil contou com os benefícios da tipografia tardiamente. Apesar de o país ter sido descoberto em 1500, apenas meio século após Gutenberg desenvolver a técnica de impressão, e Portugal conhecê-la desde 1487, a Coroa Portuguesa só permitiu a entrada da imprensa em sua colônia em 1808.

O atraso de sua introdução tem relação com uma política intencional portuguesa que desejava manter a dependência da colônia através da ignorância cultural. Antes da chegada oficial da imprensa, o tipógrafo português Antônio Isidoro da Fonseca tentou implantar uma tipografia no Rio de Janeiro em 1746, mas logo ao chegar a notícia a Portugal, a Coroa agiu para impedir seu funcionamento e decretou o fechamento da oficina. O impressor teve seus bens confiscados e foi deportado para Lisboa por ordem régia de Portugal. Tentando restabelecer sua tipografia no Brasil, não obteve sucesso, pois a Coroa alegava que o custo de impressão aqui era mais caro e a taxação sobre papel também mais elevada (LIMA, 1997, p. 51.).

Sendo assim, em 1808 foi quando o Brasil passou a contar realmente com os benefícios decorrentes da instalação da tipografia, pois Portugal se viu pressionado pela invasão da França de Napoleão e resolveu transplantar a Corte Portuguesa para o Brasil, com ajuda da esquadria inglesa, inimiga da França por conta do seu Bloqueio Continental.

Lima (1997) afirma que uma oficina gráfica foi trazida a bordo do navio Medusa, por ordem do então Ministro do Exterior de Portugal e esse fato, que tem sido encarado tradicionalmente como acidental, teve suas razões somente porque, com a instalação de uma Imprensa Régia, Portugal poderia governar seu império. Toda a legislação e papéis diplomáticos seriam impressos na chamada Imprensa Nacional, além de serem editadas obras literárias e científicas, acompanhando as atividades dos estabelecimentos que D. João criaria para o ensino científico e a vida intelectual. O texto abaixo representa a situação da época:

Nesse contexto insere-se, por decreto de 13 de maio de 1808, a Impressão Régia assim celebrada por Hipólito da Costa em seu Correio Brasiliense: ‘Saiba o mundo, e a posteridade, que, no ano de 1808 da era cristã, mandou o governo português, no Brasil, buscar à Inglaterra uma impressão (...) Tarde, desgraçadamente tarde: mas enfim, aparecem tipos no Brasil; e eu de todo o meu coração dou os parabéns aos meus compatriotas’. (SEMERARO; AYROSA, 1979, p.8)

Para fins históricos oficiais, segundo Lima (1997), a Imprensa Régia lançou seu primeiro impresso ao ser inaugurada: um livreto intitulado Relação dos Despachos publicados na Corte... . Até 1822, ano no qual o Brasil se tornou independente, foi mantido o monopólio da impressão no Rio de Janeiro e durante seus 14 anos mais de 1000 itens foram impressos, na maioria efêmeros, como folhetos, volantes, documentos do governo, entre outros. A tipografia em Pernambuco e O Gráfico Amador

Além de documentos oficiais, a tipografia também foi importante na história das revoluções. Segundo Lima (1997, p. 56), em Pernambuco, chegou uma impressora em 1815,

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adquirida pelo comerciante Ricardo Castanho, cujo alvará concedendo licença de uso foi expedido no ano seguinte. Todavia, até 1817 foi mantida inoperante por falta de mão de obra até a impressão do manifesto revolucionário conhecido como O Preciso, e constituiu o primeiro trabalho projetado e impresso em Pernambuco pela Oficina Tipográfica da República de Pernambuco.

Outros fatos importantes também estão relacionados com as primeiras impressões em Pernambuco: a publicação do jornal Typhis Pernambucano, de Frei Caneca, um dos líderes da Confederação do Equador, de 1824, e o primeiro número do mais antigo jornal em circulação na América Latina, O Diário de Pernambuco, em 1825.

Em meio a documentos do governo e dos revolucionários, e de publicações literárias, a história da tipografia também está relacionada com o mundo artístico e cultural. Em meados de 1950, no mesmo Recife surgia um grupo de escritores e impressores que se reuniam numa oficina improvisada, sob o nome de O Gráfico Amador. Como se descreviam no seu primeiro boletim:

O Gráfico Amador reúne um grupo de pessoas interessadas na arte do livro. Fundado em maio de 1954, tem a finalidade de editar, sob cuidadosa forma gráfica, textos literários cuja extensão não ultrapasse as limitações de uma oficina de amadores. (O Gráfico Amador, 1955 in LIMA, 1997, p.85)

Os impressos da oficina foram inicialmente projetados por Aloísio Magalhães, Gastão de Holanda, José Laurênio de Melo e Orlando da Costa Ferreira. A pretensão inicial era editar exclusivamente textos produzidos pelos seus membros, embora em 1957 começaram a publicar também outros autores.

Diante da visibilidade do grupo, já no seu primeiro ano contava com cerca de trinta membros, todos intelectuais, que se distribuíam entre aqueles que pagavam mensalidades para viabilizar a publicação dos livros e em troca recebiam um exemplar de cada edição; os que eram escritores, poetas ou colecionadores e os que se envolviam diretamente no processo editorial, entre eles os ilustradores. Todavia, no jargão interno, costumavam ser divididos em “mãos limpas” e “mãos sujas”, os últimos se encaixando no grupo que sujavam as mãos na impressão dos livros.

A tentativa de produzir materiais nos quais a novidade e ortodoxia estivessem mescladas de forma inventiva fez o grupo ter uma acolhida receptiva diante da imprensa brasileira e da crítica especializada estrangeira, já que todos os impressos chegavam a atingir padrões de excelência, como o livro Aniki Bóbó (figura 1), de João Cabral de Melo Neto.

Figura 1: Páginas do livro Aniki Bóbó

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Em Novembro de 1961, O Gráfico Amador deixou de imprimir e publicar e em 1964

seus membros se dispersaram definitivamente. Durante sua existência, editou apenas quatro tipos de publicações: três volantes, dois boletins, um programa de teatro e vinte e sete livros, em sua maioria de pequena tiragem e pequeno formato.

Apesar de pouco tempo de existência, O Gráfico Amador deixou um grande legado para as gerações que viriam: a possibilidade de desenvolver projetos, valorizando o fazer artesanal e o amor pela forma gráfica, utilizando todas as vantagens que a tipografia pode oferecer.

Entretanto, além disso, o Gráfico Amador deixou também uma herança material, que pode ser encontrado atualmente no Centro de Artes e Comunicação da UFPE: impressoras tipográficas e algumas caixas de tipos, que hoje estão à disposição dos estudantes do Centro de Artes e Comunicação.

Os tipos de metal na atualidade

Diante dos mais de 500 anos da invenção dos tipos móveis de metal, não é apenas o saudosismo de quem viveu os tempos do sistema de composição ou a vontade de experimentar uma técnica nunca utilizada que faz a tipografia móvel ser resgatada. Esse antigo sistema de composição e impressão não possui tanta liberdade quanto a moderna tipografia digital, mas abriga uma forma de raciocinar visualmente que hoje está perdida diante das facilidades dos softwares gráficos.

Digitalmente é muito simples ampliar ou reduzir uma letra, invertê-la ou fazer sobreposições. Nas bases da tipografia, essas ações são limitadas pelas características físicas dos tipos. Contudo, se as novas tecnologias dispõem de facilidades para as tradicionais tarefas realizadas, com os tipos de metal estas podem ser utilizadas para outros fins, mais modernos e experimentais, como narra Gaudêncio Júnior (2004):

Quando desviada (ou abandonada) de seus paradigmas produtivos e comerciais, a técnica revela outras facetas. É esse o duplo adeus da tipografia em metal: por um lado se atrofiou às exigências produtivas, por outro, foi redescoberta por quem se dispunha a lhe dar maiores capacidades expressivas (GAUDÊNCIO JUNIOR, 2004, p.81).

Em todo o mundo, designers e tipógrafos estão buscando reviver as origens da tipografia e descobrir outras formas de utilizá-la. No Brasil, a Oficina Tipográfica São Paulo (OTSP) é uma organização não governamental dedicada ao ensino e à experimentação, combinando a tipografia clássica com a computação gráfica. Inaugurada em 2004, representa um convênio entre a OTSP e a Escola Senai de Artes Gráficas Theobaldo De Nigris. A OTSP busca resgatar a originalidade tipográfica que foi se perdendo ao longo do surgimento de novas técnicas, e que ainda pode ser utilizada para dar expressividade aos projetos gráficos.

Além dos cursos oferecidos, a oficina imprime produtos em tipografia. O álbum batizado de Além da Letra, da figura 2, “explora a plasticidade e a materialidade dos tipos de madeira e de metal, propondo uma nova leitura, na qual o conteúdo (idéia) está subordinado à forma (letras e ornamentos) e não o contrário, como ocorre usualmente” (MELLO; ROCHA, 2007).

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Figura 2: Imagens da produção com a prensa tipográfica do álbum Além da Letra. Formato: 32,5 x 47,5cm. Fonte: www.flickr.com/photos/otsp

Figura 3: Cartaz e cartão de visitas desenvolvidos durante cursos da OTSP. Fonte: www.flickr.com/photos/otsp

O Núcleo de Estudos da Cultura do Impresso (NECI), iniciado em 1997 sob a coordenação da Profa. Daisy Turrer, com material tipográfico doado pela Imprensa Universitária à Escola de Belas Artes da UFMG também oferece suporte às atividades de pesquisa que envolvem tipografia e suas relações com outras artes, mais precisamente, gravura, artes gráficas, ilustração e suas aplicações na pesquisa, ensino e extensão (AZEVEDO, 2002).

Imagem, Letra, Livro (figura 4) é um ensaio tipográfico produzido por alunos da disciplina Imagem Letra e Livro de 2001/2002, coordenados por Turrer e sob orientação do tipógrafo Daniel Walter Silva.

Figura 4: Imagens do ensaio Imagem, Letra, Livro, impresso com tipografia, clichês e xilo. Fonte: www.eba.ufmg.br/neci

Assim como o Brasil, os Estados Unidos abrigam o estúdio de impressão tipográfica

Common Press, na University of Pennsylvania, fundado em 2006 para auxiliar no ensino e

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facilitar a realização de projetos coletivos através da universidade. No estúdio, os alunos podem desenvolver projetos que integram o meio digital com as antigas técnicas de impressão e interagir com profissionais do meio.

Com os exemplos citados acima, pode-se perceber que os tipos móveis de metal vêm sendo resgatados pelas universidades, no Brasil e no exterior, com o intuito de aproximar os alunos da tipografia e da própria técnica em si.

Assim, a inserção do processo de impressão tipográfico no conteúdo dos cursos de Design Gráfico tem trazido inúmeros benefícios para a aprendizagem de se projetar com tipos. Metodologicamente é um território novo que pode “prover oportunidades para desenvolver novas estratégias criativas para a prática do design” (Jury, 2006, p.130). Afora, as decisões (fonte, tamanho do tipo, largura da coluna, entrelinha, etc.) precisam ser mais conscientes, pois os estudantes entram em contato direto com todos os caracteres, e mudar o espaço entre letras, por exemplo, implica numa atividade mais trabalhosa na composição com a inserção de quadrados entre elas. E como Jury (ibid.) afirmou, ninguém deseja trabalhar mais do que o necessário.

Em contraposição, a tecnologia digital, apesar de ter trazido vantagens inquestionáveis, também tem suas características negativas, muitas relacionadas com os softwares utilizados para se projetar. É necessário que ele não se torne tão autor dos projetos quanto seus usuários, ou seja, que suas ferramentas e limitações não limitem o pensamento dos designers.

O Corel Draw, por exemplo, trazia a função padrão de transformar a primeira letra da palavra em maiúscula, se o usuário não estivesse atento ou consciente, essa seria uma decisão estabelecida pelo software, algo impossível de acontecer com a composição com tipos móveis, já que é necessário escolher na caixa tipográfica o caractere maiúsculo ou minúsculo.

Esse retorno às origens não é uma exclusividade acadêmica. A empresa portuguesa Serrote formada pelo artista gráfico Nuno Neves e pela designer Susana Vilela comercializa cadernos numerados (figura 5), cartões de visitas e de casamento, entre outros, fazendo uso de tipos de metal e de madeira, clichês e ornamentos com valorização de seu estilo visual. A empresa já atingiu visibilidade internacional e seus produtos podem ser encontrados em vários continentes, como Europa, Ásia, América, incluindo o Brasil.

Figura 5: Cadernos da Serrote, feitos com ornamentos, clichês e tipos de metal. Fonte: www.serrote.com Característica interessante desses artistas e designers que continuam revivendo a

tipografia móvel é a aproximação com a produção de seus impressos, assim como no O Gráfico Amador, a tipografia permite que os próprios criadores imprimam seus trabalhos.

Jury (2006, p.82) comenta que um número pequeno de designers gráficos, como Rudy VanderLans e Robin Kinross, também se tornaram editores reconhecidos, porém poucos

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conseguiram se tornar impressores. O autor faz uma comparação entre livros impressos por artistas e designers gráficos e, mesmo que alguns desses livros considerados “livros de artista” tenham sido realizados por designers, ainda é forte a noção de que os designers planejam pra imprimir e os artistas normalmente controlam e executam todo o processo, da concepção à impressão.

No entanto, são esses designers que se aproximam do fazer artístico, no sentido de produzir seus trabalhos, que têm a possibilidade de explorar o potencial dos processos de impressão, seja ele qual for. Dentro desse contexto, também encontram-se designers projetando livros e se envolvendo em todas as etapas de produção e, principalmente, preocupando-se com a qualidade de seus impressos, são as private presses ou fine presses, por exemplo, Alan Tarling’s Poet & Printer Press, Unica T e Circle Press, citados por Jury (2006, p.82-84).

A tipografia se tornou o processo de impressão mais viável para esses designers que buscam independência na impressão, pois a tecnologia é simples, mecânica e fácil de aprender; além de oferecer controle ao impressor. Também não podemos deixar de mencionar o valor romântico, sentimental e de adequação em trabalhar com texto no modo como ele foi inventado, com os tipos móveis de metal. Bringhurst (2005, p.105) aconselha que se deve considerar o meio para o qual o tipo foi originalmente projetado ao escolher fontes.

Os puristas tipográficos gostam de ver cada família tipográfica utilizada na tecnologia para a qual foi desenhada. Esse princípio, levado ao pé da letra, significa que todos os tipos desenhados antes de 1950 devem ser feitos em metal, impressos com prensa tipográfica e compostos à mão. (BRINGHURST, 2005, p.105)

No entanto, o próprio autor cita que os tipógrafos não precisam seguir esse conselho com tanta rigidez. Se fosse o caso, não estaríamos projetando digitalmente impressos com fontes como Garamond e Bodoni, e muitas outras que sobreviveram a transposições tecnológicas, como veremos a seguir.

Portando, quase em vias de extinção, projetos e instituições como as citadas acima são exemplos de que os tipos de metal têm toda a capacidade de se tornarem atuais pelo potencial artístico e experimental, mesmo depois de mais de 500 anos de sua criação.

O Projeto Catalogação e Preservação do Acervo Tipográfico da Editora UFPE

Inserido nesse contexto de resgate tipográfico, encontra-se o projeto de extensão Catalogação e Preservação do Acervo Tipográfico da Editora UFPE, locado no Departamento de Design da UFPE, cujos ações principais, no intuito de catalogação e preservação, são levantar, limpar, organizar e, principalmente, identificar as caixas de tipos. Como resultado, o projeto que também pretende integrar a comunidade acadêmica e profissional, está produzindo, para o segundo semestre de 2008, um catálogo com projetos experimentais, realizados por alunos e profissionais, do acervo em questão.

Interessa-nos, particularmente, neste artigo, a pesquisa realizada na identificação das

fontes1 da Editora UFPE, já que essa etapa é fundamental na realização do projeto. A metodologia adotada caracteriza-se pelas seguintes etapas:

1 Consideramos nesse artigo fonte como sendo “ o nome dado a uma coleção completa de tipos de determinado tamanho e estilo, variando a quantidade de cada letra conforme a freqüência com que é usada” (Ribeiro, 2003, p.77).

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1. Listagem e contagem das fontes pelo desenho dos caracteres (typeface) e pelo tamanho do corpo.

2. Comparação dos desenhos das fontes que têm o mesmo “nome” nas caixas. 3. Agrupamento das caixas por desenho da fonte. 4. Investigação exploratória, através de observação sistemática, dos nomes e desenhos

das fontes em catálogos impressos de fundidoras, fundidoras online, livros especializados e compositores, tipógrafos e impressores que trabalharam com tipos móveis de metal.

5. Comparação entre os desenhos dos caracteres das fontes da Editora com as fontes encontradas na investigação exploratória.

6. Renomeação das fontes quando necessário. Os tipos

A Editora UFPE possui cavaletes para 120 caixas tipográficas divididas em seis colunas de vinte gavetas. Dessas, 21 estão vazias, 1 tem entrelinha e 98 estão preenchidas com 34 desenhos de fontes2 diferentes, ou seja, existem muitas caixas com o mesmo typeface, mas tamanho de corpo distinto.

Normalmente, algumas nomenclaturas, utilizadas originalmente e mantidas pelo projeto, que diferenciam fontes com o mesmo desenho de tipo, mas estilo diferente, como romano, negrito, expandido, utilizam adjetivos que não vemos atualmente na tipografia, como clara, meia preta, larga, entre outros.

A primeira observação encontrada na fase de comparação das fontes pontuadas com o mesmo nome nas caixas é a simultaneidade entre nome e desenhos. A fonte estreita da Grotesca, por exemplo, tem 2 tipos de desenhos diferentes3 (figuras 6 e 7), assim como a Garamond (figuras 8 e 9). Essas duas fontes, é importante afirmar, são muito importantes para a história da tipografia, enquanto a Garamond influenciou os tipos desenhados até dois séculos depois de sua criação, em 1530, a palavra grotesca é empregada como sinônimo de fonte sem serifa, sendo derivada da fonte Akzidenz Grotesk, de 1898.

Normalmente, para os compositores e impressores, qualquer fonte que seguisse características similares dessas originais seria chamada de Garamond ou Grotesca.

Se observarmos mais especificamente os dois pares de Grotescas, encontramos muitas semelhanças de estrutura e espessura, porém a suposta Grotesca Estreita da figura 7 tem o final das hastes na diagonal, além de serifas. As versões da Garamond também diferem, elas foram respectivamente fundidas pela Funtimod (figura 8) e pela American Type Founders – ATF (figura 9), como já havia observado Lima (1997, p.132-134).

Figura 6. Impressão da fonte Grotesca Reforma Meia Preta Estreita 2 Consideramos desenhos de fontes diferentes caixas que tinham diferenças significativas em alguns caracteres, no caso de fonte com o mesmo nome, como a Garamond e a Memphis. 3 Os caracteres omissos nas figuras impressas do acervo da Editora UFPE indicam que a caixa está incompleta.

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Figura 7. Impressão da fonte “Grotesca” não identificada

Figura 8. Impressão da Garamond fundida pela Funtimod

Figura 9. Impressão da Garamond fundida pela ATF Com essa afirmação, podemos assinalar outra questão importante na identificação das

fontes, a dificuldade de encontrar informações de fontes fundidas em metal, já que existem poucos registros das fundidoras, e as pessoas que trabalhavam com composição e impressão tipográfica não tinham a formação e/ou necessidade de diferenciar sutis diferenças. Muitas vezes, ao serem questionados sobre o nome verdadeiro de alguma fonte que era nomeada e se assemelhava às grotescas, tínhamos que indicar essas diferenças anatômicas para que fossem percebidas.

Bringhurst (2005, p.105) explica que a impressão tipográfica e o offset têm características diferentes e, por conseguinte, as fontes desenhadas para cada sistema de impressão devem levar isso em consideração. Logo, os tipógrafos ao traduzir as fontes em metal para a composição digital não preservaram, necessariamente, todas as suas características, “mas pelo menos algumas das características que definem o caráter original de um tipo” (ibid.).

Portanto, várias fontes encontradas tinham diferenças de seus exemplares digitalizados e percebemos cedo que esse não seria o caminho adequado para identificação, a solução foi buscar catálogos e livros que exibissem exemplares impressos com a prensa tipográfica, o que não esperávamos eram diferenças de desenhos de letras entre fontes do mesmo corpo ou da mesma família, como veremos a seguir.

O desenho da Grotesca Normal não se assemelha à nenhuma outra Grosteca da era digital, o que tornou possível a identificação foi a descoberta do Catálogo de tipos da indústria gráfica Lito Rio. Nele, encontramos várias Grotescas, e percebemos que a empresa

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seguia o mesmo princípio de chamar de Grotesca qualquer fonte sem serifa, por exemplo, na página que indica a Grotesca Normal Meia Preta (figura 10), com corpos 16, 20, 24 e 36, percebemos, principalmente através dos caracteres numéricos, que o desenho do corpo 36 se difere dos demais, assim como também da Grotesca Normal Clara do mesmo corpo (figura 11).

Figura 10. Diferentes corpos da Grotesca Normal Meia Preta. Fonte: Catálogo de tipos.

Figura 11. Impressão das fontes Grotesca Normal Clara e Grotesca Normal Meia Preta corpo 36. Esse mesmo catálogo possibilitou a identificação de várias outras fontes, como a

Eldorado (figura 12), cujo nome permaneceu apenas com os tipos móveis, e a Grotesca Larga Clara (figura 13).

Figura12. Eldorado. Fonte: Catálogo de tipos

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Figura 13. Grotesca Larga Clara. Fonte: Catálogo de tipos

Em outros casos, não foi encontrado registro algum das fontes, como a chamada bravox (figura 14). Portanto, dos 98 typefaces que existem na Editora, apenas 19 não foram identificados até o presente momento da pesquisa.

Figura 14. Impressão de fonte não identificada

Considerações finais Sabemos que o advento de novas tecnologias não, necessariamente, declara a morte das

tecnologias anteriores, com esse artigo, mostramos que o processo de composição e impressão tipográfico, o principal meio de impressão de texto até meados de 1950, ainda está sendo utilizado nos meios acadêmico e profissional, com o intuito de gerar projetos gráficos diferenciados. Dentro desse contexto, citamos algumas organizações no Brasil e no Exterior que ainda trabalham com os tipos móveis de metal. Identificar os tipos fundidos é uma das difíceis tarefas atreladas ao uso desse material, a pesquisa realizada dentro do projeto de extensão Catalogação e Preservação do acervo tipográfico da Editora UFPE encontrou um acervo repleto de fontes com o mesmo nome e desenhos diferentes, fontes com diferenças de desenho entre as versões clara (romana) e a meia preta (negrito) e, principalmente, fontes cujos registros não puderam ser alcançados.

Referências

BRINGHURST, Robert. Elementos do estilo tipográfico. 3 ed. São Paulo: Cosac Naify, 2005.

CATÁLOGO DE TIPOS. Rio de Janeiro: Lito Rio, [19-??]. GAUDÊNCIO JUNIOR, Norberto. A herança escultórica da tipografia. São Paulo: Edições. Rosari, 2004. JURY, David. Letterpress: New applications for traditional skills. RotoVision 2006.

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Tipos móveis de metal: de Gutenberg até os dias atuais

8º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design

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