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1 30ª REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA (RBA), de 03 a 06 de agosto de 2016, João Pessoa - PB GT 35: Fantasmas dentro da máquina? O ofício antropológico dentro e na órbita da institucionalidade estatal. Título: Traições etnográficas e o ocultamento do outro na evidenciação da fala competente: sobre violências epistêmicas em situação de alteridade mínima Autor: Cleyton Henrique Gerhardt Resumo: Entre 2006 e 2008 estive diretamente em contato com cientistas envolvidos com a questão das áreas protegidas e populações locais cujo perfil se caracteriza pelo trânsito entre o campo da ciência e ação política direta, tendo se tornado intérpretes e atores influentes na concepção de políticas para tais áreas e populações. Seja atuando no executivo, junto a movimentos sociais, ONGs, fundações, corporações ou prestando consultoria a empresas, mídia e agências que financiam projetos de desenvolvimento, a operacionalização do saber que produzem gera o que Foucault chamou “efeitos de verdade”, com argumentos e proposi ções servindo como eficaz arma de persuasão ou para desqualificar/valorizar pontos de vista, procedimentos e o que o outro diz/faz. Mas se o modo como se constrói fatos etnográficos e de traduzi-los como texto implica decisões prévias e imprevistas ligadas ao público com quem se convive, elas por vezes geram no antropólogo questionamentos de ordem ético-política que precisam ser enfrentados e que aqui dizem respeito não só ao grupo com quem me relacionei, mas a quem decidi não procurar. Tanto ao selecionar autores para ler como ao provocar meus interlocutores em entrevistas e eventos diversos, buscava suas impressões sobre o tema em si, mas também sobre pessoas, fossem elas gestores, burocratas, políticos, cientistas, ativistas e a diversidade de grupos sociais atingida por restrições ambientais. Tal situação impõe questão delicada considerando o status estigmatizado destes últimos em relação aos demais, pois ao contrário do cientista ou técnico do Ibama, quem vive em ou próximo a áreas protegidas têm poucas condições de acessar o que se diz dele na academia ou círculos institucionais onde são pensadas leis e políticas ambientais. Referidos de vários modos - mais abrangente (população local, residente, entorno), através de categorias institucionais (povo/comunidades tradicional; agricultor familiar) ou étnicas, raciais e identitárias (quilombola, Pataxó, caboclo, posseiro, ribeirinho) - todos estiveram ausentes como sujeito e presentes como assunto do diálogo douto, sendo seu fazer/pensar debatido a portas fechadas e depois levado ao texto escrito. Assim, ao eleger tal discussão para debater com meus pares, não teria reduzido o protagonismo dos primeiros ao que tínhamos a dizer? Tal opção não retiraria deste outro ausente seu poder de narrar, tornando invisíveis narrativas não circunscritas ao mundo intelectual? Ao sublinhar a autoridade perita, não reproduzi um tipo de violência epistêmica, reforçando uma atitude neocolonial de viés acadêmico? A partir destas indagações, tomo a escolha que fiz como objeto de reflexão antropológica e oportunidade para questionar o lugar do antropólogo enquanto intérprete autorizado quando em situação de alteridade mínima. Palavras-Chave: Áreas protegidas, pesquisadores, alteridade mínima

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30ª REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA (RBA),

de 03 a 06 de agosto de 2016, João Pessoa - PB

GT 35: Fantasmas dentro da máquina? O ofício antropológico dentro e na órbita da

institucionalidade estatal.

Título: Traições etnográficas e o ocultamento do outro na evidenciação da fala competente:

sobre violências epistêmicas em situação de alteridade mínima

Autor: Cleyton Henrique Gerhardt

Resumo:

Entre 2006 e 2008 estive diretamente em contato com cientistas envolvidos com a questão das áreas protegidas e

populações locais cujo perfil se caracteriza pelo trânsito entre o campo da ciência e ação política direta, tendo se

tornado intérpretes e atores influentes na concepção de políticas para tais áreas e populações. Seja atuando no

executivo, junto a movimentos sociais, ONGs, fundações, corporações ou prestando consultoria a empresas, mídia e agências que financiam projetos de desenvolvimento, a operacionalização do saber que produzem gera o

que Foucault chamou “efeitos de verdade”, com argumentos e proposições servindo como eficaz arma de

persuasão ou para desqualificar/valorizar pontos de vista, procedimentos e o que o outro diz/faz. Mas se o modo

como se constrói fatos etnográficos e de traduzi-los como texto implica decisões prévias e imprevistas ligadas ao

público com quem se convive, elas por vezes geram no antropólogo questionamentos de ordem ético-política que

precisam ser enfrentados e que aqui dizem respeito não só ao grupo com quem me relacionei, mas a quem decidi

não procurar. Tanto ao selecionar autores para ler como ao provocar meus interlocutores em entrevistas e

eventos diversos, buscava suas impressões sobre o tema em si, mas também sobre pessoas, fossem elas gestores,

burocratas, políticos, cientistas, ativistas e a diversidade de grupos sociais atingida por restrições ambientais. Tal

situação impõe questão delicada considerando o status estigmatizado destes últimos em relação aos demais, pois

ao contrário do cientista ou técnico do Ibama, quem vive em ou próximo a áreas protegidas têm poucas

condições de acessar o que se diz dele na academia ou círculos institucionais onde são pensadas leis e políticas ambientais. Referidos de vários modos - mais abrangente (população local, residente, entorno), através de

categorias institucionais (povo/comunidades tradicional; agricultor familiar) ou étnicas, raciais e identitárias

(quilombola, Pataxó, caboclo, posseiro, ribeirinho) - todos estiveram ausentes como sujeito e presentes como

assunto do diálogo douto, sendo seu fazer/pensar debatido a portas fechadas e depois levado ao texto escrito.

Assim, ao eleger tal discussão para debater com meus pares, não teria reduzido o protagonismo dos primeiros ao

que tínhamos a dizer? Tal opção não retiraria deste outro ausente seu poder de narrar, tornando invisíveis

narrativas não circunscritas ao mundo intelectual? Ao sublinhar a autoridade perita, não reproduzi um tipo de

violência epistêmica, reforçando uma atitude neocolonial de viés acadêmico? A partir destas indagações, tomo a

escolha que fiz como objeto de reflexão antropológica e oportunidade para questionar o lugar do antropólogo

enquanto intérprete autorizado quando em situação de alteridade mínima.

Palavras-Chave:

Áreas protegidas, pesquisadores, alteridade mínima

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Traições etnográficas e ocultamento do outro na evidenciação da fala competente:

violências epistêmicas em situação de alteridade mínima

Pritchard: Como é o nome da sua linhagem? Cuol: Você quer saber o nome da minha linhagem?

Pritchard: Sim.

Cuol: O que vai fazer com ele se eu disser? Você vai

levá-lo para seu país?

Pritchard: Eu não quero fazer nada com ele. Eu só

quero saber.

Diálogo entre Evans-Pritchard e um Nuer (2005).

Cleyton Gerhardt1

A discussão sobre a relação e os conflitos envolvendo áreas protegidas e populações

locais tem sido bastante controversa, fazendo crescer o interesse de especialistas de várias

áreas, os quais têm até hoje produzido farta literatura sobre o assunto. De fato, se há um

consenso entre os debatedores é o de que aí se instalou um ambiente discursivo caracterizado

pelo dissenso e, por vezes, por áspero e ácido diálogo. Constatação esta que me levou a olhar

com maior cuidado para espaços de produção de sentidos, justificações, sínteses e proposições

que, dependendo do jogo de forças num dado momento histórico, tendem a orientar

normatizações e diretrizes gerais de ação postas em prática em áreas tidas como prioritárias à

conservação ambiental. Porém, visando direcionar minha atenção e observação sobre esta

forma particular de apropriação e controle do território, optei por focar em um universo social

específico onde são produzidos discursos revestidos de forte reconhecimento social e onde o

poder (de dizer e fixar pontos de vista) e o saber (organizá-los e dizê-los de modo a produzir

efeito prático) se cruzam, juntam-se e interferem em outras esferas sociais: o universo

polêmico e divergente do fazer e do diálogo acadêmicos.

Como resultado, entre agosto de 2006 e julho de 2008 pude estar direta e

sistematicamente em contato com pesquisadores (e suas publicações) que, dentro e fora da

academia, de algum modo e/ou em algum momento se envolveram com esta temática. Por um

lado, o que aproxima este tipo de público perito é o fato de atuarem por entre as interfaces do

campo científico, demarcando com isso um espaço privilegiado para visualizar seus

(des)encontros. Contudo, importante dizer que não se trata de cientistas no sentido estrito,

pois, mais do que esse tipo de interesse e a despeito da preocupação intelectual ligada à

produção de conhecimento, aproxima-os estarem “comprometidos com uma intenção original

de mudança”, atuando também (seja de modo prescritivo ou crítico as implicações de tais

1 Doutor em Ciências Sociais, professor-pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ);

Decania de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE).

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prescrições) “no plano da instrumentalização da pesquisa científica voltada à transformação

social” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1996, p.18). Apesar de vivenciarem o mundo

acadêmico, o perfil das pessoas com as quais tive contato e os autores da literatura que tive

acesso (que não poucas vezes se confundem) se caracteriza pelo trânsito entre o campo da

ciência e da ação política direta, tendo se tornando intérpretes e atores influentes na

concepção de políticas vinculadas à interface entre duas prioridades gerais: preservar a

natureza/biodiversidade e garantir direitos (em especial, acesso à terra) a grupos sociais

específicos2.

A despeito da formação disciplinar bastante diversificada quanto à área de atuação,

interesse de pesquisa e percurso profissional, ao ocupar paralela ou alternadamente posições

de destaque em cenários decisórios, ampliaram sua competência profissional para fora dos

muros acadêmicos, adquirindo legitimidade e autoridade para se pronunciar sobre o tema em

ambientes institucionais e contextos os mais diversos3. Nesse sentido, seu esforço intelectual e

as ações que exercem no plano político mais amplo contribuem para que argumentos e

interpretações produzam o que Foucault chamou “efeitos de verdade” (FOUCAULT, 2010;

1979) ou, numa leitura latouriana sobre a atuação de “intermediários”, “efeitos de realidade”

(LATOUR, 1994). Para além da veracidade/falsidade do que afirmam ou de saber se se trata de

julgamentos isentos, alienados, ilusórios, engajados, ideológicos, míticos etc., importa que sua

prática traz incorporada (enquanto artefato, instrumento e efeito) um poder relativo de gerar e

fazer circular, na vida cotidiana do mundo vivido, efeitos persuasivos “que funcionam como

2 Além da tensão entre estas duas prioridades, como mostro em GERHARDT (2008 e 2016a), na literatura

especializada o debate em foco tende a assumir a forma polarizada, podendo se manifestar a partir de diferentes

oposições, por exemplo, entre: dois direitos (das espécies naturais ou dos seres humanos); dois mitos (do bom

selvagem x da natureza intocada); duas correntes interpretativas (antropocêntrica x biocêntrica); duas posturas

(engajada x isenta); dois reducionismos (sociológico x biológico); duas áreas do conhecimento (ciências

naturais x ciências sociais); dois enfoques disciplinares (biologia da conservação x etnoconservação); duas

ontologias (integrativa x dissociativa); duas diversidades (biodiversidade x etnobiodiversidade); dois movimentos

(preservacionismo x conservacionismo); duas visões (socioambientalista x conservacionista); dois imaginários

(social-popular x ecológico-ambientalista); duas utopias (preservacionista x ecosocialista); e sobretudo entre dois

personagens específicos (antropólogos x biólogos; cientistas sociais x cientistas naturais; desenvolvimentistas x

ambientalistas; povos tradicionais x militantes ecologistas; biolife x etnopeople). 3 Para se ter uma ideia da transversalidade disciplinar envolvida, considerando apenas a formação superior básica das pessoas com quem pude conversar (e que não mostra nem a ponta da diversidade, pois muitos têm trajetória

híbrida e não restrita às suas respectivas graduações), entre elas há: oito antropólogos (sendo uma também com

graduação em biologia, outra em administração, outro ainda vindo da ciência política e que tem como hobby a

matemática); um cientista político (com doutorado em ciências ambientais), uma socióloga (com mestrado em

ecologia) e dois cientistas sociais (uma com graduação em ecologia e outra formada em história natural); sete

biólogos (um limnologista formado em história natural, dois especialistas em manejo de fauna, um botânico, um

zoólogo, um ecólogo com pós-doutorado em agroecologia e um primatólogo formado em administração); uma

bióloga que se define como ecóloga humana devido à sua trajetória posterior como socióloga; uma psicóloga

social também formada em biologia; quatro engenheiros florestais (um deles também agrônomo e com PhD em

entomologia e outro com PhD em biologia e pós-doutorado em desenvolvimento sustentável); dois geógrafos;

um agrônomo e outra agrônoma (que nos anos 1960 trabalhou com pulverização aérea pilotando avião); dois historiadores (um com mestrado e doutorado em ciências políticas); um economista; além do entrevistado que

não possui curso universitário, mas que atuou muitos anos na Amazônia como oficial da marinha brasileira.

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verdade, que passam por tal e que detêm, por este motivo, poderes específicos” (FOUCAULT,

1979, p.231).

Desta preocupação com o mundo perito resultaram diversos trabalhos (GERHARDT,

2016a; 2016b; 2013; 2010a; 2010b; 2008; 2007; GERHARDT et al., 2007), todos porém

voltados diretamente à descrição do funcionamento do debate e que focam especificamente no

modo como procede este tipo de público ao se distinguir/aproximar política e

intelectualmente, quais categorias e em que circunstâncias as acionam para enquadrar seus

pares e como mobilizam justificativas, argumentos e informações para disto extrair

conclusões. Ocorre que, embora concorde com José Jorge de Carvalho (2002, p.13) quando este

comenta que, “se a obra de interpretação já parece um desafio, a ela se supõe um outro, qual

seja, o de interpretar hoje essa posição de intérprete acadêmico”, entrar no universo douto a

partir das pistas deixadas pelo trabalho de interpretação que ele pressupõe só é possível

correndo-se o risco inerente a qualquer meta-observação. Será justamente sobre alguns

desdobramentos deste risco que irei me ater no presente artigo.

Se tanto a forma como são construídos problemas de pesquisa e fatos etnográficos como o

modo de construí-los como texto escrito subentendem, por um lado, escolhas prévias que

trazem consigo o universo intelectual e político-ideológico em que se está imerso e, por outro,

decisões pragmáticas tomadas com base em um conjunto contingências ocorridas ao longo e

após o chamado trabalho de campo (e que se mesclam com aspectos já pensados de antemão),

parte do que daí resulta não poderá mais ser alterado pela vontade de quem as tomou. Digo isto

porque, ao opter por eleger especialistas como nativos, da junção entre tais auto-restrições pré-

definidas e eventos imprevistos resultaram questionamentos que precisam ser, de algum modo,

enfrentados. Como me comentava um antropólogo que entrevistei ao falar sobre suas pesquisas

e como elas vinculam-se ao “seu lugar como cidadão” e “suas visões a respeito do que é justiça

social”, o ofício do antropólogo implica um exercício “que é não só apresentar conclusões

analíticas, mas de ordem política e moral. A direção na qual vejo que as coisas deveriam

caminhar ao meu juízo e a partir do conhecimento que acumulei. Que conclusões de ordem

política e moral precisaria retirar do meu trabalho. Vários podem tirar outras, mas me antecipo e

digo quais são as minhas”.

Seguindo tal conselho, pretendo aqui aprofundar uma discussão sobre uma questão de

“ordem política” e cujo rebatimento ético vincula-se a opção metodológica que assumi

referente, por um lado, ao público com quem me relacionei, mas, sobretudo, àqueles a quem

decidi não procurar. E, já antecipando, embora admita que as implicações daí advindas não

possam mais ser resolvidos discursivamente - até porque sua repercussão é fato celebrado

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desde a publicação de minha tese de doutorado (GERHARDT, 2008) -, ainda assim tal

escolha pode servir não só como objeto de auto-crítica, mas acima de tudo como motivo para

reflexão antropológica e oportunidade para questionar, ao apontar “relações políticas onde

normalmente elas não eram percebidas” (FOUCAULT; DELEUZE, 2013, p.131), o lugar do

investigador enquanto tradutor ou, numa leitura não tão pretensiosa , intérprete autorizado.

Do ocultamento do outro na evidenciação da fala competente

Tanto ao me encontrar com pesquisadores como ao selecionar autores e bibliografias

para leitura, buscava sempre suas impressões sobre temas relativos ao debate sobre áreas

protegidas e populações locais e que envolviam não só lugares, fatos, eventos, modos de

pensar, teorias, premissas, mitos e disciplinas, mas também pessoas, fossem elas gestores,

burocratas, políticos, outros pesquisadores, ativistas de várias tribos e toda diversidade de

grupos sociais de algum modo atingida por iniciativas voltadas à conservação ambiental. Tal

situação impõe, por sua vez, uma questão delicada, considerando o status estigmatizado e a

condição subalterna4 destes últimos em relação aos demais. Afinal, diferentemente do

cientista ou técnico de algum órgão ambiental, quem vive dentro ou próximo de áreas

protegidas têm poucas condições - ou, para usar o léxico bourdiniano, pouco “capital”

(político, econômico, científico, simbólico, social etc.) - de acessar o que se diz sobre ele não

só no âmbito acadêmico, mas nos círculos institucionais e esferas decisórias onde são

pensadas leis, normas, procedimentos administrativos e políticas voltadas ao meio ambiente.

Tendo isto em vista, gostaria de me ater aqui ao lugar discursivo conferido, nos trabalhos de

minha autoria citados no início, a quem chamei genericamente de “populações locais”.

Como em qualquer diálogo, durante meus encontros e entrevistas com especialistas

entrava sempre em operação uma troca recíproca de papéis, se alternando instantes em que um

interlocutor tinha a palavra enquanto o outro escutava e assim sucessivamente. Porém, apesar de

haver sempre um eu que enunciava dirigindo-se a alguém (tu) e vice-versa, ambos falávamos

não só de algo ou sobre um assunto, mas sobre um ele, um alguém, podendo ser desde um

indivíduo com nome e sobrenome até sujeitos coletivos, grupos de interesse e mesmo

organizações e movimentos sociais; ou seja, excetuando nós que conversávamos, todos os

4 Adoto o termo subalterno no sentido gramsciano para indicar aquele que, embora heterogêneo e cujas formas

de ação geralmente se dão de modo fragmentado, encontra-se afastado das instâncias vinculadas ao exercício do

poder, estando sujeitos a uma série de mediações que os levam a situações variadas de exploração e opressão.

Deste modo, por estarem submetidos a “operações político-culturais da hegemonia que escondem, suprimem,

cancelam ou marginalizam sua história” (BUTTIGIEG, 2002, p.30), a possibilidade de fala e agenciamento

acha-se “sempre intermediada pela voz de outrem, que se coloca em posição de reivindicar algo em [seu] nome”

(ALMIEDA, 1999, p.16).

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demais viraram (tal como lugares, fatos, eventos, teorias etc.) tema de nossas respectivas falas.

Ocorre que, conforme Benveniste (1966), do ato de se dirigir a alguém em termos de ele resulta

um estado de “não-pessoas”, os que, sendo eles numa enunciação, estão na “posição de

ausentes”; condição também apontada por Amorim (2004, p.99)5 quando, ao discutir este

“efeito de exclusão da condição de pessoa” em que o ele aparece “numa situação de fronteira ou

instabilidade”, define tais personagens em um diálogo como “outros ausentes”.

Sendo a condição lingüística de todo discurso dada pelo conjunto destes três personagens

(eu/tu/ele), do início da pesquisa até sua publicação o encadeamento da mediação discursiva se

dava da seguinte forma: primeiro, um eu (entrevistado) respondia a um outro presente

(entrevistador) sobre um outro ausente (abrangido genericamente pelo termo população local);

depois, um outro eu (autor deste livro), para falar sobre um outro eles (o público perito com o

qual interagiu) aos seus possíveis leitores (vários tus, mas na maioria ligados ao mundo perito,

incluindo aí os próprios entrevistados), retraduzia o que foi dito sobre aquele outro ausente, cuja

possibilidade de se expressar acabou por ser duplamente ignorada. Como alerta Jorge Luis

Borges (2007, p.112), “especificar uma parte é como recusar ou calar as demais”. Pelo recorte

empírico proposto, aqueles que seriam vistos ou se vêem atingidos pela criação de unidades de

conservação (daqui pra frente UCs6) ou políticas ambientais mais gerais não foram procurados

por mim, ou melhor, foram desconsiderados enquanto protagonistas com algo relevante a dizer,

sendo, por conseguinte, silenciados. A estes últimos lhes foi negado o direito não só de interferir

(mesmo como coadjuvante), atuar (ainda que enquanto mero figurante) e assistir (nos bastidores

ou como a platéia de uma peça teatral que, embora no escuro, está presente) a estes encontros

entre experts, mas até mesmo de saber que deles se estava falando.

Ao optar por me encontrar com um conjunto determinado de especialistas, nossas

avaliações diziam respeito a grupos sociais cujo simples ato de discordar do que falávamos

lhes foi recusado, reforçando sua condição de subalternidade. Para usar o tom irônico de

Rognon (1991, p.28), sendo “os primeiros interessados excluídos do debate e reduzidos ao

silêncio”, eu e meus interlocutores, “um pouco surdos e bastante tagarelas, procuramos

5 A autora (op cit.) adverte ainda para não se confundir os termos pessoa e não-pessoa “com a idéia de

indivíduo, pessoa psicológica, pessoa física/jurídica e outras do senso comum”, pois trata-se “de posições

enunciativas”. 6 Em termos jurídicos área protegida e unidade de conservação são conceitos distintos. Na legislação, o primeiro

refere-se a espaços físicos delimitados cuja titularidade pertence ao Estado (excetuando RPPNs). Já o segundo

inclui, além das diversas categorias de UCs, a chamada reserva legal e áreas de preservação permanente. Além

disso, embora orientados por objetivos, marco regulatório, status jurídico e finalidades distintas, terras indígenas

e terras de quilombos não deixam de ser também territórios legalmente “protegidos” pelo Estado. No texto adoto

como padrão o termo mais amplo possível (“áreas protegidas”), usando a expressão “unidades de conservação”

para me referir especificamente às categorias de manejo mencionadas acima. Procedimento semelhante vale para “pesquisador” e “populações locais”, termos mais genéricos para designar, respectivamente, meus interlocutores

e grupos sociais afetados pela criação de áreas protegidas.

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assimilar a alteridade em que situamos as respostas às nossas próprias angústias”. Mais do

que ausentes, todos que poderiam ser incluídos na categoria “população local” estiveram

visíveis não como “outros sujeitos” e menos ainda como “sujeitos outros”, segundo a

diferenciação etnográfica proposta por Viveiros de Castro (2002b, p.117), mas sim como

objeto do diálogo acadêmico, sendo toda complexidade em jogo traduzida através da fala

perita e, posteriormente, retraduzida por mim. Complexidade que inclui uma profusão de

desejos, idiossincrasias, interesses, contrariedades, motivações, argumentos e saberes próprios

de quem permaneceu, sem o saber, surdo, ausente e calado ao ser comentado. Como resume

Sandra Almeida (1999, p.14) em seu prefácio ao livro de Spivak, na interlocução com a

produção intelectual ocidental, se “o processo de fala se caracteriza por uma transação entre

falante e ouvinte [...], esse espaço dialógico de interação não se concretiza jamais para o sujeito

subalterno”, sendo seu discurso obliterado ou anulado. Sobretudo ao falar sobre interferência

direta ou indireta nos modos de existir e viver de quem se vê atingido por restrições ambientais,

bem como do controle - via normas legais, instrumentos administrativos, práticas disciplinares

(punitivas ou participativas), “pactos” negociados - sobre tal interferência, eu e meus colegas,

fossemos céticos ou otimistas sobre seu papel nas estratégias de conservação, conversávamos

sobre pessoas que, além de possivelmente interessadas em saber o que delas falávamos, têm

grande preocupação em discutir o assunto, visto afetar diretamente suas vidas.

Embora aparecessem referidos de diversas formas, desde as mais abrangentes (população

local, residente, do entorno), através de categorias político-institucionais (povos e comunidades

tradicionais; agricultores familiares) ou categorias étnicas, raciais, territoriais e identitárias mais

ou menos específicas (quilombola, índio, Pataxó, caiçara, caboclo, posseiro, seringueiro,

ribeirinho, quebradeira de coco, pescador artesanal), todos estiveram ausentes como sujeito e

presentes apenas como assunto e conteúdo de nossas conversas, sendo seu fazer e seu pensar

debatido a portas fechadas e levado ao texto que aqui apresento. Sem contar, como chama

atenção Goffman (1985, p.158), que, quando membros de um grupo (no caso, cientistas) “vão

para os bastidores, onde a platéia não pode vê-los nem ouvi-los, a detração secreta parece ser

muito mais comum do que o elogio secreto”. Conduta que se concretizou diversas vezes,

quando nós, enquanto intelectuais supostamente esclarecidos, ao se pronunciar sobre este ser

ausente acabamos por julgar suas práticas e saberes7.

7 Para situações em que posicionamentos morais ficaram explícitos ver, por exemplo, Gerhardt (2008),

especialmente os tópicos: População tradicional como alvo (“ser ou não ser?”): acusações e Populações

tradicionais, direitos universais e paralelos com “políticas da diferença” nas políticas ambientais. E em

Gerhardt (2016a), os itens: Populações tradicionais como alvo: táticas de ataque e defesa; Olhando para outro interior: quando antropólogos discutem entre si e Sobre "falar em nome de", humanizar bichos e animalizar

gente.

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Disto, pergunto: ao eleger a relação entre populações locais e áreas protegidas como tema

para debater com meus próprios pares, não estaria contribuído para reduzir o protagonismo dos

primeiros e sua heterogeneidade sociocultural ao que teríamos a dizer? Privilegiar este tipo de fala

competente não implica bloquear, ainda que indiretamente, a intervenção ativa e criativa de

diversos grupos sociais em discussões que lhes dizem respeito? Teria, com minha escolha por me

aproximar do centro de produção do discurso perito sobre áreas protegidas, retirado deste outro

ausente seu poder de narrar ao “impedir que se surgissem outras narrativas” (SAID, 2011, p.11)

não circunscritas ao mundo intelectual? Enfim, ao realçar a autoridade destes experts (afinal, fui

procurá-los porque eram conceituados em suas respectivas áreas) não estaria reforçando uma

atitude neocolonial de viés acadêmico? Se como sugere Amorim (2004, p.45), “colonizar é

também traduzir”, o inverso vale do mesmo modo, sendo que a meu ver os pontos de

interrogação acima podem ser retirados e as frases lidas como afirmação. Igualmente, a

resposta à pergunta provocativa de Spivak (1999), feita dentro do campo dos estudos pós-

coloniais, “pode o subalterno, de fato, falar?”, é aqui negativa.

Como chama atenção Todorov (1993, p.96) para o olhar de Cortês sobre Montezuma, a

alteridade da qual eu e meus colegas falamos “importava mais como objeto do discurso do

que como destinatário dele”, o que remete a constatação de Edward Said (1990, p.43) de que,

sendo “o objeto do saber inerentemente vulnerável ao escrutínio, este objeto é um „fato‟”,

nada mais do que isso. Tal como na controvertida etnografia de Capranzano (1985) sobre a

minoria branca de Wyndal na África do Sul (onde, por sinal, também sobressaiam dois grupos

dominantes que se rivalizavam8), em nossos diálogos, estivéssemos do “lado” que fosse e seja

qual for o teor da divergência, produziu-se o que Peirano (1985, p.256) chama de “apartheid

psicológico”, uma “ausência de reconhecimento do outro e da impossibilidade de apreciação

real e concreta da subjetividade alheia”; mais do que isso, seja este outro índio, quilombola,

ribeirinho ou caiçara, ao “transformar-se em objeto a ser manipulado” (a ser temido ou

venerado), deixaram de ser “vistos na sua humanidade”.

E aqui vale o alerta de Spivak (1999, p.81) sobre a omissão da produção ideológica

por trás da associação entre “consciência” e “conhecimento”: no caso, os grupos citados (e

outros tantos que poderiam ser incluídos na categoria genérica "população local"9)

8 De um lado, os afrikaners descendentes de alemães e holandeses e, de outro, os brancos falantes da língua

inglesa. 9 No SNUC o termo “população” aparece seguido dos adjetivos “tradicional”, “residente”, “local”, “humana” e

“extrativista”. Porém, após o I Encontro dos Povos e Comunidades Tradicionais em 2006, o Decreto n.6040 de

2007 passou a definir “Povos e Comunidades Tradicionais” (preterindo o termo “população”) como “grupos

culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social,

que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa,

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assumiram um “significado somente em relação à problemática de um objeto de

conhecimento” cujo conteúdo acha-se cirurgicamente limitado por um olhar perito-

centrado. Um tipo de saber (diverso e controverso) situado fora do contexto social por onde

circula e vive este outro, ou melhor, este “fato” heterogêneo, múltilpo e, ao menos a partir

dessa chave de leitura perito-centrada, inalcançável enquanto sujeito. Discurso que, crítico

ou não, permaneceu “aprisionado no debate sobre a produção desse Outro [...] como sombra

do Eu” (SPIVAK, 1999, p.58-59).

Tal “violência epistêmica”, como define Spivak, ou, para usar um termo hoje bastante

em voga na América Latina, tal “colonialidade do saber”, em que a “negação do direito do

colonizado começa pela afirmação do direito [no caso, de falar] do colonizador” (CLAVERO

1994 apud LANDER, 2005, p. 27), remete à extensa discussão de Terry Eagleton (1997, p.26)

sobre ideologia, para o qual “o gesto fundamental” desta seria “exatamente a oposição binária

rígida entre o eu ou o familiar, que é valorizado positivamente, e o não eu ou alheio, que é

empurrado para além das fronteiras da inteligibilidade”. Afinal, pressupondo uma

controvérsia algum grau de acordo, seja durante uma entrevistas ou num texto acadêmico

estamos, enquanto intelectuais que transitam pelo mundo da ciência, perfeitamente à vontade

para dizer o que pensamos. Sintonia que inclui um universo social partilhado que, queira-se

ou não, contrasta com a distância em relação aos outros ausentes por nós falados e escritos.

Voltando a Capranzano, ainda que afrikaners descendentes de alemães e holandeses e brancos

de língua inglesa se hostilizassem a todo momento, não só tinham os mesmos privilégios

perante os browns coloureds e africanos não brancos, mas respeitavam e não contestavam o

direito de um e de outro em detrimento dos demais. Como lembra Eagleton (1997, p.116), tanto

entre os primeiros como entre eu e meus pares há uma “solidariedade prática embutida nas

estruturas de qualquer linguagem compartilhada, mesmo que grande parte dessa linguagem

possa ser permeada por divisões”, pois, embora discordando, respeitamos o direito de nossos

colegas ao gesto acadêmico por excelência: a palavra, escrita ou falada.

Ao que alguém (sobretudo se antropólogo) poderia objetar haver quem se esforce por

justamente se “familiarizar” com este “não eu ou alheio”. Ocorre que ainda assim a unidade da

oposição não se desfaz, pois, além do olhar positivo de cientistas sobre a procedência da ciência

e respectivas disciplinas como campo legítimo de debate e produção de saber, sua posição

ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”.

Porém, como antecipei em outra nota de rodapé, não entrarei no debate sobre qual termo seria mais apropriado -

tema que discuto em Gerhardt (2016a em especial no tópico Olhando para outro interior: quando antropólogos

discutem entre si -, adotando “população local” para padronizar seu uso no texto e “povos” especificamente para

me referir a etnias indígenas.

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social permanece, como rocha sólida amalgamada por diversos minerais (conceitos, teorias,

categorias analíticas, ferramentas metodológicas etc.) a nos unir àqueles com quem

polemizamos e com os quais não concordamos. Afinal, diria Bourdieu (1998a, p.119), a

existência de “campos transnacionais (sobretudo científicos) cria sensos comuns específicos que

[...] favorece a emergência de uma visão escolástica do mundo (ou quase isso) comum a todos

os scholars”. Mesmo sendo uma comunidade de cientistas “permeada por divisões", a situação

por mim criada e depois traduzida via publicações acadêmicas fez com que, no caso de grupos

atingidos pela criação de UCs e demais políticas ambientais, a “tarefa de reescrever suas

próprias condições de impossibilidade, bem como as condições de sua possibilidade”

(SPIVAK, 1999, p.77) fosse quase que imperceptivelmente não só estendida, mas transferida

para o mundo morno e distante do saber douto.

É justamente sob tal característica que pesquisadores que apóiam e acusam quem tem

em comum sua subordinação em relação à sociedade mais ampla se juntam, não contra ou a

favor, mas a despeito destes, visto partilhar um campo de produção de saber (ainda que em

disputa e sob forte rivalidade) do qual estão afastados ou então presentes como objeto/fato a

ser conhecido, explicado, interpretado ou simplesmente relatado. Tal como instituições totais

descritas por Foucault, o outro de quem falamos encontra-se apartado porque silenciado

enquanto alguém que questiona e produz sua própria crítica sobre este profissional perito e

posicionado no seu lugar de saber-poder. Sem contar que como uma prisão, manicômio ou

fábrica implica o uso de um traje específico que distingue os “internos” dos “de fora”,

também nos valemos de “uniformes” para poder identificá-los (para não dizer isolá-los e

aprisioná-los). A começar pelo termo "população tradicional", sob o qual muitos antropólogos

ficariam contentes se mais atingidos por restrições ambientais decidissem “habitá-lo”

(CUNHA e ALMEIDA, 2004) enquanto categoria político-institucional auto-atribuída.

E quando digo isso, e embora concorde com a crítica às implicações “instrumentais”

apontadas por Barreto-Filho (2006), estou plenamente de acordo com os autores citados sobre o

uso de uma definição “extensional” para população tradicional10

. O que quero frisar, para além

deste debate e seus efeitos em relação ao reconhecimento institucional e acesso a políticas

públicas de quem passa a habitar tal categoria, se refere ao limite que se interpõe ao discurso

perito quanto ao lugar discursivo daquele de quem se quer falar ao ser qualificado e traduzido

em um contexto do qual se encontra ausente. Por mais que um cientista social ou mesmo um

biólogo, através de argumentos extraídos do campo do saber por onde circula, busque visibilizar

10 Para uma revisão e discussão da literatura antropológica sobre a categoria "população tradicional", ver novamente o tópico Olhando para outro interior: quando antropólogos discutem entre si, contido em Gerhardt

(2016a).

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reivindicações, justificar ações, valorizar saberes ou mostrar a validade de certas demandas e a

legitimidade da luta de quem se vê envolvido (e o termo é apropriado, pois remete a relação

entre etnias indígenas e “sociedade envolvente”) por políticas e ações institucionais voltadas à

proteção da biodiversidade, ele não dirá o que tais grupos teriam a dizer sobre o que diz seu

“defensor” perante quem o “ataca”11

. Trata-se, portanto, de um tipo de solidariedade não só

linguística ou condicionada ao modos operandi e à forma como se produz um tipo específico de

narrativa (científica), mas de classe (social) e posição (de poder).

Não que todo pesquisador faça a todo momento uso instrumental de sua competência

socialmente legitimada, seja na direção que for. Ocorre que seu lugar de fala, queira ou não,

produz efeitos simbólicos12

para além de seu controle e cuja contestação não é muitas vezes

nem mesmo percebida como algo possível, visto o caráter arbitrário por trás do que diz não

aparecer como tal. De fato, repare-se que até certa altura do trabalho de campo que realizei

junto a especialistas foi o que passou comigo, pois só me dei conta das implicações de escolher

cientistas como interlocutores após um colega antropólogo que entrevistei, sem se referir

diretamente e sem saber de suas consequências futuras, chamar atenção para a questão ao falar

sobre sua própria relação de com quem decidiu conviver em suas pesquisas. Ou seja, até ali

estava totalmente imerso e sob influência do arquétipo do scholar e do que esta figura

representa enquanto alguém que “detém conhecimento”; encantamento cuja força -“capaz de se

fazer reconhecer pelo simples fato de se fazer conhecer, de se mostrar sem se exercer”

(BOURDIEU, 1998a, p.117) - me levou a construir um tipo específico de narrativa objetivada

na forma de textos de cunho acadêmico.

E neste ponto é preciso dizer de forma direta: ao mesmo tempo em que, como adverte

Foucault, “os próprios intelectuais fazem parte desse sistema de poder”, também não lhes é

permitido simplesmente suspender ou abdicar de “sua posição de intelectual na sociedade

burguesa, no sistema de produção capitalista [e] na ideologia que ela produz ou impõe”

(FOUCAULT e DELEUZE; 2013, p.131). Por mais que um Rei repugne ou não queira

exercer seu poder de direito ou então que um usurpador pertencente à nobreza o retire do

trono e ocupe seu lugar, muitos súditos (por exemplo, um doutorando diante de cientistas

sêniors) continuarão não contestando ou ao menos respeitando sua autoridade (ainda que dela

11 Bem entendido, uso os termos “defensor” e "ataque" no seu sentido prático, do efeito produzido sobre a

imagem do outro de quem se fala (objeto da enunciação) e da eficácia persuasiva sobre aquele para quem se fala

(destinatário da enunciação). 12 No sentido de um “poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem

saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”; e, ao mesmo tempo, poder de impor conhecimentos e

construir realidade social em que “os símbolos são os instrumentos por excelência da „integração social‟” e

produção de consensos (BOURDIEU, 1989, p.07 e 09).

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divergindo) e, ato contínuo, reconhecendo-o como Rei, ou melhor, como se fosse Rei. Em

suma, para este e tantos outros casos descritos por Bourdieu, a figura do rei e do pesquisador

se equivalem no sentido de que o signo enquanto representação do poder de ambos por vezes

se revela mais forte que a realidade concreta de seu desejo.

Como diz um poema de Clarisse Lispector (1977, p.49), “mal vejo o ovo e já se torna ter

visto um ovo, o mesmo, há três milênios”. Do mesmo modo que quando um homem critica

condutas machistas e o significado/significante que ele enquanto homem genérico comporta e

aciona mentalmente por si só já indica para uma feminista a presença simbólica da própria

opressão a ser combatida (e a despeito de sua fala ser reconhecida como de um aliado contextual),

quando um pesquisador renomado fala de grupos sociais como os aqui citados - e esteja ele

fortalecendo ou desqualificando suas reivindicações - sua posição o denuncia e explicita o

ambiente diferenciado e privilegiado de onde vem e ao qual pertence. Da mesma forma que um

biólogo da conservação ou cientista político13

que acusa uma etnia indígena de possuir um caráter

“intrínseco” para a “depredação ambiental” está numa posição confortável porque distanciada e

protegida pelo reconhecimento social por trás do seu ofício, é cômodo para cientistas sociais e

mesmo ecólogos e botânicos14

denunciar a violência a qual historicamente esta etnia tem sido

submetida. Como outras profissões monopolizadas e colonizadas pelo ethos hegemônico

(ocidental, branco, burguês, urbano, cristão, heteronormativo, machista, científico etc.), também

fazer ciência não só não é para todos, como está acessível para poucos (a não ser, claro, na

condição de destinatário ou “público alvo” desta). Salvo exceções que só confirmam o viés

classista e cultural dominante, também nisto estamos juntos, uma vez que não somos, na sua

ampla maioria e a despeito de todas as iniciativas de inclusão e políticas afirmativas, uma índia

13 Uma fala/associação recorrente entre especialistas é a de que, em se tratando de populações locais e UCs,

cientistas sociais estariam "do lado" das primeiras (ou "contra" as segundas) e cientistas naturais "do lado" das

segundas (ou "contra" as primeiras). Contudo, tal generalização encobre um número não desprezível de

especialistas de ambas as áreas que ou não aceitam tal rótulo ou mesmo tem posicionamento contrário a este

senso comum. Apenas à título de exemplo, reproduzo trecho do depoimento de um cientista político que

entrevistei e que admitiu: “minha fama é que sou um preservacionista puro (...). Não sou apenas contra presença

de pessoas dentro dos parques, sou mais radical do que aqueles que acham que não deve entrar gente ou ter gente

onde é criada a reserva [...]. Poderia me pronunciar cruamente nos seguintes termos: onde vai ter preservação

ambiental não pode ter gente, seja pobre, tradicional, índio ou rico. E mais, se é terra pública e se for pra

preservar, a melhor regra é não ter gente lá dentro, pois se entrar pobre supostamente capaz de conviver „em

harmonia‟ com a natureza, entra rico devastador”. [...] meu problema maior é que acho que qualquer atividade

humana altera a natureza, desde a agricultura do caboclo até o grande produtor de soja. A diferença é só uma

questão de grau. O fogo que o caboclo passa nos dois hectares dele modifica a natureza tal como o fogo que

canavieiro passa na plantação dele de cinco mil hectares. A própria introdução de plantas e animas que não são

da flora ou fauna regional é prejudicial, tanto se for feita por um caboclo como se for um produtor de soja”. 14 Para outros exemplos de falas nessa direção e que incluem botânicos, ecólogos, agrônomos e mesmo

engenheiros florestais, ver GERHARDT, 2008, especialmente capítulo seis.

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Cinta-Larga, uma quebradeira de coco, um jovem pescador caiçara ou um ribeirinho já ancião

vivendo na Amazônia.

Armadilhas da autoridade etnográfica e do presente etnográfico

Para deixar claro este aspecto, creio que cabe um paralelo com a discussão feita por Said

(1990, p.33) sobre a invenção do Oriente pelo Ocidente como seu Outro ao lembrar que “o

valor, a eficácia, a força e a aparente veracidade de uma declaração escrita [por alguém da

Europa ocidental] sobre o Oriente baseiam-se muito pouco no próprio Oriente” (1990, p.33).

Ora, substitua-se europeu pela figura do acadêmico e troque-se oriente por sertanejo, caboclo,

cipozeiro, população local ou residente, e vê-se que o efeito não difere tanto como se poderia

pensar. Assim como o “veterano parlamentar, ex-secretário privado de lorde Salisbury, ex-

primeiro secretário para a Irlanda e ex-primeiro-ministro” inglês Arthur James Baulfor “tinha

perfeita consciência de quanto direito tinha de falar, como membro do parlamento de seu país,

em nome da Inglaterra, do Ocidente, da civilização ocidental, sobre o Egito moderno” e sobre o

quanto “é uma coisa boa para essa grande nação” que ela continue sendo “governada por nós

[...] do Ocidente civilizado" (op cit., p.45), um cientista com título de mestre, doutorado e já

pós-doutor que a décadas estuda a relação entre biodiversidade e povos e comunidades

tradicionais, pesquisador “1A” no CNPq, professor titular de uma universidade federal como a

USP ou UFRJ, coordenador/líder de grupos reconhecidos por sua excelência em pesquisa,

membro ou ex-presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) ou então da

Associação Brasileira de Ecólogos (ABE) sabe bem o quanto está autorizado a falar sobre o

tema. E se há lordes ingleses (no início do século XX) e cientistas (no início do século XXI)

menos graduados falando sobre egípcios e índios, não significa que não continuem a

desempenhar papel semelhante, ainda que talvez com menos força persuasiva e poder de gerar

efeitos de verdade.

Por sinal, não deixa de ser ilustrativo que, enquanto a página eletrônica da Associação

Brasileira de Ecólogos abra com a frase “ABE! Em defesa do Meio Ambiente e dos Ecólogos

do Brasil”15

, sua co-irmã apresente, em seu código de ética, os itens “direitos dos antropólogos

e antropólogas”” e “direitos das populações que são objeto de pesquisa”16

. Sobretudo quando o

debate se torna acirrado e ácido, com acusações de parte a parte, não poucas vezes deixamos a

mostra nossa pretensão (que beira e por vezes alcança a arrogância) de pretender conhecer

15 Ver ABE. Associação Brasileira de Ecólogos. Disponível em: http://ecologosabe.blogspot.com.br/. Acesso:

10 dez., 2015. 16 Ver ABA. Associação Brasileira de Antropologia. Disponível em:

http://www.portal.abant.org.br/index.php/institucional/codigo-de-etica. Acesso: 10 dez., 2015.

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pessoas, etnias e grupos sociais melhor do que eles próprios se conhecem, esquecendo com isso

uma obviedade tão bem lembrada por Carlos Porto Gonçalves: se “o fato de nós vivermos de

falar do que os outros sabem dá a impressão de que a gente sabe [...], não nos esqueçamos de

que o pescador que não sabe falar [na linguagem científica] sobre a pesca, sabe pescar, porque o

ato de pescar pressupõe o saber pescar. Nós é que confundimos o saber com o saber falar [...].

Eu, por exemplo, sou capaz de fazer uma tese sobre pesca e não saber pescar” (apud

MONTEIRO, 2002, p.iii). E se podemos nos defender alegando se estar diante de um campo de

batalha específico (pois se trata de fazer ciência, a qual não existiria sem a discórdia), o que leva

a uma avaliação tática de que é preciso marcar posição neste mesmo campo, tal justificativa não

elimina o fato de que tais pessoas, etnias e grupos foram por mim e meus interlocutores (e como

o são em diversas outras situações) colocadas sem o saber num tribunal do qual nem ao menos

puderam participar como ouvintes.

Neste momento muitos antropólogos irão contestar a afirmação de que, parafraseando o

trecho citado de Said, “o valor, eficácia, força e aparente veracidade de uma declaração” de

um pesquisador sobre as pessoas que ele estuda “baseiam-se muito pouco no próprio grupo”,

reivindicando para tanto sua autoridade etnográfica que, ao ser traduzida para a forma escrita,

como diria James Clifford (2014), “encena uma estratégia específica de autoridade [que] tem

classicamente envolvido uma afirmação, não questionada, no sentido de aparecer como a

provedora da verdade do texto”. Afinal, é verdade que antropólogos têm o peculiar costume

(seja enquanto conduta ética, prática metodológica, opção política, motivação afetiva,

experiência existencial) de procurar meios de estar e viver junto com seringueiros, índios ou

quilombolas, sendo desta experiência e do intenso envolvimento intersubjetivo que produzem

suas pesquisas. Como afirmava Peirano (1985, p.249) ainda nos anos 1980: “como todo

antropólogo sabe, [...] à empatia que manifesta em relação ao „seu‟ grupo, „sua‟ tribo, „sua‟

comunidade, [...] além de assegurar a autoridade e o direito como intérprete dentro do meio

acadêmico, reflete também o resultado da relação existencial freqüentemente profunda e

marcante que se desenvolve durante a pesquisa de campo”.

Ok. Porém, veja-se que neste caso permanece o fato de que foi construída, ainda que de

modo negociado com o Outro, uma competência (resultado, sim, de um longo processo de

observação e trocas recíprocas que por vezes leva a algum tipo de “conversão”, como lembra

Goldman, 2006a, p.31) para falar sobre o que e quem seria este Outro em espaços onde ele

não mais estará presente. Afinal, voltando à epígrafe que abre o presente artigo, embora

Prichard tenha tergiversado ao responder a pergunta de Cuol sobre o porquê dele querer saber

o “nome” de sua linhagem (“o que vai fazer com ele se eu disser? Vai levá-lo para seu

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país?”), sabe-se o quanto seu interlocutor Nuer tinha razão quanto à desconfiança sobre o que

o antropólogo faria com sua linhagem (e não só ela) ao deixar o convívio com sua tribo. Se,

no dizer de Said (1990, p.43), produzir um “saber significa erguer-se acima do imediato, ir além

de si mesmo, para o estranho e o distante”, por outro lado, ao de lá voltar, ter “tal conhecimento

de uma coisa como essa é dominá-la, ter autoridade sobre ela”. Disto costuma resultar no cientista

(pertença ele ao gueto disciplinar que for) uma espécie de desejo compulsivo que o alimenta e se

renova através de seu próprio trabalho: visto que “o conhecimento confere poder [de descrever,

interpretar, traduzir e dizer sobre essa „coisa‟, „fato‟, „tribo‟, „grupo‟, „comunidade‟], mais poder

requer mais conhecimento, e assim por diante, em uma dialética crescente de informação e

controle” (op cit. p.46).

E aqui, embora a autora se refira ao estatuto conferido pelo autor ao termo “religião” e não a

um grupo social específico, creio que vale a pergunta de Patrícia Birman (2002, p.251 e p.254) ao

comentar o trabalho de Vagner Gonçalves da Silva (2006) (por sinal, outro antropólogo que

buscou produzir um “efeito” a partir do “encontro com seus colegas e pesquisados”): “o que é,

contudo, este conhecimento, sobre o qual todos os interlocutores desse livro se debruçam?". Ora,

se aceitarmos, como sugere Machado (2011, p.43-44), a “premissa cultural de que o

conhecimento é uma espécie de autoconhecimento”, ao saber da existência do outro e a partir daí

pretender conhecê-lo, o conhecemos, conforme alerta Said, “como o conhecemos”, ou seja, como

ele aparece para nós. Assim como diz uma conhecida afirmação de Franz Fanon - “aquilo que se

chama alma negra é frequentemente uma construção do branco” (2009, .p.30) -, aquilo que

chamamos Yanomami, geraizeiro ou população residente é em grande medida uma construção

(mesmo que fruto de um encontro marcado pela reciprocidade e compromissos mútuos) do

próprio pesquisador que decidiu estudá-los.

Repare-se que não se está muito longe de uma discussão central na ecologia e na

biologia da conservação, relativa à identificação de áreas com alta concentração de espécies

endêmicas. Segundo a engenheira florestal Nurit Bensusan (2001, p.166), “grande parte dos

centros de endemismo de plantas na Amazônia não passariam de artefatos de amostragem,

onde se acredita que haja mais espécies é porque houve maior esforço de coleta”, podendo

“certas espécies consideradas raras ter seu status revisto quando da realização de novos

estudos”17

. Ora, se os tais hot spots estão onde há maior concentração de ecólogos estudando

centros de endemismo e espécies ameaçadas ou carismáticas, povos e comunidades

17 O que de fato se verifica, como se pode ver na própria “Estratégia e Plano de Ação Nacionais para a

Biodiversidade (EPANB)”, lançado em 2004 e cujo esforço para identificar “900 áreas mais relevantes para a

biodiversidade em todo o país” foi “revisado e atualizado em 2007”. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE.

Quarto relatório nacional para a convenção sobre diversidade biológica. Brasília: MMA, 2011, p.86.

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tradicionais estão onde há maior concentração de antropólogos pesquisando indígenas,

quilombolas e ribeirinhos. Assim, se aqueles buscam saber quem são e como vivem estes

últimos, eles estarão onde e serão o que antropólogos deles dizem e conhecem (embora não

só); afinal, se, como lembra Cleusa Aquino (1980. p.3), “é necessário participar de um eu

[outro] a fim de conhecê-lo”, este eu outro conhecido volta para e é construído em mim.

A diferença básica é que, entre o antropólogo e o grupo que estuda, também o contrário

ocorre, pois, se onças e tartarugas não têm como ir atrás do ecólogo em seu laboratório ou

gabinete universitário para que saiba de sua existência e desde aí busque “conhecê-las” (e,

conforme for, defendê-las ou falar e em seu nome), o mesmo não ocorre com os Yanomami,

geraizerios e populações residentes, que se dirigem ao mundo do antropólogo não só para que

o veja e conheça, mas para que eles próprios saibam quem é este ser que veste a roupa e está

por dentro desta entidade chamada antropólogo e até onde seria possível ou desejável ter

algum tipo de vínculo com ela. Portanto, mesmo enjaulados no sistema compreensivo operado

no campo da antropologia, tanto pressupostos antropológicos sobre Yanomami, geraizerios e

populações residentes como sua “extensão” estão, de saída, sujeitos a serem revistos,

atualizados ou negados conforme se produz este “saber” (cuja difusão, como o binômio hot

spots e ecólogos, está diretamente relacionada à quantidade de antropólogos enredados na sua

produção).

E aqui, embora este saber possa ser afirmado com forte protagonismo do grupo, tribo,

comunidade, os quais criam, para usar a feliz distinção de Carneiro da Cunha (2009), suas

próprias “aspas” culturais, há outro aspecto problemático por trás da opção de procurar meus

próprios pares para saber o que pensam de outrem. Trata-se da desconsideração dos possíveis

efeitos e armadilhas do chamado “presente etnográfico”, ou seja, da dificuldade que sobrevém

ao se estudar grupos humanos não só como eram no passado, mas no presente, quando “o

objeto estava ali, a nos esperar” (SÁEZ, 2011, p.602), sabendo que o presente ao final da

pesquisa já será passado. Não sendo “fatos”, como por vezes o texto acadêmico deixa

transparecer, mas pessoas que vivem ou viveram e ficaram na lembrança dos demais, vínculos

intra-grupo e arranjos inter-grupos resultam de interações dinâmicas relativamente abertas e

em constante negociação, marcando com isso as condições em que são geradas alteridades e

fronteiras identitárias.

A despeito deste movimento de despresentificação (que Deleuze e Guattari, 1997

chamariam “devir”), ao obter a autoridade etnográfica de quem “viveu lá com eles”, o

antropólogo recebe, ou melhor, conquista o direito entre seus pares de dizer “sobre eles” sem,

contudo, continuar necessariamente em contato direto com a vida cotidiana (o novo presente

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etnográfico) que segue após “deixar de lá viver”. Afinal, diria Bourdieu, é este rito

etnográfico por excelência enquanto “ato de magia social capaz de criar a diferença” que

sanciona e institui, perante a comunidade antropológica, não só uma "passagem de natureza”

e de "função", mas uma marca, uma “investidura”: agora “este antropólogo é antropólogo”,

com poder de “agir sobre o real ao agir sobre a representação do real” (BOURDIEU, 1998b,

p.99-100). De todo modo, não irei aqui discutir as implicações deste relativo afastamento,

provisório ou permanente, entre nativos e antropólogo. O que quero ressaltar é que, ao citar

trechos curtos do que disseram e escreveram meus interlocutores e outros especialistas sobre

povos, comunidades tradicionais e populações residentes, o texto resultante contribui para sua

folclorização e exotização estigmatizada (não importando se positiva ou negativa). O que vale

sobretudo para as entrevistas, quando, como me alertou outra antropóloga ao entrevistá-la, o

dizíamos era fruto de uma "situação muito momentânea” em que o que se “fala não é maduro

o suficiente”.

Tal aspecto adquire maior importância no caso da segunda parte de minha tese de

doutorado (GERHARDT, 2008), a que chamei Fragmentos do universo intersubjetivo nativo e

que vale retomar como objeto de reflexão. Sobre seu conteúdo, creio ser possível estender uma

crítica semelhante a de Peirano em relação ao texto de Waiting, de Capranzano (1985). Por um

lado, e diferentemente deste último, minha presença como “ator etnográfico” surge a todo

momento, pois neste caso não abri mão da “interlocução” e de explicitar o “contexto” em que

ela se dava. A começar que, ao contrário de Waiting, do início ao fim as “perguntas geradoras

dos depoimentos aparecem claramente no texto” (MIRANDA; COLLAÇO; WADA, s/d).

Contudo, além destes também terem sido simplesmente “agrupados por temas (correspondendo

a cada capítulo) [...] e intercalados apenas por subtítulos”, como Capranzano optei nesta parte

por “desaparecer como sujeito teórico" (PEIRANO, 1985, p.257). Intenção que admito desde o

início ao comentar que, “ao contrário da primeira parte da tese [...], não me interessei tanto pelo

conteúdo dos depoimentos, mas pela diversidade singular destes que, quando justapostos, por

contraste mostram a multiplicidade das experiências vividas”. E se em Waiting foram os sul-

africanos que dirigiram a discussão (e a investigação ) sobre temas como “valores sociais” e

“ideologia” (op cit., p.261), no meu caso, para “conservar o protagonismo dos entrevistados”,

evitando “fazer qualquer tipo de „análise de conteúdo‟, [...] dispus os depoimentos como se os

próprios autores estivessem se auto-analisando e interpretando suas respectivas trajetórias”,

dando ao texto a “forma de uma narrativa em que meu papel foi menos o de analista e mais o de

montador e editor” (GERHARDT, 2008, respectivamente, p.276, p.281 e p.278).

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Como resultado, nos dois casos, isto é, nos 14 capítulos de Waiting e nos 21 tópicos

contidos em Fragmentos do universo intersubjetivo nativo, “a tensão entre o papel do

antropólogo-relativizador e do intelectual-ético resultou em uma paralisia do observador”

(PEIRANO, 1985, p.260). Condição que se aproxima da crítica de Birman (2002 ,p.255) à

opção de Gonçalves da Silva por adotar “modelos de investigação mais respeitosos do saber

nativo” (e que tem, como no meu caso, relação direta com sua proximidade em relação ao

grupo estudado) que impliquem ou levem à adoção de uma “operação metodológica que não

afeta a natureza do conhecimento produzido”. Junte-se ambas as características (de

proximidade e por vezes cumplicidade profissional com o público envolvido e de suspensão

analítica do autor) à afirmação de que me esforcei em “conservar o protagonismo dos

entrevistados” quando de suas “interpretações”, aceitando suas próprias categorias sociais e

assim caindo “na armadilha da auto-descrição dos mesmos” (MIRANDA; COLLAÇO;

WADA, s/d); e contraponha-se ambas (características e afirmação) ao status (ausente) dado

no texto a quem estes especialistas passaram a “analisar”, somado ao fato de se tratar de

“declarações” (voltando a termo usado por Spivak e Said) fruto de uma situação

“momentânea” em que o que se “fala não é maduro o suficiente”, tem-se como resultado a

produção do silenciamento, o fortalecimento de estigmas e o reforço à subalternidade do

outro.

Representação do outro e seus duplo-sentidos: falar "por", "em nome", "sobre" e

"com"

Em síntese, toda discussão até aqui remete a constatação de Deleuze sobre “algo

fundamental: a indignidade de falar pelos outros” (FOUCAULT e DELEUZE; 2013, p.133) e

que leva à indicação de Sandra Almeida (1999, p.14) sobre a necessidade de questionar “o

lugar incômodo e a cumplicidade intelectual que julga poder falar pelo outro e, por meio dele,

construir um discurso de resistência”. Ao que outra vez imagino na ponta da língua, ou

melhor, do pensamento de algum cientista social algo do tipo: “alto lá, não se trata de falar

pelos, mas de falar sobre‟” (ou “a respeito”), diria o sociólogo; ao que o antropólogo

acrescentaria: “depois de ou enquanto se fala com”.

De fato, como mostro em Gerhardt18

(2016a), diferentemente de ecólogos, biólogos da

conservação, agrônomos e engenheiros florestais, muitos dos quais têm a pretensão de “dar

voz” a ecossistemas, biomas e espécies, há uma recusa sistemática por parte da maioria dos

cientistas sociais em aceitar que estariam “falando por” ou “em nome de” quem desejam

18 Ver especialmente os tópicos Alguns falam “sobre”, outros "com" e outros ainda falam “por”, mas todos

falam e Sobre "falar em nome de", humanizar bichos e animalizar gente.

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19

observar ou quem quer que seja. Porém, ainda que sociólogos e antropólogos recusem tal

status, como diversas vezes fica explícito em textos de especialistas vindos das ciências

naturais e disciplinas aplicadas a elas associadas19

, muitas vezes cientistas sociais aparecem

não só como defensores, mas como porta-vozes de povos e comunidades tradicionais.

Ora, a despeito do entendimento ser verdade ou não ou se quem está sendo visto deste

modo concorda ou não, tal como a operacionalização da noção de raça e diversas outras

categorias sociais, se assim é, ou seja, se no mundo vivido um grupo representativo de

pessoas percebe e age dessa forma, tem-se aí um fato social que precisa ser levado em conta e

analisado como tal. Até porque, sendo eficaz, produz consequências, altera ou direciona

condutas e repercute como se em certas situações cientistas sociais “defendessem” ou

“falassem por” tais povos e comunidades. E aqui entra em ação uma sutil diferença entre

“falar de” e “em nome de” que me faz retomar a discussão de Spivak sobre o duplo

significado dos termos “representar” e “representação”, a saber: como quem interpreta o outro

e quem age como seu preposto através de algum tipo de procuração ou auto-delegação.

Sentidos que ao final aproximam as expressões “por/pelo”, “sobre/de” e, em menor medida,

“com”, as quais vinculadas ao verbo falar transitam por entre quatro outros verbos: traduzir,

inventar, contracenar e dialogar.

Para desdobrar este ponto, no entanto, partamos primeiro de um pergunta concreta. Seja

no sentido de estar com a razão, seja quanto ao grau de conhecimento sobre, seja em termos

de eficiência performática, seja em relação à autoridade instituída para falar, quem estaria

mais apto a discutir a relação entre índios Guarani e Mata Atlântica: uma índia anciã Guarani,

xamã respeitada em sua tribo por seu saber sobre a mata, ou um antropólogo ou biólogo com

décadas de pesquisa sobre o tema? A despeito da resposta a pergunta (darei uma adiante),

note-se que, e aí cientistas sociais estão totalmente de acordo, não se trata de falar

diretamente, como porta-voz, pelos Guarani, mas de descrever/analisar, entre tantas e tantas

outras questões: como a relação com o meio em que vivem interfere na sua organização social

e vice-versa; quais seus sistemas de classificação e o que fazem na e com a mata; o que esta e

os seres ancestrais e espirituais que lá vivem ou circulam significa enquanto parte da

construção cosmológica Guarani; em que momento e situações entram em cena costumes,

rituais e mitos de origem como meio de interdição para a caça, uso de vegetais, tipo de

alimentação ou passagem por locais sagrados; como seus sistemas de parentesco e casamento

vinculam-se ao trabalho nas e à distribuição das roças, bem como ao manejo e às espécies e

19 Ver, por exemplo, Milano, 2001 e 2000; Dourojeanni, 2001; Dourojeanni e Jorge-Pádua, 2001; Olmos et al.,

2001.

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variedades cultivadas no entorno da Tekoá (aldeia); de que modo o contato com e a produção

de relações intersubjetivas com os “nhande ka‟aruju” (“não guarani branco” na língua

Guarani), incluindo aí adoção de práticas e aquisição de artefatos diversos, interfere na sua

relação com as plantas, rios, animais etc. e etc.

Tanto os temas como a forma de construí-los são praticamente infinitos, visto que

ligados não só à área de interesse, mas à motivação e capacidade criativa do próprio

pesquisador. Mas ainda assim, em se tratando de fazer etnografia, tal saber precisará ser

construído pelo etnógrafo junto com os Guarani ou outro grupo social, pois, voltando ao

comentário de Aquino, ainda que não seja plenamente possível, o primeiro precisa ao menos

ir na direção deste outro “eu a fim de conhecê-lo”. Além disso, não só um antropólogo,

etnobiólogo ou etnohistoriador, mas a própria índia Pataxó precisa, ela mesma, falar sobre sua

tribo e seus parentes, ou seja, precisa representá-los no sentido de dizer o que eles (e ela) são,

ainda que aí com muito mais legitimidade para também se fazer ouvir em nome deles como

seu representante. Contudo, o que importa distinguir aqui é que há diferença entre: pertencer

ao grupo de quem se fala; se auto-conferir uma procuração para falar por alguém; se arrogar o

direito (consciente ou não) de saber quem é, como age e pensa o outro (mesmo admitindo que

de modo incompleto ou imperfeito); tentar se colocar no lugar de outrem para entender seu

ponto de vista; e simplesmente fazer um desenho, pintar um quadro, escolher um ângulo para

um retrato, enfim, ensaiar uma possibilidade de observar, descrever e atuar (de forma

engajada, mas ainda assim particular) ao contracenar com este mesmo

grupo/alguém/outro/outrem.

Não irei aprofundar a discussão sobre o amplo tema da representação, seja vista como

reprodução, imitação, invenção, interpretação, simulacro da realidade ou no sentido de atuar

como alguém ou algum grupo20

; o mesmo vale para o debate acerca do caráter ficcional e

construído (PEIRANO, 1985, p.254)- que estaria por trás de qualquer etnografia21

. Para o

presente caso, ou seja, referente ao desdobramento ético-político por trás da escolha do

público com quem resolvi interagir, basta pensar no ato de representar como um tipo de

narrativa/postura que estabelece alguma conexão coerente (que não se confunde com a ideia

de “verdade”, mas como contextualmente convincente) entre o que se quer dizer sobre um

grupo de pessoas e a própria experiência de estar junto com elas. Plausibilidade gerada a

partir da criação de vínculos associativos de diversas ordens entre quem se propôs a ir ao

encontro do outro e quem aceita, de alguma forma, recebê-lo, podendo ser alcançada sob a

20 Além do próprio SPIVAK, 1999 e CLIFFORD, 2014, ver MACHADO, 2011, e FOUCAULT, Michel. Os

limites da representação. In.: As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1999b. 21 Sobre esta discussão, ver também GEERTZ, 2008. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

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pretensão de: deixar evidente - ou, como na Grécia helênica, “fazer ver o invisível”

(MACHADO, 2011, p.172) o que estaria escondido em algum local não facilmente acessível

ao pensamento; traduzir o que não se compreende pondo o que é real “diante dos olhos” (op

cit.,p.167), ainda que de modo distorcido; fazer o exercício de “se colocar no lugar” (mesmo

sabendo ser este uma simulação ou metonímia mal feita) para com isso produzir uma

narrativa sobre a realidade vivida; por fim, criar oportunidades e se dirigir a situações que

permitam viver “a relatividade de um dado contexto” (WAGNER, 2010 p. 101) não para

ocupá-lo como seu porta-voz ou tradutor, metamorfoseando-se ou substituindo quem nele

atua como sujeito, mas seguindo a perspectiva brechtiana (MACHADO, 2011, p.170) de

confrontar-se com ambos (contexto e sujeito) a partir de um posicionamento político explícito

sobre o que se diz sobre um certo alguém.

No caso desta última - que de fato se aproxima do “sentido mais relativista de gerar uma

interpretação a partir de um ponto de vista específico” (BIRMAN, 2002, p.254), não só a

etnografia e o exercício de abertura para o outro que ela implica, mas o próprio ofício de

pesquisador “passa a ser visto como tarefa experimental e ética” cuja performance (e não mais

só a representação) se realiza “como evento não repetível” (PEIRANO, 1985, p.254). Além de

diminuir implicações relativas à questão do presente etnográfico, tende-se a ir além da

interpretação, tratando-se de uma criação feita com “relativa independência das várias fontes

de enunciação [...] que se deslocam e se confrontam” (MACHADO, 2011, p.172). Porém,

ainda assim não há como fugir ao fato de que, seja como performance, tradução, invenção ou

simulacro, por mais breve que seja, em algum momento o diálogo com o outro precisará

cessar por algum tempo.

Tal como fez Prichard ao voltar para a Inglaterra, haverá o momento de se dirigir

(mesmo que transformado ou convertido) ao protegido território de onde se havia partido,

seja ele restrito ao espaço ocupado pela escrivaninha, biblioteca e computador (onde recluso

o antropólogo guarda seus segredos e feitiços e que alimentam sua “crença na eficácia de

suas técnicas”; LÉVI-STRAUSS, 1996, p.182), seja vinculado à comunidade perita em que

se está inserido (da qual o mesmo busca alcançar “confiança da opinião coletiva” que forma

“continuamente uma espécie de campo de gravitação no interior do qual se situam as

relações entre o feiticeiro e aqueles que ele enfeitiça”; op cit.22

). Afinal, na relação entre

22 Em tempo: as duas citações acima de Lévi-Strauss se referem ao trecho em que apresenta os três aspectos que

conferem eficácia à magia: a tripla crença do próprio feiticeiro, do enfeitiçado e do grupo social onde ambos

estão inseridos. Não avançarei neste ponto, porém, um instigante tema de pesquisa seria explorar a proximidade

com que, no que tange a segunda crença (a quem se dirige o encantamento), sua produção se aproxima do

discurso neocolonial, sobretudo efeitos psicológicos no colonizado tal como descritos por Fanon (2009).

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nativos e antropólogo pode haver um namoro ideológico, uma parceria engajada, uma

cumplicidade afetiva, um compromisso político e até mesmo (como é caso) uma identidade

profissional e de classe, mas nunca uma unidade, uma indiferença. Ainda que a distância se

mantenha no nível discursivo ou epistemológico de uma distinção ligada ao status de cada

um, em todas as opções descritas trata-se de produzir cenários e mecanismos narrativos

(como o são a situação de entrevista e os nexos retirados de textos acadêmicos e eventos

que facilitem a disponibilidade para ou levem a um estado de afetamento) que culminam na

produção da exterioridade em relação àquele de quem se fala, sendo que neste caso o

“principal produto desta exterioridade é, claro, a representação" (SAID, 1990, p.33)

Ora, se assim for, tendo em vista a autoridade pré-estabelecida daqueles que no meu

caso são o motivo para tal esforço figurativo, performativo, interpretativo e existencial, o que

acontece quando o próprio autor se exime de declarar acerca da declaração de seus

interlocutores sobre um personagem já por demais genérico e estigmatizado colocado na

posição de ausente? Qual as implicações de conferir (como também o fez Vagner Gonçalves)

“lugar importante no seu trabalho para os depoimentos de seus colegas” com intuito de

discutir "questões que os têm envolvido nas múltiplas situações de pesquisa” (BIRMAN,

2002, p.253) e que, no caso, dizem respeito à relação de diversos grupos sociais com a

política de criação/gestão de áreas protegidas? Novamente, tal como conclui Albert Memmi

(1967) para a condição dos povos africanos frente ao ocidente após a independência das

colônias naquele continente, permanece “o retrato do colonizado precedido pelo retrato do

colonizador” a ilustrar a atualização de mecanismos de dominação.

Tanto o que extraí e reproduzi da literatura especializada, o que dissemos em nossos

encontros eu e meus colegas antropólogos, biólogos, agrônomos, sociólogos, ecólogos,

botânicos, zoologos, engenheiros florestais, cientistas políticos, historiadores, oceanógrafos,

geógrafos, biólogos da conservação e outros profissionais da ciência, como o que, após deixá-

los e voltar para casa, escrevi sobre tais experiências, em todas estas situações continua a se

tratar de declarações sobre um sujeito silenciado nos três sentidos da proposição: de falar “a

respeito” de alguém, de passar “por cima” ou “pelo alto” de sua existência e de mover-se “na

superfície” do conhecimento a seu respeito. Diferentemente da “primeira lógica operante”

entre gregos no século V, para os quais, como descreve Machado (2011, p.172-173), havia

“objetos de valor simbólico que não necessariamente figuram, mas que são sagrados porque

[...] contêm a divindade”, neste caso o objeto (o conhecimento sobre o outro) não “contém o

que quer representar”, a não ser como espelho vazio preenchido pela imagem/palavra perito-

centrada.

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Obviamente, a questão exposta não seria resolvida ou seus desdobramentos seriam

menores se também tivesse procurado quem se vê incluído em categorias abrangentes como

população local, residente, do entorno ou faz uso do termo comunidade tradicional visando

garantir e ampliar direitos, pois aí seriam outras as complicações metodológicas, éticas e

políticas a serem enfrentadas. Talvez se tivesse procedido como Gonçalves da Silva, em cujo

trabalho “os depoimentos se misturam, se entrelaçam sem que sejam ordenados segundo uma

clivagem que separe com rigor excessivo os homens da ciência daqueles da religião”

(BIRMAN, 2002, p.253), buscando no meu caso “entrelaçar” falas de cientistas com o que

têm a dizer caiçaras, ribeirinhos e índios Pataxó sobre políticas envolvendo áreas protegidas e

sobre como veem o que falam os primeiros sobre eles e vice-versa! Seguramente, a

intensidade do efeito silenciador seria menor.

Contudo, ainda assim persistiria a indagação de Birman (2002.p.254): “como é possível

colocar estes conhecimentos em relação? Como seus autores, a partir de interesses distintos,

obedecendo a princípios cognitivos e morais diversos, terminam por negociar suas diferenças

e estabelecer mecanismos de troca que redundam nisto que designamos como „etnografias‟?”.

Como lidar com o fato de que se estaria trabalhando, comparando-os ou não, com sistemas

compreensivos distintos cujo contexto de legitimação é qualitativamente diferente, tendo-se

ao final que juntá-los num formato ditado pelo discurso competente? Caráter problemático

este, de se lidar com a distância entre mundos distintos23

, que pode ser levado ao limite de um

cenário que inclua não só a esfera discursiva (elegendo-se os termos e a forma de discutir),

mas o horizonte cosmológico caiçara, ribeirinho e Pataxó do qual, salvo raras exceções, o

cientista ou simplesmente desconhece ou teve acesso parcial e temporário.

Quem sabe então se incluísse representantes de povos e comunidades tradicionais que

se tornaram, eles próprios, também pesquisadores, ou seja, que tiveram que aprender a estar e

transitar entre o universo social de onde vieram e foram socializados e o ambiente

acadêmico? Sem dúvida, a alternativa resultaria em maior visibilidade e legitimação de suas

falas, sendo que hoje a consideraria seriamente como possibilidade24

. Afinal, ao passarem “do

23 Pois de fato se está lidando com realidades distintas. Repare-se, por exemplo, que a estranheza de um Waiãpi

diante de um Kaingang em vários sentidos pode ser maior do que quando diante de um karai-ko, como os Waiãpi

chamam os brancos, visto lidarem com estes últimos a muito mais tempo do que conhecem ou sabem da

existência dos Kaingang. 24 Aqui lembro particularmente do seminário temático organizado nos anos 1990 e posteriormente publicado em

livro: Antropologia e seus espelhos: a etnografia vista pelos observados. Encontro que juntou personagens tão

diferentes em termos de trajetória, posição social e vínculos identitários como José Jorge de Carvalho, Paula

Monteiro, Elsje Lagrou e Peter Fry (então já professores de antropologia em suas respectivas universidades),

Ismael Giroto (ao mesmo tempo praticante do candomblé e doutorando em antropologia), Daniel Munduruku

(também mestrando em antropologia), Elisabete Aparecida Pinto (do grupo de ativismo negro Geledés), Sandra

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papel de „personagem‟ para o de leitor [...] os assim chamados objetos tradicionais da

pesquisa antropológica”, disto resultaria um acesso menos pré-fixado ao que se diz sobre eles

ao relativizar o efeito “que o discurso científico tem efetivamente sobre suas práticas sociais”

(BIRMAN, 2002, p.08). De todo modo, ainda assim permanece a questão da representação. A

começar que, enquanto especialistas nativos, encontram-se marcados e atravessados pela

dupla alteridade de quem, tal como o negro antilhano que, como diz Fanon (2008, p.35), vai e

volta da França para sua cidade natal “radicalmente transformado”. Com isto, também a este

personagem com dupla obrigação sobrevém o desafio de mediar, traduzir e interpretar o

mundo de onde veio para um público dele distante; sem falar que, no caso do ambiente

acadêmico, se o “recém chegado [seja ele antilhano na França ou Munduruku na USP] tem

rapidamente a palavra, é que sua palavra era esperada [...], o menor erro é percebido,

decantado e em menos de quarenta e oito horas toda a cidade de Fort-de-France fica sabendo”

(op cit., p.36; termo em itálico do próprio Fanon).

Poder e violência epistêmica: "desaprendizagens" e “instrumentos de combate”

Dito isso, retorno à pergunta em relação à capacidade de antropólogos, biólogos e

Guaranis se pronunciar sobre a convivência destes últimos com a floresta/mata onde vivem

recorrendo a um paralelo com Foucault em seu diálogo com Deleuze, quando dizia a este:

“quando os prisioneiros começaram a falar, viu-se que tinham uma teoria da prisão, da

penalidade, da justiça. Esse [...] contra-discurso expresso pelos prisioneiros ou por aqueles que

são chamados de delinquentes é que é o fundamental e não uma teoria sobre a delinquência”

(FOUCAULT e DELEUZE; 2013, p.133). De fato, ao menos desde O pensamento selvagem

(1989) (onde Lévi-Strauss mostra didaticamente como este não difere do pensamento científico

no que se refere à capacidade de interpretar e organizar a realidade a sua volta, bem como

construir uma visão estável e transformadora sobre a vida comunitária e tudo o que a cerca); a

pormenorizada descrição de James C. Scott (2002) de como podem ser criativas e politicamente

eficientes (embora fragmentadas) as diversas “formas cotidianas de resistência camponesa”; e a

contribuição de Edward Thompson ao conceito de “experiência histórica e cultural” (1981) e ao

papel por vezes “rebelde” dos costumes (em relação à hegemonia) como “campo para a

mudança e a disputa” (1998), desde então cientistas sociais em geral sabem que grupos sociais

que se veem tendo que responder a iniciativas de preservação ambiental constroem suas

próprias teorias e respostas sobre sua relação com o meio em que vivem e o que significam as

Epega (Ialorixá do Ilê Leuiwyato) e Ailton Krenak (na época uma jovem liderança do povo Krenak). Ver

GONÇALVES da SILVA, Vagner; REIS, Letícia Souza; SILVA, José Carlos. Antropologia e seus espelhos: a

etnografia vista pelos observados. São Paulo: USP , 1994.

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interdições a eles que impostas. O mesmo vale para sua avaliação sobre a atuação de cientistas,

técnicos, burocratas, gestores, guarda-parque, pessoal do “ibamba” 25

, ICM-Bio, demais órgãos

ambientais26

e outros “fóg kupri” com quem têm de interagir.

Ora, vale dizer que, do ponto de vista antropológico, é justamente esta dialógica e

permanente renovação teórica e prática envolvendo o exercício reflexivo e a

operacionalização de seu conteúdo, sempre sujeitos a adaptações e reavaliações, que emerge

como questão “fundamental”, e não eventuais teorias concebidas ad hoc e alhures sobre seu

fazer-viver. Ocorre que, mesmo admitindo que “intelectuais descobriram recentemente que as

massas não necessitam deles para saber; sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do

que eles e o dizem muito bem”, ainda assim continua a existir, conforme Foucault, “um

sistema de poder que barra, proíbe, invalida esse discurso e esse saber” (FOUCAULT e

DELEUZE; 2013, p.131). O que me leva, para finalizar, a algumas possibilidades de

encaminhamento inspiradas no “projeto de desaprendizagem” proposto por Spivak (1999,

p.118) em relação à conduta do intelectual que se imagina dizendo “a verdade àqueles que

ainda não a viam e em nome daqueles que não podiam dizê-la" (FOUCAULT e DELEUZE;

2013, p. 131). Começando pelo fato de que, se, dentro de sua esfera de atuação, ecólogos,

sociólogos, antropólogos, engenheiros e geógrafos têm todo direito de falar sobre a mata (o

mangue, o rio, o mar etc.) e sobre aqueles que com ela convivem, é preciso admitir, como

princípio primeiro e a despeito de competências e eficácias discursivas, que “quem vive seus

dramas é que sabe quais são suas aspirações, necessidades e métodos de luta” (PLÍNIO,

2015).

E já adicionando outro personagem à lista deste último, se é necessário ter em mente

que “homens não podem decidir sobre a militância de mulheres, ocidentais não entendem o

que significa ser palestino, brancos não podem ensinar aos negros o que é o racismo” (op cit.)

quando enfrentá-lo é basicamente seu cotidiano, também cientistas só chegam até a superfície

do entendimento de tudo (da dor ao prazer; do constrangimento ao contentamento) o que

implica ser e viver onde vivem: catadores de caranguejo no Delta do Parnaíba/PI (BRAGA,

2012), Cinta-Larga na Terra Indígena Roosevelt/RO (SILVA e FERREIRA NETO, 2013),

25 Não Kaingang branco na língua Kaingang. 26 Para exemplos em que tal designação é utilizada, ver: DIAS NETO, José Colaço. Quanto Custa Ser Pescador

Artesanal ou Quanto Custa uma Política Pública? In: 36º Encontro Anual da Anpocs. Águas de Lindóia/SP:

2012; MOTA, Leandro De Martino. Produção agrícola, meio ambiente e saúde em áreas rurais de Nova

Friburgo, RJ: conflitos e negociações. Tese (Doutorado). Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca. Rio

de Janeiro: 2009; CRUZ, Mariana. Gestão de recursos pesqueiros na Resex Mãe Grande de Curuçá: comunidade

de Arapiranga de Dentro. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Pará - Programa De Pós-Graduação

Em Geografia. Belém: 2013; D‟ANTONA, Álvaro de Oliveira. O lugar do Parque Nacional na lógica dos

Lençóis Maranhenses. In: XXII Reunião Brasileira de Antropologia. Brasília: 2000.

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coletoras de capim dourado no Jalapão/TO (MARINHO, 2015), quebradeiras de coco babaçu

da região de Imperatriz/MA (SANTOS, 2009), povo dos buracos na Serra das Araras/MG

(CARNEIRO, 2015), marisqueiros das ilhas na RESEX de Cassurubá/BA (NICOLAU, 2014),

quilombolas de Conceição das Crioulas/PE (WAGNER, 2007a), Paĩ -tavyterã (ou para o

branco, Guarani Kaiowa) na Terra Indígena Iguatemipeguá/MS (RABGEL, 2012), cipozeiros

em Guaruva/SC (WAGNER 2007b), sertanejos de fundos de pasto de Oliveira dos

Brejinhos/BA (CARVALHO, 2008), vaqueiros do mar em Bitupitá/CE (ARAÚJO, 2015),

samambaieiros no Morro Alto em Maquiné/RS (SEVERO et. al.), pantaneiros em

Joselândia/MT (WAGNER, 2007a) e toda “extensão” que a definição de Cunha e Almeida

(2004) permite incluir. Se, como argumenta Viveiros de Castro (2008, p.10), “a questão de

saber quem e o que é índio [não] pode ter uma resposta outra que aquela que é dada

praticamente pelos índios”, o mesmo deve ser dito para estes e tantos outros grupos sociais

que compartilham sua condição subordinada frente à sociedade mais ampla. Prerrogativa que

vale para sua relação com a floresta, laguna, mangue, vereda, campo, praia onde vivem,

circulam e deles fazem uso material, simbólico e espiritual27

.

Por outro lado, há a obrigação moral do pesquisador (seja ou não cientista social) de

notar em si mesmo e fazer ver no que dizem seus pares a violência epistêmica e a “eficácia

neutralizadora” da vontade do outro de que fala Edgardo Lander (2005, p.23) e que marca não

só qualquer forma dissimulada (intencional ou não) de discriminação douta, mas de

representação do outro nos sentidos descritos parágrafos atrás. Alerta que vale para quem

pretende - localmente, no plano político mais amplo ou numa controvérsia acadêmica - se

engajar e interceder positivamente na luta de quem se vê de algum modo atingido por

imperativos ambientais, pois muitas vezes por trás de sua atuação pode se esconder a

imposição do silenciamento disfarçada de solidariedade para com o dominado (sempre

envolta e perseguida pelo fantasma da vitimização estereotipada e infantilização benevolente)

e/ou de interesse analítico (mas cujo movimento subentende um desejo anterior referido ao e

fixado no Eu).

Em síntese, se trata de seguir uma simples, porém, repetida e convenientemente esquecida

recomendação foucaultiana: se colocar, quando agimos contra o exercício da opressão, “ao lado

de todos e não na vanguarda, para conduzi-los, nem na retaguarda, para esclarecê-los”

(FOUCAULT e DELEUZE; 2013, p.132). Condição esta (ao lado) que abre brecha para a

27 Lembrando que utilizo aqui o sentido genérico de grupo social, o que tem seus inconvenientes, visto que,

obviamente, além da relatividade das fronteiras que delimitam pertencimentos, sempre instáveis e negociados, há

ampla heterogeneidade social, diversidade de interesses, arranjos de poder, jogos de força, combinações e

articulações internos aos grupos citados e outros mais.

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atuação tanto politicamente ativa como afetivamente implicada, pois, mesmo estando vigilante

para escapar tanto da “culpa piedosa” como da “admiração hiperbólica” diante do estranho, do

distante, do exótico de que fala Spivak (1999, p.122), ainda assim, como bem notou Sandra

Almeida, “pode-se trabalhar „contra‟ a subalternidade” (ALEMIDA, 1999, p.16). O que pode se

dar, por exemplo, atuando junto a movimentos que visem construir e consolidar condições que

garantam ou ampliem o acesso do subalterno (ou, se preferir, marginal, excluído, dominado,

periférico, vulnerável) às instâncias mais amplas onde se dá o exercício do poder (aliás, caso do

meio acadêmico), mas também na explicitação e contestação imediata de condutas diárias e

procedimentos cotidianos pelos quais se reproduz diariamente a hostilidade direta, o

constrangimento ostensivo, a estigmatização pejorativa, o menosprezo tácito, a indiferença velada

que oprime e silencia e outras violências a que estas pessoas são alvo.

Neste caso, uma forma de trabalhar a possibilidade, mencionada por Peirano, “de dissolver

sua opacidade” (PEIRANO, 1985, p.257) pode se dar através da geração e disponibilização do

que Deleuze chama de “instrumentos de combate” (FOUCAULT e DELEUZE; 2013, p.132),

produção por sinal em que o saber perito muitas vezes se torna uma arma deveras eficaz, no caso,

contra a subalternidade28

. De fato, mesmo que se trate de falar sobre alguém para um público mais

genérico ou mais restrito sem que aquele de quem se fala esteja presente, ainda assim, como

indica Foucault (apud SPIVAK, 1999, p.79), “tornar visível o que não é visto pode significar

uma mudança de nível, dirigindo-se a uma camada de material que, até então, não tinha tido

pertinência alguma para a história e que não havia sido reconhecida como tendo qualquer valor

moral, estético ou histórico”, sendo que, quando há tal reconhecimento, isso se dá de modo

depreciativo ou criminalizador. E aqui concordo com a análise mais pragmática de que, a

depender do contexto, tal ação (de trabalhar contra a invisibilidade e a favor da visibilidade) se

faz eticamente imprescindível e politicamente necessária. Mas ainda assim é preciso estar ciente

de que por trás disso muitas vezes pode estar subentendido um “sujeito (externo) visibilizador”

de quem aparece como invisível, afinal, voltando ao comentário de Foucault, se trata de uma

“pertinência” cujo “valor” deve ser reconhecido por alguém, seja este uma coletividade ou um

indivíduo. Portanto, um tipo de armadilha em que o invisível surge como alguém que, por ter

dificuldades de se auto-visibilizar, precisaria por isso mesmo ser visibilizado29

(ou ajudado a).

28 Vide o extenso trabalho (e a literatura sobre) de produção de laudos, contra-laudos, documentos técnicos,

pareceres, contra-EIAs/Rimas etc. realizado por especialistas de diversas áreas. 29 Mesmo exercício pode ser feito com a ideia de “valorização” cultural, de saberes, práticas, modos de vida etc.

quando levada adiante por alguém externo ao mundo vivido por quem está sendo “valorizado” ou a quem é

atribuído “valor” sem que este esteja ciente ou interfira na mediação de que é alvo (sem contar que tal

valorização não poucas vezes acaba reapropriada de modo ambíguo pelo discurso oficial, como quando

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Ao que o leitor poderia então concluir: mas então aí novamente o pesquisador, enquanto

autoridade intelectual, acaba tendo não só que falar sobre o subalterno, mas na prática, visto que

ele permanece ausente, outra vez representá-lo diante de um público qualquer; o que nos faz

voltar à indagação de Spivak: “pode, de fato, o subalterno falar?”. Contudo, tal como no que foi

discutido sobre a ideia de representação, importa atentar para a diferença básica entre, por um

lado, pretender “dar visibilidade” a quem não tem e, por outro, colocar em pauta e questionar

as condições em que se dão a produção de tal invisibilidade, bem como sua especificidade e

contorno particular. Havendo toda uma economia por trás do silenciamento (e do desprezo, da

incompreensão, da estigmatização etc.), ou seja, uma estrutura mais ampla que garante seu

funcionamento e reprodução, descrevê-la criticamente ou mesmo deixá-la evidente e

indisfarçável (sobretudo se diante de quem a reproduz) pode resultar um instrumento de

combate muito eficiente.

Neste último caso citar um relato, a meu ver bastante didático, de um antropólogo com

quem conversei em que ele conta como procedeu durante um workshop organizado para

discutir metodologias usadas na definição de áreas prioritárias à conservação. Ao falar para

uma platéia composta apenas por especialistas, consultores técnicos, planejadores e quadros

de órgãos governamentais, este indagou:

por que estamos deflagrando o processo de revisão das áreas prioritárias e só temos aqui

brancos, em sua maioria homens, que falam um linguajar unicamente técnico, que só nós

entendemos e vamos deixar a participação para um segundo momento, quando tivermos um

acordo consensuado entre nós de que as áreas prioritárias pra conservação são essas? Por

que não estão aqui nesta plenária representantes das organizações do movimento social

popular? Acho que isso tem que ver com o modo como cada um de nós pensa o que é

produzir conhecimento e o que é o conhecimento relevante pra conservação da biodiversidade. Como nós valorizamos a formação universitária, de nível superior, pós-

graduados e especialistas e como colocamos todos os outros conhecimentos como algo

acessório, que entram num momento posterior e oportuno. Isso é de um extremo

preconceito.

O que este antropólogo fez ao perguntar, num contexto altamente restrito e ritualizado

como um workshop, de forma direta e sem rodeios, “por que não estão aqui?”, por que deixar

sua “participação para um segundo momento?”, por que colocar seus “conhecimentos como

algo acessório?”, não foi nada mais do que tornar clara a engrenagem excludente e de

“extremo preconceito” por trás da enunciação perita. Veja-se que aqui não se trata de dar

visibilidade, pois ela não surge como consequência da fala, ao contrário, está contida nela

própria, ou melhor, no próprio ato de falar. A visibilidade é aqui o que se diz (ela

prepostos do governo brasileiro enaltecem a diversidade cultural indígena como algo “do Brasil” ou que pertence

“ao país”).

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simplesmente acontece na ação) e não um produto do dizer que pode ser cedido, oferecido ou

transferido a alguém por outro alguém que o representa.

Sobre este ponto, Spivak, em Quem reivindica a alteridade, comenta que a “questão de

que apenas os membros da tribo indiana podem falar como membros da tribo indiana para

membros dessa mesma tribo tenta tornar invisível a mecânica da produção da enunciação”.

Porém, caso se procure “ver reivindicações pela subjetividade das histórias alternativas

acontecendo de um modo frequentemente não analisado”, com isso refazendo histórias como

“uma persistente crítica” - através, segundo a autora, de uma “pedagogia literária” -, quem

sabe seja possível “ao menos preparar outro espaço que torne visíveis as lacunas dos slogans

do iluminismo europeu [...] sem participar de sua destruição" (SPIVAK, 1994, P.204). O que,

já transpondo para o contexto por mim acessado, ajudaria a explicitar o vazio e vacuidade por

trás de certas legendas universalizantes, categorias redutoras e estereótipos estanques de

“brancos de formação universitária, pós-graduados e especialistas, em sua maioria homens,

que falam um linguajar unicamente técnico".

De fato, hoje refletindo sobre minha opção de ir atrás de especialistas para saber o que

pensam sobre o tema controverso das áreas protegidas e populações locais, vejo o quanto

custou ter aberto mão da possibilidade de tornar evidente, como prática estrutural, a

intolerância, o preconceito e o sectarismo que por vezes emergiu na fala de meus

interlocutores. Sobretudo quando, após finalizadas as entrevistas e de volta à minha

escrivaninha e computador, tive novamente à disposição aquela "vantagem sorrateira" de que

fala Viveiros de Castro (2002, p.117) e que todo pesquisador possui de poder dizer sobre o

outro (agora ausente) sem que ele pudesse interferir. Ainda que, como explicito em Gerhardt

(2008, 2016a e 2016b), tenha conduzido a pesquisa a partir de situações que levassem ao

“confronto etnográfico” (PEIRANO, 1985), mesmo contestando e dispondo o que me era dito

na forma de ponto e contraponto, de modo a relativizar comentários ostensivos e

desqualificadores, não deixei de colaborar para a construção de uma "realidade social que

acredito ser moralmente repreensível e que, de qualquer forma, não faz justiça à realidade

humana que ela se propõe representar” (CRAPANZANO, 1985 apud PEIRANO, 1985,

p.251).

Afinal, como me eximir do fato de não ter tirado proveito de toda minha vivência por

entre o saber perito e explorado antropologicamente o aviltamento do outro em frases como:

“quilombola, como comunidade tradicional, devia ser uma vergonha pra gente [...]”; de não

ter investido numa argumentação crítica que desmontasse a afirmação estereotipada e

disfarçada na forma de preocupação pelo outro de que “manter eles quilombola [...] é

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estúpido, é o que tem de pior pra mim, isso até me arrepia de falar, sabe! É condenatório, é

condenatório, é condenatório. É como nazista pegando judeu e fazendo experiência genética,

é tão ruim quanto; condenar essas pessoas a serem quilombolas e outras a serem caiçaras”

(GERHARDT, 2008, p.456)? Mas, enfim, como adverte Clifford, estando a etnografia “do

começo ao fim imersa na escrita”, a qual implica um tipo de transferência “da experiência

para a forma textual” (CLIFFORD, 2014, p.21), ao final é preciso enfrentar o que dela resulta

e que, na situação por mim criada, como adverte Spivak (1999, p.81) ao falar sobre o que “um

trabalho não diz”, refere-se à elaboração de “declarações executadas em um tipo de jornada ao

silêncio”.

Seja como for, mesmo não estando o artifício do silenciamento presente para mim até

boa parte do trabalho de campo, não podendo até aí notá-lo e racionalizá-lo como tal, disso

tomando-o como objeto de reflexão, ao indagar como contornar as implicações desta

constatação tardia a primeira coisa que me veio à mente foi compartilhá-la publicamente; até

para que, mais do que não se repetir, se possa pensar criticamente sobre ela. Ademais, se o

dilema ético relativo à escolha de pesquisadores como nativos persiste, e se explicitá-lo e me

somar à crítica a tal expediente não faz desaparecer sua repercussão futura, resta a expectativa

de que talvez “o esforço em apagar uma presença só [faça] confirmar esta presença”

(SPIVAK, 1999, p.30). Além disso, ter deixado claro o quanto o motivo, a notícia, o assunto,

enfim, o pretexto que levei para debater com meus interlocutores desperta uma vasta

pluralidade de interpretações divergentes, o não entendimento e o amplo desacordo mútuos

pode servir para fazer ver justamente a necessidade de se ter maior cautela quanto às certezas

que o discurso competente carrega.

O que me faz reforçar, a despeito de todos os riscos que isso implica, a indicação de

Vagner Gonçalves da Silva (2006, p.19) sobre a importância de ampliar não só o debate sobre

as “condições de produção do trabalho etnográfico”, mas “sobre formas „possíveis‟

(epistemológicas e éticas) de falar com os e/ou sobre os „nossos pares‟, sobretudo quando se

trabalha temas tão delicados cuja própria legitimidade está sendo construída nos fóruns

acadêmicos”. Empreendimento (de analisar este “trabalho” e suas "condições de produção") que

se torna ainda mais essencial e necessário no presente caso, visto que,além da atuação perita

interferir em ações de preservação e políticas voltadas a grupos afetados por estas mesmas

ações, tal legitimidade permanece sendo construída e por vezes explicitamente contestada

devido a alteridade disciplinar presente entre pesquisadores de áreas diferentes.

E aqui volto à questão prática: vendo-se num espaço de interlocução em que um conjunto

de pessoas com pouco poder de interferir e se fazer ouvir diante do discurso hegemônico não teve

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acesso, repleto de vozes competentes falando a seu respeito, julgando sua conduta ou, mais

violento ainda, ignorando sua existência ao discutir um assunto que lhe diz diretamente respeito, o

que fazer? Ora, considerando a posição social privilegiada do pesquisador e deste estar diante de

um campo minado repleto de armadilhas, não há como não correr o risco de sujar as mãos, pois se

comprometer implica caminhar por terrenos movediços e traiçoeiros onde a relação de

compromisso está sempre sujeita a ser colocada em xeque e, no limite, cortada ou desfeita. Afinal,

toda relação de confiança traz consigo o germe e ao mesmo tempo pressupõe a possibilidade

iminente da traição, seja ela executada de maneira involuntária, premeditada ou em alguma

medida já esperada.

Mesmo diante da dificuldade de investigar, “tanto como objeto de estudo quanto como

sujeitos que fazem o estudo” (MACHADO, 2011, p.172), a nós mesmos enquanto experts

situados numa situação privilegiada, é preciso enfrentá-la imaginando e experimentando

meios de como acessar a alteridade mínima sem contudo ferir e calar a alteridade radical

sendo ela subalterna. Em síntese, prevalece o desafio de como conciliar o duplo papel do

“intelectual-pensador” e “ator-político-pensador” (PEIRANO, 1985, p.250) (e, dependendo da

situação, ter a prudência de se perguntar se isso seria desejável) quando se pretende, como o

quis Crapanzano, “estudar não a relação de dominação, mas o „discurso da dominação‟” e a

própria “estrutura de dominação” (CAPRANZANO, 1985 apud PEIRANO, 1985, p.250) a

partir da perspectiva dos dominantes. O que significa seguir recomendação do próprio autor

quando alerta ser, segundo a leitura de Peirano, “preciso reconhecer nas investigações da

alteridade uma investigação „das nossas próprias possibilidades‟” (PEIRANO, 1985, p.250),

sobretudo quando a linguagem douta, acadêmica, perita deixa “de ser uma questão para ser

um problema” (CAPRANZANO, 1985 apud PEIRANO, 1985, p.250).

A despeito do recorte que se queira privilegiar, se grupos sociais culturalmente

diferenciados são ou não os mais indicados para “cuidar da natureza”, além do interesse geral,

seja qual for, e, obviamente, do contexto de violência a que muitas vezes estão submetidos e das

poucas oportunidades que tem para fazer valer seus anseios, demandas e preocupações (o que

vale para o acesso ao ambiente acadêmico e ao saber ali produzido), tendo em vista a enorme e

por vezes ontológica distância entre o modo como “pensam e como nós, pesquisadores,

pensamos” (MACHADO, 2011, p.172), é essencial não se esquivar do esforço de desconstruir a

autoridade perita e o lugar de poder de quem deles fala. No caso da competência não só do

antropólogo e do conhecimento antropológico, mas da ciência e de todo cientista que se engaja

neste tipo de trabalho coletivo tão característico do mundo ocidental contemporâneo, segue

necessária a intenção de questionar “sua validade tanto quanto sua legitimidade” (PEIRANO,

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1985, p.252), procurando para tanto chaves que permitam apontar limites, sutilizas,

ambivalências e ciladas por trás das condições de produção do conhecimento científico.

Já sobre a possibilidade “de conciliar a ideologia do meio intelectual” com a “oposição

política” a qualquer tipo de apartheid, em se tratando de grupos dominantes, tendo em vista sua

já ampla visibilidade, não vejo escapatória que não recusar qualquer concessão que implique

ficar calado diante da violência que representam situações desta natureza, apareça ou se

manifeste na forma que for. Neste caso, não importando o quão mínima seja a alteridade entre

pesquisador e pesquisados, para não cair na armadilha de achar possível, como Crapanzano em

relação aos Afrikaners de Wyndal, “desenvolver uma certa simpatia mesmo pelos moralmente

condenáveis” (PEIRANO, 1985, p.250), só resta como alternativa ao primeiro trair aqueles com

quem conviveu, apontando o quanto estão sendo sectários e moralmente condenáveis. E neste

sentido a própria explicitação que faço aqui sobre a ausência deste outro ausente genérico a

quem chamei de população local não deixa de ser uma traição para com meus interlocutores.

Porém, tal infidelidade se mostra necessária caso se aceite, como postura ética e prática política,

estar comprometido e disposto a “lutar contra o poder, lutar para fazê-lo aparecer e feri-lo onde

ele é mais invisível e mais insidioso” (FOUCAULT e DELEUZE; 2013, p.132).

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