35º Congresso Brasileiro de Previdência.indb

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JORNAL 36º CONGRESSO BRASILEIRO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL “Básica e Complementar”

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JORNAL

36º CONGRESSO BRASILEIRO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

“Básica e Complementar”

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O princípio da finalidade social não só é compa-tível com o novo dispositivo do Código de ProcessoCivil como é justificador de sua aplicação subsidiária.Tal princípio pressupõe uma visão social do sistemaprocessual do trabalho, valorizando mais as questõesde justiça do que os problemas de legalidade.

Sob o prisma desse princípio, José Eduardo Fa-ria(4) ressalta que “cabe a uma magistratura com um co-nhecimento multidisciplinar e poderes decisórios amplia-dos à responsabilidade de reformular a partir das própriascontradições sociais os conceitos fechados e tipificantes dossistemas legais vigentes”.

Se numa análise infraconstitucional a aplicabi-lidade da multa do art. 475-J do Código de ProcessoCivil já é admitida por inúmeros autores, a argumen-tação torna-se mais consistente quando analisada a luzda principiologia constitucional, principalmente, apósa Emenda Constitucional n. 45/04, pela qual se asse-gurou a razoável duração do processo como direitofundamental a todos os brasileiros (art. 5º, LXXVIII, CF).

Numa interpretação pós-positivista do processo, osprincípios constitucionais devem irradiar sua aplicabili-dade a todos os subsistemas, como, por exemplo, o Di-reito Processual do Trabalho. Nesse viés quaisquer inter-pretações dadas à legislação infraconstitucional devemconcretizar o espírito dos comandos constitucionais.

É forçoso, entretanto, reconhecer que a mera apli-cação subsidiária do art. 475-J do Código de ProcessoCivil no Processo do Trabalho não será a solução paratodos os problemas de concretização dos direitos tra-balhistas, mas já será um passo adiante.

O intérprete não deve se quedar inerte diante daletargia dos legisladores e diante dos percalços da in-corporação de novos procedimentos. O Processo do Tra-balho deve oferecer ao seu jurisdicionado-hipossufien-te e credor de bens de natureza alimentar — um pro-cesso mais ágil e eficaz(5). A aplicação subsidiária do art.475-J do Código de Processo Civil, fundamentada noprincípio constitucional da razoável duração do pro-cesso (art. 5º, LXXVIII, CF) e nos princípios constituci-onais justrabalhistas, pode ajudar a processualísticajustrabalhista a alcançar esse desiderato.

O método de colmatação de lacunas, a identifi-cação da omissão celetista e a percepção da coerênciados princípios do Processo do Trabalho com a redaçãodo novo dispositivo são um meio de concretização dosprincípios destacados acima.

Enfim, a busca da verdadeira efetividade devetornar-se um objetivo comum principalmente dentreos Magistrados e os Advogados para que a sociedadenunca perca a esperança de que terá seus direitos tute-lados pelo Poder Judiciário.

(4) FARIA, José Eduardo. Ordem legal X Mudança social: a crise dojudiciário e a formação do magistrado. In: FARIA, José Eduardo (Org.).Direito e Justiça: a Função Social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1997,p. 101-102.

(5) CARVALHO, Luis Fernando Silva de. Lei n. 11.232/2005: Oportu-nidade de maior efetividade no cumprimento das sentenças trabalhis-tas. In: CHAVES, Luciano Athayde. Direito Processual do Trabalho:Reforma e efetividade. São Paulo: LTr, 2007, p. 249-275.

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ÍNDICE DAS TESES

PAINÉIS DO CONGRESSO

1º PAINEL REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

BEZERRA, Francisco de Assis Martins

A transmutação dos direitos sociais em mercadoria ................................................... 5

CARDOSO, Oscar Valente

Direito adquirido às regras de transação da aposentadoria no Regime Geral de Previ-dência Social ................................................ 16

MARTINEZ, Wladimir Novaes

Acumulação na PEC n. 287/2016 ................ 6

Aposentadoria do cônjuge de proprietário de média produtiva rural ............................. 7

Aposentadoria especial do professor ........... 8

Contribuição sobre verbas de representação 9

Salário-maternidade da menor de 16 anos .. 13

Tempo especial de avicultora ....................... 14

Tempus regit actum da aposentadoria es-pecial ........................................................... 15

RUBERTI, Noemia Rosa dos Santos

Habeas data para CTC ...................................... 10

SILVA JUNIOR, Adir José da

Direito adquirido às regras de transação da aposentadoria no Regime Geral de Previ-dência Social ................................................ 16

2º PAINEL REVISÃO DOS BENEFÍCIOS POR

INCAPACIDADE

COSTA, José Ricardo Caetano

A avaliação biopsicossocial na dinâmica da concessão dos benefícios por incapacidade: Uma equação necessária .............................. 22

A falta de inter-relação entre a previdência (INSS) e a saúde (SUS) na avaliação dos be-nefícios por incapacidade ............................ 24

ENGELKE, Claudio Ruiz

A ineficácia da terceirização na perícia mé-dica previdenciária ....................................... 18

A falta de inter-relação entre a previdência (INSS) e a saúde (SUS) na avaliação dos be-nefícios por incapacidade ............................ 24

ISQUIERDO, Ana Maria

Um olhar histórico sobre o processo de ha-bilitação/reabilitação profissional dos traba-lhadores ....................................................... 26

LEÃO, Thaysa Claudia Soares

O caos da perícia médica do INSS — A ter-ceirização como solução emergencial .......... 27

MARTINEZ, Wladimir Novaes

Afastamento da gestante e lactante .............. 19

Cessação do auxílio-doença ......................... 20

Diagnóstico médico particular versus laudo do INSS ........................................................ 21

Provas da união estável ................................ 22

União estável sem coabitação ...................... 29

Aposentadoria especial sem laudo técnico e com perfil profissiográfico ........................... 29

Aposentadoria especial sem LTCAT e com PPP .............................................................. 30

SOTTILI, Luciana Adélia

A ineficácia da terceirização na perícia mé-dica previdenciária ....................................... 18

3º PAINEL PRESTAÇÕES DE SERVIDORES

MARTINEZ, Wladimir Novaes

Aposentadoria de servidora com posse ilegal ............................................................ 30

Aposentadoria especial do vigilante armado 31

Indenização de servidora sem salário-ma-ternidade ...................................................... 31

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Pensão de filhas de servidores ..................... 32

Previdência dos médicos intercambistas...... 33

Restituição de contribuição de vereadores .. 34

Um conceito de salário de contribuição ...... 35

4º PAINEL NOVIDADES DO NOVO CPC

LAZZARI, João Batista

O novo CPC e seus reflexos nos juizados especiais federais ......................................... 36

5º PAINEL DESAPOSENTAÇÃO

ZWICKER, Igor de Oliveira

O julgamento do STF sobre desaposentação e o descabimento da devolução de valores outrora recebidos estribados no entendi-mento anterior de licitude da renúncia à aposentadoria com o objetivo de contar tempo de serviço para nova inativação ........ 46

MARTINEZ, Wladimir Novaes

Aposentadoria compulsória de titular de serventia ...................................................... 48

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1º PAINEL

A TRANSMUTAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS EM MERCADORIA

Francisco de Assis Martins BezerraAdvogado. Coautor do livro Justa Causa Doméstica (Editora LTr)

O Brasil vive momentos conturbados, com suas instituições fragilizadas e protagonistas de intensas disputas, em busca da ampliação dos seus espaços de poder. Não existe mais a separação dos poderes. Eles se confundem.

Toda esta instabilidade institucional, política, econômica e, sobretudo a crise de valores morais e éti-cos, tornam-se um campo fértil para a supressão de to-dos os direitos até agora conquistados, quer sejam civis, penais, políticos, trabalhistas ou previdenciários.

Caminhamos, celeremente, para a implantação definitiva de um Estado de exceção.

Para uma melhor compreensão de todo este con-texto, para uma análise mais apurada dos fatos, é fun-damental que se busque conhecer a sua essência, qual a sua origem e a sua motivação.

O que nos é permitido conhecer, através das fon-tes tradicionais de informação, é sempre a sua super-fície, o verniz dos acontecimentos. Na verdade, o que assistimos é um grande teatro, com a atuação roteiriza-da dos atores das diversas instituições, cada um cum-prindo da melhor forma possível o papel que lhes foi atribuído nesta grande encenação.

O diretor não aparece em cena. Quem manda mesmo está manejando os cordéis, vemos apenas as marionetes.

Corroborando esta linha de entendimento, está claro que a pretendida reforma da Previdência Social guarda objetivos não expressamente declarados. Aten-de a interesses maiores e inconfessáveis, submetidos que estão à “mão invisível do mercado”, apropriando--se da expressão de Adam Smith.

Tanto que não foi fruto de um amplo debate na sociedade, dispensando-se a participação de todos aqueles que poderiam contribuir, democraticamente, na sua gestação.

Mas nada acontece por acaso.

A essência dos acontecimentos nos aponta que está em curso a implantação de uma nova orientação política, ou seja, uma guinada do Estado do Bem-Estar Social, até então em vigor, para um Estado Liberal, no atual governo. Que o diga a extinção do Ministério da Previdência Social.

Deste modo, inicia-se esta análise já com uma contradição, pois estamos tratando da “reforma” de algo que, em sua essência, foi extinto.

Apesar disso, conclui-se ser esta guinada a essên-cia e a motivação de todos os movimentos políticos e jurídicos.

A reforma da Previdência Social é apenas a sua superficialidade. Como também o são, a precarização e a terceirização do trabalho, a privatização da explo-ração do petróleo e dos serviços, a perda dos direitos sociais e civis e de todas as outras arbitrariedades vivi-das atualmente.

Entende-se que discutir a reforma da Previdência Social apenas pelo seu aspecto financeiro ou atuarial é pura perda de foco. As mudanças que ocorrerão serão sempre decorrentes desta luta de classes, da correlação de forças atuantes na sociedade, de uma superior orien-tação estatal. Em resumo, atenderão às orientações de um Estado Liberal ou às de um Estado Social.

Portanto, a real luta pela manutenção ou altera-ção dos direitos sociais, ora em discussão, deverá acon-tecer dentro desta perspectiva, ou seja, de qual Estado desejamos aderir. Discutir apenas as questões técnicas da proposta da reforma previdenciária é aceitar, de an-temão, a implantação de um Estado Liberal. Logo, pre-tender colocar um viés social na proposta ora apresen-tada, engendrada que foi pelas diretrizes deste Estado Liberal, é, no mínimo, ingenuidade e perda de tempo.

Não se deve esquecer que o Brasil não está imu-ne ao jogo da geopolítica mundial. Esta guinada para o liberalismo com a supressão dos direitos sociais está inserida neste contexto.

O Brasil e toda a América Latina estão na área de influência norte-americana.

O não alinhamento da política externa brasileira, nos últimos governos, aos interesses norte-americanos, foi motivo de desagrado e preocupação. Portanto, era necessário recolocar o “bonde nos trilhos”. Explica-se assim a privatização das empresas e dos serviços e a desregulação do mercado.

E isto passa, necessariamente, pela demolição de todo o programa social que havia sido implantado no país e a adoção, em toda a sua plenitude, das diretrizes

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econômicas que atendam aos seus interesses. E os servi-ços da Previdência Social são um ótimo negócio.

Conforme as teorias liberais o Estado e a socie-dade civil são separados. O papel de instância impes-soal de dominação cabe ao Estado. E a sociedade civil aparece como um conjunto de relações sociais. Classes e grupos sociais diversos que atuam pelos seus interesses e direitos.

Esta distância entre o Estado e a sociedade é o que permite a defesa da liberdade de mercado e da pro-priedade privada. E justifica a liberdade de ação social diferente da ação pública. Esta é a mola propulsora do liberalismo.

No entanto, as ações políticas pela manutenção dos direitos conquistados surgem da percepção das in-justiças sociais.

Para tanto, nesta luta, é preciso superar a aliena-ção social. Pois nela, os seres humanos não agem como criadores, como agentes de mudanças. Pois ao não se reconhecerem como sujeitos políticos, se submetem às condições sociais, políticas, culturais, como se elas sur-gissem do nada e tivessem vida própria e não pudes-sem ser controladas por eles.

A teoria neoliberal propõe o encolhimento do Estado e o programa de privatização atinge profunda-mente a Previdência Social ao permitir o alargamento do espaço privado dos interesses do mercado.

O Estado deveria ser visto como agente econô-mico para regulação do mercado e assim utilizar a tri-butação para promover investimentos nas políticas de direitos sociais. No viés do liberalismo, no entanto, o capitalismo dispensa a presença estatal, tanto no mer-cado, mas também nas políticas sociais.

É deste modo que a privatização, tanto de em-presas quanto de serviços públicos, suprime a ideia de direitos sociais como pressuposto e garantia dos direi-tos civis ou políticos. Assim o que era um direito con-verte-se num serviço privado regulado pelo mercado e, portanto, torna-se uma mercadoria, adquirida apenas pelos que tem poder aquisitivo.

Este é o caminho a ser seguido pela “reforma” da Previdência nos moldes ora propostos.

A privatização, ou seja, o abandono das políticas públicas e a desregulação do planejamento econômico, são o embasamento teórico de que o capital pode, por si mesmo, resolver os problemas sociais e econômicos.

No entanto, a realidade, a essência das coisas é bem diferente.

O que efetivamente ocorrerá, caso o espírito do Estado Liberal supere a função social da Previdência e dos demais direitos que estão em jogo, é a transforma-ção de nossa sociedade em uma grande massa de “hu-milhados e ofendidos”, tão bem retratados na obra de Fiódor Dostoiévski.

ACUMULAÇÃO NA PEC N. 287/2016

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

Há muito tempo, provavelmente desde a LOPS (1960), a legislação previdenciária tem preceitos claros e indiscutíveis sobre a acumulação de benefícios (art. 124 da Lei n. 8.213/1991).

Destarte, dois benefícios substituidores dos sa-lários auxílio-doença, salário-maternidade e aposenta-dorias não podem ser recebidos conjuntamente, mas é permitido adicionar um deles com os não substituidores.

Nesses comandos legais não há qualquer vislum-bre de correspectividade entre a contribuição e o gozo das prestações, possivelmente devido a adoção do regi-me de repartição simples e do plano de benefício defi-nido do RGPS.

No caderno Mercado — A-11, sob o titulo “Re-forma ameaça acúmulo de pensão com aposentadoria”, no bojo da chamada Reforma da Previdência Social, a Folha de São Paulo de 16 de agosto de 2016 anunciou a intenção do Governo Federal de rever as regras de acu-mulação de prestações dos beneficiários.

As mudanças são novas, inusitadas e extraordi-nárias, carecedoras de amplo debate nacional com a oi-tiva de atuários, técnicos e advogados especialistas em Direito Previdenciário. A diversidade dos contribuin-tes, a hierarquia salarial, as diferenças regionais apon-tam para a existência de sérios obstáculos para medidas tão significativas como essas.

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Para as autoridades que prestaram a informação, os pensionistas com direito à acumulação triplicou en-tre 1992 e 2014. No início de 1990, quase 10% dos perci-pientes que recebiam pensão por morte eram aposenta-dos. Atualmente, seriam 1/3 desse total. E 1,39 milhões de pessoas recebem dois ou mais benefícios.

São quatro regras em estudo:

1. Limite para o valor dos benefícios acumulados.

2. Opção pelo melhor deles.

3. Um deles seria integral e o outro proporcional.

4. Quem tem aposentadoria, presumidamente me-lhor, não faria jus à pensão por morte.

Não foi esmiuçada de qual aposentadoria se co-gita, convindo deixar clara a situação especial da apo-sentadoria por invalidez (pretendem limitá-la em seu conceito básico) e a provisoriedade do auxílio-doença.

Vale recordar que a pensão por morte já sofreu restrições com a Lei n. 13.135/2015.

Também não se ajuizou com a acumulação de aposentadoria do titular com o auxílio-reclusão.

Silenciou-se sobre o benefício da LOAS, tema de grande significado diante de sua natureza assistenciária.

Possivelmente tal entendimento valeria para o RGPS e para os RPPS, ou seja, abrangeria trabalhadores e servidores públicos. Atingir apenas a população obrei-ra da iniciativa privada não seria juridicamente justo.

Ajuizando com a filiação, inscrição e contribui-ção, a percepção de dois direitos contemplados em dois regimes previdenciários distintos (por exemplo, um no RGPS e outro no RPPS) deverá ser considerada com muito cuidado. O cenário atual não ofende o princípio do equilíbrio atuarial e financeiro; eles têm fontes de custeio próprias.

Evidentemente (é assustadora a informação de que as autoridades precisaram mencionar sua óbvia defesa), o direito adquirido será respeitado; a regra valeria apenas a partir da lei introdutória da inovação legislativa.

O Governo Federal precisa refletir na clientela atingida e distinguir quem ganha até dois salários mí-nimos, são 1,67 milhões de brasileiros, dos demais be-neficiários. Estes, poderiam acumular.

A ideia da correspectividade da contribuição suscita debate em torno de sua exigência quando não destinada a benefício. Seria muito difícil dispensá-la de antemão, porque não se sabe, quando da futura aposen-tação, quem seria atingido pelas inovações.

Com certeza a ofensa ao princípio da vedação do regresso produzirá contestações doutrinárias rele-vantes. O Governo Federal tem de se antecipar juridi-camente para sustentar a validade dessas mudanças: que realmente se trata de diminuição de direitos sociais tradicionais.

Aparentemente, a rigor, a proposta pode não ser inconstitucional, mas o tema merece estudo aprofunda-do e melhor seria se viesse acompanhada de Emenda Constitucional.

Caso contrário, espera-se enorme oposição dou-trinária e, principalmente, os infindáveis recursos pos-síveis.

Assuntos tão delicados e complexos como esses pressupõem um juízo técnico válido e reclama matura-ção científica, sopesados preferivelmente num momen-to de equilíbrio da economia e tranquilidade política.

Não é bom mudar o capitão num mar revolto, quando não se sabe exatamente quais são as verdadeiras causas das alegadas dificuldades da Previdência Social.

APOSENTADORIA DO CÔNJUGE DE PROPRIETÁRIO DE MÉDIA PRODUTIVIDADE RURAL

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

A prova do direito a um benefício rural e as con-dições econômicas ou financeiras dos membros da fa-mília que explora a atividade rurícola têm demandado vários questionamentos. O entendimento da Justiça

Federal sensibiliza-se com a precariedade do trabalho do campo. O legislador de 1991 e os que o sucederam nos últimos anos pioraram esse cenário, dificultando o exercício dos direitos previdenciários.

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Por unanimidade, a 1ª Turma do TRF da 1ª Região (de Brasília) negou provimento às apelações interpostas pelo INSS e pela autora de uma ação, contra a senten-ça da 7ª Vara Federal da Seção Judiciária de Goiás, que julgou parcialmente procedente o pedido de reestabele-cimento do benefício de aposentadoria rural antes defe-rida e, ainda, declarou a nulidade da dívida decorrente dos valores que seriam indevidamente recebidos.

O INSS apelou, sustentando a legalidade da ces-sação do benefício e a necessidade da reposição dos valores auferidos. O réu alegou que os requisitos para a concessão do benefício foram devidamente com-provados.

A concessão de aposentadoria por idade de tra-balhador rural está condicionada à idade, sendo de 60 anos para homens e de 55 para mulheres. A comprova-ção do exercício de atividade rural, mesmo de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondentes à carência do benefício pretendido. Ou seja, de 15 anos.

O relator, desembargador federal Carlos Augusto Pires Brandão, afirmou que o STJ adotou, em matéria previdenciária, a solução pro misero, dada a dificuldade dos trabalhadores rurais em comprovar todo o período de atividade rural. Assim sendo, a jurisprudência flexi-

bilizou os documentos que podem servir como início razoável de prova material, sendo possível aceitar Cer-tidões de Casamento ou de Óbito do cônjuge, de Nas-cimento de filhos, Certificado de Reservista, nos quais esteja especificado o tipo de trabalho.

Entretanto, foi verificado que o cônjuge da autora desta ação é proprietário de terras enquadradas como média propriedade rural produtiva e ele foi classificado como empregador rural. Como a propriedade do cônju-ge é muito superior a 4 (quatro) módulos fiscais, não foi possível reconhecer a sua atividade campesina em regi-me de economia familiar. Por conseguinte, a qualidade de segurada especial da parte autora não foi acolhida. Desse modo, descaracterizada a condição de trabalha-dor rural da autora, não há como reconhecer sua condi-ção de beneficiário da aposentadoria rural pretendida, razão pela qual se mostra legal a suspensão do benefí-cio concedido na via administrativa.

Não obstante, o magistrado entendeu que a au-tora não deve ser obrigada à reposição dos valores re-cebidos na via administrativa, por se tratar de verba alimentar e por ter recebido de boa-fé. O Colegiado, acompanhando o voto do relator, negou provimento às apelações.

Processo n.: 0025214-13.2014.4.01.3500/GO

APOSENTADORIA ESPECIAL DE PROFESSOR

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

Sem falar no que vem por aí com a PEC n. 287/2016, que pretende fixar limite de idade para apo-sentação do professor, esse tipo de benefício específico continua provocando polêmica no que diz respeito à definição do que seja o magistério.

A polêmica se deve ao fato de que os tribunais hesitam em definir, do ponto de vista previdenciário, o que significa ser professor. Num extremo: somente giz na mão, em sala de aula. Fora do âmbito do magistério, qualquer atividade de ensino.

O Ministro do STF Edson Fachin suspendeu os efeitos de uma decisão que concedeu o benefício de apo-sentadoria específica de professor (que chamou de espe-cial sem que seja) a uma servidora municipal de Cianorte

(PR). Em análise preliminar do caso, esse relator enten-deu que o ato questionado, ao considerar como ativida-des de magistério o exercício de funções administrativas realizadas fora de instituições de ensino, teria desrespei-tados os parâmetros fixados pelo STF sobre a matéria.

Edison Fachin concedeu liminar na Reclamação (RCL) n. 26.281, apresentada pela Caixa de Aposenta-dorias e Pensões dos Servidores Públicos Municipais de Cianorte contra acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná que, confirmando decisão de primeiro grau, determinou a implantação desse benefício previden-ciário que distingue os professores dos demais traba-lhadores, pois a aposentadoria por tempo e contribui-ção se dá aos 25 anos de magistério (mulher) e 30 anos (homens).

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No STF, a entidade argumentou que a determina-ção viola entendimento fixado pelo Plenário no julga-mento da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI n. 3.772. Que tratou desse delicado assunto.

Segundo o instituto de previdência municipal, os períodos em que a servidora exerceu os cargos de che-fe de Divisão de Educação na Prefeitura Municipal de Cianorte e de coordenadora setorial de Escolarização de Jovens e Adultos foram reconhecidos como ativida-des de magistério para todos os fins, inclusive aposen-tadoria especial aos 25 anos de atividade. Para o TJ-PR, tais funções seriam “claramente correlatas às funções de magistério”.

Em sua decisão, o Ministro Edison Fachin sa-lientou que no julgamento da ADI n. 3.772, o Plenário

do STF alterou entendimento anterior, que excluía do benefício toda atividade exercida fora de sala de aula, passando a contemplar também atividades de coorde-nação e assessoramento pedagógico, assim como a de direção de unidade escolar, ressaltando a necessidade de que tais atividades sejam exercidas em instituições de ensino básico.

“Ao julgar a ação proposta pela interessada, o Tri-bunal de origem, a priori, ultrapassou os limites fixados pelo STF acerca do que se compreende por funções de ma-gistério, para os fins da Lei n. 9.394/1996”, disse Edison Fachin. Por isso, para o ministro, estão presentes os requi-sitos que justificam a concessão da liminar. Quanto ao pe-riculum in mora, o relator observou que há uma determina-ção judicial para o cumprimento provisório da sentença.

CONTRIBUIÇÃO SOBRE VERBAS DE REPRESENTAÇÃO

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

Diz o art. 28 da Lei n. 8.212/91: “Entende-se por salário: I — para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração efetivamente recebida ou creditada a qualquer título, durante o mês, em uma ou mais em-presas, inclusive os ganhos habituais sob a forma de utilidades”.

Destacamos que a remuneração não é concep-ção eminentemente previdenciária, devendo a con-cepção legal ser buscada na legislação laboral, com as dificuldades inerentes, dada sua relevância e os des-dobramentos históricos. Principalmente distinguin-do-a de outros ingressos, modalidades indenizatórias e ressarcitórias de despesas, e de rubricas decorrentes de convenções paralelas ao contrato de trabalho.

A CLT não se aventurou a conceituá-la ou ditá-la, limitando-se a circunscrevê-la em poucas palavras. Ela reza: “Compreendem-se na remuneração do emprega-do, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contrapres-tação do serviço, as gorjetas que receber” (art. 457).

No art. 458 se postam elementos válidos para a perquirição: “Além do pagamento em dinheiro, com-preendem-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações in natura que a empresa, por força do contrato ou do

costume, fornecer habitualmente ao empregado” (gri-fos nossos).

Diz o § 2º: “Não serão considerados como salário, para os efeitos previstos neste artigo, vestuários, equi-pamentos e outros acessórios fornecidos ao empregado e utilizados no local de trabalho, para a prestação dos respectivos serviços”.

O rol inicia-se com os vestuários que são presta-ções in natura imprescindíveis ao serviço.

Os pagamentos de verbas de representação reali-zados pela notificada a seus empregados possuem na-tureza remuneratória, caracterizando contraprestação por serviço prestado.

Com base nesse entendimento do STJ, a Quarta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região negou o pedido da empresa de ver declarada a inexistência da obrigação tributária com a União Fe-deral, demonstrada por meio de Notificações Fiscais de Lançamento de Débito.

A notificada sustenta que não caberia a cobrança nesse caso, porque essas verbas teriam caráter indeni-zatório. Outra alegação é de que seria apenas exempli-ficativa a relação das verbas que não integram o salá-rio de contribuição, prevista no art. 28, § 9º, da Lei n. 8.212/1991.

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Entretanto, no TRF-2 o juiz federal convocado Mauro Luís Rocha Lopes, que relatou o processo, com base na jurisprudência do STJ e do próprio TRF-2, deci-diu que “a verba de representação destinada aos Supe-rintendentes, Secretário Geral e Assessor Coordenador da Presidência da empresa, a despeito de constar em

seu plano de cargos e salários, como verba de caráter indenizatório, possui natureza salarial, dada a sua habi-tualidade, constituindo, portanto, base de cálculos para a contribuição previdenciária”.

Processo: n. 0000409-55.1996.4.02.5001.

HABEAS DATA PARA CTC

Noemia Rosa dos Santos RubertiMilitante em Consultoria e Perícia “Trabalhista e Previdenciária” em

Laranjal Paulista/SP.

Diante de negativa não fundada da expedição de Certidão de Tempo de Contribuição — CTC para in-teressado que prestou serviços junto do Regime Geral de Previdência Social — RGPS e com vistas no art. 201, § 9º, da Constituição Federal, requerida sob os auspí-cios do art. 130 do Regulamento da Previdência Social — RPS (Decreto n. 3.048/1999), da Instrução Normativa INSS n. 20/2007 e do Decreto n. 6.722/2008, para fins de averbação de tempo e serviço ou solicitação de apo-sentadoria junto de um Regime Próprio de Previdência Social — RPPS, cabe o remédio jurídico constitucional do Habeas Data.

O INSS costuma indeferir essa pretensão quando tem conhecimento de haver dúvida sobre a condição de estatutário do requerente, e isso não lhe cabe.

Da gratuidade

Primeiramente importa asseverar que o Habeas Data, mandamento constitucional, caracteriza-se como ação gratuita, nos termos do art. 5º, LXVII, da Constitui-ção Federal de 1988, c/c o art. 21 da Lei n. 9.507/1997.

Da legitimidade ativa e passiva

A legitimidade para a impetração desse remédio jurídico constitucional é sempre do impetrante para ob-ter informações de si, ou seja, uma medida personalís-sima (art. 5º, LXXII, a, da Carta Magna, exceto quando estatuído na lei, sem a preocupação com o destino des-sa declaração.

A legitimidade passiva, na lição do eminen-te Prof. Marcelo Novelino, in verbis: “A legitimidade passiva desta ação constitucional é atribuída, pela doutrina majoritária, ao órgão ou entidade detentora

da informação que se pretende obter, retificar ou com-plementar. Assim, no tocante à legitimidade passiva é fundamental o “caráter público” das entidades deten-toras dos registros ou bancos de dados. A legitimida-de passiva não depende da natureza pública do órgão ou da entidade que detém a informação, mas sim da natureza da própria informação pretendida. Esta, sim, deve ter um caráter público” (NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 8. ed. Editora Método, 2013. p. 579-580).

Da leitura do art. 5º, LXXII, a, da CRFB de 1988, c/c o art. 1º, parágrafo único da Lei n. 9.507/1997, po-de-se extrair que o legitimado passivo é sempre registro ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público, ou seja, é sempre quem tem o poder-de-ver de conceder vistas, retificação ou emitir Certidões com dados referentes ao legitimado ativo.

O legitimado passivo é uma APS, órgão coator, que tem o poder-dever de conceder as informações pleiteadas com a devida da emissão da CTC, na forma requerida, ou indeferi-la na esfera administrativa em detrimento ao determinado pelo art. 5º da Constitui-ção Federal e demais legislações federais e municipais, que disciplinam a matéria previdenciária, bem como em desobediência ao decidido em instância superior colegiada.

Dos fatos

Com o advento da CF/88, o segurado que se tor-nou estável no serviço público (art. 19, § 1º, do ADCT) após aprovação em concurso público adquire efetivi-dade no cargo, nos termos da legislação acima men-cionada, sob o abrigo do RPPS. Ou seja, se torna um estatutário.

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Assim, até as mudanças ocorridas após a EC n. 20/1998, o RPPS abrangia todo e qualquer tipo de ser-vidor que prestasse serviço ao ente público.

Imagine-se que em algum momento, com a extin-ção do Regime Próprio um ente gestor público obrigue--se a assumir inteiramente (art. 10 da Lei n. 9.717/1998), a responsabilidade pelo pagamento dos benefícios de aposentadoria dos servidores ocupantes de cargos efe-tivos “estatutários” e/ou “celetistas” que tivesse imple-mentado as condições necessárias para se aposentar ou adquirir outro benefício até 16.12.1998.

Isto posto, para viabilizar a averbação de tempo de contribuição cumprido no RGPS para efeito de apo-sentadoria no RPPS, é necessário o reconhecimento e assentamento desse tempo de contribuição junto à Ad-ministração Pública, visando o seu cômputo para efeito de aposentadoria, na forma de contagem recíproca as-segurada pelo § 9º do art. 201 da CF/88, e cujo docu-mento hábil para essa comprovação é a CTC.

Protocolado o requerimento administrativo e cumprida pelo impetrante todas as exigências, algu-mas APS recusam-se a emitir a respectiva CTC, sob a seguinte justificativa: “Finalmente, em análise quanto à emissão da Certidão de Tempo de Contribuição, efe-tuamos o indeferimento do pedido nos termos dos arts. 130 do Decreto n. 3.048/1999 e 94 da Lei n. 8.213/1991, esclarecendo a necessidade de vinculação ao regime próprio de previdência para destinação da certidão, conforme entendimento constante nos §§ 7 e 16 do art. 130 do Decreto n. 3.048/1999. Ainda ressaltamos a impossibilidade de emissão de Certidão de Tempo de Contribuição contendo períodos já utilizados pra con-cessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de acordo com o inciso III do art. 127 e § 13 do art. 130 do Decreto n. 3.048/1999”.

Dessa decisão cuja assertiva improcedente, usual-mente o interessado interpõe ato administrativo com pedido de revisão da medida denegatória, com base no Parecer n. 114/2005/CGFAL/DRPSP/SPS/MPS e Pare-cer CJ n. 846 e/ou documentos de emissão do próprio INSS.

Nesse sentido vem a lição de Wladimir Novaes Martinez (Comentários à Lei Básica da Previdência Social. 6. ed., Tomo, São Paulo: LTr, 2003. p. 539): “d) Ativida-des concomitantes. Já o inciso II é de mediana clareza. O tempo prestado aos entes públicos da mesma forma como o exercício em atividade privada, enquanto con-comitantes, não poderão ser estimados para os fins des-sa contagem. Quer dizer considerar o período apenas uma vez.

O dispositivo deve ser entendido, obviamente, como norma submetida à contagem recíproca de tem-po da atividade obreira e não como obstáculo à frui-ção dessas épocas, na hipótese de o laborista preencher todos os requisitos em ambos os regimes previdenciá-rios. Quem trabalhou para a iniciativa privada e para o órgão público, simultaneamente, durante trinta e cinco anos, tem direito a duas aposentadorias por tempo de serviço”.

A seu turno, a jurisprudência de nossos Tribunais tem endossado a tese da possibilidade da contagem do período concomitante, como se verifica nos seguintes procedentes:

“Previdenciário. Atividade concomitante. Período não computado na obtenção de aposentadoria previdenciária. Possibilidade de utilização na obtenção de aposentadoria no regime estatutário. Certidão de tempo de serviço celetista. Pe-ríodo fracionado não computado na obtenção do benefício de aposentadoria.

1. O tempo de serviço concomitante não utilizado para a concessão de aposentadoria no Regime Geral de Previdência Social deve ser informado em certidão por tempo de serviço, que produzirá, a tempo e modo pró-prios, seus jurídicos efeitos. ...

2. (...)

3. Pode o INSS emitir certidão de períodos fracio-nados, que não foram utilizados na obtenção de apo-sentadoria junto ao Regime Geral de Previdência Social, possibilitando que o segurado aposentado na condição de servidor público, possa utilizá-los para obtenção de nova aposentadoria no Regime estatutário (TRF 1ª Re-gião, MAS 2000.01.00.054730-8/MGM Rel. Juiz Federal Miguel Ângelo Alvarenga Lopes (conv), Primeira Tur-ma, DJ de 24.4.2006, REsp n. 687479/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJ 30.5.2005 p. 410).

Sustentar o contrário seria transformar o pedido de revisão em um terceiro recurso, que devolveria à Câmara toda a discussão soterrada no iter processual, o que não é admissível, porque atentaria contra a cre-dibilidade institucional deste Conselho e eternizaria o processo administrativo.

Em razão do exposto, voto no sentido de conhe-cer do pedido de revisão do Instituto Nacional do Segu-ro Social para, no mérito, negar-lhe provimento.

Brasília-DF, 9.1.2009

Pedro Wanderlei Vizú — Representante do Go-verno. MPS/CRPS (fls. 295 a 308 — Seleção de Acór-dãos do Ministério da Previdência Social — Lei Fede-ral n. 9.784/1999 — Processo Administrativo Federal; Decreto n. 3.048/1999; Acórdãos das Câmaras de julga-mento e Juntas de Recursos).”

Conforme se verifica de acórdão exarado pela 13ª JRPS/-SP, os nobres julgadores, cumpriram na íntegra toda a legislação constitucional e demais normas edita-das pelo MPS. Tal fato obriga a APS a dar cumprimento à r. decisão de superior instância, bem como, impede a Autarquia Federal de recorrer ao CRPS das decisões co-legiadas das JRPS que deram provimento ao recurso da segurada determinando-se ao INSS a emissão da CTC na forma requerida, art. 16 do Regimento Interno e/ou Acórdão de uniformização de jurisprudência do CRPS.

Da fundamentação jurídica

O Habeas Data é uma ação constitucional que tem como objeto a tutela dos direitos fundamentais, direito líquido e certo do impetrante referentes às informações de ordem personalíssima que pretende obter junto à Autarquia Federal, de caráter público na forma prevista na Constituição Federal/1988, art. 5º, LXXII, a e na Lei n. 9.507/1997, art. 7º, I.

Segundo a lição do eminente autor Alexandre de Morais: “As jurisprudências do Supremo Tribunal Federal e do Supremo Tribunal de Justiça firma-se no sentido da necessidade de negativa da via adminis-

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trativa para justificar o ajuizamento do Habeas Data, de maneira que inexistirá interesse de agir a essa ação constitucional se não houver relutância do detentor das informações em fornecê-las ao interessado (...)”.

Sempre se fará presente a condição da ação ne-cessária para a impetração de uma ação, visto que os impetrantes procuram obter as informações por meio da expedição da CTC, pela via administrativa, através de um requerimento, como acima descrito, cujo pedido costuma ser indeferido pelo INSS, sem nenhuma justifi-cativa legal, cuja decisão foi reformada em 2ª instância.

Considerando que o INSS é o órgão responsável pela expedição da CTC para defesa de interesses pes-soais dos segurados, não cabe, portanto, à APS descum-prir decisão colegiada, exarada em superior instância administrativa do MPS, quando reconhece tais direitos e determina a emissão da CTC na forma requerida, e, ainda considerando o disposto na Lei n. 9.507/1997, que regulamenta o direito de acesso a informações e disciplinou o rito processual do Habeas Data. Uma vez negado esse direito na esfera administrativa, esgotada, pois, todas as esferas burocráticas, (Súmula n. 2 do STJ), é de rigor concessão do Habeas Data, nos termos dos arts. 282 e 285 do Código de Processo Civil. Permitindo com isso o deferimento da medida constitucional na es-fera judicial na forma ora requerida.

Nesse contexto, também, a possibilidade do de-ferimento da tutela antecipatória, na forma prevista no art. 294 e seguintes do novo Código de Processo Civil, a fim de tutelar o direito líquido e certo em obter de pronto a CTC para fins de aposentadoria junto a um RPPS, cujos direitos não podem deixar de ser pronta-mente exercitados, sob pena de perecerem, bem como, tratar-se de caso de risco de dano iminente e grave que se avizinha.

Do cabimento da ação

É oportuno mencionar a legislação vigente.

Consta do art. 201, § 9º da Lei Maior: “Para efei-to de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os di-versos regimes de previdência social se compensarão fi-nanceiramente, segundo critérios estabelecidos, em lei”.

Do acima exposto verifica-se que o INSS, preen-chidos os requisitos para obtenção da CTC, que não passa de uma simples declaração, na forma requerida, não poderia, como de fato não pode, em hipótese algu-ma, indeferir o pedido, pois trata-se de direito persona-líssimo, cujo ato que indeferiu o pedido é nulo de pleno direito vez que tal decisão não só violou cláusulas pé-treas contidas na Lei Magna

Estabelece o art. 130 do Decreto n. 6.722 de 30.12.2008, abaixo transcrito:

“O tempo de contribuição para regime próprio de previdência social ou para Regime Geral de Previ-dência Social deve ser provado com certidão fornecida: I — pela unidade gestora do regime próprio de previ-dência social ou pelo setor competente da administra-ção federal, estadual, do Distrito Federal e Municipal, suas autarquias e fundações, desde que devidamente homologada pela unidade gestora do regime próprio”.

Do mérito

O Habeas data é uma ação constitucional que tem como objeto a tutela dos direitos fundamentais, direito líquido e certo do impetrante referentes a informações personalíssimas que pretende conhecer, as quais se en-contram em registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público.

Assim, por meio do Habeas Data objetiva-se fazer com que todos tenham acesso às informações que o Po-der Público ou entidade de caráter público possuam a seu respeito, encontrasse previsto no Estatuto Superior de 1988.

Extrai-se da lição do Prof. Marcelo Novellino so-bre o tema, in verbis:

“O habeas data é uma ação constitucional que tem como objeto a tutela dos direitos fundamentais à pri-vacidade (CF, art. 5º, X) e de acesso à informação (CF, art. 5º, XIV e XXXIII). O direito de acesso à informação constitucionalmente assegurado, no entanto, é mais amplo que aquele tutelado pelo habeas data, uma vez que esta ação constitucional protege apenas informa-ções de caráter pessoal” (Ob. cit., p. 581).

O pleiteado é a garantia constitucional de obter uma CTC para fins de aposentadoria por tempo de ser-viço junto a um RPPS, cujas contribuições foram verti-das, obrigatoriamente, ao RGPS, informações persona-líssimas constantes de banco de dados do INSS, confor-me se depreende do Cadastro Nacional de Informações Sociais — CNIS, fato que não poderá em nenhuma hi-pótese ser negado pelo INSS.

Repete-se ad nauseam. Tal direito vem assegura-do no art. 5º, LXXII da Carta Magna brasileira: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registro ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público.

O dispositivo acima, assegura à impetrante o di-reito ao conhecimento da informação de caráter pessoal que está em seu poder, face a sua recusa no fornecimen-to da informação solicitada pela via administrativa.

Mister se registra a lição do eminente Prof. Mar-celo Novellino, in verbis: “O direito de acesso às infor-mações independem da existência de qualquer motivo a ser demonstrado, sendo suficiente apenas a simples vontade de ter conhecimento acerca das informações” (ob. cit., p. 582).

Ressalta-se que tal garantia também vem asse-gurada expressamente no art. 7º da Lei n. 9.507/1997: “Conceder-se-á habeas data: I — para assegurar o conhe-cimento de informações relativas à pessoa do impetran-te, constante de registro ou banco de dados de entida-des governamentais ou de caráter público”.

Da tutela antecipada

Diante de todo o exposto é possível concluir, sem sombra de dúvida, que se justificaria um pedido pela urgência ante a eventual omissão da APS, o qual causa enorme prejuízo ao segurado, tolhendo-o do seu direito em obter a CTC para fins de aposentadoria junto de um RPPS, cujas contribuições foram vertidas ao RGPS.

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Com efeito, assevera o art. 294 e ss do NCPC: “A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência e evidência. Parágrafo único. A tutela provisória de ur-gência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental”.

Ressalta-se o art. 300: “A Tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo”.

Mais ainda, pontua ao art. 311: “A Tutela de evi-dência será concedida, independentemente da demons-tração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: I — ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protela-tório da parte; II — as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em sú-mula vinculante; III — se tratar de pedido reipersecutó-rio fundado em prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não opo-nha prova capaz de gerar dúvida razoável”.

Segundo os ensinamentos de Marcus Vinícius Rios Gonçalves, de maneira mais sistemática: “A expres-são “tutela provisória” designa um conjunto de tutelas diferenciadas, que podem ser postulados nos processos de conhecimento e de execução, e que abrangem tanto as medidas de natureza satisfativa quanto cautelar”.

Destarte, o fumus boni iuris está bem caracterizado pela existência de regras constitucionais determinando o direito líquido e certo de se obter uma CTC pleiteada e/ou desenvolvimento de políticas de proteção ao ido-so e sua integração à sociedade.

A medida liminar deverá ser concedida porque o periculum in mora é manifesto, existindo, objetivamente, fundado receio de que, caso a tutela jurisdicional seja deferida somente no final da ação e seu comando nor-mativo emergente se mostrará ineficaz.

Essa medida liminar de tutela antecipada na for-ma cogitada apresenta-se como medida moralizadora, de manifesto bom senso e salutar equidade, devendo por isso ser prontamente deferida pelo magistrado. É necessário lembrar que normalmente quem sofre com o ônus da demora no processo, regra geral, é o autor/im-petrante. A Tutela Antecipada inverte esse ônus, quan-do o réu age de forma abusiva.

Por derradeiro, ensina o Professor Wladimir No-vaes Martinez que ao INSS, sem se preocupar com a validade da averbação do tempo de contribuição nela contido (atribuição do RPPS) e não da autarquia fede-ral, deve emitir a CTC, cônscio de que o seu aprovei-tamento é matéria à discrição do RPPS recepcionante, que homologará ao seus alvedrios os seus termos ou não (ob. cit.).

SALÁRIO-MATERNIDADE DA MENOR DE 16 ANOS

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

Meninas indígenas com idade inferior a 16 anos moradoras da região de Erechim (Rio Grande do Sul) poderão receber o salário-maternidade do Regime Geral de Previdência Social, desde que fique compro-vado o exercício de atividade rural. Essa foi a decisão tomada pela 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (RS), que no dia 22.2.2017, indeferiu um recurso do INSS para reformar sentença que deter-minava o pagamento desse benefício da segurada gestante.

O Ministério Público Federal moveu a ação civil pública em 2014, pedindo que a Previdência Social se abstivesse de negar os benefícios às índias menores de 16 anos que trabalham no campo, unicamente pelo mo-tivo de idade. Para essa autoridade, as questões previ-

denciárias devem ser vistas sob outro enfoque, quando envolverem o interesse de índios, uma vez que a sua cultura é diferente da cultura do “homem branco”, es-pecialmente no que tange à questão do trabalho e das relações maritais.

É consabido que a despeito da vedação consti-tucional o STF tem assentado que uma vez provado o trabalho do menor de 16 anos, ele é segurado obrigado do Regime Geral, havendo casos de crianças de 10 anos trabalhando.

Conforme um estudo feito pelo autor e apresen-tado nos autos, as meninas de aldeias caingangues tra-balham e têm filhos de forma precoce, muitas vezes em idade inferior a 16 anos.

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Em sua defesa, o INSS argumentou que o menor de 16 anos não pode ser juridicamente considerado tra-balhador, pois existe proibição constitucional ao traba-lho da criança e do adolescente.

A 1ª Vara Federal do município atendeu ao pedi-do do Ministério Público Federal. Segundo a sentença, ao não se reconhecer o direito das meninas indígenas de receber o salário-maternidade, elas estão sendo dupla-mente punidas. “Além de submetidas ao trabalho antes do limite normativo constitucional mínimo, o labor pre-coce não seria considerado para fins previdenciários”, diz trecho da decisão.

O INSS recorreu ao tribunal.

A relatora do caso no TRF-4, juíza federal convo-cada Gabriela Pietsch Serafin, negou o apelo. De acordo com ela: “é viável reconhecer a condição de segurado especial aos que exercem atividades rurícolas, mesmo

que menores de 16 anos de idade, inclusive no caso de indígenas, sob pena de se estabelecer uma discrimina-ção à mulher indígena impúbere”.

Questão que se propõe então, cumulando o tra-balho vedado para menor de 16 anos, fora da área indí-gena, é saber do direito ao benefício, e sem os favores da cultura dos índios. Muitas mulheres seguradas com tenra idade vivendo nas cidades também têm filhos.

O fato relatado é um exemplo simples das jacen-tes distonias entre os princípios constitucionais não baseados na realidade e a aplicação formal da norma jurídica. A Constituição Federal ignorou que milhares de menores de 16 anos trabalham na cidade, nos cam-pos e nos meios indígenas e têm de ser protegidos pela previdência social.

Proc. n. 5005515-77.2014.4.7117/TRF

TEMPO ESPECIAL DE AVICULTORA

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

Prevista nos arts. 57/58 do Plano de Benefícios da Previdência Social (Lei n. 8.213/1991) o tempo especial é um direito dos segurados que se expuseram aos agen-tes nocivos físicos, químicos ou biológicos durante um mínimo de 25 anos. Em si mesmas, persistem dúvidas no INSS, se a atividade rural é perigosa, penosa ou in-salubre.

O desembargador Newton De Lucca, da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em decisão publicada no dia 20.4.2017, reconheceu como exercício de atividade especial o tempo de serviço de uma ruríco-la da avicultura na agropecuária, em razão da insalubri-dade das atividades exercidas em vários períodos, entre os anos de 1974 e 1997.

Com a decisão, ela terá a sua aposentadoria por tempo de serviço corrigida pelo INSS, via conversão de tempo especial em comum. Para o magistrado, o re-conhecimento da atividade especial da autora está de acordo com a legislação.

“A jurisprudência é pacífica no sentido de que deve ser aplicada a lei vigente à época em que exerci-do o trabalho, à luz do princípio tempus regit actum, o tempo rege o ato, in Recurso Especial Representativo de Controvérsia n. 1.310.034-PR”.

Ela havia ajuizado ação de reconhecimento de atividade especial cumulada com revisão de aposen-tadoria por tempo de serviço trabalhado em uma fa-zenda agropecuária em Tatuí, interior do estado de São Paulo. O pedido foi indeferido em primeira instância e também em decisão monocrática quando da apelação ao TRF-3.

O entendimento foi que nos períodos pleiteados, tanto o ruído quanto o calor, alegados como insalu-bres, apresentaram-se em nível tolerável, que não ca-racterizariam a insalubridade do trabalho na agrope-cuária.

Inconformada, a autora ingressou com novo re-curso ao tribunal, alegando o direito ao reconhecimento do caráter especial das atividades desenvolvidas. O tra-balhador rural agrícola possui enquadramento expres-so no rol de atividades especiais inseridas no código 2.2.1 do Anexo III do Decreto n. 53.831/1964, em razão de insalubridade.

Para o desembargador Newton De Lucca ficaram comprovados os períodos laborados pela autora e en-quadrados como trabalho especial, embora os fatores de risco (ruído e calor) serem inferiores aos limites de tolerância previstos em lei.

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“Verifico que há expressa menção de que a ativida-de foi exercida como trabalhadora rural no setor da ‘avi-cultura’ (agropecuária), ficando, portanto, devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial”.

Por fim, ao dar provimento à apelação da auto-ra, o magistrado reconsiderou a decisão agravada a fim de reconhecer o caráter especial das atividades exer-cidas nos períodos de 1.4.1974 a 20.1.1975, 1.7.1978 a

27.12.1978, 21.3.1979 a 25.2.1988, 1.6.1989 a 29.8.1995 e 19.4.1996 a 5.3.1997.

Condenou o INSS a revisar a renda mensal inicial da aposentadoria por tempo de contribuição, a partir de 11.2.2009, acrescida de correção monetária, juros de mora e honorários advocatícios.

Proc. n. 0002498-40.2011.4.03.9999/SP.

TEMPUS REGIT ACTUM DA APOSENTADORIA ESPECIAL

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

A legislação aplicável para a verificação da ati-vidade exercida sob condição insalubre deve ser a que estava em vigor quando o serviço foi prestado, e não no momento em que ocorreu o pedido da aposentadoria.

A Segunda Turma Especializada do TRF da 2ª Região determinou que o autor, M.A.L.C., faça jus ao restabelecimento de seu benefício, desde a data em que foi suspenso pelo INSS.

Ele comprovou, por meio de formulários e lau-dos técnicos fornecidos pela empresa e assinados por Engenheiro de Segurança do Trabalho — que nos perío-dos de trabalho, ele operou exposto, de forma habitual e permanente, aos agentes agressivos: ruído acima de 80 decibéis e monóxido de carbono (acima dos limites de tolerância). Ao tempo trabalhado nessas condições deve ser aplicado o fator de conversão 1,40, ou seja, cada 15 meses exercidos em condições insalubres trans-formam-se em 21 meses para fins previdenciários.

A conclusão confirma a decisão de 1º grau, já favorável ao segurado, e questionada no TRF-2 pelo INSS, com os argumentos de que “a documentação jun-tada pela parte autora a comprovar o seu direito é ex-temporânea; e que nos formulários apresentados pela parte autora ficou consignado que a empresa fornecia todos os Equipamentos de Proteção Individual (EPI) necessários, que neutralizavam a insalubridade”.

Entretanto, na avaliação da relatora desembarga-dora Simone Schreiber, o fato de o laudo ser extemporâ-neo — ou seja, não corresponder exatamente ao tempo que o segurado pretende comprovar — não o invalida,

por tratar-se de um documento “suficientemente claro e preciso” quanto à exposição habitual e permanente ao agente nocivo em questão.

“Uma vez constatada a presença de agentes no-civos em data posterior a sua prestação e considerando a evolução das condições de segurança e prevenção do ambiente de trabalho ao longo do tempo, presume--se que à época da atividade, as condições de trabalho eram, no mínimo, iguais à verificada à época da elabo-ração do laudo”.

Quanto à utilização do EPI, a desembargadora pontuou que “o entendimento jurisprudencial é no sen-tido de que este não descaracteriza a especialidade do trabalho, a não ser que comprovada a sua real efetivi-dade por meio de perícia técnica especializada e desde que devidamente demonstrado o uso permanente pelo empregado durante a jornada de trabalho”.

O INSS alegou que o fator 1,40 seria inaplicável a períodos anteriores à 7.12.1991, data do Decreto n. 357, que estabeleceu esse coeficiente, alterando regra ante-rior, que previa 1,2.

Mas nos termos do art. 70 do Decreto n. 4.827/2003: “a atividade profissional desenvolvida pelo segurado garante a concessão de aposentadoria espe-cial com tempo de serviço de 25 anos, motivo pelo qual para a conversão desse período, para fins de concessão de aposentadoria a segurado do sexo masculino (tempo comum máximo de 35 anos), deverá ser aplicado fator de conversão 1,4”.

Processo 0810764-57.2011.4.5101.

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DIREITO ADQUIRIDO ÀS REGRAS DE TRANSIÇÃO DA APOSENTADORIA NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

Oscar Valente CardosoDoutor em Direito (UFRGS). Mestre em Direito e Relações

Internacionais (UFSC). Juiz Federal da 1ª Vara Federal de Capão da Canoa/RS

Adir José da Silva JúniorMestre em Direito, Estado e Sociedade (UFSC).

Analista Judiciário Federal, Diretor de Secretaria da 1ª Vara Federal de Capão da Canoa/RS.

Diante de uma nova reforma constitucional da Previdência Social no Brasil no ano de 2017 (após vá-rias reformas — e tentativas de alterações — infracons-titucionais iniciadas em 2014), é inevitável enfrentar a questão jurídica mais debatida — mas nem sempre bem resolvida — em qualquer modificação das normas pre-videnciárias, que consiste no direito adquirido.

O direito adquirido é uma norma fundamental e uma cláusula pétrea da Constituição brasileira de 1988, que determina, sem exceções expressas, que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (art. 5º, XXXVI). No plano infracons-titucional, o respeito ao direito adquirido é assegurado no ordenamento jurídico nacional há quase 75 anos, no art. 6º do Decreto-Lei n. 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Indo além, o § 2º des-se art. 6º traz o seu conceito legal: “Consideram-se ad-quiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabele-cida inalterável, a arbítrio de outrem”.

Dessa forma, o Seguro Social precisa ser seguro, ou seja, ter e dar segurança. Em regra, isso ocorre por meio do respeito de suas normas, seja pela Administra-ção Pública, seja pela sociedade civil (aqui incluídos os financiadores e os beneficiários da Previdência), e pelo estabelecimento de normas de transição em qualquer al-teração que modifique os direitos e os deveres dos su-jeitos dessa relação.

No Direito Previdenciário, o direito adquirido à aposentadoria não é somente uma situação estática (de concessão do benefício), mas também dinâmica, exis-tente durante toda a vida funcional, e que corresponde à progressiva obtenção do direito.

Na prática, o Supremo Tribunal Federal estabele-ceu a principal norma de direito adquirido à aposenta-doria no Enunciado n. 359 de sua Súmula: “Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários”.

Além disso, o STF decidiu, em julgamento de re-curso extraordinário com repercussão geral reconheci-

da (ou seja, em acórdão com eficácia vinculante — art. 927, III, CPC), que o segurado da Previdência Social tem direito ao melhor benefício: “(...) Cumpre observar o quadro mais favorável ao beneficiário, pouco impor-tando o decesso remuneratório ocorrido em data pos-terior ao implemento das condições legais. (...)” (RE 630501/RS, Pleno, rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio, j. 21.2.2013, DJe 23.8.2013). Isso significa que o segurado que cumprir os requisitos para a concessão da aposen-tadoria, mas que optar por permanecer em atividade (e recolhendo contribuições previdenciárias), poderá es-colher, na data da aposentadoria, o dia do início de seu benefício que lhe for mais favorável. Contudo, essa re-gra tem validade a partir do momento em que todos os requisitos forem satisfeitos. Logo, pode-se extrair des-se acórdão a seguinte regra geral: “Cumpridos todos os requisitos para a obtenção da aposentadoria, o segurado tem direito adquirido à data de início do benefício mais favorável”.

Ainda, o segurado tem direito às normas que fo-rem mais favoráveis de um regime previdenciário, não podendo conjugar as regras anteriores e posteriores à reforma que forem mais favoráveis à sua aposentado-ria, conforme também decidiu Plenário do STF: “(...) II — Inexiste direito adquirido a determinado regime ju-rídico, razão pela qual não é lícito ao segurado conjugar as vantagens do novo sistema com aquelas aplicáveis ao anterior. III — A superposição de vantagens caracteriza sistema híbrido, incompatível com a sistemática de cál-culo dos benefícios previdenciários (...)” (RE 575089/RS, Pleno, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 10.9.2008, DJe 23.10.2008).

A questão se torna mais complexa quando há uma mudança normativa (constitucional ou infracons-titucional) em uma data em que o segurado ainda não cumpriu todos os requisitos para a aposentadoria.

Nessas situações, afirma-se que, antes de satisfa-zer todos os requisitos para ter o direito à aposentado-ria, o segurado tem apenas uma expectativa de direito.

Ainda assim, essa concepção de expectativa não resolve a maior parte das questões jurídicas relaciona-das a quem irá se aposentar após ter permanecido fi-liado ao regime de previdência durante 4, 5, 6 ou mais

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regimes jurídicos distintos. Por essa razão, as regras de transição, invariavelmente, são inevitáveis. A partir dis-so, pode-se dizer que existe um direito adquirido à ex-pectativa de direito? Em outras palavras, para minimi-zar a insegurança jurídica causada por toda e qualquer reforma previdenciária, criam-se regras com direitos adquiridos parciais, que vão se somando para definir, no momento da aquisição do direito à aposentadoria pelo segurado, quais normas incidirão sobre ele.

A relevância da definição do direito adquirido (e sua amplitude) nas reformas previdenciárias diz res-peito à necessidade, em regra, do estabelecimento de normas de direito intertemporal, a fim de regulamentar três situações jurídicas principais: (a) segurados filia-dos antes da mudança e que já possuem direito à apo-

sentadoria; (b) segurados filiados antes da alteração e que ainda não possuem direito à aposentadoria; (c) e as regras que incidirão para todos os segurados que se filiarem a partir da reforma.

Para esse fim, a efetiva segurança jurídica da Seguridade Social (e, mais especificamente, da Previ-dência Social) só pode ser atingida pela elaboração de normas gerais de direito intertemporal previdenciário, que devem conter as orientações e as limitações para a elaboração de normas modificadoras do direito à apo-sentadoria.

Logo, é preciso reconhecer à existência de um di-reito adquirido às regras de transição, para que haja segu-rança jurídica e o efetivo respeito ao direito adquirido assegurado pela Constituição.

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2º PAINEL

A INEFICÁCIA DA TERCEIRIZAÇÃO NA PERÍCIA MÉDICA PREVIDENCIÁRIA

Luciana Adélia SottiliMestranda em Direito e Justiça Social — PPGD/FURG.

Claudio Ruiz EngelkeAdvogado. Mestrando em Direito e Justiça Social — PPGD/FURG.

A terceirização da função exercida pelos médicos peritos do INSS é uma questão muito discutida, pois se trata de um problema que é crucial para o sistema pre-videnciário como um todo: o grande volume de perícias a serem realizadas em contraste com o baixo número de médicos peritos. Evidente que o assunto traz uma complexidade de fatores não havendo como apresentar uma solução para o problema neste curto espaço, mas busca-se fomentar o debate.

É sempre necessário lembrar que a autarquia pre-videnciária representa o Estado, que nestes casos age para garantir o controle de benefícios previdenciários. É uma área de contato entre o órgão estatal e o cidadão, ou seja, é um espaço da administração pública visado para a prática de atos irregulares. E dentro desta área está a perícia médica do INSS que possui uma parcela grande de poder pois o seu parecer vai refletir diretamente na atuação estatal, o benefício será deferido ou não. Des-ta forma, o papel do médico perito será sempre crucial para o funcionamento do sistema previdenciário.

Não há divergência entre os que atuam na seara previdenciária de que a Perícia Médica Administrativa é o ponto nevrálgico do sistema previdenciário como um todo (COSTA, 2014). E não poderia ser diferente já que existem situações em que os segurados recebem ou não o benefício de acordo com a opinião do perito acer-ca da condição de saúde daquele.

Considerando a responsabilidade que exerce o médico do INSS, tem-se prima facie, que se trata de uma atuação estatal que não pode ser delegada, e que deve ser exercida por servidores vinculados diretamente com a autarquia, sob pena de ser entregue uma função relevante para agentes desprovidos de condições para tanto.

Mas o problema posto é que a quantidade de se-gurados que buscam benefícios que dependem da aná-lise do médico perito para sua concessão, em especial auxílio-doença (previdenciário ou acidentário) e apo-sentadoria por invalidez, é muito alta em comparação com a capacidade do INSS em fornecer as perícias ne-

cessárias, com isso geram-se filas de espera e a morosi-dade que acaba por prejudicar os segurados.

Diante deste problema, em 1995 o INSS começou o credenciamento de médicos peritos fora do quadro de concursados, ou seja, médicos particulares que re-cebiam pela produção de laudos. Observa-se, desta for-ma, que o problema da falta de médicos peritos vem de longa data e a terceirização não auxiliou a suprir as demandas existentes à época, ao contrário, a experiên-cia foi negativa em se tratando de terceirização, pois o número de fraudes e a quantidade de benefícios con-cedidos irregularmente aumentou consideravelmente.

Em 2005 este modelo de terceirização foi extinto com a instituição do plano de carreira para os peritos médicos previdenciários e a realização de concurso pú-blico para o provimento das vagas de médico perito do INSS.

Percebe-se que o número de nomeações ainda é pequeno para a demanda existente. Em um contexto atual em que as relações se tornam mais superficiais, as cobranças sociais aumentam e novas doenças surgem, natural que haja uma demanda maior de segurados em busca de uma perícia que analise suas condições de saúde. Junte-se a isto, o fato da Organização Mundial da Saúde ter regulamentado no ano de 2001 a Classi-ficação Internacional de Funcionalidades, trazendo o paradigma da perícia biopsicossocial. A perícia biopsi-cossocial traz um novo modelo de perícia baseado não só nos fatores biológicos do periciado, mas também dos fatores sociais, psicológicos e ambientais. À luz deste novo paradigma, a função do perito médico deixa de ser uma atividade tecnicista e passa a ser uma atividade imbuída de um caráter humanista.

Em alguns casos, o exame médico isolado do exa-minado não é suficiente para se chegar a uma conclusão sobre sua disposição para o trabalho, em face de um benefício por incapacidade. (MARTINEZ, 2016, p. 128)

Apesar de a perícia biopsicossocial ser uma rea-lidade trazida desde 2001 pela OMS, percebe-se que os

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médicos ainda não estão preparados condignamente para a aferição de uma perícia biopsicossocial devido à falta de formação humanista nas faculdades de me-dicina brasileiras. A falta de formação humanista dos médicos já foi tema de estudo em outras ocasiões sem-pre com análise específica em determinados casos, mas entre os anos de 2015 e 2016, realizou-se uma pesquisa(1) que buscou avaliar o currículo de disciplinas das 100 melhores faculdades de medicina do país.

Após a conclusão desta pesquisa observou-se que 30% das escolas avaliadas não possuíam quaisquer disciplinas humanistas em seus currículos de formação e mesmo nas escolas de medicina que possuíam algu-ma disciplina humanista, o percentual de equivalên-cia destas disciplinas em relação ao restante do curso encontrava-se na média de 1,77% do total do curso. Desta forma, percebe-se que há uma grande carência na formação básica dos médicos no que tange à forma-ção humanista. Esta carência por certo acompanhará os profissionais de medicina que mesmo após realizarem cursos de especialização ao adentrar na atividade peri-cial médica, terão dificuldades para analisar o periciado

(1) A pesquisa citada integra o Trabalho de Conclusão de Curso para a obtenção do grau de Bel. Direito da autora Luciana Adélia Sottili.

com base no modelo de perícia biopsicossocial propos-to pela OMS. Que se dirá então de profissionais tercei-rizados que não possuem qualquer capacitação para o entendimento da perícia biopsicossocial.

Todavia, o problema persiste e na atual conjun-tura a luta pela ampliação das perícias previdenciárias vai ao encontro do princípio da dignidade da pessoa humana. Não é mais possível que se aceite a demora existente na marcação de uma perícia que pode trazer alento a um segurado que dela necessita. Uma saída tal-vez seria a distribuição de parcela destas perícias a mé-dicos credenciados pelo SUS já que as UBS geralmente dispõem de equipe multiprofissional que poderia aten-der apropriadamente aos requisitos da perícia biopsi-cossocial, reduzindo assim a intensa demanda existente e colaborando no atendimento justo aos segurados.

Referências bibliográficas

COSTA, José Ricardo Caetano. Perícia Biopsicossocial: perspectivas de um novo modelo pericial. Caxias do Sul: Plenum, 2014.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Perícia médica: aspectos práticos e jurídicos. São Paulo: LTr, 2016.

AFASTAMENTO DA GESTANTE E LACTANTE

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

A Lei n. 13.187/2016 alterou a CLT acrescentan-do-lhe um art. 394-A, que diz:

“A empregada gestante ou lactante será afastada, enquanto durar a gestação e a lactação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, devendo exercer suas atividades em local salubre”.

Essa norma é de uma pobreza franciscana; deixa margem a muitas dúvidas, relativas à clientela protegi-da (temporária, avulsa, cooperada, prestadora de servi-ços provinda de terceiros etc.).

Também carece interpretar o direito ao salário-ma-ternidade e se será possível reduzir o salário em virtude de eventual cessação do adicional de insalubridade.

À evidência, as mães adotantes não farão jus. A situação das “barrigas de aluguel” terá que ser discipli-nada em particular.

A Agência Senado de 12.5.2016 diz em manchete: “Lei proíbe trabalho de gestantes em atividades peri-gosas” (grifos nossos), misturando insalubridade com periculosidade.

As principais empresas alcançadas serão as vol-tadas para a assistência à saúde, em que são comuns ambientes insalubres envolvendo médicas, enfermeiras e outros profissionais da medicina.

Podem ser divididas em dois grupos: a) sem áreas salubres (o que será raro) e b) com áreas em que essas mulheres poderão trabalhar.

Nesse sentido, por não ter sido revogada a Lei n. 8.213/1991, o salário-maternidade de 120 dias não sofreu qualquer alteração; permanece a obrigação do empregador de pagá-lo nos termos da lei e de ser res-sarcido pelo INSS na GFIP mensal.

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Os tribunais trabalhistas têm entendido que au-sente materialmente a insalubridade não se justifica o adicional por insalubridade.

Ab initio convém lembrar que lactação e amamen-tação são biologicamente coisas distintas: mulheres lac-tantes, por qualquer motivo, não estariam amamentando.

Falecendo o bebê, a mulher pode continuar em processo de lactação por algum tempo. O início desse recurso da natureza será provado com certidão de nas-cimento do lactente.

A contar do parto, não se tem uniformidade so-bre duração da lactação que autoriza o afastamento da atividade insalubre. Varia para os servidores de quatro a seis meses.

Diz o art. 394 da CLT que: “Para amamentar o próprio filho, até que este complete 6 (seis ) meses de

idade, a mulher terá direito, durante a jornada de tra-balho, a dois descansos especiais, meia hora cada um. Parágrafo único. Quando o exigir a saúde do filho, o período de 6 (seis) meses poderá ser dilatado, a critério da autoridade competente”.

Algumas interessadas poderão alegar que trans-feri-las para ambientes salubres poderá significar des-vio de função e reclamarão na Justiça do Trabalho.

Os hospitais terão alguns ônus para se ajustarem a nova lei.

A gestante ou lactante poderá acumular esse esta-do biológico natural com uma patologia incapacitante. Se anterior à gravidez e até a véspera dos 120 dias do benefício, o auxílio-doença será mantido, e restabeleci-do após o final desses 120 dias, mantido enquanto esti-ver incapaz de trabalhar.

CESSAÇÃO DO AUXÍLIO-DOENÇA

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

São várias as modalidades de motivos que pro-duzem a cessação do pagamento das mensalidades do auxílio-doença por parte do INSS e até mesmo por soli-citação do trabalhador.

A primeira delas é o falecimento do titular do be-nefício. Mors omnia solvit. Por lei, os dependentes são obrigados a comunicar o INSS esse falecimento.

Também ocorre na figura da ausência (o titular desaparece sem ter falecido) ou o desaparecimento do segurado após ser eclarado pela autoridade competen-te, quando poderá caber a pensão por morte requerida pelos dependentes.

O modo mais comum é a alta médica derivada do exame da perícia médica do INSS. Raramente, pode ser a pedido do próprio segurado. Não cessa se segurado for preso e não houve pedido de auxílio-reclusão.

A despeito de ser discutida pela doutrina nacio-nal e rejeitada por decisões judiciais da Justiça Federal ocorre quando da chamada alta programada. Nesse tipo de exame previamente o médico perito determina quando o trabalhador deve voltar ao trabalho.

Por ocasião da transformação em aposentadoria por invalidez terminam os pagamentos no dia anterior

à data do início desse último benefício, o mesmo va-lendo para o começo do auxílio-acidente (que sempre é subsequente ao auxílio-doença).

São declarados suspensos os pagamentos men-sais assim que o INSS tomar ciência de uma volta ao trabalho considerada indevida (porque existem hipóte-ses em que esta figura excepcional é permitida).

Quando da descoberta de fraude provocada pelo interessado, seja na relação jurídica da previdência so-cial como por ocasião da perícia médica. Apurada a materialidade do fato e a responsabilidade do segurado imediatamente os pagamentos são suspensos.

Sobrevindo a incapacidade laboral após a perda da qualidade de segurado, não há direito a concessão do benefício. Entrementes, se a mencionada inaptidão ocorreu quando a pessoa mantinha aquele atributo ju-rídico previdenciário, feita a prova a posteriori, dentro do prazo decadencial de dez anos é possível requerê-lo fixada à data do início do benefício na data de entrada do requerimento.

Se sentenciado o direito à prestação por decisão judicial, com emissão de uma liminar no bojo da ação de tutela antecipada, posteriormente sendo cassada a

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aludida tutela, e encerrado na data do início antes fixa-da pela Justiça Federal.

Neste caso, como o segurado recebeu o benefício e não pode trabalhar nem contribuir, o INSS deveria autorizá-lo a recolher como facultativo para computar o tempo de contribuição corresponde a esse período de licença médica que se revelou judicialmente indevida.

Deferido o benefício do auxílio-doença (e, aliás, de qualquer prestação), inconformado com o valor e por qualquer outro motivo, se dentro de 60 dias o titular não recebe a primeira parcela depositada na sua conta bancá-ria, a concessão é desfeita. Sem prejuízo que mais tarde venha a requerê-lo novamente, sendo certo que o INSS já detém os principais documentos necessários.

DIAGNÓSTICO MÉDICO PARTICULAR VERSUS LAUDO DO INSS

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

Quando o segurado adoece e se afasta do posto de trabalho, recebendo benefício previdenciário, o con-trato de trabalho fica suspenso. Em regra, após a alta médica e cessação do benefício, o contrato é restabele-cido e a empresa volta a arcar com o pagamento dos salários. Mas há situações em que, após a alta previden-ciária, o médico da empresa considera esse segurado ainda inapto para reassumir suas funções, cenário que vem sendo denominada de “limbo jurídico trabalhista previdenciário”.

Uma situação muito triste.

Ou seja, embora considerado apto pelo INSS, dei-xando de receber o benefício previdenciário, o obreiro continua inapto aos olhos da empresa, deixando rece-ber os salários.

O juiz Leonardo Toledo de Resende, da Vara do Trabalho de Varginha, analisou o caso em que uma mu-lher vivenciou essa situação. Contratada como auxiliar de produção, em setembro de 2006 ela ficou afastada do trabalho, recebendo auxílio-doença até maio de 2010, quando foi considerada apta pelo INSS.

Contudo, o serviço médico da empresa a avaliou como sem condições de retornar ao trabalho. Conforme relatou a empregada, desde então, ficou em situação bastante difícil, sem receber salário ou benefício previ-denciário, imprescindíveis ao seu sustento e tratamento médico. Assim, ela pediu na Justiça Federal o pagamen-to de salários e demais verbas trabalhistas desde a alta médica, em junho/2010, até julho/2015.

Na versão da empresa, não poderia ser penalizada pela situação instaurada entre a empregada e a autarquia previdenciária. Rejeitando esse argumento, o magistra-do explicou que deve prevalecer, em casos como esse, o entendimento médico pericial do INSS sobre a aptidão ou não da segurada, tendo em vista os princípios da ve-racidade e legitimidade dos atos administrativos.

Ele acrescentou que a parte contrária não trouxe elementos suficientes para afastar a conclusão oficial da autarquia federal, não bastando o entendimento divergente do médico da empresa. Assim, até que se reverta o entendimento da Previdência Social, a empre-gada encontrava-se apta para o trabalho, sendo cabível, inclusive, recurso administrativo desse entendimento pela empregadora. Não há qualquer notícia disso no processo. O juiz ainda registrou que a trabalhadora tentou, sem sucesso, reverter o entendimento previ-denciário, mediante ação judicial, na qual o pedido foi julgado improcedente, decisão que se tornou definitiva em julho de 2015.

Com base nos princípios da função social da em-presa e da assunção dos riscos da atividade econômica, o juiz condenou-a a pagar à mulher, as seguintes ver-bas, a serem apuradas no período de agosto/14 a ju-nho/15: salários, 13º salários, férias com 1/3, além de depósitos de FGTS, observando-se a evolução salarial. A empregadora recorreu da decisão, que ficou confir-mada pelo TRT da 3ª Região. Há Recurso de Revista ainda pendente de julgamento.

Proc. n. 0011057-13.2015.5.0153.

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PROVAS DA UNIÃO ESTÁVEL

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

Uma das principais características da união está-vel hetero ou homossexual é a informalidade fática da vida em comum. As pessoas passam a viver juntas sem a preocupação de demonstrar essa existência more uxó-rio, até mesmo havendo filhos.

Quando um dos companheiros parceiros é segu-rado do RGPS e falece após 18 meses, portanto, cum-prida a carência com vistas à pensão por morte (e até mesmo no caso do auxílio-reclusão), emerge o proble-ma do companheiro supérstite provar a existência des-sa relação e, destarte, pressupor-se a exigida evidência da dependência econômica.

O INSS exige provas da subordinação quando da falta de provas de ter havido uma família protegida pela Previdência Social.

A autarquia apelou da sentença proferida pelo Juiz de Direito da Comarca de Valença do Piauí, que, para fins previdenciários, reconheceu a existência de união estável entre a autora e o instituidor da pensão.

O INSS sustentou nas razões da apelação que para a comprovação da união estável devem ser apre-sentados, no mínimo, três documentos dentre os elen-cados no art. 22, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 (RPS) e que, no caso, a autora não juntou documentos necessá-rios para provar sua condição de dependente previden-ciária do segurado falecido.

Ao analisar o ponto controvertido da ação, o reconhecimento de união estável para fins previden-ciários, o relator, desembargador federal João Luiz de Souza apontou que, nos termos da Lei n. 8.213/1991,

considera-se companheira a pessoa que, sem ser casa-da, mantém união estável com o segurado, possuindo dependência econômica presumida.

O magistrado asseverou que “com supedâneo no princípio da inexistência de hierarquia entre as provas, impõe-se reconhecer que a comprovação de união está-vel, para fins previdenciários, pode ser feita por qual-quer meio de prova em direito admitida, pois não há, no ordenamento jurídico pátrio, norma que preveja a necessidade de apresentação de prova material, salvo na hipótese de reconhecimento de tempo de serviço, não cabendo, portanto, ao julgador aplicar tal restrição em situações nas quais a legislação assim não o fez”.

Esse relator sustentou que “é forçoso concluir que a norma do decreto que elencou um rol de documentos que permitem o reconhecimento da união estável para fins previdenciários, não pode ser tida como taxativa e impeditiva ao reconhecimento daquela relação pelo poder judiciário, até porque é destinada precipuamente aos servidores do órgão previdenciário para análise dos processos administrativos de concessão de benefícios, de modo a padronizá-los e evitar fraudes”.

O desembargador concluiu seu voto esclarecendo que, na hipótese do processo, da análise de todo o acer-vo probatório produzido, extrai-se que existem elemen-tos suficientes para o reconhecimento da relação estável entre a autora e o falecido segurado.

Acompanhando o voto do relator, o Colegia-do negou provimento à apelação. Proc. n. 0024844-53.2007.4.01.9199/PI.

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A AVALIAÇÃO BIOPSICOSSOCIAL NA DINÂMICA DA CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS POR

INCAPACIDADE: UMA EQUAÇÃO NECESSÁRIA

José Ricardo Caetano CostaDoutor em Serviço Social (PUCRS) e em Direito (UNISINOS).

Professor do PPGDS da FADIR/FURG.

Desde um lustro venho me dedicando à Perícia Biopsicossocial (COSTA, 2014; 2015; 2017), na tentativa espinhosa de demonstrar a insuficiência da perícia mé-dica tradicionalmente realizada no âmbito administra-tivo, mas também judicial, como única forma de avaliar a incapacidade/deficiência.

Em tempos de administrações da política pública previdenciária por Medidas Provisórias (Ex. vi a MP n. 767/2017), cujas metas governamentais comemoram o corte de benefícios por incapacidade como se fossem troféus a serem expostos no Olimpo, torna-se ainda mais premente a discussão acerca destes procedi-mentos.

Tratando-se dos benefícios de auxílio-doença, aci-dentário ou comum, os dados oficiais apontaram que até o presente (maio de 2017), foram cortados 84% dos benefícios revisados, com uma economia de 1,5 bilhões de reais aos cofres da Previdência, que já fora Social em um passado não muito distante.

Em nenhum procedimento, ao que tudo indica, foi realizada uma avaliação inter e multidisciplinar, ou seja, biopsicossocial. Esta postura, certamente a mais correta, envolveria a participação de vários profissio-nais para aferir realmente se o segurado retomou o cur-so para a vida laboral ou não. São médicos, das mais diversas especialidades, psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas, enfermeiros, somente para citar alguns destes profissionais, que deveriam trabalhar, conjunta-mente e em equipe, para fornecer um diagnóstico mais fiel à realidade.

Em contraposição, não é isso que estamos obser-vando. Muito pelo contrário: somente os médicos da Autarquia foram convocados, com o oferecimento de minguados sessenta reais por perícia para que, fora do horário normal de trabalho, fizessem sozinhos esse tra-balho pericial. O resultado certamente não surpreende, com milhares de benefícios cancelados.

Os casos que nos chegam ao conhecimento bei-ram ao extremo, atentando aos Tratados Internacionais subscritos pelo Brasil em termos de Direitos Humanos e Seguridade: segurados em pleno tratamento quimio-terápico e radioterápico, deficientes com perda total da capacidade laboral, doentes mentais com patologias gravíssimas, entre tantos outros casos, todos absoluta-mente na fila da alta programada dos benefícios.

A linguagem utilizada muitas vezes pelos médi-cos peritos do INSS dão conta de uma espécie de crôni-ca de uma morte anunciada: é lá em Brasília que decide se o benefício continuará ou não; é o sistema que dará o

resultado final; o médico não tem o poder para alterar nada, entre outras tantas falas e discursos que dizem muito, embora pretendam nada dizer.

A grande contradição neste processo de revisão dos benefícios por incapacidade talvez resida no se-guinte fato: são justamente nos casos mais antigos, na-queles em que o segurado permanece anos a fio sem sequer ingressar em um processo de habilitação e rea-bilitação profissional, que é necessário avaliar todos os demais aspectos que a jurisprudência passou a deno-minar como “condições pessoais e sociais”, à exemplo das várias Súmulas lavradas pela T.N.U. São justamen-te estes casos em que a idade do segurado, sua escola-ridade, seu poder de reciclagem no mercado cada vez mais automatizado e informatizado, passa a ser decisi-va para que possamos ter uma avaliação de sua (real) capacidade para o trabalho.

Com efeito, o não funcionamento a contento dos processos de habilitação e reabilitação profissional, aliado à falta de comunicabilidade entre a Saúde (SUS) e a Assistência Social, tornam esse quadro ainda mais gravoso para os segurados, especialmente aqueles mais pobres que dependem das políticas públicas previden-ciárias para sobreviverem.

Parece-nos, portanto, que não somente a perícia deve ser biopsicossocial, mas todo e qualquer pro-cedimento que busque avaliar a incapacidade dos se-gurados.

Neste talvegue, acalenta-nos a dicção do art. 2º, do Estatuto da Pessoa Deficiente (Lei n. 13.146/2015), que assim dispôs: “Considera-se pessoa com deficiên-cia aquela que tem impedimento de longo prazo de na-tureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. § 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdiscipli-nar e considerará: I — os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; II — os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III — a limitação no desempe-nho de atividades; e IV — a restrição de participação.”

Muito embora o Estatuto tenha dado prazo para vigência da análise biopsicossocial, que começará em 5 de janeiro de 2018, entendemos que desde já devemos buscar alternativas ao sistema concessório no que res-peita aos auxílios-doença.

Esta alteração, a nosso ver, deve começar justa-mente pela forma de concessão destes benefícios. Nes-

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te passo, parece que a forma mais eficaz e realista de se verificar a incapacidade do segurado é justamente por meio da avaliação biopsicossocial que o SUS poderá realizar, por meio de seus Postos, Unidades e Sistemas integrados de saúde. O mesmo vale para os CAP’s, em se tratando da concessão dos benefícios assistenciais da LOAS.

Por certo que existe muita resistência nesta pers-pectiva. A questão central pode assim ser pontuada: quem melhor conhece o segurado do que os médicos, assistentes sociais, psicólogos, terapeutas, enfermeiros, entre outros, que compõem a equipe inter e multidisci-plinar existentes nestas instituições vinculadas ao SUS? A objeção inicialmente colocada, de que estes profis-sionais não possuem o conhecimento técnico para emi-tirem atestados e laudos para o INSS não se sustenta. Como se disse, eles conhecem com mais profundidade o segurado, as equipes de saúde já visitaram sua casa, seu prontuário está disponível no “postinho” em que se trata, entre tantos outros fatores. Já o perito do INSS, certamente viu o segurado uma única vez, nos minutos que permaneceu com ele na pequena sala de avalia-ção não sabe sequer o seu nome, o que dirá os demais elementos que são indispensáveis para uma avaliação mais profunda.

Entendemos, portanto, que a fé pública que o mé-dico perito do INSS possui é a mesma do médico do Posto de Saúde ou da UBS. Ambos são servidores pú-blicos, independente da esfera a qual pertencem, con-cursados, empossados em seus cargos, sendo que os laudos e atestados que emitem não podem ser postos em dúvida.

Por certo que caberá ao INSS examinar todos os demais requisitos em cada caso concreto, à exemplo da qualidade de segurado, lapso carencial, entre ou-tros requisitos. Caberá, ainda, ao Setor Pericial médico do Instituto realizar as avaliações que se seguirem, de prorrogações, reconsiderações, avaliação junto ao pro-grama de habilitação/reabilitação profissional, entre outros misteres que competem ao corpo especializado do INSS.

Não temos dúvidas de que essa interação das três esferas que compõem a Seguridade Social torna mais rápido e efetivo o direito dos segurados quando da ava-liação dos seus pedidos. De nada adianta uma política pública ou uma justiça rápida, mas absolutamente con-tra os comezinhos direitos dos segurados, mormente quando incapazes de venderem sua força de trabalho, eis que doentes.

Referências bibliográficas

COSTA, José Ricardo Caetano. Perícia Biopsicossocial: perspectivas de um novo modelo pericial. Caxias do Sul: Plenum, 2014.

SERAU Jr., Marco Aurélio; BRAUNER, Maria Claudia Crespo; COSTA, José Ricardo Caetano (Orgs.). Direito e Saúde: construindo a justiça social. São Paulo: LTr, 2016. p. 27.

SERAU Jr., Marco Aurélio; COSTA, José Ricardo Caeta-no (Orgs.). Beneficio Assistencial: temas polêmicos. São Paulo : LTr., 2015.

A FALTA DE INTER-RELAÇÃO ENTRE A PREVIDÊNCIA (INSS) E A SAÚDE (SUS) NA AVALIAÇÃO DOS BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE

Claudio Ruiz EngelkeAdvogado, Mestrando em Direito e Justiça Social na FADIR/FURG.

José Ricardo Caetano CostaDoutor em Serviço Social (PUCRS) e em Direito (UNISINOS).

Professor do PPGDS da FADIR/FURG.

Com o fim de proteger o bem-estar dos cida-dãos dos riscos sociais, o Estado brasileiro instituiu na Constituição de 1988 um título que confere as di-retrizes sobre a ordem social. Esta tem como seu ali-cerce o primado do trabalho e como suas finalidades o bem-estar e a justiça social. Assim, em total sintonia com princípios fundamentais constitucionais como o da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da proteção do trabalho situa-se a Seguridade Social no segundo capítulo.

Observa-se que o art. 194 da CF/1988 estabelece que a seguridade social compreende um conjunto inte-

grado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Evidencia-se, desta forma, que o mecanismo de proteção atua como um sistema em que a saúde, a previdência e a assistên-cia social são mecanismos para garantir a efetivação de políticas públicas nas áreas essenciais ao indivíduo.

Esta forma de organização do texto constitucional foi inovadora. Foi com a promulgação da Constituição de 1988 que se observou a separação entre Direito da Seguridade Social e o Direito do Trabalho, ao se trazer

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para o bojo da Lei Maior um capítulo sobre a Segurida-de Social (MARTINS, 2006, p. 21).

A Seguridade Social possui princípios próprios que orientam igualmente os três segmentos, saúde, previdência e assistência social, conferindo assim se-melhanças cruciais entre os três eixos. O próprio texto constitucional elenca princípios atinentes à Seguridade Social como um todo, como a universalidade da cober-tura e do atendimento, a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e ru-rais, a seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços, a irredutibilidade do valor dos benefícios, a equidade na forma de participação no custeio, a diversidade da base de financiamento, bem como o caráter democrático e descentralizado da admi-nistração, mediante gestão quadripartite, com partici-pação dos trabalhadores, dos empregadores, dos apo-sentados e do Governo nos órgãos colegiados.

Ao unir as políticas públicas das três áreas da Seguridade a Constituição buscou um meio de melhor efetivá-las e também de unificar as fontes de custeio. A Seguridade Social possui princípios constitucionais próprios, bem como uma lógica própria de financia-mento, com recursos oriundos tanto da União quanto dos Estados, Municípios e Distrito Federal, e com con-tribuições sociais que incidem sobre os empregadores e as empresas, através das folhas salariais e rendimentos pagos aos trabalhadores, sobre a receita ou faturamento e sobre o lucro, bem como com a incidência sobre os rendimentos dos trabalhadores e segurados, sobre a re-ceita de concursos de prognósticos e do importador de bens ou serviços.

A Saúde, a Previdência e a Assistência Social, em-bora integrem a Seguridade Social, apresentam certas especificidades, além de regras e princípios próprios. (GARCIA, 2016, p. 27).

A Previdência Social aqui referida é a instituída através do Regime Geral da Previdência Social, é uma espécie de seguro social, de cunho essencialmente con-tributivo e atua na concessão de uma série de benefícios para cidadãos que preencham os requisitos legalmente estabelecidos, ou seja, concede aposentadorias, pensões e auxílios para segurados ou seus dependentes.

A saúde, garantida constitucionalmente como di-reito de todos e dever do Estado, é um direito eminen-temente universal e gratuito, e que deve ser realizada através de políticas públicas que tanto previnam quan-to protejam os cidadãos.

Ressalte-se que é importante a análise da saúde como política pública, que é parte de um processo que se originou no século XIX, com a vinda da Corte portu-guesa, e que passa pelos movimentos sanitaristas, pela formação do sistema de seguro social com origem nas Caixas de Aposentadorias e Pensões, criação dos Insti-tutos de Aposentadorias e Pensões, constituição do Ins-tituto Nacional de Previdência Social, e culmina com a Constituição de 88, que inseriu o SUS no contexto da seguridade social.

A Assistência Social possui caráter não contri-butivo e, embora faça parte do texto constitucional de

1988, sua atuação primordial é o benefício de prestação continuada, regulamentado pela Lei n. 8.792/1993, e sua efetivação ocorreu somente em 1997, e é executado através do INSS.

Em que pese tenham muitas afinidades, estas três áreas não se comunicam, o que gera um gasto além do necessário e confere um serviço que poderia ser melhor caso houvesse uma sinergia maior. A análise empírica ao observar a atuação dos órgãos responsáveis pela execução de políticas públicas na Seguridade Social de-monstra que inexiste articulação entre o INSS e o SUS.

A saúde possui relação estreita com a atuação de concessão de benefícios previdenciários. Infelizmente é evidente a ausência de comunicação entre os órgãos do INSS e do SUS no que se refere às demandas de au-xílio-doença comum (B-31), ou dos acidentários (B-91). Consequência desta desarticulação é o grande número de indeferimentos de pedidos por inexistência de pro-cedimentos vinculados à área da saúde, como exames, próteses, órteses, cirurgias, enfim, atividades realizadas através do SUS. A demora ou a omissão na entrega des-tes procedimentos para disponibilizar ao INSS acaba por frustrar a análise mais apurada da situação dos se-gurados, vindo a frustrar os pedidos.

Ademais, o contato do segurado com o médico do SUS pode ter uma conotação diferente daquela expe-rimentada com o médico-perito do INSS, podendo ser demonstrada uma situação mais próxima da realidade. Considerando o âmbito judicial, em que a Perícia Mé-dica Judicial passou a ser determinante na tomada de posição do Juiz em se tratando das ações que buscam a concessão de benefícios por incapacidade /invalidez/deficiência dos autores/segurados. (COSTA, 2014, p. 11), maior integração SUS e INSS poderia minimizar esta situação.

Desta forma, o SUS atua como relevante fator para a concessão de benefícios previdenciários, em especial os que verificam a incapacidade laboral cujos destinatários apresentam alguma deficiência ou inca-pacidade. Assim, uma análise mais apurada acerca da falta de inter-relação entre a autarquia previdenciária e o sistema de saúde pode apresentar respostas para aumentar a celeridade em processos de concessão de benefícios por incapacidade além de influenciar direta-mente em seus resultados.

Referências bibliográficas

COSTA, José Ricardo Caetano. Perícia Biopsicossocial: perspectivas de um novo modelo pericial. Caxias do Sul: Plenum, 2014.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Saúde no contexto dos Direitos Fundamentais e da Seguridade So-cial. In: SERAU JR., Marco Aurélio; BRAUNER, Maria Claudia Crespo; COSTA, José Ricardo Cae-tano. Direito e Saúde: construindo a justiça social. São Paulo: LTr, 2016. p. 27.

MARTINS, Sergio Pinto. Fundamentos de Direito da Segu-ridade Social. São Paulo: Atlas, 2006.

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UM OLHAR HISTÓRICO SOBRE O PROCESSO DE HABILITAÇÃO/REABILITAÇÃO PROFISSIONAL DOS TRABALHADORES

Ana Maria IsquierdoAdvogada. Mestre em Direito e Justiça Social na FADIR/FURG.

Os procedimentos de recuperação dos trabalha-dores, de modo que possam retornar a exercer nova-mente suas atividades laborais ou outra de complexida-de diferente, sempre estiveram presentes no âmbito da seguridade social como um todo.

Na verdade, desde as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), onde várias delas ofereciam serviços médicos e de assistência aos acidentados no trabalho, uma incipiente espécie de reabilitação era encontrada. Na fusão das CAPs com os Institutos de Aposentado-rias e Pensões (IAP’s), restou mais visível a preocupa-ção com a recuperação e reinserção dos trabalhadores quando não mais detinham a capacidade laboral.

O Instituto de Aposentadorias e Pensões dos In-dustriários (IAPI), por sua vez, foi o primeiro Instituto a regulamentar esse procedimento no âmbito dos bene-fícios, por meio do Decreto n. 44.770, de 3 de novembro de 1958. Este Decreto criou a Comissão de Reabilitação Profissional e Serviço Social, a qual ficou encarregada de implantar, organizar e executar os serviços de reabi-litação profissional. (ROSA, s/d)

Percebe-se, pela leitura do art. 53 da Lei Orgâni-ca da Previdência Social (LOPS), aprovada pela Lei n. 3.807, de 26 de agosto de 1960, que esse dispositivo do IAPI embasou a construção do que veio a ser denomi-nado de Readaptação Profissional.(1)

Na LOPS de 1960, por sua vez, encontramos esse procedimento de forma muito rica e proveitosa aos trabalhadores que adoecem e perdem sua capacidade laboral. Algumas das ideias que hoje cogitamos, como veremos a seguir, já estavam dispostas nos cinco longos artigos do Regulamento Geral da Previdência Social há quarenta e seis anos.

Vejamos, pela importância que esse processo reabi-litatório possui para os fins deste trabalho, os principais pontos constantes nesse procedimento reabilitatório:

a) Primeiro, é de se observar que a reabilitação é compreendida como um processo inter e multidis-ciplinar, que envolve os médicos, assistentes sociais, psicólogos e outros profissionais, sendo a decisão final tomada em conjunto;

b) Segundo, é permitido ao beneficiário do pro-grama, por oportunidade, desnecessidade ou impos-sibilidade técnica do tratamento, recusar o tratamento apontado (inciso III, art. 171);

(1) É de frisar que as primeiras manifestações acerca deste processo o vinculava a um procedimento de reeducação profissional, com um viés educativo e pedagógico.

c) Terceiro, além da orientação, formação profis-sional e colocação ou reemprego, caberá à equipe en-carregada do processo indicar o tratamento adequado, assim como acompanhar o caso até a plena reabilitação profissional do trabalhador;

d) Quarto, os cursos para formação e treinamen-to deverão ser oferecidos não somente no início do pro-cesso, mas mantidos de forma periódica, de modo a as-segurar a garantia e efetividade do retorno do segurado ao trabalho.

Além destes pontos, merecem uma reflexão mais detida em mais dois dispositivos constantes na LOPS de 1960. O primeiro, o fato de a assistência médica dos órgãos locais poder requer o encaminhamento de um segurado que está em tratamento, mas não em gozo de um benefício de auxílio-doença, para que possa realizar o processo de readaptação profissional. Vejamos, atua-lizando essa ideia para os dias atuais, que um segurado é atendido em um posto de saúde no SUS e o médico que o atendera perceba, pela patologia que o trabalha-dor apresenta e diante de sua própria experiência or-dinatória cotidiana, que há um risco grande de perder seu emprego devido à patologia e suas implicações. Encaminhar este segurado a um processo prévio de readaptação laboral atende aos fins de proteção social que a Seguridade é imbuída desde seu nascedouro. Isso sem falar na economia que o erário da Seguridade terá quando deixa de arcar com anos a fio com um benefício por incapacidade, quando poderia, antes da perda do emprego, ter encaminhado preventivamente o segura-do para a reabilitação.

O segundo ponto que merece destaque encontra--se no art. 174 da LOPS/60, cuja importância e atuali-dade merece a citação literal do dispositivo: “Fora dos casos previstos nos §§ 1º e 2º do art. 52, será permitido ao beneficiário, que esteja em processo de reabilitação profissional, e tenha possibilidade, ainda que parcial, de auferir alguma remuneração pelo exercício de ativi-dade para a qual já esteja habilitado, acumular o pro-vento do benefício com essa remuneração, até o dobro do valor daquele, reduzindo-se proporcionalmente este valor na medida em que a remuneração alcançar o limi-te mencionado.” A ideia é bastante interessante e tam-bém atual, podendo assim ser traduzida: um segurado poderá, mesmo em processo reabilitatório, conseguir novo emprego e começar a receber salários como em-pregado, sem a perda de continuidade da participação do processo e sem a perda do benefício que vem rece-bendo da Previdência Social. Quando conseguir auferir o dobro do valor do benefício, que vai perdendo grada-

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tivamente o valor até desaparecer totalmente o encargo da Previdência Social. Por certo que esta medida é um verdadeiro incentivo a um processo sério e consequen-te de reabilitação do segurado. Até mesmo porque ele não deseja permanecer eternamente realizando cursos, oficinas e tentando nova recolocação profissional. Por outro lado, caso não lhe seja garantido um procedimen-to verdadeiramente eficaz, sério e consequente, o bene-fício previdenciário torna-se sua única fonte de subsis-tência, da qual não poderá abrir mão.

Uma sistemática adotada pela LOPS de 1960, que diz respeito diretamente ao processo de reinserção (ou não) dos segurados ao mercado de trabalho, merece ser citada pela atualidade que julgamos possuir. Trata--se do direito à Aposentadoria por Invalidez constan-te no art. 27, que assim dispôs: “A aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, após haver percebido auxílio-doença pelo prazo de 24 (vinte e qua-tro) meses, continuar incapaz para o seu trabalho e não estiver habilitado para o exercício de outro, compatível com suas aptidões.

O que vale dizer, seguindo esta sistemática ado-tada na legislação de 1960, que a Previdência Social têm o prazo razoável de dois anos para tentar observar o desenrolar da patologia e do estado de saúde laboral do segurado. Passado esse tempo, impõe-se conceder a aposentadoria por invalidez compulsória e automati-camente, ao invés de o deixar esperando por décadas, como acontece na atualidade.

E mais, este dispositivo avança e garante, ainda, que não é necessário o gozo do benefício do auxílio--doença para ser concedida a aposentadoria por inva-lidez, desde que fundada em exames e análise prévia que aponte pela incapacidade total e definitiva para o trabalho.

Por certo que o entendimento constante neste dis-positivo é o de que cabe à Previdência Social manter e

oferecer o serviço de reabilitação/habilitação profissio-nal a seu encargo, a contento com os interesses dos se-gurados, e não contra estes. Incumbe a si esse processo, e não ao segurado que é a parte mais fraca e hipossufi-ciente, dependendo desta política pública de proteção e segurança social para prover os mínimos sociais.

Lamentavelmente, a Consolidação das Leis da Previdência Social (CLPS), instituída durante o Gover-no Militar e 1977, por meio do Decreto n. 77.077, apre-senta somente um artigo, evasivo e abstrato, prevendo tão somente que se trata de assistência reeducativa e de readaptação profissional, a que tem direito aqueles se-gurados que recebem auxílio-doença e os aposentados e pensionistas inválidos, a cargo da ABBR (Associação Brasileira de Reabilitação) e outras instituições de ca-rácter privado.

Na CLPS de 1984, instituída pelo Decreto n. 89.312 daquele ano, este procedimento não encontra melhor sorte, sendo mantido praticamente o mesmo artigo constante na CLPS de 1976, vindo, o seu Regu-lamento, sequer tangenciar qualquer um dos pontos levantados na LOPS de 1960, como vimos.

A Lei n. 8.213/1991, por sua vez, não avançou muito se formos comparar com os dispositivos cons-tantes na LOPS de 1960. Os pontos principais ressalta-dos como positivos, portanto, não foram recepcionados pela nova Lei de Benefícios da Previdência Social, nem pelo seu Decreto Regulamentador n. 348/1999.

De qualquer sorte, esse processo de habilitação e reabilitação profissional dos trabalhadores parece ter enfraquecido nas últimas décadas. Não é por nada que na própria MP n. 767/2017 foi retirada a habilitação profissional deste procedimento. Constou somente a reabilitação, com forte indicação de que não é de inte-resse da política pública o despertar de novos saberes e habilidades dos segurados doentes e incapazes para o trabalho.

O CAOS DA PERÍCIA MÉDICA NO INSS — A TERCEIRIZAÇÃO COMO SOLUÇÃO EMERGENCIAL

Thaysa Claudia Soares LeãoAdvogada previdenciarista. Pós-graduada em Direito Previdenciário pela PUC Minas Gerais.

Diante do relato diário de centenas de segurados e assistidos da Previdência e Assistência Social, respec-tivamente, que peregrinam pelas agências em todo o

país, especificamente no estado de Alagoas, extrai-se impressão parecida: longo período de espera para a marcação das perícias com a realização de exames rá-

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pidos e superficiais. Em situações ocorridas em menor escala, porém, não raras de acontecer: remarcações de perícia informadas no dia em que deveria ser realizado o exame, postergando ainda mais o tempo de espera pelo atendimento.

Ademais, o número crescente de queixas acerca do atendimento em geral despertou o interesse para descobrir a razão da fragilidade de um sistema opera-cionalizado já há tanto tempo, não só em Alagoas, mas, como é cediço, em todo o país, bem como a plausibi-lidade da terceirização como solução emergencial para suprir as lacunas verificadas na sistemática pericial do INSS.

Com o fito de analisar os inúmeros relatos acer-ca das nuances que revestem a realização das perícias médicas no INSS, notadamente no que pertine à sua eficiência, realizou-se um estudo que contemplou prin-cipalmente dados obtidos nos autos da Ação Civil Pú-blica(1) ingressada pelo Ministério Público Federal em Alagoas em meados do ano de 2016. Consoante docu-mentos acostados aos autos da ação em comento(2), os relatos dos segurados/assistidos são corroborados por dados que indicam verdadeira ineficiência na gestão do sistema de concessão de benefícios por incapacidade, evidenciando que o acesso à efetivação do direito social de fato está bem distante da realidade vivenciada.

Os principais problemas constatados na docu-mentação da ação judicial se referem a questões geren-ciais, tais como: a) precário funcionamento dos sistemas SABI e SIB(3); b) falha na fiscalização e acompanhamen-to das jornadas dos médicos peritos; c) ausência de au-tonomia local para tomadas de decisão.

Os sistemas em comento são utilizados pelo INSS para a análise dos benefícios por incapacidade, sendo alimentados pelos profissionais a partir da análise da documentação médica apresentada e do exame médico pericial realizado. Os usuários declararam em depoi-mentos que lentidão e falhas de atualização dos dados inseridos são frequentes. Informou-se ainda que, diante da ausência de um dos peritos, inobstante a presença de outro que pudesse substituí-lo, não existe mecanismo no sistema que possibilite a mudança do profissional responsável, evitando assim a indesejável remarcação, ignorando completamente a escassez de recursos e di-ficuldade dos assistidos/segurados para se deslocarem até a agência da previdência em nova data.

Constam registros nos autos acerca de episódios envolvendo médicos peritos exercendo suas funções em dois órgãos públicos no mesmo dia/horário, haja vista a inexistência de ponto biométrico nas agências, sendo o registro de presença feito por meio de senha. Apesar da constatação dessa irregularidade, compro-

(1) Processo n. 0803518-83.2016.48000, em trâmite perante a 13ª Vara Federal da Seção Judiciária de Alagoas, processo esse que conta com mais de 3000 laudas, lastreado em dois Inquéritos Civis.

(2) Extraídos dos Inquéritos Civis n. 1.11.000.001016/2012-42 e 1.11.000.001560/2014-56, de Notícias de Fatos e Procedimentos Prepa-ratórios, cujos cursos ocorreram perante a Procuradoria da República em Alagoas.

(3) SABI — Sistema de Administração de Benefícios por Incapacidade / SIB — Sistema Integrado de Benefícios.

vou-se que os salários dos profissionais não sofreram qualquer alteração.

Mesmo nas agências de Alagoas que contam com número razoável de peritos alocados, não se ob-serva nos registros a realização de exames periciais em quantidade satisfatória e tempo breve de espera para agendamento, haja vista o fato de existir escala de pro-fissionais em determinadas datas sem o correspondente agendamento dos exames, sob a justificativa de realiza-ção de trabalho interno, porém, sem o devido detalha-mento acerca de tal atividade.

Destacou-se ainda o número de médicos peritos afastados por razões particulares, apesar da previsão le-gal acerca do afastamento a critério da Autarquia, con-soante a necessidade pública. Nesse ínterim, a gerência executiva local justifica a subordinação às gestões re-gional e nacional, ressaltando a falta de autonomia em relação à remoção de servidores.

Diante de um cenário tristemente corriqueiro em solo brasileiro, em que o servidor público ignora seu compromisso com o cidadão e privilegia interesses pes-soais, negligenciando sua responsabilidade profissional, a hipótese de instituição do serviço terceirizado, remu-nerado por produção, com a fiscalização da qualidade do serviço prestado afigura-se não como solução ideal, mas, emergencial, com a finalidade maior de acolher e prestar um atendimento condizente com os princípios que lastreiam a Previdência e a Assistência Social.

Ademais, da análise das informações prestadas na documentação da ACP em comento, que provavel-mente reflete a realidade de outras localidades além de Alagoas, o sistema que ampara os médicos peritos apre-senta uma série de fragilidades que atestam sua dispen-sabilidade como garantia de prestação de serviço eficaz, sendo plenamente possível que profissional terceirizado consiga cumprir sua função com maestria, independen-te da estrutura atualmente ofertada pelo INSS.

Todavia, diante da publicação do Decreto n. 8.691/2016(4) autorizando a celebração de convênios en-tre o INSS e órgão/entidades públicas integrantes do Sis-tema Único de Saúde — SUS para os requerimentos de auxílio-doença, apesar da expectativa de desafogamento da agenda pericial, esta restou totalmente frustrada, pois pouco se tem notícia acerca de sua concretização.

Pelo contrário, visto que a morosidade é observada na prática, já que o art. 3º da Portaria Interministerial(5) estabelece que a colaboração do SUS somente ocorrerá “nos casos de impossibilidade de realização de perícia médica pelo INSS, assim como de efetiva incapacidade física ou técnica de implementação das atividades e de atendimento adequado à clientela da Previdência Social”.

Não se concebe, pois, tamanha omissão em reco-nhecer a ineficiência e consequente ineficácia do siste-ma, ao se instituir a ressalva no dispositivo acima trans-crito, em face da relevância da matéria e a urgência dos que necessitam do amparo prestado por um benefício por incapacidade para sobreviver.

(4) Que regulamenta a alteração trazida pela Lei n. 13.135/2015.

(5) MS/MTPS n. 3 de 10.5.2016.

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UNIÃO ESTÁVEL SEM COABITAÇÃO

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

A 2ª Turma do TRF-1, de Brasília, manteve sen-tença que julgou improcedente o pedido de percepção integral da pensão por morte ao filho que não compro-vou a inexistência da relação entre o pai e uma mulher, considerada como sua dependente.

O caso chegou ao tribunal após o requerente, in-conformado com a decisão da primeira instância, apre-sentar recurso insistindo no seu direito ao recebimento integral da pensão, alegando que a mulher tida como companheira do pai não mantinha mais qualquer re-lação com ele, à época do falecimento, não podendo, portanto, ser dependente e continuar recebendo cota do benefício.

Na apelação contra a sentença da 3ª Vara da Co-marca de Barbacena/MG, o filho argumentou que os documentos que embasaram a concessão do benefício à companheira eram anteriores à separação do casal. De acordo com prova testemunhal colhida, e escrituras pú-blicas declaratórias, comprovou-se que o pai havia se mudado sozinho para um sítio e foi visitado pela mu-lher apenas duas vezes durante cinco anos.

No voto, o desembargador João Luiz de Sousa esclareceu valer a legislação vigente ao tempo do óbito do instituidor nos casos de pensão por morte, segundo orientação do STJ. A lei vigente à época do óbito é a Lei n. 8.213/1991 que tem como beneficiários, na condição dos dependentes do segurado, o cônjuge, a companhei-ra, o companheiro e o filho não emancipado, de qual-quer condição, menor de 21 anos ou inválido.

No caso dos dependentes citados na referida lei, que inclui, entre eles, a companheira do segurado, a de-pendência econômica é presumida.

Para o desembargador João Luiz, o autor não foi capaz de comprovar que a união estável entre o pai e a mulher não mais existiria à época do óbito. A orienta-ção jurisprudencial do STJ, acompanhada pelo TRF-1, é a de que a união estável não necessita de coabitação para ser comprovada, sendo suficientes outros elemen-tos probatórios que caracterizem o intuito de constituir família. E, no entendimento do relator, houve docu-mentos suficientes para provar a existência da união estável entre o instituidor do benefício e a mulher.

O magistrado destacou elementos probatórios da união estável que foram juntados aos autos, como escrituras públicas declaratórias e certidões do Cartó-rio de Registros de Imóveis informando a aquisição de um apartamento residencial pela mulher e a instituição de usufruto em nome do instituidor da pensão, por exemplo, bem como outros elementos. “Não é possível concluir nem pela ruptura da união estável, nem pela sua continuidade até a data do óbito do instituidor do benefício, não havendo, contudo, controvérsia quanto à existência de prévio compartilhamento de vidas entre os companheiros, com mútua cooperação e irrestrito apoio moral e material”. A mulher foi reconhecida como com-panheira e, portanto, dependente legal do segurado.

O colegiado, por unanimidade, negou provimen-to à apelação do autor.

Processo n. 0032322-68.2014.4.01.9199/MG.

APOSENTADORIA ESPECIAL SEM LAUDO TÉCNICO E COM PERFIL PROFISSIOGRÁFICO

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

Nos pedidos de aposentadoria especial feitos com base em exposição do trabalhador a ruído noci-vo, a apresentação do Laudo Técnico de Condições

Ambientais de Trabalho (LTCAT) pode ser dispensada quando o processo é instruído com o Perfil Profissio-gráfico Previdenciário (PPP). Todavia, são ressalvados

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os casos em que o INSS suscita dúvida objetiva em re-lação à congruência entre os dados do PPP e o próprio laudo que embasou sua elaboração.

O entendimento foi firmado pela Primeira Seção do STJ ao julgar incidente de uniformização de jurispru-dência apresentado pelo INSS. O pedido da autarquia, inicialmente dirigido à Turma Nacional de Uniformiza-ção da TNU, foi motivado pelo acolhimento de pleito de aposentadoria especial pela 1ª Turma dos Juizados Especiais da Justiça Federal do Rio Grande do Sul. Com base em perfil profissiográfico, o colegiado gaúcho re-conheceu que um profissional foi submetido a níveis insalubres de ruído em seu ambiente de trabalho.

Para a autarquia, a inexistência no processo de laudo técnico para medição do ruído afastaria a possi-bilidade de deferimento da contagem especial do tem-po de aposentadoria.

A TNU indeferiu o pedido do INSS e reiterou o entendimento de que, em regra, deve ser considerado exclusivamente o PPP como meio de prova da exposi-ção do trabalhador ao agente insalubre, inclusive nos casos de ruído, independentemente da apresentação do laudo técnico-ambiental.

Após o indeferimento, o INSS dirigiu o incidente de uniformização ao STJ — a possibilidade de recurso está prevista no art. 14 da Lei n. 10.259/2001 — e argu-mentou que a própria jurisprudência do tribunal estabe-lece a necessidade da apresentação de laudo técnico para a comprovação da efetiva exposição ao agente nocivo em níveis superiores aos tolerados pela legislação trabalhista.

O relator do incidente, ministro Sérgio Kukina, reiterou o entendimento do STJ no sentido de que, nos casos de ruído, é necessário laudo técnico para fins de constatação de insalubridade no ambiente de trabalho.

“Entretanto, sendo também certo que o PPP é produzido com base no laudo técnico em tela, exsurge a seguinte questão: o perfil profissiográfico seria sufi-ciente para a comprovação da exposição do agente ruí-do em nível acima do tolerável, de forma a embasar o reconhecimento do exercício de atividade em condições especiais?”

O ministro lembrou posições doutrinárias que apontam que a comprovação da exposição do segura-do aos agentes nocivos se dá mediante a confecção do perfil profissiográfico, emitido pela empresa com base em laudo técnico de condições ambientais de trabalho.

“Lícito se faz concluir que, apresentado o PPP, mostra-se despicienda a também juntada do LTCAT aos autos, exceto quando suscitada dúvida objetiva e idônea pelo INSS quanto à congruência entre os dados do PPP e do próprio laudo que o tenha embasado”, con-cluiu o relator.

No voto, acompanhado de forma unânime pelo colegiado, o ministro Kukina também ressaltou que, no caso em julgamento, o INSS não suscitou nenhuma ob-jeção quanto ao conteúdo do PPP juntado ao processo de aposentadoria, “não se podendo, por isso, recusar--lhe validade jurídica como meio de prova apto à com-provação da nociva exposição do trabalhador”.

APOSENTADORIA ESPECIAL SEM LTCAT E COM PPP

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

No pedido de aposentadoria especial com base em exposição do segurado a ruído nocivo, a apresenta-ção do LTCAT pode ser dispensada quando o processo é instruído com o PPP. São ressalvados os casos em que o INSS suscitar dúvida objetiva em relação à congruên-cia entre os dados do PPP e o LTCAT que embasou sua elaboração.

Esse o entendimento da Primeira Seção do STJ ao julgar incidente de uniformização de jurisprudência apresentado pelo INSS. O pedido da autarquia, dirigi-do à TNU, foi motivado pelo acolhimento de pleito de aposentadoria especial pela 1ª Turma dos Juizados Es-peciais da Justiça Federal do Rio Grande do Sul. Com base em perfil profissiográfico previdenciário, o cole-giado gaúcho reconheceu que um profissional foi sub-metido a níveis insalubres de ruído em seu ambiente de trabalho.

Para a autarquia, a inexistência no processo de laudo técnico para medição do ruído afastaria a possi-bilidade de deferimento da contagem especial do tem-po de aposentadoria.

A TNU indeferiu o pedido do INSS e reiterou o entendimento de que, em regra, deve ser considerado exclusivamente o PPP como meio de prova da exposi-ção do trabalhador ao agente insalubre, inclusive nos casos de ruído, independentemente da apresentação do laudo técnico-ambiental.

Após o indeferimento, o INSS dirigiu o incidente de uniformização ao STJ — a possibilidade de recurso está prevista no art. 14 da Lei n. 10.259/2001 e argu-mentou que a própria jurisprudência do tribunal esta-belece a necessidade da apresentação de laudo técnico para a comprovação da efetiva exposição ao agente no-

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civo em níveis superiores aos tolerados pela legislação trabalhista.

O relator ministro Sérgio Kukina reiterou o enten-dimento do STJ no sentido de que, nos casos de ruído, é necessário laudo técnico para fins de constatação de insalubridade no ambiente de trabalho.

“Entretanto, sendo também certo que o PPP é produzido com base no laudo técnico em tela, exsurge a seguinte questão: o perfil profissiográfico seria sufi-ciente para a comprovação da exposição do agente ruí-do em nível acima do tolerável, de forma a embasar o reconhecimento do exercício de atividade em condições especiais?”

O ministro lembrou posições doutrinárias que apontam que a comprovação da exposição do segura-

do aos agentes nocivos se dá mediante a confecção do perfil profissiográfico, emitido pela empresa com base em laudo técnico de condições ambientais de trabalho.

“Lícito se faz concluir que, apresentado o PPP, mostra-se despicienda a também juntada do LTCAT aos autos, exceto quando suscitada dúvida objetiva e idônea pelo INSS quanto à congruência entre os dados do PPP e do próprio laudo que o tenha embasado”, con-cluiu o relator.

O ministro Kukina também ressaltou que o INSS não suscitou nenhuma objeção quanto ao conteúdo do PPP juntado ao processo do benefício, “não se poden-do, por isso, recusar-lhe validade jurídica como meio de prova apto à comprovação da nociva exposição do trabalhador”.

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3º PAINEL

APOSENTADORIA DE SERVIDORA COM POSSE ILEGAL

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

A Primeira Seção do STJ concedeu mandado de segurança para manter a aposentadoria de uma Auditora-Fiscal do Trabalho que havia sido nomeada para o cargo público com amparo em medida judicial precária.

O concurso prestado pela autora teve duas eta-pas: provas e curso de formação. Não tendo sido consi-derada aprovada na primeira etapa, ela impetrou man-dado de segurança e obteve liminar que lhe permitiu continuar na disputa e realizar a segunda etapa.

Terminado o curso de formação, ainda sob o am-paro da liminar, foi ajuizada ação ordinária com pedido de nomeação para o cargo, que assegurou à candidata o direito de tomar posse.

Ela exerceu o cargo por vários anos, até se apo-sentar.

A sentença no mandado de segurança também foi favorável à servidora, mas, muito tempo depois da aposentadoria, o TRF da 3ª Região deu provimento a recurso da União e cassou a decisão que havia permiti-do sua participação na segunda fase do concurso.

Após processo administrativo, foi editada por-taria tornando sem efeito a nomeação para o cargo e, consequentemente, a aposentadoria. A auditora entrou no STJ com mandado de segurança contra o ato da ad-ministração.

O relator, ministro Herman Benjamin, esclareceu inicialmente que o êxito na ação ordinária não assegu-rou à demandante o direito ao cargo, pois tal ação era dependente do resultado do mandado de segurança an-terior, o qual buscava garantir a aprovação na primeira etapa do concurso. Como a decisão final no mandado

de segurança foi desfavorável à servidora, considera-se que ela não foi aprovada, perdendo assim o direito de nomeação que havia buscado com a ação ordinária.

O ministro reconheceu também que o entendi-mento do STJ e do STF é no sentido de que candidato nomeado com amparo em medida judicial precária não tem direito a permanecer no cargo se a decisão final lhe é desfavorável.

Tanto é assim, disse o ministro, que se ela ainda estivesse exercendo o cargo não haveria irregularidade no seu afastamento depois do trânsito em julgado da decisão judicial desfavorável sobre sua participação no concurso.

No entanto, observou Herman Benjamin, a apo-sentadoria da servidora constituiu situação excepciona-líssima.

“Embora o vínculo de trabalho fosse precário, o vínculo previdenciário, após as contribuições previden-ciárias ao regime próprio, consolidou-se com a reunião dos requisitos para a concessão de aposentadoria”.

Para Herman Benjamin, a legislação federal esta-belece a cassação da aposentadoria apenas nos casos de demissão do servidor público e de acumulação ilegal de cargos (art. 133, § 6º, e art. 134 da Lei n. 8.112/1990). Não há, portanto, respaldo legal para impor a mesma penalidade quando o exercício do cargo é amparado por decisões judiciais precárias e o servidor se aposenta por tempo de contribuição durante esse exercício após legítima contribuição ao sistema.

Este é exemplo do contrato-realidade de Mário de La Cueva (Derecho Mexicano del Trabajo), o que vale é o real.

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APOSENTADORIA ESPECIAL DO VIGILANTE ARMADO

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

A Primeira Turma Especializada do Tribunal Re-gional Federal da 2ª Região (TRF2) decidiu, por unani-midade, reformar a decisão de 1º grau, condenando o INSS a conceder aposentadoria especial a W.F.S., des-de a data de entrada do requerimento administrativo (DER), em 26.11.2012. O Colegiado reconheceu como especial o tempo trabalhado por ele na função de vigi-lante, com porte de arma de fogo, em período posterior à edição da Lei n. 9.032/1995, no caso, de 29.4.1995 até 21.5.2012.

A decisão garante o benefício previdenciário ao autor, uma vez que esse período, somado ao período de 13.1.1986 a 28.4.1995 — já reconhecido como especial pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), perfaz um total superior aos 25 anos exigidos. A autarquia jus-tificou a negativa quanto aos demais períodos alegando que, a partir da edição da referida lei, o reconhecimento da especialidade depende da comprovação da efetiva exposição do segurado a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física.

Mas, para o relator do processo no TRF2, desem-bargador federal Paulo Espírito Santo, a alegação do INSS não procede, tendo em vista que o Perfil Profissio-gráfico Previdenciário (PPP) apresentado pelo segurado deixa claro que, no período em questão, ele trabalhou

na SBIL Segurança Bancária e Indústria, na função de vigilante, com o uso de arma de fogo, calibre 38, o que representa o risco à integridade física e à própria vida.

Segundo o magistrado, o PPP foi lavrado com a observância das exigências previstas na legislação e relata que as atividades desenvolvidas pelo segurado consistiam em: “vigiar dependências e áreas públicas e privadas com a finalidade de prevenir, controlar e combater delitos como porte ilícito de armas e muni-ções e outras irregularidades; zelar pela segurança das pessoas, do patrimônio e pelo cumprimento das leis e regulamentos; recepcionar e controlar a movimentação de pessoas em áreas de acesso livre e restrito; fiscalizar pessoas, cargas e patrimônio”.

“Deste modo, o conjunto probatório trazido aos autos demonstra, de forma clara e inequívoca, que o segurado laborou por todo o período de 29.4.1995 até 21.5.2012, em condições especiais, sendo-lhe possível a concessão de aposentadoria especial desde a DER (26.11.2012) como requerido”, concluiu o desembarga-dor, que determinou ainda o pagamento das parcelas em atraso, com juros de mora e correção monetária, conforme previsto na Lei n. 11.960/2009.

Processo: 0155677-78.2015.4.02.5117

INDENIZAÇÃO DE SERVIDORA SEM SALÁRIO-MATERNIDADE

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

O devedor da obrigação de desembolsar o salá-rio-maternidade quando da figura administrativa da requisição ainda produz dificuldades na aplicação das

normas incidentes. Sob esse instituto técnico, bastante usual, um servidor é cedido para trabalhar em outro órgão público.

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Desembargadores da 16ª Câmara Cível do Tribu-nal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro condenaram o município de Volta Redonda, no Vale do Paraíba, a pagar uma indenização por dano moral no valor de R$ 10 mil reais, mais atualização monetária, para a ex--servidora Rejane Bitencourt Jardim. Atualização mo-netária porque o fato constrangedor ocorreu em 1º de janeiro de 2013 e a solução se deu agora em 2017, quatro anos depois.

Essa servidora pública celetista da Prefeitura Mu-nicipal, contribuinte do RGPS, ocupava um cargo em comissão de assessora parlamentar na Câmara Munici-pal da cidade, em virtude de requisição legal ajustada entre os dois órgãos oficiais.

A decisão coincide com o mês em que se come-mora o Dia Internacional da Mulher (dia 8 de março).

Grávida, a servidora entrou em processo de ges-tação normal. Rejane Jardim começou a gozar a licen-ça-maternidade do INSS por 120 dias, como é usual. Durante o cumprimento dessa licença trabalhista pre-videnciária, ela foi demitida do cargo em comissão na Câmara Municipal e, por conseguinte, deixou de rece-ber o benefício mensal do INSS, que eram pagos havia dois meses.

Segundo a decisão, a suspensão do pagamento, ocorrido em janeiro de 2013 foi devido à falta de reco-lhimento das contribuições ao INSS, em favor da servi-dora, por quem de direito. Rigorosamente, a servidora deveria ter voltado a trabalhar na Prefeitura Municipal, uma vez cessado prazo da requisição.

Na apelação judicial, a Prefeitura Municipal ale-gou que o pagamento desse tributo previdenciário de-veria ser efetuado pela Câmara Municipal, onde a ser-vidora prestou serviços. A argumentação foi rejeitada pelo desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo, relator do processo, no voto seguido pelos demais ma-gistrados da 16ª Câmara Cível.

“Rechaça-se ainda a alegação do Município de que cabia ao INSS efetuar o pagamento do benefício referente à licença-maternidade da autora, uma vez que, havido a exoneração do cargo em comissão, em 1.1.2013, antes de findo o prazo para o recebimento do salário-maternidade previsto no art. 71 da Lei n. 8.213/1991, houve a perda de qualidade de segurado da autora, não tendo ocorrido, portanto, recolhimento da contribuição previdenciária pelo Município a par-tir de janeiro de 2013”.

Acresceu o magistrado:

“No que se refere ao dano moral, inegável o trans-torno e a preocupação da autora ao ver-se desprovida de sua remuneração, justamente em um momento de maiores gastos familiares com a chegada de um filho”.

Sem prejuízo da decisão sobre o dano moral não havia ocorrido a perda da qualidade de segurada, mas sim extinção do direito às mensalidades, o que, ainda assim, seria discutível.

A decisão não atentou para o art. 15 da Lei n. 8.213/1991.

Proc. n 0023620-47.2014.8.19.0

PENSÃO DE FILHAS DE SERVIDORES

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

O ministro do STF Edson Fachin deferiu parcial-mente liminar para suspender decisão do TCU, que ha-via determinado a revisão de pensões por morte pagas a filhas de servidores públicos federais. A liminar, con-cedida no Mandado de Segurança n. 34.677, vale para as pensionistas integrantes da Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social, auto-ra da ação. Além da plausibilidade jurídica do pedido, o ministro considerou que se trata de verba de nature-za alimentar e a revisão nos moldes determinados pelo TCU poderia resultar na cessação de uma das fontes de renda das pensionistas.

Nesse MS n. 34.677, a associação sustenta que o acórdão do TCU viola frontalmente a Lei n. 3.373/1958, que garantia as pensões às filhas solteiras maiores de 21 anos e previa o cancelamento do benefício somente no caso de casamento ou de ocupação de cargo público permanente pela pensionista.

O ministro Fachin, ao conceder parcialmente a liminar, explicou que a Lei n. 8.112/1990 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União) excluiu a filha sol-teira maior de 21 anos do rol de dependentes habilita-dos à pensão temporária. Assim, as pensões abrangidas

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pela decisão do TCU foram concedidas entre o início e o término de vigência da Lei n. 3.373/1958, de março de 1958 a dezembro de 1990.

A decisão assinala que a jurisprudência consoli-dada no STF é no sentido de que a lei que rege a con-cessão do benefício de pensão por morte é a vigente na data do óbito do segurado, lembrando que a tese foi fixada no julgamento de Recurso Extraordinário n. 597.389 sob a sistemática da repercussão geral. Esse entendimento era seguido pelo TCU até 2012, quando alterou sua interpretação sobre o tema e introduziu a premissa da dependência econômica.

Segundo o relator, o acórdão do TCU questiona-do pela associação não pode prevalecer em sua totali-dade, porque estabelece requisitos não previstos em lei. Segundo Fachin, ainda que a interpretação evolutiva do princípio da isonomia entre homens e mulheres após a Constituição Federal de 1988 inviabilize, em tese, a

concessão de pensão às filhas mulheres dos servidores públicos maiores e aptas ao trabalho, as situações ju-rídicas já consolidadas anteriormente não podem ser interpretadas retroativamente.

Assim, no seu entender, enquanto permanece sol-teira e não ocupa cargo permanente, a titular da pensão tem o direito à manutenção do benefício, e esse direito não pode ser retirado por legislação superveniente que estipule causa de extinção antes não prevista.

Considerando haver fundamento relevante e ris-co de ineficácia da medida, o ministro deferiu parcial-mente a liminar para suspender os efeitos do acórdão em relação às pensionistas associadas à associação até o julgamento definitivo do mandado de segurança, mantendo-se, porém, a possibilidade de revisão das pensões cujas titulares ocupem cargo público de caráter permanente ou recebam pensão por morte de cônjuges.

PREVIDÊNCIA DOS MÉDICOS INTERCAMBISTAS

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

Com a Lei n. 12.871/2013 iniciou-se o processo de contratação de médicos estrangeiros, principalmente cubanos, para prestarem serviços no Brasil em regiões afastadas ou periféricas das metrópoles.

Foi instituído um “Programa Mais Médicos”, com a finalidade de formar recursos humanos na área médica para o SUS e com os objetivos de diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias para o SUS, a fim de re-duzir as desigualdades regionais na área da saúde e am-pliar a inserção do médico em formação nas unidades de atendimento do SUS, desenvolvendo seu conhecimento sobre a realidade da saúde da população brasileira.

Esse programa será oferecido:

I — aos médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma revali-dado no País; e

II — aos médicos formados em instituições de educação superior estrangeiras, por meio de intercâm-bio médico internacional.

A seleção e a ocupação das vagas observarão a seguinte ordem de prioridade:

I — médicos formados em instituições de educa-ção superior brasileiras ou com diploma revalidado no País, inclusive os aposentados;

II — médicos brasileiros formados em institui-ções estrangeiras com habilitação para exercício da Me-dicina no exterior; e

III — médicos estrangeiros com habilitação para exercício da Medicina no exterior.

Considera-se:

I — médico participante: médico intercambista ou médico formado em instituição de educação supe-rior brasileira ou com diploma revalidado; e

II — médico intercambista: médico formado em instituição de educação superior estrangeira com habi-litação para exercício da medicina no exterior.

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Esse profissional exercerá a medicina exclusiva-mente no âmbito das atividades de ensino, pesquisa e extensão do Projeto Mais Médicos para o Brasil, dispen-sada, para tal fim, nos três primeiros anos de participa-ção, a revalidação de seu diploma.

Dispondo sob tema de grande indagação diz o art. 17 que: “As atividades desempenhadas no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil não criam vín-culo empregatício de qualquer natureza”. Logo, sem sujeição de INSS como trabalhador subordinado.

Portanto, esses médicos não serão empregados nem servidores dos municípios, estados, DF e da união. Diante da prestação de serviços resta a hipótese de se-rem contribuintes individuais. Sem prejuízo de uma eventual reclamação trabalhista, já que apresentarão algumas características dos empregados.

Note-se que esses médicos intercambistas farão jus ao visto temporário pelo prazo de três anos, prorro-gáveis por mais três.

Até mesmos os dependentes poderão obter esse visto, incluindo-se a esposa ou a companheira e sem pre-juízo de exercerem atividades remuneradas, com emis-são de CTPS pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

Ou seja, esses dependentes podem ser emprega-dos, mas os seus cônjuges não têm essa permissão.

Os médicos poderão perceber bolsas nas seguin-tes modalidades:

I — bolsa-formação;

II — bolsa-supervisão; e

III — bolsa-tutoria.

O médico participante enquadra-se como segura-do obrigatório na condição de contribuinte individual. Logo terá de contribuir com 20% do salário de contri-buição e este deverá ser o valor da bolsa de estudos. Não há Imposto de Renda em relação à referida bolsa de estudos.

RESTITUIÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO DE VEREADORES

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

Até que a matéria fosse decidida em termos le-gais, subsistiram dúvidas sobre a filiação e a contri-buição dos vereadores municipais. Principalmente no que diz respeito à restituição, caso o município tenha requerido ao INSS o retorno dos valores descontados e recolhidos. A Lei n. 9.506/1997, que a instituíra, não foi considerada constitucional pelo STF, mas, depois da emissão da EC n. 20/1998, a Lei n. 10.887/2004 pôs um ponto final na questão.

O município de Tapiraí/MG e a Fazenda Nacio-nal apelaram da sentença, da 1ª Vara Federal da Sub-seção Judiciária de Divinópolis/MG, que confirmou parcialmente a prescrição dos créditos relativos à con-tribuição previdenciária sobre os subsídios dos que exerceram mandato eletivo, no período de 1.1.1998 a 2.9.2004, e reconheceu o direito à restituição dos valores indevidamente recolhidos no período entre 2.9.2004 e 21.9.2004.

O município pleiteou a reforma do julgado para que fosse reconhecida a imprescritibilidade do dano ao erário ou, caso assim não se entenda, seja considerado

o termo inicial do prazo prescricional, o ato de reconhe-cimento da inconstitucionalidade da norma pela Pro-curadoria-Geral da Fazenda Nacional em 20 dias.

Por sua vez, a Fazenda Nacional recorreu da sen-tença, dentre outra razões alegou a ausência dos docu-mentos indispensáveis à propositura da ação, relativos às cópias das guias de Previdência Social e sustentou a falta de interesse processual relativamente à preten-são de inexistência de relação jurídica entre o autor e o INSS no período de 1998 a setembro de 2004. Não teria havido resistência por parte da Administração Públi-ca, em razão do ato do ministro da Previdência Social autorizando a não constituição dos créditos, no período de outubro a dezembro de 2004, por não mais existir o fundamento legal que dava respaldo à cobrança.

Ao analisar o caso, o relator, desembargador fe-deral Hercules Fajoses, destacou o entendimento do TRF-1 no sentido de admitir devolução dos valores pa-gos a título de contribuição previdenciária sobre a re-muneração dos detentores de mandato eletivo munici-pal, independentemente da apresentação dos demons-

LTr - Jornal do Congresso 37

trativos de pagamento, se ocorridos os recolhimentos antes da edição da Lei n. 8.212/1991, com a redação dada pela Lei n. 10.887/2004, reconhecendo, também, a aplicação do prazo quinquenal à prescrição, contado do ajuizamento do feito, bem como a necessidade de conde-nar em honorários a parte vencedora apenas de parcela mínima do pedido.

Segundo o magistrado, é devida a restituição dos valores aportados indevidamente no período en-

tre 2.9.2004 e 21.9.2004, conforme já reconhecido em sentença.

Nesses termos, a Sétima Turma do Tribunal Re-gional Federal da 1ª Região, por unanimidade, acompa-nhando o voto do relator, negou provimento à apelação do município autor e deu parcial provimento ao recur-so da Fazenda Nacional.

Processo n. 2009.38.11.003427-7/MG

UM CONCEITO DE SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

“A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional n. 20/1998”. Essa tese de repercussão geral foi fixada pelo Plenário do STF no julgamento do RE n. 565.160.

Essa matéria, com repercussão geral, envolve quase 7.500 processos semelhantes sobrestados nas de-mais instâncias. A empresa Nossa Senhora da Glória Ltda. pedia que fosse declarada a inexistência de rela-ção tributária com o INSS, pretendendo não ser obri-gada a recolher a contribuição previdenciária incidente sobre o total de remunerações pagas ou creditadas a qualquer título aos segurados empregados, conforme art. 22, I, da Lei n. 8.212/1991, mas somente sobre a fo-lha de salários.

A empresa desejava que a contribuição previden-ciária não incidisse sobre as seguintes verbas: adicio-nais de periculosidade e insalubridade, gorjetas, prê-mios, adicionais noturnos, ajudas de custo e diárias de viagem (quando excederem 50% do salário recebido), comissões e quaisquer outras parcelas pagas habitual-mente, ainda que em unidades, previstas em acordo ou convenção coletiva ou mesmo se concedidas por libera-lidade do empregador não integrantes na definição de salário, até a edição de norma válida e constitucional para a instituição da mencionada exação.

Dessa forma, com base nos arts. 146, 149, 154, I, 195, I e § 4º, da Constituição Federal, o recurso ex-traordinário discutia o alcance da expressão “folha de salários”, contida no art. 195, I, da CF, além da consti-

tucionalidade ou não do art. 22, I, da Lei n. 8.212/1991, com a redação dada pela Lei n. 9.876/1999, que insti-tuiu contribuição social sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título aos em-pregados.

O ministro Marco Aurélio votou pelo desprovi-mento do recurso. De acordo com ele, os ganhos habi-tuais do empregado são incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária. De início, o rela-tor afirmou que o art. 195 da CF foi alterado pela EC n. 20/1998, e esta passou a prever que “a contribuição incide sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados a qualquer título à pes-soa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício”.

O ministro salientou que antes da EC n. 20/1998, o art. 201 [então, § 4º e, posteriormente, § 11] sinalizou que os ganhos habituais do empregado a qualquer tí-tulo serão incorporados ao salário para efeito de con-tribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei.

Para o ministro deve ser aplicada a interpretação sistemática dos diversos preceitos da CF sobre o tema: “se de um lado o art. 155, I, disciplinava, antes da EC n. 20/1998, o cálculo da contribuição devida pelos empre-gados a partir da folha de salários, esses últimos vie-ram a ser revelados quanto ao alcance, o que se entende como salários, pelo citado § 4º [posteriormente, § 11], do art. 201”.

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4º PAINEL

O NOVO CPC E SEUS REFLEXOS NOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

João Batista LazzariJuiz Federal em Florianópolis/SC. Doutor em Ciência Jurídica

pela UNIVALI e Doutor em Direito Público pela Universidade de Perugia/Itália. Professor da Escola da Magistratura Federal e

do Trabalho em SC. Professor e Coordenador da Pós-Graduação em Direito Previdenciário do CESUSC. Membro emérito do Instituto

Brasileiro de Direito Previdenciário.

1. Introdução

Os Juizados Especiais foram instituídos a partir de valores novos, voltados à modernização da presta-ção jurisdicional no Brasil, primando pela celeridade e eficiência na solução dos conflitos.

Para Joel Figueira Júnior, essa nova maneira de prestar jurisdição significa, em primeiro lugar, um avanço legislativo de origem eminentemente constitu-cional, voltada a atender os antigos anseios dos cida-dãos por uma justiça apta a proporcionar uma presta-ção de tutela simples, rápida, econômica e segura, redu-zindo a indesejável litigiosidade contida, especialmente da população mais carente, e servindo de mecanismo hábil na ampliação do acesso à ordem jurídica justa.(1)

Pode-se dizer que o modelo de Juizados Espe-ciais adotado pelo Brasil busca atender à necessida-de de constante reestruturação e modernização dos meios de acesso à Justiça, acompanhando as trans-formações da sociedade e o desejo majoritário de uma prestação jurisdicional simplificada, sem as amarras e entraves do modelo convencional.

Partindo-se dessas premissas e diante da entra-da em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), surgem questionamentos sobre seus re-flexos em relação aos Juizados Especiais. Dessa forma, o presente estudo pretende investigar até que ponto o novo CPC aplica-se ao microssistema dos Juizados Especiais e, partindo-se da hipótese de aplicação sub-sidiária, objetiva-se identificar os impactos no processa-mento das demandas ajuizadas nos Juizados Especiais Federais(2).

(1) FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Manual dos juizados especiais cíveis estaduais e federais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 23-24.

(2) Juizados Especiais Federais: Sistema processual com instância recursal própria, criado pela Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001, para processar, conciliar e julgar as causas cíveis de competência da Justiça Federal cujo valor da causa não ultrapasse os sessenta salários mínimos, e os feitos criminais relativos às infrações de menor potencial ofensivo.

2. Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil nos Juizados Especiais

Os Juizados Especiais possuem uma dinâmica diferenciada e um procedimento inovador que deve ser compreendido e praticado pelos operadores jurí-dicos, evitando-se a denominada “ordinarização” do processo.

Segundo Omar Chamon, os Juizados se definem como um sistema absolutamente novo com princípios específicos e que exigem um olhar totalmente diferen-ciado.(3)

Sendo esse um dos desafios dos Juizados Espe-ciais, questiona-se se cabe nesse modelo a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.

Pode-se dizer que sim, mas deve-se agir com a devida ponderação e aplicar o CPC somente quando as leis que regem os Juizados Especiais não contenham disposição específica. Observando-se, ainda, os princí-pios norteadores dos Juizados Especiais.(4)

Ressalta-se que não há hierarquia entre o Código de Processo Civil e as leis que disciplinam os Juizados Especiais (Lei n. 9.099/1995, Lei n. 10.259/2001 e Lei n. 12.153/2009), prevalecendo o princípio da especialida-de da norma.

(3) CHAMON, Omar. Os princípios no cotidiano dos Juizados Especiais Federais. In: SERAU JR, Marco Aurélio; DENIS, Donoso (Coords.). Juizados Especiais Federais: reflexões nos dez anos de sua instalação. Curitiba: Juruá, 2012. p. 204.

(4) “O rito dos Juizados Especiais é talhado para ampliar o acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CRFB) mediante redução das formalidades e aceleração da marcha processual, não sendo outra a exegese do art. 98, I, da Carta Magna, que determina sejam adotados nos aludidos Juizados ‘os procedimentos oral e sumaríssimo’, devendo, portanto, ser apreciadas “cum grano salis” as interpretações que pugnem pela aplicação “subsidiária” de normas alheias ao microssistema dos Juizados Especiais que importem delongas ou incremento de solenidades.” (STF, ARE n. 648.629/RJ, Tribunal Pleno, Relator Ministro Luiz Fux, DJe em 7.4.2014).

LTr - Jornal do Congresso 39

A respeito do tema, o Enunciado FONAJEF n. 151: “O CPC/2015 só é aplicável nos Juizados Especiais naquilo que não contrariar os seus princípios norteado-res e a sua legislação específica”.

Cabe lembrar que os princípios básicos dos Jui-zados Especiais constam no art. 2º da Lei n. 9.099/1995, quais sejam: oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

Acentuam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery que mesmo inexistindo dispositivo ex-presso determinando a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil às ações que tramitam nos Juizados Especiais, referida aplicação ocorre pelo fato do CPC ser a lei ordinária geral do Direito Processual Civil no Brasil.(5)

Oscar Valente Cardoso complementa expressan-do que as leis específicas de cada Juizado Especial têm incidência subsidiária preferencial, observando-se a or-dem cronológica de preferência e, o Código de Processo Civil, será sempre a última fonte, por ser a lei geral re-gulamentadora do Direito Processual Civil no Brasil.(6)

No mesmo sentido, Kátia Aparecida Mongone defende a prevalência do critério da especialidade, de-vendo o Código de Processo Civil ser aplicado somente nas hipóteses de inexistência de norma no microssiste-ma dos Juizados Especiais.(7)

Dessa primeira análise é possível concluir que o emprego das normas do CPC nos Juizados Especiais, compatibilizando-as com os princípios inerentes a esse microssistema, sempre que houver uma lacuna legal a ser suprida. Por exemplo: requisitos da petição inicial, contagem de prazos, regras do contraditório, priorida-des, limites do recurso, interesse recursal, julgamento por decisão monocrática, entre outras, as quais serão examinadas na sequência.

3. Impactos do novo Código de Processo Civil nos Juizados Especiais Federais

O CPC/2015 inova por apresentar um conjunto de comandos que fomentam o diálogo e o controle de todas as ações dos sujeitos processuais, por exemplo, a boa-fé processual, a fundamentação estruturada das decisões e o formalismo democrático.

Esse novo diploma foi idealizado para harmoni-zar o sistema processual civil com as garantias constitu-cionais do Estado Democrático de Direito, buscando o equilíbrio entre conservação e inovação, evitando uma drástica ruptura com as normas em vigor. Destacamos dentre as inovações trazidas pelo CPC/2015 as que seguem:

(5) NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 11. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 1604.

(6) CARDOSO, Oscar Valente. Regras de incidência subsidiária de normas e preenchimento de lacunas: uma leitura a partir do sistema normativo dos Juizados Especiais Cíveis. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Editor Oliveira Rocha. n. 100, jul. 2011. p. 87.

(7) MANGONE, Kátia Aparecida. Análise da Aplicação do Código de Processo Civil aos Juizados Especiais Federais Cíveis. In: SERAU JR., Marco Aurélio; DONOSO, Denis (Coords.). Juizados Especiais Federais: reflexões nos dez anos de sua instalação. Curitiba: Juruá, 2012. p. 148.

— o incentivo à realização de conciliação e me-diação judiciais (art. 3º, § 3º);

— a prolação de sentenças ou acórdãos pelos juí-zes e tribunais atendendo, preferencialmente, a ordem cronológica de conclusão (art. 12, com redação conferi-da pela Lei n. 13.256/2016), excetuando-se a esta regra “causa que exija urgência no julgamento, assim reco-nhecida por decisão fundamentada” (art. 12, § 2º, IX);

— a criação do negócio jurídico processual, ou seja, as partes, de comum acordo, poderão alterar o procedimento para a tramitação do processo (art. 190);

— a contagem dos prazos processuais somente em dias úteis (art. 219);

— o “ônus dinâmico da prova”, que faculta ao juiz a redistribuição do ônus probatório (art. 373, § 1º);

— a obrigação de os magistrados de primeiro grau apreciarem os tópicos e argumentos propostos pe-las partes, um a um, sob pena de nulidade da decisão (art. 489, § 1º, IV);

— a obrigatoriedade de observância ao sistema de precedentes para fins de estabilização da jurispru-dência (art. 926 e parágrafos);

— a possibilidade de modulação dos efeitos das decisões judiciais (art. 927, § 3º);

— a implementação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (art. 976);

— a simplificação do sistema recursal, com a uni-formização dos prazos (art. 1.070);

— o fim dos embargos infringentes e do agravo retido;

— a estipulação de honorários advocatícios na re-convenção, no cumprimento de sentença, na execução e nos recursos interpostos, de modo cumulativo àqueles arbitrados em sentença (art. 85, § 1º);

— o reconhecimento oficial de honorários advoca-tícios como crédito alimentar do advogado (art. 85, § 14);

— o recebimento de honorários de sucumbência pelos advogados públicos (art. 85, § 19).

Das normas do CPC/2015 enumeramos algumas delas para analisar sua aplicabilidade aos Juizados Es-peciais, indicando enunciados aprovados pelo Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais — FONAJEF e pelo Seminário “O Poder Judiciário e o novo Código de Processo Civil”, organizado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados — ENFAM:

a) Petição inicial, novos requisitos

O CPC/2015, na Parte Geral, estabelece entre seus princípios e regras fundamentais que: “A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial” (art. 3º, § 3º).

Por essa razão, a petição inicial deve indicar a opção ou não pela realização de audiência de concilia-ção (art. 319, VII). Por outro lado, o réu deverá indicar seu desinteresse na autocomposição, por petição, a ser apresentada com 10 dias de antecedência da data da au-diência de conciliação ou de mediação (art. 334, § 5º).

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A respeito do tema, foram aprovados os seguin-tes Enunciados:

— ENFAM n. 61: Somente a recusa expressa de ambas as partes impedirá a realização da audiência de conciliação ou mediação prevista no art. 334 do CPC/2015, não sendo a manifestação de desinteresse externada por uma das partes justificativa para afastar a multa de que trata o art. 334, § 8º.

— FONAJEF n. 152: A conciliação e a mediação nos juizados especiais federais permanecem regidas pelas Lei ns. 10.259/2001 e 9.099/1995, não havendo obrigatoriedade da audiência prevista no art. 334, do CPC/215.

Entendemos que as normas não são contrapostas. Na verdade, elas se complementam, sendo importante mencionar que a Lei n. 10.259/2001, no art. 10, parágra-fo único, autoriza os representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais a conciliar, transigir ou desistir, nos processos da compe-tência dos Juizados Especiais Federais.

Outra novidade da petição inicial é a constante do art. 319, II, que cuida da qualificação das partes, passan-do a exigir a indicação da existência de união estável, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, bem como o endereço eletrônico.

Entretanto, os §§ 2º e 3º, garantem que a petição não será indeferida se, a despeito da falta de informa-ções a que se refere o inciso II, for possível a citação do réu, ou se a obtenção de tais informações tornar impos-sível ou excessivamente oneroso o acesso à justiça.

Defendemos, ainda, que na hipótese do indefe-rimento da inicial, sem exame de mérito, por ausência de alguns desses requisitos, caberá recurso inominado dessa sentença para as Turmas Recursais dos Juizados, como forma de garantia do direito constitucional de acesso à justiça, ratificado pela parte final do § 3º do art. 319 do CPC/2015.

b) Contagem dos prazos: dias úteis e suspensão

De acordo com o art. 219 do CPC/2015, na conta-gem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.

Embora o tema ainda seja polêmico, por contra-riar o princípio da celeridade processual, essa regra tem sido aplicada pela maioria dos JEFs em face da decisão do CJF que, ao aprovar as Resoluções ns. 392 e 393, de 19.4.2016, alterando o Regimento Interno da TNU (Re-solução n. 345/2015) e o Regimento Interno das Turmas Regionais de Uniformização e das Turmas Recursais (Resolução n. 347/2015) para adequá-los ao NCPC, determinou a observância da contagem dos prazos em dias úteis.(8)

No mesmo sentido, o Enunciado ENFAM n. 45: “A contagem dos prazos em dias úteis (art. 219 do CPC/2015) aplica-se ao sistema de juizados especiais”. E, também, o Enunciado FONAJEF n. 175, que diz: “Por falta de previsão legal específica nas leis que tratam dos juizados especiais, aplica-se, nestes, a previsão da con-tagem dos prazos em dias úteis (CPC/2015, art. 219)”.

(8) Ver a respeito, as Resoluções CJF ns. 392 e 393, de 19.4.2016.

A regra de contagem em dias úteis não se aplica ao prazo para confirmação das intimações eletrônicas, previsto no art. 5º, § 3º, Lei n. 11.419/2006 (v.g. Enun-ciado FONAJEF n. 158). Essa lei trata da informatiza-ção do processo judicial e não foi modificada pelo novo CPC. Assim, em caso de processo eletrônico, a parte tem até 10 dias corridos, contados da data do envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação auto-maticamente realizada na data do término desse prazo. Depois disso, começa a contagem do prazo processual em dias úteis.

A suspensão do curso dos prazos processuais nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, inclusive, é prevista no art. 220 do CPC/2015. Durante a suspensão dos prazos, não se realizarão au-diências nem sessões de julgamento.

Ainda, segundo o art. 1.003, § 5º, do CPC/2015, excetuados os embargos de declaração, o prazo para interpor os recursos e para responder-lhes é de 15 dias. Essa regra não se aplica integralmente aos JEFs (Enun-ciado ENFAM n. 46), pois o prazo para recorrer da sentença continua sendo de 10 dias, em face da norma expressa contida no art. 42 da Lei n. 9.099/1995, bem como, para recorrer da decisão que concede ou nega medidas cautelares ou tutelas provisórias (art. 2º da Re-solução CJF n. 347/2015).

c) Prioridade de tramitação

O CPC/2015 prevê prioridade de tramitação, em qualquer juízo ou tribunal, para os procedimentos ju-diciais em que figure como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 anos ou portadora de doença grave, assim compreendida qualquer das enu-meradas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/1988 (art. 1.048). E, também, para aqueles regulados pela Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Afora essas situações, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146, de 6.7.2015) assegura priori-dade aos que têm impedimento de longo prazo de na-tureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

As regras de prioridade são aplicáveis aos JEFs, mas, devido à quantidade de pessoas que estão enqua-dradas nelas, notadamente nas demandas da Segurida-de Social, o resultado nem sempre é o esperado pelas partes.

d) Supressão de instância, conhecimento de questões novas e “não surpresa”

Advinda do princípio constitucional do contradi-tório, trouxe o CPC/2015 a premissa de que: “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofí-cio” (art. 10).

Em segunda instância, caso o relator constate a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou a existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem no prazo de 5 (cinco) dias. E, se a constatação ocorrer durante a sessão de julgamento, esse será imediatamen-

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te suspenso a fim de que as partes se manifestem espe-cificamente (art. 933 e § 1º).

Vejamos os enunciados do FONAJEF e da EN-FAM, a respeito dessa matéria:

— FONAJEF n. 160: Não causa nulidade a não aplicação do art. 10 do NCPC e do art. 487, parágrafo único, do NCPC nos juizados, tendo em vista os princí-pios da celeridade e informalidade.

— ENFAM n. 1: Entende-se por “fundamento” referido no art. 10 do CPC/2015 o substrato fático que orienta o pedido, e não o enquadramento jurídico atri-buído pelas partes.

— ENFAM n. 2: Não ofende a regra do contradi-tório do art. 10 do CPC/2015 o pronunciamento juris-dicional que invoca princípio, quando a regra jurídica aplicada já debatida no curso do processo é emanação daquele princípio.

— ENFAM n. 3: É desnecessário ouvir as partes quando a manifestação não puder influenciar na solu-ção da causa.

— ENFAM n. 4: Na declaração de incompetência absoluta não se aplica o disposto no art. 10, parte final, do CPC/2015.

— ENFAM n. 5: Não viola o art. 10 do CPC/2015 a decisão com base em elementos de fato documenta-dos nos autos sob o contraditório.

— ENFAM n. 6: Não constitui julgamento sur-presa o lastreado em fundamentos jurídicos, ainda que diversos dos apresentados pelas partes, desde que em-basados em provas submetidas ao contraditório.

A flexibilização na interpretação dessas regras, mediante a aprovação desses enunciados, caracteriza uma tentativa de reduzir os efeitos das normas proces-suais que são da máxima importância para a efetivação de um processo democrático, seja no procedimento co-mum, seja nos Juizados Especiais.

e) Produção de provas

No que tange a produção de provas, as normas previstas no CPC/2015 não invalidam as utilizadas pelo microssistema dos Juizados Especiais, mas devem ser compatibilizadas em respeito ao contraditório e à justa solução dos litígios. Nesse sentido, os Enunciados FONAJEF:

155: As disposições do CPC/2015 referentes às provas não revogam as disposições específicas da Lei n. 10.259/2001, sobre perícias (art. 12), e nem as dispo-sições gerais da Lei n. 9.099/1995.

179: Cumpre os requisitos do contraditório e da ampla defesa a concessão de vista do laudo pericial pelo prazo de cinco dias, por analogia ao caput do art. 12 da Lei n. 10.259/2001.

José Antonio Savaris, ao fazer considerações so-bre a prova em direito previdenciário, matéria frequen-te em grande parte dos processos que tramitam no âm-bito dos Juizados Especiais Federais, acentua que:

“Também no direito previdenciário o postulado do devido processo legal assegura aos litigantes, como pressuposto de defesa e exercício do contraditório, o direito constitucional à produção da prova lícita.

É um direito fundamental que somente pode ser res-tringido por lei e na medida em que essa restrição seja proporcional.”(9)

Cabe considerar que o NCPC, nos arts. 369 a 484, regula de maneira detalhada a produção e valoração dos diversos tipos de provas. Os Juizados Especiais de-vem se socorrer dessas normas para uma adequada ins-trução processual, dentre as quais, as que estabelecem:

— o direito fundamental da prova (art. 369);

— os poderes instrutórios do juiz (art. 370);

— a distribuição do ônus da prova e sua inversão (art. 373);

— a apreciação da prova (art. 371);

— a utilização da prova emprestada (art. 372);

— a utilização da videoconferência (arts. 385 e 453);

— a exibição de documentos (art. 403);

— a arguição de falsidade documental (art. 430);

— a intimação e questionamento das testemu-nhas (arts. 455 e 459);

— a possibilidade de substituir a perícia por pro-va técnica simplificada (art. 464);

— a escolha consensual do perito (art. 471).

f) Improcedência liminar do pedido

Trata-se de forma abreviada de extinção do pro-cesso prevista no art. 332 do NCPC, para as causas que dispensem a fase instrutória, permitindo ao juiz, inde-pendentemente da citação do réu, julgar liminarmente improcedente o pedido que contrariar:

I — enunciado de súmula do STF ou do STJ;

II — acórdão proferido pelo STF ou pelo STJ em julgamento de recursos repetitivos;

III — entendimento firmado em incidente de re-solução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

IV — enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.

O juiz também poderá julgar liminarmente im-procedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrên-cia de decadência ou de prescrição.

Essa sistemática tem aplicação nos Juizados Espe-ciais e foi bem aceita pela magistratura, como demons-tram os enunciados que seguem:

— ENFAM Enunciado n. 43: O art. 332 do CPC/2015 se aplica ao sistema de juizados especiais e o inciso IV também abrange os enunciados e súmulas dos seus órgãos colegiados competentes.

— FONAJEF Enunciado n. 159: Nos termos do Enunciado n. 1 do FONAJEF e à luz dos princípios da celeridade e da informalidade que norteiam o processo no JEF, vocacionado a receber demandas em grande vo-lume e repetitivas, interpreta-se o rol do art. 332 como exemplificativo.

(9) SAVARIS, José Antonio. Direito Processual Previdenciário. 6. ed. Curitiba: Alteridade Editora, 2016. p. 77.

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g) Flexibilização do procedimento

A flexibilização do procedimento é condizen-te com um sistema democrático de direito em que as partes podem colaborar para a solução das demandas e também encontra guarida nos princípios dos Juizados Especiais.

Prevista no CPC/2015 (art. 139, VI), impõe ao juiz o dever de dilatar os prazos processuais e alterar a or-dem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito.

Sobre o tema foi editado o Enunciado ENFAM n. 35 prevendo que, além das situações em que a flexibili-zação do procedimento é autorizada pelo art. 139, VI, do CPC/2015, pode o juiz, de ofício, preservada a previsi-bilidade do rito, adaptá-lo às especificidades da causa, observadas as garantias fundamentais do processo.

h) Observância da ordem cronológica de conclusão para os julgamentos

Com base no art. 12 do CPC/2015, que teve nova redação conferida pela Lei n. 13.256/2016, os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem crono-lógica de conclusão para proferir sentença ou acórdão, e a lista de processos aptos a julgamento deverá estar permanentemente à disposição para consulta pública em cartório e na rede mundial de computadores. Regra aplicável também aos Juizados Especiais.

A ordem cronológica comporta exceções que es-tão relacionadas no § 2º do art. 12, dentre as quais: as sentenças proferidas em audiência; o julgamento de processos em bloco de teses jurídicas já consolidadas; o julgamento de recursos repetitivos; o julgamento de embargos de declaração e de agravo interno; a causa que exija urgência no julgamento.

Os Enunciados ENFAM ns. 32, 33 e 34, acabaram por flexibilizar ainda mais a aplicação da ordem. Vejamos:

— 32: O rol do art. 12, § 2º, do CPC/2015 é exem-plificativo, de modo que o juiz poderá, fundamenta-damente, proferir sentença ou acórdão fora da ordem cronológica de conclusão, desde que preservadas a mo-ralidade, a publicidade, a impessoalidade e a eficiência na gestão da unidade judiciária.

— 33: A urgência referida no art. 12, § 2º, IX, do CPC/2015 é diversa da necessária para a concessão de tutelas provisórias de urgência, estando autorizada, portanto, a prolação de sentenças e acórdãos fora da ordem cronológica de conclusão, em virtude de parti-cularidades gerenciais da unidade judicial, em decisão devidamente fundamentada.

— 34: A violação das regras dos arts. 12 e 153 do CPC/2015 não é causa de nulidade dos atos praticados no processo decidido/cumprido fora da ordem crono-lógica, tampouco caracteriza, por si só, parcialidade do julgador ou do serventuário.

De qualquer forma, os Juizados Especiais estão sujeitos a observar essa ordem de julgamento em todos os graus de jurisdição.

i) Dever de fundamentação de todas as decisões

A necessidade da fundamentação das decisões judiciais tem base constitucional e foi regulada pelo art. 489 do NCPC, que fixou no § 1º, que não se considera

fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela inter-locutória, sentença ou acórdão, que:

I — se limitar à indicação, à reprodução ou à pa-ráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II — empregar conceitos jurídicos indetermina-dos, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III — invocar motivos que se prestariam a justifi-car qualquer outra decisão;

IV — não enfrentar todos os argumentos deduzi-dos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclu-são adotada pelo julgador;

V — se limitar a invocar precedente ou enuncia-do de súmula, sem identificar seus fundamentos deter-minantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI — deixar de seguir enunciado de súmula, ju-risprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julga-mento ou a superação do entendimento.

Aqui temos um grande dilema em relação aos Juizados Especiais, diante da precária fundamentação de muitas decisões emanadas desse microssistema. No entanto, tudo indica, que o CPC/2015 não vai alterar essa realidade, conforme se observa dos enunciados FONAJEF que seguem:

— 153: A regra do art. 489, parágrafo primeiro, do NCPC deve ser mitigada nos juizados por força da pri-mazia dos princípios da simplicidade e informalidade que regem o JEF.

— 154: O art. 46 da Lei n. 9.099/1995, não foi re-vogado pelo novo CPC.

O art. 46 da Lei n. 9.099/1995 autoriza que o jul-gamento em segunda instância conste apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. E, se a sentença for confir-mada pelos próprios fundamentos, a súmula do julga-mento servirá de acórdão.

Os enunciados ENFAM também são no sentido de amenizar os efeitos desejados pelo CPC/2015 quan-to à fundamentação das decisões:

— 9: É ônus da parte, para os fins do disposto no art. 489, § 1º, V e VI, do CPC/2015, identificar os fundamentos determinantes ou demonstrar a existên-cia de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento, sempre que invocar jurisprudência, precedente ou enunciado de súmula.

— 10: A fundamentação sucinta não se confunde com a ausência de fundamentação e não acarreta a nuli-dade da decisão se forem enfrentadas todas as questões cuja resolução, em tese, influencie a decisão da causa.

— 11: Os precedentes a que se referem os incisos V e VI do § 1º do art. 489 do CPC/2015 são apenas os mencionados no art. 927 e no inciso IV do art. 332.

— 12: Não ofende a norma extraível do inciso IV do § 1º do art. 489 do CPC/2015 a decisão que deixar de apreciar questões cujo exame tenha ficado prejudicado em razão da análise anterior de questão subordinante.

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— 13: O art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015 não obriga o juiz a enfrentar os fundamentos jurídicos invocados pela parte, quando já tenham sido enfrentados na for-mação dos precedentes obrigatórios.

Sobre a fundamentação racional e legítima das decisões judiciais, colhe-se da obra Novo CPC — Fun-damentos e Sistematização, que:

Assim, o novo CPC impõe o cumprimento do que já estava contido no art. 93, IX da CRFB/1988, no seu art. 489, uma vez que ao analisar o modo como as decisões são (mal) fundamentadas tornou-se imperati-va uma perspectiva adequada para a referida cláusula constitucional, inclusive com o respaldo dessa (nova) legislação que promova com efetividade a expansivida-de e perfectibilidade típicas do modelo constitucional de processo brasileiro. Atente-se que “decisão funda-mentada”, isto é, que leve a sério os argumentos, teses e provas de ambas as partes não é sinônimo de decisão longa. Pode-se, plenamente ter uma sem outra coisa. O que no novo CPC quer (ou melhor, o que, antes e acima dele, a Constituição quer) é uma decisão legítima, cor-reta e íntegra (Dworkin) e não, necessariamente, uma decisão longa.(10)

Dessa forma, é possível acreditar que o STF vol-te a analisar a constitucionalidade do art. 46 da Lei n. 9.099/1995, agora com foco nos preceitos constitucio-nais e também na Lei n. 13.105/2015, que irradia efeitos de norma regulamentar no ordenamento processual civil brasileiro.

j) Embargos de Declaração

Quanto aos embargos de declaração, o CPC/2015 foi explícito em alterar as regras da Lei n. 9.099/1995, dando nova redação aos artigos:

Art. 48. Caberão embargos de declaração contra sentença ou acórdão nos casos previstos no Código de Processo Civil.

Art. 50. Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de recurso.

Com isso, caberão embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para (art. 1.022 do NCPC):

I — esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;

II — suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requeri-mento;

III — corrigir erro material.

Também ficou redefinido que os embargos de de-claração interrompem o prazo recursal, mesmo quando interpostos contra a sentença proferida nos Juizados Especiais.

k) Ônus recursal de impugnação específica

A parte que recorrer deve impugnar especifica-mente os fundamentos da decisão combatida (art. 932, III, do CPC/2015).

Essa regra se contrapõe ao Enunciado FONAJEF n. 60: “A matéria não apreciada na sentença, mas vei-culada na inicial, pode ser conhecida no recurso inomi-

(10) THEODORO JÚNIOR, Humberto, et al. Novo CPC — Fundamentos e sistematização. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 301-302.

nado, mesmo não havendo a oposição de embargos de declaração”.

Entendemos que deverá haver a revisão des-se enunciado, pois foi aprovado antes da edição do CPC/2015 e mostra-se incompatível com o regramento atual.

l) Integração da decisão colegiada pelo voto vencido, para fins de prequestionamento

Em conformidade com o art. 941, § 3º, do CPC/2015, o voto vencido será necessariamente decla-rado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de prequestionamento.

Nos Juizados Especiais essa exigência não deverá ser observada, em face do princípio da celeridade e da simplicidade das decisões proferidas em grau recursal.

m) Julgamento não unânime

Pelo CPC/2015 (art. 942), quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá pros-seguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em núme-ro suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.

Essa inovação não tem aplicabilidade nos JEFs, em virtude dos princípios da celeridade e simplicidade dos julgamentos proferidos pelas turmas recursais. A respeito, o Enunciado FONAJEF n. 156: “Não se aplica aos juizados especiais a técnica de julgamento não unâ-nime (art. 942, CPC/2015)”.

n) Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR)

Incidente que origem no ordenamento jurídico alemão, consta do art. 976 e seguintes do CPC/2015 como cabível quando houver, simultaneamente:

I — efetiva repetição de processos que conte-nham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;

II — risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

Caso julgado procedente, a tese jurídica será aplicada:

I — a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tra-mitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, in-clusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;

II — aos casos futuros que versem idêntica ques-tão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal.

Em relação aos JEFs, o Conselho da Justiça Fede-ral revisou as Resoluções ns. 345 e 347/2015 (RI/TNU e RI das TRs e TRUs) para adequar ao CPC/2015. Nes-se sentido, afastou a possibilidade de julgamento de IRDR pelos órgãos colegiados dos Juizados Especiais e ao mesmo tempo determinou a observância das teses firmadas nesses incidentes no âmbito dos JEFs (Resolu-ções ns. 392 e 393 de 19.4.2016).

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Adequada a orientação expedida pelo CJF, com isso o IRDR, a ser julgado pelos Tribunais, servirá como instrumento importante para dar maior isono-mia na aplicação do direito entre a jurisdição comum e a dos juizados especiais. Permitirá, também, a unifor-mização de questões de direito processual no âmbito dos juizados.

O TRF da 4ª Região, em sua corte especial, ad-mitiu IRDR de processo oriundo dos JEFs, entendendo, portanto, que pode ser objeto desse incidente não ape-nas decisões proferidas no rito comum, mas também aquelas provenientes dos juizados.

Tal entendimento foi no sentido de que o inciden-te é ferramenta processual autônoma, não apenas mero recurso da parte, gerando, em sua admissão, afetação de tema, como ocorre na repercussão geral e nos recur-sos repetitivos. Até porque, o IRDR pode ser suscitado pelas partes, por magistrados e pelo Ministério Público.

Para exemplificar a utilização do IRDR em maté-ria de previdência, segue alguns dos casos em que foi admitida a tramitação no âmbito do TRF da 4ª Região:

TRF/4 — Número do Tema 4

Direito previdenciário. Parcelas e índices de correção do salário de contribuição. RMI — Renda Mensal Inicial. Reajustes e revisões específicas.

Discute-se a aplicação da regra prevista no art. 29, I e II, da Lei n. 8.213/1991, quando mais favorável que a regra de transição prevista no art. 3º da Lei n. 9.876/1999.

Processos Representativos: 505271353201640400 00/TRF4; 50240988920134047200/TRF4.

Data da Afetação: 15.12.2016.

TRF/4 — Número do Tema 5

Direito previdenciário. Acréscimo de 25% (art. 45), disposições diversas relativas às prestações.

Discute-se se o adicional de 25% previsto no art. 45 da Lei n. 8.213/1991, destinado à aposentadoria por invalidez, pode ser estendido aos demais tipos de apo-sentadoria, em face do princípio da isonomia.

Processo Representativo: 502681368201640400 00/TRF4

Data da Afetação: 15.12.2016.

TRF/4 — Número do Tema 8

Direito previdenciário. Averbação/cômputo/conversão de tempo de serviço especial, tempo de serviço.

Discute-se a possibilidade de se computar, como tempo de serviço especial, para fins de inativação, o período em que o segurado esteve em gozo de auxílio--doença de natureza não acidentária.

Processo Representativos: 501789660201640400 00/TRF4

Data da Afetação: 20.10.2016.

5. Considerações finais

As primeiras impressões lançadas neste estudo sobre os impactos do CPC/2015 nos Juizados Especiais Federais servem para uma reflexão acerca do tema,

dada a importância de uma nova lei geral processual no cenário nacional.

Embora os entendimentos doutrinários e juris-prudenciais(11) sejam no sentido de aplicação subsidiá-ria do Código de Processo Civil, essa utilização pelos magistrados deve ser ponderada em cada caso com os princípios que guiam os Juizados Especiais, sob pena de ocorrer a chamada “ordinarização” desse modelo.

Dentro desse contexto, mostra-se relevante ana-lisar a novel legislação sem se descurar do ideal que movem os Juizados Especiais, qual seja, tornar o pro-cesso judicial mais simples, célere e efetivo, ampliando o acesso à Justiça, com ênfase nas pessoas menos favo-recidas economicamente.

Pode-se dizer que os Juizados Especiais buscam atender à necessidade de constante reestruturação e modernização dos meios de acesso à Justiça, acompa-nhando as transformações da sociedade e o desejo ma-joritário de uma prestação jurisdicional simplificada, sem as amarras e entraves do procedimento comum.

No entanto, os Juizados Especiais Federais en-frentam sérios desafios a serem superados, destacada-mente em relação ao respeito ao direito fundamental de produção de provas e, ainda, quanto ao alto índice de recorribilidade das decisões. Esse último, em face da instabilidade jurisprudencial, da falta de observância dos precedentes, da quantidade de recursos cabíveis e da inexistência de oneração que desestimule a busca por instâncias superiores.

Neste ponto, espera-se que o CPC/2015 traga in-fluência positiva aos JEFs, diante da nova regulação das regras de produção e valoração de provas e quanto à observância aos precedentes, permitindo assim, maior racionalidade ao sistema em prol de uma prestação ju-risdicional mais justa e equânime.

Referências bibliográficas

CARDOSO, Oscar Valente. Regras de incidência sub-sidiária de normas e preenchimento de lacunas: uma leitura a partir do sistema normativo dos Juizados Especiais Cíveis. Revista Dialética de Di-reito Processual. São Paulo: Editor Oliveira Rocha. n. 100, jul. 2011.

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(11) Nesse sentido: STJ, CC n. 98679/RS, Terceira Seção, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 4.2.2009.

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5º PAINEL

O JULGAMENTO DO STF SOBRE DESAPOSENTAÇÃO E O DESCABIMENTO DA DEVOLUÇÃO DE VALORES OUTRORA

RECEBIDOS ESTRIBADOS NO ENTENDIMENTO ANTERIOR DE LICITUDE DA RENÚNCIA À APOSENTADORIA COM O OBJETIVO DE

CONTAR TEMPO DE SERVIÇO PARA NOVA INATIVAÇÃO

Igor de Oliveira ZwickerMestrando em Direitos Fundamentais pela Universidade da

Amazônia, aprovado em 1º lugar geral; Bacharel em Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da

Amazônia; Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade de Campinas; Especialista em Direito do Trabalho e

Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes; Analista Judiciário (Área Judiciária) e Assessor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região; Professor de Direito;

Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015).

Segundo Martinez (2015:36), a natureza do ato de desaposentação é “ato administrativo formal vin-culado, provocado pelo interessado no desfazimento da manutenção das mensalidades da aposentadoria, que compreende uma abdicação com declaração ofi-cial desconstitutiva”. Segundo o autor, com o instituto, “há renúncia de uma primeira aposentação para, em seguida, ser substituída por outra, então chamada de desaposentação, de sorte que o aposentado não está re-nunciando a proteção social” (MARTINEZ, 2017:537). Na desaposentação, “ninguém objetiva o fim de mensa-lidades. Ao contrário, seguindo as regras, melhorá-la” (MARTINEZ, 2017:723).

No âmbito do Poder Judiciário, até então, compu-nha a iterativa, atual e notória jurisprudência dos tribu-nais pátrios a possibilidade jurídica da desaposentação. No Informativo n. 557/2015 do Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, ao serem listados dezenas de pre-cedentes no âmbito daquela Corte, constatou-se que, “de fato, é pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que, por se tratar de direito patrimonial disponível, o segurado pode renunciar à sua aposentadoria, com o propósito de obter benefício mais vantajoso, no Regi-me Geral de Previdência Social ou em regime próprio de Previdência, mediante a utilização de seu tempo de contribuição, sendo certo, ainda, que essa renúncia não implica a devolução de valores percebidos” (STJ, AgRg no AREsp 436.056-RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 3.3.2015, DJe 10.3.2015).

De outra banda, no âmbito do Tribunal de Con-tas da União, segundo Boletim de Pessoal n. 40/2006,

consagrou-se o seguinte enunciado: “É lícita a renúncia à aposentadoria com o objetivo de contar o tempo de serviço nela empregado para a concessão de nova ina-tivação”.

Porém, em sede de repercussão geral(1), em julga-mento ocorrido em 26.10.2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, considerou inviável o recálculo do valor da aposentadoria, por meio da de-saposentação(2).

Segundo a maioria, “embora não exista vedação constitucional expressa à desaposentação, também não há previsão desse direito” (Min. Dias Toffoli, que capi-taneou a divergência); “o Judiciário não pode suplantar a atuação legislativa na proteção aos riscos previdenciá-rios” (Min. Edson Fachin); a Emenda Constitucional n. 20/1998 “deixou claro seu intento de incentivar a pos-tergação das aposentadorias” (Min. Luiz Fux); “o art. 18, § 2º, da Lei n. 8.213/1991, não deixa dúvida quanto à vedação da desaposentação no âmbito do ordenamen-to previdenciário brasileiro” (Min. Gilmar Mendes); “a alteração introduzida em 1997 na Lei n. 8.213/1991 pre-viu explicitamente que o aposentado que permanecer em atividade não faz jus à prestação da previdência, exceto salário-família e reabilitação profissional” (Min.

(1) Tema n. 503 — Conversão de aposentadoria proporcional em aposentadoria integral por meio do instituto da desaposentação. Relator: Min. Roberto Barroso. Leading Case: Recurso Extraordinário n. 661.256 RG/DF.

(2) Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=328199&caixaBusca=N>. Acesso em: 16 mar. 2017.

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Celso de Mello); “não há ausência de lei, embora essa seja matéria que possa ser alterada e tratada devida-mente pelo legislador” (Min. Cármen Lúcia).

Em razão disto, fixou-se a tese, para a repercus-são geral reconhecida, nos seguintes termos(3): “No âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), somente lei pode criar benefícios e vantagens previden-ciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à ‘desaposentação’, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei n. 8.213/1991”.

Imediatamente após o julgamento, em manifes-tação à imprensa(4), a Advogada-Geral da União, Min. Grace Maria Fernandes Mendonça, afirmou que “o INSS pode recorrer à Justiça para ressarcir aos cofres públicos o valor das aposentadorias concedidas pela regra da desaposentação, considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal”. Será?

Entendo que não, senão vejamos.

Verbas de natureza alimentar têm elevado pata-mar de proteção constitucional e compreendem aquelas decorrentes de “salários, vencimentos, proventos, pen-sões e suas complementações, benefícios previdenciá-rios e indenizações por morte ou por invalidez” (art. 100, § 1º, da CRFB).

Nesse diapasão, a moradia, a alimentação, a edu-cação, a saúde, o lazer, o vestuário, a higiene, o trans-porte e a previdência social estão contidos no conteúdo jurídico-constitucional do salário, que deve ser capaz de atender às necessidades vitais básicas do indivíduo e de sua família com o dispêndio desses direitos sociais fundamentais (art. 7º, inciso IV, da CRFB). Com relação à previdência social, temos relevo ainda maior, tendo em vista que os ganhos habituais do empregado, a qual-quer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios (art. 201, § 11, da CRFB).

Outrossim, existe leading case no âmbito do Supre-mo Tribunal Federal, reiterado nos casos seguintes, com relação a valores recebidos de boa-fé pelo servidor públi-co — plenamente aplicáveis aos trabalhadores em geral, filiados ao Regime Geral da Previdência Social, porque idêntica a ratio decidendi (art. 926, § 2º, do NCPC).

Trata-se do Mandado de Segurança n. 25.641/DF, Rel. Min. Eros Grau (DJ de 21.2.2008), onde se decidiu que a reposição de valores torna-se desnecessária quan-do concomitantes os seguintes requisitos: (i) a presença da boa-fé; (ii) a ausência de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada; (iii) a exis-tência de dúvida plausível sobre a interpretação, vali-dade ou incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vanta-gem impugnada; (iv) a interpretação razoável, embora errônea, da lei.

Parece-me que todos os requisitos se encontram robustamente presentes. As pessoas beneficiadas com o instituto da desaposentação agiram em evidente boa-fé, materializada no objetivo de tão somente melhorarem

(3) Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=328278&caixaBusca=N>. Acesso em: 16 mar. 2017.

(4) Disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/governo-pode-pedir-ressarcimento-de-casos-de-desaposentacao-diz-ministra-20365074>. Acesso em: 16 mar. 2017.

os seus benefícios previdenciários, sem renunciarem à proteção social consagrada na Constituição da Repúbli-ca (não houve influência ou interferência para a con-cessão da vantagem impugnada). Por outro lado, tais pedidos de desaposentação tinham arrimo na iterativa, atual e notória jurisprudência dos tribunais pátrios (in-terpretação razoável, embora “errônea”, da lei), agora revertida pelo julgamento do Supremo Tribunal Fede-ral, em sede de repercussão geral (a mudança de um entendimento até então remansoso, de forma não unâ-nime pelo Supremo Tribunal Federal, em placar 7x4, demonstra cabalmente a existência de dúvida plausível sobre a interpretação da lei).

Como cediço, dentre as diversas matizes proces-suais, uma delas compreende o seu conteúdo socioló-gico, de modo que o processo serve para conscientizar o cidadão do que é interpretado pelos tribunais como uma conduta correta/incorreta, com a explicitação de quais são os direitos e os deveres dos cidadãos; o pro-cesso cumpre, assim, uma função pedagógica, explici-tando tais vetores não apenas aos litigantes em geral, mas a toda a sociedade, que vê nas decisões judiciais um bem agir.

Nesse diapasão, a mensagem até então enviada pelo Poder Judiciário à sociedade, remansosamente, era a de que seria “lícita a renúncia à aposentadoria com o objetivo de contar o tempo de serviço nela empregado para a concessão de nova inativação”, de sorte que, a meu ver, descabe qualquer devolução de valores outro-ra recebidos estribados neste entendimento.

É neste sentido que o Tribunal de Contas da União consolidou entendimento pacífico no enunciado da Súmula n. 249: “É dispensada a reposição de im-portâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais”.

Aliás, a própria Advocacia-Geral da União, con-trariamente à fala manifestada perante a imprensa por quem detém o mais alto cargo da instituição — em autêntico desserviço à população, portanto — consoli-dou a Súmula n. 34, simétrica à súmula do Tribunal de Contas da União, nesses termos: “Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de errônea ou inadequada in-terpretação da lei por parte da Administração Pública”.

Ante o exposto, concluo que o julgamento sobre o instituto da desaposentação e a mudança, agora, de en-tendimento não autorizam a devolução de valores ou-trora recebidos, estribados no entendimento anterior, de licitude da renúncia à aposentadoria com o objetivo de contar o tempo de serviço nela empregado para a concessão de nova inativação, na esteira da iterativa, atual e notória jurisprudência do próprio Supremo Tri-bunal Federal.

Referências bibliográficas

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previ-denciário. 7. ed. São Paulo: LTr, 2017.

. Desaposentação. 7. ed. São Paulo: LTr, 2015.

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“Não se aplica a aposentadoria compulsória pre-vista no art. 40, § 1º, inciso II, da Constituição Federal aos titulares de serventias judiciais não estatizadas, desde que não sejam ocupantes de cargo público efeti-vo e não recebam remuneração proveniente dos cofres públicos”.

Essa tese foi aprovada por unanimidade do STF no julgamento do Recurso Extraordinário n. 647.827, com repercussão geral reconhecida.

Em 2009, uma escrivã de cartório de Foz do Igua-çu, no Paraná, nomeada 1969, ajuizou mandado de se-gurança no Tribunal de Justiça do Paraná contra sua aposentadoria compulsória, que seria determinada em 2010, com base no art. 40, § 1º, II, da Carta Magna. Ela alegou que, por não ser servidora pública, não deveria ser alcançada pela norma constitucional.

O Tribunal concedeu a ordem, sob o entendimen-to de que a situação atual dos ocupantes de Serventias Judiciais e Extrajudiciais não estatizadas não se enqua-dra como a de servidor público e, por isso, a aposenta-doria por idade, aos 70 anos, não se aplica.

O Estado do Paraná recorreu da decisão, com o fundamento de que a decisão do Tribunal teria viola-do a Carta Magna. Não importa se a atividade judicial é exercida por servidores concursados ou delegados, uma vez que o exercício do serviço é notoriamente pú-blico e não privado.

Após fazer um histórico sobre a oficialização das serventias judiciais desde a EC n. 7/1967, o relator mi-nistro Gilmar Mendes, salientou em seu voto que os titulares de serventias judiciais podem ser divididos,

atualmente, em três espécies: de serventias oficializa-das, que ocupam cargo ou função pública e são remu-nerados exclusivamente pelos cofres públicos; de ser-ventias não estatizadas, remunerados exclusivamente por custas e emolumentos; e por último os também de serventias não estatizadas, mas que são remunerados em parte pelos cofres públicos e em parte por custas e emolumentos.

Com relação às serventias extrajudiciais, o mi-nistro lembrou que no julgamento da ADI n. 2.602, o STF assentou que não se aplica a aposentadoria com-pulsória para notários e registradores, exatamente por não se tratarem de servidores públicos. Para o relator, deve se estender aos titulares de serventias judiciais não estati-zadas, remuneradas exclusivamente por custas e emo-lumentos, o mesmo tratamento conferido aos titulares dos foros extrajudiciais, “tendo em vista a similitude das relações jurídicas”.

De acordo com o ministro, “ambas se referem a atividades privadas em colaboração com o Poder Pú-blico”.

Não se deve aplicar aos titulares de serventias judiciais não estatizadas, remunerados exclusivamente por custas e emolumentos, a aposentadoria compulsó-ria constitucional, que se dirige apenas a servidores pú-blicos titulares de cargos efetivos.

Os demais tipos de titulares estão submetidos à regra constitucional, que antes previa aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade, ampliada para 75 anos a partir da EC n. 88/2015.

APOSENTADORIA COMPULSÓRIA DE TITULAR DE SERVENTIA

Wladimir Novaes MartilezEspecialista em Previdência Social

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