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4 DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
4.1 A Constituio Brasileira e o Direito Internacional dos
Direitos Humanos
O Direito Internacional dos Direitos Humanos um ramo autnomo e
especfico do Direito Internacional Pblico, sendo, na atualidade, uma das
matrias prioritrias nas relaes internacionais, tanto para os Estados e
entidades internacionais individualmente considerados, como para a sociedade
internacional como um todo.
Os direitos humanos passam a integrar do Direito Internacional a
partir do momento em que se torna explcita a necessidade da cooperao
internacional para garantir a efetividade desses direitos, conforme explica
Portela (2010, p. 37):
Ao mesmo tempo, o atual contexto internacional veio a tornar evidente anecessidade de que os entes estatais e os organismos internacionais atuemconjuntamente no tocante a temas que tm impacto direto sobre a vida das
pessoas e que, por sua complexidade, magnitude e capacidade de gerarefeitos em mais de uma parte do mundo, exigem a cooperaointernacional, como a manuteno da paz, a promoo dos direitoshumanos e a proteo do meio ambiente.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos pode ser definido
como um conjunto de normas e princpios que visa promover e proteger os
direitos e prerrogativas essenciais vida e a dignidade da pessoa humana.
Poder-se-ia definir direitos humanos como um conjunto de prerrogativas egarantias inerentes ao homem, cuja finalidade bsica o respeito sua
dignidade, tutelando-o contra os excessos do Estado, estabelecendo ummnimo de condies de vida. So direitos indissociveis da condiohumana. (PENTEADO FILHO, 2008, p. 15)
Assim, a proteo que o Direito Internacional dos Direitos Humanos
procura garantir , principalmente, contra atos dos prprios Estados, norteando
polticas pblicas e privadas a fim de promov-los. Devido a isso, um dos
princpios fundamentais que rege o Direito Internacional dos Direitos Humanos
o princpio da cooperao internacional, que traz o dever dos Estados e
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entidades internacionais se comprometerem com os objetivos desse ramo do
Direito Internacional.
4.2 Os Tratados Internacionais e a Constituio Brasileira
A Constituio Federal brasileira traz em seu corpo diversos direitos
fundamentais pessoa humana, incluindo garantias para seu respeito e
aplicao. Entretanto, a prpria Constituio Federal faz a ressalva, em seu
artigo 5 pargrafo 2, de que os direitos e garantias fundamentais por ela
expressos no so taxativos, destarte, podem, e tem sido continuamente,
acrescidos de outros direitos provenientes principalmente de tratados
internacionais.
1 - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tmaplicao imediata. 2 - Os direitos e garantias expressos nesta Constituio no excluemoutros decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados, ou dostratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja parte.(CONSTITUO FEDERAL, art. 5 1 e 2)
A Constituio tambm assegura, expressamente no pargrafo 1 do
supracitado artigo, a aplicabilidade imediata, das normas internacionais de
direitos humanos no mbito interno, ou seja, desde a sua ratificao. No
necessrio que uma norma interna incorpore a norma internacional ao
ordenamento jurdico nacional, que, segundo Piovesan, a sistemtica de
incorporao automtica.
Em suma, em face da sistemtica da incorporao automtica, o Estadoreconhece a plena vigncia do Direito Internacional na ordem interna,mediante uma clusula geral de recepo automtica plena. Com o ato daratificao, a regra internacional passa a vigorar de imediato tato na ordemjurdica internacional como da interna, sem necessidade de uma norma de
direito nacional que a integre ao sistema jurdico. (PIOVESAN, 208, p. 85)
Assim, os tratados internacionais que introduzem no ordenamento
interno direitos humanos passam a ser exigveis direta e imediatamente, a
partir de sua ratificao, e, ainda segundo Piovesan, em virtude do 2, tais
tratados so materialmente constitucionais.
4.3 Processo de Formao dos Tratados Internacionais e oDireito Brasileiro
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O procedimento para a elaborao dos tratados internacionais
diferenciado. Essa celebrao se d pode meio de atos solenes, seguindo
diversas formalidades, e inicia-se com a etapa chamada de negociao. Nessa
etapa ocorrem as discusses acerca das disposies e clusulas que
comporo a essncia do tratado.
Na fase da negociao, deve ser observada a licitude, moralidade e
possibilidade do objeto do acordo, para que esse acordo seja vlido. Requer-
se ainda, que o teor do tratado a ser celebrado esteja de acordo com as
normas do Direito Internacional chamadas dejus cogens.
Encerradas as negociaes, passa-se a fase da assinatura, que
expressa a concluso do tratado, de forma que o Estado concede seu
consentimento para se obrigar por aquilo que foi acordado.
Aps a assinatura, esse tratado submetido aprovao
parlamentar, realizada pelo Congresso Nacional, que efetuar o controle de
constitucionalidade. Ressalte-se que o Congresso Nacional no tem
competncia externa, ento, o controle de constitucionalidade no feito
sobre o tratado, e sim no decreto legislativo que torna o tratado parte doordenamento jurdico interno, podendo inclusive realizar reservas, quando
cabveis. Aps a aprovao do legislativo, o acordo submetido a ratificao
do Presidente, que o ato internacional pelo qual confirma um tratado e
declara que este dever produzir os seus devidos efeitos (TEIXEIRA, 2008,
p.21).
A ratificao ocorre quando o Estado participa das negociaes.
Quando o Estado no participa das negociaes, mas se torna signatrio do
tratado aps a sua concluso, o ato de confirmao a adeso.
Cabe salientar que alguns tratados impem um numero mnimo de
adeses para sua entrada em vigor, portanto, aps sua concluso, aguarde-se
atingir esse numero imposto pelo prprio tratado, para, posteriormente, ocorrer
a sua entrada em vigor.
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4.3.1 As reservas aos tratados internacionais
Na etapa das assinaturas os Estados tm a oportunidade de realizar
reservas quanto s disposies do acordo, pois, finda as negociao o teor do
tratado no pode ser alterado.
Tratando-se de um contrato com a participao de vrios sujeitos
internacionais, no raro acontecerem divergncias sobre o acordo a ser
celebrado, que implicam na no-aceitao do tratado por parte dos Estados.
Para dirimir esses conflitos, a Conveno de Viena criou na letra d, do
pargrafo 1, do artigo 2 a figura da reserva, que nada mais do que uma
objeo, uma recusa manifestada pelo Estado em aceitar determinado pontodo tratado, de forma que, para si no ter fora vinculante aquele
compromisso. O prprio tratado multilateral poder prever a possibilidade de
aceitao de reservas entre seus membros signatrios, no sendo incomum a
proibio total ou parcial de reservas.
Assim, as reservas so a forma do signatrio se abster de algumas
clusulas, tendo em vista que aps a assinatura o tratado se torna imutvel.
Logicamente, essas reservas tm limites, devendo respeitar as limitaes
impostas pelo prprio tratado, bem como, no pode ocorrer reserva
incompatvel com o objeto e finalidade do tratado. Assim, conforme prev a
Conveno de Viena (1969) em seu art. 19:
Um Estado pode, ao assinar, ratificar, aceitar, aprovar um tratado ou a eleaderir, formular uma reserva, a no ser que: a) a reserva seja proibida pelotratado; b) o tratado disponha que s possam ser formuladas determinadasreservas, entre as quais no se inclui a reserva em pauta; ou c) nos casosque sejam previstos nas alneas a e b a reserva seja incompatvel com o
objeto e a finalidade do tratado.
4.3.2 A hierarquia normativa dos tratados internacionais no
direito brasileiro
Como visto, os tratados internacionais passam por um procedimento
especial para serem concludos e validados. Esse procedimento inicia-se com
as "negociaes", ao final das quais ocorre a "assinatura", posteriormente deve
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haver a "aprovao parlamentar" e finalmente a "ratificao". Nos tratados
internacionais que versam sobre direitos humanos a fase da aprovao
parlamentar ganhou particularidades no ano de 2004 com a Emenda
Constitucional n 45.
O advento dessa Emenda trouxe Constituio Federal o pargrafo
3 do artigo 5, pelo qual o tratado internacional que verse sobre direitos
humanos e passe por aprovao com trs quintos de votos em dois turnos de
votao em cada uma das casas do Congresso Nacional, adentram ao
ordenamento jurdico brasileiro como Emenda Constitucional, portanto so
material e formalmente constitucionais.
Apesar de a prpria Constituio trazer a previso de que os
tratados internacionais sobre direitos humanos acrescentam direitos e
garantias fundamentais aos j expressos por ela, e terem aplicabilidade
imediata desde a ratificao, esses tratados adentravam ao ordenamento
jurdico como lei ordinria federal, mesmo sendo interpretados como uma
garantia constitucional frente a sua previso expressa, sendo apenas
materialmente constitucionais.
Com a nova forma de aprovao dos tratados sobre direitos
humanos, surgiu o questionamento a respeito da hierarquia que teria o tratado
que verse sobre direitos humanos ao ser aprovado no Congresso Nacional,
porm com quorum inferior ao previsto para as emendas constitucionais.
Majoritariamente, inclusive o Supremo Tribunal Federal, entende que esses
tratados teriam fora de supra-legalidade, ou seja, seriam inferior a
Constituio Federal, porm, hierarquicamente superior a todas as outras leis,por serem materialmente constitucionais, pois, mesmo sem o quorum de
aprovao do pargrafo 3 do artigo 5, adentrariam ao ordenamento pelo
pargrafo 2 do mesmo artigo.
Outro questionamento que a alterao da Emenda Constitucional
n45/2004 deflagrou, foi quanto possibilidade de denunciar o tratado que
adentre o ordenamento como emenda constitucional. Se o tratado passa a
fazer parte do ordenamento jurdico como uma Emenda Constitucional, no
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basta que ocorra a denncia, pois, mesmo que o tratado deixe de ter seu
cumprimento exigido perante a comunidade internacional, internamente ainda
seria exigvel, considerando que apenas outra Emenda poderia revog-lo.
Entretanto, a Constituio prev que no pode ser objeto de
Emenda qualquer proposta que vise abolir os direitos e garantias fundamentais.
Assim, uma vez que o tratado que verse sobre direitos humanos passa a fazer
parte do ordenamento na forma de uma Emenda Constitucional, no poder
sofrer alteraes que impliquem na reduo ou supresso de qualquer dos
direitos nele previstos. Para Resek, no h a possibilidade de denncia do
tratado aprovado na forma de Emenda.
No haver quanto a semelhante tratado a possibilidade de denncia pelas vontade do Executivo, nem a de que o Congresso force a dennciamediante lei ordinria, e provavelmente nem mesmo a de que se volte atrspor meio de uma repetio, s avessas, do rito da emenda carta, vistoque ela mesma se declara imutvel no que concerne a direitos dessanatureza. (RESEK, 2010, p. 104)
Nesse mesmo sentido, Mazzouli diferencia os tratados sobre direitos
humanos que foram ratificados e entraram no ordenamento pelo pargrafo 2
do artigo 5 da Constituio, dos que foram ratificados na forma do pargrafo
3 do mesmo artigo, mas reafirma que em ambos os casos os tratados, porserem materialmente constitucionais, portanto, clusulas ptreas
constitucionais, so insuscetveis a denncia.
Agora, portanto, ser preciso distinguir se o tratado que se pretendedenunciar equivale a uma emenda constitucional (ou seja, se material eformalmente constitucional, nos termos do art.5, 3) ou se apenas detmstatus de norma constitucional ( dizer, se apenas materialmenteconstitucional, em virtude do art. 5, 2). Caso o tratado de direitoshumanos de enquadre apenas nesta ltima hiptese, com o ato dadenncia, o Estado brasileiro passa a no mais ter responsabilidade emresponder pelo cumprimento do tratado to-somente no mbitointernacional e no no mbito interno. Ou seja, nada impede que,tecnicamente, se denuncie um tratado de direitos humanos que tem apenasstatus de norma constitucional, pois internamente nada muda, uma vez queeles j se encontram petrificados no nosso sistema de direitos e garantias,importando tal denncia apenas em livrar o Estado brasileiro de responderpelo cumprimento do tratado no mbito internacional. Mas caso o tratado dedireitos humanos tenha sido aprovado nos termos do 3 do art. 5, o Brasilno pode mais desengajar-se do tratado quer no plano internacional, querno plano interno. (MAZZOULI, 2007, p.700/701)
Ressalta-se que a Conveno sobre os Direitos das Pessoas
Deficientes elaborada em 2006 e aprovada no Congresso em 2007, pelo
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quorum de trs quintos das duas votaes de cada uma das casas, foi o
primeiro tratado internacional versando sobre direitos humanos a adentrar o
ordenamento como Emenda Constitucional, entrando em vigncia em 2008 ao
atingir o quorum mnimo requerido.
4.3.3 Aplicao dos tratados internacionais no mbito interno
Considerando que todo tratado deve passar por aprovao
legislativa justamente para averiguar e garantir sua constitucionalidade,
vislumbra-se lgico que, tendo passado pelo controle de constitucionalidade da
aprovao parlamentar, esse estaria, necessariamente, de acordo com a Lei
Maior brasileira, de forma que sua aplicao seria um reflexo da prpriaConstituio.
Diante disso, destaca Accioly (2008, p.223):
[...] no vasto universo dos tratados de direitos humanos j internalizados,apenas a questo da priso civil e do duplo grau de jurisdio foi enfrentadopelos tribunais. Isto porque a maior parte desses tratados compe-se de princpios e normas programticas cujo teor de generalidade, ante aexistncia de normas internas similares, faz com que haja poucos conflitoscom leis internas, mas situao em que aqueles complementam estas.
De tal modo que as normas provindas de tratados internacionais, porserem amplas e abstratas, em geral, atuam como complemento e reafirmao
dos direitos garantidos no ordenamento interno.
Contudo, caso haja conflito entre os direitos e garantias previsto no
ordenamento interno e nos tratados ratificados, alguns posicionamentos, dentre
eles o de Resek, afirmam que entre a Constituio Federal e um tratado, deve
prevalecer a Constituio, e entre leis infraconstitucionais e um tratado deve
prevalecer a norma mais recente.
Entretanto, a posio majoritria tem sido que deve prevalecer a
norma mais favorvel ao individuo, segundo Trindade (1992, p. 317), no
uma questo de primazia do Direito Interno ou do Direito Internacional, no
mbito dos direitos humanos a primazia da pessoa humana, devendo
prevalecer a norma que melhor projeta os direitos humanos, como ensina
Piovesan (2008, p. 101):
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No plano de proteo dos direitos humanos interagem a DireitoInternacional e o Direito interno movidos pelas mesmas necessidades deproteo, prevalecendo as normas que melhor protejam o ser humano,tendo em vista que a primazia da pessoa humana. Os direitosinternacionais constantes dos tratados de direitos humanos apenas vm aaprimorar e fortalecer, nunca a restringir ou debilitar, o grau de proteo dos
direitos consagrados no plano normativo constitucional.
Nesse mesmo sentido, Portela (2010, p. 53) explica:
nesse sentido que, em vista do valor incorporado pela norma, o DireitoInternacional dos Direitos Humanos vai conceber o princpio da primazia danorma mais favorvel vtima/ao indivduo, pelo qual, em conflito entrenormas internacionais e internas, deve prevalecer aquela que melhor promova a dignidade humana. Esse princpio fundamenta-se no nosuposto primado da ordem internacional ou nacional, mas sim naprevalncia do imperativo da proteo da pessoa humana, valor atualmentepercebido por parte importante da sociedade internacional como superior aqualquer outro no universo jurdico.
Dessa forma, seja decorrente do ordenamento nacional, seja
decorrente de tratado internacional, o critrio adotado para a soluo de
conflito entre normas de direitos humanos da prevalncia da norma mais
benfica, garantindo a melhor proteo dos direitos humanos da vtima.
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Fluxograma resumido do processo de formao dos tratados internacionais
Fonte da imagem: BASSO, Marco Antonio. Apostila de Direito Internacional Publico. p.50.
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4.4 O Sistema Global de Proteo aos Direitos Humanos
A partir da criao da ONU, com o advento da Declarao Universal
dos Direitos Humanos, inicia-se a internacionalizao e multiplicao dos
direitos humanos, que se funda na igualdade entre as pessoas.
A Declarao Universal, os Pactos Internacionais dos Direitos
Humanos, entre outros instrumentos formam o sistema global de proteo,
dirigido a toda e qualquer pessoa, considerando o indivduo genrica e
abstratamente.
Entretanto, diante das peculiaridades e vulnerabilidades de alguns
grupos, contempla-se a necessidade de conferir-lhes tratamento especial,
justamente para assegurar o exerccio dos direitos em condies igualitrias.
Perante essa necessidade forma-se um sistema especial de
proteo aos direitos humanos, complementar ao sistema global, que
considera o indivduo especificado, sendo voltado a grupos vulnerveis, que
merecem tutela especial.
4.4.1 Sistemas Regionais de Proteo aos Direitos Humanos
Com a mesma conscientizao e internacionalizao dos direitos
humanos que inicia o sistema global surgem os sistemas regionais de proteo
aos direitos humanos na busca de intensificar a proteo e promoo aos
direitos humanos no plano regional.
So trs os principais sistemas regionais, o Sistema Interamericano,
que surgiu antes mesmo da Declarao Universal dos Direitos do Homem, o
Sistema Europeu, criado na dcada de 50 e o Sistema Africano, o mais
recente, criado na dcada de 80. Cada sistema regional apresenta estrutura e
regras prprias, no se confundem nem se contrape ao sistema global, so
sistemas complementares.
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A finalidade dos sistemas regionais reunir Estados que possuem
mais afinidade entre suas histrias e culturas, corroborando as peculiaridades
daquela determinada parte do mundo. Considerando essas diferenas os
sistemas regionais criam normas mais especficas, buscando melhorar sua
aplicao naquela regio.
O objetivo dos sistemas regionais reforar a estrutura internacional paraproteo dos direitos humanos por meio da associao entre entes estataisque renem maiores afinidades entre si, o que facilitaria o consenso aoredor de interesses comuns e aplicao das normas que os mesmosEstados elaboraram, bem como fortaleceria a tutela de valores importantesapenas em algumas regies do mundo. (PORTELA, 2010, p. 693)
A coexistncia do sistema global e dos sistemas regionais apenas
vem a fortalecer a proteo dos direitos humanos. Cada sistema cria diversos
instrumentos que podem tutelar direitos idnticos. Porm visto que no conflito
de normas deve sempre prevalecer a norma mais favorvel, a existncia de
vrios instrumentos acaba apenas por ampliar e fortalecer o mbito de
proteo dos direitos humanos.
4.4.2 Sistema Interamericano de Proteo aos Direitos
Humanos
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, pelas mesmas
preocupaes com as barbries cometidas pelos sistemas totalitrios que
levaram criao do sistema global, os Estados do Continente Americano
criam seu prprio sistema de proteo dos direitos humanos.
O sistema interamericano surgiu em 1948 com a proclamao da
Carta da Organizao dos Estados Americanos, que criou a Organizao dos
Estados Americanos - OEA, rgo que administra o sistema interamericano.
O Sistema Interamericano tem como seus principais documentos
a Carta da OEA, a Declarao Americana de Direitos e Deveres do
Homem e a Conveno Interamericana de Direitos do Homem.
Carta da OEA e a Declarao Americana de Direitos e Deveres do
Homem foram adotadas em 1948, alguns meses antes da Declarao
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Universal dos Direitos do Homem, tornando-se o primeiro documento a tratar
sobre a proteo dos direitos humanos e inspirando, de certa forma, a prpria
Declarao Universal.
A Declarao Americana inovou ao trazer no apenas direitos mais
tambm deveres do homem, e embora seja apenas uma resoluo no
vinculante, a Declarao considerada o marco inicial da construo do
Sistema interamericano (PORTELA, 2010, p. 694).
A Declarao Americana consagra, de forma geral, os mesmos
direitos contemplados na Declarao Universal. Dentre os deveres, contempla
deveres compatveis com os direitos que garante, como o dever de conviver
com os demais, obedecer s leis, cumprir com as obrigaes civis, polticas,
militares, tributrias e trabalhistas.
4.4.3 Organizao dos Estados Americanos
A Organizao dos Estados Americanos (OEA) tem sede em
Washington, nos Estados Unidos, e atualmente todos os 35 pases da Amrica
so Estados-membros da OEA. Entretanto, em junho de 2009, os Ministros deRelaes Exteriores das Amricas excluram a participao do Estado de
Cuba, e, em julho de 2009, o direito de participao do Estado de Honduras foi
suspenso, devido ao golpe de estado que sofreu.
Dentre os propsitos da OEA, destacam-se os seguintes
objetivos: garantir a paz e a segurana no continente Americano; promover e
consolidar a democracia representativa; buscar solues pacficas aos
conflitos de seus membros, respeitando sempre o princpio da no-
interveno; e promover o desenvolvimento econmico, social e cultural,
buscando erradicar a pobreza.
A Carta da OEA prev, ainda, direitos e deveres dos Estados
Americanos, como direito soberania, sem sofrer intervenes, em
contrapartida prev o dever respeitar os outros Estados, no restringir direitos
fundamentais de seus cidados, e ainda que cada Estado tem o direito
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de desenvolver, livre e espontaneamente, a sua vida cultural, poltica e
econmica. No seu livre desenvolvimento, o Estado respeitar os direitos da
pessoa humana e os princpios da moral universal (Carta da Organizao
dos Estados Americanos, 1948, artigo 17).
4.4.4 Conveno Americana dos Direitos do Homem
Outro importante documento do sistema interamericano a
Conveno Americana dos Direitos do Homem, conhecido como Pacto de
San Jose da Costa Rica. Adotada em 1969, pela conveno da OEA
realizada em San Jose, na Costa Rica, entrou em vigor em 1978 com a
ratificao do dcimo primeiro Estado. O Pacto contempla direitos civis,polticos, econmicos, sociais e culturais. Substancialmente, ela reconhece e
assegura um catlogo de direitos civis e polticos, similar ao previsto pelo
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos (PIOVESAN, 2008, p. 244),
quanto aos direitos econmicos sociais e culturais, traz apenas previses
genricas, determinando apenas que os Estados adotem medidas necessrias
para, progressivamente, garantir a plena efetividade desses direitos.
O Pacto estabelece que os Estados tm no apenas o dever de
respeitar os direitos nele estabelecidos, sem viol-los, como tambm, o dever
de adotar medidas necessrias para garantir o pleno exerccio desse direito.
Em linhas gerais, a Conveno Americana garante os mesmos
direitos anteriormente previstos nos Pactos Internacionais de 1966. Entretanto,
traz algumas particularidades, dentre as quais, a inovao referente pena de
morte, ao proibir que pases que a tenham abolido, restabeleam essa pena, eainda probe a aplicao dela em mulheres grvidas, por crimes polticos
ou crime de qualquer natureza praticados antes dos 18 anos idade ou aps
os 70 anos de idade.
Outra novidade referente ao direito de liberdade de expresso
relativa imprensa, rdio ou televiso, no mesmo sentido que probe a
censura prvia, ressalvado os casos em que o objetivo da censura for proteger
a moral da infncia e da adolescncia. Inova tambm quanto ao direito de
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retificao ou respostas diante de informaes inexatas ou ofensivas, emitidas
pelos rgos de comunicao de massa (COMPARATO, 2008, p. 370).
A Conveno Americana ainda preenche a lacuna deixada pelos
Pactos internacionais de 1966, referente ao direito de propriedade. E
apresenta um avano quanto ao direito de asilo, e quanto proibio de
expulsar ou entregar um individuo um pas onde seu direito vida ou a
liberdade pessoal esteja em risco de violao em virtude de sua raa,
nacionalidade, religio, condio social ou de suas opinies polticas
(Conveno Americana sobre os Direitos Humanos, 1969, artigo 22).
O Pacto de San Jose tambm inovou quanto aos mecanismos de
monitoramento com a criao da Comisso Interamericana e, principalmente,
da Corte Interamericana.
O Brasil incorporou o Pacto de San Jose da Costa Rica
integralmente em 1992, e desde 1998 reconhece a jurisdio obrigatria da
Corte interamericana.
O Protocolo de San Salvador, adotado em 1988, procura reforar e
especificar as determinaes genricas que o Pacto de San Jose traz a
respeito dos direitos econmicos, sociais e culturais.
De forma geral, o Protocolo reproduz os preceitos j trazidos no
Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais de 1966. O
Protocolo segue os princpios de que os povos americanos tm direito ao
desenvolvimento, autodeterminao, e a dispor livremente de suas riquezas
e recursos naturais, tudo dentro do quadro do regime democrticorepresentativo e do respeito aos direitos humanos (PORTELA, 2010, p.698).
Entre os direitos trabalhistas o Protocolo de San Salvador avana
ao estabelecer jornadas de trabalho mais curtas para servios perigosos,
insalubres ou noturnos, e garantir que trabalhadores menores de 16 anos
tenham acesso educao. Estabelece, ainda, que os Estados devem adotar
as medidas cabveis para efetivar os direitos trabalhistas, e implementar
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polticas de capacitao, principalmente para mulheres e portadores de
deficincia. Define, ainda, o direito seguridade social como o direito
proteo contra as consequncias da velhice e da incapacitao, que
impossibilite a pessoa, fsica ou mentalmente, de obter meios de sobrevivncia
digna (PORTELA, 2010, p. 699).
Outra importante novidade referente ao direito sade, que o
protocolo estabelece como um bem pblico, devendo o Estado garantir a
todas as pessoas a assistncia mdica essencial, bem como a vacinao.
Afirma, ainda, o direito segurana alimentar, que consiste em uma nutrio
adequada, e tambm, o direito ao meio ambiente sadio, como explica Portela
(2010, p. 699):O direito ao meio ambiente sadio, que no mencionado em muitostratados do Sistema Global, consagrado pelo Protocolo e inclui o direito acontar com os servios pblicos bsicos, bem como a obrigao de osEstados promoverem a proteo, preservao e o melhoramento dascondies ambientais.
Quanto educao, trouxe um direito especifico que consiste o
dever dos Estados estabelecerem programas de ensino diferenciados para
portadores de deficincia. Quanto famlia acrescenta o direito de assistncia
mulher grvida por perodos anteriores e posteriores ao parto, bem como a
criao de programas de assistncia familiar, que busquem construir um
ambiente familiar estvel de forma a possibilitar o pleno desenvolvimento das
crianas.
Por fim, o Protocolo traz normas de proteo especficas ao
idoso e aos deficientes, que devem incluir assistncia mdica especializada,
programas para melhorar a qualidade de vida, bem como programas deacessibilidade para os deficientes.
Vale destacar que o sistema interamericano tambm possui alguns
tratados sobre temas especficos, como a Conveno Interamericana para
Prevenir e Punir a Tortura, de 1985, o Protocolo Adicional Conveno
Americana sobre Direitos Humanos Referente Abolio da Penal de Morte,
de 1990, a Conveno Interamericana sobre o Trfico Internacional de
Menores e a Conveno Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
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Violncia contra a Mulher, ambas de 1994 e a Conveno Interamericana para
Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra as Pessoas
Portadoras de Deficincia, de 1999.
4.5 O Tratado de Roma e o Tribunal Penal Internacional1
O Tratado de Roma foi aprovado em 17 de julho de 1998, criando o
Tribunal Penal Internacional (TPI), com mais de 160 Estados reunidos na
Conferncia Diplomtica de Plenipotencirios das Naes Unidas. O
Tratado foi assinado pelo governo brasileiro em 7 de fevereiro de 2000, sendo
aprovado pelo Parlamento brasileiro por meio do Decreto Legislativo n 112, de
06.06.2002 e promulgado pelo Decreto n 4.388, de 25.09.2002. Embora
o Estatuto do TPI entrou em vigor internacional em 1 de julho de 2002,correspondente ao primeiro dia do ms seguinte ao trmino do perodo de60 dias aps a data do depsito do 60 instrumento de ratificao, deaceitao, de aprovao ou de adeso junto ao Secretrio Geral dasNaes Unidas, nos termos do seu artigo 126 1 .2
O Tribunal Penal Internacional tem sede na cidade da Haia,
Holanda e uma instituio permanente, ou seja, no ter atuao restrita a
crimes somente cometidos em determinados conflitos e por um perodo
determinado, v.g., os tribunais ad hoc criados para processar e julgar os
crimes cometidos na ex-Iugoslvia e Ruanda, mas sim, atuao contra as
impunidades que assolam o mbito internacional pelo cometimento de
grandes violaes aos direitos humanos, sem que haja insuficincia para
punio dos criminosos3. Assim, o TPI apresenta-se com poderes de
jurisdio sobre pessoas em relao aos crimes de maior gravidade no
1 Adaptado de RODRIGUES, Larissa Pereira. O Tribunal Penal Internacional e aConstituio Federal: divergncias sobre a existncia de conflito entre normas. Artigo cientficopublicado na Revista Brasileira de Direito Internacional - RBDI, Vol. 1, N 1 Disponvel em:http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/dint/article/view/4588.
2 MAZZUOLI, Valrio de Oliveira. O Tribunal Penal Internacional: Integrao aoDireito Brasileiro e sua importncia para a justia penal internacional. In: 2 CONGRESSOBARSILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL, 2004, Curitiba. MENEZES, Wagner (Org.) ODireito Internacional e o Direito Brasileiro: Homenagem a Jos Francisco Rezek. Rio Grande doSul: Uniju, 2004, p. 226.
3
TRINDADE, Antnio Augusto Canado. Tratado de Direito Internacional deDireitos Humanos. Porto Alegre: Fabris, 1999. v. 2, p. 385.
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cenrio internacional, os quais so especificados no Estatuto de Roma4, a
saber, conforme estipula o artigo 5:
Art. 5. Crimes sob a jurisdio do Tribunal.1. A jurisdio do tribunal se limitar aos crimes mais graves que
preocupem a comunidade internacional em seu conjunto. O Tribunal ter jurisdio, em conformidade com o presente Estatuto, sobre os seguintescrimes:a) o crime de genocdiob) os crimes contra a humanidade;c) os crimes de guerra;d) o crime de agresso [...].
Acrescenta-se ainda sobre o carter complementar do TPI s
jurisdies penais internacionais. Este um dos pontos principais da sua
criao, pois somente o Tribunal atuar quando os rgos judicirios locais dos
Estados-membros forem insuficientes ou omissos quanto ao processo e
julgamento dos acusados. Neste sentido, leciona TRINDADE:
De conformidade com o princpio da complementaridade, invocado noprprio prembulo do Estatuto de Roma, o Tribunal Penal Internacional concebido como complementar das jurisdies penais nacionais; asprprias condies de exerccio de sua competncia (artigos 12-14) do primazia s jurisdies nacionais para investigar e julgar os crimesconsignados no Estatuto de Roma, estando o acionamento do TribunalPenal Internacional circunscrito a circunstncias excepcionais.5
Desta forma, consoante o entendimento acima, o TPI no interferir
na soberania dos Estados, uma vez que este um dos princpios basilares das
relaes internacionais entre os Estados juntamente com os princpios da
Igualdade e a da Autodeterminao dos Povos. A seguir, passa-se anlise
de dispositivos do Estatuto bem como da Constituio Federal a fim de se
verificar os possveis conflitos existentes no que tange aos direitos humanos
uma vez que cada texto legal os trata de maneira diversa.
4 O Estatuto indica o crime de genocdio no art. 6, o qual revela quais sero osatos considerados como genocdio com a finalidade de destruir total ou parcialmente um gruponacional, tnico, racial ou religioso; j os crimes contra a humanidade indicado no art. 7, ouseja, h um rol de aes que tenham sido praticados como parte de um ataque generalizado ousistemtico contra uma populao civil e com o conhecimento de tal ataque; crimes de guerra,estipulado no art. 8 a configurao desta modalidade de crime como parte de um plano oupoltica ou parte da prtica em grande escala de tais crimes expostos; e, por fim, os crimes deagresso, a serem ainda estipulados, desde que em conformidade com os artigos 121 e 123,os quais tratam, respectivamente, de emendas a disposies de carter institucional e dareviso do Estatuto.
5
TRINDADE, Antnio Augusto Canado. Tratado de Direito Internacional deDireitos Humanos. Porto Alegre: Fabris, 1999, v. 2, p. 398.
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4.5.1 Conflito relativo priso perptua
O termo priso perptua, indica um local fechado em que
permanece o indivduo ao longo de sua vida at a morte, uma vez que a priso
perptua tem carter ininterrupto. Atravs de nossa Constituio verifica-se,
em seu art. 5, XLVII, b, a proibio dessa modalidade de pena, tendo em
vista que, no haver penas de carter perptuo. Assim, no h que se falar
em implement-la em qualquer ente federado do pas, pois o exposto na
Carta Fundamental o que detm pleno vigor em todo o territrio e para com
os cidados nacionais. A opo pela vedao s penas de carter perptuo
decorre do princpio da natureza temporria, limitada e definida das penas
e compatibiliza-se com a garantia constitucional liberdade e dignidade
humana.6
Tal artigo um princpio a ser garantido a todo indivduo brasileiro e,
como tal, no passvel de reforma atravs de Emenda Constitucional que
tenda abolir este direito assegurado, conforme dispe neste sentido o artigo
60, 4, IV CF.
Todavia, o Estatuto do TPI adota a pena de priso perptua, inclusa
no artigo 77, pargrafo 2, alnea b, que conta com a seguinte redao:
Art. 77. O Tribunal poder, observado o disposto no artigo 110, aplicar umadas seguintes penas ao ru considerado culpado por um dos crimesprevistos no artigo 5 do presente Estatuto:a) [...];b) pena de priso perptua, quando justificada pela extrema gravidade docrime e pelas circunstncias pessoais do condenado.
Alm disso, necessrio acrescentar o que indica o artigo 80 do
mesmo Estatuto, que, primeira vista, afasta a existncia de eventual
conflito de normas das penas do Estatuto com o direito interno de cada pas.
Porm, em uma anlise mais aprofundada, o que se verifica a permanncia
de conflitos no ordenamento jurdico brasileiro.
6
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 4. ed. So Paulo:Atlas, 2002, p. 239.
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O artigo supracitado determina que: Nada do disposto na
presente parte afetar a aplicao, pelos Estados, das penas em seu direito
interno, nem a legislao dos Estados em que no existam as penas previstas
na presente. Primeiramente, tem-se a impresso que este artigo afasta a
aplicao da pena de priso perptua pelo pas cujo direito interno no
estipula esta modalidade de pena. Todavia, o que se verifica, na verdade, no
somente devido ratificao dos Estados-membros em fazerem parte do TPI
que os mesmos devero aplicar a pena para com seus cidados em seu direito
interno. Em termos gerais, a pena de priso perptua ser usada aos
indivduos julgados pelo TPI, no interferindo para que haja a aplicao
obrigatria desta priso aos cidados de pases que no a estipulam em seu
direito interno. Neste sentido indica PIOVESAN:
O artigo 80 enuncia explicitamente a no interferncia no regime deaplicao de penas nacionais e nos Direitos internos, ressaltando que nadaprejudicar a aplicao, pelos Estados, das penas previstas nos respectivosDireitos internos, ou a aplicao da legislao de Estados que no prevejaas penas referidas no Estatuto.7
Entretanto, o conflito entre normas existe, pois apenas h a
mudana de julgamento do indivduo em relao ao Tribunal (se ser pelo
Tribunal interno ou pelo TPI), mas ainda ele continua cidado de seu pase, desta forma, possuidor de direitos e garantias fundamentais concernentes
a ele. Neste raciocnio, o cidado brasileiro que possa vir a ser julgado pelo
TPI, dependendo dos fatos cometidos, pode vir a ser julgado com a cominao
de pena de priso perptua. Porm, ressalta-se: ele no deixou de ser
brasileiro e, pela Constituio Federal, tem direito assegurado pelo Estado de
que no poder vir a ser sancionado com modalidade de priso em questo.
Logo, permanece o conflito entre essas duas normas: uma, pela
Constituio a qual revela que no haver penas de carter perptuo aos
brasileiros; e a outra, pelo Estatuto do TPI, indicando a existncia desta priso
ao indivduo do Estado-parte, dependendo da gravidade do crime e das
circunstncias pessoais do condenado.
7
PIOVESAN, F. Temas de direitos humanos. 2. ed. So Paulo: Max Limonad,2003, p. 173.
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Apesar da no existncia de julgamentos a respeito do tema em
questo, ou seja, no existe ainda um brasileiro julgado pelo TPI com a
cominao de priso perptua. Caso isto ocorra, a doutrina j tenta
estabelecer um consenso a respeito, embora perdure o entrave entre
constitucionalistas e internacionalistas. Vejam-se alguns posicionamentos a
respeito, para a compreenso de cada raciocnio.
Existe jurisprudncia do STF no sentido em admitir a extradio
pelo governo brasileiro de estrangeiro reclamado, mesmo que no pas a que
venha a ser julgado exista a possibilidade do extraditado sofrer com a pena de
priso perptua.8 Tal medida encontra respaldo no artigo 91 do Estatuto do
Estrangeiro cujo contedo no se restringe em nenhuma hiptese a extradio
em funo de pena de priso perptua.
Mas o caso que, quando h proibio constitucional em
aplicar a pena de priso perptua, o entendimento desta vedao apenas
dirige-se ao legislador interno brasileiro, no alcanando os legisladores
estrangeiros, muito menos os internacionais. Assim, a sua aplicao interna
no vivel por ser expressa vedao constitucional, no podendo ser
internacionalizada nem por tratados internacionais muito menos por emendas,
uma vez que se trata de clusula ptrea - porm, pode ser instituda
externamente em um tribunal permanente internacional, a fim de que seja
assegurado o bem-estar da humanidade.
Ademais, para os que defendem a existncia de um conflito
meramente aparente, atentam para o artigo 7 do Ato das Disposies
Constitucionais Transitrias, o qual revela que o Brasil propugnar pelaformao de um tribunal internacional dos direitos humanos. Isto porque o TPI
um tribunal de direitos humanos o qual destaca a dignidade da pessoa
8 Extradio. Embargos de Declarao. Priso Perptua. A jurisprudncia dotribunal no sentido de admitir, sem qualquer restrio, a possibilidade do Governo Brasileiroextraditar o sdito estrangeiro, mesmo que sujeito a sofrer pena de priso perptua no Estadorequerente. Embargos recebidos, em parte, para suprir a omisso, sem modificar a partedispositiva do acrdo embargado. (STF EDEXT- 703 - IT - TP - Rel. Min. Seplveda
Pertence DJU 17.08.2001, p. 52) apud MENEZES, Wagner (Org.). Estudos de DireitoInternacional. Curitiba: Juru, 2004. v.2, p. 468.
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humana sendo a proibio constitucional dirigida apenas ao legislador interno
o que, na verdade
[...] o Estatuto de forma alguma afronta a nossa Constituio (como sepoderia pensar numa leitura mais descompromissada de seu texto); ao
contrrio, contribui para coibir os abusos e as inmeras violaes de direitosque se fazem presentes no mundo, princpio esse que sustentacorretamente a tese de que a dignidade da sociedade internacional nopode ficar margem do universo das regras jurdicas.9
E ainda, atentam para a insero do 4 ao artigo 5 atravs da
EC n 45/2005, o qual indica a submisso do Brasil jurisdio do TPI. Para
atenuar ainda essa contradio existente entre os textos legais entendem
alguns autores pela no existncia de conflito, pois o condenado que se
mostrar merecedor dos benefcios estabelecidos no Estatuto poder ter sua
pena reduzida, inclusive a de priso perptua, conforme estipula o teor do
artigo 110, 3 e 4 do Estatuto. Tal artigo prev que, quando a pessoa j
tiver cumprido dois teros da pena, ou seja, 25 anos, o Tribunal ir reexaminar
a pena de priso perptua, caso preencha alguns pressupostos da lei a fim de
ser reduzida, no configurando conflito com a Constituio.
Todavia, outras posies contrrias podem ser verificadas a partir
do posicionamento do ministro aposentado do STJ, Luiz VicenteCERNICCHIARO, indicando que em relao hierarquia no ordenamento
jurdico, entende-se: ...por norma submissa Constituio, ao aceitar o
Estatuto, o Brasil, sem dvida, por via oblqua, estar renunciando prpria
soberania. certo que no momento em que a poltica entra na sala, o Direito
sai pela janela.10
Mas necessrio acrescentar que o argumento da interferncia na
soberania do Estado veemente rebatido pelos internacionalistas, pois,
conforme MAZZUOLI11:
No existe restrio ou diminuio da soberania para os pases que jaderiram, ou aos que ainda iro aderir, ao Estatuto de Roma. Ao contrrio:na medida em que um Estado ratifica uma conveno multilateral como
9 MENEZES, O direito internacional e..., op.cit., p. 256.
10 MENEZES, Estudos de Direito..., op.cit.v.2, p.469.
11 Idem, O direito internacional e..., op.cit., p. 260.
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esta, que visa trazer um bem-estar que a sociedade internacional reivindicah sculos, ele no est fazendo mais do que, efetivamente, praticando umato de soberania, e o faz de acordo com sua Constituio, que prev aparticipao do Executivo e do Legislativo (no caso brasileiro: CF 84, incisoVIII e 49, inciso I, respectivamente) no processo de celebrao de tratados.
Por outro lado, REZEK afirma que, diante de incompatibilidade denormas de direito internacional e interno, que esta ltima deve prevalecer
de forma a preservar a lei fundamental do Estado, mesmo que isto
implique a prtica de um ilcito no mbito externo.12 E, juntamente a este
entendimento, FERREIRA FILHO entende que:
h a possibilidade que suscita graves dificuldades interpretativas de queo regime do direito reconhecido em tratado seja diferente do que aConstituio atribui ao mesmo direito.[...] Na medida em que, no direitoptrio, a norma proveniente de tratado tem hierarquia de lei ordinria e node regra constitucional, a concluso, a meu ver, o prevalecimento doregime estabelecido pela Carta Magna.13
Este ltimo argumento prevalece ainda que com a edio do 3
ao artigo 5, uma vez que o TPI foi recepcionado internamente com status
infraconstitucional.
Embora entendimentos verificados acima digam respeito
hierarquia de normas e compatibilizao jurisprudencial tendo como base a
extradio a um pas que permite a pena de morte, uma outra questo
pertinente ao tema da priso perptua e sua aplicao seja no Brasil seja em
outros pases, aquela conforme Alcinto Pinto FALCO ao afirmar que tal
pena estaria s testilhas com o princpio de que a pena, entre outros fins,
tem o de servir regenerao e readaptao do condenado vida civil14.
Celso BASTOS, entende que
a priso perptua priva o homem da sua condio humana. Esta exige
sempre um sentido de vida. Aquele que estiver encarcerado semperspectiva de sada, est destitudo dessa dimenso espiritual, que acondio mnima para que o homem viva dignamente.15
12 REZEK, Jos Francisco. Direito Internacional Pblico: Curso elementar. 7. ed.So Paulo: Saraiva, 1998, p.103.
13 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Comentrios Constituio Brasileira de1988. So Paulo: Saraiva, 2000. v. 1. p. 85.
14 FALCO, A. P. et al. Comentrios Constituio. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1990. v.1, p.241 apud MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 4. ed.So Paulo: Atlas, 2002., p. 239.
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Assim a pena de priso perptua desumana e imprpria para os
dias de hoje seja porque contradiz o exposto constitucionalmente como
afirmam alguns doutrinadores, seja porque, principalmente, fere o fim que se
destina a pena de priso, interferindo negativamente para uma aplicao
efetiva dos direitos humanos internacionalmente por um Tribunal Penal
Internacional criado, em verdade, para a melhor proteo desses direitos, seja
para com as vtimas seja para com seus agressores. Em suma, prevalncia
de direitos humanos a todos, sem distines.
4.5.2 Conflito relativo extradio de nacionais
O conceito de extradio pode ser verificado conformeHildebrando ACCIOLY:
o ato mediante o qual um Estado entrega a outro indivduo acusado dehaver cometido crime de certa gravidade ou que j se ache condenado poraquele, aps haver-se certificado de que os direitos humanos doextraditando sero garantidos.16
Alexandre de MORAES tambm trata do tema ensinando ser o
modo de entregar o estrangeiro ao outro Estado por delito nele praticado.17
Portanto, a extradio a entrega de um indivduo por um Estado a outro coma finalidade da pessoa ser processada e julgada no Estado competente
para puni-la. Assim, verifica-se a extradio passiva e a ativa: esta aquela
requerida pelo Estado a outro para que possa processar e julgar o criminoso
que se encontra no territrio do requerido; e aquela, a requerida ao pas em
que se encontra o criminoso.18A extradio objeto de estudo a passiva.
Acrescenta ainda ACCIOLY que o instituto da extradio tem por
finalidade evitar que um indivduo no pague pelas conseqncias do crime
15 BASTOS, C., MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentrios Constituio doBrasil. So Paulo: Saraiva, 1988. v.2, p. 241 apud ibidem, p. 239.
16 ACCIOLY, H.; NASCIMENTO E SILVA, G. E. Manual de direito internacionalpblico. 15. ed. So Paulo: Saraiva, 2002., p. 398.
17MORAES, A. Direito Constitucional. 12. ed. So Paulo: Atlas, 2002, p.119.
18
FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Comentrios Constituio Brasileira de1988. So Paulo: Saraiva, 2000. v. 1. p. 64.
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cometido, mediante a cooperao internacional, diferenciando do instituto
surrender19, e ainda, conforme o artigo XI da Declarao Universal dos
Direitos do Homem20, o instituto da extradio tambm visa garantir um
julgamento justo ao acusado.21
Na Constituio existe um tratamento diferenciado aos brasileiros
natos, naturalizados e aos estrangeiros quanto aplicao da extradio,
conforme se observa no artigo 5 , incisos LI e LII.
No inciso LI dispe que nenhum brasileiro ser extraditado, salvo o
naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalizao,
ou de comprovado envolvimento em trfico ilcito de entorpecentes e drogas
afins, na forma da lei. Portanto, verifica-se o direito do nacional em nunca ser
extraditado e, no caso do naturalizado, somente em duas hipteses.
A extradio, portanto, tem por texto principal em matria de
extradio o artigo 5, incisos LI e LII da CF, regulamentados pela Lei n
6.815/80, e o Decreto n 86.715/81. Nota-se que esse artigo, como o
anteriormente analisado a respeito da priso perptua, tambm se trata de
clusula ptrea, em que no pode este direito ser objeto de EmendaConstitucional que tenha por alvo a sua eliminao do ordenamento
constitucional, conforme o art. 60 4, IV.22Assim, ser verificada a seguir
posies contrrias dizendo sobre a existncia de conflito entre o disposto
na Constituio e no presente Estatuto do TPI.
19 Este instituto, cuja traduo a entrega, adotado pelos pases da ComunidadeEuropia e, como um sistema sumrio e diminui a burocracia, ACCIOLY atenta que osdireitos do indivduo possam deixar de ser devidamente protegidos.
2032
Enuncia o artigo IX: Todo homem acusado de um ato delituoso tem odireito de ser presumido inocente at que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordocom a lei, em julgamento pblico no qual lhe tenha sido asseguradas todas as garantiasnecessrias a sua defesa.
21 ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, Geraldo Eullio do Nascimento. Manual deDireito Internacional Pblico. So Paulo: Saraiva, 2002. p. 398 402.
22Cf. MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 4. ed. So Paulo:Atlas, 2002. p.242.
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O Estatuto, em seu artigo 102 revela que, por entrega entende-se
a entrega de uma pessoa por um Estado ao Tribunal nos termos do presente
Estatuto, e por extradio, a entrega de uma pessoa por um Estado a outro,
de acordo com a conveno entre os Estados ou no direito interno. Assim, o
termo utilizado para a disposio de um nacional ao TPI para processo e
julgamento a entrega, e no extradio, embora tal diferena nominal no
diferencie o que ocorre na prtica.
Ademais, a cooperao entre Estado e o TPI regida pelo princpio
da complementaridade, ou seja, a jurisdio do TPI somente ser exercida
quando for constatada a incapacidade ou falta de disposio dos Estados em
processar e julgar, a fim de que no haja interferncia nos sistemas judiciais de cadaEstado.
J para aqueles que entendem existir situao de incompatibilidade
entre os dois dispositivos baseiam-se no argumento de que a Carta Magna e a
determinao de entrega de nacionais ao tribunal so excludentes, diante de
vedao expressa, conforme o exposto no artigo 5, inciso LI da Constituio.
Ademais, tal dispositivo no pode ser objeto de emenda, pois, com base no
artigo 60, 4, inciso IV CF, o artigo 5, LI CF clusula ptrea em nosso
ordenamento. Logo, apenas um poder constituinte originrio seria
competente para criar um texto que viesse a permitir a entrega de nacionais.23
4.6 Federalizao dos Crimes Contra os Direitos Humanos
Como bem explana a Prof Marselha Bortolan Caram24 (CARAM.
2007, p. 323) a Carta Poltica de 1988 inaugurou na ordem constitucional um
ttulo exclusivo aos princpios fundamentais dentre os quais se destaca, logo
23 ROCHA, T. G. P. Entrega de nacionais e priso perptua no Tribunal PenalInternacional luz da Constituio Brasileira in: MENEZES, Estudos de... , op.cit., v. 2, p. 467.
24 Adaptado de CARAM, Marselha Bortolan .Federalizao dos crimes contra osdireitos humanos. Monografia apresentada ao Curso de Especializao em Direito
Constitucional da Escola Superior de Direito Constitucional. Disponvel em:http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-10/RBDC-10-007-INDICE.htm.
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em seu artigo 1, o princpio da dignidade da pessoa humana como um dos
fundamentos da Repblica Federativa do Brasil.
Art. 1. A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolveldos estados e municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
democrtico de direito e tem como fundamentos:III. a dignidade da pessoa humana.
Ainda, nesse mesmo Ttulo I, reservado aos princpios
fundamentais, est previsto que a Repblica Federativa do Brasil reger-se-
em suas relaes internacionais pelo princpio da prevalncia dos direitos
humanos.
Art. 4. A Repblica Federativa do Brasil rege-se nas suas relaesinternacionais pelos seguintes princpios:II. prevalncia dos direitos humanos.
Logo em seguida, contendo o Ttulo II da Carta Constitucional,
encontram-se cinco captulos reservados aos direitos e garantias
fundamentais, aos quais o constituinte estabelece um rol detalhado, porm no
exaustivo.
Observa-se que o Constituinte intencionalmente fixou os princpios
fundamentais da Repblica Federativa do Brasil, bem como o rol dos direitos e
garantias fundamentais logo no incio do diploma constitucional, ou seja, logo
aps o prembulo da Carta Poltica, a fim de evidenciar sua importncia vital e
singular no corpo da Constituio.
Como bem ressaltou Ingo Wolfgang Sarlet, o Constituinte, de forma
clara e inequvoca, outorgou aos princpios fundamentais a qualidade de
normas responsveis por embasar e informar toda a ordem constitucional,
especialmente a das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais
que, juntamente com eles, integram o ncleo essencial da nossa Constituio
formal e material (SARLET. 2001, p. 62)
Dessa forma, a Carta Poltica de 1988 elevou o valor da dignidade
ao status de princpio normativo fundamental, conferindo ao Estado a
finalidade precpua de proteg-lo e garanti-lo, j que sua existncia se faz em
funo da pessoa humana.
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Infere-se desses dispositivos a intensa preocupao da Constituio
de 1988 em assegurar a dignidade e o bem-estar da pessoa humana como um
imperativo de justia social, essenciais a um Estado que se afirma
constitucionalmente como democrtico e social e que eleva a dignidade da
pessoa humana a um princpio-corolrio constitucional, protegido pela clusula
ptrea garantidora de direitos e garantias fundamentais.
No plano internacional, a adoo em 1948 da Declarao Universal
de Direitos Humanos pela Assemblia Geral das Naes Unidas constitui o
principal marco no desenvolvimento da idia contempornea de direitos
humanos. Os direitos inscritos nesta declarao constituem um conjunto
indissocivel e interdependente de direitos individuais e coletivos, civis,polticos, econmicos, sociais e culturais, sem os quais no se alcana o
verdadeiro sentido do princpio da dignidade da pessoa humana.
Com o passar do tempo, essa Declarao transformou-se em fonte
de inspirao para a elaborao de diversas cartas constitucionais e tratados
internacionais relacionados com a proteo dos direitos humanos.
Com efeito, os direitos humanos deixaram de ser uma questo afetaexclusivamente aos estados nacionais no limite de suas soberanias, passando,
pelo contrrio, a ser matria de interesse de toda a comunidade internacional.
A prova disso cite-se os mecanismos judiciais internacionais de proteo a
esses direitos, como a Corte Interamericana e a Corte Europia de Direitos
Humanos.
Cumpre esclarecer que a dignidade da pessoa humana, assim como
os direitos humanos, no ganharam existncia a partir do reconhecimento e
fundamentao pelo ordenamento positivo. Todavia, o grau de reconhecimento
conferido aos direitos humanos e sua legitimao pela ordem jurdico-
constitucional e pelo Direito Internacional certamente iro depender de sua
efetiva realizao e proteo.
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certo, contudo, que o primeiro passo efetiva proteo e
garantia desses direitos inicia-se internamente, ou seja, dentro da realidade
poltico-social de um dado Estado.
Conforme afirmou Ingo Wolfgang Sarlet:
Assim, h que se reconhecer que tambm o contedo da noo dedignidade da pessoa humana, na sua condio de conceito jurdico-normativo, a exemplo de tantos outros conceitos de contornos vagos eabertos, reclama uma constante concretizao e delimitao pela prxisconstitucional, tarefa cometida a todos os rgos estatais (SARLET. 2001,p. 40)
O princpio da dignidade da pessoa humana, por ser um princpio
fundamental, atua como elemento informador dos direitos e garantias
fundamentais, ou seja, serve como critrio para aplicao, interpretao eintegrao dos direitos fundamentais.
Na linha de Andr de Carvalho Ramos, identificando a existncia do
princpio da no tipicidade dos direitos fundamentais, defende-se que
h sempre a possibilidade de uma compreenso aberta do mbitonormativo das normas de direitos humanos, o que fixa margens mveispara o conjunto de direitos humanos assegurados em uma determinadasociedade (...) Tais margens mveis do conceito de direitos humanos
tambm denomina-se eficcia irradiante dos direitos fundamentais(RAMOS. 2002, p. 13)
Portanto, esse princpio deve ser utilizado no caso concreto,
objetivando solucionar as controvrsias existentes sobre o conceito de
grave violao aos direitos humanos. Com relao ao termo graves
violaes, o prprio constituinte preferiu no predetermin-lo, a fim de no
restringir seu campo de incidncia. No entanto, ofereceu uma boa pista:
violao coligada com as obrigaes decorrentes de tratados internacionais
dos quais o Brasil seja parte. Portanto, essa gravidade no pode ser aferida
tendo em conta somente o fato em si mesmo considerado ou a qualidade do
agente ou da vtima.
Nesse sentido, importante observar a literal redao do 5, inciso
V-A, do artigo 109, da Carta Constitucional, prevendo que nas hipteses de
grave violao de direitos humanos, o Procurador-Geral da Repblica, com a
finalidade de assegurar o cumprimento de obrigaes decorrentes de tratados
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internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poder
suscitar, perante o Superior Tribunal de Justia, em qualquer fase do inqurito
ou processo, incidente de deslocamento de competncia para a justia
federal.
O prprio Superior Tribunal de Justia, quando do julgamento do
Incidente de Deslocamento de Competncia IDC n 1, esclareceu que
2. Dada a amplitude e a magnitude da expresso direitos humanos, verossmil que o constituinte derivado tenha optado por no definir o rol doscrimes que passariam para a competncia da justia federal, sob pena derestringir os casos de incidncia do dispositivo (CF, art. 109, 5),afastando-o de sua finalidade precpua, que assegurar o cumprimento deobrigaes decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasilsobre a matria, examinando-se cada situao de fato, suas circunstncias
e peculiaridades detidamente, motivo pelo qual no h falar em norma deeficcia limitada. Ademais, no prprio de texto constitucional taisdefinies.
Entende-se que a escolha pela terminologia direitos humanos e
no direitos fundamentais foi intencional, em razo da j prevista norma-
princpio inserta no artigo 4, inciso II, da Constituio Federal, estabelecendo
que, no plano das relaes internacionais, a Repblica Federativa do Brasil
dever zelar pela prevalncia dos direitos humanos. Entenda-se, pelos direitos
protegidos internacionalmente, pois no plano interno encontram-se os direitosfundamentais, concretizados e guisados a um grau superior de garantia e
segurana, conforme expressamente demonstrado no Ttulo II da Carta
Constitucional.
Da resulta a ausncia propositada da rotulao dos direitos aptos a
invocar o incidente de deslocamento de competncia. A falta de discriminao
demonstra sua universalidade, j que os direitos fundamentais propriamente
ditos variam conforme a ideologia e modalidade de Estado. Como sempre
afirmou o professor Paulo Bonavides, os direitos fundamentais, em rigor, no
se interpretam; concretizam-se.
Nesse passo, a inovao trazida com a Emenda Constitucional n
45/04 abrange tanto os direitos humanos positivados internacionalmente
quanto os direitos fundamentais propriamente ditos, garantidos expressamente
na nossa Carta Constitucional.
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