43 - DEVERES DOS PAIS
-
Upload
u-lucas-mota-diniz -
Category
Documents
-
view
52 -
download
1
description
Transcript of 43 - DEVERES DOS PAIS
Cornelius a Lapide, sj (1597-1637)+
DEVERES DOS PAIS
Tradução por Uyrajá Lucas Mota Diniz
Responsabilidade dos pais
Os pais devem ver seus filhos como se não lhes pertencessem, e devem
também se recordar de que Deus, Autor da vida, os depositou em suas mãos,
encarregando-lhes do cuidado de formar servidores fieis. Os filhos são de Deus.
Pois, o que temos que nos pertença, se nós nem sequer pertencemos a nós mesmos?
O Senhor diz a todos os pais e a todas as mães: Tomai esta criança,
alimentai-a; e eu vos recompensarei: Accipe puerum istum, et nutri mihi, ego dabo
tibi mercedam tuam (Exod. II, 9). Não cometais esse crime contra o menino, porque
sois responsável por seu sangue: nolite peccare in puerum, in sanguis ejus
exquiritur (Gen. XLII, 22).
A alma dos pais responderá pelas almas dos filhos, diz o Senhor: Anima ejus
erit pro anima illius (II Reg. X, 24).
Guardai a vosso filho. Se ele vier a perder-se, vossa alma pagará pela sua,
acrescenta o Senhor: Custodi virum istum, qui, lapsus fuerit, erit anima tua pro
anima illius (I Reg. XX, 39).
Pedir-vos-ei contas do sangue de vossos filhos, ou de sua perdição, diz o
Senhor: Sanguinem ejus de manu tua requiram (Ezech. III, 18).
Ocupando o lugar de Deus junto a seus filhos, os pais e as mães terão que
dar-Lhe contas de como os tem tratado.
O primeiro dever dos pais é ser virtuosos
O primeiro dever dos pais é ser virtuosos. O Evangelho diz-nos que Zacarias,
e Isabel, respectivamente pai e mãe de João Batista, eram ambos justos aos olhos de
Deus, guardando como guardavam todos os mandamentos e leis do Senhor
irrepreensivelmente: Erant autem justi ambo ante Deum, incedentes in omanibus
mandatis Domini sine querela (Luc. I, 6).
Eu andava na inocência de meu coração entre os de minha família, diz o Real
Profeta: perambulabam in innocentia cordis mei, in médio domus meae (Psalm. C,
3).
É uma formosa qualidade a virtude dos pais; é a maior riqueza para eles e para seus
filhos. A virtude dos pais, como seus vícios, passa e enraíza-se na alma de seus
filhos desde o próprio ato da concepção. Um sangue impuro gera filhos viciosos.
Um sangue puro dá filhos inclinados ao bem.
Em uma família, o pai e a mãe devem, com o brilho de suas virtudes e a
santidade de seus costumes, resplandecer como o sol e a lua; então, os filhos serão
como estrelas cintilantes, e aquela casa converter-se-á em um firmamento, em um
Céu de Deus.
Quem está encarregado de corrigir aos outros, deve estar isento de vícios, diz
São Gregório; o olho ferido com algum grão de poeira não pode ver uma mancha, e
aquele cuja mão está plena de barro não pode limpar suas vestes: Mundus esse a
vitiis debet, qui curat aliena corrigere; quia nequaquam purê maculam in membro
considerat oculus, quem pulvis gravat; et super possitas sordes tegere non valet
manus quae lutum tenet (Lib. Moral.).
Pais e mães, diz Santo Ambrósio, se não preservais e purificais vosso
coração de toda mancha de pecado, não podereis corrigir aos vossos filhos.
Começai por pacificar vosso coração, se quereis que a paz desça ao coração dos
outros. Porque, como purificareis o coração dos outros, se não purificastes, antes, o
vosso? Nisi tum prius interiora tua vacua fecerit ab omni labe peccati, non potes
aliis ferre medicinam. A te igitur pacem incipe, ut cum fueris ipse pacificus, pacem
aliis feras. Quomodo enim potes aliorum corda mundare, nisi tuum ante
mundaveris (Lib. de Offic.).
O homem, acrescenta aquele mesmo Santo, deve estar sujeito a Deus para
poder mandar: Homo, ut possit imperare, debet Deo esse subjectus (Ut supra).
Quem quer a submissão de seu subordinado deve ele também, por seu turno,
submeter-se a seu superior, diz Santo Agostinho.
Pais, reconhecei a ordem. Que coisa mais justa e razoável que obedecer a
Deus, a fim de que vos obedeçam vossos filhos? Que coisa mais formosa? Se viveis
submissos a Deus, vosso filho viverá submisso a vós. Servi Aquele que vos criou, a
fim de que vos sirva vosso filho, dom precioso de Deus; se vos negais a servir a
Deus, nunca obtereis uma submissão perfeita de vossa família. Se vos sublevais
contra Deus, vossos filhos se levantarão contra vós, e serão o vosso tormento (In
Psalm. CXLII).
Somente sabe mandar quem sabe obedecer! Ninguém conhece o jugo que
impõe, a não o houver carregado sobre si mesmo. Quereis, pais, saber mandar em
vossos filhos? Recebei as ordens de Deus e executai-as. Quereis que vossos filhos
carreguem o jugo precioso e amável de Jesus Cristo? Carregai-o também.
O filho de Tobias dizia à sua esposa: Somos filhos de santos: Filii sanctorum
sumus (Tob. II, 18). Que filhos poderiam falar assim?
Por isso, Raquel disse a seu filho Tobias: Bendito sejas tu, filho meu, que és
filho de um homem de bem, de um homem virtuosíssimo: Benedictio sit tibi, fili mi,
quia boni et optimi viri filius es (Tob. VII, 7).
Gabael disse-lhe também, por sua vez: Abençoe-te o Deus de Israel, porque
és filho de um homem de bem, justo e temente a Deus, e que frequentemente dá
esmolas: Benedicat te Deus Israel, quia filius es optimi viri, et justi, et timentis
Deum, et eleemosynas facientis (Tob. XIX, 9). Se os pais não são virtuosos, como
haverão de inspirar o amor pela virtude em seus filhos?
Segundo dever: o bom exemplo
O segundo dever que os pais e as mães tem que cumprir é dar bom exemplo a
seus filhos.
Diz-se, no Evangelho, que um homem rico e poderoso acreditou em Jesus
Cristo, e toda a sua família o imitou: Credidit (regulus), et domus ejus tota (Johann.
IV, 53).
O filho segue prontamente o exemplo de seus pais. Parece-se à hera que, não
podendo sustentar-se sozinha, agarra-se a uma arvore ou ao muro.
O filho é como a cera morna, toma facilmente todas as formas que lhe dão.
O pai de família que é o chefe da casa, dever ser o modelo e preceder a sua
esposa e a seus filhos, dando-lhes bom exemplo.
Os pais, com seus escândalos, causam a perdição de seus filhos, sacrificam-
nos ao demônio, diz o Real Profeta: Immolaverunt filios suos, et filias suas
daemoniis (Psalm. CV, 37).
Querer dar lições aos filhos e contradizer com maus exemplos as máximas
ensinadas é uma vergonha e um crime; é acariciar com uma mão e ferir com a
outra! É preciso que as palavras concordem com as ações. Porque tal conduta está
em oposição com as palavras, inutilmente levanta-se a voz.
Santo Agostinho diz de sua mãe, Santa Mônica: Rogava com suas lágrimas e
alimentava com seus bons exemplos os preceitos de vida que semeava em meu
coração: Praecepta vitae quae in animo plantaverat rogabat lacrymis, alebat
exemplis (Lib. Confess.).
Que impressão quereis que se gravem no ânimo dos filhos as boas
advertências e os sábios conselhos de um pai blasfemo, ímpio, incrédulo, colérico,
dado à embriaguez, ou de uma mãe impudica, irreligiosa e arrebatada?1.
Terceiro dever: a oração
O terceiro dever dos pais é a oração. Estão obrigados:
1º a rezar por si mesmos;
2º a rezar por seus filhos; e
3º a ensinar-lhes, desde cedo, a fazer orações; a forçar-lhes a fazer orações; a
ensinar-lhes a obrigação e a excelência das orações.
Quarto dever: a educação
O quarto dever dos pais é dar a seus filhos uma boa educação.
1 Leia-se o artigo “15 – BOM EXEMPLO”, em http://escriniocatolico.blogspot.com
A educação visa especialmente o coração. É preciso afastar do coração dos
filhos os vícios; extirpar, no possível, seu princípio; e fazer germinar os bons
costumes, as virtudes e os conselhos evangélicos2.
Nossos filósofos corrompidos e ímpios ensinaram aos jovens que não há
Deus nem outra vida; que a Religião é uma fábula, que o homem não é mais que um
animal; que toda a moral consiste em buscar o prazer e fugir da dor. Este curso de
educação está prontamente concluído; não se necessita de colégios nem professores
para entendê-lo habilmente. Por isso nossos jovens libertinos aprenderam
prontamente, tanto quanto os seus mestres. E todos os dias podemos nos
surpreender vendo os frutos desta moral humana, natural filosófica, ou melhor,
animal. Moral mais digna, diz Bergier, dos estábulos de Epicuro que de uma escola
de educação (Art. Education.).
Tudo está perdido no homem ou mal dirigido pelos pais. Em todo plano de
educação, é necessário que se incluam a urbanidade, os bons modos e a cultura. Os
pais que se descuidam de dar estes excelentes costumes a seus filhos fazem deles
seres grosseiros, mal educados, tontos e detestáveis.
- O primeiro fruto de uma boa educação é a alegria que prepara aos pais e
aos filhos;
- O segundo fruto é que afasta deles a miséria;
- O terceiro é que proporciona aos pais louvores e honra;
- O quarto é que confunde aos inimigos e aos ciumentos, e alegra a amizade;
- O pai daquele menino vem a morrer, diz o Eclesiástico, e é como se não
morresse, porque deixa depois de si outro semelhante (Eccli. XXX, 4). Este é
o quinto fruto de uma boa educação. Ao morrer, parece que o pai ressuscita
2 Pobreza, castidade e obediência (Nota do tradutor).
em seus filhos; estes reproduzem sua vida, sua sabedoria, sua virtude e os
fazem como imortais.
A má educação produz frutos inteiramente opostos.
Quinto dever: a instrução religiosa
O quinto dever dos pais é dar a seus filhos a instrução religiosa.
Pais e mães, diz São Paulo, educai a vossos filhos, corrigindo-os e
instruindo-os segundo a doutrina do Senhor: Patres, filios vestros educate in
correptione Domini (Ephes. VI. 4).
Corrige a teu filho, dizem os Provérbios: Erudi filium tuum (Prov. XIX, 18).
Tendes filhos? Diz o Eclesiástico. Doutrinai-os e curvai-os desde sua
pequenez. Filii tibi sunt? Erudi illos, et curva illos a pueritia illorum (Eccli. VIII,
25).
É preciso ensinar aos filhos, antes de tudo, o santo Nome de Jesus, de Maria,
de José, o Pai Nosso, a Ave Maria, o Credo, os três principais mistérios do
Cristianismo, quais são os nossos Novíssimos, os Mandamentos de Deus e da
Igreja, as vantagens e a necessidade da oração e da graça; e o que são os
Sacramentos. Não se deve descuidar em nada para ensinar-lhes todo o Catecismo,
ou fazê-los aprender, caso não nos achemos na possibilidade de cumprir nós
mesmos com este dever.
A instrução religiosa que deve ser dada com cuidado desde a mais tenra
idade até a Primeira Comunhão não se deve descuidar depois, mas desenvolver-se.
A necessidade que tem os pais de dar uma instrução religiosa a seus filhos,
manifesta quão necessário é que eles também estejam instruídos nesta mesma
matéria.
Sexto dever: a vigilância
Diz o Gênesis que José, posto à frente da casa de Putifar, governava-a e
cuidava de tudo quanto lhe fora confiado: Praepositus omnibus, gubernabat credita
sibi domum, et universa quae ei tradita fuerant (Gen. XXXIX, 4). E por amor de
José, o Senhor derramou a benção sobre a casa daquele egípcio: Benedixitque
Dominus domini Aegiptii propter Joseph (Gen. XXXIX, 5).
Os pais estão obrigados à vigilância:
1º vigilância da parte da mãe, quando leva a seu filho em seus braços, a fim
de não cometer nenhuma imprudência, seja andando, seja trabalhando,
comendo e bebendo, quer fazendo força, e também para que não se
encolerize etc.;
2º vigilância da parte do marido para rodear de cuidados a sua esposa; para
fazer ele mesmo ou mandar fazer os mais penosos trabalhos que se tenham a
fazer. Vigilância para evitar maus tratos para com ela;
3º vigilância de ambos para nomear padrinhos virtuosos e para batizar logo
ao bebê recém-nascido;
4º vigilância da parte da mãe para amamentar ela mesma a seu filho, se o
pode; e, se não lhe for possível, para procurar uma ama de bons costumes,
boa reputação e saúde perfeita. Porque está declarado pelos cientistas e pela
experiência que a criança, ao mamar o leite de sua ama, mama ao mesmo
tempo suas enfermidades, seus vícios e virtudes;
4º vigilância para dar-lhes instrução necessária, fazer-lhes frequentar a
Confissão, e preparar-lhes a ação mais importante da vida: a Primeira
Comunhão.
5º vigilância para apartar os filhos das más companhias;
6º vigilância para dar-lhes bons princípios, fazer-lhes amar precocemente
a virtude e a detestar o pecado;
7º vigilância para guiá-los ao entrar na sociedade;
8º vigilância para não colocar entraves à sua vocação quanto é
conveniente; e, sobretudo, quando é excelente; e
9º finalmente, vigilância para os alimentar e vestir segundo sua condição,
com limpeza, porém sem dar azo à sua vaidade.
Sétimo dever: a correção
E vós também, pais, diz o grande Apóstolo, não provoqueis com excessivo
rigor a vossos filhos; mas educai-os, corrigindo-os e instruindo-os segundo o
Senhor: Et vos, patres, nolite ad iracundiam provocare filios vestros; sed educate
illos in disciplina et correptione Domini (Ephes. VI, 4).
Corrigi a vosso filho enquanto é tempo; que nem suas lágrimas nem seus
gritos vos detenham; extirpai seus vícios nascentes. Aquilo que não obtiverdes hoje,
não o obtereis amanhã. Não há, defeito que não se possa destruir em uma criança se
as repreensões e correções são prudentes e constantes.
Castigai, porém, sem ira. Ache-se mesclada a severidade coma doçura. Quem
se entrega à ira ao corrigir, prejudica-se a si mesmo e prejudica à criança, dizem os
Provérbios.
Com a cólera, exaspera e escandaliza a seu filho, longe de curar-lhe. Corrigir
com ira não é obedecer à caridade, senão à paixão. Feita com calma, a correção
inspira respeito; feita com furor, excita a rebeldia e não produz nenhum bem.
Não sejas em sua casa como um leão, diz o Eclesiástico, aterrorizando a teus
empregados e oprimindo a teus subordinados: Noli esse sicut leo in domo tua,
evertens domesticos tuos, et opprimens subjectos tibi (Eccli. IV, 35).
Aquele que ama a seu filho, faz-lhe sentir frequentemente o açoite ou
castigo, diz a Escritura: Qui diligit filium suum, assiduat illi flagela (Eccli. XXX,
1). A correção deve ser feita sem debilidade, sem ira, no momento oportuno e de
um modo convincente3.
Oitavo dever: devem abençoar a seus filhos
A benção do pai afirma a casa dos filhos; porém, a maldição da mãe arrasa
até seus alicerces, diz o Eclesiástico: Benedictio patris firmat domos filiorum;
maledictio, matris eradicat fundamenta (Eccli. III, 1).
Veem-se exemplos admiráveis dos felizes efeitos da benção dos pais nas
bênçãos que Sem e Jafet receberam de seu pai Noé; Isaac, de Abraão; Jacó, de
Isaac; Tobias etc.
Cam manifesta-nos quais são os funestos efeitos da maldição paterna (Gen.
IX, 20).
Santo Agostinho conta um fato deste gênero, do qual foi testemunha todo o
Norte da África: uma mãe que tinha dez filhos, amaldiçoou-os, e sua maldição
entregou seus membros a um tremor espantoso, e andaram errantes e miseráveis.
Quantas famílias há que se arruínam ou perecem por causa da maldição de um pai
ou de uma mãe?
3 Leia-se o artigo “34 – CORREÇÃO”, em http://escriniocatolico.blogspot.com
Quão culpáveis são os pais que descuidam o cumprimento de seus deveres.
Desgraças que se preparam
Ouvi a São Paulo: aquele que não cuida dos seus, renegou de sua fé e é pior
que um infiel: Si quis suorum curam non habet, fidem negavit, et est infideli
deterior (I Tim. V, 8).
Os pais culpáveis e negligentes, diz o Salmista, imolam os seus filhos ao
demônio: Immolaverunt filios suos et filias suas demoniis (Psalm. CV, 37). E a terra
está manchada, infectada e profanada por eles.
As mulheres insensatas e escandalosas tem filhos perversos, diz a Sabedoria:
Mulieres insensate sunt, et nequissimi filii eorum (Sap. III, 12).
Uma raça, diz Sêneca, está sempre conforme com seus autores, e o sangue
que degenera não faz mais que reproduzir a primeira estirpe: Redit ad autores
genus, stirpenque primam degener sanguis refert (In Prov.).
Os vícios da alma transmitem-se aos filhos do mesmo modo que os do corpo.
Os pais culpáveis são como os verdugos de sua raça; cometendo o mal, assassinam
a alma de seus filhos. São, diz a Sabedoria, os desapiedados assassinos de seus
filhos: Filiorum suorum necatores sine misericordia (Sap. XII, 5). E sacrificam-nos:
Filios suos sacrificantes (Sap. XIV, 23).
Os filhos e os netos imitam a seus pais, lê-se no Segundo Livro dos Reis:
Filii eorum et nepotes, sicut fecerunt patres sui, ita faciunt (II Reg XVII, 41).
Se não observais fielmente o bem de vossos filhos, diz São Cipriano; se não
os educais com um piedoso e profundo afeto, sois um pai prevaricador e traidor.
Esforçando-vos mais para deixar-lhes terras do que para alcançar-lhes as virtudes
que lhes façam dignos do Céu, fazendo-os queridos do demônio antes que de Jesus
Cristo, faltais duplamente a vossos deveres e cometeis dois crimes, porque não lhe
assegurais o auxílio de Deus Pai, e lhes ensinais a preferir as riquezas a Jesus
Cristo4.
Os pais que amam a seus filhos segundo a carne, como cegos e insensatos,
não se atrevem a repreendê-los e a castigá-los, e os deixam satisfazer todos os seus
caprichos. O que acontecerá aí? Resultará que seus filhos tornam-se atrevidos,
libertinos, inquietos, incorrigíveis; caem facilmente em graves excessos; e acabam
com uma morte prematura; e, algumas vezes, vergonhosa e infame. São para seus
pais a causa de grandes dores, de desonra e desespero.
Estes pais arrependem-se algumas vezes, porém, demasiado tarde, de terem
sido tão negligentes e tão débeis; percebem que, em vez de ter sido úteis a seus
filhos e de tê-los amado, trataram-nos como inimigos e os sacrificaram com suas
próprias mãos. Porque, assim como o látego é necessário para o cavalo e o aguilhão
para o boi, ambos são necessários para os filhos. De outra sorte, tornam-se bestas
selvagens, indomáveis e ferozes.
Ó cegos e desgraçados pais, bem vos desenhou o profeta Joel: Puseram, diz o
profeta, os jovens no lugar da prostituição, e venderam as donzelas: Possuerunt
puerum in prostibulo, et puellam vendiderunt (Ioel III, 3).
Não sois pais, exclama São Bernardo, sois assassinos: Non patres, sed
peremptores (Serm. In Cant.).
Os crimes de vossos filhos converteram-se em vossos próprios crimes; e
respondereis por eles diante de Deus! Ó, quão terríveis serão seus juízos para
aqueles pais malditos que entregam seus filhos ao vício, ao demônio e ao inferno!
Castigos que os pais indignos atraem e merecem para si mesmos4 Praevaricator et proditor, pater, es nisi filiis tuis fideliter consulas, nisi conservandis eis religiosa et vera pietate prospicias: qui studes terreno magis quam coelesti parimonio, filios tuos diabolo magis commendare quam christo, bis delinquis, et geminum ac duplex crimen admittis, et quod non praeparas filiis tuis Dei Patris auxilium, et quod doces filios patrimonium plus amare quam Christum (Serm.).
Imolaram seus filhos e filhas, diz o Salmista, pelo que acenderam a ira do
Senhor: Immolaverunt filios, et iratus est furore Dominus (Psalm. CV, 37.40).
O Senhor, diz a Escritura, castiga o pecado dos pais nos filhos até a terceira e
quarta geração: Visitas peccata patrum in filios in tertiam et quartam generationem
(Num. XIV, 18).
Eli manifestou-se demasiado fraco com seus filhos; não cuidou de repreendê-
los e corrigi-los. E o que aconteceu? Que sucedeu a seus filhos? Olha, diz o Senhor,
eu vou fazer uma coisa em Israel, que a todo aquele que a ouvir ressoarão de terror
ambos os ouvidos: eis que vou desencadear contra Eli todos os açoites com que
ameacei a sua casa: darei princípio a isso, e o concluirei. Porque já lhe predisse que
Eu haveria de castigar perpetuamente sua casa, por causa da iniquidade que
cometeu não corrigindo seus filhos, sabendo que se portavam indignamente. Por
isso, jurei à casa de Eli, que sua iniquidade não poderá jamais ser expiada nem com
vítimas, nem com oferendas (I Sam. III).
Eli, contudo, repreendia a seus filhos, porém com demasiada debilidade,
deixando de lado a severidade; porém, pagou sua negligência com uma morte
horrível, e seus filhos também foram mortos.
Escutai estas palavras do profeta Jeremias... são terríveis: Senhor, a
iniquidade dos pais Vós a castigais, depois deles, nos seus filhos: Reddis
iniquitatem patrum in sinum filiorum eorum post eos (Jer. XXXII, 18).
Os pais indignos preparam para si mesmos castigos durante a sua vida, na
morte e por toda a eternidade.
A honra dos pais brilha em seus filhos; e, quando estes são bem educados, são,
por sua vez, a honra e a glória de seus pais
A boa reputação adquirida pelos pais é uma honra e uma recomendação para
seus filhos, quando este seguem conservando-se dignos da origem de que
procedem; posto que da boa reputação do pai resulta glória ao homem, diz o
Eclesiástico. E é demérito do filho um pai sem honra: Gloria enim homini sex
honore patris sui, et dedecus filii pater sine honore (Eccli. III, 13).
A conduta dos filhos vem a ser também outro motivo de honra ou de
vergonha para seus pais. Os filhos de seus filhos, dizem os Provérbios, são a coroa
dos anciãos, e glória dos filhos são as virtudes de seus pais: Corona senum filii
filiorum, et gloria filiorum patres eorum (Prov. XVII, 6).
O filho mal criado é a vergonha do pai: Confusio patris est de filio
indisciplinato (Eccli. XXII, 3).
Os filhos religiosamente educados são a felicidade, a alegria, o consolo e a
glória de seus padres. São respeitosos, previdentes, afáveis, plenos de doçura e de
bondade. Perpetuam, de idade em idade, a boa reputação de que goza, desde longo
tempo, a sua família... reputação que a honra. Semelhante casa mantém-se sempre a
mesma. Do pai aos netos, é constante um modelo de justiça, de sabedoria e de
virtude; em uma palavra, é a casa bendita de Deus e dos homens.
Semelhantes famílias excitam a admiração de todo o mundo, de geração em
geração. São um tesouro nacional e como um para-raios que afasta a maldição de
Deus da cabeça do povo a que pertencem.
Felizes famílias unidas e em paz na terra: vão de idade em idade unir-se no
seio de Deus, onde o pai abençoará para sempre seu filho, e o filho a seu pai, e
todos juntos a Deus.
Modelos que os pais devem seguir
Ainda que tenha ficado viúva aos vinte anos, Autusa, mãe de São João
Crisóstomo, não quis contrair segundas núpcias. Tomou a seu encargo o cuidado de
inspirar os primeiros princípios do Cristianismo em seu filho. Jamais houve mãe
mais digna de levar este nome. Os próprios pagãos não podiam cansar-se de admirar
suas virtudes; e um filósofo exclamou falando a respeito daquela matrona: Que
admiráveis mulheres encontram-se entre os cristãos (Surius, in ejus vita).
Eucrasia, mãe de São Tarásio, quis formar, por própria conta, o coração de
seu filho nas práticas religiosas, e o conseguiu admiravelmente. Entre outras lições
que lhe dava, insistia particularmente em aconselhar-lhe o afastamento das más
companhias (Surius, Vit. Sanct.).
Quando do martírio dos quarenta confessores de Sebasta, o juiz mandou que
lhes colocassem em carroças, e os lançassem em uma fogueira. Todos estavam
mortos ou moribundos, menos o mais jovem, chamado Melitão, a quem acharam
ainda pleno de vida. Os verdugos deixaram-no com a esperança de que lhe
poderiam induzir a renegar sua fé; porém, sua mãe, que estava presente, não pode
sofrer a falsa e cruel compaixão que inspirava seu filho; até atreveu-se a jogá-la na
cara dos verdugos, e aproximando-se o filho, exortou-o a que perseverasse; e, logo,
tomou-o em seus braços colocando-o na carroça com os demais mártires: “– Anda ,
meu filho – disse-lhe ela – Anda, finaliza com teus companheiros a feliz viajem que
começastes juntos; não aconteça que chegues por último à mansão de Deus” (Ut
Supra).
Santa Mônica, mãe de Santo Agostinho, não cessava de chorar pelos
extravios de seu filho e de rogar por ele. “– Ide, disse-lhe um bispo, segui fazendo o
que fazeis, e é impossível que pereça o filho de tantas lágrimas” (Ut supra).
A mãe de São Bernardo teve um cuidado extraordinário de educar bem a seus
filhos; a todos inspirava-lhes os mais vivos sentimentos de piedade; e quis criá-los
ela mesma, por medo de que, caso os confiasse a mulheres estranhas, poderiam
receber alguma má impressão. Teve sete filhos, e todos se consagraram a Deus (Ut
supra).
A rainha Blanca quis também amamentar ela mesma a seu filho Luiz XI, e
encarregou-se de cuidar de sua educação. Inspirou nele, desde o berço, um grande
respeito pelas coisas santas. Vivos sentimentos de zelo e piedade, e um amor
extraordinário à castidade.
“– Certamente eu te amo, meu filho – ela dizia-lhe frequentemente em sua
infância – amo-te com toda a ternura de que é capaz uma mãe; porém, preferiria
muitíssimo mais ver-te cair morto a meus pés, que te ver cometer, alguma vez, um
pecado mortal”.
Tal impressão haviam causado estas palavras no espírito de São Luiz, que
confessou, várias vezes, jamais tê-las esquecido e havê-las trazido cada dia a sua
memória para fortalecer-se contra os atrativos do pecado (Ut supra).
Escutai o que o rei Filipe dizia a seu filho, quando se viu moribundo: “–
Filho meu, a primeira coisa que te mando observar é que ames a Deus com todo o
teu coração e desejes sofrer todos os tormentos antes que pecar mortalmente. Se
Deus te envia adversidades, sofre-as com resignação, pensando que tu as
mereceste. Vai confessar frequentemente, ouve a Missa com devoção, e procura ser
bom para os pobres. Mantém os bons costumes de teu reino, e corrige os maus. Não
sobrecarregues a teu povo de impostos; serve-te de homens prudentes e
conscienciosos. Escuta a Palavra de Deus, e conserva-a em teu coração. Que
ninguém seja minimamente atrevido para dizer diante de ti palavras más, seja
contra a modéstia, seja contra a caridade. Dá frequentemente graças a Deus. Sê
justo para com todo o mundo. Honra o Clero. Respeita a teu pai e a tua mãe.
Trabalha para fazer desaparecer o pecado da terra. Queridíssimo filho, dou-te
todas as bênçãos que um bom pai pode dar a seu filho (Hist. da França).
A mãe de São Francisco de Sales, excessivamente atenta em afastar de seu
filho tudo que pudesse ter, ainda que minimamente, a aparência de vício, não lhe
perdia de vista. Levava-lhe à Igreja e inspirava-lhe um profundo respeito à Casa de
Deus e a todas as coisas da Religião. Lia-lhe a vida dos Santos, e agregava a esta
leitura reflexões que estivessem a seu alcance. Quis também que ela a
acompanhasse a visitar os pobres, que se acostumasse a fazer-lhes pequenos
serviços, e que distribuísse as esmolas. Tudo isso tinha lugar antes mesmo de que o
Santo cumprisse dez anos de idade. A condessa, que se sentia a necessidade de
separar-se de seu filho por muito tempo – porque este tinha de ser educado –
aumentou seu zelo para fortalecê-lo na virtude; recomendava-lhe, sobretudo, o amor
a Deus e à oração, como também o horror ao pecado e às ocasiões que a ele nos
levam. Repetia-lhe também muitas vezes aquelas mesmas palavras que a rainha
Blanca tinha o costume de dizer a seu filho S. Luiz: “– Filho meu, preferiria te ver
morto a saber-te réu de um só pecado mortal” (Guodesc., in ejus vita).
Santa Joana Francisca de Chantal cuidava esmeradissimamente da educação
de seus filhos, e estava continuamente à guarda de sua inocência. A única graça que
pedia a Deus por eles era que vivessem toda a sua vida de modo que merecessem
um lugar no Céu. Ela tratava a seus subordinados como a seus irmãos e irmãs, e
como coerdeiros que haviam de ser em seu reino celestial. Daqui se originava o zelo
que tão ferventemente despendia para induzir-lhes a que trabalhassem para sua
salvação (Guodesc., in ejus vita).
A venerável Ringarda, viúva, tratou sempre a educação de seus filhos como
um de seus principais deveres. Pedia, sem descanso a Deus, as graças que eles
necessitavam. Estava atenta em prevenir até os primeiros indícios de suas paixões
nascentes, de maneira que a virtude lhes parecia natural. Acostumava-os a
temperança, à mortificação e à penitência, fazendo-os portar vestes simples, e
obrigando-os a observar as regras da mais exata sobriedade. Seus exemplos davam
um novo grau de força à suas instruções (Guodesc., in ejus vita).
Santo Agostinho acusa-se de faltas que notava nas crianças, a quem, por mais
jovens que sejam, parecem susceptíveis de ciúmes, de ira e de vingança.
Vemos, com efeito, que os filhos pedem com lágrimas o que lhes seria
danoso caso lhes concedessem; enfurecem-se contra seus superiores, e querem
sujeitá-los a seus caprichos. Manifestam, desde muito cedo, sentimentos de orgulho
e vaidade.
Santo Agostinho censura o costume que existe de desculpar o que há de
repreensível nas crianças, alegando a debilidade da idade; do que se segue que um
excesso de complacência permitirá que se formem neles certos hábitos que chegarão
a ser delitos, tão logo comecem a fazer uso da razão. Pois, não há, ao contrário,
nenhuma idade que não seja capaz, até certo ponto, de receber alguma correção
sensível, que, se empregada a tempo, haverá de afogar o germe das primeiras
paixões.
Os primeiros princípios da educação tem uma grande influência durante toda
a vida; e é natural que aqueles que tenham sido formados com a virtude desde a
infância, sigam sempre as máximas do Evangelho como regra de sua conduta. As
primeiras impressões tem uma força imensa quando são ajudadas e sustentadas
pelos cuidados e exemplos de pais piedosos.
Toda sorte da vida depende das ideais que se dão aos filhos, dos sentimentos
que se lhes inspira, e dos costumes que se lhes faz contrair em seus primeiros anos.
É mais importante do que se pensa acostumar-lhes, desde então, a pequenos
sacrifícios, fazer-lhes sentir os perigos dos prazeres dos sentidos, e contra as
impressões destes, colocá-los em permanente estado de guarda; ensinar-lhes que
estes prazeres diminuem as forças da alma; convencer-lhes, em uma palavra, de que
é mais fácil dominar as paixões quando ainda se encontra em seu espírito do que
mais tarde; e que, se não triunfamos delas em seu nascimento, teremos um trabalho
infinito em dominá-las. É dever persuadir-lhes bem de que, na juventude, a
teimosia, a obstinação, a aversão ao trabalho e amor aos prazeres são as
disposições mais perigosas.