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4. A trajetória da pesquisa Foi dito, anteriormente, que o objetivo geral definido para este estudo foi analisar de que forma se dá a tradução de um projeto educacional de superação do fracasso escolar para a prática escolar, na visão de professores e especialistas educacionais inseridos nesse contexto. A fim de que o objetivo traçado pudesse ser alcançado de forma coerente e consistente, optou- se pela utilização da pesquisa de tipo qualitativo, pois essa modalidade de investigação científica dirige-se a um universo composto por significados, motivos, aspirações, crenças e atitudes, o qual corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos. No entanto, na visão de pesquisa qualitativa adotada nesse trabalho não existe, necessariamente, um continuum entre qualitativo e quantitativo, nem uma oposição entre essas duas dimensões, as quais podem ser, até mesmo, complementares entre si (MINAYO, 1994). Segundo BOGDAN & BIKLEN (1982, citados por LÜDKE & ANDRÉ, 1986) a pesquisa qualitativa 81

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4. A trajetória da pesquisa

Foi dito, anteriormente, que o objetivo geral definido para este

estudo foi analisar de que forma se dá a tradução de um projeto educacional

de superação do fracasso escolar para a prática escolar, na visão de

professores e especialistas educacionais inseridos nesse contexto.

A fim de que o objetivo traçado pudesse ser alcançado de forma

coerente e consistente, optou-se pela utilização da pesquisa de tipo

qualitativo, pois essa modalidade de investigação científica dirige-se a um

universo composto por significados, motivos, aspirações, crenças e atitudes,

o qual corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos

e dos fenômenos. No entanto, na visão de pesquisa qualitativa adotada

nesse trabalho não existe, necessariamente, um continuum entre qualitativo

e quantitativo, nem uma oposição entre essas duas dimensões, as quais

podem ser, até mesmo, complementares entre si (MINAYO, 1994).

Segundo BOGDAN & BIKLEN (1982, citados por LÜDKE &

ANDRÉ, 1986) a pesquisa qualitativa envolve a obtenção de dados

predominantemente descritivos, obtidos através do contato direto do

pesquisador com o contexto de investigação e da utilização de

procedimentos de pesquisa como entrevistas, questionários e extratos de

documentos; a ênfase é maior no processo do que no produto, além da

preocupação em se retratar a perspectiva que os participantes possuem

sobre a situação investigada.

De acordo com esses autores, na modalidade qualitativa, não há

a preocupação de se buscar evidências que venham a comprovar hipóteses

definidas a priori, pois as abstrações são construídas a partir do contato

com os dados e amparadas pelo referencial teórico adotado.

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4.1. O caminho percorrido

No início de 1998, foi dado o primeiro passo da trajetória de

pesquisa, quando a pesquisadora visitou a Diretoria Regional de Ensino do

município de São Carlos, Estado de São Paulo, a fim de conversar com uma

das supervisora de ensino e se obter uma visão geral a respeito da proposta

de Classes de Aceleração e de sua implementação na região.

Nesse primeiro contato, procurou-se obter informações mais

detalhadas sobre o processo de atribuição de Classes de Aceleração e a

formação inicial e continuada dos professores responsáveis por essas

classes.

A supervisora de ensino colocou que a experiência prévia do

professor era extremamente importante e muitíssimo aproveitada na

tradução do projeto de Aceleração para a prática pedagógica. Entretanto,

segundo ela, a exigência de experiência prévia do professor a ser designado

para as Classes de Aceleração nem sempre tinha sido observada nas escolas

do município de São Carlos, já que alguns diretores não atribuíram essas

classes antes das regulares, tal como é o previsto pela proposta. Dessa

maneira, professores não tão experientes tiveram a oportunidade de lecionar

em Classes de Aceleração.

Um programa de capacitação docente foi oferecido aos

professores e coordenadores pedagógicos das escolas participantes e

realizado por uma equipe de supervisores previamente capacitados;

segundo a supervisora entrevistada, tal processo de capacitação continha

uma pauta intensiva, concentrada e bem aprofundada para analisar os

aspectos teórico - metodológicos da proposta de Classes de Aceleração.

A supervisora colocou que existiam, até aquele momento, seis

escolas participantes do projeto. Dessas escolas, quatro foram selecionadas

para dar iniciar-se a coleta de dados. Os critérios de seleção dessas escolas

foram a sua localização tanto em bairros centrais, como de periferia e por

possuírem classes em ambos os períodos (manhã e tarde).

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O segundo passo foi a visita a cada uma das quatro escolas

amostradas, a fim de se obter a permissão da direção, coordenação

pedagógica e docentes para adentrar à instituição e dar início à coleta de

dados.

No entanto, surpreendentemente, essa etapa da pesquisa revelou-

se muito diferente do que se imaginava a princípio, pois foi marcada por

obstáculos e contratempos.

Nas duas primeiras escolas visitadas, houve severa rejeição à

realização da pesquisa.

Na primeira escola, a negação veio logo no primeiro contato com

a diretora, que usou o argumento de que as professoras da escola não se

sentiriam à vontade com a presença de uma pesquisadora nas salas de aula.

Quanto à possibilidade de se realizarem entrevistas com as professoras, a

diretora alegou que o projeto de Aceleração era muito novo e que o corpo

docente da escola ainda não tinha uma opinião formada sobre ele.

Porém, durante a conversa, a diretora acabou revelando o que

parecia ser a verdadeira razão de sua rejeição à realização da pesquisa: a

escola apenas aceitava a realização de pesquisas de longa duração e que

tivessem como objetivo realizar intervenções que auxiliassem, efetiva e

imediatamente, professores e alunos. Como exemplo, descreveu o estudo de

uma pesquisadora da área de Enfermagem, que realizava um trabalho de

educação em saúde com os alunos, com previsão de atuação de, pelo

menos, dois anos.

Argumentou-se com essa diretora que era compreensível essa

atitude da escola, já que as dificuldades existentes nas escolas públicas

eram muito graves e que os professores e alunos realmente necessitavam de

auxílio externo. No entanto, do ponto de vista da pesquisa educacional, nem

sempre seria possível que as pesquisas realizadas dentro das escolas

tivessem como objetivo atender às necessidades específicas dos docentes e

alunos ou mesmo apresentarem resultados imediatos. Mesmo diante dessa

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argumentação, a diretora continuou negando o pedido da pesquisadora e se

decidiu não mais investir esforços naquela escola.

Na segunda escola visitada, novamente houve rejeição do pedido

de entrada na instituição para a realização da pesquisa. Dessa vez, a decisão

ficou a cargo da coordenadora pedagógica, que negou o pedido partindo da

alegação de que não poderia permitir que mais pesquisadores adentrassem à

escola, pois muitos outros já estavam realizando observações tanto nas

classes regulares como nas de Aceleração.

Quanto à possibilidade de entrevistar as professoras, isso

também não poderia acontecer, pois as mesmas se negavam a responder a

qualquer tipo de pergunta. Segundo a coordenadora, as professoras dessa

escola estavam cansadas de participar de pesquisas científicas e,

principalmente, de não ter o retorno do resultados dessas pesquisas.

Diante dessas negativas, extremamente frustrantes para a

pesquisadora, partiu-se para a visitação das duas últimas escolas que

constavam da amostra, as quais serão denominadas, a partir de agora, como

Escola I e Escola II.

Na Escola I, felizmente, a direção foi receptiva à presença desta

pesquisadora, aceitando que se realizasse o estudo na instituição, mas com a

condição de que fosse feita uma apresentação prévia do projeto de pesquisa

para a coordenadora pedagógica. Feita essa apresentação, a coordenadora

consultou as quatro professoras das Classes de Aceleração, mas apenas duas

das quatro professoras aceitaram conceder entrevista (desde que pudessem

ser entrevistadas juntas) e, das duas professoras, apenas uma concordou

com a realização de observação de aulas em sua classe.

No entanto, ainda havia uma última escola a ser visitada, a

Escola II.

Nessa escola houve uma intensa rejeição por parte da diretora

quanto ao ingresso da pesquisadora. Questionada sobre a sua reação, ela

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colocou que a rejeição não era específica à pesquisadora mas, à

pesquisadores em geral.

O motivo dessa atitude estava relacionado a uma pesquisa

anteriormente realizada naquela escola, o qual teria chegado a conclusões

questionáveis, do ponto de vista da diretora, e que teria criado um intenso

mal estar entre toda a equipe escolar.

Diante de mais uma negativa, recorremos à coordenadora

pedagógica mesma escola, conhecida da pesquisadora de outras ocasiões.

Foram explicados à coordenadora os objetivos do trabalho de pesquisa e

ela, compreendendo a importância do estudo, disse que iria conseguir que

fossem realizadas, pelo menos, as entrevistas com as professoras da escola.

Assim, a coordenadora, além de conseguir convencer a diretora sobre a

necessidade de se realizarem as entrevistas com o corpo docente das

Classes de Aceleração, mediou o contato inicial entre a pesquisadora e três

das quatro professoras, que aceitaram conceder uma entrevista em grupo. A

quarta professora foi entrevistada individualmente em outra ocasião, por

estar ausente da escola na data combinada para a entrevista em grupo.

Um fato interessante ocorrido na Escola II é que uma das

professoras de Classes de Aceleração, ao saber da intenção da pesquisadora

em realizar observações nessas classes, aceitou a presença da pesquisadora

em sua sala de aula, apesar de sua decisão ter sido vetada pela diretora.

Além das professoras das Escolas I e II, duas especialistas

educacionais da Diretoria Regional de Ensino foram convidadas para

participar do estudo, por serem as principais responsáveis pelo processo de

capacitação dos professores e coordenadores pedagógicos envolvidos no

projeto e pela supervisão direta das Classes de Aceleração na região.

O acesso à Diretoria Regional de Ensino (D.R.E) deu-se sem

maiores dificuldades, pois as especialistas procuradas foram solícitas e o

processo de coleta de dados realizou-se sem maiores problemas; além disso,

a especialista responsável pelo processo de capacitação docente do projeto

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de Aceleração ofereceu vários documentos à pesquisadora, os quais

forneceram dados valiosos que foram analisados e incorporados ao

trabalho.

4.2. O processo de coleta de dados

Nesta seção, serão descritos os aspectos relacionados ao

processo de coleta de dados, partindo-se da caracterização dos participantes

e dos instrumentos de pesquisa utilizados.

A seguir, explicitamos quais foram os participantes, a que

instituições pertenciam, seus nomes fictícios, profissões ou cargos e

atribuições gerais

Do corpo docente da Escola I participaram duas professoras:

ANA, responsável pela Classe de Aceleração II e BIANCA, responsável

pela Classe de Aceleração I. Uma ex- professora de Classe de Aceleração I

dessa mesma escola, chamada CÉLIA, apesar de não estar em exercício na

época da coleta de dados, também foi considerada como participante desse

estudo. A inclusão dessa ex - professora como participante do estudo,

mesmo estando afastada da Escola I, deveu-se ao fato dela ter atuado no

ano primeiro ano de implementação do projeto Classes de Aceleração nessa

escola e de ter sido considerada, pela professora Ana, como uma importante

interlocutora nesse processo.

Na Escola II houve a participação de todo o corpo docente das

Classes de Aceleração, composto por quatros professoras: GRAÇA E

FERNANDA, das Classes de Aceleração I e ELAINE e HELOÍSA, das

Classes de Aceleração II.

Além das professoras, também houve a participação da

coordenadora pedagógica da Escola II, IRENE que, no decorrer do processo

de coleta de dados foi nomeada vice - diretora.

As duas especialistas da D.R.E., JÚLIA e LUCIANA,

respectivamente Supervisora de Ensino e Auxiliar Técnico - Pedagógica,

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foram as responsáveis pela implementação do projeto de Aceleração na

região e pelo processo de capacitação dos envolvidos nas Classes de

Aceleração.

Em síntese, participaram desse estudo um total de dez

participantes, dentre esses sete professoras de Classes de Aceleração de

duas escolas, uma coordenadora pedagógica de uma escola e duas

especialistas educacionais da D.R.E.

Os principais procedimentos de coleta de dados utilizados neste

estudo foram a entrevista, nas modalidades individual e em grupo, a

observação participante, o questionário, as conversas informais, além da

análise documental.

A seguir, serão descritas as principais características de cada

procedimento, assim como a maneira pela qual foram escolhidos para serem

utilizados no processo de coleta de dados.

De acordo com FONTANA & FREY (1994), a entrevista é um

dos procedimentos mais comuns e poderosos que podem ser utilizados na

tentativa de se compreender o ser humano. Possui uma ampla variedade de

formas e uma multiplicidade de usos. O tipo mais comum de entrevista é a

individual, que se dá por meio de uma interação verbal face - a - face entre

entrevistador e entrevistado e, no caso de pesquisas científicas, entre

pesquisador e participante.

Segundo os autores, outra modalidade de entrevista, não tão

conhecida e freqüente, é a realizada em grupo. Apesar de não ser muito

utilizada em pesquisas científicas, as entrevistas em grupo vem ganhando

popularidade entre os pesquisadores da área de Ciências Humanas.

Carateriza-se pelo questionamento sistemático e simultâneo de vários

indivíduos em uma situação formal ou informal e sua utilização substitui o

uso das entrevistas individuais; é uma opção que merece consideração, pois

oferece ao pesquisador um outro nível de coleta de dados e uma nova

perspectiva de análise dos problemas de pesquisa.

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Para FONTANA & FREY (1994), as habilidades requeridas das

entrevistadas para realizar uma entrevista em grupo não são muito

diferentes das necessárias para empreender a entrevista individual:

flexibilidade, objetividade, empatia, persuasão e capacidade de ouvir. No

entanto, a entrevista em grupo requer do entrevistador pelo menos três

habilidades específicas: cuidar para que uma pessoa ou um pequeno grupo

de pessoas não dominem o grupo maior; encorajar os indivíduos mais

calados e resistentes a se expressarem e procurar sempre obter respostas da

totalidade do grupo, de forma a assegurar a abordagem mais completa

possível sobre determinados tópicos abordados.

Os autores apontam as vantagens metodológicas do uso da

entrevista em grupo: ser flexível, estimular a comunicação e a participação

dos participantes; possibilitar a observação da dinâmica do grupo de

entrevistados, o que pode auxiliar na compreensão dos dados. Quanto às

desvantagens, essas basicamente se referem à interferência que a cultura do

grupo pode ter sobre a expressão individual, pois aqueles que apresentam

menos facilidade em se expressar oralmente têm a tendência de concordar

com a resposta daqueles atuam como lideranças grupais.

Neste estudo as entrevistas em grupo ocorreram em momentos

diferentes, com os seguintes participantes:

- duas professoras da Escola I: Ana da Classe de Aceleração II

e Bianca da Classe de Aceleração I;

- três professoras da Escola II: Elaine e Heloísa das Classes de

Aceleração II, Graça da Classe de Aceleração I;

- duas especialistas da D.R.E.: Júlia, Supervisora de Ensino e

Luciana, Assistente Técnico - Pedagógico.

Além das entrevistas em grupo também foram realizadas duas

entrevistas individuais: a primeira com a ex - professora da Escola I, Célia e

segunda com a professora Fernanda, da Escola II, ambas responsáveis por

Classes de Aceleração I.

88

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É necessário enfatizar que, no decorrer do processo de análise de

dados decidiu-se realizar uma nova entrevista coletiva, para uma

complementação dos dados já coletados nas primeiras entrevistas, com as

professoras ELAINE (Classe de Aceleração II) e FERNANDA (Classe de

Aceleração I), da Escola II, tanto por terem sido consideradas, pela

pesquisadora e pelos seus próprios pares, como bem - sucedidas em sua

prática docente, como pela sua disponibilidade em participar do estudo.

As entrevistas realizadas, individualmente ou em grupo, foram

semi - estruturadas. Dessa forma, apesar da existência de roteiros

específicos para cada tipo de entrevista (ver Anexos 1a e 1b), que outras

questões puderam ser realizadas no decorrer das entrevistas, de modo a

complementar ou elucidar assuntos importantes que emergiam no discurso

dos participantes.

É necessário ressaltar que a elaboração de roteiros para as

entrevistas com os participantes foram subsidiadas pela leitura e pela

análise dos dados que já estavam sendo coletados. Dessa maneira, os dados

obtidos junto às professoras auxiliaram a elaboração do roteiro de entrevista

com as especialistas da D.R.E.

No roteiro de entrevista com as professoras, os seguintes

aspectos foram elencados:

- trajetória acadêmica e profissional da professora;

- interesse pela Classe de Aceleração;

- avaliação da classe daquele ano;

- avaliação do processo de capacitação recebido;

- dificuldades para atuar nas Classes de Aceleração;

- avaliação da reação dos outros professores da escola, os

alunos e os pais sobre o projeto;

- avaliação do projeto de Aceleração;

- críticas e sugestões para melhorar o projeto.

89

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O roteiro da segunda entrevista realizada com as professoras

Elaine e Fernanda da Escola II versou, basicamente, sobre:

- as razões pelos quais as suas práticas pedagógicas nas

Classes de Aceleração haviam sido consideradas bem - sucedidas;

- as mudanças que haviam percebido em sua atuação após a

experiência nessas classes;

- o conceito de sucesso de uma política educacional de

superação ao fracasso escolar e os critérios que deveriam ser observados

para que uma política educacional de combate ao fracasso escolar obtivesse

sucesso na prática docente.

O roteiro elaborado para a entrevista com as especialistas

abordou, como temas principais:

- o processo de implantação do programa de Classes de

Aceleração na região e no município e as reações dos envolvidos no

processo;

- os critérios utilizados para a escolha das escolas, a

composição das Classes de Aceleração e a seleção do corpo docente;

- o processo de capacitação dos envolvidos no projeto;

- as dificuldades encontradas em relação à capacitação dos

participantes e à observância das diretrizes pedagógicas e metodológicas na

prática docente;

- a avaliação sobre o projeto de Aceleração;

- o conceito de sucesso e os critérios a serem observados para

que um projeto educacional de superação do fracasso escolar seja

considerado bem - sucedido na prática docente.

Além da realização das entrevistas, foi realizada a observação da

prática pedagógica da professora ANA, da Classe de Aceleração II, da

Escola I. As observações ocorreram praticamente, todos os dias da semana,

por um período de dois meses letivos.

90

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Para realizar a observação da prática da professora foi utilizada a

observação participante, definida como um processo onde o observador é

mantido numa determinada situação social, na qual estabelece uma relação

face a face com os observados e, como parte integrante do contexto sob

observação, pode modificá-lo e ser modificado por ele. Para que a

observação participante seja realizada, é necessário que o pesquisador:

coloque-se no mundo do participante da pesquisa, procurando compreender

os mecanismos gerais que regem suas experiências cotidianas; mantenha

uma visão dinâmica considerando tanto as relevâncias dos atores sociais

como as do referencial teórico do pesquisador, permitindo interação com o

campo de pesquisa; abandone o papel de “cientista” e se comporte como

uma pessoa comum, que partilha do cotidiano e fala a mesma língua dos

participantes do contexto pesquisado (MINAYO, 1993).

É importante enfatizar que a observação das aulas da professora

Ana foi realizada como uma forma de complementar os dados coletados por

meio das entrevistas, já que não foi objetivo desse estudo analisar,

exclusivamente, a prática docente dos professores de Classes de

Aceleração.

Na observação da prática pedagógica da professora Ana

procurou-se atentar, dentre outros aspectos, à maneira como as atividades

pedagógicas eram realizadas, como se dava a abordagem do conteúdo

curricular e a utilização do material didático, que procedimentos de

avaliação do rendimento dos alunos eram utilizados; as interações entre

professora e alunos, além da forma como eram administradas as situações

conflituosas e/ou inesperadas que ocorriam em sala de aula.

Os dados obtidos a partir das conversas informais com a

professora sobre a aula do dia, problemas dos alunos e suas dificuldades e o

programa de aceleração da aprendizagem em si, foram considerados. Esses

“bate - papos” ocorriam nos intervalos das atividades, no horário do recreio

e no final das aulas. Mas essas conversas informais não aconteceram muitas

91

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vezes, pois a professora estava sempre com pressa para sair ou, no horário

do recreio, preferia ir tomar o seu lanche e com as outras professoras.

Quanto ao questionário, a princípio não se previa a sua

utilização, mas houve a necessidade de incluí-lo como procedimento de

coleta de dados devido à impossibilidade da coordenadora pedagógica Irene

(no período da primeira entrevista) da Escola II, conceder uma entrevista.

Devido a uma série de afazeres e compromissos (naquele momento ela já

ocupava o cargo de vice - diretora), não havia tempo disponível para

realizar a entrevista e a própria coordenadora sugeriu à pesquisadora que

fosse elaborado um questionário, o qual ela responderia em casa, nos seus

momentos livres.

O questionário aplicado (ver Anexo 1c) versou sobre:

- a trajetória acadêmica e profissional da coordenadora

pedagógica;

- a caracterização da escola (clientela atendida, perfil do corpo

docente e aspectos gerias do projeto político – pedagógico da escola);

- o processo de implementação do projeto Classes de

Aceleração, aos critérios utilizados para a composição das Classes de

Aceleração e para a seleção do corpo docente na Escola II;

- a avaliação da coordenadora pedagógica sobre o processo de

capacitação dos envolvidos no projeto;

- as dificuldades para se colocar em prática as diretrizes

pedagógicas e metodológicas do projeto;

- a avaliação sobre o projeto Classes de Aceleração;

- o conceito de sucesso e os critérios a serem observados para

que uma política educacional de superação do fracasso escolar possa ser

bem - sucedida na prática docente.

Para melhor visualização da relação entre participantes,

instituições a que pertencem e procedimentos de pesquisa a que foram

submetidos, pode-se recorrer ao quadro explicativo abaixo:

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Quadro 2:Instituições, participantes e procedimentos de coleta de dados

InstituiçãoParticipantes

(nomes e funções)

Procedimentos

EntrevistaQuestionário

Observação

ParticipanteIndividual Em grupo

Escola I

Ana, professora da Classe de

Aceleração II;

Bianca, professora da Classe

de Aceleração I;

Célia, ex - professora da

Classe de Aceleração I

X

X

X

X

Escola II

Elaine, professora da Classe

de Aceleração II,

posteriormente coordenadora

pedagógica;

Fernanda, professora da

Classe de Aceleração I;

Graça, professora da Classe

de Aceleração I;

Heloísa, professora da Classe

de Aceleração II;

Irene, coordenadora

pedagógica, posteriormente

vice - diretora

X

X

X

X

X

X

Diretoria

Regional

de Ensino

Júlia, Supervisora de Ensino;

Luciana, Assistente Técnico -

Pedagógico

X

X

93

Page 14: 4

Além das entrevistas e do questionário, utilizou-se a análise

documental para que os dados obtidos, a partir de uma série de publicações

oficiais relativas ao projeto de Aceleração15, fossem analisadas.

Além dos documentos oficiais citados também foi possível ter

acesso a questionários aplicados pela especialista Luciana da D.R.E, no

decorrer do primeiro semestre de 2000, junto a 61 alunos egressos de

Classes de Aceleração I e II de escolas da região. Da totalidade de

respondentes, 44 alunos (72,13%) estavam cursando as 5as séries e 17

alunos (27,87%) as 6as séries do Ensino Fundamental.

A elaboração e aplicação desses questionários fez parte do

processo de avaliação do projeto pela D.R.E. e as respostas dos alunos

foram incluídas no conjunto de dados desta pesquisa como resultados do

processo de análise documental.

O questionário elaborado pela D.R.E. continha as seguintes

perguntas:

- Como se sentiu na Classe de Aceleração?

- O que foi mais importante?

- Quais as diferenças que percebe agora?

- Neste ano, em qual (ou quais) disciplinas sente dificuldade e

por quê?

Vale enfatizar que os alunos respondentes são provenientes de

diferentes escolas da região e estão identificados apenas pelo seus nomes,

pelo nome da escola que freqüentam e pela série a que pertencem. Como

não há menção ao nome da escola de onde os alunos são egressos, não é

possível saber se nessa amostra existem alunos oriundos das Classes de

Aceleração das Escolas I e II.

15 Ensinar pra Valer!, Aprender pra Valer!; Reorganização da Trajetória Escolar no Ensino Fundamental: Classes de Aceleração - proposta pedagógica curricular (SÃO PAULO - Estado, 1997a), Reorganização da Trajetória Escolar no Ensino Fundamental: Classes de Aceleração: documento de implementação (SÃO PAULO - Estado, 1997b), Classes de Aceleração: orientações para capacitação de professores. (SÃO PAULO - Estado, 1999).

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O acesso às respostas dos alunos foi considerado valioso e a sua

inclusão na análise dos dados deve ser considerada como uma oportunidade

de se apresentar ao leitor uma visão do tipo de avaliação que alunos

egressos de Classes de Aceleração fazem sobre a sua experiência nesse

contexto.

4.3. A organização e a análise dos dados

De acordo com LÜDKE e ANDRÉ (1986), a análise dos dados

implica “trabalhar-se” todo o material obtido no decorrer da pesquisa. Num

primeiro momento, todo o material deve ser dividido em partes, que são

relacionadas entre si a partir de tendências e padrões relevantes e, num

segundo momento, essas tendências e padrões são reavaliados, buscando-se

possíveis relações e inferências em um nível de abstração cada vez mais

elevado.

Dessa forma, a totalidade dos dados, obtidos através das

entrevistas e do questionário, das conversas informais e análise documental,

foi submetida a um processo de organização e classificação de acordo com

focos gerais de análise, os quais foram definidos no início do trabalho, mas

que foram sendo complementados por focos mais específicos no decorrer

do processo de pesquisa, sempre relacionados aos objetivos e problemas de

pesquisa e baseados no referencial teórico.

É necessário alertar ao leitor que, na apresentação e análise dos

dados coletados por meio de entrevistas, não há a resposta de todas

professoras em alguns focos de análise pois, como as entrevistas foram

semi - estruturadas, alguns temas surgiram em um entrevista e não

necessariamente em outras; no caso das entrevistas em grupo, a

interferência da liderança grupal foi observada e também pode explicar o

fato de que na descrição e análise das entrevistas, alguns participantes

sejam mais citados do que outros.

95

Page 16: 4

Todas as respostas obtidas por meio das entrevistas junto às

professoras das Escolas I e II e às especialistas da D.R.E., além do

questionário aplicado à coordenadora da Escola II foram submetidas à

Análise de Conteúdo, a qual pressupõe o aprofundamento da leitura dos

dados de forma a ultrapassar os significados manifestos através da relação

das estruturas semânticas (significantes) com as estruturas sociológicas

(significados) dos enunciados (MINAYO, 1993).

Nesse sentido, todas as respostas foram analisadas com o

cuidado de não se limitar a análise apenas ao que estava aparente ou

explícito no material, procurando-se o aprofundamento e o desvelamento

das mensagens, das idéias implícitas e dimensões contraditórias dos

assuntos discutidos. Foram considerados os termos, conceitos ou expressões

mais freqüentemente utilizados.

Com relação à observação da prática pedagógica da professora

Ana, a determinação dos focos de análise basearam-se no referencial teórico

e na classificação utilizada no estudo de SOUZA, VIÉGAS & BONADIO

(1999) sobre a prática pedagógica de uma professora de Classe de

Aceleração. Em síntese, os dados coletados durante a observação das aulas

foram classificados de acordo com os seguintes focos:

- caracterização da classe;

- organização da rotina diária de trabalho;

- metodologia de ensino e abordagem dos conteúdos;

- avaliação da aprendizagem dos alunos;

- incentivo à participação dos alunos;

- clima de trabalho em sala de aula;

- resgate da auto - estima dos alunos.

As respostas dos alunos egressos de Classes de Aceleração

foram inicialmente organizadas a partir das questões originais e da classe a

que o alunos pertenciam (ver Anexos 3a e 3b), mas no processo de análise

96

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foram consideradas em sua totalidade, sem separação por classes;

posteriormente, foram submetidas aos preceitos da Análise de Conteúdo.

Os resultados do processo de análise de dados serão

apresentados nos próximos capítulos obedecendo-se à ordem em que foram

coletados. Em primeiro lugar serão apresentados os resultados de análise de

dados relativos às professoras da Escola I (capítulo 5); em seguida, os

relativos às professoras e coordenadora pedagógica da Escola II (capítulo 6)

e, logo após, os relativos às especialistas da Diretoria Regional de Ensino

(capítulo 7).

A análise das respostas dos questionários dos alunos egressos de

Classes de Aceleração (capítulo 8) vêm em último lugar na ordem de

apresentação, fechando o ciclo iniciado a partir da apresentação dos dados

relativos às professoras da Escola I.

Como é inerente à realização de pesquisas qualitativas, cada uma

das etapas descritas não ocorreu de forma linear pois, além da necessidade

de reformulação do planejamento inicial diante das situações imprevistas

que surgiram ao longo do caminho, assim como “idas e vindas” constantes

entre a coleta e a organização e análise dos dados.

Ao longo deste capítulo deve ter sido possível perceber que o

desenvolvimento desse estudo foi marcado por vários contratempos e

percalços e que, nem sempre, foi possível realizar-se aquilo que se havia

planejado a princípio. Alguns desses contratempos e imprevistos podem e

devem ser considerados perfeitamente naturais e inerentes ao processo de

desenvolvimento de uma pesquisa qualitativa, a qual envolve seres

humanos e relações sociais complexas.

No entanto, na opinião da pesquisadora, outros problemas

surgiram devido a um possível desgaste existente nas relações entre

algumas escolas públicas e determinadas instituições de pesquisa, desgaste

esse relacionado, em parte, a uma cultura escolar que busca resultados de

curto prazo, o que vêm gerando graves conflitos ou mal – entendidos entre

97

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o que lhe interessa, em relação ao desenvolvimento de pesquisas

educacionais, e o que efetivamente se pode oferecer, em termos dos

achados dessas pesquisas.

Mesmo diante de todas as dificuldades encontradas, a

pesquisadora procurou-se manter uma atitude favorável à negociação e ao

entendimento mútuo e, a todo momento, ponderava sobre aquilo que seria

necessário e desejável para a realização da pesquisa nos moldes em que

havia sido delineada e o que realmente seria possível realizar-se, em vista

dos limites impostos pelas circunstâncias.

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