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[2017]Todos os direitos desta edição reservados àEDITORA SCHWARCZ S.A.Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 3204532-002 — São Paulo — SPTelefone: (11) 3707-3500www.editoraparalela.com.bratendimentoaoleitor@editoraparalela.com.br

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Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesade 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

CAPA Laura Beers e Michele Wetherbee

ILUSTRAÇÃO DE CAPA E LETTERING DO TÍTULO Jim Tierney

REVISÃO Nana Rodrigues

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Coelho, Paulo, 1947-O alquimista / Paulo Coelho. — 1a ed. — São Paulo :

Paralela, 2017.

ISBN 978-85-8439-067-0

1. Ficção brasileira I. Título.

17-02900 CDD-869.3

Índice para catálogo sistemático:1. Ficção : Literatura brasileira 869.3

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Para J.,Alquimista que conhece

e utiliza os segredos da Grande Obra.

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Indo eles pelo caminho, entraram em um certo povoado. E certa mulher, chamada Marta, hospedou Jesus em sua casa.

Tinha ela uma irmã, chamada Maria, que se sentou aos pés do Senhor e f icou ouvindo seus ensinamentos.

Marta agitava-se de um lado para outro, ocupada em muitos serviços. Então aproximou-se de Jesus e disse:

— Senhor! Não te importas de que eu f ique a servir sozinha? Ordena a minha irmã que venha ajudar-me!

Respondeu-lhe o Senhor:— Marta! Marta! Andas inquieta e te

preocupas com muitas coisas. Maria, entretanto, escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada.

Lucas 10,38-42

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“Ó Maria, concebida sem pecado, rogai por nós, que recorremos a Vós.” Amém.

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Antes de começar

É importante dizer alguma coisa sobre o fato de O Al-quimista ser um livro simbólico, diferente de O diário de um mago, que foi um trabalho de não ficção.

Durante onze anos de minha vida estudei Alqui-mia. A simples ideia de transformar metais em ouro ou de descobrir o Elixir da Longa Vida já era fascinante demais para passar despercebida a qualquer iniciante em Magia. Confesso que o Elixir da Longa Vida me seduzia mais: antes de entender e sentir a presença de Deus, a ideia de que tudo ia acabar um dia era deses-peradora. De maneira que, ao saber da possibilidade de obter um líquido capaz de prolongar por muitos anos minha existência, resolvi dedicar-me de corpo e alma à sua fabricação.

Era uma época de grandes transformações sociais — o começo dos anos 70 — e não havia ainda publica-ções sérias a respeito de Alquimia. Comecei, como um dos personagens do livro, a gastar o pouco dinheiro que tinha na compra de livros importados e passava horas estudando sua simbologia complicada. Procurei duas ou três pessoas no Rio de Janeiro que se dedica-vam seriamente à Grande Obra, e elas se recusaram

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a me receber. Conheci também muitas outras que se diziam alquimistas, possuíam seus laboratórios e pro-metiam me ensinar os segredos da Arte em troca de verdadeiras fortunas. Hoje entendo que elas nada sa-biam daquilo que pretendiam ensinar.

Mesmo com toda a minha dedicação, os resulta-dos eram absolutamente nulos. Não acontecia nada do que os manuais de Alquimia afirmavam em sua com-plicada linguagem. Era um sem-fim de símbolos, de dragões, leões, sóis, luas e mercúrios, e eu sempre tinha a impressão de estar no caminho errado, porque a lin-guagem simbólica permite uma gigantesca margem de equívocos. Em 1973, já desesperado com a ausência de progresso, cometi uma suprema irresponsabilidade. Nessa época eu fora contratado pela Secretaria de Edu-cação de Mato Grosso para dar aulas de teatro naquele estado e resolvera utilizar meus alunos em laboratórios teatrais que tinham como tema a Tábua da Esmeralda. Essa atitude, aliada a algumas incursões minhas nas áreas pantanosas da Magia, fez com que no ano seguinte eu experimentasse na própria carne a verdade do pro-vérbio: “Aqui se faz, aqui se paga”. Tudo a minha volta ruiu por completo.

Passei os seis anos seguintes de minha vida numa atitude bastante cética com relação a tudo o que dissesse respeito à área mística. Nesse exílio espiritual, aprendi muitas coisas importantes: que só aceitamos uma ver-dade quando primeiro a negamos do fundo da alma, que não devemos fugir de nosso próprio destino e que a mão de Deus é infinitamente generosa, apesar de Seu rigor.

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Em 1981, conheci ram e o meu Mestre, que iria conduzir-me de volta ao caminho que está traçado para mim. E enquanto ele me treinava em seus ensinamen-tos, voltei a estudar Alquimia por minha própria conta. Certa noite, enquanto conversávamos depois de uma exaustiva sessão de telepatia, perguntei por que a lin-guagem dos alquimistas era tão vaga e tão complicada.

— Existem três tipos de alquimistas — disse meu Mestre. — Aqueles que são vagos porque não sabem o que estão falando; aqueles que são vagos porque sabem o que estão falando, mas sabem também que a lingua-gem da Alquimia é uma linguagem dirigida ao coração, e não à razão.

— E qual o terceiro tipo? — perguntei.— Aqueles que jamais ouviram falar em Alquimia,

mas que conseguiram, através de suas vidas, descobrir a Pedra Filosofal.

E, com isso, meu Mestre — que pertencia ao se-gundo tipo — resolveu me dar aulas de Alquimia. Des-cobri que a linguagem simbólica, que tanto me irritava e me desnorteava, era a única maneira de se atingir a Alma do Mundo, ou o que Jung chamou de “inconsciente coletivo”. Descobri a Lenda Pessoal e os Sinais de Deus, verdades que meu raciocínio intelectual se recusa va a aceitar por causa de sua simplicidade. Descobri que atin-gir a Grande Obra não é tarefa de poucos, mas de todos os seres humanos sobre a face da Terra. É claro que nem sempre a Grande Obra vem sob a forma de um ovo e de um frasco com líquido, mas todos nós podemos — sem sombra de dúvida — mergulhar na Alma do Mundo.

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Por isso, O Alquimista é também um texto simbó-lico. No decorrer de suas páginas, além de transmitir tudo o que aprendi a respei to, procuro homenagear grandes escritores que conseguiram atingir a Lingua-gem Universal: Hemingway, Blake, Borges (que tam-bém utilizou a história persa para um de seus contos), Malba Tahan, entre outros.

Para completar este extenso prefácio e ilustrar o que meu Mestre queria dizer com o terceiro tipo de alquimistas, vale a pena recordar uma história que ele mesmo me contou no seu laboratório.

Nossa Senhora, com o Menino Jesus nos braços, resolveu descer à Terra e visitar um mosteiro. Orgu-lhosos, todos os padres fizeram uma grande fila e cada um chegava diante da Virgem para prestar-lhe home-nagem. Um declamou belos poemas, outro mostrou suas iluminuras para a Bíblia, um terceiro disse o nome de todos os santos. E assim, um após outro, os monges ho me na gea ram Nossa Senhora e o Menino Jesus.

No último lugar da fila havia um padre, o mais humilde do convento, que nunca tinha aprendido os sábios textos da época. Seus pais eram pessoas simples, que trabalhavam num velho circo das redondezas, e tudo o que lhe haviam ensinado era atirar bolas para cima e fazer alguns malabarismos.

Quando chegou sua vez, os outros padres quiseram encerrar as homenagens, porque o antigo malabarista não tinha nada de importante a dizer e podia desmo-

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ralizar a imagem do convento. Entretanto, no fundo do seu coração, também ele sentia uma imensa necessi-dade de dar alguma coisa de si para Jesus e a Virgem.

Envergonhado, sentindo o olhar reprovador dos irmãos, ele tirou algumas laranjas do bolso e começou a jogá-las para cima, em números de malabarismo, que era a única coisa que sabia fazer.

Foi só nesse instante que o Menino Jesus sorriu e começou a bater palmas no colo de Nossa Senhora. E foi para ele que a Virgem estendeu os braços, deixando que segurasse um pouco o menino.

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O Alquimista pegou um livro que alguém na caravana havia trazido. O volume estava sem capa, mas conseguiu identificar seu autor: Oscar Wilde. Enquanto folheava suas páginas, encontrou uma história sobre Narciso.

O Alquimista conhecia a lenda de Narciso, um belo rapaz que todos os dias ia contemplar sua própria beleza num lago. Era tão fascinado por si mesmo que certo dia caiu dentro d’água e morreu afogado. No lugar onde caiu, nasceu uma flor, que chamaram de narciso.

Mas não era assim que Oscar Wilde acabava a his-tória.

O autor dizia que, quando Narciso morreu, vie-ram as Oréia des — deusas do bosque — e viram o lago transformado, de um enorme espelho de água doce em um cântaro de lágrimas salgadas.

— Por que você chora? — perguntaram as Oréiades.— Choro por Narciso — disse o lago.— Ah, não nos espanta que você chore por Nar-

ciso — continuaram elas. — Afinal de contas, apesar de todas nós sempre corrermos atrás dele pelo bosque, você era o único que tinha a oportunidade de contem-plar de perto sua beleza.

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— Mas Narciso era belo? — perguntou o lago.— Quem mais do que você poderia saber disso?

— responderam, surpresas, as Oréiades. — Afinal de contas, era em suas margens que ele se debruçava todos os dias.

O lago ficou algum tempo quieto. Por fim, disse:— Eu choro por Narciso, mas jamais havia perce-

bido que ele era belo.“Choro por Narciso porque todas as vezes que ele

se debruçava sobre minhas margens eu podia ver, no fundo dos seus olhos, minha própria beleza refletida.”

“Que bela história”, disse o Alquimista.

Paulo Coelho

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primeira parte

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O rapaz chamava-se Santiago. Estava começando a escurecer quando chegou com seu rebanho diante de uma velha igreja abandonada. O teto tinha despencado há muito tempo e um enorme sicômoro havia crescido no local que antes abrigava a sacristia.

Resolveu passar a noite ali. Fez com que todas as ovelhas entrassem pela porta em ruínas e então colocou al gumas tábuas de modo que elas não pudessem fugir durante a noite. Não havia lobos naquela região, mas cer ta vez um animal tinha escapado durante a noite e ele gas-tara todo o dia seguinte procurando a ovelha desgarrada.

Forrou o chão com seu casaco e deitou-se, usando como travesseiro o livro que acabara de ler. Lembrou-se, antes de dormir, que precisava começar a ler livros mais grossos: demoravam mais para acabar e eram tra-vesseiros mais confortáveis durante a noite.

Ainda estava escuro quando acordou. Olhou para cima e viu que as estrelas brilhavam através do teto semidestruído.

“Queria dormir um pouco mais”, pensou ele. Ti-vera o mesmo sonho da semana passada, e outra vez acordara antes do desfecho.

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Levantou-se e tomou um gole de vinho. Depois pegou o cajado e começou a acordar as ovelhas que ainda dormiam. Ele havia reparado que, assim que acordava, a maior parte dos animais também come-çava a despertar. Como se houvesse alguma energia misteriosa unindo sua vida à vida daquelas ovelhas que há dois anos percorriam com ele a terra, em busca de água e alimento. “Elas já se acostumaram tanto a mim que conhecem meus horários”, disse em voz baixa. Re-fletiu um momento e ponderou que podia ser também o contrário: talvez ele houvesse se acostumado ao ho-rário das ovelhas.

Certas ovelhas, porém, demoravam um pouco mais para levantar. O rapaz acordou uma a uma com seu cajado, chamando cada qual pelo nome. Sempre acreditara que as ovelhas eram capazes de entender o que ele dizia. Por isso costumava às vezes ler para elas trechos de livros que o haviam impressionado, ou falar da solidão e da alegria de um pastor no campo, ou co-mentar sobre as últimas novidades que via nas cidades por onde costumava passar.

Nos últimos dois dias, contudo, seu assunto tinha sido praticamente um só: a menina, filha do comer-ciante, que morava na cidade aonde ia chegar em qua-tro dias. Estivera apenas uma vez lá, no ano anterior. O comerciante era dono de uma loja de tecidos e gostava sempre de ver as ovelhas tosquiadas na sua frente, para evitar falsificações. Um certo amigo havia indicado a loja e o pastor levou lá suas ovelhas.

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“Preciso vender alguma lã”, disse para o comerciante.A loja estava cheia, e o homem pediu que o pastor

esperasse até o entardecer. Ele sentou-se na calçada e tirou um livro do alforje.

— Não sabia que os pastores eram capazes de ler livros — disse uma voz feminina ao seu lado.

Era uma moça típica da região da Andaluzia, com cabelos negros escorridos e olhos que lembravam va-gamente os antigos conquistadores mouros.

— É porque as ovelhas ensinam mais que os livros — respondeu o rapaz. Ficaram conversando por mais de duas horas. Ela contou que era filha do comerciante e falou da vida na aldeia, onde cada dia era igual ao outro. O pastor contou dos campos da Andaluzia, das últimas novidades que viu nas cidades por onde pas-sara. Estava contente por não precisar conversar sem-pre com as ovelhas.

— Como aprendeu a ler? — perguntou a moça a certa altura.

— Como todas as outras pessoas — respondeu o rapaz. — Na escola.

— E, se sabe ler, então por que é apenas um pastor?

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O rapaz deu uma desculpa qualquer para não res-ponder àquela pergunta. Ele tinha certeza de que a moça jamais entenderia. Continuou a contar suas histó-rias de viagem, e os pequenos olhos mouros abriam-se e fechavam-se de espanto e surpresa. À medida que o tempo foi passando, o rapaz começou a desejar que aquele dia não acabasse nunca, que o pai da moça fi-casse ocupado por muito tempo e o mandasse esperar por três dias. Percebeu que estava sentindo uma coisa que nunca havia sentido antes: vontade de ficar mo-rando numa mesma cidade para sempre. Com a me-nina de cabelos negros, os dias nunca seriam iguais.

Mas o comerciante finalmente chegou e mandou que ele tosquiasse quatro ovelhas. Depois, pagou-lhe o que era devido e pediu que voltasse no ano seguinte.

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