50 Poetas Africanos

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Craveírínha. Lou(enço Marques,ário Vieira e outros assinou colabo­

oficiais na capital moçambicana.adonal, cronista, atleta durante o

_ ~~l o conco na imprensa local. Cela­~tM . e revistas nacionais e estrangeiras.

.. virios países do mundo. ObrasI . co a um dio de Cauane (1966);

Ia, (1981); Maria (1988),

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JOSÉ CRAVEIRINHA ~Sé28.'5.19:.l2). Com o pseudóÇlmo

ração dispersa pela impreni~'Jornalista, funcionário da . pcpedodo colonial. Poeta. enS "ouboração dispersa por va[iadí~m,Representado em anrologia.sebul.publicadas: Chigubo (19Karingana ua karingana ~-9-"

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MANUEL FERREIRA

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MANUEL FERREIRA

a doer

BetjmLCaridas.Este infinito sentimento

no recíproco amor homem e mulherpara jamais nos esquecermos de vezdo amor dos amores mais amados

o amor chamado pátria!

Mordaças:Palmatoadas .

Calabouços. .Anilhas de ferro nOs tornozelos.

E no infinito amor a doer

também o infantil beijo dos filhosa magoada ternura incansável da esposaum cobertor grande e um pequeno para os quatrOe numa tábua despregada no chãoescondido o jornal a falar do Fidel.

E nem que nos caia em cima o argumentode cigarro na boca e lúgubre revólver em cima da mesanão mostraremos o papel guardado na tábua do soalhoali a fazer do amor escondido

o futuro de um povo.

( 1958)Cela 1. 1980

Mãe

Minha Mãe:

Trago a resina das velhas árvoresda floresta nas minhas veias.

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E a sina de nascença.

no. meio das baladas à volta fogueiratu sabes como é sempre Uffi2\ novasabes ou não sabes, minha Mãe?

Sabes ou não sabes·o mistério de olhos inflamados de macho

que um dia encontraste no teu caminhode rombasana de pés descaiços?

Sabes ou não sabes, Mãea resina das velhas árvores plantadas pelos espíritOs,as blasfémias dos mortos salgando as raizes virgens

e as grandes luas de ansiedade esticandoas peles dos tambores enraivecidose dando às folhas das palmeirasO brilho incandescenre. das catanas nuas?

E no sabor do encantamento, Mãedos nossos desenfeitiçados feitiços ancestraiso exorcismo ingénuo das tuas missangaso maravilhoso meheu das tuas canções

e o segredo do teu corpo possuídomas de materno sangue inviolável

donde a minha sina na$ceu.

No

espaço da tua sepultura de negrasabes ou não sabes a verdade

agora sabes ou não sabesminha Mãe?

l<dringana ua karingana, 1974

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~MANUEL FERREIRA

Quero ser tamborTambor está velho de gritarÓ velho Deus dos homensdeixa-me ser tambor

corpo e alma só tamborsó tambor gritando na r;l.oitequente dos trópicos.

E nem flor nascida no maca do desespero.Nem rio correndo para o mar do desespero.Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero.Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.

Nem nada!

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terraSó tambor de pele curtida ao sol da minha terra.Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra!

Eu!

Só tambor rebentando o silêncio amárgo da Mafalala.Só' tambor velho de sangrar no batuque do meu povo.Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.

Ó velho Deus dos homens

eu quero ser tambore nem rioe nem flor

e nem zagala por enquantoe nem mesmo poesia.

Só tambor ecoando a canção da força e da vidasó tambor noite e diadia e noite só tambor

até à consumação da grande fesca do batuque!

Oh, velho Deus dos homensdeixa-me ser tambor

só tambor! Karingana lia karíngana, 1974

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Ao meu belo pai ex-emlgrante

Pai:

As maternas palavras de signos. .VIvem e reVlvem no meu sanguee pacientes esperam ainda a época de colheitaenquanto soltas já são as tuas sentimentaissementes de emigrante' portuguêsespezinhadas no passo de marchadas patrulhas de sovacOs suandoas coronhas de pesadelo.

E na minha rude e gratasinceridade não esqueçomeu antigo português puroque me geraste no ventre de urna combasanaeu mais um novo moçambicanosemiclaro para não ser igual a um branco qualquere seminegro para jamais renegarum glóbulo que seja dos Zambezes' do meu sangue.

E agorapara além do meu antigo amigo ]immy Durante a cantare a rir-se sem nenhuma alegria na voz roufenhasubconsciência dos porquês de Buster Keacon sorumbáticoachando que não valia a pena fazer cara alegre 'e um Algarve de amendoeiras florindo na outra costaante os meus sócios Bucha e Estica no «écran» todo branco

e para sempre um zinco tap-tap de cacimba nO chãoe minha Mãe agonizando na esteira em Michafuteneenquanto tua voz serena profecia paternal: - «Zé:quando eu fechar os olhos não terás mais ninguém».

Oh, Pai:Juro que em mim ficaram laivosdo luso-arábico Algezur da tllil infância

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MANUEL FERRElRA

mas amar por amor só amoe somente posso e devo amaresta minha bela e única nação do Mundoonde minha Mãe nasceu e me geroue contigo comungou a terra, meu Pai.E onde ibéricas heranças de fados e broasse afrÍcanizaram para a eternidade nas minhas veiase teu sangue se moçambicanizou nos tOrrõesda sepultura de velho emigrante numa cama de hospitalcolono tão pobre como desembarcaste em Áfricameu belo Pai ex-porcuguês.

Pai:O Zé de cabelos crespos e aloiradosnão sei como ou antes por tua culpaO «Trinta-diabos>. de joelhos esfolados nOSmergulhosà Zamora nas balizas dos estádios descampados

avançado-centro de «bicicleta» à Leónidas no capimmortÍfera pontaria de fisga na guerra aos gala-galasembasbacado com as proezas dos leões do Circo Pagelnódoas de caju na camisa e nos calções de caquicampeão de corridas no «xitututo» Harley Davidsonos fundilhos dos calções avermelhados nOSmontesdo Desporcivo nas gazetas à doca dos pescadorespara salvar a rapariga Maureen Ó'Sulivan das mandíbulasafiadas dos jacarés do filme de Tarzan Weissemulleros bolsos cheios de tingolé da praiaas viagens clandestinas nas traseiras gã-galhã-galhãdo carro eléctrico e as mangas verdes com salsou eu, Pai, o «Cascabulho» para tie Sontinho para minha Mãetodo maluco de medo das visões aluCÍnamesde Lon Chaney com muitas caras.

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Pai:Ainda me lembro bem do teu olhare mais humano o tenho agora na lucidez da saudadeou teus versos de improviso em loas à vida escutoe também lágrimas na demência dos silênciosem tuas pálpebras revejo nitidamenteeu Buck Jones no vaivém dos teUS joelhosdez anos de alma nos olhos cheios da tua figurana dimensão desmedida do meu amor por i:imeu belo algarvio bem moçambicano!

E choro-techorando~me mais agora que te conheço

, a ti, meu Pai vinte e sete anos e três meses depoisdos carros na lenta procissão do nosso funeralmas só Tu no caixão de tuncionário aposentadonos limites da vidae na íris do meu olhar o teu lívido rostoah, e nas tuas olheiras o halo cinzento do Adeuse na minha cabeça de mulatinbo os últimos

afagos da tua mão trémula mas decidida sintonaquele dia de visitas na enfermaria do hospital central.

E revejo os teuS long,?s dedos no dirlim-~irlin:, da guitarraou o arco da bondade deslizando no violino' da tua aguda

( [tristeza

e nas abafadas noites dos nossos índicos verõesrua voz grave recitando Guerra Junqueiro ou Ameroe eu ainda Ricardiro, Douglas Fairbanks e Tom Mixtodos cavalgando e aos ciros menos Tarzan analfabetoe de tanga na casa de madeira-e-zincoda estrada do Zichacha onde eu nasci.

Pai:Afinal tu e minha mãe não morreram ainda bem'mas sim os símbolos Texas Jack vencedor dos índios

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MANUEL FERREIRA

o Tarzan agente disfarçado em Áfricae a Shirley Temple de sofisma nas covinhas da facee eu também é que mudámos .

.E alinhavadas palavras como se fossem versosbandos de sécuas ávidos sangrando grãos de solno tropical silo de raivas eu deixo nesta cançãopara ti, meu Pai, minha homenagem de caniçosagitados nas manhãs de bronzechorando gOtas de uma cacimba de solidão nas própriasalmas esguias hastes espetadas nas margens das húmidasancas sinuosas dos rios.

E nestes versos te escrevo, meu Paipor enquanto escondidos teus P9stumoS projeccosmais belos no silêncio e mais' fortes na esperaporque nascem e renascem no meu não cicatrizadoronga-ibérico mas afro-puro coração.E fica a tua prematura beleza realgarviaquase revelada nesta carta elegia .para timeu resgatado primeiro ex-portuguêsnúmero UM Craveirinha moçambicano!

Karingana lia karingona, 1974

Grito negroEu sou carvão!E tu arrancas-me brutalmente do chãoE fazes-me tua minaPatrão!

Eu sou carvão!

E tU acendes-me, patrão

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Para te servir eternamente como força motrizmas eternamente nãoPatrãol

Eu sou carvão!

E tenho que arder, simE queimar tudo com a força da minha combustão.

Eu sou carvão~Tenho que arder na exploraçãoArder até às cinzas da maldiçãoArder vivo como alcatrão, meu IrmãoAté não ser mais tua minaPatrão!

Eu sou carvão!

Tenho que arderE queimar tudo com o fogo da minha combusrão.

Sim!

Eu serei o teu carvãoPatrão!

Kflringana 1Ia karingalla, 1974

Hino à minha terra

o sangue dos nomesé o sangue dos homens.Suga-o também se és capaztu que não os amas.

Amanhecesobre as cidades do futuro.E uma saudade cresce no nome das coisase digo Metengobalame e Macomiae é Metengobalarne a cálida palavra

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MANUEL FERRElRA

que os negros inventaramoutra coisa Macomia,

E grito Inhamússua, Mutamba, Massangulo!!!E torno a gritar Inhamússua, Mutamba, Massangulo!!!E outros nomes da minha terraafluem doces e altivos na memória filial

e na exacta pronúncia desnudo-Ihes a beleza.

Chulamáti! Manhoca! Chinhambanine!Morrumbala, Namaponda e Namarroie o vento a agitar sensualmente as folhas dos canhoeiroseu grito Angoche, Marrupa, Michafutene e Zóbuee apanho as sementes do cutlho e a raiz da rxumbulae mergulho as mãos na. terra fresca de Zitundo.Oh, as belas terras do meu Mrico Paíse os belos animais astutoságeis e fortes dos matos do meu Paíse os belos rios e os belos lagos e os belos ~peixese as belas aves dos céus do meu País

e todos os nomes que eu amo belos na língua rongamacua, suaíli, changana,xítsua e bitongados negros de Camunguine, Zavala, Meponda, ChissibucaZongoene, Ribáue e Mossuril...,..Quissimajulol. Quissimajulo! - Gritamosnossas bocas autenticadas no hausto da terra.

- Aruângua! - Responde a voz dos ventos na cúpula das(micaias.

E O luar de cabelos de marfim nas noites de Murrupulae nas verdes campinas das terras de Sofala a nostalgia sintodas cidades inconstruídas de Quissicodos chindjinguiritanas no chilro tropical de Mapulanguenedas árvores de Namacurra, MuxiIipo, Massingadas inexistentes ruas largas de Pindangonga

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e das casas de Chinhanguanine, Mugazine e Bala-Balanunca vistas nem jamais sonhadas ainda.Oh! O côncavo seio azul-marinho da baía de Pemba

e as correntes dos rios Nhacuaze, Incomáti, Marola, Púnguee o potente espasmo das águas do Limpopo.Ah! E um cacho das vinhas de espuma do Zambeze coalha ao

[sole os bagos amadurecem fartos um por umamuletos bancos no esplendor da mais bela vindima.

E o baIir pungente do chango e da impalao meio olhar negro do xipeneo rroce nervoso do egocero assustadoa fuga desvairada do inhacoso bravo no Funhalouroo espírito de Mâhazul nos poentes da Munhuanao voar das sécuas na GOrongozao rugir do leão na Zambéziao salto do leopardo em Manjacazea xidana-kata nas redes dos pescadores da Inhacaa maresia no remanso idílico de Bilene Maciao veneno da mamba no capim. das terras do. régulo Santacaa música da rimbUa e do xipendanao ácido sabor da ·nhançsuma doceo sumo da mampsincha madurao amarelo quente da mavúnguao gOStO"da cuácua na bocae o feitiço misterioso de Nengué-ua-Suna.

Meus nomes puros dos temposde livres troncos de chanfuca umbila e mucaralalivres estradas de águalivres pomos tumefaccos de sémenlivres xingombelas de mulheres e criançase xigubos de homens completamente livres!

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MANUEL FERRE IRA

Gri to Nhanzilo, Eráci, Maceq uecee o eco das micaias responde: Amaramba, Murrupula,e nos nomes virgens eu renovo o seu mosto em Muanacap1bae sem medo um negro queima as cinzas e as penas de corvos de

[agoironão corvos sim manguavavasno esconjuro milenário do nosso invencível Xicuembo!

E o som da xipalapala exprimeos caninos amarelos das quizumbas aindamordendo agudas glandes intumescidas de Áfricaantes da circuncisão ébria dos tambores incandescentesda nossa maior Lua Nova.

Karingana lia karillf!.ana. [974

Manifesto

Oh!Meus belos e curros cabelos crespose meus olhos negros como insurrectasgrandes luas de pasmo na noite mais beladas mais belaS noites inesquecíveis das terras do Zambeze.

Como pássaros desconfiadosincorrupros voando com estrelas nas asas meus olhosenormes de pesadelos e fantasmas estranhos motorizadose minhas maravilhosas mãos escuras raízes do cosmosnostálgicas de novos ritos de iniciaçãoduras da velha rota das canoas das tribose belas como carvões de micaias

na noite das quizumbas.E minha boca de lábios túmidos

cheios da bela virilidade impia de negromordendo a nudez lúbrica de um pão

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ao som da orgia dos insecros urbanosapodrecendo na manhã novacamando a cegarrega inútil de cigarras obesas.

Ah! Outra vez eu chefe zula

eu azagaia bamoeu lançador de malefícios contra as insaciáveispragas de gafanhoros invasores.Eu tamborEu suruma

Eu negro suaíliEu TchacaEu Mahazul e DinganaEu Zichacha na confidência dos ossinhos mágicos de tintlholoEu insubordinada árvore da: Munhuana

Eu tocador de presságios nas teclas das timbilas chopesEu caçador de leopardos traiçoeirosEu xiguilo no batuque.E nas fronteiras de água do Rovuma ao IncomátiEu-cidadão dos espíritos das luascarregadas de anátemas de Moçambique.

Karingana Ifa karingana, 1974

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