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    O CONCEITO DE CIDADANIA E SUA INTERFACE COM A POLTICA

    SOCIAL EM UMA SOCIEDADE COSMOPOLITA

    Moiss Simes Moreira (UCPEL)

    Resumo

    Partindo do fato de que percebermos um mundo que tende cada vez mais globalizao da economia na atualidade, como tambm preponderncia dopapel do cidado enquanto figura meramente jurdica dentro dos Estadosatuais, o presente artigo apresenta uma reflexo sobre a viabilidade doconceito de cidadania, para a realidade poltica atual. Isto, partindo do ideal decidadania helnico enquanto referencial histrico, tendo em vista o modelo de

    cidadania cosmopolita proposto por Jrgen Habermas e Adela Cortina.Palavras-chaveEstado; Globalizao; Cidadania.

    Abstract

    Starting by the fact as we perceive a world as lean any time more toglobalization of the economy in the present time, as well to the preponderanceof a strictaly juridic citzenship inside the actuals States, the means article shows

    one reflexion about the citzenship concepts viability, by the actual politicalreality.

    Key-wordsState; Globalization; Citzenship.

    1. Introduo

    Inegavelmente, cada vez mais na atualidade os cientistas sociais tmpostos os seus olhos contemplao de certas realidades que fazem parte da

    nossa Histria. Alguns destes cientistas olham com certa candura - um quase

    saudosismo -, vendo no passado certa idade de ouro do Homem enquanto

    zoonpolitikn. Outros, qui dotados de mais prudncia, ou de uma melhor

    percepo histrica, tentam estabelecer pontos de contato entre o passado e o

    presente, para projetarem um futuro menos desigual para seus congneres.

    Na atualidade, essa situao facilmente apercebida, quando notamos nosescritos de certos pensadores importantes (HABERMAS, 2000 & CORTINA,

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    2005) do campo da Poltica, da Sociologia e da Filosofia retomam e endossam

    em seus escritos a necessidade de desenvolvermos uma nova prxis poltica,

    aos moldes da cultura poltica ateniense dos sculos V e IV a.C.

    Consequentemente, os mesmos autores buscam retomar os preceitos deuma cidadania desenvolvida em meio a uma sociedade democrtica sem, no

    entanto, apontarem os limites deste tipo de cidadania, quando ampliado ao

    nosso nvel de organizao social. A complexidade do mundo em que vivemos,

    destoa enormemente da realidade grega dos sculos V e IV a.C., e, portanto,

    temos em nossa carga cultural a existncia de novos preceitos ticos e

    organizacionais que ditam o nosso comportamento, por estarem amplamente

    arraigados em nossos meios sociais. Fato este, que so contrrios aodesenvolvimento, no atual estgio scio-econmico de nossa sociedade, de um

    meio social que reproduza os ares da antiga Atenas de Pricles, ou at

    mesmo, que certas estruturas sociais daqueles tempos possam ser

    introduzidas em nossa sociedade.

    Assim, no presente estudo apontar-se- por via de um exerccio reflexivo, o

    modo pelo qual o conceito de cidadania ateniense trabalhado na atualidade

    discutindo a viabilidade de uma re-significao da prxis poltica das

    sociedades atuais. Isto, frente ao processo de franco desenvolvimento da

    globalizao da economia, que acaba por ditar as regras de funcionamento das

    polticas dos Estados-Nao existentes.

    Por sua vez, centraremos o nosso foco no modo pelo qual a cidadania

    enquanto prxis poltica -, pode vir a ser re-significada nas sociedades atuais.

    Dessa forma, iniciaremos discorrendo sob o conceito de cidadania grega, em

    seus principais aspectos conforme a realidade histrica que lha gerou, e de que

    modo certos aspectos deste modelo de participao poltica, permite a tericos

    da contemporaneidade, repensar a democracia e a prpria cidadania no campo

    da Poltica atual. Assim, a seguir, trataremos de apontar o modo pelo qual a

    cidadania helnica trabalhada por dois importantes pensadores da atualidade

    (Jrgen Habermas e Adela Cortina), e as correlaes que alguns de seus

    escritos tm a com a realidade poltico-social global. Por fim, estabeleceremos

    uma concluso que aponta para alguns dos resultados que obtivemos durante

    a nossa reflexo.

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    2. A cidadania da plis:

    Antes de comearmos a discorrer sobre a cidadania como a maioria dos

    cientistas sociais tende a entend-la hoje, comecemos tendo em vista certasobservaes feitas por um grupo de estudiosos helenistas que, em certa obra

    (FINLEY, s.d) propuseram a seguinte colocao, aps terem estudados certos

    escritos de poca:

    (...) toda sociedad de alguna complejidade necesita de un aparato queestablezca leyes y las haga cumplir, que disponga los servicioscomunitrios, militares y civiles, y que resuelva las polmicas. A todasociedad le hace falta asimismo una autorizacin para las normativas y elaparato y una idea de justicia. Pero los griegos dieron um paso radical, undoble paso: situaron la fuente de la autoridad em laplis, em la comunidadmisma, y solventaron los negocios polticos con discussiones pblicas,finalmente con votaciones, mediante el recuento de los indivduos, Tal esla poltica, y el teatro e y la historiografia de siglo V ponen em manifiestohasta qu punto domin la poltica a la cultura griega. (FINLEY,M. et alli:s.d, p. 33-34)

    E dessa forma, que a maioria de ns percebe o modo pelo qual se

    processou a gnese da cidadania poltica na polis ateniense do sculo V a.C.

    Contudo como o prprio grupo de helenistas tratou de apontar no decorrer desua obra -, o desenvolvimento da poltica no se reduzia a um processo de

    melhor gerenciamento da sociedade. Havia fatores mais profundos em jogo,

    em funo do fato de os prprios gregos conceberem sua sociedade enquanto

    um meio social especfico, o que, por sua vez, dotava a prxis poltica de uma

    significao bastante distinta daquela compreenso de poltica que temos na

    atualidade. Isto tudo, a partir da prpria concepo de sociedade que os

    atenienses possuam.

    Os atenienses e no os gregos como se tende a cham-los -,

    percebiam na plis um meio social que servia para desenvolver as suas

    potencialidades pessoais, em funo da manuteno da boa convivncia entre

    as vrias pessoas que partilhavam uma origem, cultura, religio e lngua

    comuns. Polticaera sinnimode convivnciae, para tanto, era preciso que

    mediante a pluralidade de opinies existentes -, decises de comum acordo

    fossem tomadas. E dessa necessidade, surgem s assemblias presididas nos

    teatros e anfiteatros onde as decises eram ratificadas. Porm, em funo do

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    fato de que, se a busca pela manuteno da convivncia era necessria, a

    Poltica no poderia ser exercida apenas quando havia as reunies do demos,

    caindo no esquecimento aps o final das mesmas. Se a convivncia era o

    objetivo, a Poltica deveria ser exercida cotidianamente entre todos oscidados. A politizao dos homens tornava-se um denominador cultural

    comum fazendo com que todos se identificassem com o lugar em que viviam, e

    com os cursos que o mesmo tomava. Logo, estabelecia-se um vnculo entre a

    Poltica e a Cidadania, a partir da identificao do coletivo para com o meio

    geogrfico.

    Dessa forma, como afirmam os helenistas que apontamos no incio do

    texto, a possibilidade de se participar das decises do lugar em que se vivia,implicava na eleio de corpos administrativos e legislativos constantemente

    vigiados por todos. Estabelece-se assim, um governo onde todos leia-se o

    povo (daimos) - que compem uma sociedade tm o poder (krats) de se

    auto-regerem e de exercerem a sua soberania no local onde vivem. A Polticae

    a Cidadania incorporam o princpio - atualmente, to caro a vrias etnias e

    naes -, deAutonomia.

    Entre o povo e a necessidade de uma boa convivncia que compem a

    tese e a anttese essencial da organizao grega, pode-se perceber a polticae

    a participao do cidado, personificadas na figura do voto, enquanto meios

    prprios para se atingir um ideal de organizao humana. Por sua vez, cabe

    ressaltar que quando se tomavam as decises, jamais se dizia que Atenas

    estipulou essa ou aquela diretriz, mas sim que, que os atenienses escolheram

    tais caminhos (FINLEY, s.d, p. 37).

    Assim, percebemos que na polis grega inexiste a noo de Estado, ou

    de uma organizao poltica que fale por todos os cidados. O que h, em

    essncia, o fato de que os cidados falam por si, pra si e para os outros que

    convivem com eles. Forma-se um princpio de coeso em torno de uma cultura

    poltica, oupolitizada, e nopolitiqueiraisto porque a poltica um bem comum

    que jamais pode ser comercializado algo que consiste ser muito mais tpico

    de nossa poca.

    Atualmente, atravs dos estudos feitos por vrios historiadores,

    sabemos que a democracia ateniense era excludente. Pessoas estrangeiras

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    no tinham direito de participarem da vida poltica da plis, pelo simples fato de

    no pertencerem a um determinado territrio, ainda que os mesmos

    partilhassem a mesma lngua, a mesma cultura e o credo nos mesmos deuses.

    Um corntio no participava das decises polticas dos atenienses, assim comoestes no participavam das decises de um tebano, e mesmo assim, os

    princpios de democracia e cidadania gregas so bem quistos pelos cientistas

    sociais, pelo fato de fomentar a participao poltica de seus agentes, s suas

    sociedades.

    Nesse sentido, caberia propor a seguinte questo que tambm so

    trabalhadas por Habermas e Adela Cortina: uma vez que vivemos em uma

    sociedade multicultural onde h a necessidade dos Estados manterem umaboa convivncia das vrias etnias que vivem em seu territrio, como

    desenvolver um conceito prtico de cidadania, que alm de dar voz poltica a

    todos os cidados, em nvel local, ainda lhe permita ter sua opinio

    considerada em nvel cosmopolita?

    Para tanto, preciso que olhemos para o que pensam tambm os

    nossos coetneos que, devido brevidade que se impe ao presente escrito,

    resolvemos contemplar os filsofos Jrgen Habermas e Adela Cortina. Com

    relao ao primeiro, buscamos em sua obra sobre o sistema ps-nacional, as

    implicaes sociais que o modelo globalizante tem imposto aos Estados

    Nacionais atuais, que so em sua grande maioria, multitnicos, e que tem de

    buscar uma sada que contemple a boa convivncia entre as vrias culturas

    existentes em seu territrio. Em funo deste fator, buscamos na filsofa Adela

    Cortina, algumas das propostas que podem vir a serem viveis para a

    formulao de uma teoria da cidadania multicultural que permita estabelecer

    um dilogo poltico tanto em nvel local, quanto em nvel cosmopolita.

    3. Habermas e Adela Cortina: por uma cidadania na globalizao:

    Se na Hlade antiga sercidadoimplicava ao indivduo ser membro de uma

    comunidade limitada s suas fronteiras, o mesmo no ocorre na

    contemporaneidade. O princpio de cidadania de nossa poca impede que nos

    vejamos como participantes da prxis poltica do Estado, por vrios motivos.

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    Um deles, por exemplo, centra-se na inviabilidade qui, impossibilidade-, de

    fazermos com que todosos cidados de um pas de propores continentais

    como o caso do Brasil, se renam para decidir os rumos do pas. Ou, em

    escala bastante reduzida em nvel local -, que populaes de grandescidades, que tenham seus habitantes na casa dos duzentos mil habitantes

    consiga reunir a todos para tomarem parte na vida poltica. Isto, at mesmo em

    funo de praticamente inexistirem espaos fsicos que comportem toda esta

    massa humana.

    Outro fator importante que cabe ressaltar na nossa atual cultura poltica

    justamente o carter apoltico e autoritrio da mesma (NOGUEIRA, 2004). A

    nossa concepo de cidadania um princpio meramente representativo,cabendo aos lderes da nao, desenvolver e ratificar as decises por ns,

    sendo as mesmas impostas. Fato este que leva ao desrespeito muitas vezes

    -, dos princpios ticos de vrias culturas que certos Estados contm em seus

    seios (KYMLICKA, 1996). Desrespeito este, que custa, muitas vezes, o preo

    de vrias vidas sob a forma de guerras civis travadas pelo fato de os Estados

    no permitirem as vrias culturas que governam uma possibilidade de dilogo,

    para se chegar a um consenso.

    Ainda que esta viso cristalize em si alguns aspectos clssicos do Leviat

    de Hobbes (HOBBES, 1983), este continua sendo o modelo democrtico em

    que a maioria das populaes dos Estados ocidentais vivenciam. Um modelo

    Moderno que se encontra em pleno anacronismo frente a todo o processo

    scio-econmico que se desenvolveu ao longo do globo, desde o final da

    Segunda Guerra Mundial. A preponderncia do capital afastou o peso do poder

    poltico da esfera de decises do Estado, o que incutiu no enorme

    enfraquecimento administrativo deste.

    Juntamente crise do Estado Moderno que vivenciada, uma crise moral

    tambm se instaura por sobre as sociedades em geral. O consumismo

    enquanto ideal de felicidade para os Homens - apontado por Bentham

    (BENTHAM, 1973) desde meados do sculo XIX -, tem o seu carter

    acentuado na atualidade e, um egosmo travestido de individualismo perpassa

    a todos os setores da sociedade. O aumento da alienao poltica em funo

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    esse tipo de sociedade sofre de uma falta de adeso por parte dos cidados ao

    conjunto da comunidade aos desafios que se apresentam a todos. (CORTINA,

    2005, p. 18). E, enquanto ponto de convergncia entre Habermas e Cortina,

    pode-se afirmar que tal sentimento de coeso s possvel mediante apossibilidade de participao poltica dos atores sociais no processo de

    formao de uma identidade local.

    Dessa forma, o princpio de auto-governo (HABERMAS, 2000, p. 99) de

    uma etnia prevalece sobre a administrao Estatal. Uma descentralizao do

    poder poltico necessria para que os cidados possam tomar a voz ativa da

    vida poltica de sua comunidade, de forma semelhante vida poltica da plis

    ateniense. E essa mesma descentralizao, aplicar-se-ia aos padresculturais das novas plis.

    Assim, se aplicssemos tais teorias expostas por Habermas e Cortina,

    em um territrio como o brasileiro, por exemplo, no teramos um pas dividido

    em Estados, mas sim, em regies delimitadas por padres culturais

    semelhantes. As regies que partilhassem uma cultura em comum delimitariam

    os seus territrios e, dessa forma, estabeleceriam as estruturas administrativas

    de participao dos cidados na vida poltica destas naes, onde uma sada

    ideal para a tomada de decises importantes para a vida da comunidade, se

    daria por intermdio de referendos. Ao Estado em si, caberia apenas

    desenvolver uma Carta Constitucional onde estariam regulados as leis tomadas

    em comum acordo por todas as etnias que lho compem, sendo os mesmos

    ratificados pelo sistema de referendos apontado anteriormente.

    A esta descentralizao das culturas, que poderamos considerar

    enquanto uma crise do paradigma identitrio da modernidade. A cultura no

    seria mais, algo imposto, de ntido carter conservador. Mas, na realidade,

    adquiriria um carter mais democrtico e civilizado. Conforme sugeriu Adela

    Cortina:

    (...) no mundo moderno e no seio de uma democracia liberal, no o prprioindividuo que est legitimado para decidir a quais grupos pertence por meraagregao, por que compartilha uma qualidade com outras pessoas, e quais noentanto lhe conferem sua verdadeira identidade, porque ele se identifica comeles (...) (CORTINA: 2005, p. 157)

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    A liberdade individual garantida por certas culturas permitiria uma maior

    participao dos indivduos em todas as instncias da vida pblica. Centrando-

    nos mais especificamente no pensamento de Adela Cortina, poder-se-ia afirmar

    que a participao poltica de etnias/naes, levaria a formao de um pensarlocal e de agir global, que permitiria barrar a homogeneizao imposta pela

    globalizao, a partir de um retorno identidade primeira dos vrios grupos

    humanos.

    4. Cidadania e prxis poltica:

    Como se pode perceber aps a breve exposio entre a cidadaniahelnica e a cidadania multicultural, uma preocupao, apenas, perpassa

    ambos os modelos: a prxis poltica, isto , o pensar e o portar-se

    politicamente.

    Contudo, certos problemas se pem a estes modelos que acabam no

    sendo abordados por ambos os autores. Um deles seria o seguinte: com a

    promulgao e vigncia dos Direitos de 1, 2 e 3 gerao, vrias

    etnias/naes foram afetadas e em certa medida, suas estruturas simblicas

    foram modificadas. Dessa forma, como estes povos poderiam ver na sua

    cultura as estruturas necessrias para se desenvolver um comportamento

    poltico democrtico quando muitas vezes, em suas origens as mesmas no o

    so? Como resolver este paradoxo, sem lanar culturas tradicionais em uma

    crise identitria ainda maior?

    Outra questo, que pode ser considerada um pouco mais instigante a

    seguinte: como, na atualidade, poderamos desenvolver um cidado crtico e

    ativo na vida poltica de sua nao, que ao mesmo tempo em que se preocupa

    com as decises polticas, tem de trabalhar para manter a si e a sua famlia?

    Com relao a esta ltima questo, que se encontra mais de acordo com

    a reflexo proposta no presente artigo, poder-se-ia considerar como T.H.

    Marshall assim o fez -, que a educaoconsistiria ser uma sada ideal para a

    presente situao (MARSHALL, 1967, p. 61). A educao um meio para se

    fomentar o desenvolvimento da inteligncia; seria a prerrogativa para o uso dos

    direitos civis. Mas isso no seria, de certo modo, um golpe nas polticas de

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    incluso propostas pelo Estado, principalmente contra aqueles que no tiveram

    condies de freqentar uma escola durante suas infncias? No iramos

    contrariar os direitos de igualdade poltica dos indivduos a partir de uma

    poltica deturpada? Cremos que sim, uma vez que o acesso educaoconsistiria ser um mecanismo de excluso garantindo um status de cidado

    apenas queles que tiveram acesso educao, formando assim, uma casta

    poltica, que ao mesmo tempo a elite intelectual do Estado, possuidora dos

    instrumentos burocrticos necessrios para se manter no poder por tempo

    indeterminado.

    Este fato garantiria s sociedades em questo, um carter estamental,

    onde a casta politizada s se preocuparia com as decises polticas, emdetrimento de uma massa de cidados marginalizados que, em funo do seu

    no-acesso s estruturas educacionais, aumentariam a desigualdade scio-

    econmica em que vivemos (MARSHALL, 1967, p. 77). A populao

    marginalizada pelo seu no-acesso educao teria de garantir mediante o

    seu trabalho, a sobrevivncia fsica da elite poltica atravs de seu trabalho.

    Forma esta, bastante semelhante cidadania ateniense onde os aristi

    contavam com o trabalho de escravos e daqueles que no poderiam ser

    cidados, para sobreviverem, como Aristtles chegou a defender em sua

    Poltica..

    Contudo, mesmo frente a esta perspectiva em nada favorvel s

    condies de dignidade humana, por questo de lgica, no podemos recorrer

    ao paradigma Socialista como uma resposta positiva para a questo proposta.

    Isto porque, uma vez que o prprio Socialismo buscar espraiar-se por todo o

    mundo ao promover uma cultura econmica e poltica universal, a mesma,

    portanto, no respeita o princpio de autonomia das etnias/naes, devido o

    seu carter homogeneizante.

    Dessa forma, cremos que o problema da prxis poltica s sociedades

    existentes em um mundo multicultural, se prope em uma dimenso que est

    alm da escolha de um modelo de cidadania helnico. A marginalizao de

    uma parcela da populao no consiste ser uma sada ideal para as

    sociedades atuais; principalmente sociedade brasileira, uma vez que, no

    nosso caso, tal fato consistiria ser um reforo poltica e cultura autoritria do

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    brasileiro, alm de estimular o reforo das prticas patriarcais de nossa

    sociedade, onde o jeitinho acabaria por sufocar o desenvolvimento de uma

    poltica no-personalista em nossa sociedade (DAMATTA, 1998; BARBOSA,

    2006; HOLLANDA, 1936; FREYRE, 1997 & CHAUI, 1994).Paralelamente a este fato, temos o problema que os Estados propem a

    viabilizao de uma fragmentao de suas unidades administrativas, em

    regies delimitadas pelas culturas das etnias/naes, em funo das questes

    econmicas. O re-arranjo das fronteiras internas a partir dos limites culturais,

    poderia gerar grandes bolses de riqueza e de pobreza, conforme as culturas.

    Alm do fato, claro, de poder levar as etnias/naeseconomicamente mais

    fortes, a declararem a separao do pacto federativo de que fazem parte, umavez que poderiam justificar suas secesses com base no preceito de

    autodeterminao dos povos.

    O imperativo, assim, de se desenvolver um princpio de cidadania, que

    garanta a incluso de todos os indivduos de um Estado, ao fomento da prxis

    poltica de modo que tal ao no se limite a uma cidadania meramente

    representativa, como o nosso modelo atual o que consiste ser o ideal das

    cidadanias grega e transnacional de Habermas e Cortina.

    5. Concluso

    Se, na atualidade buscam-se pensar mais nas sadas polticas para a

    formao de um novo princpio de cidadania e participao poltica dos

    indivduos na res publica, obrigatoriamente temos de pensar em um modo de

    assim faz-lo, ao mesmo tempo em que se torna necessrio rever o papel da

    dinmica econmica sobre o mesmo (NOGUEIRA, 2004, p. 90). Desenvolver

    um modelo poltico que simplesmente se sobreponha a nossa quimera poltica,

    dotando-a de novo significado e de uma nova dinmica, acabam se tornando

    aes efmeras e inteis, por no andarem em consonncia com a dinmica

    do mercado globalizado, solidamente consolidado.

    Nesse sentido, o endosso dado aos preceitos da cidadania helnica, no

    condiz com a nossa realidade histrica. Dentro de uma viso pragmtica da

    Histria, podemos perceber que o prprio modelo de cidadania grega no

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    durou mais do que duzentos anos, para que em seguida fosse suplantada pelo

    modelo de cidadania representativa dos romanos. Mais do que isso, o prprio

    sentido da economia desenvolvida s plis helnicas que, ainda tomada

    com entusiasmo pelos pensadores aristotlicos da atualidade -, soincompatveis com o processo de formao de uma prxis cidad em nossa

    atualidade. Uma economia de produo voltada para a subsistncia de certos

    noms, no condizem para com a nossa situao econmica atual, ainda que,

    em alguns casos se consigam produzir rendas fixas para certos indivduos,

    atravs de processos de uma economia solidria em alguns setores de nossas

    sociedades. Mesmo nesses processos, se analisados em suas dinmicas,

    perceberemos que eles no se separam de certas estruturas produtivas denosso sistema de economia de massa, uma vez que necessitam de seus

    dejetos para produzirem os seus lucros em cima deles. As cooperativas de

    reciclagem constituem um bom exemplo desta situao.

    Temos ainda de ter em vista uma segunda observao. Se mesmo

    dentro dos preceitos de uma total descentralizao das sociedades - no sentido

    de se dar maior primazia pelos gerenciamentos tcnicos, burocrticos e

    econmicos a partir das culturas locais -, por lgica, tm-se o problema de

    respeitarmos os sistemas de produo tpicos das sociedades tradicionais. Isto

    porque, em sua quase totalidade, tais sociedades tradicionais se encontram em

    dissonncia com as culturas mais industrializadas que, muitas vezes, ocupam o

    mesmo territrio. Nesse sentido, caso o princpio de federaobem quisto por

    certos autores (KYMLICKA 1996, HABERMAS, 2000 & CORTINA 2005),

    levaria a formao de bolses de pobreza, se comparadas s economias mais

    avanadas. Fato este que levaria a uma interessante contradio entre o

    princpio liberal de autodeterminao dos povos garantidos pela ONU, e as

    polticas de fomento a melhoria das condies de vida da populao de um

    determinado Estado. Isto porque, qualquer tipo de interveno deste em

    qualquer tipo de comunidade situada dentro do seu territrio, por via legal

    poderia ser considerado como uma ameaa ao princpio de autodeterminao.

    Assim, se centramos nossas atenes aos fatos de que quase todas as

    propostas de modelos polticos tentam ser promovidos de forma universal a

    todas as sociedades ocidentais, poderemos perceber que, o que estas

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    justamente se opem, so aos paradigmas de cunho universalista. Isto , os

    novos paradigmas criticam as suas prprias essncias homogeneizantes.

    Dessa forma, nos caberia perguntar se o grande problema que assolam as

    nossas teorias polticas - isto , o universalismodas mesmas -, no deveria serafastado do mbito das polticas pblicas, sendo substitudo por um princpio

    relativista. E justamente a elas, se no deveramos desenvolver princpios de

    cidadania tambm relativistas, mais preocupados com suas perspectivas

    locais, do que com suas perspectivas cosmopolitas.

    Se notarmos com acuidade os grandes modelos sociais que

    vivenciamos como o Capitalismo e o Socialismo ainda que a durao de um

    Socialismo de fato, tenha durado, historicamente, apenas nos dois primeirosanos da Revoluo de 1917 -, tenderam a homogeneizar os padres culturais,

    sociais e ideolgicos de vrias culturas. Talvez, como uma sada para o bom

    funcionamento das polticas pblicas dos vrios Estados, o melhor seria que se

    estudassem e pusessem em prtica teorias polticas pensadas a partir dos

    particularismos culturais, econmicos e sociais, que fossem bastante coerentes

    nas suas inter-relaes entre teoria e prtica. Logicamente, para tanto, seriam

    necessrios desenvolver planos educacionais voltados para as particularidades

    destes grupos, visando formao de cidados educados politicamente para

    tais aes.

    Contudo, no nos esqueamos do fato de que, se, se busca a

    autodeterminao dos povos, a promoo por parte do Estado de uma

    educao que politize seus cidados pode vir a ferir certos princpios culturais

    daquelas culturas, que ainda vivenciam uma perspectiva de diviso sexual ou

    estamental da sociedade de que fazem parte. O conhecimento pode ser

    como de fato - um instrumento passado apenas para os homens de certas

    comunidades - ou para certos homens de certas comunidades -, que

    constituem serem pequenas elites adestradas no campo da techn;como o

    caso, por exemplo, de algumas sociedades que ainda vivem sob uma rgida

    diviso do trabalho sob a forma da diviso sexual do mesmo, como as

    sociedades indgenas. A ruptura deste tabu, mediante a imposio de certos

    preceitos universais poderia implicar na morte da cultura em questo.

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    Assim, preciso termos em mente que desenvolver um princpio de

    cidadania, numa realidade social, econmica e poltica como a nossa, consiste

    ser um problema muito maior, do que simplesmente propor uma nova moral ou

    um novo programa de integrao poltico administrativa, tanto entre as etnias,quanto na relao destas para com o Estado (HABERMAS, 2000). Desenvolver

    um sistema federativo aplicado a um Estado, dividido internamente em regies

    culturais distintas, cada uma com um regimento constitucional particular e que

    devam ser solidrias entre si, para manter a coeso poltico-administrativa de

    um pas, dever passar obrigatoriamente pelo campo da jurisprudncia deste

    pas. Porm a prpria correo ou sugesto de novas leis locais -, dever ser

    feita de modo a no segregar os indivduos da vida poltica da grandecomunidade poltica, social e econmica, que consiste ser o Estado. Dessa

    forma, o prprio princpio de contrato socialrousseauniano dever ser revisto

    para esta nova organizao social, de modo a no ferir os princpios dos

    modus vivendidas comunidades.

    Concepes otimistas do futuro das relaes sociais, polticas e

    econmicas dos Estados da atualidade, dificilmente podem ser contempladas.

    As crises morais que afetam tais instncias das sociedades contemporneas

    nos impedem de formular um norteque nos guie rumo a uma realidade mais

    saudvel.

    Pensar uma nova sociedade que tenha em vista uma nova prxis social,

    poltica e econmica, implica necessariamente em pensar um novo tipo de

    cidadania que seja mais original; que tenha menos elementos, em perspectiva,

    da realidade ateniense, em contraponto as necessidades mais imperativas de

    nossa realidade. Se os prprios gregos desenvolveram as suas formas

    polticas de forma original (FINLEY, s.d, p. 32-33), quem sabe este no seja o

    princpio de uma nova forma de sociedade e economias para a nossa

    humanidade atual?

    Assim, para tanto, teremos de pensar em um tipo de sociedade e de

    prxis social seja ela poltica, e/ou econmica bastante especfica para a

    regio em que ela dever ser implementada. O tipo de cidadania e, de prxis

    cidad a ser aplicada aos membros do grupo em questo, que delimitaro as

    regras sociais a partir dos preceitos culturais das mesmas. Disso surgir uma

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    re-significao das prprias polticas pblicas a serem aplicadas. No haver

    mais o pensar local e agir global, ou vice-versa, mas sim, um pensar e agir

    local, antes de sepensar e agirno global.

    A reorganizao do Estado a partir de suas instncias primeiras, isto , apartir de seus prprios indivduos, talvez nos guie para uma nova realidade

    social no futuro. Mas, para tanto, ainda precisaremos pensar em um modo de

    como agir por sobre a nossa catica realidade, respeitando as especificidades

    de nossas culturas, para prop-las a possibilidade de uma nova ordem social,

    que lhas respeite, ao mesmo tempo em que faa com que as mesmas se

    respeitem, sem que tenhamos de marginaliz-las politicamente. Agora, como

    desenvolver uma poltica pblica que d cabo a este problema, talvez consistaser um empecilho maior do que se possamos cogitar a compreender.

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