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A CONQUISTA E COLONIZAÇÃO ESPANHOLA DA AMÉRICA A conquista: um massacre A conquista da América representou um dos maiores genocídios registrados na história da humanidade. Em aproxima- damente um século, a população do México, que era de mais de 20 milhões de pessoas, despencou para menos de 2 milhões. Doenças trazidas pelos europeus, guerras, assassinatos, abortos e suicídios foram os responsáveis por todas essas mortes. O desastre foi acompanhado pela destruição de grandes culturas existentes na América. O processo da conquista da América foi narrado por personagens que testemunharam esse acontecimento. Esses nar- radores descrevem de diversas formas sua visão a respeito daqueles a quem Colombo chamou, equivocadamente, de índios. Estudando os relatos da época, ficamos sabendo da grande mortalidade que atingiu os povos indígenas. No início, os espanhóis encontraram alguns metais preciosos que buscavam nas muitas ilhas tropicais do Caribe — onde hoje existem Cuba, Jamaica, Porto Rico — e na Ilha Hispaniola, atualmente dividida entre Haiti e República Dominicana. Os espanhóis logo passaram a dedicar-se à escravização de indígenas, impondo seu governo nas terras conquistadas. Iniciou-se assim o genocídio que exterminou a população natural das ilhas do Caribe. O papel da Igreja na colonização No processo de colonização da América, os espanhóis contaram com a ajuda da Igreja Católica, que tinha interesse em expandir o cristianismo para outros continentes. A conversão dos indígenas à fé cristã foi seriamente ameaçada, principalmente porque os interesses econômicos dos conquistadores espanhóis superavam sua preocupação religiosa. Movidos pela cobiça e pela ambição, os conquistadores destruíram as populações indígenas e suas culturas. Por isso, em um de seus sermões, o padre Montesinos fez a primeira denúncia dos conquistadores, causando enorme mal-estar entre os espanhóis. Um defensor dos povos indígenas Um dos conquistadores que ouviram o sermão do padre Montesinos foi o fidalgo Bartolomeu de Las Casas (1474-1566). Influenciado por essas ideias, ele se tornou frade e passou a defender a dignidade dos indígenas. Seu projeto era levar o Evangelho aos povos nativos, os quais ele descreveu como "simples, humildes, pacíficos, sem astúcia, sem malícia, dó- ceis e aptos a receber a fé católica". Para isso, seria necessário mantê-los livres da escravidão. Em seus relatos, Las Casas entra em detalhes sobre os diversos meios utilizados pelos conquistadores para dominar as populações nativas. Após uma longa batalha travada nos tribunais da Espanha, na metade do século XVI, o frei Barto- lomeu de Las Casas conseguiu fazer com que a escravidão dos índios fosse declarada, pelo menos oficialmente, ilegíti- ma. Mas o genocídio já tinha acontecido. A rápida vitória dos espanhóis Vários fatores explicam a rapidez com que os espanhóis conquistaram as grandes civilizações americanas. Um deles era o uso das armas de fogo e dos cavalos, desconhecidos pelos indígenas. Os relatos das conquistas revelam também que, muitas vezes, os espanhóis foram recebidos de forma supersticiosa, co- mo seres diferentes: em algumas ocasiões como curandeiros; às vezes como deuses; outras como seres fantásticos — metade homens, metade cavalos. Essa visão pode ser explicada em parte pelo fato de os nativos jamais terem visto um cavalo nem armas de fogo. Francisco Pizarro, conquistador do Império Inca, chegou a ser confundido com o deus Huiracocha e levado, com seus cerca de 150 homens, à presença do imperador Atahualpa. Hernán Cortez, conquistador do Império Asteca, foi confun- dido com o deus Quetzalcoatl (a serpente emplumada). Uma lenda asteca dizia que esse deus voltaria um dia para guardar seu povo. Assim, Cortez foi recebido com presentes preciosos pelo imperador Montezuma. Os astecas só perce- beram o erro quando sua capital já estava sitiada pelos espanhóis. Mas talvez o principal motivo das vitórias espanholas sobre o Império Asteca e o Inca foram as lutas no interior desses impérios. Os povos dominados por esses reinos passaram a auxiliar os espanhóis contra seus antigos senhores. Na conquista do Império Inca, por exemplo, os espanhóis, liderados por Pizarro, tiveram o apoio dos chefes indígenas do império, dos yana e dos povos kanãrr, chachapuya e principalmen- te dos wanka, aliança que foi decisiva para a vitória espanhola. A organização da colonização A forma inicial encontrada pela Coroa espanhola para poupar o Estado de assumir gastos com a colonização foi trans- ferir essa tarefa para a iniciativa privada. Durante os primeiros anos de conquista, a ação dos aventureiros, conhecidos como adelantados, foi suficiente para garantir a exploração das terras americanas e a acumulação de riquezas nos cofres reais. Os adelantados recebiam do governo espanhol o direito vitalício de fundar cidades, evangelizar índios, construir fortalezas e deter o poder jurídico e o militar. A única condição era entregar para a Coroa espanhola um quinto de toda a produção. Dessa maneira, ficavam asseguradas para a metrópole a ocupação e a exploração do território recém-conquistado. À medida que a conquista foi revelando imensas possibilidades de lucros, a Coroa se decidiu por um maior controle administrativo na colônia. Os órgãos de controle administrativo criados pela colônia localizavam-se tanto na metrópole como na colônia. Para esse fim, foi enviado para a América um verdadeiro exército de funcionários reais, os chapeto- nes. A administração colonial A Casa de Contratação, sediada até o século XVIII na cidade espanhola de Sevilha, foi criada em 1503 com o objetivo de fiscalizar a cobrança dos impostos reais, numa tentativa de impedir os contrabandos. Competia a esse órgão conta- bilizar e registrar minuciosamente as riquezas vindas da América. A Casa de Contratação era responsável pela cobran- ça do quinto, imposto real sobre todas as transações comerciais nas colônias americanas.

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A CONQUISTA E COLONIZAÇÃO ESPANHOLA DA AMÉRICA

A conquista: um massacre

A conquista da América representou um dos maiores genocídios registrados na história da humanidade. Em aproxima-

damente um século, a população do México, que era de mais de 20 milhões de pessoas, despencou para menos de 2

milhões. Doenças trazidas pelos europeus, guerras, assassinatos, abortos e suicídios foram os responsáveis por todas essas

mortes. O desastre foi acompanhado pela destruição de grandes culturas existentes na América.

O processo da conquista da América foi narrado por personagens que testemunharam esse acontecimento. Esses nar-

radores descrevem de diversas formas sua visão a respeito daqueles a quem Colombo chamou, equivocadamente, de

índios.

Estudando os relatos da época, ficamos sabendo da grande mortalidade que atingiu os povos indígenas. No início, os

espanhóis encontraram alguns metais preciosos que buscavam nas muitas ilhas tropicais do Caribe — onde hoje existem

Cuba, Jamaica, Porto Rico — e na Ilha Hispaniola, atualmente dividida entre Haiti e República Dominicana. Os espanhóis

logo passaram a dedicar-se à escravização de indígenas, impondo seu governo nas terras conquistadas. Iniciou-se assim

o genocídio que exterminou a população natural das ilhas do Caribe.

O papel da Igreja na colonização

No processo de colonização da América, os espanhóis contaram com a ajuda da Igreja Católica, que tinha interesse

em expandir o cristianismo para outros continentes. A conversão dos indígenas à fé cristã foi seriamente ameaçada,

principalmente porque os interesses econômicos dos conquistadores espanhóis superavam sua preocupação religiosa.

Movidos pela cobiça e pela ambição, os conquistadores destruíram as populações indígenas e suas culturas. Por isso, em

um de seus sermões, o padre Montesinos fez a primeira denúncia dos conquistadores, causando enorme mal-estar entre

os espanhóis.

Um defensor dos povos indígenas

Um dos conquistadores que ouviram o sermão do padre Montesinos foi o fidalgo Bartolomeu de Las Casas (1474-1566).

Influenciado por essas ideias, ele se tornou frade e passou a defender a dignidade dos indígenas. Seu projeto era levar o

Evangelho aos povos nativos, os quais ele descreveu como "simples, humildes, pacíficos, sem astúcia, sem malícia, dó-

ceis e aptos a receber a fé católica". Para isso, seria necessário mantê-los livres da escravidão.

Em seus relatos, Las Casas entra em detalhes sobre os diversos meios utilizados pelos conquistadores para dominar as

populações nativas. Após uma longa batalha travada nos tribunais da Espanha, na metade do século XVI, o frei Barto-

lomeu de Las Casas conseguiu fazer com que a escravidão dos índios fosse declarada, pelo menos oficialmente, ilegíti-

ma. Mas o genocídio já tinha acontecido.

A rápida vitória dos espanhóis

Vários fatores explicam a rapidez com que os espanhóis conquistaram as grandes civilizações americanas. Um deles era

o uso das armas de fogo e dos cavalos, desconhecidos pelos indígenas.

Os relatos das conquistas revelam também que, muitas vezes, os espanhóis foram recebidos de forma supersticiosa, co-

mo seres diferentes: em algumas ocasiões como curandeiros; às vezes como deuses; outras como seres fantásticos —

metade homens, metade cavalos. Essa visão pode ser explicada em parte pelo fato de os nativos jamais terem visto um

cavalo nem armas de fogo.

Francisco Pizarro, conquistador do Império Inca, chegou a ser confundido com o deus Huiracocha e levado, com seus

cerca de 150 homens, à presença do imperador Atahualpa. Hernán Cortez, conquistador do Império Asteca, foi confun-

dido com o deus Quetzalcoatl (a serpente emplumada). Uma lenda asteca dizia que esse deus voltaria um dia para

guardar seu povo. Assim, Cortez foi recebido com presentes preciosos pelo imperador Montezuma. Os astecas só perce-

beram o erro quando sua capital já estava sitiada pelos espanhóis. Mas talvez o principal motivo das vitórias espanholas

sobre o Império Asteca e o Inca foram as lutas no interior desses impérios. Os povos dominados por esses reinos passaram

a auxiliar os espanhóis contra seus antigos senhores. Na conquista do Império Inca, por exemplo, os espanhóis, liderados

por Pizarro, tiveram o apoio dos chefes indígenas do império, dos yana e dos povos kanãrr, chachapuya e principalmen-

te dos wanka, aliança que foi decisiva para a vitória espanhola.

A organização da colonização

A forma inicial encontrada pela Coroa espanhola para poupar o Estado de assumir gastos com a colonização foi trans-

ferir essa tarefa para a iniciativa privada. Durante os primeiros anos de conquista, a ação dos aventureiros, conhecidos

como adelantados, foi suficiente para garantir a exploração das terras americanas e a acumulação de riquezas nos

cofres reais. Os adelantados recebiam do governo espanhol o direito vitalício de fundar cidades, evangelizar índios,

construir fortalezas e deter o poder jurídico e o militar. A única condição era entregar para a Coroa espanhola um quinto

de toda a produção. Dessa maneira, ficavam asseguradas para a metrópole a ocupação e a exploração do território

recém-conquistado.

À medida que a conquista foi revelando imensas possibilidades de lucros, a Coroa se decidiu por um maior controle

administrativo na colônia. Os órgãos de controle administrativo criados pela colônia localizavam-se tanto na metrópole

como na colônia. Para esse fim, foi enviado para a América um verdadeiro exército de funcionários reais, os chapeto-

nes.

A administração colonial

A Casa de Contratação, sediada até o século XVIII na cidade espanhola de Sevilha, foi criada em 1503 com o objetivo

de fiscalizar a cobrança dos impostos reais, numa tentativa de impedir os contrabandos. Competia a esse órgão conta-

bilizar e registrar minuciosamente as riquezas vindas da América. A Casa de Contratação era responsável pela cobran-

ça do quinto, imposto real sobre todas as transações comerciais nas colônias americanas.

A Espanha tinha o monopólio comercial sobre suas colônias, ou seja, a exclusividade do comércio com os colonos ame-

ricanos. Para garantir que o monopólio fosse cumprido, evitando o comércio das colônias com mercadores de outros

países, principalmente ingleses, franceses e holandeses, a Coroa criou, em 1561, o regime de porto único. Ele estabele-

cia que os produtos que entravam ou saíam das colônias americanas só poderiam utilizar os portos de Veracruz, no Mé-

xico, e Porto Belo, no Panamá. Na Espanha, os produtos coloniais só poderiam entrar pelo porto de Sevilha. Apesar do

exclusivo imposto pelo governo, o comércio colonial com outros países continuou.

O Conselho das Índias, criado em 1524, era a autoridade máxima na administração dos domínios coloniais espanhóis.

Competia a ele elaborar leis para as colônias, atuar como tribunal e instruir os funcionários espanhóis que trabalhavam

na América.

Para tornar mais eficiente a administração das terras espanholas na América, o governo organizou unidades administra-

tivas, os vice-reinos. Em 1535 foi criado o Vice-Reino da Nova Espanha; em 1542, o Vice-Reino do Peru; e, no século XVIII,

os vice--reinos de Nova Granada e do Rio da Prata.

Cargos administrativos

O cargo de maior prestígio na administração colonial era o de vice-rei. Designado diretamente pelo rei da Espanha, o

vice-rei era visto como símbolo verdadeiro da presença da Coroa espanhola na América. Escolhido entre nobres espa-

nhóis, o vice-rei detinha funções militares, jurídicas, fiscais, financeiras, religiosas e administrativas.

As audiências estavam incumbidas da administração da Justiça, além do poder de fiscalizar e auxiliar o vice-rei. A presi-

dência das audiências cabia ao vice-rei. Os demais membros eram escolhidos pelo Conselho das Índias.

Para administrar os problemas cotidianos municipais, foram criados os cabildos, equivalentes às Câmaras Municipais de

hoje. Geralmente seus membros eram escolhidos entre os homens da elite colonial, conhecidos como criollos. Somente

nos cabildos era permitida a participação de pessoas nascidas na América. Os demais cargos eram exclusivos dos cha-

petones, os nascidos na Espanha.

O papel da Igreja na colônia

Desde o princípio, a conquista da América esteve estreitamente ligada ao projeto religioso de expandir o cristianismo

entre os povos nativos. Por essa razão, em todas as expedições ultramarinas iam religiosos encarregados de levar o

evangelho para os povos que eventualmente fossem encontrados.

Um documento assinado em 1508 estabelecia que o papa abria mão da administração das igrejas no Novo Mundo em

favor dos reis e das ordens religiosas. Esse fato transformou a Igreja Católica, na América ibérica, em verdadeira aliada

no processo de conquista, colonização e submissão dos nativos.

Envolvidos na missão evangelizadora, milhares de padres se transferiram para a América, onde se dedicaram à cate-

quese e ao ensino. Papel especial foi dado aos jesuítas, que criaram os aldeamentos ou reduções. Na América portu-

guesa, os aldeamentos fundados pela Companhia de Jesus ficaram conhecidos como missões jesuíticas.

Reunidos nessas aldeias, os indígenas viviam isolados, o que facilitava aos jesuítas ministrar os ensinamentos católicos.

Livres dos impostos, os aldeamentos jesuíticos puderam desenvolver uma produção agrícola e pastoril muitas vezes maior

que a das fazendas dos colonos. A riqueza acumulada pelos jesuítas era tão grande que a Companhia de Jesus prati-

camente se transformou em um Estado paralelo na América.

A exploração do trabalho indígena

A produção na América espanhola foi praticamente realizada pelo trabalho dos indígenas. O trabalho africano só foi

expressivo nas Antilhas, região produtora de cana-de-açúcar e onde a população indígena estava praticamente extin-

ta. Os interesses comerciais do colonizador em utilizar a mão-de-obra indígena e o empenho dos jesuítas na catequese

produziram uma modalidade de trabalho conhecida como encomienda.

A encomienda era o direito cedido aos espanhóis — encomenderos — de utilizar a força de trabalho indígena nas minas

e nas plantações. Em troca, os encomenderos deviam promover a catequese dos índios, vista pelo colonizador como

um bem a ser oferecido aos povos do Novo Mundo.

O governo colonial necessitava também de mão-de-obra para realizar obras públicas e para o trabalho nas minas, ati-

vidade de maior interesse para a Coroa. Para isso, o governo decidiu aproveitar uma forma de trabalho praticada pelos

incas antes da chegada dos espanhóis, conhecida como mita.

A mita era um sistema utilizado no Império Inca mediante o qual os membros das aldeias indígenas eram submetidos ao

trabalho compulsório (obrigatório) nas minas e em obras públicas, durante um determinado tempo.

Os colonizadores espanhóis mantiveram esse sistema, adaptando-o aos seus interesses: eles se dirigiam às aldeias indíge-

nas e recrutavam os índios, muitas vezes por sorteio, obrigando-os a se deslocarem para as áreas de trabalho. De manei-

ra geral, os índios recebiam uma remuneração muito baixa em troca do trabalho pesado e insalubre. Essa remuneração

incluía alimentos e ferramentas.

Tal sistema de trabalho compulsório foi utilizado principalmente no Vice-Reino do Peru. No México, os espanhóis adota-

ram um sistema semelhante, conhecido como coatequil.