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Uma introdução Numa tensão característica da instável época após a I Guerra Mundial, em Portugal como noutros paíseseuropeus, as décadas de 1925 a 1945 foram, na arquitec-tura e no urbanismo, tempo de confronto entre o senti-do histórico da inovação e de afirmação da ruptura-através do que se convencionou designar em Portugalpor "Modernismo", mais ou menos internacionalista eimbuído das novas ideias racional-funcionalistas - e osentido reactivo de regresso aos temas tradicionais, his-toricistas ou regionalistas, o qual a ironia nacional aca-bou por apodar de "Português Suave".

Entre uma e outra tendência - desde logo expressasambas no dealbar do regime político autoritário (a autodenominada "Ditadura Nacional", logo seguida do"Estado Novo" de Salazar), implantado na sequência dogolpe militar de 1926, e firmado entre 1930 e 1933) desenvolveu-se a chamada "Arquitectura do EstadoNovo", cuja gradual definição e afirmação decorreu emgrande parte da iniciativa pública, estatal e municipal, nocampo dos novos equipamentos, infra-estruturas e habi-tação social.

Em Portugal os conflitos entre a estética "progressis-ta" do racional-funcionalismo e a estética "tradicionalis-ta" de cariz neo-conservador atravessarão toda a décadade 1930 - acabando por levar a melhor a segunda opção,em 1940, até ao final da II Guerra Mundial (e durante

A Arquitectura em Portugal nos anos 1930-40Do 'Modernismo' ao 'Estado Novo': Heranças, Conflitos, Contextos

José Manuel Fernandes Universidade Autónoma de Lisboa

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uma década mais de "persistência", até cerca de 1955).Houve no entretanto muitos casos significativos destatensão: discussão e doutrinação teórica, pró-regionalista(o tema das "Casas Portuguesas", por Raul Lino, comlivro homónimo de 1933); difusão escrita pró-moderna(no livro "A Moderna Arquitectura Holandesa" de KeilAmaral, de 1943); confrontação prática e construtiva (ocaso do Liceu de Beja, obra modernista criticada por,com os seus grandes vãos envidraçados, não ser adapta-da ao clima local, em 1930-38); dualidade estética na pro-dução dos melhores autores (de Cassiano Branco aCristino da Silva, que produziam ecleticamente obras dedesenho moderno ao mesmo tempo que obras deexpressão tradicional); e até tomadas de posição dopoder clerical (do caso da Igreja de Fátima, por PardalMonteiro, obra Art Deco-modernista que ironicamentefoi defendida contra as críticas conservadoras e clericais,pelo Cardeal Patriarca de Lisboa, Gonçalves Cerejeira - aterceira figura do Regime - pela sua dimensão moderna).Estes casos, isolados em cada contexto, exprimem noseu conjunto a dimensão contraditória dos tempos difí-ceis de 1930-40, em Portugal como na restante Europa.

Pretende-se com este texto, e mediante a visualizaçãode alguns casos exemplares, colocar em discussão ostemas mais prementes e contraditórios da época emestudo, numa visão crítica. Deste modo serão abordadassucessivamente três tipos de questões:

- as Heranças: da Casa Portuguesa, de Raul Linoe da sua utilização pelo regime político, do peso do ensi-no tradicional "Beaux Arts";

- os Conflitos: do entusiasmo modernista, dascontradições na prática arquitectónico-monumental eurbanística (o "caso" do Estádio Nacional, 1938-44, dosConcursos de Sagres, 1932-38, dos Pavilhões deExposições Internacionais 1929-39);

- os Contextos: da relação com o ambienteinternacional, em Espanha, Itália, Alemanha, França,Holanda, Alemanha (Carlos Ramos, Keil Amaral,Caldeira Cabral)- Portugal como participante atento dodramático processo histórico europeu.)

As Heranças: de Raul Lino ao ensino das Belas ArtesIdeologia e ensino artístico foram dois factores determi-nantes para a gradual definição de uma estética arquitec-tónica tradicionalista, virada para os valores regionais edo passado. Vejamos como.

A "Casa Portuguesa" foi um movimento cultural deíndole nacionalista e conteúdos culturalistas, despontadodepois da crise política, identitária e internacional de1890, que logo ficou bem definido, entre 1900-1910, nocampo da arquitectura, por vários autores.

De facto, com a criação de uma obra teórico-práticapessoal (do opúsculo "A Nossa Casa", de 1918 ao livro"Casas Portuguesas" de 1933), de grande divulgação em

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Portugal, e que gerou vários seguidores ou continuado-res, o papel de Raul Lino foi relevante e determinante,por muitos anos, em Portugal. Lino, formado naAlemanha e na Inglaterra, abordava a questão das carac-terísticas próprias do habitar em Portugal, sugerindouma inventariação de temas definidores construtivos(caiação, telhados, molduras dos vãos, alpendres, etc) eambientais (escala, proporção, paisagem), e, decorrendodestes, aventava séries tipológicas regionalistas, comdiferentes modelos de habitações para o Norte, Centroe Sul do país.

Esta fase das primeiras décadas dos século XX foiassim determinante na criação de um "lastro" de tipolo-gias arquitectónicas e de modos neo-tradicionalistas deconstruir que serviriam de alimento à ideologia doEstado Novo, o Regime Político da "Nova Ordem",emergente num golpe de Estado em 1926.

Inspirados pela obra de Lino, podem referir-se váriosautores: Luís Cristino da Silva (que virá a ser o professorda escola de arquitectura de Lisboa), sobretudo na suafase inicial, dos projectos de habitações em "tradicionalportuguês", publicadas na revista "Arquitectura" dosanos 1920-30, mas também, posteriormente, tendo Linoinfluenciado toda a sua obra em gosto "PortuguêsSuave", designadamente a Praça do Areeiro e o Pavilhãode Lisboa da Exposição do Mundo Português, dos anosde 1940-50; Edmundo Tavares (autor de um catálogo decasas portuguesas - "A Habitação Portuguesa/CasasModernas", ed. autor, 2a., 1951, com inúmeras moradiasedificadas em Lisboa e no Funchal); e Luís Benavente(que trabalhou nos Monumentos Nacionais, onde defen-deu uma estética tradicionalista em diversos equipamen-tos e edificações, nomeadamente a Escola Primária deSão José e o Bairro Social da Madre de Deus, em Lisboa).

Nas Escolas de Belas Artes de Lisboa e do Porto, otipo de ensino era então, tanto pela formação dos pro-fessores como pelo tradicionalismo que continuava a ser

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apanágio da nossa pedagogia, de pendor profundamen-te académico, ao modo do do século que findara.

Em Lisboa, e tendo sido professor da Academia deBelas Artes - onde substituíra José António Gaspar em1881 na cadeira de Arquitectura Civil - o tipo de ensinoque mestre José Luís Monteiro (director da EBAL entre1912 e 1929, quando se reformou) oferecia transitounaturalmente, com escassa inovação, para a Escola:Os testemunhos dos seus antigos alunos permitem-nos reconstituiralguns aspectos do ensino ministrado na cadeira de ArquitecturaCivil. Tratava-se de uma cadeira de carácter eminentemente práti-co, pelo que raramente Monteiro dissertava sobre qualquer assun-to. Se por um lado, o estudo e a reprodução das diferentes Ordensda Antiguidade Clássica, constituíam uma primeira e importantefase de aprendizagem obrigatória, por outro, o fundamental residiana resolução que era pedida aos alunos, de programas de arquitec-tura mais ou menos complexos que o Mestre bem de perto acom-panhava. (...) Na realidade, Mestre Monteiro não parece terdemonstrado uma grande abertura em relação a alguns movimen-tos da arquitectura portuguesa, nomeadamente à fase última dosecletismos exagerados e logo, seguindo-se-lhe, ao novo movimentomoderno que se avizinhava.

Se alguma crítica se lhe pode formular sobre este aspecto, elaresume-se à tentativa de manter vivos por várias décadas, os con-ceitos, que no tempo da sua Beaux-Arts em Paris, se encontravamjá inegavelmente em crise. (in José Luís Monteiro, pág.72).

Na fase seguinte à da primeira reforma da EBAL,que podemos delimitar entre 1931 e 1957, afirma-se oprofessorado de Luís Cristino da Silva (que, depois devencer - por alegada "experiência com o clássico" - oconcurso com Carlos Ramos, Cassiano Branco e PaulinoMontez, tomou posse em 6/1/1934). Serão as décadas"duras" de 1930-1940 e parte da de 1950: em vez deintroduzir, gradual ou bruscamente, novos métodos elinguagens, a escola vai "fechar-se" ainda mais num ensi-no tradicionalista, de pendor repressivo, e assente nanorma clássica e académica.

O testemunho de Nuno Teotónio Pereira, quecursou arquitectura em Lisboa entre 1939 e 1945, é bas-tante claro sobre este ambiente e tipo de ensino:Mestre Cristino, como era então tratado pelos alunos, marcou coma sua forte personalidade sucessivas gerações de arquitectos. Alto,impulsivo, voluntarioso, a sua passagem pelos estiradores no velhoConvento de São Francisco constituía o momento crucial em que o'partido' adoptado por cada um dos estudantes podia ser paternal-mente acalentado ou chumbado sem remissão.(...) Fortementeinfluenciado pelas Beaux Arts da Escola de Paris (...) o seu sen-tido da arquitectura era indissociável da chamada "grande compo-sição". Por isso ignorava os pequenos programas de uma estação decorreios ou de habitação, da escola de bairro ou da intervençãourbana de escala mais modesta. Isso, para Cristino, não chegavapara fazer arquitectura. Os trabalhos escolares de que me lembroforam o arranjo monumental do grande espaço ajardinado à ilhar-ga do palácio de São Bento - cujo projecto é da sua autoria - e umgigantesco observatório astronómico no cume da serra da Estrela.A grande dimensão dos programas apelava à monumentalidade eà grandiloquência, atributos que Mestre Cristino consideravaserem o apanágio da verdadeira arquitectura. Adequação às neces-sidades, aspectos de funcionalidade ou conforto, concepção dos espa-ços interiores, técnicas de construção - tudo isto ficava de fora ou eravisto de raspão. Por isso ficávamos com a sensação de que a arqui-tectura se resumia ao jogo de volumes e à composição das fachadas.A arquitectura exigia rasgo e este só se podia revelar com a gran-de escala. (in Cristino da Silva Arquitecto, pág.139)

É neste quadro desmoralizador que, mesmo assim,os alunos mais conscientes tentavam singrar, como sedepreende deste testemunho de Nuno Teotónio Pereira:Foi neste contexto que o curso de que fiz parte, entre o início da IIGuerra Mundial, em 1939, e o imediato pós-guerra, procurouabrir caminho para a modernidade, rompendo as trevas à suavolta. Manuel Taínha, Coutinho Raposo, Victor Palla, CarlosManuel Ramos, Costa Martins, Blasco Gonçalves, Alzina deMeneses, Garizo do Carmo e mais alguns outros, dispúnhamos depoucos instrumentos para suportar os nossos anseios e argumentar

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de 1930, onde as tensões entre atitudes arquitectónicasinovadoras conflituaram com atitudes de sinal reaccionário.

O caso do Estádio Nacional, no Jamor (arredores deLisboa), erigido entre 1938 e 1944, foi exemplar: obra degrande efeito cénico, geradora do maior parque despor-tivo do País, foi pensada por autores como JorgeSegurado em vastos recintos de axiologias monumentais,implantadas no meio do vale; mas acabou por ser edifi-cada uma obra de concepção muito mais moderna, con-cebida pelo arquitecto paisagista Caldeira Cabral, inte-grada elegantemente na encosta (e não a meio do vale),ao modo dos anfiteatros da Antiga Grécia. Cabral eraum técnico agrónomo que tinha uma formação muitomais actualizada, levada a cabo no âmbito da EscolaPaisagista Alemã (curiosamente na época nazi).

Os episódios dos sucessivos Concursos para oMonumento aos Descobrimentos Portugueses, a erigirem Sagres (nunca executado), foram outras situaçõesonde pesou a decisão autocrática (o Ditador Salazar anu-lou sucessivamente os 3 concursos realizados, em 1933-35, 1936-38 e 1954-57) sobre os projectos, inovadores ede expressão modernista, e por isso contrários à nascen-te estética oficial, adepta do gosto neo-tradicional.

com o Mestre [Cristino da Silva]. Por causa da guerra, as revis-tas de arquitectura escasseavam. (in Cristino da Silva Arquitecto,pág. 139). Na verdade, a geração moderna de Lisboa tevede afirmar-se fora e/ou contra a Escola, ao contrário doque sucedeu no Porto, como se verá.

Na Escola de Belas Artes do Porto, embora comconstrangimentos diversos, o professorado de CarlosRamos na mesma época foi mais aberto e democratiza-do, e portanto haveria de provocar efeitos mais positivose contemporâneos. Mas muitos os arquitectos formadosem Lisboa, sujeitos a este tipo de ensino fechado e obs-curantista, praticando e projectando nestas décadas de1930 e 1940, seriam claramente e em muitos casos, adep-tos de uma arquitectura neo-tradicional, ou neo-clássica,servindo desse modo os ideários da propaganda e daideologia conservadora do Estado Novo - nomeada-mente na chamada "Política de Obras Públicas" oficial.

Os Conflitos: do entusiasmo modernista à prática estatal monumentalistaAs grandes obras públicas do Salazarismo do EstadoNovo, afirmativo sobretudo entre 1930 e 1940, constitu-íram por vezes, exemplarmente, o centro dos debates edas questões entre modernidade e tradicionalismo. Umgrande estádio desportivo (Jamor), um grandeMonumento Nacional (Sagres) e os Pavilhões deExposições Internacionais constituem três casos para-digmáticos.

Depois de uma dinâmica modernista de influênciainternacional, que despontou em Portugal na transiçãode 1929-1930 (e que o Regime de Salazar, ainda à procu-ra de si próprio, começou por aceitar nas primeirasobras, como no Liceu de Beja, muito Bauhausiano, iro-nicamente projectado por Cristino da Silva, que seriadepois o campeão da arquitectura tradicionalista), houveuma fase, que se prolongou por toda a restante década

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Outros casos exprimem nesta época as mesmas con-tradições entre o apelo da obra segundo a arquitecturamoderna do Racionalismo, do Funcionalismo ou mesmodo Organicismo, e a tentação passadista-clássico-barro-ca ou regionalista-folclórica: foi o que sucedeu com ospavilhões representando Portugal em exposições inter-nacionais (tradicionalistas em Sevilha, 1929, e em Paris,1931, mas inovadores e modernistas em Paris, 1937, ou,de certo modo, em Nova Iorque, 1939.

Com a grandiosa - mas frustrada, por acontecer emplena guerra mundial - Exposição do Mundo Português,em 1940, o Estado Novo definiu de modo categórico asua opção tradicionalista, regionalista e passadista nocampo da arquitectura. De facto, para ela elaboraramquase todos os arquitectos do seu tempo uma vasta eprofusa série de modelos, os quais vieram a servir depadrão pelos 20 anos seguintes para tipologias de equi-pamentos, habitações e infra-estruturas.

Os Contextos: da relação dos arquitectos com oambiente internacionalMas esta gesta nacional, patente no conflito e na contra-dição entre moderno e anti-moderno (sancionado estegradualmente como estética oficial do Estado), não foiexclusivo de Portugal: as grandes obras públicas dosregimes europeus de pendor autoritário (em Espanha,Itália, Alemanha, União Soviética), e mesmo as modasarquitectónicas em países democráticos (equipamentosem França, Holanda, Inglaterra) exprimiram ao longodos anos de 1930 uma tendência comum, de valorizaçãodas expressões regionalistas, classicizantes, monumentais.

A circulação internacional dos arquitectos nestemesmo período também reflecte e indicia as mesmastendências de duplo e contrário sinal: dos portugueses,Carlos Ramos, viajando pela Europa, divulgava as publi-cações internacionais mais modernas do tempo, paísadentro; Keil Amaral, absorveu e divulgou em obrasconstruídas e em livro, a lição cívica e democrática dasnovas cidades holandesas, e da sua arquitectura moder-na, quando preparou o Pavilhão de Portugal na Expo de1937; e Caldeira Cabral, formado pela escola doPaisagismo Moderno, na Alemanha, soube introduzircomo vimos essa nova linguagem e entendimento dosespaços em Portugal. O nosso país foi assim, pela mãode alguns dos seus arquitectos mais abertos e viajados,um participante atento do dramático processo históricoeuropeu contemporâneo.

Mas por outro lado, autores da Itália Fascista e daAlemanha Nazi eram, na mesma fase histórica, convida-dos pelo Estado Novo a exercer a sua acção e concepçõ-es no espaço urbano e na arquitectura nacionais: exem-plificando, foi o caso de Marcello Piacentini (seguido deG. Muzio), que, convidado pelo Ministro das ObrasPúblicas, Duarte Pacheco, pôde projectar planos para asegunda cidade portuguesa, o Porto, e de HermanDiestel, da Berlim hitleriana, que construiu nada menosque os dois gigantescos hospitais Centrais de Lisboa ePorto (S. Maria, 1951 e São João, 1958)

No momento mais crucial desta fase, em 1941, foiAlbert Speer que visitou pessoalmente Lisboa, ondeapresentou (tendo como entusiástico cicerone Cristinoda Silva) a exposição "Neue Deutsche Baukunst", pan-

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fletária do opus Nazi - e que, ironia das ironias, foi tra-duzida como "Moderna Arquitectura Alemã" !

Em síntese final, podemos afirmar que a situação eevolução da cultura arquitectónica em Portugal, nasdécadas de 1930-40, sofreu claramente as influênciasinternacionais do seu tempo, existindo um debate e umatensão constante entre tendências modernas e anti-modernas. Portugal, governado por uma autocracia poli-ticamente conotada e simpatizante com o "Eixo", soubeporém manter uma neutralidade politica, e uma duplici-dade de acções na esfera cultural e urbana, que permitiua sobrevivência das tendências conservadoras por mui-tos anos depois do final da II Guerra Mundial - massempre, sempre, em conflito com a procura, e com a"luta", por muitos autores mais lúcidos e abertos, pelaArquitectura Moderna.

Bibliografia

Fernandes, José Manuel, Arquitectura Modernista em Portugal 1890-1940, Lisboa: Gradiva,1993 (2a. edição em preparação, 2005)Fernandes, José Manuel, Arquitecturas do Estado Novo / Português Suave, Lisboa: InstitutoPortuguês do Património Arquitectónico, 2003.Fernandes, José Manuel, Arquitectura / Belas Artes, escrito para História da Universidade emPortugal 1910-1974, inédito, 2004.Cordeiro G. Ferreira, Fátima (coordenação), José Luís Monteiro na Arquitectura da Transição doSéculo, Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1990. Fernandes, José Manuel (coordenação), Luís Cristino da Silva Arquitecto, Lisboa: FundaçãoCalouste Gulbenkian, 1998, catalogo de exposição.