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Revista Paradigma JUSTIÇA AMBIENTAL NA ERA DO HIPERCONSUMO: UM DESAFIO PARA O ESTADO SOCIOAMBIENTAL DE DIREITO ENVIRONMENTAL JUSTICE IN THE AGE OF HYPERCONSUMPTION: A CHALLENGE FOR THE STATE ENVIRONMENTAL LAW Rogério Santos Rammê 1 RESUMO: O atual estágio do capitalismo inaugura um processo de consumo contínuo de fluxo estendido, ininterrupto. Tudo é potencializado nessa fase: a produção, a publicidade, os sonhos, as sensações, os desejos, bem como o descarte, o desapego, o lixo e a poluição. Na era do hiperconsumo, o mercado é soberano, já que influencia diretamente o contexto social por meio do poder da exclusão. A desigualdade social acaba expondo a sociedade também de forma desigual aos riscos da poluição e degradação ambiental. A justiça ambiental se apresenta como uma proposta de retomada de princípios éticos de justiça social e de equidade ambiental na era do hiperconsumo. Um novo direito, socioambiental, surge como alternativa de rompimento com a soberania do mercado de consumo. O papel transformador do direito socioambiental reside na sua potencialidade de edificar uma nova concepção de Estado de direito, socialmente justo e movido por um ideário de desenvolvimento sustentável que contemple em igual proporção os aspectos econômico, social e ambiental. Um Estado de direito que tenha como imperativo ético a justiça ambiental e que possa, enfim ser adjetivado de Estado de Justiça Ambiental. PALAVRAS-CHAVE: Sociedade de hiperconsumo. Desiguladades socioambientais. Estado de Justiça Ambiental. ABSTRACT: The current state of capitalism introduces a process of continuous consumption flow extended, uninterrupted. Everything is enhanced in this phase: the production, advertising, dreams, feelings, desires, and disposal, detachment, waste and pollution. In the era of hyperconsumption, the market sovereign, since it directly influences the social context through the power of exclusion. The social inequality ends up exposing the society also unevenly to the risks of pollution and environmental degradation. Environmental justice is presented as a proposal for resumption of ethical principles of social justice and environmental equity in the era of hyperconsumption. A new law, social- environmental, providing an alternative to break with the sovereignty of the consumer market. The changing role of the social-environmental law is tied to its potential to build a new design rule of law, socially just and driven by an ideology of sustainable development 1 Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul UCS. Bolsista CAPES.

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    JUSTIA AMBIENTAL NA ERA DO HIPERCONSUMO: UM DESAFIO PARA O

    ESTADO SOCIOAMBIENTAL DE DIREITO

    ENVIRONMENTAL JUSTICE IN THE AGE OF HYPERCONSUMPTION: A

    CHALLENGE FOR THE STATE ENVIRONMENTAL LAW

    Rogrio Santos Ramm1

    RESUMO: O atual estgio do capitalismo inaugura um processo de consumo contnuo de

    fluxo estendido, ininterrupto. Tudo potencializado nessa fase: a produo, a publicidade, os sonhos, as sensaes, os desejos, bem como o descarte, o desapego, o lixo e a poluio.

    Na era do hiperconsumo, o mercado soberano, j que influencia diretamente o contexto

    social por meio do poder da excluso. A desigualdade social acaba expondo a sociedade

    tambm de forma desigual aos riscos da poluio e degradao ambiental. A justia

    ambiental se apresenta como uma proposta de retomada de princpios ticos de justia

    social e de equidade ambiental na era do hiperconsumo. Um novo direito, socioambiental,

    surge como alternativa de rompimento com a soberania do mercado de consumo. O papel

    transformador do direito socioambiental reside na sua potencialidade de edificar uma nova

    concepo de Estado de direito, socialmente justo e movido por um iderio de

    desenvolvimento sustentvel que contemple em igual proporo os aspectos econmico,

    social e ambiental. Um Estado de direito que tenha como imperativo tico a justia ambiental e que possa, enfim ser adjetivado de Estado de Justia Ambiental.

    PALAVRAS-CHAVE: Sociedade de hiperconsumo. Desiguladades socioambientais.

    Estado de Justia Ambiental.

    ABSTRACT: The current state of capitalism introduces a process of continuous

    consumption flow extended, uninterrupted. Everything is enhanced in this phase: the

    production, advertising, dreams, feelings, desires, and disposal, detachment, waste and

    pollution. In the era of hyperconsumption, the market sovereign, since it directly influences

    the social context through the power of exclusion. The social inequality ends up exposing

    the society also unevenly to the risks of pollution and environmental degradation.

    Environmental justice is presented as a proposal for resumption of ethical principles of social justice and environmental equity in the era of hyperconsumption. A new law, social-

    environmental, providing an alternative to break with the sovereignty of the consumer

    market. The changing role of the social-environmental law is tied to its potential to build a

    new design rule of law, socially just and driven by an ideology of sustainable development

    1 Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul UCS. Bolsista CAPES.

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    that addresses a similar proportion of the economic, social and environmental. A rule of law

    which has the ethical imperative of environmental justice and that may ultimately be an

    adjective of State for Environmental Justice.

    KEYWORDS: Society hyperconsumption. Social and environmental inequalities. State of

    Environmental Justice.

    SUMRIO: 1. Introduo; 2. A sociedade de hiperconsumo; 3. Injustia ambiental: a face

    oculta do hiperconsumo; 4. O movimento por justia ambiental; 5. Efetivar a justia

    ambiental na sociedade de hiperconsumo: um desafio ao direito socioambiental; 6.

    Consideraes finais; 7. Referncias bibliogrficas

    1. INTRODUO

    A sociedade contempornea baseia-se em um modelo de desenvolvimento econmico que prima pela explorao dos recursos naturais. Tal modelo de

    desenvolvimento tem se mostrado gerador de comportamentos humanos predatrios,

    descompromissados com o futuro e criadores de situaes de risco. Os recursos naturais,

    base da explorao econmica atual, so utilizados do modo irracional, sem prudncia e

    sem considerao de seu valor intrnseco.

    O estilo de vida e a organizao social que emergiu na Europa a partir do

    sculo XVII e que se difundiu em termos mundiais, traduzem o conceito de modernidade.

    Na modernidade, o ritmo das mudanas sociais passou a ser extremo. Contudo, como bem

    ressalta Anthony Giddens, ao mesmo tempo em que as instituies sociais modernas

    oportunizaram que populaes humanas desfrutassem de uma vida com maior conforto,

    tambm geraram muitos efeitos indesejveis, tais como: submisso dos homens disciplina

    de um trabalho maante e repetitivo; potencial destrutivo de larga escala em relao ao meio ambiente; uso arbitrrio do poder poltico (totalitarismos); e a industrializao da

    guerra. Em outras palavras: um mundo carregado e perigoso.2

    Recentemente, discute-se estar a humanidade rumando para um perodo ps-

    moderno, ou seja, saindo de um modelo de organizao social moderno, rumo a um novo e

    diferente modelo de ordem social.

    Embora seja discutvel a idia do estabelecimento definitivo de um modelo

    de organizao social ps-moderno, sobretudo se considerado o fato de que boa parte da

    humanidade ainda vive alijada e excluda dos avanos da modernidade, pode-se afirmar,

    com certeza, que a crise ecolgica contempornea reflete o esgotamento dos valores da

    modernidade; o esgotamento do modelo de desenvolvimento econmico da modernidade; e,

    sobretudo, expe a necessidade do surgimento de um novo modelo de organizao social, ou como sustenta David Lyon, um novo estgio do capitalismo.3

    Tal constatao se torna evidente quando analisada a evoluo histrica do

    capitalismo de consumo, surgido a partir da modernidade.

    Obviamente que fenmeno do consumo no surgiu com o capitalismo. Sua

    origem, como bem destaca Zygmunt Bauman,4 tem razes to antigas que remontam

    2GIDDENS, Anthony. As consequncias da modernidade. Traduo de Raul Fiker. So Paulo: UNESP, 1991, p. 16-19. 3 LYON, David. Ps-modernidade. Traduo de Euclides Luiz Calloni. So Paulo: Paulus, 1998, p. 17. 4BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformao das pessoas em mercadorias. Traduo de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

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    prpria existncia dos seres humanos. Ademais, cada perodo especfico da histria da

    humanidade apresenta padres tpicos de consumo, os quais sofrem modificaes na

    medida em que alterado o contexto econmico-social. Novos padres ou modalidades de

    consumo, sempre se apresentam como verses levemente modificadas das verses anteriores, sendo, portanto, a continuidade a regra principal.5

    Nesse contexto, o presente estudo objetiva, de incio, analisar o fenmeno do

    capitalismo de consumo ou como define Bauman o fenmeno da revoluo consumista, perodo no qual o consumo atinge nveis e nunca antes imaginados na histria da

    humanidade, a ponto de ser confundido como o verdadeiro propsito da existncia humana.6

    Na esteira, o objetivo da presente anlise se volta s consequncias

    socioambientais do atual estgio capitalismo de consumo, sobretudo no tocante

    distribuio social dos nus ambientais advindos da lgica econmica reinante.

    Por fim, o presente estudo se prope a analisar o papel do direito na

    reconstruo tica de um Estado de direito que seja capaz de regular os desequilbrios e injustias socioambientais numa era comandada pela lgica do mercado de consumo.

    2. A SOCIEDADE DE HIPERCONSUMO

    Gilles Lipovestky sustenta a existncia de trs eras do capitalismo de

    consumo.7 A primeira iniciada por volta dos anos 1880 e encerrada com a Segunda Guerra

    Mundial. Nesta fase, os pequenos mercados locais so substitudos por grandes mercados

    nacionais, tambm chamados de mercados de massa. Tal fenmeno decorreu da

    modificao havida nas infra-estruturas de transporte, comunicao, bem como no

    maquinrio industrial utilizado pelos sistemas de produo. Como consequncia, houve um

    aumento brusco em termos de regularidade, volume e velocidade dos transportes, tanto de

    matria prima para as fbricas, quanto das mercadorias para as grandes cidades. O escoamento macio da produo se tornou vivel, acompanhado que foi pelo crescente

    aumento da produo em razo do surgimento de mquinas de produo contnua. Iniciava-

    se a a primeira era do capitalismo de consumo de massa.8

    Lipovstsky destaca que nesta primeira fase do capitalismo de consumo a

    produo em larga escala, acompanhada do surgimento do consumo de massa, ps em

    marcha um processo de democratizao do desejo. Os mercados de massa e os grandes magazines revolucionaram a relao das pessoas com o consumo, passando a estimular,

    com o auxlio de tcnicas de marketing, a necessidade e o desejo de consumir, a

    desculpabilizao do ato de compra e o gosto pelas novidades. O consumo, ao final desta

    primeira fase, passou a ser sinnimo de felicidade moderna.9

    Outro trao caracterstico dessa primeira fase do capitalismo de consumo, segundo Bauman, o desejo de segurana.10 Toda produo objetivava suprir o desejo

    humano de um ambiente confivel, ordenado, duradouro, resistente ao tempo e seguro. O

    consumo ostensivo dessa fase era distinto do atual, porquanto, ao fim e ao cabo, o que se

    5 Ibid., p. 37. 6 Ibid., p. 38. 7 LIPOVESTKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. Traduo de Maria Lucia Machado. So Paulo: Companhia da Letras, 2010. 8 Ibid., p. 26-27. 9 Ibid., p. 31. 10BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformao das pessoas em mercadorias. Traduo de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 42.

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    pretendia era ostentar publicamente riqueza e status social. Tal sentimento refletia na

    produo de produtos mais durveis, slidos e resistentes. Segundo Bauman, os produtos

    eram to duradouros quanto se desejava e esperava fosse a posio social, herdada ou adquirida, que representavam.11

    A segunda era do capitalismo de consumo descrita por Lipovestky como a

    era do surgimento da sociedade de consumo de massa, consolidada ao longo das trs dcadas do ps-guerra. Se na primeira fase ocorreu o fenmeno da democratizao e da

    seduo pela aquisio de produtos durveis, a fase seguinte colocou-os disposio de

    todos, ou de quase todos, em decorrncia do excepcional crescimento econmico, elevao

    do nvel de produtividade de trabalho e pela extenso da regulao fordista da economia,

    que multiplicou por trs ou quatro o poder de compra dos salrios poca.12

    Nessa fase, a abundncia um trao caracterstico. Lipovestki destaca que

    essa fase marcada pela lgica da quantidade. nessa fase tambm que comeam a se

    esvair as antigas resistncias culturais s frivolidades de uma vida mercantilizada. Os

    desejos passam a impregnar o imaginrio dos indivduos, nas mais diversas direes. A publicidade passa a entrar em cena com fora total, conquistando a cada dia novos espaos

    cultivadores de desejos e sonhos de felicidade. Tambm nessa fase que surgem as

    polticas de diversificao de produtos e de reduo do tempo de vida das mercadorias

    produzidas, gerando um aumento na gerao de lixo, como decorrncia do descarte de

    produtos menos durveis.13

    Essa segunda etapa do capitalismo de consumo se encerra no final dos anos

    1970, momento em que se inicia o terceiro ato do capitalismo de consumo das sociedades

    desenvolvidas. Entra em cena a era do hiperconsumo, definida por Lipovestky como aquela

    na qual os consumidores se tornam imprevisveis e volteis, movidos por motivaes

    privadas que superam finalidades distintivas. Nessa fase, o consumo ordena-se cada dia um pouco mais em funo de fins, gostos e de critrios individuais.14 Embora as satisfaes sociais no desapaream em sua totalidade, a busca pela felicidade privada a motivao principal. A curiosidade torna-se uma paixo de massa, movida pelos apetites

    experimentais dos sujeitos. O hiperconsumidor no anseia mais em ostentar um signo

    exterior de riqueza e sucesso, mas sim revelar-se como indivduo singular por meio dos

    bens que consome.15

    Segundo Lipovestky, a era do hiperconsumo revela uma nova relao

    emocional dos indivduos com as mercadorias. Nas palavras do pensador francs, na fase

    do hiperconsumo o ato de consumir

    [...] no pode ser considerado exclusivamente como uma

    manifestao indireta do desejo ou como um derivativo: se ele

    uma forma de consolo, funciona tambm como um agente de experincias emocionais que valem por si mesmas.16

    Nessa fase, experincias e sensaes que so vendidas ao hiperconsumidor.

    Mudar de ares, rejuvenescer, renovar prazeres, andar na moda, renovar experincias

    11 Ibid., p. 44. 12 LIPOVESTKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. Traduo de Maria Lucia Machado. So Paulo: Companhia da Letras, 2010, p. 32. 13 Ibid., p. 33-34. 14 Ibid., p. 41. 15 Ibid., p. 44-45. 16 Ibid., p. 46

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    sensitivas, estticas, sexuais, comunicacionais e ldicas, no se deixar dominar pela rotina e

    pelo comum dos dias, aproveitar a vida e o conforto das novidades mercantis, enfim, gozar

    da felicidade aqui e agora, alimentado pelo sonho de uma juventude eterna o que comanda as prticas do hiperconsumidor.

    A sociedade de hiperconsumo pe em curso um processo de consumo

    contnuo de fluxo estendido, ininterrupto. Tudo potencializado nessa fase: a produo, a

    publicidade, os sonhos, as sensaes, os desejos, bem como o descarte, o desapego, o lixo e

    a poluio.

    A cultura do hiperconsumo atinge at mesmo classes perifricas e

    empobrecidas. Segundo Bauman, atualmente os pobres gastam o pouco dinheiro que

    possuem com objetos de consumo que no atendem diretamente suas necessidades bsicas,

    to somente com o intuito de evitar uma ainda maior humilhao social.17 Isso porque na

    era do hiperconsumidor, todos aqueles que no dispem de condies de se inserirem no

    mercado de consumo passam a ser considerados como fracassados, como subclasse,

    excludos sociais enquadrados nas estatsticas como pessoas abaixo da linha de pobreza.18 Portanto, nesta fase, o mercado de bens de consumo passa a ser soberano, j

    que influencia diretamente o contexto social por meio do poder da excluso. Em

    contrapartida, o poder poltico que deveria reagir a isso v gradativamente seu poder de agir

    e apitar as regras do jogo, fluir cada vez mais em direo do mercado.19 Quais as consequncias disso no cenrio socioambiental? Desvend-las o objetivo que o presente

    estudo se prope a seguir.

    3. INJUSTIA AMBIENTAL: A FACE OCULTA DO HIPERCONSUMO

    Henri Acselrad, Cecilia Campello do Amaral Mello e Gustavo das Neves

    Bezerra, em recente obra,20 abordam um fato real ocorrido h menos de duas dcadas, que

    ilustra bem a face oculta da sociedade de hiperconsumo na qual o mecado detm o poder soberano da exluso social. Em 1991, um memorando de circulao restrita aos quadros do

    Banco Mundial, que ficou conhecido por Memorando Summers, teve seu contedo

    divulgado externamente, causando constrangimento e uma repercusso deveras negativa

    para a instituio. No referido memorando, Lawrence Summers, economista chefe do

    Banco Mundial poca, apontou trs razes para que os pases pobres fossem o destino dos

    plos industriais de maior impacto ao meio ambiente. A primeira delas: o meio ambiente

    seria uma preocupao esttica, tpica dos pases ricos; a segunda: os indivduos mais pobres, na maioria das vezes, no vivem tempo suficiente para sofrer os efeitos da poluio

    ambiental; e a terceira: pela lgica econmica de mercado, as mortes em pases pobres tm

    um custo mais baixo do que nos pases ricos, pois seus moradores recebem menores

    salrios. Tais fatos caracterizam cenrios de injustia ambiental, aqui considerada

    como a ausncia de equidade na distribuio das externalidades negativas decorrentes do

    processo produtivo que abastece a sociedade de hiperconsumo. As populaes mais

    vulnerveis, que menos se beneficiam dos frutos do modelo desenvolvimentista hodierno,

    menos consomem e menos geram lixo, so as que mais diretamente suportam as

    17BAUMANN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformao das pessoas em mercadorias. Traduo de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 74. 18 Ibid., p. 85. 19 Ibid., p. 87. 20 ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecilia Campello do Amaral; BEZERRA, Gustavo das Neves. O que Justia Ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009, p. 7-8.

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    externalidades negativas do processo produtivo. A lgica econmica dominante ignora por

    completo a ideia de equidade na repartio de tais externalidades: aquilo que Vandana

    Shiva denomina de apartheid ambiental global. 21

    Na era do hiperconsumo e da soberania do mercado, o sonho da felicidade materializado no ato de consumo acarreta a cada dia mais excluso social. Eis a face oculta

    do hiperconsumo. Para atender o frenesi consumista do hiperconsumidor preciso imprimir

    um ritmo cada vez mais frentico de produo; esse ritmo de hiperproduo atinge o meio

    ambiente, fonte de recursos e matria prima, gerando cenrios de degradao ambiental

    decorrentes de resduos industriais, contaminao txica, lixo em larga escala, poluio do

    ar e das guas; contudo, como as regras do jogo so apitadas pelo mercado, a lgica do

    lucro ilimitado deixa de lado qualquer princpio tico de justia social, trazendo como

    corolrio uma distribuio desigual entre classes sociais dos riscos decorrentes desses

    cenrios de degradao.

    O conceito de injustia ambiental conduz percepo de que a desigualdade

    social acaba expondo a sociedade tambm de forma desigual aos riscos da poluio e degradao ambiental. Em outras palavras: a vulnerabilidade social, econmica e poltica

    das camadas menos favorecidas da populao faz com que sobre elas recaiam, diretamente,

    os riscos e conseqncias do modelo econmico de desenvolvimento reinante na era do

    hiperconsumo.

    Conclui-se, pois, que de fato, como bem destaca Lipovestky, a felicidade

    proporcionada pelo do hiperconsumo paradoxal.22 Trata-se de uma felicidade ilusria,

    momentnea e egosta, porquanto desprovida de princpios ticos de justia social. Talvez

    por isso a felicidade proporcionada pelo hiperconsumo no consiga superar, mesmo queles

    que integram as classes sociais mais abastadas, as frustraes decorrentes de uma existncia

    puramente individualista.23

    4. O MOVIMENTO POR JUSTIA AMBIENTAL

    Na era do hiperconsumo, como reao ao imprio soberano do mercado e

    fragilidade do poder poltico, surge, fruto das lutas de movimentos sociais uma nova

    corrente de pensamento ecolgico, diferente das at ento estabelecidas. Tal afirmao

    encontra sustentao terica em pensadores sociais vinculados economia ecolgica,

    ecologia poltica, antropologia e sociologia ambiental,24 que identificam o surgimento do

    pensamento ecolgico intitulado de ecologismo dos pobres ou movimento por justia

    ambiental.25

    Tal corrente ecolgica de pensamento assinala que o crescimento econmico

    implica maiores impactos ao meio-ambiente, destacando o deslocamento geogrfico das

    fontes de recursos e das reas de descarte dos resduos. Portanto, o eixo principal dessa

    21SHIVA, Vandana. O Mundo no Limite, IN: HUTTON, Will; GIDDENS, Anthony (orgs). No Limite da Racionalidade: convivendo com o capitalismo global. Rio de Janeiro, Record, 2004, p.163-186. 22LIPOVESTKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. Traduo de Maria Lucia Machado. So Paulo: Companhia da Letras, 2010. 23 Ibid., p. 162. 24 Como Joan Martnez Alier, Enrique Leff e Henri Ascelrad, Ceclia Campello do Amaral Mello e Cristiano Luiz Lenzi, dentre outros. 25 ALIER, Joan Martnez. O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de valorao. Traduo de Maurcio Waldman. So Paulo: Contexto, 2007. Ver tambm: ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecilia Campello do Amaral; BEZERRA, Gustavo das Neves. O que Justia Ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.

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    linha de pensamento no est relacionado a uma reverncia sagrada natureza, mas, sim, a

    um interesse pelo meio ambiente como fonte de condio para subsistncia humana. Sua

    tica, como bem destaca Joan Martnez Alier, nasce de uma demanda por justia social.26

    Segundo Ascelrad,27

    o movimento por justia ambiental identifica a ausncia de uma efetiva regulao sobre os grandes agentes econmicos do risco ambiental, situao

    esta que possibilita a eles uma livre procura por comunidades carentes, vtimas

    preferenciais de suas atividades danosas. possvel identificar na obra de Ascelrad sobre

    justia ambiental, pontos de contato direto com a teoria do risco global de Ulrich Beck.

    Assim como Beck, Ascelrad sustenta que os riscos sociais e ambientais transferidos aos

    mais pobres vm adquirindo um perfil cada vez mais globalizado, tal como a

    universalizao das ameaas retratada por Beck na sua viso de sociedade de risco global.28

    De igual modo, ambos compartilham a ideia de que as camadas mais vulnerveis da

    populao so quem mais sofrem em face da injusta distribuio dos riscos.

    Contudo, uma questo central separa os adeptos da teoria da sociedade de

    risco de Beck dos adeptos do movimento por justia ambiental: enquanto a crtica de Beck dirigida exclusivamente racionalidade tcnico-cientfica, o movimento por justia

    ambiental direciona sua crtica ao poder institucional do capital, ou seja, soberania do

    mercado no contexto das relaes socioambientais. Enquanto Beck considera que o

    problema est no pensamento cientfico, o movimento por justia ambiental concentra seu

    foco na prtica das corporaes que integram o mercado.29

    De igual modo o movimento por justia ambiental se contrape a corrente de

    pensamento ligada ideia da modernizao ecolgica, segundo a qual a ecologizao do

    crescimento econmico o objetivo a ser alcanado.

    A modernizao ecolgica, como bem destaca o socilogo Cristiano Lenzi,

    baseia-se na lgica da substituio de tecnologias curativas por tecnologias preventivas.30 Entretanto, tal lgica, por si s, no tem se mostrado eficiente, afinal desconsidera

    totalmente a relao existente entre degradao ambiental e injustia social, esquecendo que o enfrentamento dos problemas ambientais deve no apenas primar por ganhos de

    eficincia de mercado, mas tambm por ganhos de democratizao.31 Nesse sentido, merece destaque a lio de Ascelrad:

    [...] nem os defensores da modernizao ecolgica, nem os

    teoricos da Sociedade de Risco incorporam analiticamente a

    diversidade social na construo do risco e a presena de uma

    lgica poltica a orientar a distribuio desigual dos danos

    ambientais. 32

    26ALIER, Joan Martnez. O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de valorao. Traduo de Maurcio Waldman. So Paulo: Contexto, 2007, p. 34. 27ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecilia Campello do Amaral; BEZERRA, Gustavo das Neves. O que Justia Ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009, p. 30. 28 Ibid., p. 36. 29ACSELRAD, Henri. Justia Ambiental e Construo Social do Risco. Disponvel em: .

    Acesso em: 03 jan 2011. 30 LENZI, Cristiano Luis. Sociologia Ambiental: risco e sustentabilidade na modernidade. Bauru, SP: Edusc, 2006, p. 71. 31 ACSELRAD, Henri. Novas articulaes em prol da justia ambiental. Revista Democracia Viva, n 27, Jun/Jul 2005. 32Id. Justia Ambiental e Construo Social do Risco. Disponvel em:

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    A expresso justia ambiental, portanto, congrega um conjunto de princpios

    ticos que se destinam influenciar uma nova racionalidade socioambiental no atual estgio

    do capitalismo de consumo. Selene Herculano define a expresso como uma espacializao da justia distributiva, porquanto se relaciona diretamente com uma proposta de justia na distribuio do meio ambiente ecologicamente equilibrado a todos os

    seres humanos. Segundo Herculano, a justia ambiental visa evitar, seja por questes

    tnicas, raciais ou de classe, que as populaes humanas vulnerveis suportem uma parcela desproporcional das consequncias ambientais negativas de operaes econmicas,

    de polticas e progamas federais, estaduais ou locais, bem como resultantes da ausncia ou

    omisso de tais polticas.33 O movimento por justia ambiental surgiu nos Estados Unidos da Amrica,

    em meados de 1980, como fruto da articulao de movimentos sociais de defesa dos

    direitos de populaes pobres e de etnias discriminadas e vulnerabilizadas, expostas a riscos

    de contaminao txica por habitarem regies prximas aos grandes depsitos de lixo txico e radioativo ou s grandes indstrias com efluentes qumicos.34 Nasceu, pois,

    originalmente atrelado s lutas contra o que se intitulou de racismo ambiental, expresso

    cunhada em virtude da constatao de uma pesquisa realizada por Robert. D. Bullard no

    ano de 1987, a pedido da Comisso de Justia Racial da United Church of Christ, que

    demonstrou que o componente racial era fator determinante nas polticas de distribuio

    espacialmente desigual da poluio e degradao ambiental.35

    Atualmente, o movimento por justia ambiental avanou, focando no apenas

    no racismo a questo da desigualdade ambiental, mas, sobretudo, na questo de classes,

    incorporando em seu discurso expresses como desigualdade social e excluso social.36

    Tecido esse breve panorama, chega-se a concluso de que o movimento por

    justia ambiental se apresenta como uma proposta de retomada de princpios de justia

    social e de equidade ambiental na era do hiperconsumo. uma nova racionalidade que est sendo proposta, que por certo encontrar resistncia, j que no se coaduna com a lgica do

    poder soberano dos mercados de hiperconsumo. Por conseguinte, indaga-se: como romper

    docs/anais/pdf/2002/GT_MA_ST5_Acselrad_texto.pdf>. Acesso em: 03 jan 2011. Ainda segundo Ascelrad: Do lado da modernizao ecolgica - ambientalistas conservadores ou empresrios ambientalizados - nenhuma referncia feita, por exemplo, posibilidade de existir uma articulao

    entre degradao ambiental e injustia social. Nenhuma disposio demosntram tampouco estes atores em aceitar que a crtica ecologista resulte em mudana na distribuio do poder sobre recursos ambientais. Do lado dos tericos da sociedade de risco, por sua vez, nenhuma referncia feita aos distintos modos pelos quais os atores sociais evocam a noo de risco, nem s dinmicas da acumulao que subordinam as escolhas tcnicas, nem tampouco ao trabalho de construo discursiva de que depende a configurao das alianas no mbito das lutas sociais, inclusive na formulao diversificada da prpria crtica ecologista. 33HERCULANO, Selene. Riscos e desigualdade social: a temtica da Justia Ambiental e sua

    construo no Brasil. Disponvel em: . Acesso em: 03 jan 2011. 34 Ibid. 35ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecilia Campello do Amaral; BEZERRA, Gustavo das

    Neves. O que Justia Ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009, p. 19. 36HERCULANO, Selene. Riscos e desigualdade social: a temtica da Justia Ambiental e sua construo no Brasil. Disponvel em: . Acesso em: 03 jan 2011.

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    com a soberania do mercado para alcanar a sonhada justia ambiental no atual estgio do

    capitalismo de consumo? Encontrar uma resposta a tal questo o objetivo que o presente

    estudo se prope a seguir.

    5. EFETIVAR A JUSTIA AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE HIPERCONSUMO:

    UM DESAFIO AO DIREITO SOCIOAMBIENTAL

    A soberania do mercado de bens de consumo, no atual estgio do

    capitalismo, no encontra no poder poltico uma ameaa, porquanto a mesma lgica

    neoliberal que domina a perspectiva econmico-financeira do mercado, tambm conduz o

    poder poltico. Hodiernamente, tanto o poder poltico quanto o mercado se utilizam do

    discurso do desenvolvimento sustentvel como modelo poltico ideal a ser alcanado.

    Entretanto, ao se curvar soberania do mercado o poder poltico permite que a dimenso

    socioambiental presente na concepo original do conceito de desenvolvimento sustentvel

    seja renegada a um plano inferior. Em sua essncia o conceito de desenvolvimento sustentvel, cunhado no ano

    de 1987 pela Comisso Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Naes

    Unidas no Relatrio Brundtland, contempla a moderna concepo de justia ambiental.

    Referido documento, intitulado Nosso Futuro Comum (Our Common Future), ao conceituar

    desenvolvimento sustentvel conjuga desenvolvimento, proteo ambiental e justia social,

    esta ltima compreendida como satisfao das necessidades humanas bsicas:

    O conceito de desenvolvimento sustentvel aquele que

    satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a

    capacidade das geraes futuras de satisfazer suas prprias

    necessidades. Ele contm dois conceitos-chave: o conceito de

    necessidades, sobretudo as necessidades essenciais dos pobres do mundo, que devem recebera mxima prioridade; a noo

    das limitaes que o estgio da tecnologia e da organizao

    social impe ao meio ambiente, impedindo-o de atender as

    necessidades presentes e futuras.37

    Percebe-se que o ncleo essencial do conceito de desenvolvimento

    sustentvel, possui ligao umbilical com a concepo de justia ambiental. Percebe-se

    tambm que as crescentes injustias ambientais da era do capitalismo de hiperconsumo

    demonstram que o poder poltico efetivamente no tem se mostrado capaz de romper com a

    soberania do mercado, porquanto envolvido pela mesma perspectiva neoliberal deste. Da a

    pergunta: a quem ento caberia a misso de resgatar a essncia do conceito de desenvolvimento sustentvel e dar efetividade no cenrio social ao princpio tico da justia

    ambiental?

    A tese que aqui se advoga que essa misso cabe ao direito. Mas a um novo

    direito, socioambiental.

    O direito socioambiental a semente da transformao do cenrio social.

    Embora tal afirmao possa ser contestada por aqueles que entendam que o direito por si s

    no tem se mostrado capaz de romper com a soberania do mercado e enfrentar as crescentes

    injustias socioambientais, no podem ser olvidados os inmeros exemplos, existentes ao

    longo da histria da humanidade, nos quais as lutas e movimentos sociais de libertao e

    37COMISSO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso Futuro Comum. 2 Ed. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1991, p. 46.

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    rompimento com o status quo deram origem ao surgimento de novos direitos que,

    inegavelmente, transformaram as relaes sociais. A evoluo histrica dos direitos

    fundamentais o melhor exemplo.

    Na era do hiperconsumo, constata-se o gradual surgimento de um novo direito, socioambiental, muito influenciado pelo discurso do movimento por justia

    ambiental, que teve a perspiccia de ressaltar uma verdade aparentemente esquecida: no h

    como separar o ambiental do social, tampouco pensar em proteo ambiental efetiva

    enquanto no existir justia social.

    O direito socioambiental prope uma nova forma de interpretar o direito

    fundamental ao ambiente equilibrado. No se trata, portanto, do surgimento de uma nova

    gerao dos direitos fundamentais, mas sim de uma releitura ou reiterpretao necessria de

    um direito fundamental j consagrado, com o intuito de extrair sua mxima potencialidade.

    Ainda, o direito socioambiental possibilita uma viso mais abrangente da complexidade que

    cerca as relaes sociais, econmicas e ambientais da atualidade. Rompe, portanto, com a

    lgica do direito ambiental estanque, narcisista, voltado para si, desenraizado da prtica social dos sujeitos.38

    Com efeito, a partir da constatao de que o social e o ambiental caminham

    juntos, e que a soberania do mercado na era do hiperconsumo fonte de discriminao

    ambiental, notadamente aos pobres, um novo direito, socioambiental, surge com potencial

    transformador.

    O papel transformador do direito socioambiental reside justamente na sua

    potencialidade de edificar uma nova concepo de Estado de direito. Nessa nova

    concepo, como bem destaca Jos Rubens Morato Leite, a democracia ambiental

    contempla o pressuposto bsico da proibio de discriminao ambiental.39

    O exerccio efetivo do direito socioambiental pelos operadores do direito e

    seu reconhecimento pelos Tribunais, restabelecendo a justia e a equidade ambiental,

    mesmo que em casos pontuais, colocar em marcha o surgimento desse novo modelo de Estado de direito. Modelo este, como apregoa Jos Joaquim Gomes Canotilho, que

    transporte nos seus vasos normativos a seiva da justia ambiental.40 O direito socioambiental , portanto, a principal ferramenta que a sociedade

    detm para enfrentar o poder soberano do mercado na era do hiperconsumo. Obviamente

    que existem fortes aliados nessa batalha, tais como a sociologia ambiental, a educao

    ambiental, a economica ecolgica e a ecologia poltica. Contudo, o direito socioambiental

    quem efetivamente pode resgatar a esperana de um Estado de direito que no se curve ao

    mercado, que volte a apitar as regras do jogo e que no compactue com injustias nas suas mais diversas formas. Um Estado de direito socialmente justo e democrtico, movido

    por um iderio de desenvolvimento sustentvel que contemple em igual proporo os

    aspectos econmico, social e ambiental. Um Estado de direito que tenha como imperativo tico a justia ambiental e que possa, enfim ser adjetivado de Estado de Justia

    Ambiental.41

    38DERANI, Cristiani. Direito Ambiental Econmico. So Pauli: Max Limonad, 2008, p. 154. 39 LEITE, Jos Rubens Morato. Sociedade de Risco e Estado. In: CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes; LEITE, Jos Rubens Morato (Orgs). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. Saraiva: 2008, p. 158. 40 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Jurisdicizao da ecologia ou ecologizao do direito. In:

    Revista do Direito Urbanismo e do Ambiente. Coimbra: Almedina, n. 4, dezembro 1995. 41 Exemplo de vanguarda, o consagrado jurista lusitano Jos Joaquim Gomes Canotilho h

    anos defende a concepo de Estado de Justia Ambiental utilizada no presente estudo. A obra de Canotilho, neste particular, referencial terico norteador das concluses aqui

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    6. CONCLUSES ARTICULADAS

    6.1 No atual estgio do capitalismo de hiperconsumo, a busca incessante pela felicidade material no pode retirar da humanidade a capacidade de reflexo. Nenhuma felicidade

    completa quando conquistada custa de sofrimento e injustia social, ou mesmo custa de

    intensa degradao ambiental. No necessrio, tampouco vivel, cogitar de um absoluto

    desapego material da humanidade, ou mesmo de uma desvinculao do ato de consumo da

    ideia de felicidade. Contudo, possvel e necessrio sonhar com o fim da era de

    subservincia do poder poltico estatal lgica econmica do mercado.

    6.2 Embora os pessimistas exaltem que um dos maiores problemas do direito ambiental

    sua falta de efetividade, necessrio reconhecer que o direito do ambiente precisa ser

    reinterpretado para se tornar, de fato, efetivo. lgica econmica neoliberal interessa

    apenas um direito ambiental estanque, de viso estreita, preocupado somente em regular os limites tolerveis de poluio e degradao, bem como as medidas compensatrias a serem

    adotadas em casos pontuais. Esse direito ambiental estanque e narcisista no tem fora nem

    legitimidade para enfrentar e romper com a soberania do mercado na era do hiperconsumo,

    at porque facilmente manipulado e se deixa influenciar pela lgica econmica neoliberal.

    6.3 O direito ambiental precisa transmutar-se em um direito socioambiental, que tenha

    como fio condutor o princpio tico da justia ambiental. A juno estratgica da justia

    social e da proteo ambiental deve, pois, contaminar os vasos normativos do direito

    ambiental. Dessa simbiose entre o social e o ambiental, um novo direito, socioambiental,

    assumir o papel de protagonista na reconstruo do Estado de direito, conduzindo-o

    dimenso de Estado de Justia Ambiental. Da sim se poder sonhar com uma era na qual o

    consumo ser sustentvel, porquanto o prprio desenvolvimento tambm o ser.

    7. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ACSELRAD, Henri. Novas articulaes em prol da justia ambiental. Revista Democracia

    Viva, n 27, Jun/Jul 2005.

    ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecilia Campello do Amaral; BEZERRA, Gustavo das

    Neves. O que Justia Ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.

    ACSELRAD, Henri. Justia Ambiental e Construo Social do Risco. Disponvel em:

    . Acesso em: 03 jan 2011.

    ALIER, Joan Martnez. O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de

    valorao. Traduo de Maurcio Waldman. So Paulo: Contexto, 2007.

    BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformao das pessoas em mercadorias.

    Traduo de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

    tecidas. Nesse sentido, ver: CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Estado de Direito. Cadernos Democrticos da Fundao Mrio Soares. Lisboa: Gradiva, 1999.

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    CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Jurisdicizao da ecologia ou ecologizao do direito.

    In: Revista do Direito Urbanismo e do Ambiente. Coimbra: Almedina, n. 4, dezembro 1995.

    CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Estado de Direito. Cadernos Democrticos da Fundao Mrio Soares. Lisboa: Gradiva, 1999.

    COMISSO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso

    Futuro Comum. 2 Ed. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1991.

    DERANI, Cristiani. Direito Ambiental Econmico. So Pauli: Max Limonad, 2008.

    GIDDENS, Anthony. As consequncias da modernidade. Traduo de Raul Fiker. So

    Paulo: UNESP, 1991.

    HERCULANO, Selene. Riscos e desigualdade social: a temtica da Justia Ambiental e sua construo no Brasil. Disponvel em:

    . Acesso em: 03 jan 2011.

    LENZI, Cristiano Luis. Sociologia Ambiental: risco e sustentabilidade na modernidade.

    Bauru, SP: Edusc, 2006.

    LEITE, Jos Rubens Morato. Sociedade de Risco e Estado. In: CANOTILHO, Jos

    Joaquim Gomes; LEITE, Jos Rubens Morato (Orgs). Direito Constitucional Ambiental

    Brasileiro. Saraiva: 2008.

    LIPOVESTKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. Traduo de Maria Lucia Machado. So Paulo: Companhia da Letras, 2010.

    LYON, David. Ps-modernidade. Traduo de Euclides Luiz Calloni. So Paulo: Paulus,

    1998.

    SHIVA, Vandana. O Mundo no Limite, IN: HUTTON, Will; GIDDENS, Anthony (orgs).

    No Limite da Racionalidade: convivendo com o capitalismo global. Rio de Janeiro: Record,

    2004.