70 NR 29 Como Fonte Geradora de Direitos

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NR-29 ENQUANTO FONTE LEGAL GERADORA DE DIREITO AO ADICIONAL DE PERICULOSIDADE AO TRABALHADOR PORTUÁRIO Leandro de Azevedo Bemvenuti Advogado Trabalhista 1 Publicado na Revista Justiça do Trabalho nº 256, Editora HS, abril/2005, p. 40-44. 1. Considerações Iniciais; 2. Da aplicabilidade da NR-29 aos trabalhadores portuários em operações tanto a bordo como em terra; 3. Da NR-29 enquanto fonte legal geradora de direito ao adicional de periculosidade; 4. Considerações Finais. 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Ferrenha é hoje a discussão instaurada na orla portuária de Rio Grande, no que se refere à aplicabilidade ou não aos trabalhadores portuários do que dispõe a Norma Regulamentadora nº 29, regulamentada pela portaria nº 3.214-78 do Ministério do Trabalho, que aprova as Normas Regulamentadoras - NR - do Capítulo V, Título II, da Consolidação das Leis do Trabalho, relativas à Segurança e Medicina do Trabalho. Dois são os pontos centrais da discussão. O primeiro, que precede ao segundo, refere-se à aplicabilidade ou não da NR-29 como fonte legal e de direito aos trabalhadores portuários. O segundo, diz respeito ao adicional de periculosidade, isto é, se aplicada a NR- 29, esta seria capaz de gerar o direito ao adicional de periculosidade pelo que dispõe, mesmo que tais disposições não estejam enquadradas na NR-16, que originariamente disciplinou as atividades e operações perigosas. 1 Advogado (OAB/RS 59.893), sócio do escritório Lindenmeyer Advocacia & Associados S/C (OAB/RS 819)

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NR-29 ENQUANTO FONTE LEGAL GERADORA DE DIREITO AO ADICIONAL

DE PERICULOSIDADE AO TRABALHADOR PORTUÁRIO

Leandro de Azevedo Bemvenuti

Advogado Trabalhista1

Publicado na Revista Justiça do Trabalho nº 256, Editora HS, abril/2005, p. 40-44.

1. Considerações Iniciais; 2. Da aplicabilidade da NR-29 aos trabalhadores portuários

em operações tanto a bordo como em terra; 3. Da NR-29 enquanto fonte legal geradora

de direito ao adicional de periculosidade; 4. Considerações Finais.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ferrenha é hoje a discussão instaurada na orla portuária de Rio Grande, no que se

refere à aplicabilidade ou não aos trabalhadores portuários do que dispõe a Norma

Regulamentadora nº 29, regulamentada pela portaria nº 3.214-78 do Ministério do Trabalho,

que aprova as Normas Regulamentadoras - NR - do Capítulo V, Título II, da Consolidação

das Leis do Trabalho, relativas à Segurança e Medicina do Trabalho.

Dois são os pontos centrais da discussão. O primeiro, que precede ao segundo,

refere-se à aplicabilidade ou não da NR-29 como fonte legal e de direito aos trabalhadores

portuários. O segundo, diz respeito ao adicional de periculosidade, isto é, se aplicada a NR-

29, esta seria capaz de gerar o direito ao adicional de periculosidade pelo que dispõe, mesmo

que tais disposições não estejam enquadradas na NR-16, que originariamente disciplinou as

atividades e operações perigosas.

1 Advogado (OAB/RS 59.893), sócio do escritório Lindenmeyer Advocacia & Associados S/C (OAB/RS 819)

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1. DA APLICABILIDADE DA NR-29 AOS TRABALHADORES PORTUÁRIOS EM

OPERAÇÕES TANTO A BORDO COMO EM TERRA

A Norma Regulamentadora nº 29 veio ao ordenamento jurídico com o objetivo de

regular a proteção obrigatória contra acidentes e doenças profissionais, facilitar os primeiros

socorros a acidentados e alcançar as melhores condições possíveis de segurança e saúde aos

trabalhadores portuários.

A sua aplicabilidade restou estabelecida no item 29.1.2 da NR-29 que assim tipifica,

in verbis:

29.1.2. Aplicabilidade: As disposições contidas nesta NR aplicam-se aos trabalhadores portuários em operações tanto a bordo como em terra, assim como aos demais trabalhadores que exerçam atividades nos portos organizados e instalações portuárias de uso privativo e retroportuárias, situadas dentro ou fora da área do porto organizado.

A norma é muito clara ao estabelecer que as suas disposições serão aplicadas aos

trabalhadores portuários em operações tanto a bordo como em terra, em portos organizados

e instalações portuárias de uso privativo e retroportuárias, situadas dentro ou fora da área do

porto organizado.

Ressalte-se ainda que, nos termos da NR-1, item 1.1, as Normas Regulamentadoras -

NR, relativas à segurança e medicina do trabalho, são de observância obrigatória pelas

empresas privadas e públicas e pelos órgãos públicos da administração direta e indireta, bem

como pelos órgãos dos poderes legislativo e judiciário, que possuam empregados regidos

pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.

Portanto, não restam dúvidas de que a NR-29 deve ser aplicada às relações de

trabalho e emprego em que estão inseridos os trabalhadores portuários do Porto de Rio

Grande ou de qualquer outro porto de nosso país, sendo de observância obrigatória a sua

aplicação, sobretudo quando realizadas periciais técnicas ou médicas por determinação

judicial em face de ação judicial movimentada por trabalhador portuário celetista.

2 – DA NR-29 ENQUANTO FONTE LEGAL GERADORA DE DIREITO AO

ADICIONAL DE PERICULOSIDADE

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O segundo ponto de discórdia entre advogados, peritos e juízes trabalhistas a respeito

da matéria, cinge-se a pergunta: Está a NR-29 apta a garantir ao trabalhador portuário a

percepção de adicional de periculosidade, quando os agentes perigosos somente estiverem

nela previstos, isto é, não tenham previsão legal na NR-16?

Antes de respondermos este questionamento, é preciso verificar no ordenamento

jurídico trabalhista qual é a norma legal que garante o direito do trabalhador ao recebimento

do adicional de periculosidade.

A Constituição Federal de 1988 (art. 7º, inciso XXIII) elevou a status constitucional

o direito do trabalhador a percepção de um adicional de remuneração pelo labor em

atividades penosas, insalubres ou periculosas. Contudo, e por ser esta norma constitucional

de eficácia limitada, tem-se entendido que esta apresenta aplicabilidade indireta mediata e

reduzida, somente estando apta a produzir efeitos após regulamentação que lhe desenvolva a

aplicabilidade.

Esta regulamentação no caso específico do adicional de periculosidade já estava em

vigor a época da promulgação da Constituição Federal de 1988 (art. 193 da CLT), tendo

sido recepcionada pela Carta Constitucional.

Portanto, é a Consolidação das Leis do Trabalho por seu art. 193, em especial seu

parágrafo primeiro, que garante ao trabalhador, se preenchidas determinadas condições, o

direito ao adicional de periculosidade, se não vejamos:

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem o contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado. (Redação dada ao caput pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977) § 1º O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa. (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

Do texto legal, extrai-se primeiro que, a norma legal apta a garantir o direito ao

adicional de periculosidade é o parágrafo primeiro do art. 193 da CLT, desde que

preenchidas as especificidades apontadas pelo caput deste mesmo artigo, que remete a sua

regulamentação para as chamadas Normas Regulamentadoras aprovadas pelo Ministério do

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Trabalho. Portanto, estas NRs somente apontarão os requisitos e condições a percepção do

referido adicional.

Em segundo lugar, extrai-se do supra transcrito texto legal que serão as (no plural)

Normas Regulamentadoras aprovadas pelo Ministério do Trabalho que irão regulamentar o

que se deve considerar por atividades ou operações perigosas.

Neste cenário, é correto dizer que toda a norma regulamentadora aprovada pelo

Ministério do Trabalho que vier a regulamentar o que são estas atividades ou operações

perigosas, especificando os requisitos e condições aptos a que se faça incidir a regra legal

tipificada no art. 193 da CLT, será fonte geradora de direito ao adicional de periculosidade.

Esta afirmativa nos leva a uma outra afirmativa, qual seja a de que não será somente

a NR-16 que disciplina as atividades e operações perigosas, a fonte única e exclusiva apta a

fazer incidir o direito ao adicional de periculosidade se preenchidos os requisitos e

condições nela especificados, mas sim TODAS as NRs que por ventura vierem a disciplinar

as atividades e operações perigosas.

Aí está a discórdia que ora se pretende dirimir. O “caput” do art. 193 determina que

as atividades ou operações perigosas serão consideradas na forma das regulamentações

aprovadas pelo Ministério do Trabalho, o que não quer dizer que somente a NR-16 é que

determinará qual são as atividades ou operações perigosas.

A NR-29, posterior a NR-16, também veio a classificar as atividades e operações

perigosas, sem qualquer prejuízo do que já dispunha a NR-16.

A exigência legal dada pelo art. 193 que implica no direito do trabalhador a

percepção do adicional de periculosidade está no fato de ser a sua atividade uma daquelas a

serem determinadas pelas Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho que devem

seguir ao único requisito estipulado pelo caput do art. 193 da CLT, ou seja, as atividades ou

operações perigosas devem implicar em contato permanente com inflamáveis ou explosivos

em condições de risco acentuado. Cumprindo com esta exigência legal (que as atividades ou

operações perigosas impliquem em contato permanente com inflamáveis ou explosivos em

condições de risco acentuado) é papel das NRs classificar o que são e quais são estas

atividades ou operações perigosas.

Serão, portanto, as normas regulamentadoras editadas pelo Ministério do Trabalho

que classificarão quais a atividades ou operações perigosas que implicam num contato

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permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado.

E é neste sentido que se afirma que não é só a NR-16 que veio a fazer isto, mas

também a NR-29.

Por outro lado, é importante ressaltar que não é a NR-16 que garante a percepção do

adicional de periculosidade de 30% ao trabalhador que mantiver contato permanente com

inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado. A garantia deste direito está

consolidada no parágrafo primeiro do art. 193 da CLT acima transcrito.

Mas o que é então este chamado trabalho em condições de periculosidade? Será

aquele que, pelas normas reguladoras expedidas pelo Ministério do Trabalho, for

classificado como tal.

Toda esta construção é feita por um único e simples motivo. A NR-29 regulamenta

como atividades ou operações perigosas alguns agentes que não são regulados pela NR-16,

isto é, poderia o trabalhador auferir o adicional de periculosidade com fundamento no art.

193 da CLT, cumulado com a regulamentação a ele dada pela NR-29, sem sequer a

necessidade de fazermos menção a NR-16.

A NR-29, em seu item 29.6, seguindo a determinação do caput do art. 193 da CLT,

fixa para os trabalhadores portuários, o que seja este trabalho em condições de

periculosidade, se não vejamos:

29.6 - OPERAÇÕES COM CARGAS PERIGOSAS 29.6.1 - Cargas perigosas são quaisquer cargas que, por serem explosivas, gases comprimidos ou liquefeitos, inflamáveis, oxidantes, venenosas, infecciosas, radioativas, corrosivas ou poluentes, possam representar riscos aos trabalhadores e ao ambiente. 29.6.1.1 O termo cargas perigosas inclui quaisquer receptáculos, tais como tanques portáteis, embalagens, contentores intermediários para granéis (IBC) e contêineres-tanques que tenham anteriormente contido cargas perigosas e estejam sem a devida limpeza e descontaminação que anulem os seus efeitos prejudiciais. 29.6.1.2 - As cargas perigosas embaladas ou a granel serão abrangidas, conforme o caso, por uma das convenções ou códigos internacionais publicados da OMI, constantes do Anexo IV. 29.6.2 - As cargas perigosas se classificam de acordo com tabela de

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classificação contida no Anexo V desta NR. 29.6.2.1 - Deve ser instalado um quadro obrigatório contendo a identificação das classes e tipos de produtos perigosos, em locais estratégicos, de acordo com os símbolos padronizados pela OMI, conforme Anexo VI.

A NR-29 veio ao ordenamento jurídico para regular a proteção obrigatória contra

acidentes e doenças profissionais, facilitar os primeiros socorros a acidentados e alcançar as

melhores condições possíveis de segurança e saúde aos trabalhadores portuários.

Para cumprir com este objetivo, delimitou o seu alcance de aplicação (trabalhador

portuário), criando mecanismos aptos a viabilizar, no caso em apreço, as melhores

condições possíveis de segurança e saúde aos trabalhadores portuários.

Seguindo esta lógica, regulou uma série de particularidades inerentes à atividade

portuária e retroportuária cotidianamente desenvolvida nos portos brasileiros. Assim, ao

tratar da segurança e saúde do trabalho, impôs aos órgãos competentes, operadores

portuários e trabalhadores portuários, uma série de exigências a serem cumpridas.

Dentre estas estão em especial os cuidados a serem tomados nas operações de

containeres, carga e descarga e ova e desova destes. Neste ponto é que a NR-29 amplia o

que a NR-16 considerava como “atividades e operações perigosas”, incluindo neste

conceito também os gases comprimidos ou liquefeitos, inflamáveis, oxidantes, venenosas,

infecciosas, radioativas, corrosivas ou poluentes, que possam representar riscos aos

trabalhadores e ao ambiente de trabalho, incluindo também neste conceito de cargas

perigosas quaisquer receptáculos, tais como tanques portáteis, embalagens, contentores

intermediários para granéis (IBC) e containeres-tanques que armazenem tais cargas.

Verifica-se, portanto, que a NR-29 vai além do que já vinha disposto na NR-16,

adicionando ao conceito de atividades e operações perigosas, não só o contato com

explosivos e inflamáveis, mas também o contato com as chamadas cargas tóxicas,

especificadas e enumeradas no item 29.6 da NR-29.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região vem reiteradamente sustentando que

a NR-29 serve apenas para classificar os cuidados que devem ser tomados em relação ao

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manuseio com os containeres, não podendo ser utilizada para efeito de caracterização do

risco de periculosidade, visto que esta é pertinente aos anexos 1 e 2 da NR-16.

Por este entendimento, o TRT4 tem reformado as decisões proferidas pelos juízes de

primeira instância da comarca de Rio Grande que vem reconhecendo o direito ao adicional

de periculosidade pelo contato ao menos intermitente com containeres contendo cargas

tóxicas.

Ressalte-se que o entendimento construído pelos juízes da comarca de Rio Grande,

que detidamente tem analisado a matéria, fundamenta-se inclusive em duas inspeções

judiciais já realizadas nos terminais portuários, bem como fundamenta-se em longas

discussões periciais em que foram produzidas provas e contra-provas e impugnações e mais

impugnações de laudos.

Os peritos não adotam a NR-29, e muitos deles demonstram até um total

desconhecimento da mesma. Os juízes num primeiro momento vinham pura e simplesmente

acatando estes laudos periciais, embora reiteradamente impugnados. O tempo foi “forçando”

a todos uma melhor análise do caso, o que gerou a mudança de posição de alguns juízes da

comarca de Rio Grande que por aqui passaram.

Todavia, a rotatividade de magistrados nas instâncias inferiores, sobretudo nas

comarcas do interior, é relativamente grande, o que neste caso milita contra todo este

esforço (com lógicos respingos no trabalhador portuário), eis que o magistrado que aqui

chega não participou de toda esta construção dialética de teses e antíteses. É como se

começasse do zero toda a discussão que pelo acúmulo já estava num patamar favorável aos

trabalhadores portuários.

Entretanto, não nos cabe aqui esmorecer, mas sim continuar o debate e sustentar a

importância e a aplicabilidade da NR-29 nas relações de trabalho e emprego que vigoram

nos Portos Brasileiros. Resta-nos novamente iniciar o debate e manter as posições até aqui

defendidas, de modo que o tempo possa neste caso militar em nosso favor, e se possível,

possa ainda fazer alguma diferença em prol dos destinatários últimos da tutela da proteção –

os operários de nosso país.