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Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática Gregorio F. Baremblitt 5ª.ed. Belo Horizonte, MG: Instituto Felix Guattari, 2002 (Biblioteca Instituto Félix Guattari; 2) Baremblitt, Gregorio F. (2002) Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática, 5ed., Belo Horizonte, MG: Instituto Felix Guattari (Biblioteca Instituto Félix Guattari; 2) Copyright 1992 by Gregorio Baremblitt 1 ª edição: Editora Record, 1992 4

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Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática

Gregorio F. Baremblitt

5ª.ed.

Belo Horizonte, MG: Instituto Felix Guattari, 2002 (Biblioteca Instituto Félix Guattari; 2)

Baremblitt, Gregorio F. (2002) Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática, 5ed., Belo Horizonte, MG: Instituto Felix Guattari (Biblioteca Instituto Félix Guattari; 2)

Copyright 1992 by Gregorio Baremblitt 1 ª edição: Editora Record, 1992

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SUMÁRIO 5

INTRODUÇÃO.............. 11

CAPÍTULO I: O movimento institucionalista, a auto-análise e a autogestão..............13

CAPÍTULO 11: Sociedades e instituições..............25

CAPÍTULO III: As histórias..............37

CAPÍTULO IV: O desejo e outros conceitos no institucionalismo..............53

CAPÍTULO V: As tendências mais conhecidas do institucionalismo..............71

CAPÍTULO VI: Roteiro para uma intervenção institucional padrão..............90

CAPÍTULO VII: O institucionalismo na atualidade..............108

GLOSSÁRIO..............133

APÊNDICE..............174

POST-SCRIPTUM..............195

BIBLIOGRAFIA BÁSICA..............205

BIBLIOGRAFIA DE CONSULTA..............207

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AGRADECIMENTOS

No referente à primeira edição deste livro, o autor dá aqui testemunho de sua profunda gratidão: ao Dispositivo Instituinte de Minas Gerais, Escola de Saúde Pública de Minas Gerais, João Bosco Castro Teixeira, Cibele Ruas de MeIo, Alfredo Martin e alunos do curso do qual o livro foi uma versão.

Nesta quinta edição, o autor exprime seu agradecimento à Margarete A. Amorim, que realizou inúmeras tarefas que possibilitaram sua publicação e distribuição, assim como à Luisella Ancis, que fez a tradução de novos capítulos, Nina Rosa Magnani, que colaborou com a revisão, e Luciana Tonelli, que fez a revisão final. O autor também agradece aos membros e funcionários do Instituto Félix Guattari de Belo Horizonte pelas diversas contri-buições. Todos eles aportaram sua ajuda generosamente.

O autor é grato a todos os amigos: professores universitários, pesquisadores, profissionais, estudantes e militantes da autogestão que colaboraram na distribuição das diversas edições deste escrito.

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INTRODUÇÃO

Este livro corresponde à versão escrita de um curso proferido em Belo Horizonte no decorrer de 1990, organizado pelo Movimento Instituinte de Minas Gerais. Curso que, por sua vez, foi requerido para atender ao crescente interesse pelo Movimento Institucionalista ou Instituinte no Brasil e facilitar o acesso aos textos dos fundadores das diferentes correntes. Os seis primeiros capítulos correspondem às seis aulas que compuseram o curso, enquanto o último foi escrito como artigo independente, ainda inédito.

O Movimento Institucionalista é um conjunto heterogêneo, heterológico e polimorfo de orientações, entre as quais é possível se encontrar pelo menos uma característica comum: sua aspiração a deflagrar, apoiar e aperfeiçoar os processos auto-analíticos e autogestivos dos coletivos sociais.

Essa vocação libertária, o estatuto epistemológico e jurídico absolutamente singular e a infinita variedade de tendências que compõem o Movimento tornam extremamente difícil a tarefa de ensiná-lo. Se se deseja ser coerente com os valores do Movimento, sua Pedagogia exige uma originalidade da qual já existem muitas tentativas, mas que, ao mesmo tempo, ainda está para ser produzida.

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Este curso, proferido com uma metodologia tradicional, tem apenas o propósito de aproximar os leitores das finalidades e recursos mais conhecidos e do panorama atual do Institucionalismo. Mais informativo que formativo, foi inspirado pelo desejo de estender e facilitar um saber e um fazer complexo e arriscado, mas, no meu entender, importantíssimo para o povo brasileiro.

Apesar da superficialidade e rapidez com que os densos temas são apresentados, acredito que este livro seja estimulante, discretamente esclarecedor e ainda minimamente instrumental para os futuros institucionalistas. Para quem decidir continuar, ou, sejamos realistas, começar verdadeiramente sua formação nesta fascinante proposta, a bibliografia final, integrada predo-minantemente por textos em português e castelhano encontráveis no Brasil, proverá boa parte da diretriz indispensável para tal fim.

Entre as escolas não-incluídas neste volume devido à sua proposta introdutória, devo destacar as correntes latino-americanas de Pichón-Riéver, Bleger, Ulloa, Malfe, Bauleo, Kaminsky, Pavlovsky, De Brasi, Matrajt, Scherzer e tantos outros aos quais me proponho a destinar, em algum momento, um livro especial. 12 ▲

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Capítulo I

O MOVIMENTO INSTITUINTE, A AUTO-ANÁLISE E A AUTOGESTÃO

No início devemos esclarecer que esse livro não terá o nível que alguns esperariam, pois se procura apresentar uma exposição de nível médio, para ser entendida pelo maior número possível de pessoas.

Vamos tratar do chamado Movimento Institucionalista ou Instituinte que, como o nome aproximativamente indica, é um conjunto de escolas, um leque de tendências. Não existe nenhuma escola ou tendência que possa dizer que encarna plenamente o ideário do Movimento Instituinte. Contudo, pode-se encontrar em diversas dessas escolas algumas características em comum. E é a essas características em comum que eu gostaria de referir-me agora, da maneira mais simples e mais didática possível. Em capítulos sucessivos, teremos ocasião de complicar as coisas... Agora, a intenção é, predominantemente, simplificá-las.

Entre as características presentes em todas as tendências do Movimento Instituinte, há algumas que são relativamente fáceis de se colocar. Eu diria que existe o que se chama de "ideais máximos" do Movimento. Podemos chamar a isto também de

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propósitos mais importantes, os objetivos mais ambiciosos dessas escolas. Os mesmos podem ser enunciados através de duas palavras aparentemente simples, mas que são, como veremos depois, muito complexas.

As diferentes escolas do Movimento Instituinte se propõem a propiciar, apoiar e deflagrar nas comunidades, nos coletivos e conjuntos de pessoas processos de auto-análise e de autogestão. O que significam essas palavras?

Depois, compreenderemos com mais detalhes que os processos de interação humana, os processos de funcionamento social, têm sido sempre muito complexos. Mas em nossa civilização chamada industrial, capitalista ou tecnológica, a complexidade da vida social atingiu seu máximo expoente em toda a história da humanidade. Se compararmos, por exemplo, uma organização social dita "primitiva", ou uma organização imperial, despótica, ou uma medieval com a nossa sociedade moderna, o grau de complexidade, de diversidade que as sociedades modernas atingem é infinitamente superior ao daquelas civilizações, apesar delas não serem nada simples. Acontece, então, que nossa época, nossa civilização, além de se caracterizar por uma grande diversidade, uma grande complicação interna, caracteriza-se também por, de fato, ter produzido uma soma de saberes que propiciou, nesses últimos duzentos anos, uma "evolução" maior do que a humanidade havia conseguido em dois mil anos; ou seja, houve um processo de produção de conhecimento e de aplicação do mesmo muito intenso.

Esse saber, como ninguém ignora, resultou em aplicações tecnológicas que aceleraram o chamado "progresso" em igual proporção. E o progresso trouxe uma grande complexidade. Além desses conhecimentos produzidos pelas ciências da natureza, ciências formais, aplicações tecnológicas, existem disciplinas que versam sobre a organização social em si mesma. Ou seja, nossa civilização tem produzido um saber acerca de seu próprio funcionamento como objeto de estudo e tem gerado profissionais, intelectuais, experts que são os conhecedores dessa estrutura e do processo dessa sociedade em si. Esses conhecedores têm-se colocado, em geral, a serviço das entidades e das forças que são dominantes em nossa sociedade. Por exemplo, a serviço daquela instituição que representa o máximo

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da concentração de poder, o extremo de concentração de controle e de hegemonia sobre a sociedade, que é o Estado. Além disso, por outro lado, já dentro da sociedade civil, esses experts têm-se colocado a serviço das grandes entidades proprietárias da riqueza, do poder, do saber e do prestígio, que são as organizações corporativas, as empresas nacionais e multinacionais etc. Essa situação, em que os "sábios", os conhecedores da estrutura e do processo da vida social estão predominantemente a serviço do Estado e das empresas, tem tido como conseqüência que os povos – em sentido amplo, a sociedade civil – têm-se visto despossuídos de um saber que tinham acumulado através de muitos anos acerca de sua própria vida, de seu próprio funcionamento. Esse saber, criado e acumulado pelas comunidades sociais durante tantos anos de experiência vital, a partir do surgimento do saber científico e tecnológico, fica relegado, colocado em segundo plano, como se fosse rudimentar e inadequado. Tanto é assim que temos técnicos que costumam chamá-lo de ideologia, num sentido vago, geral, visando a qualificá-lo como um falso conhecimento, pobre, infundado ou, no melhor dos casos, insuficiente. Então, as comunidades de cidadãos têm visto esse saber subordinado ao saber dos experts. Junto com seu saber, elas têm perdido o controle sobre suas próprias condições de vida, ficando alheias à espacidade de gerenciar sua própria existência. Elas dependem, então, quase incondicionalmente, dos organismos do Estado, empresariais, do saber e de serviços dos experts . E a quais experts refiro-me? Aos dos ramos produtivos, primários, secundários e terciários, aos especialistas de produção de bens materiais, ou seja, comida, vestuário, moradia, transporte: aqueles bens materiais indispensáveis à sobrevivência. Toda a produção desses bens está dirigida, gerenciada por "especialistas". Mas noutro plano, refiro-me aos problemas de saúde, de educação, aos assuntos familiares, aos psicológicos e subjetivos, em geral; às questões relativas ao lazer, às que atingem a comunicação de massa, aos assuntos próprios da religião. Cada um desses campos, cada um dos serviços que se prestam nessas áreas, os bens que se produzem e administram nesses territórios, ou seja, sua quantidade, sua qualidade, sua necessidade, sua conveniência, tudo é decidido pelos experts , é arbitrado por quem se supõe que saiba e conheça sobre o assunto. O mesmo acontece no plano de administração da justiça, nos tribunais, com os

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advogados, despachantes, registros civis, leis: tudo i sso feito por experts e administrado por eles. E o que falar do exercício da força, no sentido literal, porque todas essas outras entidades também usam da força, senão da força física, da força da persuasão, da força da sedução, mas o uso da força física está reservado a organizações como a polícia, as forças armadas, que também têm seus especialistas, oficiais, delegados, guardas etc. É claro que os experts conhecem e decidem prevalentemente segundo os interesses das classes, níveis hierárquicos e grupos dominantes aos quais pertencem parcialmente. Mas não se deve sempre supor uma intenção deliberada dos técnicos nesse sentido. Acontece, como veremos, que seu saber em si mesmo já está produzido por instrumentos e gera resultados que privilegiam os interesses e desejos citados.

Então, o que acontece?

Há um conceito básico que vamos ver depois, na Análise Institucional e em outras escolas do Institucionalismo, que se chama demanda. É possível afirmar que as comunidades ou coletividades têm necessidades básicas indiscutíveis e universais. Essas necessidades são colocadas diariamente através de demandas espontâneas, através da exigência de produtos e de serviços correspondentes. Essa idéia é uma das tantas que vai ser questionada pelo Institucionalismo, porque ele vai tentar mostrar que em todas as épocas da história, mas particularmente na nossa, não existem necessidades básicas "naturais"; não existem demandas "espontâneas", pois em todas e em cada uma dessas organizações que acabamos de descrever, a noção das necessidades é produzida, assim como a demanda é modulada; isto é, aquilo que os povos pensam que todos os membros de uma população e todos os povos do mundo precisam como "mínimo" não existe. Esse "mínimo" é gerado em cada sociedade e é diferente para cada segmento da mesma. Mas ainda dentro do condicionamento histórico, as comunidades que têm alguma noção vivencial acerca de suas necessidades a perdem, de modo que já não sabem mais do que precisam e não demandam o que "realmente" aspiram, mas acham que necessitam daquilo que os experts dizem que elas necessitam e acham que pedem o que querem e como querem, mas, na verdade, precisam, querem e pedem o que lhes inculcam que devem necessitar, desejar e solicitar. É, então, muito evidente que nossos coletivos estão,

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atualmente, nas mãos de um enorme exército de experts que acumulam o saber que lhes permite fazer com o que as pessoas achem que precisam e solicitem aquilo que os experts dizem que precisam e que os grupos e as classes dominantes lhes concedem. Então, os coletivos têm perdido, têm alienado o saber acerca de sua própria vida, a noção de suas reais necessidades, de seus desejos, de suas demandas, de suas limitações e das causas que determinam essas necessidades e essas limitações. Eles têm perdido um certo grau de compreensão e o controle sobre que tipos de recursos e formas de organização devem dispor para colocar e resolver seus problemas. Mal podem organizar-se para resolver seus problemas se não conseguem saber, com precisão, quais são seus verdadeiros problemas e o que se requer para resolvê-los.

Falei que poderíamos enunciar dois objetivos básicos do Institucionalismo, um deles seria a auto-análise e o outro a autogestão. Agora já podemos explicar um pouco melhor em que consistiria o primeiro deles. A auto-análise consiste em que as comunidades mesmas, como protagonistas de seus problemas, necessidades, interesses, desejos e demandas, possam enunciar, compreender, adquirir ou readquirir um pensamento e um vocabulário próprio que lhes permita saber acerca de sua vida, ou seja: não se trata de que alguém venha de fora ou de cima para dizer-lhes quem são, o que podem, o que sabem, o que devem pedir e o que podem ou não conseguir. Este processo de auto-análise das comunidades é simultâneo ao processo de auto-organização, em que a comunidade se articula, se institucionaliza, se organiza para construir os dispositivos necessários para produzir, ela mesma, ou para conseguir os recursos de que precisa para a manutenção e o melhoramento de sua vida sobre a terra. Na medida em que essa organização é conseqüência e, ao mesmo tempo, um movimento paralelo com a compreensão dada pela auto-análise, ela também não é feita de cima para baixo, nem de fora, mas elaborada no próprio seio heterogêneo do coletivo interessado. Essa auto-análise e essa autogestão não significam necessariamente que os coletivos devam prescindir por completo dos experts porque, sem dúvida, com sua disciplina e seus instrumentos, eles têm acumulada uma quantidade de conhecimento importante e não inteiramente alienado, não necessariamente distorcido, ou seja: produtivo. Mas os experts

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devem submeter seu saber, suas glórias, seus métodos, suas técnicas, suas inserções sociais como profissionais a uma profunda crítica que os faça separar, dentr o dessas teorias, métodos e técnicas, dentro dos organismos aos quais pertencem, o que é produto de sua origem, de sua pertença ao bloco dominante das forças sociais e o que pode ser útil a uma auto-análise, a uma auto gestão, da qual os segmentos dominados e explorados sejam protagonistas. Para poderem efetuar essa autocrítica, os experts não podem fazê-lo no seio de suas torres de marfim, não podem fazê-lo nas academias ou exclusivamente nos laboratórios experimentais. Eles têm que entrar em contato direto com esses coletivos que estão se auto-analisando e autogestionando para incorporar-se a essas comunidades desde um estatuto diferente daquele que tinham. Esse estatuto deve resultar de uma crítica das posições, postos, hierarquias que eles têm dentro dos aparelhos acadêmicos ou jurídico-políticos do Estado, ou ainda das diretivas das grandes empresas nacionais e multinacionais. Eles têm de reformular sua condição profissional, seu saber específico. E só conseguirão reformulá-los numa gestão, num trabalho feito em conjunto com essas comunidades e na mesma relação de horizontalidade com que qualquer membro dessa comunidade o faz. Isso permitirá que, eventualmente, os experts, quando a comunidade conseguir organizar-se, tenham algum lugar dentro das organizações específicas que a comunidade se deu a si mesma para esses fins. Então seu saber, sua capacidade e sua potência produtiva estarão plenamente integrados ao movimento de auto-análise e auto gestão dessa comunidade. Eles poderão assim reformular, aprendendo e ensinando seu saber e sua eficiência nessa nova e inédita situação. À parte dessa reinvenção de sua disciplina, os experts poderão aprender como eles serão capazes de propiciar outros movimentos autogestivos e auto-analíticos quando forem chamados a participar.

Esta é uma explicação sucinta dos propósitos fundamentais do Movimento Institucionalista que são sistematicamente compartilhados por todas as tendências que o integram. Ao mesmo tempo em que são os objetivos principais das propostas instituintes, eles são também os próprios meios para realizá-las. Por isso, é importante que esses dois objetivos e meios sejam não apenas superficial, mas profundamente conhecidos pelos leitores.

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É óbvio que autogestão e auto-análise são dois processos simultâneos e articulados. Por quê? Porque auto-análise, para as comunidades, significa a produção de um saber, do

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conhecimento acerca de seus problemas, de suas condições de vida, suas necessidades, demandas etc., e também de seus recursos. Mas até para que a auto-análise seja praticada pelas comunidades, elas têm que construir um dispositivo no seio do qual essa produção seja realizável. Elas têm que organizar-se em grupos de discussão, em assembléias; elas têm que chamar experts aliados para colaborarem; elas têm que se dar condições para produzir esse saber e para desmistificar o saber dominante. Ao mesmo tempo, tudo o que elas descobrirem neste processo de auto-conhecimento só terá uma finalidade: a de auto-organizar-se para que possam operar as forças destinadas a transformar suas condições de existência, a resolver seus problemas. Mas não pode haver uma organização sem um saber; não pode haver um saber sem uma organização. São dois processos diferenciados, mas eles são concomitantes, simultâneos, articulados.

Costuma-se crer que os processos autogestivos implicam uma falta completa de denominações, hierarquias, quadros, especificidades etc. Na realidade, é difícil pensar qualquer processo organizativo que não inclua uma certa divisão do trabalho e que não implique uma certa hierarquia de decisão, de deliberação. Esses são funcionamentos inerentes a qualquer processo produtivo. Deverão, então, existir hierarquias, gerências. Mas a existência de hierarquia não implica diferença de poder; não equivale a privilégio ou arbitrariedade na capacidade de decidir. Implica apenas uma certa especialização em algumas tarefas, porque estes dispositivos estão feitos de tal maneira que as decisões de fundo são tomadas coletivamente. Em todo caso, os quadros hierárquicos não são mais que expressão da vontade consensual. São executores. Mas não são executores do mandato das elites mediatizado por organismos burocráticos, por correias de transmissão. Na autogestão os coletivos mesmos deliberam e decidem. Eles têm maneiras diretas de comunicar as decisões. Existem hierarquias moduladas pela potência, peculiaridades e capacidade de produzir; mas não há hierarquias de poder, ou seja, a capacidade de impor a vontade de um sobre o outro.

Contudo, é evidente que o Institucionalismo, tanto quanto os processos auto-analíticos, são produtores de conhecimentos,

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e que todo saber envolve, necessariamente, um poder, e ambos não são homogeneamente distribuídos. Mas este saber é um saber coletivo, produzido, distribuído e exercitado na vida coletiva. Na topografia deste saber, existem alguns elementos essenciais que são compartilhados por todo mundo. Então, quando esse saber compartilhado é delegado a alguns que se especializam nessa questão, já não é um saber produzido fora dos interesses e desejos do coletivo, já não é um saber que vai cair de cima para baixo, de fora para dentro. É já uma delegação, porque foi produzido dentro, por alguns especialistas no assunto, em estreita colaboração com os diretamente interessados nos benefícios que esse saber e suas aplicações terão, uma vez realizados.

Isso garante que esses especialistas são verdadeiramente "especiais": delega-se a eles um saber que é a expressão dos interesses e das capacidades essenciais do coletivo. O coletivo conserva um saber básico acerca de seu campo que lhe permite julgar quando o especialista está exercitando o seu poder com sentido instituinte-organizante, e então a serviço do coletivo, ou, pelo contrário, de ambições de segmentos individualistas etc. Vou dar um típico exemplo da medicina, embora haja mil exemplos, muitos dos quais não poderemos mencionar aqui porque são muito complexos e extensos para expor. Quem conhece a situação da saúde no Brasil sabe perfeitamente que nosso país não precisa prioritariamente de, digamos, tomógrafos computadorizados, pelo menos a nível de sua problemática prevalente atual. O que o Brasil precisa é de uma política de saúde que não começa nem acaba no campo da medicina. Seus problemas, que têm efeitos médicos, têm suas causas diretas nos problemas de habitação, alimentação, vestuário e saneamento básico. Disso todos os experts sabem, o que não impede que a ênfase da política de saúde no Brasil esteja colocada na assistência e não na prevenção, principalmente se por prevenção entende -se algo que modifique radicalmente as condições de vida da população. Entretanto, há muitos centros paulistas e cariocas que se orgulham de ter os mais modernos aparelhos para resolver ou diagnosticar uma problemática altamente específica, circunscrita, que afeta 0,5% da população. Acontece que o povo, as organizações de base, não podem questionar de maneira eficiente as políticas médicas do Brasil porque a primeira coisa

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que lhes seria respondida é que não sabem. Mas o que acontece quando o coletivo revitaliza

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seu saber, revaloriza o saber espontâneo que ele tem acerca do que preci sa? Os índios têm, as comunidades negras têm, as comunidades das montanhas têm, as comunidades da planície têm, todo mundo tem um saber espontâneo acerca de quais são os sofrimentos, quais são as enfermidades e como devem ser tratadas, pelo menos, basicamente. Assim, também eles sabem quais problemas devem ser abordados – mesmo que não se exprimam em sofrimento, ou quando o sofrimento ainda não tenha se tornado doença, não devendo ser tratado como tal. Desde logo este saber também desconhece muita coisa, mas isso não pode afirmar-se a priori. Só que esse saber é permanentemente desqualificado pelo saber acadêmico, que atua predominantemente a serviço de interesses estatais, nacionais e multinacionais dominantes – um saber consubstancial com esses interesses.

A primeira operação que as comunidades devem fazer é recuperar, revalorizar o saber espontâneo que elas têm sobre seus problemas; a segunda operação deve ser feita em conjunto com os experts, ajudando-os a criticar essa orientação – essa medula dominante reacionária-que o saber médico (nesse caso) e suas técnicas têm. Sobretudo em termos de hierarquização de prioridades: o que vem primeiro e o que vem depois, o que é prioritário e o que é secundário. Uma vez que o expert , integrado à comunidade, demonstra a capacidade de contribuir, em pé de igualdade, para este trabalho de reformulação, pode-se delegar a ele algumas áreas do saber com menos perigo de que ele o transforme em poder, e não numa potência de colaboração com o coletivo. Nesse caso, o coletivo já não está desqualificado – ele sabe julgar o que se faz e o que se acha que se sabe. Isso não descarta que possam acontecer novamente problemas de concentração de saber e de poder, porque este processo de auto-conhecimento e autogestão é interminável. Provavelmente, haverá necessidade de muitas gerações autogestivas e auto-analíticas para que o processo possa exercitar-se em sua plenitude. Se bem que este caminhar está orientado por uma Utopia Ativa que não está colocada num futuro longínquo, senão em cada ato do cotidiano. Como já dissemos, existiram e existem numerosas tentativas auto-analíticas e autogestivas que não apresentam o caráter purista que a gente pode imaginar em sentido abstrato. Por exemplo, as comunidades

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eclesiásticas de base: pode-se dizer que têm um espírito institucionalista complexamente

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integrado a aspectos libertários do Cristianismo, embora limitados pelos processos burocráticos da Igreja Católica. Isso abre um tema que eu teria gostado de tratar neste primeiro capítulo, mas acho que vai complicar um pouco as coisas, porque eu queria enfatizar os conceitos essenciais básicos. Mas, enfim, em que consiste o tema aqui levantado? O Movimento Institucionalista reconhece uma gênese histórico -social e uma gênese conceitual. A primeira é a história de todas as tentativas que houve na história da humanidade e as que hoje existem e exercitam um Institucionalismo espontâneo. Um desses movimentos é o das comunidades eclesiásticas de base no Brasil e em outros países. Mas muitas iniciativas autogestivas já existiram, existem e vão existir, e não precisam do Institucionalismo para se desenvolverem. O Institucionalismo é alguma coisa assim como o resultado do ensinamento dessas iniciativas históricas sobre os próprios experts. Nós, os experts – médicos, engenheiros, advogados, comunicólogos, psicólogos etc –, temos aprendido que isso existe e que poderíamos colaborar para seu desenvolvimento a partir das experiências históricas que já existiram neste sentido e das que estão existindo e se desenvolvem perfeitamente ou dificilmente sem a nossa participação. Por outro lado, a gênese conceitual refere-se ao campo das idéias, conceitos e funções: todas aquelas teorias, conceitos, idéias, categorias que têm sido produzidas pela humanidade no decorrer da história do conhecimento e podem contribuir para dar base, para fundamentar a proposta institucionalista.

Agora, gostaria de referir-me à última questão, muito importante. Os leitores compreenderão que esses processos auto -analíticos e autogestivos se dão em condições altamente desfavoráveis, severamente contraproducentes. Por quê? Naturalmente porque os coletivos em questão não são donos do saber, não são donos da riqueza, não são donos dos recursos que são propriedade e servem ao poder dos organismos e entidades de classe alta e grupos dominantes. Então, a consecução dos objetivos tem graves impedimentos que vão desde a privação de recursos (que são propriedade a serviço do poder dos organismos e entidades de classe dominante) até a morte física repressiva. Esses processos autogestivos e auto-analíticos são, para a

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organização do sistema, um câncer, uma peste. Não há nada que seja mais temido e mais odiado pelo sistema social, porque os movimentos instituintes têm esse intuito: que os coletivos presidam a definição de problemas, a invenção de soluções, a colocaçã o dos limites do que é possível, do que é impossível e do que é virtual, o que normalmente é feito pelas instituições, organizações e saberes de grupos e outros segmentos dominantes. Por isso a autogestão não é tarefa fácil: a prova está em que as iniciativas auto-analíticas e autogestivas não se caracterizam por seu sucesso. Elas têm aparecido muitas vezes na história e muitas vezes têm sido destruídas ou sufocadas. E as que hoje insistem em existir lutam duramente contra um conjunto de imensas forças históricas que tentam destruí-las. E quando não conseguem eliminá-las, tentam recuperá-las, incorporá-las. Isso faz com que os objetivos últimos do Institucionalismo – a auto-análise e a autogestão – não sejam atingidos nunca de forma definitiva. Eles são atingidos sempre na base da tentativa, do ensaio, da procura. Em geral têm maiores ou menores graus de fracasso. Mas isso não quer dizer que não sejam possíveis ou inventáveis. Então, esta última afirmação que faço refere-se ao seguinte: as diferentes escolas do Institucionalismo se distinguem entre si pelas teorias, pelos métodos, pelas técnicas com que elas tentam introduzir estes objetivos últimos, e pelo grau de realização com o qual se conformam. Quer dizer: há correntes, escolas" maximalistas", que buscam a instalação plena da autogestão e da auto-análise. Há outras que se satisfazem com a introdução relativa de alguns mecanismos, de alguns espaços, de alguns temas de auto-análise e autogestão. Ou seja, no Institucionalismo, como na política, existem correntes reformistas e existem correntes ultra-revolucionárias. De qualquer maneira, nada disso impede que as agrupemos em torno desses dois objetivos e recursos. Eles as diferenciam claramente da enorme maioria das propostas políticas, tanto das extremistas quanto das propostas social-democráticas. Provavelmente a tendência política tradicional que mais se aproxima das propostas institucionalistas, e com a qual o Institucionalismo está mais que em dívida, seja a de certas orientações do anarquismo.

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PERGUNTAS REFERENTES AO CAPÍTULO I

1) Por que o Institucionalismo é um movimento e não uma ciência, uma disciplina ou uma tecnologia?

2) O que aconteceu com o saber e o saber-fazer que as comunidades primitivas ou os povos e grupos leigos em geral produziram e acumularam durante sua experiência de vida?

3) O que significa" divisão social e técnica do trabalho e do saber", e por que se diz que as ciências, as disciplinas e seus experts estão em geral a serviço das classes e grupos dominantes?

4) Existem "necessidades mínimas naturais" cuja satisfação é demandada pelas populações, ou é a oferta de bens e serviços que produz certas necessidades e desejos (e não outros) e modula as demandas?

5) O que significa auto-análise e autogestão? 24 ▲

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Capítulo II

SOCIEDADES E INSTITUIÇÕES

O Institucionalismo, à sua maneira, tem uma concepção própria do que é a Sociedade e do que é a História, a Sociedade como forma organizada de associação humana e a História como o devir da Sociedade no tempo. O Institucionalismo, sem considerar no momento as diferenças doutrinárias de escola para escola, afirma que a sociedade é uma rede, um tecido de instituições. E que são as instituições?

As instituições são lógicas, são árvores de composições lógicas que, segundo a forma e o grau de formalização que adotem, podem ser leis, podem ser normas e, quando não estão enunciadas de maneira manifesta, podem ser hábitos ou regularidades de comportamentos. Alguns autores sustentam que leis, normas e costumes são objetificações de valores. As leis, em geral, estão escritas; as normas e os códigos também. Mas uma instituição não necessita de tal formalização por escrito: as sociedades ágrafas também têm códigos, só que eles são transmitidos verbal ou praticamente, não figurando em nenhum documento.

O que essas lógicas significam? Significam a regulação de uma atividade humana, caracterizam uma atividade humana e se pronunciam valorativamente com respeito a ela, esclarecendo

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o que deve ser, o que está prescrito, e o que não deve ser, isto é, o que está proscrito, assim corno o

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que é indiferente. Essas lógicas, esses corpos discriminativos, são vários, e é curioso que os institucionalistas têm dificuldades para chegar a um acordo acerca de quais e quantos são.

Vamos examinar algumas ilustrações mais ou menos indiscutíveis. Um exemplo de urna instituição: a instituição da' linguagem. Ela caberia nesta definição que formatamos quando a pensamos em termos gramaticais. A gramática não é nada mais que um conjunto de leis, de normas que regem a combinatória de elementos fônicos, de unidades de significação na linguagem. Com a combinação desses elementos, conforme indicado por essas leis, pode construir-se um infinito número de mensagens, de tal modo que estas mensagens são compreensíveis para qualquer falante ou ouvinte dessa língua. Então, corno se pode ver, no final das contas, urna gramática é urna instituição que explicita as opções de acordo com as quais se vão produzir mensagens, consideradas gramaticais ou agramaticais, os prescritos ou os proscritos. É claro que, no caso da língua, não estarão estipulados também os prêmios e os castigos para quem usa de forma correta ou incorreta a língua, que é o que acontece em outros tipos de instituição. Mas o preço de seu desconhecimento ou transgressão é óbvio: a incomunicabilidade dentro do universo humano, pelo menos dentro desse universo humano em particular.

Outro exemplo são as instituições de regulamentação do parentesco, as que definem os lugares tais corno: pai, mãe, filho, nora, genro etc. Elas são as que prescrevem entre quais membros dessa classificação podem se dar uniões, entre quais membros não podem se dar uniões e que tipo, que característica de vínculo. de descendência e aliança relaciona cada uma destas posições com a outra. Isso também é um código que, formalizado ou não, regula a relação de parentesco e tem prescrições – o que é indicado; e também proscrições – o que é proibido; assim como o que é indiferente ou não abrangido por essa lógica. Outra instituição pouco discutível entre os institucionalistas é a da divisão do trabalho humano. O trabalho humano está dividido segundo os momentos e as especificidades de cada tipo de produção e tarefa (divisão técnica). Mas, por outro lado, essa divisão vem acompanhada de urna hierarquia que institui diferenças de poder,

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prestígio e lucro – não necessariamente justificadas pela importância produtiva daqueles que detêm esses lugares (divisão social). Por exemplo: trabalho manual e intelectual, do campo e da cidade, assalariados e autônomos, feminino e masculino etc.

Há também as instituições da educação, isto é, aquelas leis, normas e pautas que prescrevem corno se deve socializar, instruir um aspirante a membro de nossa comunidade para que ele possa integrar-se à mesma com suas características efetivas.

Ternos também a instituição da religião, que é a que regula as relações do homem com a divindade, divindade sobrenatural para uns ou imanente à vida terrena para outros, mas com respeito à qual existe toda urna série de comportamentos indicados e toda urna série de comportamentos contra-indicados.

Ternos também as instituições de justiça, as instituições da administração da força, e assim por diante. Em um plano formal, urna sociedade não é mais que isso: um tecido de instituições que se interpenetram e se articulam entre si para regular a produção e a reprodução da vida humana sobre a terra e a relação entre os homens. Agora, entendidas assim, as instituições são entidades abstratas, por mais que possam estar registra das em escritos ou conservadas em tradições.

Para vigorar, para cumprir sua função de regulação da vida humana, as instituições têm de realizar-se, têm de "materializar-se". E em que elas se materializam? Em dispositivos concretos que são as organizações. As organizações, então, são formas materiais muito variadas que compreendem desde um grande complexo organizacional tal como um ministério Ministério da Educação, Ministério da Justiça, Ministério da Fazenda etc. – até um pequeno estabelecimento. Ou seja, as organizações são grandes ou pequenos conjuntos de formas materiais que concretizam as opções que as instituições distribuem e enunciam. Isto é, as instituições não teriam vida, não teriam realidade social senão através das organizações. Mas as organizações não teriam sentido, não teriam objetivo, não teriam direção se não estivessem informadas como estão, pelas instituições.

Por sua vez, urna organização (que, como insisti, costuma ser um complexo grande, vultoso) está composta de unidades menores. Estas são de naturezas muito diversas e é difícil enunciá-las todas. Mas, pelo menos, há algumas que são muito

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características, como, por exemplo, os estabelecimentos. Estabelecimentos seriam as escolas, um convento, uma fábrica, uma loja, um banco, um quartel. Há diversos tipos de

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estabelecimentos, de características muito diferentes. Mas é um conjunto de estabelecimentos o que integra uma organização.

Os estabelecimentos, em geral, incluem dispositivos técnicos cujos exemplos mais básicos são a maquinaria, as instalações, arquivos, aparelhos. Isso recebe o nome de equipamento. O equipamento pode ter uma realidade material que coincide com o estabelecimento, ou seja, as máquinas de um estabelecimento – ou pode ter uma realidade muito mais ampla, de maneira que forme um grande sistema de máquinas, um grande equipamento. Isso é o que acontece, suponhamos, com os equipamentos das organizações da comunicação de massa, que, por sua vez, são organizações que realizam as prescrições de uma grande instituição que é a instituição da Comunicação Social.

Instituição – Organização – Estabelecimento – Equipamento. Tudo isso, naturalmente, só adquire dinamismo através dos agentes. Nada disso se mobiliza, nada disso pode operar senão através dos agentes. Os agentes são "seres humanos", são os suportes e os protagonistas de toda essa parafernália. E os agentes protagonizam práticas. Práticas que podem ser verbais, não-verbais, discursivas ou não, práticas teóricas, práticas técnicas, práticas cotidianas ou inespecíficas. Mas é nas ações que toda essa parafernália acaba por operar transformações na realidade. Então, estas unidades (instituição – organização – estabelecimento – equipamento – agente – práticas) não podem ser confundidas. Mas, infelizmente, com freqüência isso ocorre. E não são confundidas apenas pelos leigos, mas também pelos institucionalistas. Então, quando se estuda uma escola institucionalista, esta escola pode chamar de instituição às organizações; de organização a um estabelecimento. Isso não é nada recomendável porque a primeira coisa a se fazer para se entender este complexo panorama é criar uma nomenclatura mais ou menos universal e compartilhada. A que proponho aqui é a que grande parte dos institucionalistas aceita.

Isso não é apenas o exercício de um desafio, mas algo importante. Se começamos a dizer, por exemplo, que essa escola é uma instituição, o assunto se complica, pois essa escola não é

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uma instituição, e sim um estabelecimento que faz parte de urna grande organização – provavelmente do Ministério da Educação, que, por sua vez, realiza uma grande instituição: a instituição da Educação, que é uma lógica, uma série de prescrições ou leis.

Em uma instituição podem-se distinguir duas vertentes importantes. Uma é a vertente do instituinte, e outra a do instituído. Apesar de as origens das instituições serem muito difíceis de se determinar – ou seja, fazer a história de uma instituição, particularmente a de seu começo, é urna tarefa às vezes impossível, corno se costuma dizer, "perde-se no começo dos tempos". Inclusive há muitas instituições, como a instituição da língua, das relações de parentesco, da religião e da divisão do trabalho, das quais não se pode dizer qual veio primeiro e qual veio depois. Mas podemos afirmar que para uma sociedade humana existir é preciso haver no mínimo essas quatro instituições humanas, ou seja, humanidade é sinônimo de coletivo regido por essas instituições, e essas instituições são sinônimo de existência de um coletivo humano. Então, é difícil saber como eram os coletivos antes que aparecessem essas instituições. É o mesmo que perguntar como era o homem antes de ser homem, pelo menos como o entendemos. Então, situar a origem dessas instituições é muito difícil. Só se pode dizer que uma instituição supõe outra, precisa da outra, e o seu conjunto é o que constitui uma civilização ou uma sociedade humana. Agora, se freqüentemente não se pode dizer como essas grandes instituições começaram, sem dúvida se pode distinguir nelas uma potência, um movimento de transformação constante que tende a modificar, a operar mutações nas suas características. Em poucas ocasiões privilegiadas pode-se assistir historicamente ao nascimento de uma grande instituição. Mas, em geral, não é isso o que acontece. O que se pode presenciar são grandes momentos históricos de revolução de uma instituição, de profundas transformações de urna instituição. Então, a esses momentos de transformação institucional, a essas forças que tendem a transformar as instituições ou também a estas forças que tendem a fundá-las (quando ainda não existem), a isso se chama o instituinte, forças instituintes. São as forças produtivas de lógicas institucionais.

Este grande momento inicial do processo constante de produção, de criação de instituições, tem um produto, geram

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um resultado, e este é o instituído. O instituído é o efeito da atividade instituinte. Se vocês prestarem atenção a esses nomes, eles mesmos já estão dizendo alguma coisa com relação à diferença entre o instituinte e o instituído. O instituinte aparece como um processo, enquanto o instituído aparece como um resultado. O instituinte transmite uma característica dinâmica; o instituído transmite uma característica estática, estabilizada. Então, é evidente que o instituído cumpre um papel histórico importante, porque as leis criadas, as normas constituídas ou os hábitos, os padrões, vigoram para regular as atividades sociais, essenciais à vida da sociedade. Mas acontece que essa vida é um processo essencialmente cambiante, mutante; então, para que os instituídos sejam funcionais na vida social, eles têm de estar acompanhando a transformação da vida social mesma para produzir cada vez mais novos instituídos que sejam apropriados aos novos estados sociais. Tem-se que evitar uma leitura do tipo maniqueísta, que pensa que o instituinte é bom e o instituído é ruim, embora seja verdade que o instituído apresente, por natureza, uma tendência à resistência, uma disposição que se poderia chamar a persistir em seu ser, a não mudar, que quando se exacerba, se exagera, se conhece politicamente pelo nome de conservadorismo, reacionarismo. Pelo contrário, o instituinte aparece como atividade revolucionária, criativa, transformadora por excelência. Na realidade, não é exatamente assim, porque o instituinte careceria completamente de sentido se não se plasmasse, se não se materializasse nos instituídos. Por outro lado, os instituídos não seriam efetivos, não seriam funcionais, se não estivessem permanentemente abertos à potência instituinte.

Por sua vez, o mesmo acontece a nível organizacional. Existe o organizante e o organizado. Há uma atividade permanentemente crítica e transformadora, otimizadora das organizações – o organizante. E há o organizado, que se pode ilustrar com o famoso organograma ou fluxograma, que é necessário, mas que tem uma tendência "natural" a cristalizar-se (entre aspas porque nada tem a ver com o natural), uma tendência histórica a esclerosar-se e a adotar uma série de vícios, entre os quais o mais conhecido é a burocracia, embora não seja o único. Então, é importante saber que a vida social – entendida como o processo em permanente transformação que deve tender ao aperfeiçoamento e visar a maior felicidade, maior realização,

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maior saúde e maior criatividade de todos os membros – só é possível quando ela é regulada por instituições e organizações e quando nessas instituições e organizações a relação e a dialética existentes entre o instituinte e o instituído, entre o organizante e o organizado (processo de institucionalização-organização) se mantêm permanentemente permeáveis, fluidas, elásticas.

Outra maneira de referir-se a isso é dizer que nas instituições, organizações, estabelecimentos, agentes, práticas, pode-se distinguir uma função e um funcionamento. Para poder entender essa terminologia, tem-se que compreender que nas civilizações e nos conjuntos humanos, e na vida humana tomada num sentido muito amplo, há a tendência a adquirir sempre características históricas que comprometem este objetivo utópico ativo. Essas características históricas, muito diferentes de uma sociedade para outra, de uma fase histórica para outra, podem ser resumidas em três grandes situações viciosas conhecidas por todo mundo: são os processos de exploração, de dominação e de mistificação (desinformação ou engano). Essas são as deformações do percurso da vida social e de seus objetivos mais nobres, de suas finalidades mais altas, que cada sociedade coloca à sua maneira, e que são chamadas de utopias sociais: como uma sociedade tenta, deseja, deve chegar a ser. É claro que, à exceção de algumas sociedades em particular, desde que existem sociedades, as utopias sociais incluem diferentes formas de liberdade, diferentes formas de igualdade, diferentes formas de veracidade e fraternidade, apesar de eu estar usando, para referir -me a isso, a utopia da Revolução Francesa, chamada de revolução burguesa, que não é nem a única nem a melhor das utopias, mas é a mais conhecida por nós. Então, cada sociedade, em seus aspectos instituintes e organizantes, sempre tem uma utopia, uma orientação histórica de seus objetivos, que é desvirtuada ou comprometida por uma deformação que se resume em: exploração de alguns homens pelos outros (expropriação da potência e do resultado produtivo de uns por parte de outros);

dominação, ou seja, imposição da vontade de uns sobre os outros e desrespeito à vontade coletiva, compartilhada, de consenso; e mistificação, ou seja, uma administração arbitrária ou deformada do que se considera saber e verdade histórica, que é substituída por diversas formas de mentira, engano, ilusão, sonegação de informação etc. Assim, se se compreende esta oposição entre a

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utopia, o aperfeiçoamento da vida social e suas deformações exploração, dominação, mistificação-, então se pode compreender mais facilmente uma divisão que se estabelece entre função e funcionamento. O dito não significa que as utopias sejam sempre inocentes e acabem traídas, mas em geral elas são mesmo traídas.

As instituições, organizações, estabelecimentos, agentes e práticas desempenham uma função. Esta função está sempre a serviço das formas históricas de exploração, dominação e mistificação que se apresentam nesta sociedade. Toda instituição, toda organização, todo estabelecimento apresenta esta função a serviço dos exploradores, dos domina dores, dos mistificadores. Só que esta função raramente se apresenta como ela é, justamente por causa da questão da mistificação... A função apresenta-se deformada, disfarça da, mostra-se como o objetivo natural, desejado e lógico das instituições e das organizações. Isto é, não se manifesta claramente ao nível do instituído e do organizado. Ou seja, os instituídos e os organizados apresentam, predominantemente, freqüentemente, funções a serviço da exploração, da dominação, da mistificação. E as exprimem de tal maneira que as fazem parecer "naturais", desejáveis e eternas, ao passo que o instituinte e o organizante são sempre inspirados pela utopia, estão sempre a serviço dos objetivos que, provisoriamente, chamamos de Justiça, de Igualdade e Fraternidade. Podem ser chamados de outra maneira. Essas forças, esses processos, recebem o nome de funcionamento. Então, o funcionamento é sempre instituinte, é sempre transformador, é justiceiro e tende à utopia': A função, ela é predominantemente reacionária, conservadora, a serviço da exploração, da dominação e da mistificação, e se apresenta aos olhos não atentos como eterna, natural, desejável e invariável.

Agora, pode-se definir outros termos que temos aqui presentes. O instituído, o organizado, enquanto produtivo, enquanto expressão apropriada, enquanto recurso operante o instituinte, é claro que é necessário. Acontece que, rapidamente, tendem a cair fora do seu sentido de funcionamento para adotar a característica da função, coisa que se compreenderá melhor quando se entender que a característica essencial do instituinte, do organizante e dos seus produtos operantes é serem propícios à produção, produção que é a geração do novo, daquilo que

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almeja a utopia; funcionamento e produção são a mesma coisa. Função é sinônimo de reprodução: é a tentativa de reiterar o mesmo, de perpetuar o que já existe, aquilo que não é operativo para propiciar as transformações sociais. Então: instituinte e instituído, organizante e organizado, produção contra reprodução, funcionamento contra função.

Para concluir, exporemos definições que são um pouco áridas, abstratas, mas necessárias para entender os passos seguintes que vamos dar: digamos em que consiste, como entender, como analisar cada instituição, cada organização, e como intervir para favorecer a ação do instituinte e do organizante. Não se pode fazer este trabalho sem ter claras estas definições. Para concluir, os instituintes-instituídos, organizantes-organizados que constituem a malha, a rede social, não atuam separadamente, mas sim em conjunto. E essa atividade em conjunto pode ser enunciada com uma fórmula pedagógica: cada um deles atua no outro, pejo outro, para o outro, desde o outro. Essa é uma tentativa de enunciar o entrelaçamento, a interpenetração que existe entre todos os instituintes e instituídos, entre todos os organizantes e organizados. Esta interpenetração acontece ao nível da função e ao nível do funcionamento; ao nível da produção e ao nível da reprodução; ao nível daquilo que funcionará a favor da utopia e ao nível daquilo que está contra. Então, essa interpenetração ao nível da função, do conservador, do reprodutivo, chama-se atravessamento. Essa interpenetração ao nível do instituinte, do produtivo, do revolucionário, do criativo chama-se transversalidade. Para dar apenas um exemplo, vou mostrar-lhes um caso de atravessamento de funções a nível organizacional. Nós dizemos, por exemplo, que uma escola é um estabelecimento das organizações do ensino, que por sua vez são uma realização da instituição da educação. Acontece que uma escola não só alfabetiza, não só instrui, não só educa dentro dos objetivos manifestos do organizado e do instituído, mas também prepara força de trabalho (alienado), ou seja, uma escola também é uma fábrica. Por outro lado, uma escola, de acordo com a concepção de ensino que ela tenha, também consegue manter os alunos presos durante seis a oito horas por dia, e além de ensiná-los a ler e escrever, o que fundamentalmente lhes ensina é a obedecer, e o que basicamente lhes transmite é um sistema de prêmios e punições, especialmente

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de punições. Neste sentido é que uma escola é também um cárcere. Mas, além disso, o que a escola ensina é uma série de valores do que deve ser construído, do que deve ser destruído, ensina formas de exercício da agressividade. Então, de alguma maneira, também se pode dizer que uma escola é um quartel ou uma delegacia de polícia. Então, vocês vão vendo como uma escola, ao nível do instituído, do organizado, ao nível da função, ao nível da reprodução, está atravessada pelas outras organizações. Existe uma estreita colaboração na tarefa de reproduzir o que está, tal como está, e dessa maneira colaborar para a perpetuação da exploração, da dominação e da mistificação. Mas uma escola também é um âmbito onde se tem a ocasião de formar um agrupamento político-escolar,um clube estudantil; uma escola também é um lugar onde se pode aprender a lutar pelos direitos; uma escola também é um lugar onde se pode integrar um sistema de ajuda mútua entre os alunos; uma escola também é um lugar onde se pode adquirir elementos para poder materializar as correntes instituintes, produtivas; numa escola também se pode aprender a lutar contra a exploração, a dominação, a mistificação. Então, uma escola tem um lado instituinte, um lado organizante. Neste sentido, a escola pode ser também, por exemplo, uma frente de luta revolucionária, de luta sindical, um lugar de doutrinamento para a revolução, um lugar de exercício da solidariedade. Neste sentido é que uma escola tem também um funcionamento articulado, interpenetrado com muitas outras organizações, instituições, com muitos outros instituintes e organizantes da sociedade que atuam nela, através dela, para ela, por ela, e ela por outras, e ainda entre os diversos· quadros e segmentos desse mesmo estabelecimento. Essa interpenetração chama-se transversalidade. A interpenetração ao nível da função, da reprodução, como já vimos, chama-se atravessamento. A interpenetração a nível instituinte, produtivo, chama-se transversalidade, e esta se define também como uma dimensão da vida social e organizacional que não se reduz à ordem hierárquica da verticalidade nem à ordem informal da horizontalidade. Os efeitos da transversalidade caracterizam-se por criar dispositivos que não respeitam os limites das unidades organizacionais formalmente constituídas, gerando assim movimentos e montagens alternativos, marginais e até clandestinos às estruturas oficiais e consagradas.

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Com isso temos definida, até certo ponto, a concepção institucionalista da sociedade. A sociedade é uma rede constituída pela interpenetração de forças e entidades reprodutivas e antiprodutivas cujas funções estão a serviço da exploração, dominação e mistificação (atravessamento), assim como também está constituída pela interpenetração das forças e entidades que estão a serviço da cooperação, da liberdade, da plena informação, ou seja, da produção e da transformação afirmativa e ativa da realidade (transversalidade).

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PERGUNTAS REFERENTES AO CAPÍTULO II

1) O que são, para o Institucionalismo, as sociedades?

2) O que implica dizer que as instituições são lógicas e que podem estar formalizadas em leis ou normas ou que se manifestam em hábitos?

3) Quais seriam exemplos de instituições? Que são as organizações, os estabelecimentos, equipamentos, agentes e práticas?

4) O que é o instituinte e o instituído, o organizante e o organizado, a função e o funcionamento, a produção, a reprodução e a antiprodução?

5) O que é o atravessamento e a transversalidade?

6) De que está composta a rede social?

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Capítulo III

AS HISTÓRIAS

o que é para o Institucionalismo o termo "história"? Nós temos, empiricamente, alguma noção aproximada do que é história. Numa primeira instância, é importante diferenciar História de Historiografia. A historiografia é o registro dos fatos históricos que a gente encontra nos arquivos e, geralmente, é uma versão que foi conservada e foi publicada porque coincide com os interesses do Estado, das classes dominantes, do instituído e do organizado, que têm recursos para resgatar e promover estes documentos. Naturalmente, registram aquilo que lhes convém. Então, historiografia é esta versão que, em geral, se apresenta como sendo objetiva, neutra, impessoal e que, a rigor, é apenas uma versão tão interesseira, tão tendenciosa quanto qualquer outra, mas que aparece como descritiva, como meramente narrativa. Agora, História, propriamente, não é isso.

Historiar é um processo de conhecimento que pretende reconstruir os acontecimentos nos tempos, mas que o faz assumindo que qualquer reconstrução é feita desde uma perspectiva, que qualquer registro inclui os desejos, os interesses, as tendências de quem faz História. Porque a versão que se tem da História é sumamente importante, enquanto justifica as ações

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e paixões que se protagonizam no presente e, geralmente, justifica e propicia um projeto futuro para a vida social, ou seja, todos os movimentos sociais que se deflagram, que se impulsionam para chegar a este porvir. Algumas coisas que o Institucionalismo tem a dizer com respeito à História podem ser resumidas em poucas palavras:

Primeiro: o Institucionalismo afirma que a História não é, apenas, a reconstrução do que já aconteceu e que já está, de alguma maneira, morto, obsoleto, definido – "o que foi, já foi"-, mas consiste em uma localização daquilo que, de alguma forma, começou, teve início em um passado. Mas o interesse da História institucionalista é o de reconstruir o passado enquanto ele está vivo no presente, enquanto ele está atuante e pode determinar ou já está determinando o futuro. Passado e futuro se constroem e reconstroem incessantemente desde os valores que inspiram a um presente crítico e revolucionário.

Segundo: o Institucionalismo afirma que não existe uma História, uma História que seja como uma espécie de mangueira, de modo que totalize todo o devir da vida social em um espaço e em um tempo só; mas diz que existem "histórias" – multiplicidades econômicas, culturais, ideológicas, do desejo, da afetividade, da vontade, histórias raciais, histórias das gerações. Cada uma delas transcorre num tempo próprio que não se pode uniformizar, que não se pode totalizar, globalizar em um tempo único; de modo que não se pode estudar uma época como se essa época fosse um corte transversal, que se faz num único fluxo da História, como se faria no fluxo de um rio. Trata-se de tentar articular os diferentes tempos dos diferentes processos históricos em alguns momentos, eras ou etapas, que são localizáveis como tais, cronológica ou conceitualmente, no século XVI, no século XI, ou na Idade Antiga etc. Mas isso não significa que este seja o único tempo em que se transcorreram todos os processos. Quer dizer, os processos que constituem a História são processos policronológicos, cada um em sua duração, e é preciso ver como cada um se "adianta" ou se "atrasa" em relação aos outros. Outro aspecto importante da leitura institucionalista do tempo é que não é o passado que engendra o presente, mas o passado está composto de uma série de potencialidades que o presente ativa, que o presente ilumina, que o presente deflagra. Não é o passado que gera o presente, e sim o presente que explora, que aproveita

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ou atualiza as potencialidades do passado para construir u m porvir. Por outro lado, a História não é uma série de etapas fatais, ou mais ou menos determinadas, cada uma das quais origina a seguinte, que começam do zero e vão acabar em dez, cem ou qualquer número final. Não existe uma progressão predeterminada das etapas históricas e, por conseguinte, não existe um apogeu final dos tempos. O Institucionalismo não aceita a idéia de uma escatologia histórica, isto é, um final que pode ser entendido como final feliz – e que nesse caso confirme uma escatologia positiva, ou um final catastrófico ou apocalíptico. Não existe finalidade da História. O que pode ocorrer no dia-a-dia não está inteiramente predeterminado no passado e nem é certo que vá acontecer no futuro. Segundo alguns institucionalistas, o tempo, sempre policronológico, se produz, devém desde um presente em direção ao passado e ao futuro.

Finalmente, outra afirmação importante que o Institucionalismo pode aportar à teoria da História é que nós, com uma explicação claramente mecânica, baseada em paradigmas de ordem que se desenvolveram do século XVII em diante – que têm como modelo a mecânica celeste com suas trajetórias, suas parábolas, suas órbitas, e como correlato à máquina do relógio –, com este metamodelo mecanicista, tendemos a pensar a História em função de suas leis, sendo que os enunciados legais supostamente dão conta dos processos repetitivos que transcorrem na realidade. Somos levados a pensar que a História se desenvolve segundo uma ordem de características mais ou menos maquinais, que tende a repetir-se e que, em todo caso, quando não se repete é porque tem conseguido produzir alguma diferença em relação a uma provável repetição do idêntico ou do igual. Então, esta concepção da História que faz da diferença uma variação análoga ou semelhante do igual, ou do idêntico, não é compartilhada pelo Institucionalismo. O Institucionalismo diz que o que, predominantemente, retoma na História, não é o igual, não é o idêntico, não é o regular, não é aquilo que se pode captar por leis típicas da mecânica física ou da mecânica celeste, do relógio ou do calendário, mas que o que se repete na História é a diferença, é o acaso, é o inesperado, o acontecimento, o imprevisível, o aleatório. E que são estes grandes ou pequenos momentos de repetição do diferente (por exemplo: do instituinte) que depois

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vão tentar ser capturados pelo instituído, pelo organizado e repetidos como idênticos.

Bem, esta concepção da História que estou sintetizando ao máximo, com contribuições de diferentes tendências institucionalistas, não é apenas um exercício acadêmico, mas está estritamente relacionada com a concepção da práxis, da atividade político-social desejante que o Institucionalismo tem, e com a utopia ativa, quer dizer, o propósito, o objetivo, a finalidade e os recursos do Institucionalismo. Porque se bem o Institucionalismo interessa-se em estudar as leis do que tende a repetir-se, ele está mais implicado em assumir uma práxis que propicie o advento do inesperado, do acontecimento, da inovação absoluta. Então, trata-se de entender como a História é não apenas uma atividade ilustrativa, uma investigação erudita, mas uma tentativa de reconstruir os grandes momentos de imprevisto, os grandes momentos de acaso que transformaram o curso da humanidade, para a partir desses ensinamentos, produzir estratégias que permitam propiciá-los novamente. A História se estuda para aprender como militar a favor da transformação, não de uma transformação previsível, não de uma transformação pré-figurada, mas da transformação em direção ao radicalmente novo e, portanto, absolutamente desconhecido. Tentemos agora definir outros conceitos importantes.

O termo molar, outro termo que tínhamos de comentar e que se entende em contraposição ao termo molecular, é uma contribuição feita por algumas escolas institucionalistas e que vou tentar explicar brevemente.

Para os institucionalistas não existe uma separação radical entre vida econômica, vida política, vida do desejo inconsciente, vida biológica e natural. O que existe são imanências – isto é, a inerência, a posição intrínseca de cada um destes campos em relação aos outros, que só se podem separar de uma maneira artificial para a finalidade de seu estudo. A rigor funcionam sempre, por assim dizer, um "dentro" do outro, incluindo-se no outro. Então, dentro desta concepção da vida social como uma rede, em que os diversos processos são imanentes um ao outro, pode se distinguir o molar, que, dito de uma maneira simples, é aquilo que é grande, que é evidente, que tem formas objetais ou formas discursivas, visíveis e enunciáveis. Por outra parte temos o molecular, que é o que na física se costuma chamar micro, por

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oposição a macro, isto é, o mundo atômico e subatômico, o mundo das partículas, enquanto o mundo macro por excelência seria, por oposição, o universo, o cosmos, que é composto de grandes corpos. Então, tomando esses ensinamentos da microfísica, da microquímica, da microbiologia, da biologia molecular, o Institucionalismo afirma que as grandes mudanças históricas, as macromudanças, são sempre resultado de pequenas micromudanças, e que os grandes poderes em vigor na sociedade são apenas forças resultantes de pequenas potências que se chocam e conectam em espaços microscópicos de uma sociedade. Como até mesmo a física, a biologia e a química descobriram que as leis que regem os processos e as entidades macro não são capazes de dar conta da dinâmica que acontece nas micro. O macro é o lugar da ordem, é o lugar das entidades claras, dos limites precisos, é o lugar da estabilidade, da regularidade, da conservação. O micro, dito tanto no sentido físico, químico, biológico quanto no sentido social, político, econômico e desejante, é o lugar das conexões anárquicas, insólitas, impensáveis. O macro é o lugar da reprodução, e o micro é o lugar da produção; o macro é o lugar da conservação do antigo ou da propiciação do novo previsível, e o micro é o lugar da eclosão constante do novo; o macro é o lugar da regularidade e das leis, o micro é o lugar do aleatório e do imprevisível. Esta diferenciação também é importante porque, em geral, o Institucionalismo confia em analisar e propiciar as mudanças locais, as transformações microscópicas, as conexões circunstanciais, porque espera delas efeitos à distância que, ao generalizarem-se, resultam nas grandes metamorfoses, do instituído e do organizado, o detectável e consagrado. Dito com outras palavras, o Institucionalismo pensa que as pequenas conexões locais são o lugar do instituinte, e entendê-lo assim está estritamente relacionado com as estratégias de intervenção nos âmbitos, nos espaços de atuação que o Institucionalismo vai tentar propiciar. Eles são os pequenos lugares intersticiais da vida natural-social-técnica e subjetiva, e não os grandes blocos representativos dos territórios constituídos.

Finalmente, é importante definir o termo antiprodução. Se não me engano, já tentamos reiteradamente definir e redefinir o termo produção. Produção é aquilo que processa tudo que existe, natural, técnica, subjetiva e socialmente. É a permanente

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geração, enquanto não se cristaliza; é o devir, é a metamorfose, é o que, com uma terminologia ainda religiosa, chamaríamos de criação. Mas no momento em que as forças produtivas entendidas de maneira muito ampla, as forças instituintes-organizantes, são capturadas em grandes organismos reprodutivos como o Estado ou o mercado capitalista, vigora a antiprodução. Por exemplo, elas são voltadas contra si mesmas, de maneira que a produção, as energias não orientadas, as matérias produtivas ainda não formadas são retidas pelos mecanismos, pelos equipamentos, pelos organismos e forças de toda ordem que propiciam a reprodução do mesmo, o impedimento ou a destruição do novo, elas tornam-se antiprodutivas, elas se destroem a si mesmas. É o que subjaz a grandes processos sociais como as guerras; é o que subjaz a célebres atitudes sociais como a de destruir os produtos porque o preço caiu no mercado; é o que subjaz à geração de enormes contingentes sociais que estão destinados a morrer, e que morrem não apenas por deficiência da provisão ou da organização, mas por atitudes ativas do poder destinadas a destruí-los, como é o caso da marginalidade, da mortalidade infantil, dos preconceitos sexuais e raciais, do alcoolismo, da tóxico-dependência, dos genocídios coloniais, neocoloniais e planetários contemporâneos etc. Essas são potências, são forças singulares, produtivas, que a sociedade não está em condições de incorporar porque não pode transformá-las em mercadoria, seres, bens, valores, serviços – não pode assimilá-las à lógica do sistema. Então, ou as deixa morrer, ou as mata por meio de mecanismos mais ou menos deliberados, mais ou menos premeditados. Esse processo de autodestruição das forças produtivas naturais, sociais, subjetivas e tecno-industriais que a sociedade faz chama-se antiprodução. Um desses processos característicos é o problema ecológico, que só agora se está" descobrindo", enquanto já era evidente desde meados do século passado com o processo produtivo industrial' mercantil baseado na geração de mercadorias, de bens de troca e não de bens de uso, que vem destruindo o reservatório fundamental de matéria-prima e de vida que é a natureza. Agora, isso se torna moda; mas foi sempre assim, e é uma das expressões mais radicais da capacidade antiprodutiva do sistema dominante no mundo. 42 ▲

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Para qualquer tendência sociológica, científica-política ou econômica clássica, já é completamente evidente que não se pode pensar os processos característicos de cada área – não se pode conceber o que acontece em economia, em política ou sociologia – com independência do psiquismo dos homens, prescindindo do que antigamente se chamava as almas dos homens. Ou seja, apesar de se poder acreditar que é o econômico que determina, em última instância, as características da vida e da morte social, ou que se possa supor que é o político o tal determinante, hoje se sabe, e ninguém pode negá-la, que por mais determinados, por mais submetidos às leis econômicas e políticas que estejam os homens, eles só entram nesses processos de dominação, de exploração, de mistificação ou, pelo contrário, em processos revolucionários, se estes, de algum modo, coincidem com suas crenças, representações, convicções acerca da vida social. E também não entram se suas expectativas, suas vontades, seus desejos não se encaminham nessa direção. Isso é claríssimo. O Institucionalismo tende a não privilegiar a priori nenhuma determinação mais que outra, isto é, são tão importantes as vontades, os desejos e as representações com que os homens entram nos processos históricos quanto as estruturas "materiais", econômicas, políticas ou naturais que os determinam. Mas a isso temos de acrescentar que a partir da contribuição psicanalítica, sabe-se que as vontades, os desejos mais potentes que dirigem a conduta ou a vida dos homens, são inconscientes, isto é, não fazem parte de seu saber, de seu querer deliberado. Em última instância, os homens entram nos processos históricos e sociais determinados por forças desejantes, por vontades que eles não controlam e não conhecem, mas que têm a ver com o prazer, que têm a ver com o sofrimento e têm a ver com vivências e mecanismos subjetivos ainda mais profundos. Hoje, por exemplo, está cada vez mais evidente para os economistas que o "melhor" plano econômico não funciona se não se consegue mobilizar as forças desejantes dos integrantes de uma população, não só seus interesses, para provocar o consenso dos agentes em torno deste plano; e ainda mais, que o "pior" dos planos é capaz de funcionar quando se consegue essa mobilização. E não se trata apenas de conseguir uma adesão consciente ou uma credibilidade voluntária, mas de mobilizar forças inconscientes às quais se apela, ainda passando por cima das crenças e convicções dos agentes

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sociais. Isso também não é novidade. Já a partir de Reich, o grande psicanalista marxista, nós nos interrogamos constantemente porque, em lugar de colocar-se o problema de que ocasionalmente os operários estejam em greve ou que circunstancialmente os soldados se rebelem contra seus superiores, não nos perguntamos porque os operários não estão sempre em greve, porque os soldados não se unem para executar definitivamente seus superiores. Por que os povos atuam contra seus reais interesses e vontades? Então, não se trata apenas de dizer que o fazem por medo, porque os acontecimentos históricos demonstram que os povos quando se mobilizam, quando as forças inconscientes se ativam, não têm medo de nada e têm como se fosse uma plena consciência de sua potência. Eles correm perigos tremendos ou – combatem lutas desiguais, mas eles operam as transformações sociais. Não se trata também de dizer apenas que os povos são ignorantes, porque se é certo que o sistema se ocupa de manter os povos ignorantes ou erradamente informados, já se tem visto processos históricos em que os povos são capazes de produzir um saber acerca de suas condições de existência que não precisa, passar pelo saber transmitido pelos meios de divulgação, nem necessita submeter-se ao saber acadêmico. Os povos checam seu próprio saber sobre suas condições de vida na luta cotidiana pela transformação desses campos de existência e levam à frente movimentos de imenso poderio, de incalculável potência social, sem apelar para os saberes instituídos e estabelecidos. Então, o importante a ser reconhecido é a existência dessas forças inconscientes que o Institucionalismo denomina desejo, por ressonância ou por uma re-elaboração do conceito de desejo inconsciente da Psicanálise. A diferença consiste em que o desejo inconsciente em Psicanálise está sempre relacionado com uma estrutura chamada Complexo de Édipo: é um desejo que atua primeiro na vida familiar, nas relações ou nas fantasias incestuosas ou parricidas do inconsciente infantil e que, depois, se translada para a vida social com as mesmas características. O desejo segundo a Psicanálise é um impulso que tende a reconstituir estados perdidos a se realizarem em fantasmas imaginários, é uma tendência reprodutiva, é um anseio que tende a restaurar o narcisismo, que supostamente, em algum momento, foi o estado em que o proto-sujeito esteve integralmente. O desejo no Institucionalismo não tem essas peculiaridades. O desejo do

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Institucionalismo é imanente à produção, é (digamos provisoriamente) o aspecto subjetivo (mas não apenas psíquico) da mesma força que no social é o instituinte. É uma força que tende a criar o novo, entendido como o imprevisível, é uma força de conexões insólitas, é uma força de invenção e não é uma força restauradora de estados antigos. Mas é inconsciente. Só que este inconsciente não se entende exclusivamente como um inconsciente edipiano, familiarista, repetitivo, mas também como um inconsciente pré-pessoal, pré-social e pré-cultural, objeto de um saber que toma elementos de todos saberes existentes; trata-se de matérias não-formadas e energias não-vetorizadas que são capazes de gerar transformação. A força desse inconsciente não está submetida apenas por um recalque psíquico, mas por um recalque complexo que é simultaneamente político, libidinal, semiótico etc. Então, para o Institucionalismo não existe o que seria um homem universal, não existe uma estrutura, uma essência-homem. Também não existe uma estrutura, uma essência-sujeito, um sujeito psíquico que seria o mesmo em todas as sociedades, em todos os momentos históricos, em todas as classes sociais, em todas as raças etc. O que se passa é que esse sujeito psíquico, mesmo que se aceite como sendo universal, teria representações ou teria recursos que variariam segundo a sociedade, segundo a classe social ou o grupo a que pertencesse. Para o Institucionalismo não existe esse sujeito eterno e universal, apenas preenchido com conteúdos históricos sociais variáveis. Para o Institucionalismo, o que existe são processos de produção de subjetivação ou de subjetividade. Mais adiante explicarei em que consistem essas duas denominações, mas essa produção é absolutamente contingente, é absolutamente própria de cada lugar, de cada momento, de cada conjuntura histórica etc. Ou seja, produzem-se sujeitos em cada acontecimento-devir-sujeitos para esse acontecimento-devir, sujeitos variavelmente protagonistas desse acontecimento, ou, se pode dizer, é o acontecimento-devir que os produz. E podem existir analogias, podem existir semelhanças entre esses sujeitos. O que importa não é a produção das semelhanças ou de analogias entre os sujeitos, mas a produção de diferenças, a singularidade de cada sujeito produzido em cada lugar, a cada momento. Então, quando nessa produção predomina o instituído, a reprodução de um sujeito do desejo assujeitado aos interesses dominantes, aos

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interesses exploradores, aos interesses mistificantes, ele adota as características de um sujeito mais ou menos universal e eterno. A isto se chama produção de subjetividade assujeitada, subjetividade submetida. Quando o que predomina neste processo é a geração do novo absoluto, de subjetivação absolutamente original, absolutamente singular, absolutamente instituinte, absolutamente contingente, circunstancial e gerada pelos eventos revolucionários, a isto se chama produção de subjetivação livre, não assujeitada, primigênia, produtiva, revolucionária, em que o desejo se realiza em conexões locais, micro, e se efetua gerando o novo, não se concretiza restituindo o antigo, processa-se não reproduzindo o instituído, o organizado, o estabelecido, mas se realiza gerando o instituinte e o organizante.

Por que esta discriminação é importante? Porque na leitura que o Institucionalismo vai fazer de cada organização, de cada estabelecimento, movimento ou proposta, ele vai privilegiar a intelecção de dispositivos que são capazes de produzir subjetivações. E não vai privilegiar, a não ser para denunciá-los, a leitura de aparelhos ou equipamentos que estão destinados a produzir a reprodução de subjetividades submetidas. O mesmo vai acontecer nas montagens técnicas, organizativas, políticas, com as formas de militância, com a "maquinaria de guerra" que o Institucionalismo pretende propiciar em suas intervenções, porque as mesmas têm de estar protagonizadas por novas produções de subjetivação, circunstanciais, transitórias, capazes de encarar o sentido desejante e revolucionário e depois autodissolver-se para deixar seu lugar a outras. Evidentemente, todas essas definições necessitariam de exemplos muito precisos que, pela natureza elementar deste livro, não poderemos dar nesta exposição. Mas a discriminação que tem de ficar claramente estabelecida é que o Institucionalismo, em geral, não .se propõe "pegar" um sujeito reprodutivo que é sempre o mesmo, eterno e universal e invariável em todo tempo e lugar, e trabalhá-lo para torná-lo produtivo. O objetivo institucionalista é criar campos de leitura, de compreensão, de intervenção para que cada processo produtivo desejante, revolucionário, seja capaz de gerar os "homens" (ou sujeitos) de que precisa. Não ajeitá-los a partir de uma suposição de que já estão feitos, mas aceitar a idéia de que os novos homens se fazem a cada momento, em cada circunstância.

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Essa exposição que se acaba de ler não segue ao pé da letra as teorias sistemáticas da Psicanálise, o Marxismo ou as psico-sociologias de cunho fenomenológico, positivista, culturalista ou estrutural-funcionalista. Em muitas passagens, pode ficar sincrética ou imprecisa demais. A intenção não é dar uma série de definições acadêmicas fiéis a seus textos de origem. Este é o caso, por exemplo, de quando falamos do inconsciente ou do desejo. O contexto em que falei dessa questão ainda é um espaço teórico algo clássico, que habitualmente se aborda com o nome de ideologia. É verdade que há uma certa definição de ideologia que a considera como uma série de representações erradas, de crenças, de convicções acerca do mundo, que está animada pela ilusão, pela esperança e pelo medo. Costuma-se reconhecer que existem ideologias dominantes que são as ideologias da classe dominante, ou seja, que são ideologias conservadoras, reacionárias. Por outro lado, existem ideologias revolucionárias, que são ideologias das classes, dos grupos que procuram uma drástica transformação social. Em geral fala-se dessas ideologias como sinônimo de consciência falsa ou distorcida. São crenças, convicções ou expectativas e desejos conscientes. Ademais, afirma-se que a ideologia dominante na sociedade é a ideologia dos grupos dominantes, é uma ideologia que se impõe pela ignorância ou a distorção, apesar de ser contrária aos interesses da maioria. Então, costuma-se dizer que a maneira de reverter essa situação é instruir, é educar, é modificar essas representações, é criar outro tipo de expectativa ou vontade, é conscientizar acerca dos limites da potência que tem a classe dominante, conscientizar acerca do potencial de prazer, de gozo, de eliminação do sofrimento que teria uma transformação social protagonizada pela classe dominada. Mas é importante recordar que desde um bom tempo atrás já existem pesquisas e produções teóricas que mostram que não é apenas por medo ou esperança, por ignorância, informações erradas ou manipuladas que as classes, os grupos e sujeitos submetem- se aos interesses das classes dominantes. Eu citava o célebre psicanalista Reich quando ele, estudando o movimento nazista da Alemanha, afirmava que o povo alemão não estava desinformado; talvez estivesse incorretamente informado, mas é difícil acreditar que o povo mais culto da Europa fosse capaz de acreditar nas asneiras que estavam sendo ditas; e também

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não tinha tanto medo, porque era um povo muito orgulhoso, muito seguro de suas forças, com um proletariado muito politizado. E, sem d úvida, este povo acabou aderindo maciçamente ao projeto nacional-socialista, um projeto de dominação do mundo, racista, machista, que reunira em si todos os autoritarismos, todos os paternalismos, toda a capacidade antiprodutiva de uma sociedade moderna. Por quê? O que W. Reich diz é que foi devido não apenas às circunstâncias históricas econômicas, políticas e ideológicas que todo mundo conhece, mas também a determinantes, digamos, histórico-eróticos, libidinais, que fizeram com que este líder fosse capaz de mobilizar certos desejos inconscientes da massa e fazê-la participar de um projeto onipotente e sádico, uma maneira de realizar inconscientemente esses desejos, desejos inconscientes de domínio, de exercício da crueldade, desejos inconscientes que, segundo Reich, eram maneiras de restituir a cada um deles o estado utópico narcísico perdido. Reich já sabia que não é apenas com a consciência que se consegue dominar os povos, fazê-los operar contra seus potenciais e interesses, mas com outro tipo de mobilização. O Institucionalismo vai recolher bastante de Reich, mas reformulando-o segundo sua própria compreensão do desejo – que não é o desejo segundo a Psicanálise de Reich; não é o desejo exclusivamente psíquico ou inconsciente (segundo o inconsciente edipiano da Psicanálise), mas o desejo imanente a todas as forças materiais possíveis de potência produtiva. Não é um desejo que, por natureza, pretenda restituir alguma coisa perdida, mas é um desejo que, por substância, é revolucionário. Este tipo de desejo inconsciente, que tem de ser lido no campo da análise e mobilizado pelas intervenções, pelos dispositivos instituintes, para que opere historicamente segundo sua verdadeira essência e não seja encaminhado a animar máquinas reprodutivas e antiprodutivas.

O emprego que aqui fizemos de uma verdadeira proliferação de termos é uma peculiaridade do caráter intertextual e descartável da terminologia institucionalista. É possível que seja um tanto confuso, particularmente com relação ao léxico sistemático da Psicanálise ou do Materialismo Histórico.

Eu me surpreenderia se estivesse claro. Afinal, tudo o que teria de ser dito sobre Psicanálise, o Édipo, a concepção psicanalítica do desejo e o Institucionalismo é muito mais amplo

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do que a gente pode dizer aqui. Se alguém observa no meu rel ato restos da nomenclatura psicanalítica, isso pode ser até uma espécie de interpretação ou intervenção institucionalista sobre meu discurso, na medida em que, por mais que a gente se envergonhe, a gente também é psicanalista. É evidente que chegamos ao Institucionalismo a partir de identidades diferentes. Há institucionalistas psicanalistas. Cada um de nós tem de lutar contra constrições, restrições teóricas e técnicas e "práxicas" que a sua identidade prévia lhe impõe. Porque ser institucionalista implica uma tremenda transformação do aparelho teórico, metodológico, técnico da atitude profissional e da atitude específica do especialista. Então, nesta função que estou cumprindo agora, não me surpreende que eu tenha as minhas vacilações. Não sei se elas foram percebidas. Obviamente não são registradas por mim, que sou interessado e, portanto suspeito. Tenho a impressão de que não é tanto assim: "Apenas por egossintonia." Mas o que aparece na mudança do caminho é o seguinte: o Institucionalismo é um saber intersticial, é um saber nômade, é um saber errático; então, ele pega algum elemento de cada campo do saber e do fazer e tenta agregá-lo a novos contextos para criar uma idéia nova. Em compensação, o Institucionalismo não é uma ciência, não é uma disciplina, não tem objeto específico, não tem aparelho teórico conceitual restrito, não tem um objeto formal abstrato. Então, o que eu estava tentando explicar com referência ao desejo e ao inconsciente é que este é uma idéia repensada, porque o Institucionalismo não a toma emprestada, não a importa (como se diz em epistemologia); o Institucionalismo "rouba" alguma coisa de cada corpo teórico e se sente com direito de roubar, porque não respeita a propriedade intelectual privada nem específica. Por exemplo: O roubo que o Institucionalismo fez da Psicanálise e do conceito clássico de essência do desejo inconsciente como força capaz de gerar uma série de efeitos, como o valor do prazer e do desprazer no campo libidinal, no plano das "escolhas objetais". Mas o Institucionalismo vai transformar este conceito. O desejo inconsciente na Psicanálise é uma força que insiste em restituir imaginariamente o narcisismo como estado inicial em que coincidem investimento e identificação; então, como é que a Psicanálise atua? Ela o faz tentando impedir que o desejo reatualize a unidade imaginária do ego do sujeito com o objeto narcísico por meio da castração

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simbólica, orientando e fluidificando o desejo através do sistema simbólico. O desejo se mobiliza para restituir imaginariamente o narcisismo. A intervenção psicanalítica o obriga (mais que lhe possibilita) a animar o sistema simbólico, a representar, a significar, a sublimar. Por sua vez, o Institucionalismo não acredita que a essência do desejo seja restitutiva, nem que deve ser capturado no sistema simbólico, nem obrigado a nada. Ele pensa que o desejo é espontaneamente produtivo, revolucionário, inventivo. Apenas se deve criar condições para que ele possa animar dispositivos e máquinas revolucionárias capazes de realizá-la em acontecimentos e devires. Para o inconsciente psicanalítico o desejo nunca se realiza, é da característica do irrealizado, só pode imaginar-se e simbolizar-se. Para o Institucionalismo, o desejo realiza-se sempre, apenas é preciso produzir condições históricas em que ele possa realizar-se produtivamente. Isso inclui engendrar modos de subjetivação que co-protagonizem este processo.

Para alguns institucionalistas, se é que eles aceitariam essa denominação genérica, o inconsciente e o desejo são a substância mesma da realidade (como diria o filósofo Espinoza), da qual se diz que se repete como diferença, ou seja, que é o Ser do Devir sempre infinitamente diferente. Também se afirma que é a Vontade de Potência afirmativa e a ação das forças positivas (como postularia Nietzsche) que gera o inter-jogo de forças e a origem de tudo. Kant talvez diria que o desejo consiste em quantidades intensivas, que são prévias às quantidades e qualidades de tudo que existe. Bergson falaria das virtualidades – que não existem, mas são reais, e só esperam sua atualização. Para certos institucionalistas, o inconsciente é produzido em cada agenciamento, em cada dispositivo que se autogera para originar um acontecimento e um sentido. Tais inconscientes não são causados por sujeitos nem por objetos, pelo contrário, eles podem processar modos de subjetivação e objetivação que são necessários para as novidades produtivas que os geraram em sua montagem.

Não obstante, nos propomos voltar sobre o tema no capítulo seguinte. Apenas observemos que, para certas correntes do Institucionalismo, o sujeito é uma organização por meio da qual se realizam muitas instituições. Assim entendido, o sujeito é produto de processos instituintes, organizantes, criadores, assim como de outros repetitivos ou antiprodutivos. É por isso

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que as diversas escolas institucionalistas tentam analisar e intervir sobre o sujeito-organização em suas relações de atravessamento e de transversalidade com outras organizações: subjetivas ou não (ou seja: no trabalho, na educação, na saúde etc.), outras correntes institucionalistas não dizem que o sujeito é apenas uma peça do processo de produção de subjetividade alienada ou de subjetivação revolucionária. Esses processos são imanentes a muitos outros e sua abrangência e produtos são muito mais amplos e complexos do que aquilo que se entende por" sujeito".

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PERGUNTAS REFERENTES AO CAPÍTULO IV

1) Que diferença existe entre História e Historiografia?

2) Existe uma História que totaliza todos os percursos dos processos sociais-econômicos-subjetivos e naturais?

3) O que significa Molar e Molecular?

4) O que se entende por produção, reprodução e antiprodução?

5) Qual é o papel da repetição e da diferença, do acaso e das regularidades na História?

6) Qual é a diferença do modo de definir sujeito e desejo: na Psicanálise e no Institucionalismo?

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Capítulo IV O DESEJO E OUTROS CONCEITOS NO INSTITUCIONALISMO

Eu dizia, em uma passagem do capítulo anterior, que não me estranharia que muitos dos conceitos do Institucionalismo não fossem fáceis de entender, assim como a essência mesma do Movimento.

O filósofo Gaston Bachelard escreveu um livro chamado "Psicanálise do Espírito Científico". Na realidade, não se tratava propriamente de Psicanálise e, por outro lado, se compreenderá que não se pode falar, em um sentido estrito, de "espírito científico" – só Sé pode aceitá-lo como uma metáfora. O mencionado texto tratava de caracterizar os principais hábitos do pensamento corrente que, por estarem muito arraigados, produzem um efeito de convicção na "mente" de quem pretende formar-se como cientista. Esses "vícios" do senso comum operam como obstáculos que dificultam ou impedem o estudioso de assumir as peculiaridades de funcionamento dos diversos métodos científicos, cujas "verdades" freqüentemente contrariam as evidências da opinião generalizada. Bachelard tentava um trabalho epistemológico que operasse uma espécie de "cura" dessas crenças para conseguir, assim, a predisposição dos

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"espíritos" para a adoção de uma atitude tipicamente científica.

Não ignoro que, devido às deficiências da formação geral e universitária da qual padecemos, muitos ainda não podem estar certos de haver adquirido o mencionado" espírito", ou um outro melhor ainda, por isso torna-se especialmente difícil exigir-lhes, neste momento, que comecem a aprender a criticar-se enquanto "científicos", entendendo a singular proposta do lnstitucionalismo. Cabe aqui lembrar que, a despeito do Institucionalismo nutrir-se em grande parte das contibuições mais revolucionárias das ciências contemporâneas, tem com elas uma relação contraditória, polimorfa e complexa.

Um típico problema que se apresenta quando se trata de ensinar alguma ciência em particular passa-se devido ao fato de que, semanticamente falando, alguns termos teóricos que as ciências empregam são idênticos aos utilizados na linguagem cotidiana. No entanto, sabemos que essas palavras, quando importadas e processadas no seio de uma teoria científica, mudam radicalmente de sentido, não conservando nenhuma das denotações e conotações (como diz certa lingüística) que tinham nos discursos ou textos de origem. Contudo, ainda durante um longo período de sua aprendizagem, os jovens estudantes de uma ciência continuam confundindo essas diferentes significações.

As diversas correntes institucionalistas, por sua parte, podem empregar termos teóricos com acepções idênticas às utilizadas pela ciência de onde um conceito foi tomado, ainda que invariavelmente o façam isolando esse conceito do contexto sistemático no qual o mesmo foi enunciado e do qual recebe seu valor de origem.

Em outros casos, o Institucionalismo procede adotando algum termo, mas o faz acrescentando-lhe sentidos que se somam aos originais, sem descartá-las. Finalmente, o Institucionalismo pode também transformar um conceito em uma categoria, ou em uma noção, ou até em uma alusão vaga, se considera que, em determinada conjuntura, torna-o revelador.

Para concluir, cabe recordar que o Institucionalismo é a expressão, algo extremada, de um questionamento da hegemonia do pensamento científico como tal e de suas diversas especificidades, defendendo a fertilidade de todos os saberes, incluídos, por exemplo, os que existem em "estado prático" nas

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atividades leigas, artísticas, religiosas etc.

Por isso, às vezes é duro, para quem se aproxima deste estudo, aceitar e entender a polissemia que adquirem semantemas provenientes, digamos, da Psicanálise (inconsciente, desejo etc.), ou outros originários de algumas escolas do Materialismo Histórico (sobredeterminação e mais-valia, por exemplo).

Agora, peço-lhes que se coloquem um pouco no lugar do docente. Estou tentando dar um curso introdutório de um saber que não tem limites. Se os profissionais, especialistas de alguma disciplina, queixam-se da incrível aceleração na produção de conhecimentos de cada saber, que faz com que os experts não consigam acompanhar essa produção – em alguns ramos muito desenvolvidos, como a Física, chega-se a afirmar que o expert só tem dez anos de vida útil, tendo se tornado descartável como os jogadores de futebol, pois depois de uma década já não consegue acompanhar o ritmo de produção teórica e tecnológica de sua disciplina e não chega a atualizar-se. Imaginem vocês uma coisa como esta, que é um composto de todos os saberes de uma época, inclusive os saberes não-científicos, os artísticos, os populares; então a formação de um institucionalista realmente é interminável.

Estou tentando dar uma visão panorâmica geral, muito pouco aprofundada e ambiciosa, de certos conceitos, de certas idéias básicas e de algumas das principais correntes. Não nego que algumas ampliações sejam essenciais, mas justamente porque o são, desenvolver esses temas, no caso de eu estar capacitado para fazê-lo, levaria a outros tantos cursos. Este é um pequeno esclarecimento e uma desculpa pelo tratamento que tentarei dar a várias questões, que terá de ser breve, para que eu possa desenvolver este capítulo coerentemente com o resto do texto.

Comecemos por lembrar que não existe uma escola institucionalista, mas sim muitas, e existem diferenças teóricas, metodológicas,. técnicas, políticas entre elas. O que há como característica comum é o interesse pela produção nas organizações e instituições, assim como por um funcionamento auto-analítico e autogestivo das mesmas. É o mínimo denominador comum que se consegue encontrar entre as várias tendências. Agora, entre as muitas diferenças existentes de uma para a outra, está a definição dada a "desejo". Boa parte delas reconhece a existência do psiquismo como um campo

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relativamente autônomo da realidade. A maioria delas aceita, dentro desse campo chamado psiquismo, a existência de um espaço, de um sistema e de processos de caráter inconsciente que considera do campo das causas, da área dos motores do funcionamento psíquico, sendo que o comportamento, a conduta, as vivências, as representações e afetos são do campo dos efeitos deste psiquismo. No entanto, a maioria deles atribui à Psicanálise o mérito de ter descoberto esta instância determinante, que seria o inconsciente com seu processo primário e a força que anima essa instância, que é o desejo. Boa parte deles concorda com a definição de desejo que seria predominante à colocada em muitos textos freudianos. Em que consiste esta definição de desejo? Seria uma força insistente, persistente, que procura restaurar, reeditar, em último termo, um certo estado do "desenvolvimento" do psiquismo que se denomina narcisismo, em que o ego e o objeto são um, em que não existe a separação sujeito-objeto – que a Psicanálise atribui ao Complexo de Castração. Então, a partir da ruptura desse estado, surge uma força que seria o desejo, que tenta reproduzi-lo. Quando a mesma é obrigada a passar por outras instâncias, outros dispositivos, outras maquinarias do psiquismo, particularmente por certa ordem de representações, ela acaba gerando todos os produtos chamados "normais" da vida psíquica, que são rendimentos, resultados dessa trajetória que o desejo faz em lugar da sua realização meramente "alucinatória", ou seja, de sua tentativa de restauração desse narcisismo inicial. Isso, como o leitor avaliará, inclui uma definição restitutiva do desejo; o desejo tem uma natureza conservadora; ele parte de uma situação narcisística e tende a voltar a ela; ele torna-se produtivo apenas quando nesse caminho, nessa trajetória, é obrigado a elaborar, e a sublimar, devido à sua subordinação à ordem simbólica, a lei ou a sua inscrição no processo secundário (como se queira chamá-lo). Muitos institucionalistas compartilham plenamente essa definição de . desejo e a aplicam à compreensão dos aspectos psíquicos da vida organizacional, usando-a no entendimento do funcionamento da subjetividade, assim definida nas organizações, particularmente em seus aspectos inconscientes. Um exemplo característico de um autor institucionalista que é absolutamente fiel a esta definição freudiana de desejo, embora tente articulá-la com uma teoria materialista-histórica da sociedade, da economia,

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da política e das organizações, é Gerard Mendel, criador de uma corrente institucionalista chamada Sociopsicanálise, à qual vamos nos referir mais adiante porque está contemplada em nosso programa. Já uma definição menos fiel à freudiana é a de René Lourau, que recolhe a definição de desejo de uma forma menos ortodoxa. Mas se a gente estuda a obra freudiana com amplitude e detalhe, percebe setores da mesma em que essa definição de desejo, que explicamos anteriormente, mostra-se característica, por exemplo, do capítulo VII da "Interpretação dos Sonhos" e da chamada primeira tópica. Entretanto, existe a possibilidade de outra definição baseada nas passagens freudianas em que o Id é pensado como um "caldeirão fervente" cheio de estímulos, no qual a pulsão de vida funciona segundo o processo primário. Nesse caldeirão estão incluídos os impulsos libidinais e desejantes dessa "usina" – que têm por objetivo não a restituição de estados perdidos, mas propiciar, de forma anárquica, estados permanentemente novos; associar, cada vez mais amplamente, unidades vitais; processar o movimento como sendo a essência da pulsão de vida e do desejo que dela emana. Justamente a partir dessa definição surgiu a plêiade de inúmeros autores que impugna a existência de uma pulsão de morte no psiquismo, assim como a exclusividade de um modo de ser do desejo em cujo extremo está a pulsão de morte que tenta restaurar um estado imaginário perdido, e com ele a imobilidade. Estamos vivendo uma situação cultural em que se está impondo a hegemonia de uma das leituras do desejo que Freud fez (a estruturalista). Estamos assistindo, mundialmente, a uma certa fragilidade das proposições do marxismo ortodoxo, assim como a de uma série de autores que partiam desse outro setor da obra freudiana para definir a pulsão e o desejo, como por exemplo, os freudo-marxistas. Então, não é estranho que isto se apresente como uma dificuldade para os interessados no assunto, porque este é um problema muito atual e de muita disputa teórica. No entanto, outros setores do Institucionalismo, particularmente Deleuze e Guattari – os criadores desta orientação chamada Esquizoanálise, muito pouco conhecida e muito pouco implantada tanto em nosso meio como rio mundo inteiro –, levam as proposições freudo-marxistas dessa outra definição do desejo até extremos pós-freudianos e pós-marxistas baseados já em outras contribuições de disciplinas atuais, como a filosofia, a macrofísica,

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a microfísica, a biologia molecular e certos campos das ciências formais, por exemplo a matemática de Rieman. Os "descobrimentos" desses saberes têm dado origem ao que se chama de uma mudança de paradigma, uma transformação do modelo dominante no horizonte atual do conhecimento. Essa mudança, em um de seus aspectos, consiste na promoção de certo poder criativo da desordem, na reivindicação da neguentropia, ou tendência à autopoiese, na defesa da produção, da vitalidade, inclusive na ma terialidade psíquica e seus determinantes em última instância, que seriam a pulsão e o desejo. Então, Deleuze e Guattari, também apoiados na literatura, na arte, e ainda no discurso delirante, constroem uma definição de desejo como sendo não apenas a força que anima o psiquismo, mas uma força essencialmente produtiva e criativa buscadora de encontros que, além de tudo, é imanente a outras forças animadoras do social, do histórico, do natural. O desejo não tem caráter restitutivo – tem caráter essencialmente produtivo-revolucionário – e não é uma força separada das que animam a vida social e natural. Por isso há uma fórmula na Esquizoanálise, que afirma que a Esquizoanálise consiste em introduzir o desejo na produção e a produção no desejo. Trata-se de aprender a pensar um desejo essencialmente produtivo e uma produção, dita no sentido amplo, que não pode ser senão desejante – à medida que funciona como o processo primário inventado por Freud e considera as subjetivações essencialmente envolvidas nesses processos produtivos, tanto quanto na natureza e nas máquinas técnicas e semióticas.

Outra questão a ser abordada diz respeito à determinação em última instância. Bom, Marx afirma que a vida social está estruturada como uma espécie de edifício, em que há os alicerces e há as paredes superiores visíveis. O que Marx insiste em afirmar é que a vida social está finalmente determinada pela atividade econômica, isto é, por processos de produção de bens materiais indispensáveis para a produção e a reprodução da vida humana sobre a terra. Dessa maneira, a chamada infra-estrutura determina a superestrutura, apesar de que Marx nunca negou que a superestrutura retroaja sobre a infra-estrutura. Assim, as resultantes desse processo complexo não são causadas, de forma alguma, exclusivamente pelo econômico, não podendo ser entendidas dessa maneira. E também não seriam modificáveis

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exclusivamente a partir do econômico. Um de seus seguidores, Louis Althusser, utilizando outro modelo de formalização da estrutura social – modelo esse tomado da matemática dos conjuntos – representa a vida social como uma composição de três subconjuntos que estão parcialmente intersecionados, de maneira que algumas áreas desses subconjuntos têm autonomia relativa e outras são superpostas ou imanentes entre si. Mas o conjunto total, o sistema, que Althusser chama "todo complexo articulado, diversificado e sobredeterminado", funciona interpenetrado, de maneira tal que haverá um determinante em última instância, que em todos os modos de produção é o econômico, uma instância dominante e uma instância decisória ou decisiva. O determinante em última instância é o que define o papel dos outros e da sua participação causal na determinação dos efeitos econômico-sociais, mas não exclusivamente, e sim mediatizado por aqueles. A instância chamada dominante é aquela fundamental para a reprodução do modo de produção, para que o modo de produção se reproduza "idêntico" a si mesmo. A instância decisória é a fundamental no processo de transformação de um modo para sua passagem a outro. Essa é a determinação complexa pela qual todas as instâncias participam de todo e qualquer dos efeitos e resultados. Althusser a denominou sobredeterminação, um modelo da causalidade que tomou da segunda tópica freudiana, em que ld, Ego e Superego funcionam dessa mesma maneira para determinar qualquer efeito no psiquismo: atos, formações do inconsciente etc. O lnstitucionalisrno, em alguns de seus ramos, tem muito em comum com a proposta althusseriana, à medida que adota essa idéia de sobredeterminação. Outros setores do Institucionalismo têm sua própria teoria da causalidade social. Por exemplo, no caso de Deleuze e Guattari, não é uma teoria da sociedade formada por três subconjuntos que, por sua vez, formam o conjunto total, mas uma sociedade reticular formada por uma grade aberta, uma malha de funcionamentos interpenetrados que são simultaneamente psíquicos, tecnológicos, econômicos, políticos, semióticos e naturais e estão ordenados em três superfícies: de produção, de registro e de consumo. Existem outras teorias da causalidade social próprias de outras tendências institucionalistas, mas todas elas têm em comum a insistência em não separar as determinações psíquicas inconscientes das econômicas, políticas, técnicas, naturais etc.

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Quanto aos principais recursos teóricos do Institucionalismo, o primeiro a ser abordado será o conceito de campo de análise. As diversas tendências do Institucionalismo podem constituir o que se chama – em uma terminologia discutível – um "recorte" da vida social que pode ser desde pequeno até amplíssimo, desde um estabelecimento até, por exemplo, o que Deleuze e Guattari chamam o "Capitalismo Planetário Integrado". Isso significa delimitar um objeto ou um campo e aplicar-lhe o aparelho conceitual do Institucionalismo para entendê-lo, para saber como funciona, como estão colocadas e articuladas suas determinações, suas causas, como se geram seus efeitos etc. Esse objeto pode estar constituído por materiais. muito heterogêneos – por exemplo, as principais correntes do fluxo de capitais no mundo atual –, e isso dará um estudo como aquele no qual participou recentemente Guattari, que se chama "Contratempo". Campos de grande porte poderão produzir um livro como o que escreveu Lourau, que se chama "O Estado e o Inconsciente", uma tentativa de analisar as diversas configurações que o Estado adquire nos diferentes modos de produção no curso da história, nas diferentes civilizações e a forma como o Estado se implanta nos sujeitos a nível inconsciente. Esses campos de análise são terrivelmente amplos. Mas podem ocorrer campos de análise infinitamente menores, como uma análise do significado da festa no Brasil ou uma análise dos efeitos da comunicação de massa em Caruaru, ou o funcionamento dos programas de estudo no vestibular, ou da múltipla escolha para o processo de seleção. Isso ainda não implica necessariamente uma intervenção concreta sobre esse campo assim delimitado; implica um processo de compreensão, de inteligência dos determinantes desse campo. Por isso denomina-se campo de análise.

Outra coisa é o campo de intervenção, que é o "recorte", o espaço delimitado para planejar estratégias, logísticas, táticas, técnicas para operar sobre este âmbito e transformá-lo realmente, concretamente. É claro que o campo de intervenção é, em geral, infinitamente menor que o campo de análise, porque neste momento é demasiado utópico pensar o planejamento de uma intervenção a nível nacional continental ou planetário, O máximo que se consegue delimitar são campos de análise organizacionais. E óbvio, também, que em qualquer corrente de Institucionalismo,

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a constituição de um campo de análise pode estar articulada com um campo de intervenção. Só que um campo de análise é pensável sem intervenção, mas um campo de intervenção é impensável sem um campo de análise. Pode-se compreender e não intervir, mas não se pode intervir sem alguma forma de compreensão. Em geral quando os dois campos se constituem, eles estão articulados entre si: à medida que se compreende, se intervém; e à medida que se intervém, se compreende.

O ponto seguinte é a análise da oferta e da demanda, que também temos de tratar sinteticamente, particularmente dentro do enfoque da análise institucional ortodoxa, cujos autores mais notórios são Lourau, Lapassade e o pessoal que os rodeia dentro de sua Sociedade Francesa de Análise Institucional. Eles insistem em explicar que um passo importante para começar a compreender institucionalmente a dinâmica de uma organização é decifrar, analisar, esmiuçar o pedido que esta organização faz de uma análise e de uma intervenção. Para dizê-la provisoriamente: quais são os aspectos conscientes, manifestos, deliberados, voluntários deste pedido, e quais são seus aspectos inconscientes e/ou não-ditos. A isso chamam análise de demanda, que é um dos primeiros passos para entender em que consiste a conflitiva, em que radica a problemática desta organização solicitante. Mas acontece que, para fazê-lo, o Institucionalismo enfatiza a necessidade de se ter presente a idéia de que a demanda não é espontânea, a demanda não é o primeiro passo de um processo: ela é produzida, de tal modo que existe um passo anterior à demanda que é a oferta. A demanda não existe por si. Quando alguns psicanalistas falam hoje em análise da demanda como a expressão do desejo, eles não têm aparelho teórico para pensar que o processo não começa aí, que essa demanda de análise foi produzida pela oferta prévia de análise, e está marcada, modulada, determinada, desde o princípio, por esta oferta. De modo que para compreender a demanda de análise institucional de uma organização é necessário, antes, incluir a auto-análise, a compreensão de como a organização analítica gerou esta demanda; ou que relação existe entre a publicidade, a divulgação científica ou não-científica, a proposição direta ou indireta dos serviços que a organização analítica faz e que não pode não ser causante, geradora ou moduladora da demanda de serviços que lhe é formulada.

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Um institucionalista muito respeitável e, no meu modo de ver, injustamente pouco conhecido, o paulista que se chama Guilhòn de Albuquerque, tem uma fórmula que não explica todas as situações, mas que é muito ilustrativa, e que gosto muito de usar com fins pedagógicos: ele diz que toda organização de prestação de serviços transmite um recado de maneira mais ou menos consciente ou inconsciente durante o processo de oferta de suas prestações, que consiste aproximadamente em passar ao usuário uma mensagem que diz: "Eu tenho o que te falta e, além disso, você não entende, não sabe em que consiste." Essa mensagem subjaz, está "por trás" de toda oferta de prestação de serviços e, provavelmente, também de bens materiais. Então, quando essa oferta gera uma demanda, ela não pode estar modulada senão pela própria oferta. Quem demanda, demanda alguma coisa que já lhe fizeram acreditar que não tem e que o outro tem. Mas é tão complexa, tão sutil, tão técnica, que ele não sabe o que é. Portanto, para poder dar o primeiro passo em toda análise de intervenção institucional – que é analisar a demanda-, esta análise deve ser articulada com a forma em que foi produzida, ou seja, com a oferta. Isso exige por parte do coletivo analisante, o coletivo prestador de serviço, um severo processo de auto-análise de como produzir a oferta de seus trabalhos. Entre a organização analisante, interveniente, e a organização analisada, intervinda, vai-se produzir uma interseção que gera uma nova organização, que é o verdadeiro objeto de análise. Não existe aqui, então, uma posição clássica de objetividade: não somos os experts que sabem e a organização-cliente não é um objeto passivo e ignorante. Mas juntos é que vamos tentar entender como é esta realidade nova que se deu na interseção de nosso encontro.

Outro termo fundamental dentro do Institucionalismo é analisador. A Psicanálise já classicamente, concebeu o conceito de derivados do inconsciente, formações do inconsciente, formações transicionais ou transacionais – todos esses termos são sinônimos e designam aqueles fenômenos, sejam eles pontuais ou mais amplos, como sonhos, atos falhos, lapsus linguae, chistes, sintomas, delírios, que são elementos privilegiados dentro do material que um paciente apresenta para ser analisado. Esses produtos não são resultado linear de uma instância ou de um setor da personalidade, não são efeitos exclusivamente

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conscientes, nem exclusivamente pré-conscientes, nem exclusivamente inconscientes. Não são dados claramente efetuados pelo superego, nem pelo ego ou o id. São fenômenos resultantes de uma combinação, de uma mistura, da articulação de uma transição ou de uma transação entre todas essas instâncias. Por isso é que se chamam, segundo uma das denominações, efeitos transacionais ou formações transacionais. Só que em Psicanálise estes efeitos têm por característica, pelo menos fenomênica ou técnica, exprimir exclusivamente a problemática de um sujeito, manifestá-la, denunciá-la. O analisador, em análise institucional, é um efeito ou fenômeno formalmente parecido com esses efeitos privilegiados do material da Psicanálise. Mas as diferenças são as seguintes:

Primeira: na materialidade fenomênica, na aparência desses fenômenos, não se privilegiam, absolutamente, os efeitos verbais. Qualquer materialidade pode ser suporte de um analisador, ou seja, um analisador não é necessariamente um discurso, mas pode ser um monumento, a forma como está elaborada a planta arquitetônica da organização, pode ser uma característica dos modos de relação que não está formalizada nem anunciada em parte alguma, ou seja, pode ser um costume e não uma norma, nem uma lei; pode ser um arquivo, isto é, a maneira como está organizada a memória de uma organização; pode ser uma distribuição do tempo ou do espaço na organização. E é claro que podem ser também formas escritas ou faladas do discurso organizacional. Por exemplo, os estatutos, os regulamentos, a carta de princípios, o organograma, o fluxograma etc. E podem ser os relatos ou as mensagens verbalmente proferidas pelos integrantes nas entrevistas, nos questionários ou em qualquer forma de comunicação intersubjetiva. Os mitos, os rituais, o uso do dinheiro, do lazer, da sexualidade, do domínio e o cuidado de si, etc. Então, a materialidade expressiva de um analisador é totalmente heterogênea. Não é que em Psicanálise não o seja, porque sabemos que em Psicanálise os comportamentos, as atitudes corporais, a couraça caracterológica também são considerados formações do inconsciente; só que a Psicanálise tem uma persistente predisposição a privilegiar os efeitos verbais como sendo os veículos predominantes das formações do inconsciente, e a. subordinar os outros à compreensão verbal. Isso é claro. Um analisador não é assim. E essa é a primeira diferença.

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Segunda: um analisador não é apenas um fenômeno cuja função específica é exprimir, manifestar, declarar, evidenciar, denunciar. Ele mesmo contém os elementos para se auto -entender, ou seja, para começar o processo de seu próprio esclarecimento. Isto não é fácil de ser explicado. Uma formação do inconsciente é um produto a ser analisado (com uma maior ou menor intervenção do analista). Um analisador é um produto que pode se auto-analisar. Existem grandes analisa dores e pequenos analisadores. Um grande analisador é a Revolução Francesa, por exemplo, revolução burguesa, como todo mundo sabe, produto de determinados encontros e fluxos de forças da decadência da monarquia e da ascensão da burguesia média, de certo grau de migração do trabalhador do campo para a cidade, acumulação de capital mercantil e usurário etc. Mas esse analisador também produziu a inteligência de seu próprio processo com os pensadores da Revolução Francesa e ele foi capaz de autoconduzir-se dentro de certos limites à plenitude da realização de seu destino histórico, que foi marcar o fim do feudalismo e o início ou as preliminares do capitalismo incipiente e do socialismo real. Mas podem haver pequenos analisadores, e esses podem ser um conflito dentro da organização, um determinado acidente numa usina atômica (geograficamente pequeno, pelo menos) etc. Só que esse analisador, colocado em condições propícias, tem a possibilidade de não apenas manifestar-se, mas também de se compreender; ele não precisa ser analisado de fora, ele predsa que se lhe aportem condições para auto-analisar-se, sendo assumido por seus protagonistas. E dessa maneira, não apenas é capaz de enunciar, como também de resolver a situação da qual ele é emergente. Nesse sentido, existem os chamados analisadores naturais – que é uma expressão inadequada, porque analisadores naturais são os terremotos, e, realmente, a análise institucional nunca conseguiu compreender, pelo menos nos seus aspectos geológicos, este tipo de fenômeno, não está preparada para isso. "Natural" quer dizer espontâneo, que também é uma má expressão, porque espontâneos todos são. Então, a definição correta é dizer que são analisadores históricos, ou seja, que a própria vida histórico-social-natural os produz por conta própria como resultado de suas determinações. E existem analisadores artificiais ou construídos, que são dispositivos que os analistas institucionais inventam, introduzem

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nas organizações para propiciar o processo de explicitação dos conflitos e de resolução dos mesmos. É importante enfatizar que os analistas institucionais na prática técnica, ao nível de produção de analisa dores construídos, se valem de todo e qualquer recurso, seja de tipo artístico, cenográfico, dramático, procedimentos de tipo ativista, político, montagens de tipo propriamente científico, experimental, lógico, sociológico, antropológico e manobras do tipo" convivência prolongada", em que o analisador institucional passa a fazer parte orgânica do conjunto que vai estudar, produzindo assim um artefato próximo à vida cotidiana.

O passo seguinte será falar da análise da implicação.

Felizmente já antecipamos um pouco sobre ela através da análise da oferta. A implicação se define como o processo que acontece na organização de analistas institucionais, na equipe de análise institucional, a raiz de seu contato, de sua interseção com a organização analisada, intervinda. Também é um conceito que tem certa dívida com a chamada contra transferência da Psicanálise. Só que a contra transferência em Psicanálise é a reação – consciente ou inconsciente – que o material do paciente produz no analista; e na análise institucional a implicação não é apenas um processo nem psíquico nem inconsciente, mas um processo de materialidade múltipla, complexa e sobredeterminada, um processo econômico, político, psíquico heterogêneo por natureza, que deve ser analisado em todas as dimensões. E não é apenas reativo, ou seja, não é a resposta da equipe interventora e analisadora ao contato com seu objeto, pois é prévia a este contato; não começa no usuário: é recíproco, é simultâneo e é parte indissolúvel do processo de análise da organização, ou seja, é o contrário de uma análise "objetiva". É, como está claro nas ciências físicas, a análise da interação, da interpenetração destas duas organizações, uma análise variável da relação entre o sujeito e o "objeto". Poder-se-ia dizer que não deixa de ser parecida com uma dás definições que Freud dá de contratransferência como transferência recíproca. Em continuação, veremos rapidamente alguns termos, sendo que, de alguma forma, os retomaremos na exposição correspondente aos itens que compõem o roteiro de uma intervenção institucional típica, que denominamos standard . Insistiremos uma vez mais em que estas definições, cuja finalidade é basicamente transmitir noções introdutórias para os principiantes interessados no movimento,

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seguramente não serão nem exaustivas nem precisas. As mesmas estão armadas com sentidos diversos e heterogêneos tomados de diferentes obras e autores, artificialmente extraídas dos contextos teóricos, mais ou menos sistemáticos, em articulação com os quais adquirem seus significados prevalecentes. Sempre será possível voltar sobre estas noções nos textos da bibliografia que lhes são mais específicos para multiplicar e precisar suas acepções.

No Institucionalismo denomina-se equipamentos a uma série de organizações, estabelecimentos, aparatos, maquinarias e tecnologias muito diversificados e inclusivos, de grande, médio ou pequeno porte, cuja finalidade fundamental (mas não única) está a serviço da repressão, do registro ou do controle social. Uma das maneiras possíveis de classificá-los é referindo-se ao tipo e grau de violência que empregam para cumprir sua função, enfatizando, além do mais, que sua condição é mais propriamente determinada por essa função que por sua materialidade, estrutura, forma etc. Alguns exemplos conspícuos de equipamentos são os que certa tradição marxista chamava de "aparatos". Estes cumprem funções eliminatórias, segregacionistas ou punitivas (como por exemplo, as Forças Armadas, a Polícia, a censura cultural ou a Psiquiatria supressiva). Outros apontam para a doutrinação ou a informação tendenciosa (certa orientação da Religião, da Educação, da Comunicação de massas ou a Família).

Mas um equipamento pode ser também uma determinada organização beneficente, ou certa modalidade de uso de um meio de transporte ou de um eletrodoméstico, assim também como técnicas de cuidado e gerenciamento da personalidade por parte das forças repressivas. O certo é que os equipamentos são predominantemente funcionais ao poder (seja do Estado ou das entidades civis e privadas hegemônicas) e a reprodução da ordem constituída entendida como a soma do instituído-organizado.

De um dispositivo pode, de alguma maneira, dizer-se que é o contrário de um equipamento. Trata-se de uma montagem (termo que freqüentemente se utiliza em cinematografia, teatro ou nas artes plásticas) de elementos extraordinariamente heterogêneos que podem incluir "pedaços" sociais, naturais, tecnológicos e até subjetivos. Um dispositivo caracteriza-se pelo seu funcionamento, sempre simultâneo a sua formação e sempre

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a serviço da produção, do desejo, da vida, do novo. Um dispositivo forma-se da mesma maneira e ao mesmo tempo em que funciona, gerando acontecimentos insólitos, revolucionários e transformadores. Embora seu tamanho e duração sejam tão variáveis quanto as materialidades que o compõem, têm a peculiaridade de nascer, operar e extinguir-se enquanto seu objetivo de metamorfose e subversão histórica se realizam. Um dispositivo em geral não respeita, para sua montagem e funcionamento, os territórios estabelecidos e os meios consagrados; pelo contrário, os faz explodirem e os atravessa, conectando singularidades cuja relação era insuspeitável e imprevisível. Gera, assim, o que se denomina linhas de fuga do desejo, da produção e da liberdade, acontecimentos inéditos e invenções nunca antes conhecidas. Nesse sentido é óbvio que os dispositivos, também chamados agenciamentos, têm a ver com a transversalidade (conceito que já antecipamos e que definiremos mais adiante) e, num sentido restrito, com o instituinte-organizante.

Um grupo político sujeito (quer dizer, que se dá seus próprios meios e leis inseparáveis de seus fins e que não pretende persistir mais além de seu objetivo revolucionário), uma obra artística, um descobrimento científico, um pensador original e libertário, um inovador dos costumes sexuais ou das convicções éticas podem constituir-se num dispositivo, assim como podem sê-lo certa arrumação de máquinas técnicas (como as rádios livres) ou de defesa da natureza (como os movimentos ecológicos). Por último, digamos que um dispositivo não é a obra de indivíduos ou sujeitos, ele os inclui, os constitui e os "maquina" para concretizar suas realizações.

Em diferentes momentos da constituição de um campo de análise e/ou intervenção, os institucionalistas efetuam vários tipos de diagnósticos – sempre provisórios – da estrutura, dinâmica, processos, contradições principais e secundárias, opositivas e antagônicas, conflitos, defesas, mecanismos, magnitudes de produção, reprodução e antiprodução, analisa dores, potências, poderes, territórios, linhas de fuga, equipamentos, dispositivos da área ou organização intervinda. O diagnóstico é importante para justamente instituir, organizar, planejar, antecipar, decidir os passos que comentaremos em seguida, tais como contrato, estratégia, logística, táticas, técnicas: Isso sem esquecer que boa parte do percurso é imprevisível.

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Os institucionalistas, para efetuar análises – seguidas ou não de intervenções, precisam fazer acordos, pactos, convênios (ou como se queira chamá-los) com as organizações, estabelecimentos ou, simplesmente, com os coletivos de usuários "clientes". A estes acordos costuma-se denominar contrato. Eles versam sobre os compromissos mútuos em que se explicitam os respectivos deveres e direitos das partes interessadas. Em muitos aspectos o contrato institucionalista é semelhante a qualquer outro de prestação de serviços. Trata principalmente de tempo (duração total, freqüência dos trabalhos), honorários ou outro tipo de retribuição, delimitação de objetivos e autorização de acesso aos materiais de investigação, promessa de sigilo quanto à informação obtida durante a investigação etc. Como veremos, é importante estar atento ao fato de que nem sempre o contrato representa um acordo com a totalidade do coletivo intervindo, mas com certos segmentos do mesmo. Por outro lado, tem especial significação qual é a relação jurídica (emprego, serviço profissional independente, solidariedade militante etc.) que fundamenta o contrato. Mas o essencial a recordar é que o contrato no Institucionalismo não é uma operação comercial externa ao processo que a intervenção como serviço deflagra. Os diversos aspectos do contrato: tempo, dinheiro, contratantes, objetivos, expectativas, são analisadores, emergentes da problemática a ser pesquisada. Seu tratamento já é parte ativa da análise e da intervenção.

Designa-se por logística o balanço que os institucionalistas fazem de todas as forças, habilidades, elementos, recursos etc. de que se dispõe ao começar uma intervenção; quer dizer, com que se pode contar a favor e contra para poder levar o trabalho adiante com um mínimo de possibilidades de realização.

A estratégia sistematiza os grandes objetivos a serem conseguidos (cuja máxima expressão é a auto-análise e autogestão do coletivo intervindo), assim como a progressão das manobras, dos espaços e territórios que se colocarão, a previsão de vicissitudes, opções, alternativas, avanços, retrocessos etc.

As técnicas são pequenos segmentos nos quais se decompõe a estratégia. Para dar um exemplo bélico, totalmente metafórico: a estratégia decide se será uma guerra de ocupação, de fronteiras, punitiva ou de extermínio parcial; se essa guerra se dará por terra, mar ou ar, quais serão os aliados, simpatizantes,

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neutros e inimigos etc. As táticas referem-se a batalhas circunscritas, à área onde se desenvolvem, à participação da infantaria, cavalaria, o horário, os movimentos de tropas etc. As técnicas, prosseguindo com a metáfora, aludem aos armamentos propriamente ditos: fuzis, morteiros, granadas etc.

No Institucionalismo é fácil fazer a transposição do que seja a logística, a estratégia e as técnicas do campo bélico ao campo da intervenção, sem tomá-las ao pé da letra. É interessante enfatizar drasticamente que no Institucionalismo, uma vez que se adquira uma base de entendimento do panorama de uma organização e se concretizem os primeiros dispositivos para um contrato e diagnóstico provisórios, enquanto já se têm, baseados nisso, esboços de uma logística, estratégia geral e primeiras táticas, a eleição de técnicas é consideravelmente livre. Quer dizer; será ditada pela inspiração e o treinamento, assim como pelas predisposições pessoais da equipe operadora, objetivo geral e imediato perseguido e momento e peculiaridades do coletivo em pauta.

Procedimentos interpretativos, informativos, esclarecedores, de sensibilização, de expressão, de discussão, agenciamentos artísticos, desportivos, convivenciais, lúdicos, praticados em grupos e em assembléias podem ser adotados segundo as circunstâncias.

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PERGUNTAS REFERENTES AO CAPÍTULO IV

1) Qual é o sentido dos termos sujeito, desejo e sobredeterminação em suas teorias de origem e no lnstitucionalismo?

2) Que diferença existe entre os conceitos de campo de análise e campo de intervenção?

3) O que significa dizer que a análise da oferta deve preceder a da demanda?

4) O que é análise da implicação?

5) O que são: analisador, equipamento, dispositivo, logística, estratégia, táticas e técnicas? 70 ▲

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Capítulo V AS TENDÊNCIAS MAIS CONHECIDAS DO INSTITUCIONALISMO

Tentarei resumir três modalidades de Institucionalismo que não são as únicas, nem necessariamente as mais importantes, mas são as que mais notoriedade têm atingido. São também as mais difundidas, particularmente aqui no Brasil. Terei de ser muito esquemático. Tentarei uma espécie discutível de classificação, de graduação entre essas três tendências.

Em termos, digamos, políticos, eu diria que da primeira enunciada – a Sociopsicanálise de Gérard Mendel – à útima – a Esquizoanálise de Deleuze e Guattari –, existe uma graduação à medida que Mendel articula uma concepção mais ou menos tradicional da Psicanálise com uma igualmente ortodoxa do Materialismo Histórico. Produz, assim, uma forma de abordagem das organizações e das instituições que, poderíamos dizer, é politicamente moderada, se é que tal termo exprime alguma coisa. Já a Análise Institucional de Lourau e Lapassade e a Esquizoanálise de Deleuze e Guattari, eu diria, são propostas políticas mais subversivas, mais enérgicas, mais ativas, com certos matizes diferenciais entre elas, que podemos tratar de caracterizar nesta exposição. Então, contar com certo conhecimento de

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Psicanálise e do Materialismo Histórico (entre outros saberes) é necessário para podermos explicar isto de forma breve, introduzindo-os nesta teoria, metodologia e técnica sociopsicanalíticas.

A Psicanálise é uma disciplina que foi exigida pela prática clínica. Ela se ocupa da psicopatologia com uma expectativa de cura, mas, no seu percurso e desenvolvimento, Freud criou também uma teoria da estrutura e do funcionamento do psiquismo "normal". Nesta teoria distinguem-se, na constituição do psiquismo, duas séries assim chamadas: a série disposicional e a série desencadeante. Essas séries denominam-se complementares. Tudo que acontece na vida psíquica, tudo que se pode considerar fenômenos ou efeitos da estrutura do psiquismo é determinado pela articulação entre estas duas séries. A série disposicional é composta pelos elementos heredogenéticos que um sujeito psíquico tem e que lhe são legados por seus progenitores, ou seja, pelos sujeitos psíquicos que o geraram. Acrescente-se a isso as experiências da infância precoce. Então, o hereditário mais as experiências tidas durante a gestação, mais as correspondentes ao parto e primeira infância, tudo isso fica registrado e organiza o psiquismo segundo uma das séries: a série disposicional. Mas com essa série disposicional e a partir de quando começa a chamada latência, isto é, com o fim do complexo de Édipo (classicamente entre os cinco e seis anos de idade), o sujeito se incorpora plenamente à vida social, adquire contato com os grupos chamados secundários, grupos de jogos, de estudo, de educação, grupos sociáveis no sentido amplo. Seu Superego está instalado e com ele o sistema de valores consciente e inconsciente que vai classificar seu mundo de significações. As marcas que têm deixado nele as experiências libidinais e dolorosas prévias adquirem retroativamente sentidos morais. Suas representações são secundariamente recalcadas e estão prestes a retornar do recalcado. Em seguida, continuam sucessivas incursões nas atividades e grupos sociais que fazem com que o sujeito atravesse uma situação diferente atrás da outra, e que tenha de enfrentar essas circunstâncias com a bagagem disposicional que traz. Essas eventualidades vão exigir de seu aparelho psíquico uma série de movimentos e de adaptações, de criação e de transformação. Algumas dessas situações são altamente tensionantes, intensamente pressionantes para o

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psiquismo. Quando a série dessas experiências, constituída pelas situações da vida, atua sobre a série disposicional que o sujeito traz, pode resultar numa falha do sujeito no processo de simbolização e reação produtiva diante dessas exigências situacionais. E isso resultará na doença psíquica, em sintomas. Então o adoecer psíquico – e também a "normalidade" – são produtos desta articulação entre a série disposicional e a série desencadeante; pode efetuar-se em comportamentos ativamente adaptativos, sublimatórios, ou pode ser causante de processos patológicos. Outra forma de referir-se à série disposicional é qualificá-la de acordo com o grau em que o sujeito conseguiu, durante sua primeira infância, resolver, elaborar – ou não – o chamado Complexo de Édipo, que constitui o núcleo central de sua série disposicional. Se não resolver, então esse desenvolvimento vai ficar afetado por "pontos de fixação". Então, quando a série desencadeante atua sobre a disposicional, gera no psiquismo um processo de regressão a esses pontos de fixação. O psiquismo vai funcionar de uma maneira primária, arcaica, e isto é que vai resultar no retorno do recalcado como sintoma. Logicamente, cada sujeito é singular, único, irrepetível, e as configurações da série desencadeante – que podem gerar patologia, atuando sobre a série disposicional – são totalmente variáveis. É por isso que uma situação que desencadeia uma patologia para um sujeito (porque atua sobre determinada série disposicional), não é patologizante para outro sujeito (que tem uma série disposicional diferente). No entanto, a Psicanálise costuma dizer que existe uma maneira de sistematizar, de universalizar quais são os traços das situações desencadeantes capazes de produzir patologia em geral. Essas são experiências de frustração, experiências de privação, e experiências daquilo que em Psicanálise se chama castração. Apesar de não podermos desenvolver agora, é importante assinalar que entre frustração, privação e castração existem diferenças. Privação refere-se à falta de subsídios para necessidades biológicas, concretas; castração refere-se a um tipo de falta de caráter libidinal (a castração é castrâção do desejo), ao passo que a frustração é um desengano de amor. Ou seja, são exigências diferentes, faltas diferentes cuja elaboração ou não gera efeitos diferentes. Elas, em geral, atuam em conjunto. De um ponto de vista mais amplo, sociopsicanaliticamente falando, poderíamos resumir esses três

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tipos de carências, esses três tipos de falta, em uma experiência de impotência, em uma experiência de incapacidade, porque se trata de um sujeito relativamente indefeso, em estado de menosvalia, exigido por situações que o tornam carente. A carência, por sua vez, é produto da regressão ao estado de dependência e de impotência iniciais do sujeito. Então, o que lhe fazem sentir é sua impotência para resolver essas situações. Isso é o que desencadeia o processo regressivo a um ponto de fixação, atuando sobre a série disposicional, e assim gerando a patologia, os sintomas e os quadros das doenças. O sujeito se refugia em soluções imaginárias e fantasmáticas que eram as únicas de que dispunha no seu estado de criança indefesa.

Até agora ficamos restritos ao campo estritamente psicanalítico. Agora, acontece que as formulações da Psicanálise são elaboradas para os sujeitos "individuais", para os sujeitos enquanto "pessoas" isoladas. Apesar da Psicanálise nunca ter pretendido negar que os sujeitos psíquicos não vivem isolados, porque se relacionam sempre com um'outro – e é do outro que vem a frustração, a castração e a privação-, na verdade, nem o sujeito nem o outro são pensados como coletivo real, não são concebidos como grandes conjuntos humanos, cuja existência depende de uma obrigada e necessária associação. Por isso é que Mendel tenta acrescentar ou articular as postulações psicanalíticas com as postulações clássicas do Materialismo Histórico. Uma das primeiras afirmações do Materialismo Histórico é que para produzir e reproduzir, ou seja, manter a vida humana sobre o planeta, os homens tiveram que associar-se, que estabelecer uma aliança entre si para, fundamentalmente, dominar a natureza e colocá-la a seu serviço. Isso porque a natureza não é espontaneamente benévola com o homem. Ela o agride e lhe nega muitos dos elementos de que ele precisa para sobreviver. Então o homem desenvolveu, nessa associação coletiva, um processo de trabalho que é um procedimento de transformação, de domínio da natureza para que ela se lhe tornasse propícia. Todos sabemos que o homem, como animal biológico, é particularmente fraco: ele não tem pêlo, não tem couro, não tem garras nem dentes fortes; é lento, frágil. Inclusive, no momento do nascimento, o homem é dos animais mais particularmente indefesos e incapazes, tanto que seu processo de gestação tem de completar-se depois de seu nascimento,

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através de uma longa criação totalmente dependente, que leva pelo menos dois ou três anos. Então o homem compensou, e em parte piorou, essa sua fraca defensividade, com seu processo histórico de associação coletiva para trabalhar em conjunto com a finalidade de dominar a natureza. Digo que em parte compensou porque isso foi o que o transformou naquilo que pitorescamente se chama "o Rei da Criação". Também em parte piorou porque na dimensão em que o homem se transforma, por sua associação, em uma espécie poderosíssima, cada um de seus membros nasce cada vez biologicamente mais fraco. Na medida em que se desenvolvem as máquinas e os elementos técnicos, nossa dotação biológica está cada vez pior. Talvez acabaremos tendo uma" grande cabeça" e nada mais. Neste processo associativo, então, o homem tem de lutar não apenas contra os imensos poderes da natureza (que ele tem chegado a controlar em alta proporção, mas que está longe de controlar em sua plenitude), mas tem de aprimorar o desenvolvimento da palavra, da linguagem e outras formas de comunicação inter-humana, o desenvolvimento da inteligência, do processo de pensamento do cérebro humano, o desenvolvimento das máquinas – que em princípio podem ser pensadas como enormes extensões ou ampliações dos membros e dos sentidos humanos. O gênero humano adquiriu um grande poder, mas ele não controla totalmente as forças naturais. Elas o ameaçam sempre. Não apenas as forças naturais externas a seu corpo, como também aquelas internas a seu corpo, que forma parte da natureza. A natureza é brava, e o corpo é frágil. Mas o homem tem outro inimigo perigoso, que são os problemas gerados pela própria organização que ele tem de se dar para se converter numa entidade coletiva. Então, segundo a versão tradicional, o homem, para poder associar-se e formar essas fortes civilizações, teve de aceitar muitas restrições, teve de submeter-se e privar-se de muitas coisas para atingir esse poder coletivo. Ou seja, o homem teve de dar-se leis, instituições, organizações, aparelhos, tais como descrevemos, para preservar esta união, que é difícil, exige muito sacrifício de seus integrantes. Mas o pior de tudo é que nunca funciona bem, geralmente é imperfeita. E isso traz como conseqüência o fato de que a associação entre os homens não é eqüitativa, fraterna nem justa, e que a distribuição dos sacrifícios, dos esforços e dos benefícios é desigual entre eles. Isso dá lugar

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a fenômenos que podemos detectar como universais e onipresentes na história da humanidade, que são a exploração de um setor da humanidade por outro, a dominação de um setor da humanidade pelo outro, a mistificação e a manutenção da ignorância de um se tor da humanidade por outro. Isso faz com que as ameaças da natureza e do corpo se somem às ameaças da organização social, da injustiça ou do fracasso da ordem civilizatória. Cada organização histórica, cada civilização, cada modo de produção da vida humana sobre a terra tem suas modalidades de dominação, de exploração e de mistificação. Mas o modo de produção capitalista é o modo de produção que atingiu o maior grau de extensão e de universalidade sobre o planeta. É também o modo de produção em que esta associação humana tem-se tornado mais poderosa e mais capaz de dominar a natureza, produzir riqueza e elevar o padrão de vida dos seres humanos. O muito conhecido filósofo Marcuse diz que chegamos à era da abundância, porque temos adquirido um poder produtivo inédito na história da humanidade. Mas nem por isso, sabemos muito bem, temos conseguido superar os fenômenos da exploração, dominação e mistificação que no capitalismo adquirem características muito próprias. Então, o que acontece? Os homens associados, cuja principal potência é a capacidade de trabalho coletivo, encontram-se diante do fato de que o fruto de seu trabalho não lhes retorna na medida em que eles deveriam ser seus legítimos proprietários. O poder sobre a natureza, o poder sobre o controle dos fenômenos da vida, também é injusta e desigualmente repartido. Com o saber acontece a mesma coisa. A imensa maioria dos; homens que trabalham reunidos vivem uma situação de impotência, e não é apenas a fragilidade perante a natureza, frente à condição mortal e frágil de seu próprio corpo, mas a incapacidade devido à desigual distribuição da riqueza, do poder, do prestígio e do conhecimento. Então, de uma forma ou de outra, poderíamos dizer que se tomamos a formulação psicanalítica de uma impotência fundamental, que se converte no elemento central da série desencadeante, e a articulamos com o Materialismo Histórico, podemos dizer que, no sentido coletivo, a experiência universal de impotência, que gera os processos patológicos, é produto dessa desigual distribuição da riqueza, do resultado do trabalho, do poder e do prestígio, que faz com que quem gera esses valores, ou seja, a imensa maioria da 76 ▲

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humanidade que trabalha, não desfrute dos resultados deste esforço. Então, o que Mendel vai afirmar é que, se isso é verdade (e é difícil admitir que não o seja), o lugar onde deve ser estudada a experiência essencial da impotência e o desencadeamento dos processos patológicos é o "lugar natural" em que os homens se associam para exercer sua potência, ou seja, nos âmbitos de trabalho. Para Mendel, as vicissitudes individuais dessa experiência de impotência não serão nunca compreendidas se não forem analisadas num sentido coletivo e no lugar pertinente onde elas acontecem, que é no lugar de produção. O que Mendel diz é que isso deve ser abordado nas organizações de trabalho, entendendo o trabalho num sentido muito amplo, não apenas trabalho industrial, mas também trabalho escolar, médico, comercial, ou seja, não apenas produção de bens de consumo, mas também produção de serviços; e assim por diante. Mendel diz que quando se abordam os coletivos que formam parte dessas organizações, é fácil ver que esses conjuntos vivenciam, de mil maneiras diferentes, essa experiência de impotência devido às condições do trabalho alienado no capitalismo. E essa experiência de impotência gera neles, incidindo sobre a série disposicional de cada um deles, um processo regressivo. Só que esta regressão não deve ser pensada como sendo da ordem individual, mas da ordem coletiva. Por isso, a regressão que se produz é uma regressão de um funcionamento psíquico que Mendel chama psico-social ou psico-institucional a um outro, chamado funcionamento psico-familiar. Isso consiste num processamento psíquico em que o imaginário e o inconsciente já não estão em relação de retificação com o real, ou seja, recai-se num funcionamento em que os sujeitos vivem uma vida fantasmática – e não uma vida simbólica, adequada às circunstâncias concretas que os rodeiam, com um conhecimento simbolizado do que está acontecendo na realidade. Esta experiência de impotência gera uma regressão do psico-institucional ao psico-familiar, no sentido em que os sujeitos vão definir esse campo real em que estão como se fosse uma situação familiar arcaica pela qual já passaram, quando se estava construindo sua série disposicional. Ou seja, eles vão viver a situação de trabalho, a situação organizacional como se essa fosse uma situação familiar arcaica. E as figuras determinantes reais dessa situação atual vão transformar-se para eles nas figuras imaginárias de sua situação familiar. Em

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conseqüência, reagirão de uma maneira irreal e fantástica, como acontecia na sua infância, em que, objetivamente, eles eram pequenos, sós e impotentes, e não tinham outra forma de solucionar essa situação senão refugiando-se num mundo de fantasia. Devido a essa regressão que mencionamos, o coletivo institucional como um todo faz uma regressão arcaica, familiar, e também se refugia no mundo da fantasia. Tenta solucionar seus problemas de impotência mediante saídas mágicas, imaginárias, como sintomas, atuações, inibições, delírios, somatizações, enfim, como tudo quanto constitui a patologia biopsico-social. Então, se isso está mais ou menos entendido, a proposta de Mendel é a de deflagrar dentro dessa classe institucional um processo de auto-análise, feito em colaboração com uma equipe interveniente, que permita aos integrantes deste coletivo fazer a crítica e obter a compreensão da regressão que os afeta, chegando à ressignificação simbólica de sua regressão imaginária, para poder ter de novo um acesso ao real atual, que estão negando, desconhecendo. Dessa maneira, recuperarão uma definição correta das circunstâncias que lhes permitirão assumir seu verdadeiro poder como classe institucional, porque, afinal de contas, eles são os produtores da riqueza, eles são os geradores do poder e eles são os que merecem prestígio.

Este processo opera teoricamente, como já dissemos, com pontos de vista e postulações perfeitamente clássicas da Psicanálise e do Materialismo Histórico. A metodologia de intervenção conserva muitas das características da intervenção psicanalítica, sobretudo o recurso interpretativo. É preciso apenas sublinhar que o conceito de "cura" não é individual, mas coletivo, e não passa exclusivamente pela tomada de consciência e pela supressão dos sintomas, mas exige um movimento coletivo concreto de recuperação da margem de poder possível, que se tem perdido devido à regressão do âmbito psico-institucional ao psicofamiliar.

Agora resumiremos a posição de Lourau, Lapassade e seus companheiros – que são, senão os criadores exclusivos, pelo menos os que desenvolveram esta proposta que se chama Análise Institucional. Tentando outra vez uma síntese, que por tratar de ser clara pode resultar empobrecedora, digamos o seguinte:

Para a Análise Institucional, uma sociedade está ordenada por um conjunto aberto – quer dizer, não totalizável – de

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instituições. Uma instituição é um sistema lógico de definições de uma realidade social e de comportamentos humanos aos quais classifica e divide, atribuindo-lhes valores e decisões, algumas prescritas (indicadas), outras proscritas (proibidas), outras apenas permitidas e algumas, ainda, indiferentes. Essas lógicas podem estar formalizadas em leis, em normas escritas ou discursivamente transmitidas, ou podem ainda operar como costumes, quer dizer, como hábitos não-explicitados. As citadas lóÓgicas se concretizam ou se realizam socialmente em formas materiais ou "corporificadas" que, segundo sua amplitude, podem ser: organizações, estabelecimentos, agentes, usuários e práticas. Cada instituição é universal, ou seja, indispensável para toda e qualquer sociedadet mas para realizar-se em suas formas concretas passa por um momento de particularidade e outro de singularidade única e irrepetível.

Se bem que cada momento da instituição seja positivo (digamos: é como ela sabe ser em si mesma), também tem uma relação.de negatividade consigo mesmo, com referência aos outros e em relação ao sistema global que as instituições integram e que, ainda que seja de maneira aberta, as engloba. Essa característica faz com que quando se analisa uma instituição, como por exemplo, uma norma universal (digamos as relações de parentesco), uma modalidade particular do matrimônio poligâmico, ou um caso singular do casamento de um casal em uma colônia de mórmons norte-americanos, a partir da organização positiva e visível em que essas relações se concretizam, tende-se a atribuir-lhe funções inteiramente claras, eficientes e em geral consideradas necessárias, indispensáveis, úteis etc. Assim consideradas, essas entidades, tanto para o saber espontâneo de seus agentes sociais quanto para os experts que as descrevem, ocultam funcionamentos divergentes, contraditórios e antagônicos que só se evidenciam quando se decifra ou se entende as maneiras em que, como dizíamos, cada uma é negada pela outra ou pelo sistema integral. Em palavras diferentes, é preciso considerar como cada uma destas instâncias está ausente no seio das demais, e essa ausência é registrada como um não-saber, que é parte do saber espontâneo ou técnico que se tem de cada uma delas.

A Análise Institucional não é, então, um super-saber ou um meta-saber absoluto que poderia dar conta de todos estes

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desconhecimentos, positivando de uma vez por todas o tecido social. Pelo contrário: t rata-se de uma investigação permanente, sempre lacunar e circunscrita de como o não-saber e a negatividade operam em cada conjuntura.

Por exemplo, no caso das organizações do trabalho, a Análise Institucional parte da idéia de que, devido ao processo que se chama "divisão técnica e social do trabalho", cada coletivo de uma organização está alienado no não-saber, no não conhecer quais são as condições reais em que está trabalhando. É vítima, digamos assim, de um desconhecimento que, em parte, é um desconhecimento devido à desinformação e à estrutura e funções mesmas de instituições e organizações; é a ausência de um conhecimento que nunca foi adquirido. Mas, em parte, é vítima de um processo de doutrinamento ativo por parte das classes dominantes que lhe transmitem uma definição do mundo, uma noção do processo de trabalho, dos objetivos da vida, dos valores, do sentido da existência e uma definição da função das organizações que lhe é profundamente desfavorável e que o faz compactuar com o poder, com as classes dominantes. É o que o Marxismo chamava, classicamente, de Ideologia. Sobretudo é o aspecto alienado da Ideologia, entendida num sentido menos amplo e mais restrito às organizações, que o mesmo Marxismo não sabe decifrar. Isto é, esse mesmo processo de impotência, ao qual se referia Mendel, existe nas organizações, porque quem é o proprietário dos meios de produção, dos meios de decisão, também é proprietário de um saber. E cada saber envolve um poder: a propriedade de um saber possibilita o exercício do poder tanto nas organizações capitalistas quanto nas socialistas. Esse poder é entendido como a imposição da vontade das classes ou setores dominantes sobre as classes ou setores dominados, das classes ou setores exploradores sobre as classes ou setores explorados. Isso gera, em todas as organizações, o fato, como diria Mendel, da classe institucional trabalhadora, tanto nas suas bases como nos estratos que lhe são próximos, desconhecer os principais vetores que ordenam a organização na qual está inserida. Ela considera indiscutivelmente indispensável o papel do capital como "criador de fontes de trabalho", ela considera absolutamente necessária a organização da produção destinada a gerar mercadorias (e não a gerar bens de uso), ou destinada à produção de armamentos exigidos pela belicracia de Estado. Ela

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considera necessária a existência de hierarquia técnica e burocrática em que uma posição de maior saber dá, "naturalmente", uma posição de maior poder. E não teria de ser assim, forçosamente. E assim apenas porque a divisão técnica do trabalho se faz c oincidir com uma divisão social. Mas a divisão técnica não deveria implicar nenhum privilégio social. Então, trata-se de criar um dispositivo no qual os coletivos possam analisar cada um dos fenômenos de mal-estar, de conflito, de impotência, de disfunção que aparece devido a toda esta divisão injusta e perversa do trabalho. Isso constitui parte do não-dito institucional. Em um sentido amplo, o não-dito compreende a relação de não-saber que cada momento da instituição guarda com respeito ao outro e o não-saber que cada saber contém pelo fato de ser específico.

Esses analisadores são muitos, como já dissemos anteriormente. Alguns deles são" espontâneos", outros são construídos pelos interventores institucionais. Mas os que podem delimitar-se com maior freqüência são, por exemplo, o analisa dor "dinheiro", o analisador "sexo", o analisador "prestígio", o analisador "poder". São fenômenos conflitivos, são vivências sofridas, são acontecimentos mais ou menos explosivos, são lugares de atrito que estouram nas organizações devido ao fato de elas estarem destinadas a um trabalho que produza não apenas um produto cujo resultado não seja planejado e reassumido por aqueles que o produzem, mas também uma série de relações humanas distorcidas, monstruosas, que geram essa experiência de impotência. Então, essas contradições vão estourar em fenômenos como o do absenteísmo, como o da diminuição da produção, incidência do alcoolismo, da tóxico-dependência, de acidentes de trabalho, conflitos, brigas, incomunicabilidade, rebeldia e revolta estéril, arbitrariedades que as classes dominantes da organização costumavam, e ainda costumam, solucionar drasticamente, com medidas disciplinares; tudo isso as classes institucionais dominadas podem também tentar solucionar com certo tipo de respostas individualistas, desordenadas ou autodestrutivas. Então as classes e grupos dominantes, na modernidade, descobriram uma disciplina que hoje se pode chamar de diversas maneiras – Recursos Humanos, ou Psicologia Organizacional, ou Relações Públicas, ou Relações Humanas –, que se destina a transformar toda essa problemática em uma

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simples questão de negociação ou comunicação. Trata-se de colocar os quadros em contato para que solucionem esse assunto conversando, negociando ou vivenciando, relaxando-se, mas sem sair da lógica do sistema, sem que se tome consciência de como as determinantes básicas da alienação são as causadoras dessa problemática. O que a Análise Institucional propõe é a criação de dispositivos para que o coletivo se reúna e discuta, exaustivamente, esses fenômenos, e descubra a maneira como esses efeitos antiprodutivos são a expressão, a conseqüência, tanto do não-saber das contradições da estrutura e da função do sistema, como um desvio das forças críticas, das forças revolucionárias, das forças subversivas. Trata-se de criar condições para que possam, dessa maneira, correlacionar esses analisa dores com suas causas e dar conta delas – de forma a adquirir consciência de que não vão poder solucionar esses fenômenos sem uma ampla reformulação da estrutura e do processo produtivo em si mesmo, mas nas formas peculiares que este adquire em seu caso singular.

O objetivo, pode-se ver, é parecido com o de Mendel. Em todos os dois há certa semelhança, mas também diferenças. O objetivo último é propiciar a auto-análise e a autogestão, ou seja, a recuperação do poder de organização e do autogerenciamento do processo produtivo, eliminando as situações de burocracia, de imposição, de dissociação – não a diferenciação técnica, que é necessária-, mas a dissociação e hierarquização social do trabalho. Mas a Análise Institucional é mais crítica com a Psicanálise e o Materialismo Histórico que a Psico-Socioanálise.

Um dos aspectos importantes desta postura é a afirmação de que a equipe interventora também é uma organização e que ela também pode sofrer os efeitos desta divisão técnica e social do trabalho. E que também existe para ela um certo desconhecimento de como as características gerais do sistema incidem no trabalho coletivo que ela está realizando; a isso se chama "implicação". Então, a equipe interveniente também vai integrar-se com a organização intervinda numa organização compartilhada, na qual vão poder analisar os fenômenos de alienação de uma e de outra. De modo que esse processo autogestivo e auto-analítico, que vai tentar deflagrar na organização intervinda, vai ser ocasião de poder analisar também os seus próprios conflitos da mesma natureza. Finalmente, cabe

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esclarecer que uma intervenção pode fazer-se "a frio", quando se pratica sobre uma organização circunscrita, com uma conflitiva mais ou menos moderada, ou "a quente", quando se opera no seio de processos ativíssimos que ocorrem dentro de uma tentativa de transformação autogestiva generalizada de uma sociedade inteira.

Tentarei agora introduzir a Esquizoanálise de Deleuze e Guattari, tratando de caracterizar algumas diferenças essenciais. Creio que elas poderiam passar pela questão de que a Sociopsicanálise de Gérard Mendel e a Análise Institucional de Lapassade e Lourau, em última instância – apesar de sua franca inspiração libertária, de sua enérgica vocação revolucionária – são prestações de serviço mais ou menos tradicionais. Isto é, a demanda, o requerimento de uma análise de uma intervenção institucional ou do tipo sócio-analítico, é feita por alguns setores ou pela totalidade de um coletivo organizado a outro coletivo organizado, que oferece seus serviços de uma maneira mais ou menos tradicional, como prestação de serviço profissional. Isto é, os sociopsicanalistas e os analistas institucionais, apesar da rigorosa autocrítica que exercitam, apesar de uma vocação militante que têm no seu trabalho, não deixam de ser experts, não deixam de ser técnicos, científicos; não deixam de estar agrupados neste tipo de organização característica dos experts profissionais. Por exemplo: o grupo de Mendel, que se chama Degenettes, trabalha em muitos lugares do mundo, mas tem uma espécie de central em Paris. Pode-se, então, ir até lá e solicitar seus serviços. Isso gera, entre a organização solicitante e a organização solicitada, todo um processo de diagnóstico, prognóstico e indicação, e um contrato de trabalho. Então, apesar de todas as ressalvas, auto críticas e análise da implicação, trata se de uma prestação profissional de serviço, na qual se discutem honorários, tempo e demais coisas. Além disso, é geralmente um serviço apresentado por um coletivo organizado a outro coletivo organizado, dentro de um marco mais ou menos convencional, ou seja, a uma escola, a um sindicato, hospital, fábrica, convento, quartel etc. Isso, como já dissemos, se denomina" autogestão a frio", enquanto a" autogestão a quente" é a gerada numa situação revolucionária mais ou menos generalizada.

Deixando momentaneamente de lado as características teóricas da Esquizoanálise de Deleuze e Guattari, que são muito

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sofisticadas e complicadas, digamos que a relação de Deleuze e Guattari com a Psicanálise e com o Materialismo Histórico é muito mais complexa que a de Lourau e infinitamente mais distante que a de Mendel. A posição de Deleuze e Guattari é muito mais crítica com respeito a todos os grandes monumentos ocidentais do conhecimento que a dos outros autores das outras orientações. Eu diria que de Mendel a Deleuze e Guattari existe, politicamente, todo um abandono paulatino do Liberalismo e da Social Democracia e até do Marxismo, para se aproximar muito mais do Anarquismo. Então, uma diferença técnica central é que para Deleuze e Guattari não existe, necessariamente, essa prestação de serviços convencionais. A Esquizoanálise pode ser feita por qualquer pessoa e em qualquer lugar. É considerada não como uma ciência ou como uma disciplina, mas basicamente como uma nova forma de pensar, um modo de ser, ou uma maneira de viver. Propõe algo assim como um processo de análise permanente, generalizado e ubíquo, presente por toda parte, em qualquer momento, e protagonizado por qualquer pessoa que tenha, naturalmente, interiorizados os princípios teóricos desta concepção – que não se reduz a nenhuma das que a precederam. Não implica, necessariamente, uma relação de contratação. Não é, indispensavelmente, desempenhada por experts nem por profissionais. Não implica um lugar nem tempo determinado. Não é necessariamente uma atividade coletiva, senão que pode ser dual ou individual. Sequer implica um trabalho de um agente sobre um usuário, mas que pode ser um trabalho feito por um sujeito sobre si mesmo. Mas que tem também um aspecto analítico, ou seja, a compreensão de como as determinações alienantes do sistema, responsáveis pela dominação, pela exploração e pela mistificação, estão presentes em cada uma de nossas atividades vitais, as afetivas, as sentimentais, as econômicas, as políticas, as artísticas, as relações com os outros e as relações conosco mesmos. Eu diria que é uma posição maximalista ou extremista dentro do Institucionalismo. Além disso, que não tem técnica nem metodologia própria – características das duas posições anteriores. Para ela, são os princípios teóricos de compreensão que dão um entendimento que permite localizar a alienação e propiciar, per se , a invenção de uma metodologia e de técnicas, táticas e estratégias absolutamente singulares para cada caso, para cada situação, e que não podem ser sistematizadas

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nem transladadas para outra oportunidade.

Então, poderia-se perguntar: essa teoria da Esquizoanálise se aproximaria mais da filosofia, é uma doutrina, uma ideologia, uma crença? A rigor, apesar de um de seus produtores ser considerado o maior filósofo contemporâneo, na nossa opinião não se trata de filosofia. É alguma coisa que está além da filosofia porque é um entendimento do mundo, da história, da vida, do psiquismo, que pretende ser um novo gênero, não enquadrável, nem como uma ciência, nem como ideologia, mas, na versão dos autores, como uma proposta radicalmente nova, que não é redutível a nenhum dos gêneros de saber anteriores.

Novamente imagino que os que já ouviram falar de certas idéias de Deleuze e Guattari, como, por exemplo, aquela das máquinas desejantes, se perguntaram qual é a definição de desejo em cada uma dessas escolas do Institucionalismo. É uma pergunta justa que vai ter uma resposta pobre: em Mendel, a concepção do desejo, eu poderia dizer, é rigorosamente freudiana: é a que Freud dá nas formas que, segundo uma epistemologia clássica, são as mais amadurecidas de sua obra. Em Lourau – apesar de ele considerar muitas propostas freudianas, ele não dá muita ênfase a essa categoria e a esse conceito. Não lhe interessa, particularmente, a participação do desejo, embora reconheça a existência de um inconsciente institucional e organizacional, mas não é um inconsciente particularmente relacionado com o desejo e sim um inconsciente relacionado com o não-dito e não-sabido, da vida organizacional, por referência não apenas à instituição familiar, senão à do dinheiro e outras. Em Deleuze e Guattari, a coisa já muda radicalmente, porque eles consideram a definição freudiana do desejo; mas para eles a questão se altera por completo. Para Freud, o desejo é uma força inconsciente que anima o psiquismo, mas é uma força pertencente a esse domínio, a esse campo completamente diferente das forças naturais e das forças sociais, entendendo por sociais as forças políticas e as econômicas. Inclusive, se aceitamos que na civilização moderna a esfera das máquinas mecânicas, elétricas, eletrônicas etc. já forma como que uma terceira natureza, podemos dizer que existe a "natureza ecológica", a "natureza humana", a "natureza social", a "natureza psíquica" e a "natureza maquínica" – a esfera maquínica; só que essa esfera do mundo maquínico também tem suas forças animantes. Para Deleuze e Guattari, não se trata de

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domínios nem de esferas separadas, isoladas entre si, mas entre suas formas molares; no nível molecular, a produção e o desejo são uma e a mesma coisa. É a mesma natureza com uma diferença de regime. A proposta deles é introduzir o desejo na produção e a produção no desejo. Equivale a dizer que a substância ou a matéria última de todo o real – do real social, do real psíquico, do real natural e do real maquínico – é a produção, é o produzir. Não a produtividade, que é a produção já deformada pelo capitalismo, mas a produção como processo de geração constante do novo. Então, eles dizem que se consideramos o conceito marxista de produção, tal conceito não consegue englobar todas as formas de produção possíveis. Ao passo que, se tomamos o conceito freudiano de desejo – ele, especificamente psíquico, como dizíamos, é restitutivo, e tenta esterilmente repetir um estado anterior –, esses autores dizem que se se junta o conceito de produção com o conceito de desejo, que são imanentes entre si, vai-se gerar uma nova categoria de produção, que abrange todas as formas materiais corporais e incorporais de geração possíveis, e com essa característica de gerar sempre o diferente e em todas as atividades possíveis, incluída a psíquica. Ou seja, para eles o desejo não é restitutivo, o desejo é produtivo. A produção não é apenas produção mecânica social ou natural, mas é também produção desejante, segundo as características do processo primário.

Mais ou menos essas são as diferenças. Baseando-nos nelas, para concluir, digamos que, por exemplo, em Mendel, é claro que o desejo e seus produtos devem ser decifrados. Para quê? Para que, uma vez interpretados, os sujeitos possam controlá-los, dominá-los e utilizá-los no sentido de ganhar uma margem de poder possível. Para Deleuze e Guattari não há nada para decifrar, porque as representações não interessam tanto quanto as forças; o que se tem de fazer é liberar, propiciar, deflagrar a potência da produção, do desejo e da diferença. Tudo isso justamente por causa da natureza última do desejo que eles supõem; no caso de Mendel, por exemplo, o desejo é, de uma natureza conservadora que pode ser encaminhada para a revolução e para a produção, enquanto em Deleuze e Guattari, ele tem uma natureza intrinsecamente revolucionária, que só precisa ser veiculada, liberada de suas constrições.

Para Deleuze e Guattari, a realidade está composta por

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três superfícies imanentes entre si: a da Produção, a do RegistroControle_e a do Consumo-Consumação. Cada superfície (termo tomado dos filósofos estóicos) tem uma energia própria: Superfície de produção = Libido; Superfície de Registro = Númen; Superfície de Consumo = Voluptas. A Superfície de Produção está, por sua vez, integrada pelo Corpo sem Órgãos e pelas Máquinas Desejantes. O Corpo sem Órgãos é o contrário de um organismo, ou seja, compõe-se de matérias não-formadas e energias ainda não-vetorizadas como forças. Em si mesmo o Corpo sem Órgãos é o grau zero de Intensidades, mas quando ele é ajeitado como um Plano de Consistência de um Dispositivo ou Agenciamento revolucionário, desejante-produtivo, as Intensidades circulam por ele configurando as Máquinas Desejantes e suas conexões criativas, geradoras de tudo quanto é novo. Este conceito compreende o de Instituinte e o amplia. O Corpo sem Órgãos assim povoado se transforma numa Nova Terra, enquanto que, em condições desfavoráveis, quando os experimentos do Plano de Consistência fracassam, pode-se tornar um buraco negro ao acelerar-se ao infinito e levar à morte ou à demência. O nível de funcionamento da Superfície de Produção é sub-microscópico ou molecular.

Na Superfície de Registro, o Corpo sem Órgãos e suas intensidades e máquinas desejantes são capturados como entidades molares (que correspondem aproximadamente aos instituídos-órganizados: Estado, Igreja, empresas, bancos, dinheiro, organismos, representações e estruturas edipianas). A este nível cristalizam-se em territórios. É o lugar das identidades e dos controles e da repressão generalizada. Também a ele pertencem as pessoas, os indivíduos, os sujeitos, os códigos, sobrecódigos e axiomáticas que quadriculam a vida biopsico-sociotécnica. O Corpo sem Órgãos torna-se Corpo Cheio e adquire um órgão centralizador e hierarquizado que, segundo se trate das formações primitivas, asiáticas ou capitalistas, será respectivamente o Corpo da Terra, do Déspota ou do Capital-Dinheiro, ao qual "milagrosamente" se atribui ser a causa da produção.

Os dispositivos ou agenciamentos produtivo-desejante-revolucionários gerados por encontros ao acaso das intensidades, ou máquinas desejantes, são capazes de desestruturar os estratos e territórios da Superfície de Registro,

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propiciando desterritorializações e linhas de fuga pelas quais o desejo e a produção se plasmam em novidades radicais. Toda entidade tem uma textura molar e outra molecular, um pólo paranóide (capturante a antiprodutivo) e outro esquizóide (produtivo-desejante-revolucionário).

Como se vê, apenas podemos enunciar estes conceitos porque sua proliferação nessa teoria torna impossível defini-los em detalhe. Para tentar enriquecer um pouco essas definições, sugiro consultar o glossário deste livro, assim como a bibliografia incluída ao final do mesmo. 88 ▲

PERGUNTAS REFERENTES AO CAPÍTULO V

1) O que se entende pela Sociopsicanálise de Gêrard Mendel?

2) O que se entende pela Análise Institucional de Renê Lourau e Georges Lapassade?

3) O que se entende pela Esquizoanálise de Gilles Deleuze e Félix Guattari?

4) Qual ê a relação entre estas três tendências, a Psicanálise e o Materialismo Histórico?

5) Com que movimentos políticos poderia-se relacionar predominantemente cada uma das tendências do Institucionalismo descritas neste capítulo?

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Capítulo VI ROTEIRO PARA UMA INTERVENÇÃO INSTITUCIONAL PADRÃO

Vamos tra tar de um roteiro para uma intervenção institucional do tipo standard, isto é, a mais habitual, a mais corriqueira, a mais conspícua. Antes de começar, no entanto, eu gostaria de fazer uma breve classificação – que, seguramente, será muito incompleta e esquemática – de algumas formas diferentes de intervenção, pois me parece que, metodológica e tecnicamente, é uma questão que não estou seguro de ter conseguido transmitir no percurso destes capítulos. É um assunto importante, porque quando não fica claro, permanece nas pessoas uma dúvida enorme no tocante à condição de contratação deste tipo de serviço. Então eu gostaria de, pelo menos, mencionar algumas delas.

Tendo em vista a divisão já mencionada dentro do lnstitucionalismo entre a configuração de um campo de análise e um campo de intervenção, é evidente que o campo de análise consiste apenas num espaço conceitual ou nocional. Em outras palavras, é um tema do qual o institucionalista quer se ocupar. Esse tema pode ser abstrato ou concreto; pode ser contemporâneo, passado ou futuro. E pode ser muito vasto ou mais restrito. Mas

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é um processo de produção de conhecimento com respeito a esse campo e não implica necessariamen te uma intervenção técnica; envolve apenas o fato de que o institucionalista vai tentar entendê-lo . Aliás, isso pode abranger até mesmo um tipo de material que não é propriamente histórico-social, no sentido das formas institucionalizadas-organizadas: pode ser um texto literário ou uma obra arquitetônica, por exemplo.

Agora, o campo de intervenção, como já foi dito, pressupõe um campo de análise, porque se pode entender sem intervir, mas não se pode intervir sem entender, embora durante a intervenção iremos entendendo cada vez mais. O campo de análise pode não coincidir, em termos empíricos, com o campo de intervenção. Ou seja, pode-se escolher como campo concreto de intervenção uma fábrica, uma indústria. Mas pode-se delimitar um campo de análise que não compreenda unicamente o entendimento dessa fábrica, e resolver estudar o processo histórico de implantação desse tipo de indústria no Brasil, para poder saber como funciona essa organização concreta, fabril, escolhida como campo de intervenção.

Partindo, pois, dessa discriminação entre campos de análise e campo de intervenção, digamos que as modalidades de intervenção podem ser variadas. Uma modalidade de intervenção – aquela a que vamos nos referir de forma predominante quando repassarmos este roteiro standard , tradicional – é um serviço oferecido desde posições mais ou menos clássicas, convencionais, habituais, dentro do panorama social. É o que se dá como serviço oferecido na condição de profissional liberal ou autônomo, na condição de sociedade cientifica – uma sociedade científica de Análise Institucional que oferece trabalhos, por exemplo; é o exercício oferecido por um estabelecimento de prestação de serviços privados, um instituto de Análise Institucional que pode ser uma sociedade anônima de responsabilidade limitada ou uma microempresa; é o que pode ser oferecido por um departamento especial de uma faculdade, um departamento de Análise lnstitucional numa universidade.

Outra modalidade possível de prestação deste serviço pode ser feita por parte de uma equipe que integra, que é interna à organização na qual se vai intervir. É o famoso caso, por exemplo, do departamento de Recursos Humanos de uma empresa, que tem de fazer uma intervenção dentro de sua empresa mesma,

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ou um departamento de acompan hamento institucional de urna universidade.

Outra possibilidade é a de uma prestação de serviços feita de uma maneira parecida com esta anterior, que acabamos de expor, mas menos caracterizada burocrática e profissionalmente. Por exemplo, é o caso de um sindicato ou de um partido político que, nos seus quadros, tem institucionalistas que são militantes formais. Então, esse sindicato ou esse partido político pede a seus militantes institucionalistas urna intervenção em um setor, em um segmento, em urna frente, em um espaço da vida e da atividade partidária, trabalho esse que pode ser ou não pago, contanto que seja considerado corno parte da vida militante. Mas, em todo caso, é um acordo muito definido, pois se trata de uma oferta e uma solicitação formais, em que se reconhece no militante institucionalista um saber" específico", e ele é procurado nesta condição.

Urna outra possibilidade é aquela pela qual um institucionalista – que não se caracteriza corno tal e não oferece seus serviços corno tal – infiltra-se em urna organização, à qual ele pode pertencer organicamente ou não, e o faz sob um rótulo, na condição de qualquer outra coisa que faça parte dos papéis formais existentes nessa organização, mas que não seja o de institucionalista. É o caso, por exemplo, de um morador numa associação de bairro, em que ninguém sabe que seja institucionalista, ninguém está informado de que ele oferece serviços institucionalistas, mas que, dentro de seu papel de morador, opera corno institucionalista, sem explicitar essa condição.

Existe urna última possibilidade dentro desse espectro esquemático que ainda é pobre, limitado, que consiste numa variação dessa última possibilidade. Urna variação que parece a menos comprometida e, sem dúvida, é a mais difícil de todas: é a daquele que pratica o Institucionalismo na convivência cotidiana. Ou seja: é aquele que nem oferece serviços corno institucionalista, nem é solicitado corno tal, nem se infiltra sob outra condição não formal, mas simplesmente é um "cristão", isto é, é um próximo que, tendo assimilado princípios teóricos, formas técnicas de operar, vive dessa maneira, convive dessa forma e, então, pratica o Institucionalismo com sua mulher, com os filhos, com os companheiros, com os adversários. Em outras 92 ▲

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palavras: é a quele que tem. do mundo urna concepção institucionalista e urna maneira de viver de acordo com esses princípios. Isso inclui o seu âmbito de trabalho, mas é principalmente na coexistência, na colaboração cotidiana com seus companheiros, que ele se comporta corno institucionalista.

Essa esquemática sistematização requer um tratamento, uma explicitação e uma abordagem muito detalhados e complexos das peculiaridades que adquire cada uma dessas inserções possíveis, o que não faremos por várias razões; em primeiro lugar, porque ela não foi exaustivamente feita em texto algum – e suspeito que jamais será feita, porque é demasiadamente ampla, heterogênea, complexa, inclusive por causa da pretensão institucionalista de que cada intervenção tem de ser singular, tem de ter uma característica de originalidade, de irrepetibilidade, o que torna a sistematização dessas diferenças eventualidades muito difíceis e improváveis. Mas, em todo caso, o importante é reter isso, a amplitude de possibilidades, amplitude essa que produz um efeito contraditório nos jovens institucionalistas, porque esses novatos são formados dentro de uma orientação disciplinar: querem ser essecialistas, querem ser profissionais e querem ter um corpo de saber e de prescrições, de estratégias e de táticas, claro, simples, limitado e preciso. Querem saber quem são, que direitos têm, que deveres têm, qual o seu estatuto científico, qual sua condição profissional, e querem ter uma teoria simples, clara, assim corno opções técnicas não demasiadamente numerosas para poderem saber, com toda facilidade, o que devem fazer em cada conjuntura. E nisso consiste a formação disciplinar que tende a produzir – técnicos e, em muitas ocasiões, embora não em todas, à condição de técnico se acrescenta a de funcionário ou de burocrata.

Felizmente ou não, o lnstitucionalismo não é assim; não é isso o que ele propõe, apesar de que, em algumas ocasiões infelizes, possa vir a cair nisso. Então, essa amplitude gera nos jovens agentes uma angústia, um mal-estar que pode derivar numa recusa, que pode levá-los a adotar uma atitude depreciativa que os conduz a dizer: "Isso é muito vago, muito complicado, muito impreciso; não faço; deixe-me tranqüilo corno médico, corno advogado, algo tradicional e não demasiadamente autocrítico." É o famoso problema de focalizar isso de maneira otimista ou pessimista. A maneira pessimista é dizer que é muito

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complicado, muito impreciso, há demasiadas opções. A maneira otimista é dizer: "Graças a Deus, há tantas possibilidades e tantas margens para a invenção... "

O que vamos desenvolver agora é apenas uma dessas formas de intervenção, que é a intervenção institucional standard, a qual: 1) não é a única (o que espero, tenha ficado claro); 2) nem sempre é a melhor – apesar de costumar ser a mais clara e a mais sistematizada; e 3) muito freqüentemente não é possível, porque as características da demanda não a propiciam. Então, deve-se ter cuidado, porque se a gente se prende a esse tipo de intervenção, se se apega a esse modo de operar, corre o risco de pensar que quando ele não é possível, não existem outros que, pelo menos, deixaremos esboçados.

Ora, a intervenção apresenta uma série de passos que têm de ficar bem explicitados. São passos ideais, aos quais deveríamos prestar atenção, tratar em separado a cada um deles durante a intervenção, se houvesse tempo, se houvesse calma, se houvesse dinheiro, se houvesse todas as condições necessárias para fazer as coisas de maneira confortável. Em geral essas condições não existem, então pulam-se e misturam-se passos, e age-se, mais ou menos, "como é possível". Se vocês querem um exemplo corriqueiro, conhecer esses passos e executá-los é como em algumas épocas gloriosas da etiqueta, quando nos ensinavam a caminhar de maneira elegante e, então, se nos diziam: calcanharplanta-ponta, calcanhar-planta-ponta... Ora, ninguém caminha assim. Mas acontece que caminhar assim resulta num andar elegante. Depois, a gente não vai mesmo pensar nisso, e simplesmente caminha mais ou menos, tão elegantemente como pode. Ou como quando a gente aprende a nadar, que consiste primeiro em levar o braço direito, depois o braço esquerdo, e bater as pernas coordenadamente, e a cabeça se volta para esse ou aquele lado... Quando a gente nada assim, só pensando nessas regras, se afoga, apesar de ser a maneira mais correta de fazê-lo ...

O primeiro passo consiste em fazer a análise da produção da demanda. Isso, em um sentido particular, consiste no cuidadoso exame que a organização ou a pessoa que está para fazer a intervenção institucional faz da maneira como ela ofereceu os serviços; ou seja, o estudo da forma como ela produziu a demanda que lhe é feita. Temos enfatizado muito que correntes

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atuais, tanto de Marketing quanto de Psicanálise, ou de Psicanálise e Marketing (que não estão nada separados), têm insistido bastante na questão da demanda do usuário: o usuário demanda isso, mas não sabe que, na verdade, demanda outra coisa. Sistematicamente se esquece, nessas leituras, nessas investigações, que não existe demanda espontânea, que toda demanda é produzida, é gerada, e que existe um cruzamento na natureza da demanda, de tal maneira que não é necessariamente a organização que oferece um serviço a única responsável pela produção de demanda desse serviço. Muitas vezes, a produção da demanda de um serviço, por exemplo, um serviço de saude, é . "naturalmente", em princípio, produzida pelos estabelecimentos de saúde que oferecem seus serviços. Mas ela é produzida, igualmente, pela falência, por exemplo, de outras ofer,tas de outras organizações e dos serviços dessas organizações que são incompletos, que são distorcidos, que são anacrônicos e que geram demanda de serviços de saúde porque não resolvem bem os problemas da sua especificidade.Em outras palavras: como as organizações responsáveis pela demanda urbanística, de moradia, realizam mal e resolvem mal sua oferta, elas produzem uma demanda à qual não respondem. Isso traz conseqüências em saúde; os problemas sanitários, por exemplo. Então, quem é que gerou a demanda do serviço de saúde? Não foram apenas os estabelecimentos de saúde. Foram também os estabelecimentos de urbanização, não por geração de uma demanda de saúde coerente, racional e consciente, articulada com a oferta, mas pela inconsciência e pela falência de sua oferta. Mas esse exemplo que acabo de dar é insignificante, porque, devido às questões de atravessamento e às questões de transversalidade, isso se torna um complexo mecanismo no qual a gente só consegue averiguar algumas das determinantes cruzadas da produção de demanda com a oferta... e em geral se perdem muitas. É importante que isso fique claro. Mas, em todo caso, o mínimo que podemos saber sobre isso é que não existe demanda espontânea e natural, nem universal, nem eterna, mas, pelo contrário, ela é produzida pela oferta. Portanto, a primeira coisa a ser feita ao nível de um campo de análise é uma pesquisa, a mais ampla possível, de como produzimos a demanda de serviços. Nesse caso, a demanda de Análise Institucional é, como o leitor compreenderá, nem mais nem menos que o começo da

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análise da implicação. Porque se a análise da implicação é a análise do compromisso sócio-econômico-político-libidinal que a equipe analítica interventora, consciente ou não, tem com sua tarefa, ela começa pela análise da implicação existente na oferta, ou sefa, na produção da demanda.

Na oferta ou produção de demanda há muitas características que não podemos detalhar aqui porque excede nossos propósitos. Mas há uma que temos de revelar, ter presente, e eu gostaria de descrevê-la de maneira pitoresca, para que seja mais lembrada pelos leitores. Há uma piada famosa que se passa num forte militar, numa dessas guarnições que ficam lá na fronteira. Um oficial pede a um soldado que suba na torre de controle para ver se os índios estão vindo ou não. É um forte americano, em território índio. Então, o vigia sobe, olha e diz:

"Sim, os índios estão vindo... São muitos; vêm correndo." O oficial pergunta: "Mas esses índios são amigos ou inimigos?" Ao que o soldado responde: "Olhe, devem ser amigos, porque estão vindo todos juntos... " Se a gente se lembra desta piada, fica mais fácil lembrar que a realidade com que trabalhamos vem toda junta. A divisão em especialidades, profissões, só existe dentro da classe ou da equipe, mas não nos usuários. A realidade "vem toda junta": as divisões que fazemos são totalmente produzidas. Mas a realidade vem junta e nós não estamos juntos; o mais que conseguimos, às vezes, é estar próximos, um ao lado do outro. E o que acontece é que cada especialidade, cada profissão, acha que os problemas da realidade são problemas de seu campo. Isso não é maldade dos agentes; pode ser uma desonestidade, e muitas vezes é, mas não freqüentemente. Acontece que o aparelho científico disciplinar e a condição profissional estão estruturados para isso, para encarar qualquer problema da realidade e estar, em princípio, convencido de que o problema é nosso: de cada um, do especialista, do profissional. Então, um senhor ou uma organização vem consultar-nos sobre um problema de saúde. Eu sou especialista em saúde. Além disso, sou profissional. Vivo disso. Adquiri uma série de conhecimentos nos quais confio porque eles têm-se demonstrado eficazes. Cabe lembrar que obtenho todo o meu dinheiro, todo o meu poder social e todo o meu prestígio através disso que eu faço. Então não tenho culpa de nada. Se alguém me consulta por um problema de saúde, certamente ele tem saúde ou não tem saúde e isso é da minha

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alçada. Então: "Venha que esse problema é comigo ... " Quantos profissionais, quantos cientistas vocês conhecem que, após ouvirem cuidadosamente alguma demanda, concluem que esse problema não é para eles resolverem, e encaminham a alguma organização ou a outra especialidade? Não se conhecem muitos profissionais assim... Existem poucos. Às vezes há quem diga: "Sim, o problema é meu, mas seria conveniente fazer uma consulta a um especialista em tal ou qual área." Isso já é muito, é difícil de se ouvir. O que é absolutamente improvável de se ouvir é uma resposta do tipo: "Permita-me dizer-lhe que esse problema não é privativo de nenhuma especialidade. Esse problema tem de ser resolvido com seus amigos, seus companheiros, seus colaboradores ou sozinho." Estou tratando de ser simples. O problema fundamental é esse: quando a gente recebe uma demanda, a primeira coisa que ocorre é que a gente tende a pensar que não tem nada a ver com a crítica dessa demanda; se o sujeito está demandando em primeira instância, somos levados a aceitar que é porque já sabe o que está demandando. E se me procura, estou a seu dispor. Procura-me porque algum lado do problema tem a ver com o que faço, e então o atendo, esquecendo-me de que, se ele me procura, é porque me ofereci. Não necessariamente me ofereci a essa pessoa que me procura; pode ser uma oferta vasta, ampla, cruzada. Mas se eu não me oferecer, ninguém me procura. Se eu não me constituo num lugar científico, profissional, se não vendo o que faço, ninguém" compra".

Então, o que tenho de fazer é analisar, com cuidado, como foi que vendi isso, para que foi que "vendi", que coisas, realmente, posso solucionar, que coisas posso solucionar parcialmente e que coisas não devo solucionar, devo encaminhar noutra direção ou devo devolver, dar de volta ao usuário o que ele solicita de mim. Essa é a análise da implicação na produção da demanda, ou seja, na oferta. Essa análise tem aspectos conscientes e pré-conscientes formuláveis assim: "Companheiros de equipe, vamos ver como foi que convencemos este fulano a nos procurar." Mas tem aspectos inconscientes, ou seja: que fiz eu, sem me dar conta, o que foi que fizemos nós sem dar-nos conta, para" capturar este peixe"? Mas é claro que essa pergunta não tem uma resposta reflexiva e voluntária. A primeira coisa a ser feita para isso é despojar-se da convicção de que a oferta de nossos serviços é lícita, válida, resolutiva etc., porque, pelo contrário, o que

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vivemos fazendo é lutar pela legitimação, pela autorização e pelo reconhecimento s ocial de nosso serviço.

O passo seguinte é a tentativa de análise do encaminhamento, isto é: quais foram os passos intennediá;ios que conectaram o usuário-demandante conosco? Há muitos, mas para dar um exemplo simples: qual foi o cliente que, definindo nossos serviços como eficientes, chegou à conclusão de que seu próximo se beneficiaria também com esse serviço? Quais são as razões válidas e as razões inconfessáveis, ou as razões recalcadas pelas quais ele fez esta recomendação? O que acontece quando quem fez esta recomendação é um congênere, isto é, não é exatamente um colega, mas outro profissional e outro especialista que resolveu fazer a concessão de nos encaminhar alguém? São passos intermediários da conexão entre a oferta e a demanda. São as famosas fórmulas: consulta a organização tal ou o fulano de tal porque "é o melhor"; consulta porque "é caro"; consulta porque" é bara to"; consulta porque ele é "dos nossos". É preciso ver o que significa cada um desses atributos: qual é o problema que agIu tina a quem solicita. Consulta porque" é daqui", ou porque "vem de fora". Tudo isso modula a demanda, e o faz com elementos conscientes e inconscientes no usuário, na mesma proporção neles e em nós, que ofertamos o serviço.

O passo seguinte é a análise da gestão parcial. Isto é: qual foi o setor da organização que assumiu o papel de vir consultar nos ou fazer o contato? É o setor de direção? É o setor administrativo? É o setor financeiro? São os quadros intermediários? São as bases? É o proprietário? Ou seja: a gestão parcial da demanda de serviços é protagonizada por diferentes. segmentos da organização. E isto é muito importante, porque nos pode dar toda uma antecipação dos motivos desta consulta, os interesses em jogo, os desejos em pauta e, sobretudo, o grau de consenso, de unanimidade que motiva os protagonistas dessa solicitação. Não é a mesma coisa ser solicitado pela direção ou pelos proprietários e ser solicitado pelas bases. Costuma ser, para os institucionalistas, infinitamente melhor serem solicitados pelas bases do que pela direção ou pelos proprietários. Isso, sem dúvida, não é nenhuma garantia, porque as bases não são homogeneamente revolucionárias, nem homogeneamente progressistas, nem homogeneamente sinceras. Coisa que se constata claramente naquela célebre frase que diz: “ A ideologia

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dominante é a ideologia das classes dominantes." Então, as bases são, em geral, originais, singulares, solidárias etc., mas estão infiltradas pelos interesses e desejos dos setores dominantes. Então, ser solicitado por elas não é garantia de uma intenção transparente. Isso também tem de ser analisado.

O grupo que protagoniza a gestão parcial em geral não contém todas as partes, mas apenas uma delas. Estamos falando de uma situação ideal em que, geralmente, vem apenas um segmento (apenas uma parte faz a demanda). Por outro lado, uma organização numerosa nunca virá toda para fazer uma solicitação. Vem um setor, que dá uma visão absolutamente parcial da realidade. A compreensão da determinação dessa parcialidade é importante, pois o fato de você considerar o parcial é que vai lhe permitir imaginar a existência de uma totalidade complexa, contraditória, desigual, conflitiva. Isso, claro, sabendo que uma organização nunca é integralmente totalizável.

Então, a análise da gestão diz respeito a isso: como foi que esse grupo resolveu consultar e como foi que consultou. O passo' seguinte é a análise do encargo.

Na análise do encargo há um problema terminológico que seria interessante que ficasse claro para os leitores. Há uma discriminação muito importante que se estabelece entre demanda e encargo. Nessa terminologia, demanda é a solicitação formal, consciente, deliberada, que nunca coincide com o encargo, que é um pedido que envolve os três níveis da discriminação que fizemos entre má-fé, desconhecimento e recalque. A diferença entre demanda e encargo pode passar por esses três tipos de determinações. A demanda nunca coincide com o encargo. Mas não coincide por quê? Por má-fé? Pode ser. É claro que as pessoas estão solicitando uma coisa, mas o que elas querem obter é outra. Pode-se dar um exemplo clássico, mas não único, nem exclusivo: à solicitação de intervenção institucional, na medida em que a Análise lnstitucional está cada vez mais em moda e que crescentemente ocupa lugares formais, é uma solicitação consciente que, em geral, passa pela idéia confusa de que um serviço de Análise Institucional forma parte da parafernália de serviços característicos do progresso, da tecnologia moderna em relações humanas. Então, a demanda é geralmente uma demanda do tipo: "Bom, veja, viemos consultá-lo porque sabemos da importância desta disciplina e queremos melhorar o ambiente

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dos operários, da direção, ou queremos melhorar o clima entre professores e alunos, a comunicação, o entendimento, a negociação etc." Por quê? Porq ue já se sabe que existe uma tecnologia modernista que conhece do assunto e vai se ocupar disso. Ora, acontece que o encargo pode não ter nada a ver com isso. O encargo pode ter a ver, por exemplo, com algo que acontece quando, na organização, está surgindo um grave conflito por problemas de condições de trabalho, por problemas de nível de salário, por problemas de autoritarismo na liderança, todo tipo de atritos mais ou menos explícitos. Então, há uma demanda, num plano manifesto, de uma intervenção profilática, progressista, melhoradora. O encargo, no entanto, é: "Olhe, veja se acaba com esta revolta, localiza os líderes, me aconselha como desmontar este movimento, como desmobilizar, como fragmentar, como paralisar isto, ou como aumentar a produtividade sem tocar na questão do salário." Isso pode ser feito com plena consciência e com má-fé. Muitas vezes o interventor solicitado tem uma trajetória que permite que lhe seja solicitado isso com toda clareza, porque é um corrupto ou porque é um reacionário. Há especialistas em fazer essas coisas. Agora, quem tem fama de institucionalista dificilmente será solicitado abertamente para isso, porque já se tem uma vaga idéia de que se ele não é revolucionário, pelo menos é democrata ou humanista. Então não se lhe pede isso diretamente. Mas pode-se perceber, perfeitamente, que se diz uma coisa e se está pedindo outra.

Mas a diferença entre a demanda e o encargo pode não passar pela má-fé. Pode ser fruto do desconhecimento, ou seja, você pode perfeitamente ter uma impotência sexual psíquica, e procurar um urologista, que não sabe uma palavra sobre isso. O urologista irá receitar, então, cloridrato de ioimbina ou viagra, e se isso não funcionar, vai acabar implantando uma prótese peniana para ver se opera, quando, simplificando humoristicamente, tratase de algum conflito com a "mamãe"... Não é comum isso? Trata- se, pois, de um problema de ignorância. O usuário não tem como saber qual é o lugar e o expert adequado (?) para a consulta.

Mas pode ser, finalmente, um problema recalcado, inconsciente, de quem vem consultar alguém que tenha reprimido (em um sentido amplo) qual seja a diferença entre sua demanda e o encargo recalcado, entre o que ele pede e o que ele inconscientemente espera conseguir.

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Agora cabe aclara r uma coisa importante. Quando se simplificou isso, anteriormente, no tocante à diferença entre a demanda e o encargo, em termos de má-fé, de desconhecimento ou de recalque, falou-se no caso de quadros de proprietários ou de quadros diretivos que pedem um serviço. Mas se os quadros são de base, pode acontecer exatamente o mesmo: o pedido pode ser fruto de má-fé, de desconhecimento ou de recalque, porque os quadros de base podem fazer essa solicitação, por exemplo, porque não querem trabalhar, descartado o fato de que todo trabalho é alienado, que sempre existe uma extração de mais valia, e que sempre há dominação etc. Mas vocês devem ter ouvido, com freqüência, estes grandes "protestos revolucionários", porque não se quer estudar, não se quer trabalhar. Então solicita-se alguma reivindicação, mas tem-se outro pedido como encargo: "Dê um jeito para que a gente não trabalhe." Já tenho recebido demandas dramáticas, heróicas, pelo fato de ter sido colocado o cartão de ponto. É claro, numa sociedade onde o trabalho é alienado, o cartão de ponto quer dizer muita coisa, e a maioria delas não é boa. Mas também quer dizer que você tem um horário de trabalho que odeia cumprir, ou um estudo que não tem vontade de 'encarar, ou uma autocrítica que não consegue suportar. Sem dúvida este desagrado pelo trabalho ou o estudo não é produto de uma "natureza ruim", ou de uma essência "vadia". Os determinantes do "desprazer ocupacional" na nossa sociedade são reais e espantosamente complexos. Freqüentemente a "resistência" à tarefa é uma tática de luta que exprime o fato de que trabalhamos por dever ou forçados pela sobrevivência. Mas, em todo caso, é bom que tais manobras fiquem claras para o institucionalista e para o demandante.

Já dissemos do que se trata a análise de encargo parcial. Já sabemos o que é encargo, e também análise da demanda parcial. Na realidade, não se podem separar esses dois pontos. Entendendo a demanda parcial e sua diferença em relação ao encargo parcial – são dois pólos de uma unidade, não se pode entender um sem o outro –, então temos de caracterizar os analisadores "naturais". Vocês se lembram do que é analisador .natural: é um fenômeno (dito em termos clássicos, incorretos e ilustrativos) mais ou menos similar ao que Pichon Rivière chama de emergente, que é o que surge como resultante de toda uma

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série de forças contraditórias que se articulam neste fenômeno. E são "naturais", porque não foram fabricados por um interventor institucional. Então, suponhamos um analisador chamado natural (criticamos a palavra natural porque nada é "natural"): um analisador natural seria um terremoto, e nunca nos chamaram para analisar um terremoto porque temos pouco para dizer a respeito disso, pelo menos enquanto acontecimento geológico. Então, não existem analisadores naturais propriamente ditos. Na verdade os analisadores são espontâneos ou históricos. Qual seria um analisador desse tipo? Grande, pequeno ou médio, poderia ser uma greve, a morte de um operário, o aumento das doenças de trabalho, uma grande briga: esses são analisadores chamados naturais. Então, temos de caracterizá-los, delimitar quais são. E quando tivermos feito tudo isso, poderemos chegar ao que se chama diagnóstico provisório. Um primeiro entendimento sobre o que está acontecendo lá na organização. Só que esse diagnóstico provisório é o que os médicos costumam chamar de "presuntivo", que é uma hipótese ainda especulativa sobre o quadro. Mas então, temos de fazer, a esta altura, um contrato de diagnóstico. Este contrato já implica a construção de dispositivos para ouvir todas as partes. O contrato de diagnóstico é um acerto, é um convênio feito para poder construir um dispositivo no qual possamos ouvir todas as partes. Porque só ouvimos uma, aquela que fez a demanda parcial. Só que é bom fazer este novo acordo, porque ele implica que o diagnóstico já é uma operação de intervenção Então já tem de ser autorizado, legitimado e, no caso de existirem honorários, já devem ser pagos, Senão, o que acontece? Toda a intervenção pode acabar aí, no entanto não é valorizada pelos usuários. Por isso, se entre outras coisas o institucionalista vive disso, é interessante receber os honorários, e também porque um contrato de diagnóstico lhe dá direito a credenciais para poder ter acesso aos lugares que têm de ser diagnosticados. Senão, se vai lá, entra-se para diagnosticar e o segurança te manda embora. Depois do contrato de diagnóstico, cria-se dispositivos para recolher todo o materiaI necessário. Então, tenta-se analisar, fundamentalmente, as defesas, isto é, quais foram as resistências que se levantaram nos outros setores que se foi ouvir. Com esse contrato, assegura-se o respeito geral necessário, pelo fato de que, em primeira instância, o institucionalista foi solicitado por um setor, por um segmento qualquer, e não por todo o coletivo.

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O passo seguinte consiste em, a partir desse diagnóstico provisório, poder planejar uma política, uma estratégia, uma tônica e técnicas para começar sua intervenção. Mas não foi concluído ainda o diagnóstico provisório. Ainda é um presuntivo já mais elaborado, mas não é sequer o diagnóstico provisório. Então vai-se criar analisadores construídos, ou dispositivos para poder recolher todos os dados do didgnóstico provisório. Por enquanto, só se ouviu os setores distintamente. Ouviu-se passivamente, mas não se criou condições para cutucar o nãodito que queremos investigar,

Mas será que quando crio instrumentos de investigação, de indagação, não estou deixando de ser institucionalista no sentido de que faço averiguações ativas sob a minha ótica? Posso correr este risco? Sim e não. Evidentemente é um procedimento ativo e não é "natural"; é "artificial" – já fizemos a diferença entre analisadores naturais e analisadores artificiais. Mas talvez isso se possa entender um pouco melhor simplificando esses dispositivos e analisddores construídos. Eles não são tão indutivos assim, porque se trata simplesmente de propor. Vamos dar um exemplo fácil. Depois que se fez a investigação passiva, resolve-se que o analisador artificial que vai agitar o ambiente e que vai dar-nos o material mais profundo, mais crítico, mais comprometido, é uma reunião de cineclube. Cheguei à conclusão de que vou propor a projeção de um filme e uma discussão sobre o mesmo, e importante, porque é indireto, desloca a problemática da situação espontaneamente referida. Por outro lado, não é demasiadamente indutivo, porque o interventor não está baixando regras, mas está propondo um dispositivo agitador, um agenciamento ativador. Os usuários podem aceitar ou não. Se não aceitam, teremos que pensar em outras alternativas. Uma vez aceito, pode dar certo ou não. Pode ter um resultado rico ou pode não dar em nada. Também se pode propor outra coisa bem interessante: um laboratório prolongado de fim de semana em um espaço diferente do habitual: vamos nos reunir todos em um lugar e vamos conviver durante estes dois dias e permitir-nos observar o que acontece nessa convivência. É muito recomendável e não é nada autoritário, nada impositivo.

Depois que se executam os dispositivos do diagnóstico provisório, reúne-se a equipe interventora e parte-se para analisar toda a colheita, fazendo-se a análise da demanda e do encargo

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definitivo. Da mesma maneira que ativamos esse coletivo ou mobilizamos e o colocamos em condições de manifestar-se muito mais livremente, muito mais ricamente, também somo's mobilizados, somos igualmente ativados, temos uma vivência de contato diferente. Então, temos de voltar a fazer uma auto-análise da implicação: o que foi que isso acordou, despertou em nós, que não tínhamos percebido em todos os passos anteriores? Particularmente o material inconsciente. Por exemplo, depois de todo esse novo exame, temos adquirido solidariedade ou cumplicidade inconscientes com segmentos organizacionais? Isso agitou em nós ambições e desejos que não tínhamos e agora percebemos? Por exemplo, quando se mantém uma convivência prolongada, pode-se chegar à conclusão que dessa intervenção podem ter origem dezenas de outras intervenções, porque essa agência faz parte de uma cadeia nacional de agências e que se a equipe fez uma boa intervenção aqui, vai conseguir outras intervenções noutros lados. É possível não se dar conta de que essa ambição acordou-se nos interventores. Então, a análise da implicação significa pesquisar, exaustivamente, no coletivo interventor, quais foram os inconfessáveis e imperceptíveis ou recalcados que foram ativados. Nova análise da implicação. Por que é importante? Porque o passo seguinte é o diagnóstico definitivo e o planejamento da intervenção definitiva. Nova política, novas estratégias, táticas, técnicas definitivas, analisadores definitivos e um passo seguinte fundamental: proposta de intervenção e novo contrato.

Esse contrato definitivo, que envolve maior compromisso e requer mais retribuição, exige ter muito claro aquilo com que se está lidando e quais foram as ressonâncias inconscientes que isso. despertou na equipe interventora. Também será preciso definir qual a orientação geral que vai ser dada ao processo, será necessário precisar quais são as estratégias, os movimentos fundamentais para conseguir os propósitos políticos; será necessário desenhar as táticas, os espaços onde se vai dar essa "guerra", a ordem dos mesmos, a importância dos mesmos e as técnicas, os procedimentos: psicodrama, técnicas expressivas, qualquer técnica, mas pensada anteriormente; uma festa, um cineclube, uma guerra simulada, um quebra-cabeça coletivo, toda técnica é boa, sempre que a tática, a estratégia e a política estejam bem claras e resultem do diagnóstico definitivo e do entendimento da implicação.

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Depois temos a autogestão do contrato de intervenção, isto é, vamos fazer uma proposta de contrato definitivo, mas não vamos impor nenhum dos termos e deixaremos que o coletivo proponha se quer pagar quanto quer pagar, por que quer pagar, que tempo pensa destinar ao trabalho, que poderes quer nos dar e porque, o que será muito ilustrativo do significado que a intervenção tem para cada segmento. O interventor institucional nunca faz uma declaração assim: "Eu quero um contrato por tanto tempo, eu cobro tanto e quero que se me autorize produzir tais e quais transformações na organização ou introduzir tais mudanças." Primeiro quero saber o que o coletivo propõe nesse sentido, e porque. Isso é completamente diferente das prestações de serviço profissionais habituais, em que o profissional diz: "Minha hora custa tanto, o tratamento vai durar tanto tempo, e quero que você se deite e me deixe examinar seu ouvido esquerdo com este aparelho. Se não for assim, não atendo." Não é esta a idéia. Os temas a investigar são: Como você concebe este serviço? Quanto tempo você acha que vai durar? Quanto dinheiro você acha que deve ser pago? E como está distribuído o pagamento? Quando cada um pensa que deve pagar e por quê? Quais são os direitos que você nos vai dar para podermos intervir? Podemos estar aqui todos os dias? Podemos acompanhar o trabalho hora após hora? Podemos estar nas reuniões reservadas? Podemos ver os livros contábeis da organização? É claro que, depois de analisar a proposta, o institucionalista pode fazer uma contráproposta e fundamentá-la, para chegar a um acordo consciente.

Depois vem a execução da intervenção, tal como foi planejada. Logo vêm as avaliações periódicas, que são momentos de parada para qualificar os resultados e voltar a analisar a implicação que se vai gerando na equipe durante o processo. Consideração dos índices de transferência, resistência, produção, antiprodução, atravessamento, transversalidade, todos os conceitos que explicamos durante o curso e que agora não poderemos tratar em detalhes.

Quando acaba a intervenção temos de fazer um prognóstico, que poderemos ou não comunicar ao coletivo. Poderemos ou não propiciar a implantação de um dispositivo de auto-análise coletiva permanente; ou seja, no momento em que saímos da organização, ficará uma disposição e uma

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instrumentação de dispositivos para que esse coletivo continue fazendo, de forma permanente, o processo de auto-análise e o processo de autogestão que induzimos, que introduzimos como hetero. Nós saímos, e o trabalho continua. Podemos fazer um acordo de acompanhamento, de intervenções periódicas de atualização. E, finalmente, já por nossa conta, temos de discutir, profunda e exaustivamente, como vamos elaborar todo o material, como vamos teorizá-lo e o que vamos fazer com ele, se vamos publicá-lo ou se vamos obter algum tipo de benefício com ele: o coletivo no qual intervimos está alheio, mas a implicação e os problemas éticos, políticos e econômicos continuam sendo importantíssimos, sobretudo porque é um material que nos pertence muito relativamente: é propriedade do coletivo considerado. Nossa decisão deverá ser submetida a ele.

A intervenção standard que tentei explicar tem milhares de variações, tanto que se pode dizer que a regra são as exceções. Mas, em todo caso, é um esquema para se considerar e omitir os passos que não sejam possíveis, que não sejam recomendáveis, condensar tantos outros etc. Em todo caso, é importante que cada interventor possa inventar um procedimento sui generis para cada situação. 106 ▲

PERGUNTAS REFERENTES AO CAPÍTULO VI

1) Que modalidades de intervenção institucional você conhece?

2) Qual é a vantagem do roteiro standard de intervenção institucional?

3) Repasse cada um dos itens do roteiro standard.

4) Que diferença existe entre um analisador "natural" e um construído?

5) Qual é a importância da autogestão do contrato?

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Capítulo VII

o INSTITUCIONALISMO NA ATUALIDADE

f) O Institucionalismo e suas vicissitudes

Convencionamos denominar o Movimento Instituciona lista, ou Antiinstitucionalista, ou Instituinte, ou simplesmente Institucionalismo, a um conjunto aberto e internamente diversificado de correntes que mostram certos valores em comum, bem como marcadas diferenças.

Não é nossa intenção enumerá-las e caracterizá-las todas, não só porque este propósito excede em muito os limites deste livro, mas também porque supomos que este universo seja não totalizável. O mesmo se incrementa incessantemente com discursos e práticas originais que podem diferir marcadamente dos que cada um considera os mais notáveis e respeitáveis desta agrupação.

Basta dizer que compreende numerosos saberes e fazeres que tomam por objeto os coletivos sociais no que se refere às lógicas que os regem, às formas concretas em que essas se "materializam", às finalidades que perseguem e à medida que as alcançam, assim como aos recursos que empregam para obtê-las. Em outras palavras: ocupam-se das instituições, organizações, estabelecimentos e equipamentos, assim como dos agentes e práticas que estes protagonizam.

Essa abordagem tem o que poderíamos chamar em geral, e não sem ressalvas, uma vocação crítica, que tenta conceituar de diferentes maneiras. Podemos eleger uma, insistindo que não

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será necessariamente compartilhada. Trata-se de diferenciar em cada uma destas entidades sua função ou funcionalidade de seu funcionamento.

A função remete a fins e meios declaradamente universais e necessários para o suposto "bem comum". O funcionamento remete à virtualidade que essas entidades detêm de um potencial transformador, a serviço, principalmente, da produção de novas formas libertárias da vida. Essa vaga descrição introdutória permite reconhecer que o espectro de propostas dos diversos "institucionalismos" é classificável em uma escala que vai desde posições relativamente conservadoras, seguindo por outras crescentemente reformistas, até chegar a concepções e ações alternativas, marginais, clandestinas, revolucionárias e, até talvez caiba dizer, extremistas.

Muito sumariamente mencionada, a gênese social desse Movimento pode relacionar-se, em seus aspectos conservadores ou reformistas, com uma longa série de tentativas históricas de regular racionalmente a existência das coletividades. Arbitrária e muito simplificadamente, proporíamos as grandes balizas da Revolução Francesa, o Iluminismo e o Enciclopedismo como acontecimentos importantes pioneiros deste tipo. Pelo contrário, em suas versões mais drásticas, o Institucionalismo tem parentesco com todos os ensaios libertários que as culturas e civilizações tenham pensado ou experimentado, desde a tribalidade primitiva e nômade até as tentativas autogestivas modernas da Iugoslávia, Argélia e, sobretudo, da República durante a Guerra Civil Espanhola.

Quanto à gênese conceitual, sabe-se que o Instituciona lismo nutre-se de linhas teóricas contrastantes, na medida em que estas não são homogêneas. Por um lado, não pode deixar de se inspirar na filosofia mais ou menos "oficial" do Ocidente: Sócrates, Platão, Aristóteles, os Escolásticos, Descartes, Kant, Hegel e Heidegger. Por outro, adere com muito mais entusiasmo ao espírito dos materialistas pré-socráticos, assim como aos sofistas, megáricos, epicuros, estóicos, Espinosa, Nietzsche, Hume, Bergson, Kierkegaard e Sartre. Algo similar ocorre com os pensadores políticos e jurídicos cuja nomeação resultaria demasiado extensa. Basta mencionar a preferência do Institucionalismo pelos utopistas como Tomas Morus, Campanella, Rabelais, Fourier e, à sua maneira, por Marx, Bakunin e outros.

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Se é permitido falar-se de uma gênese operacional, é sabido que as origens do Movimento podem fazer-se partir de três grandes campos da práxis, a saber: o da Educação, o da Saúde Pública (especialmente a mental) e o d a Indústria. Poder-se-ia acrescentar toda aquela atividade vinculada aos Serviços Sociais, os problemas da Urbanização e Demografia, e assim por diante. Simultânea ou consecutivamente, esses limites se ampliaram a quase todo tipo de organizações e estabelecimentos (comerciais, financeiros, partidários, sindicais, eclesiásticos e até militares). Essa difusão culminou com uma conflituosa incorporação (crítica ou não) dos recursos institucionalistas ao "planismo" em grande escala, quer dizer, às grandes campanhas estatais para o gerenciamento e a administração das sociedades civis e das populações em geral.

As bases teórico-técnicas mais específicas do Institucionalismo são surpreendentemente numerosas e compreendem não só contribuições de ciências constituídas -Sociologia, Psicologia, História, Economia, Semiótica e Antropologia –, como também de disciplinas como a Pedagogia e a Medicina, ou interdisciplinas formal-tecnológicas como a Teoria da Comunicação, dos Sistemas, dos Jogos etc. Cada um desses setores do conhecimento, obviamente, não é homogêneo, e nem sua herança institucionalista o é. Encontramos, assim, influências predominantes de várias correntes, por exemplo: Comportamentalismo, Rogerianismo ou Psicanálise (em Psicologia), Funcionalismo, Estruturalismo ou Materialismo Histórico (em Sociologia e Economia Política) e assim por diante.

Desde logo, todas essas influências estão moduladas segundo matrizes filosóficas, ideológicas e políticas assumidas expressamente ou não pelos teóricos e praticantes institucionalistas, entre os quais encontramos, como mínimo, liberais, marxistas e anarquistas. Sem contar que boa parte entende que o Institucionalismo é uma visão política integral do mundo em si mesmo e que não pode reduzir-se a nenhuma das posições políticas reconhecidas.

Quanto ao estatuto gnosiológico pretendido por cada orientação para a sua práxis, a gama abarca desde as escolas que, aspiram a títulos de cientificidade (de acordo, está claro, com a definição de ciência que sustentem as epistemologias às quais respectivamente subscrevam) até as que se postulam como

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afazeres artesanais militantes ou ainda não enquadráveis em qualquer categoria que não seja uma nova concepção da convivência cotidiana.

Conseqüentemente, essa heterogeneidade não pode mais que desembocar em uma quase Torre de Babel, no que tange a uma certa unificação de termos indispensável para a produção teórica (coerência, consistência, precisão, convalidação, verificação etc.). Como veremos mais adiante, o mesmo ocorre com as convicções requeridas para a articulação de uma Ética, Estratégia e Tática do Movimento. Se o instrumental teórico, método e objeto de estudo são tão proteiformes e problemáticos, o que esperar acerca do arsenal técnico, o qual se desdobra entre as ferramentas clássicas da Sociologia (pesquisas de opinião e atitude, análise de conteúdo, entrevistas livres ou dirigidas, assembléias, workshops etc.), passando pelos procedimentos informativos, dramáticos, sugestivos ou interpretativos das psicoterapias até chegar à doutrinação ou à agitação política segundo padrões mais ou menos tradicionais.

Em síntese: esta "evolução", "progressão" ou, mais neutramente dizendo, este "percurso" de sua gênese social, conceitual e operativa, coloca ao Movimento agudos problemas pertinentes a seu estatuto ético, jurídico-político, gnosiológico e profissional.

Esses temas costumam aparecer no Institucionalismo em torno de polêmicas sobre a cientificidade e a profissionalidade. Com a cientificidade joga-se o reconhecimento e a autorização das comunidades científicas e acadêmicas (diplomas, títulos, carreiras, publicações etc.). Com a profissionalidade o que está e m jogo é a legitimidade, legalidade, ou o que quer que se queira chamá-lo, do Institucionalismo, com relação aos códigos jurídicos nos quais se enquadra e aos normativos a que se atém... e suas óbvias conseqüências econômico-políticas (operações de oferta, demanda e contratação de serviços, possibilidade de confissão dos objetivos reais da intervenção, avaliação de eficácia, questões de neutralidade-abstinência ou imparcialidade-indução).

Essa conflitiva do Movimento nas dimensões da especificidade (cientificidade) e da profissionalidade já é incômoda mesmo para as modalidades mais conservadoras e reformistas na escala de correntes. Certas orientações como a denominada "Desenvolvimento Organizacional" ou a "Cibernética Social" são

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vistas pelos setores acadêmicos ou pelos mais politizados como "penetras", mercantilistas e adaptativas; isso não impede que existam e às vezes alcancem um êxito mercadológico e efetivo entre seus usuários. Mas a questão de fundo que se coloca é como o "devir" das posições no fazer e saber institucionalista foi se pronunciando:

a) Quanto à especificidade, sobre uma crítica radical das cumplicidades das leituras e intervenções científico- tecnológicas com os sistemas e setores dominantes;

b) Quanto à profissionalidade, sobre uma impugnação extremada do papel de certas prestações de serviços, cujos privilégios corporativos e condições mercantis contratuais seriam reprodutores flagrantes da divisão técnico-social do trabalho e da alienação-dependência do saber-poder dos coletivos de usuários.

No extremo, e coerentemente, as formas mais marginais, alternativas ou revolucionárias do Movimento costumam compartilhar uma utopia quase insurrecional de ampliação e generalização da análise e da intervenção em grandes situações em escala regional, nacional e até planetária.

Os setores tradicionais do Movimento, de acordo com os países onde se desenvolvem, conseguiram uma considerável aceitação e até uma consagração que os incorpora (mais de fato que de direito) à tecnologia da human engineering (Psico-Sociologia das Relações Humanas, Treinamento em Recursos Humanos etc.). Pelo contrário, a faixa mais subversiva do Movimento, impulsionada por uma clara perseguição aos objetivos de coletivização e generalização da auto-análise, da autogestão e da autodeterminação das comunidades, afasta-se cada vez mais dos parâmetros epistemológicos e legais que regem as prestações convencionais das quais partiu no início do Movimento.

Durante esse trajeto, as orientações mais radicais produziram "instrumentos" teórico-técnicos valiosos sob todos os prismas, tais como: implicação, analisador, demanda, encargo, efeitos: Mulhman, Lukács, Weber, frio-quente, centro-periferia etc. (ver glossário), que atendem à autocrítica dos valores da equipe de prestadores de serviços e da reconquista, por parte dos coletivos, das potencialidades acima apontadas. Contudo, as expectativas de mudanças substanciais e duradouras nas comunidades de usuários não foram inteiramente satisfeitas, e

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muito menos as de propagação da utopia transformadora a vas tas unidades sociais. Como veremos mais adiante, o complexo panorama do mundo atual nos mostra coletivos brutalmente submetidos, ou persuadidos ao participacionismo, ou totalmente apáticos e dispersos. Isso tudo acontecendo em um estado coisas objetivo de injustiça social que exigiria mais que nunca uma ação conjunta decidida.

Parece que o Institucionalismo avançado, e mais ainda o "maximalista", que não simpatiza com as formas políticas "progressistas" e/ou revolucionárias convencionais (tais como partidos ou vanguardas elitistas), não foi capaz de deflagrar por si mesmo sólidos processos, pontuais ou amplos, de mudança libertária. A rigor, não é seguro que seja isso o que o Institucionalismo avançado pretende. Mais corretamente, a idéia consiste em encontrar canais de conexão, formais ou não, com as iniciativas históricas circunscritas ou massivas que se encontram já em andamento, para contribuir com as mesmas para a plena vigência das modalidades gestionárias singulares que necessitem e decidam dar-se.

Mas é justamente este um dos pontos nos quais se coloca para o institucionalista avançado o mais duro desafio, radicado na elaboração dos citados canais de cooperação. Se por um lado os procedimentos habituais de produção de demanda de serviços lhe estão dificultados ou impedidos pela peculiaridade de seus ideais, por outro as célebres categorias de inserção nos movimentos e lutas, tais como as de integrante, colaborador, aliado ou simpatizante lhe são insuficientes.

Diante dessa perspectiva, o agente institucionalista com inquietações militantes encontra dilemas excruciantes, nem sempre realistas, que se em um sentido podem constituir fatores de propulsão ao aperfeiçoamento de seus recursos, em outro, ameaçam submergi-lo em uma certa paralisia. René Lourau tratou lucidamente desses impasses em dois capítulos memoráveis seu livro "El Estado y el Inconsciente" (Ed. Kairos, Barcelona, 1980). Na segunda parte do citado texto, os capítulos V e VI intitulam-se: "El Estado en el Analisis Institucional" e "El Analisis Institucional en el Estado". Resume-se aí o drama Institucionalismo: definindo o Estado, soma do instituído, uma maneira vasta e diversificada como "o inimigo principal" (a expressão é nossa), o autor tenta sistematizar os obstáculos,

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possibilidades e impossibilidades que a onipresença do "Leviatã" impõe ao Movimento em todos os campos de sua provável atuação. Mas não deixa de assinalar o peso das mortíferas determinações estatais imanentes ao próprio seio do Movimento. Remetemos o leitor a essa leitura obrigatória porque queremos partir dela para enfatizar alguns inconvenientes, não por acreditarmos que não tenham sido abundantemente tratados neste e em outros escritos, senão no tangente à nossa experiência particular. O primeiro refere-se ao fato de que o lnstitucionalismo avançado e até o "maximalista" não são suficientemente conhecidos devido à sua pouca difusão, de modo que os pequenos grupos e organizações não sabem de sua existência. Por outra parte, a maioria dos grandes experimentos "revolucionários" massivos atuais não sustenta integralmente os ideais libertários antes mencionados, sendo pouco provável que solicite a colaboração de um institucionalista, mesmo supondo que conheça sua proposta.

Isso reduz as demandas de trabalho àquelas apresentadas por organizações de pequena e média envergaduras, que na maioria das vezes confundem o serviço que procuram com qualquer uma das variedades "normativizantes" anteriormente descritas.

Também devido à pouca divulgação do Movimento, o Institucionalismo se vê forçado a recrutar quase exclusivamente seus adeptos praticantes nos estabelecimentos de formação acadêmica de especialistas e profissionais.

As duas dificuldades, a de uma demanda errada e a de uma procedência logocêntrica e corporativa dos agentes, contribuem para o aggiornamento da corrente no sentido das orientações mais adaptacionistas ou reformistas. Contudo, segundo nossa experiência na América Latina, algumas regiões da Europa e (por referências) nos Estados Unidos, proliferam cada vez mais movimentos, espaços e correntes idiossincráticos (de singularidades etárias, sexuais, raciais, religiosas e até trabalhistas) "naturalmente" predispostas a coletivizações autônomas, senão à autogestão generalizada "a quente". Em cada um desses âmbitos ou nos interstícios de outros mais "oficiais", abrem-se para o institucionalista outras tantas oportunidades para reinventar sua "maestria". Trata-se, mediante a auto-análise da implicação despertada pelo encontro com a singularidade do

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coletivo intervindo, de expurgar os emergentes de profissionalismo e especialismo que se levantam como impedimentos para a plena realização produtiva da intervenção como acontecimento. Fazem-se imperiosos para o Institucionalismo estudos cuidadosos e particularizados da estrutura e estratégias do Estado (entendido como ubíquo, inconsciente e "contínuo") em cada formação social. Essa falência também foi indicada por Lourau e outros; enquanto essa não for remediada por um extenso sistema de intercâmbio e acumulação de informações (chame-se, por exemplo, "Praxiologia", como sugerem alguns), o Institucionalismo estará condenado a uma série de apreensivas apostas, sobre algumas das quais voltaremos ulteriormente.

Sem pretender sequer introduzir o tema de uma "Estatologia Diferencial Institucionalista", queremos apenas observar que as sociedades opulentas (em especial as sociais democracias européias), por um lado, parecem propícias ao Institucionalismo devido à sua permissividade e tecnologização dos sistemas de controle social, ao elevado nível de padrão de vida e de instrução pública e à preocupação generalizada com a ameaça atômica e a deterioração ecológica. No entanto, por outro lado, os Estados gerentes pseudo-exitosos, modernos e eficientes administradores de enormes riquezas, persuadiram as populações com benefícios concretos ou imaginários, levando-as a uma atitude de "conservadorismo crispado" (segundo F. Guattari) ou de indiferença complacente (que alguns entendem como formas de resistência passiva).

Nos capitalismos tardios latino-americanos (por exemplo) ocorre algo diferente. As massas extremamente depauperadas, as burguesias nacionais retrógradas (aquelas por total falta de opções reais de sobrevivência, estas por quase absoluto desinteresse pelo cuidado com a força de trabalho e o cultivo do mercado interno), não são propensas às propostas institucionalistas. Ao mesmo tempo, o brutal contraste entre o discurso, estrutura e recursos estatais (essencialmente demagogos, insuficientes, incompetentes e corruptos) e o trágico nível de carência dos coletivos fazem com que o "planismo" seja um ostensivo fracasso. Como conseqüência, o Estado precisa urgentemente de otimizar sua gestão e as comunidades, profundamente decepcionadas com suas expectativas acerca do

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providencialismo estatal, começam, penosamente, a dar-se soluções próprias. Esta superfície mostra algumas brechas para o Institucionalismo, se tal coisa existe, para certo trabalho "no Estado" e "com a sociedade civil". Nesses empreendimentos, contudo, a reformulação das características do agente e de sua práxis se faz imperiosa: a precariedade de meios de remuneração e a violência repressiva – como a cooptativa, sempre pronta a desencadear-se sobre o institucionalista e seu cliente – impõem estratégias e táticas infinitamente sutis e cautelosas.

Essas questões não são, de maneira alguma, novas para o Movimento. Deu-se para elas respostas já célebres que levam nomes tão aceitos como vituperados pelos diferentes segmentos do Institucionalismo: empresarização, entrismo, maquiavelismo, infiltracionismo, distorção da demanda, marginalismo, clandestinismo, ressingularização das práticas são alguns dos termos usados para designar manobras de contato e entrada nos coletivos de usuários. Consagrados e repudiados, esses modi operandi, como muitos outros referentes a uma diversidade de assuntos do Movimento, expressam a permanente tensão e oscilação que ocorre entre a conveniência de associar as diversas correntes do Institucionalismo e seu horror à totalização. Em geral, o estado incipiente dos intercâmbios teóricos e casuísticos gera uma exacerbação da crítica fundamentalista operante em uma espécie de "vazio".

Ao perigo de paralisia ao qual se aludiu anteriormente, causado basicamente pelo poderio, a ubiqüidade e flexibilidade das forças reativas atuais, acrescentam-se certos agravantes que iremos apenas esboçar aqui. Freqüentemente o institucionalista, calouro ou experiente, mais ou menos acostumado a suportar as limitações de sua tarefa e a crítica exógena ao Movimento, sofre sérias pressões resultantes da crítica endógena, ou seja, da crítica que nasce da luta entre as correntes internas (conservadoras, reformistas, alternativas, revolucionárias e até "terroristas") da corrente.

Não é nada estranho que assim seja; em outras palavras: não há nada de inesperado no fato de haver dissidências em um Movimento que possui a estranha virtude de ter produzido, em pouquíssimo tempo e com mínima repercussão "pragmática", uma rica e profunda autocrítica. Ela afeta tanto as disciplinas teórico-técnicas, das quais as tendências institucionalistas se

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originaram, quanto elas mesmas, independente do grau de desenvolvimento que chegaram a alcançar.

Essa crítica disseca, metaforicamente falando, cada uma das células, vísceras, tecidos, sistemas, organismos e funções que as integram. Mas esse trabalho é feito habitualmente em abstrato e não sobre o que alguns denominam uma "clínica ampla" do Movimento. Tanto é assim que capítulos fundamentais, tais como o da logística (avaliação de disponibilidades ou resultados) ou, seguindo com a metáfora, a genética (estrutura e dinâmica da reprodução e mutação), a biotipia (taxonomia de perfis) e a eugenesia (replicação de perfis ótimos) ainda não foram escritos. Cabe aqui acrescentar a ressalva de que, segundo certo conjunturalismo ou improvisacionismo extremado de alguns institucionalistas, talvez não seja necessário escrevê-los senão como curiosidades museológicas, na medida em que tais registros só seriam reconstrutivos de experiências consumadas. Essas, triunfantes ou falidas, teriam uma singularidade tal que careceriam de qualquer valor prescritivo ou prospectivo generalizável.

A problemática que esboçamos tem, como uma de suas áreas mais sensíveis, a da sistematização de uma "Pedagogia Institucionalista". Se se admite que o Institucionalismo é, em última instância, uma modalidade de viver coletivamente, adquire sentido a afirmação (um tanto esnobe) de que "não se ensina". Dito de outra maneira, a proposta é que cada coletivo construa as condições para se autoconhecer, autodeliberar e autodecidir a forma sui generis, única e irrepetível, que deseje dar-se para existir. Este processo prioriza a crítica e a dissolução das formas alienadas das quais padece, incluindo entre elas boa porção dos conceitos com os quais as lê e as avalia. Nesta reelaboração, as figuras do profissional e do técnico "em fazer isso" são forçosamente demolidas e, junto com elas, as dos "que ensinam a fazer isso", especialmente se o fazem para formar " experts em fazer isso".

Mas se não se admite um "especialista em autogestão", deve-se necessariamente conceber (pelo menos doutrinária e provisoriamente) procedimentos de inspiração autogestionária para formar diversos especialistas, fazendo, no possível, uma clara discriminação entre especificidade e especificismo. A redistribuição do saber e do fazer nas gestões autônomas cria

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condições para surpreendentes descobertas e resultados protagonizados por participantes ou grupos dos quais "menos se poderia esperar". Mas isso não implica que se tenha obrigatoriamente de reinventar tudo e que não exista alguma divisão operacional e v ocacional do trabalho, assim como tampouco descarta que alguém que "passou por muitas gestões" possa participar de outras nas diversas qualidades que acima confessamos não havermos conseguido classificar. Aludimos, é claro, ao que há algumas décadas se denominava "acumulação social do saber".

O assunto torna-se mais nítido no caso de coletivos de estudantes de alguma disciplina que desejam aprender sua matéria no marco de uma experiência institucionalista e, mais claro ainda, quando se trata de disciplinas diretamente aparentadas com as origens do Institucionalismo, tais como Sociologia, Psico-Sociologia, Ciências Políticas etc. A nota em comum, que configura estas comunidades como tais, é a de associar-se com a finalidade de gestionar uma forma coletiva e autônoma para adquirir o manejo de certas contribuições teóricas e operativas dos saberes constitutivos da prática geral do Movimento. Que a organização e procedimentos adotados sejam "não-diretivos", "permanentes", "co-gestivos", não é tão importante quanto parece. Tampouco o é o tanto que a iniciativa seja parcialmente autogestiva (em âmbito ideológico, pedagógico e político) ou integralmente autogestiva. O ponto crucial é que o projeto esteja decididamente encaminhado, em cada um de seus dispositivos, a uma articulação e disseminação do Institucionalismo com e em outros coletivos atuantes. Esse objetivo, quando é claramente assumido, exige ou não a autodissolução do agenciamento pedagógico, mas pressupõe a firme disposição dos agentes formadores à autodissolução e recolocação de sua "identidade" segundo os novos paradigmas nos quais se insiram. Completando a idéia: impõe a não- reprodução do equipamento e do modelo pedagógico que o gerou. É evidente que dispositivos desse tipo só se justificam, e dão modestos frutos, enquanto a "frieza" do contexto social que os contém não permite senão uma discreta transversalização do ensinamento com as forças instituintes "pesadas" do Trabalho ou da Grande Política. Só alguns extraviados fanáticos ou duvidosamente intencionados "puristas" confundem o que é

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"deixar aprender" Análise Institucional ou Sócio-Análise em um estabelecimento ou curso isolado, "a frio", com o que é tentá-lo numa autogestão social generalizada. No primeiro caso, o máximo que se autodissolverá, e só até certo ponto, será a assimetria educacional entre professores e aprendizes. No segundo, ambos deverão dissolver-se em uníssono, assim como sua organização mesma, nas práxis dos coletivos que lhes ensinaram "em ato" como e para quê fazê-lo. Enfim: como dissemos, resulta perfeitamente compreensível e ainda indispensável que os processos de auto exame e transformação constante do Movimento se exerçam sem pausa nem concessão alguma. Mas se essa implacabilidade tem efeitos inequívocos sobre as formas radicais antecedentes ou pioneiras do Institucionalismo, eles não são tão límpidos quando se opera com indiscriminada dureza sobre a infinita variedade de propostas institucionalistas contemporâneas.

Tensionado entre a necessidade de sobrevivência, a de "autorização" e o desejo produtivo, de um lado, e os duros limites do Estado e das forças reativas do outro, o institucionalista deve ainda enfrentar a crítica interna. Por isso, não é nada infreqüente encontrá-lo decepcionado, culpado, onipotente ou, o que é mais comum, perplexo. Frente a esse difícil panorama, três deformações tocaiam o agente institucionalista, como outras tantas soluções de compromisso do conflito que o dilacera.

Um primeiro caminho é o regressivo. O agente retrocede às modalidades mercantis, adaptacionistas, burocráticas e corporativas do Movimento. Entre elas destacam-se o empresarismo, o funcionalato e o academicismo. Só que essas adoções se realizam" em nome do Institucionalismo", e com um verniz mais ou menos progressista e declamatório. Os profissionais mais propensos a esse destino são os psicólogos de empresa, administradores, comunicólogos e psicanalistas, assim como professores universitários.

Uma segunda vicissitude é a que resulta de uma espécie de falsa aceleração pela qual o agente se lança às formas clássicas da militância política, sejam as reformistas e eleitoreiras, os ativismos messiânicos ou as vanguardas intelectuais contestatórias meramente discursivas. Sem que pretendamos condenar a pertinência conjuntural dessas estratégias, urge se fazer constar que, em sua assunção, todo e qualquer "espírito"

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próprio do Institucionalismo se perde nas estratificações partidárias, sectárias ou facciosas.

Uma terceira escolha, tão engenhosa quanto discutível, é a que pedimos licença para denominar com a pitoresca metáfora de "Tática do Tero". O tero é uma ave da planície Argentina que, segundo a tradição gaúcha, "grita em um lugar e põe os ovos em outro", para assim protegê-las da voracidade das espécies predadoras. Tentamos ilustrar assim a prática dissociada de alguns institucionalistas, que obtêm subsídios e apoio em estabelecimentos e serviços ostensivos nos quais ensinam, publicam ou intervêm, segundo versões híbridas, circunscritas e moderadas do Movimento. Ao mesmo tempo, colaboram ou protagonizam, clandestinamente ou não, mas em real condição de implicados nos eventos e empreendimentos mais puristas aos que têm ocasião de incorporar-se. Não nos parece que esta composição seja das piores, mas sim que é uma saída desgastante, inevitável, às vezes, devido às limitações no desenvolvimento da doutrina e do Movimento antes apresentados.

Como quer que seja, e em referência a esse terceiro tipo de agente, muito nos importa esclarecer que não deve ser confundido com outro, que cremos conhecer muito bem e que é urgente desmascarar. Aludimos a certos "pseudo institucionalistas" que, sabendo das características dispersivas, erráteis e libertárias que definem para alguns setores (provavelmente os mais criativos) a essência do Movimento, as usam com os fins mais espúrios que se possa imaginar. Inteirados nominalmente de um punhado de noções da corrente, as brandem como slogans para empreender um agitacionismo fanático: do "antiautoritarismo" (que desvirtua toda autoridade fundada), da "desordem produtiva" (que inviabiliza qualquer organização e eficácia), da "novidade radical" (que impossibilita qualquer regularidade operacional) da provocação-auto- heterodissolvente (que hipostasia a negatividade e carece de propostas construtivas), do saber ex-nihilo (que proscreve o estudo e prescreve um intuicionismo inconseqüente) etc. Como notas secundárias caracterológicas, estes "anarquistas de bar" costumam glorificar "a paixão" (que confundem com um sentimentalismo raso), a "liberdade sexual" (que para eles é uma promiscuidade confusa e obscena), o "hedonismo" (que consiste em um consumismo alcoólico, drogadito e parasitário) etc.

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Variedades da marginalidade desocupada ou subempregada, originada da lumpenização das faixas médias urbana s universitárias, tais "revoltosos", líderes, acólitos ou franco- atiradores, não só "não passam" como também "nem chegam" a encarnar essas célebres figuras que a militância ortodoxa qualificava de esquerdosos festivos. Em termos institucionalistas: desviantes organizacionais, libidinais ou ideológicos incapazes de produção. Sua triste história consiste em que uma vez tenham destruído e saqueado, brandindo "palavras" instituintes, qualquer iniciativa que os tirou do anonimato, dedicam-se a dar rédeas soltas a sua "vontade de nada", ou melhor, a reproduzir caricaturalmente os vícios (sem as virtudes) da "imperfeita" entidade de origem. Nem Eros, nem Teros, nem Ananké; em resumo: ladrões de galinhas.

II) O Institucionalismo e seus valores

Se as aproximações até aqui esboçadas foram ilustrativas, cabe concluir, no mínimo, que restam muitas questões sem esclarecimento no Institucionalismo. Essa óbvia constatação não é proclamada aqui apenas por pruridos éticos, consciência epistemológica ou autocomiseração sentimental. O motivo fundamental é estratégico e tende a propor e demonstrar a possibilidade e conveniência de algumas medidas a serem adotadas pelo Movimento. Política, logística, estratégia, táticas, técnicas, modalidades de divulgação, implantação, desenvolvimento, transmissão, autorização, contratação, avaliação de resultados, alianças, morfologia organizacional devem ser revistos no Institucionalismo. E isso não significa exclusivamente que esses conhecimentos devam ser produzidos, mas que muitos deles precisam ser apenas comunicados, intercambiados e elaborados coletivamente. Para tal, o Movimento deve dar-se dispositivos formais, amplos e fortes, com respeito aos quais tem uma proverbial desconfiança. Será procedente diagnosticar nesta encruzilhada algo assim como uma "enfermidade infantil do Institucionalismo"?

Alguns textos que conhecemos procuraram uma abordagem de conjunto de pelo menos parte desta problemática. Muitos pontos incertos são tocados e soluções interessantes colocadas com rigor e vigor. Experientes institucionalistas exortam

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seus colegas a um certo ecumenismo bem-entendido, assim como à subscrição de convenções normativizadas e inteligíveis para a socialização da experiência das inúmeras tendências do Movimento. Dá-nos a impressão, contudo, de que (até onde sabemos) essas sugestões ainda não reconhecem nem aproveitam devidamente os adiantamentos, em alguns casos admiráveis, que a crítica produtiva de outros institucionalistas já gerou, justamente sobre os valores e recursos em nome dos quais se põem em marcha tais entendimentos. Por outra parte, e até há pouquíssimo tempo, não havíamos percebido colocação alguma para uma estruturação internacional do Movimento, apesar da lucidez que os institucionalistas avançados e experientes demonstram acerca da onda de integração planetária de todos os processos sociais.

Um tema exemplar para compreender essa curiosa combinação de falta de experiência elaborada com uma espécie de puritanismo ético encontra-se no capítulo sobre as modalidades de contrato e enquadre das prestações de serviços. É óbvio que para os institucionalistas mais "profissionalistas" e "especificistas" este ponto não significa problema algum enquanto já está regulado por leis ou normas ditadas por organismos acadêmicos, trabalhistas ou jurídicos externos ao Movimento. Já para alguns, se bem que esses requisitos sejam indispensáveis, só se exige que suas condições sejam rigorosamente autogestadas pelos coletivos de usuários, compartilhadas pelas equipes intervenientes e tomadas por ambos como analisadores construídos a serem cuidadosamente analisados. Entretanto, para as correntes puristas, todo setting seria um aparato ou equipamento no qual se cristalizariam, como tecnologia falsamente "neutra", as forças mais reativas do "especificismo" e "profissionalismo". Afirmam que se toda intervenção está encaminhada a propiciar a inventiva e a auto-invenção dos coletivos, instituir um ponto de partida contratual instauraria uma espécie de "repressão primária" inaugural cujos conteúdos permaneceriam opacos para sempre aos "oficiantes" de tais "cerimoniais". Constituir-se-ia assim um núcleo cego, e portanto repetitivo, que tenderia a reiterar-se como reprodução ou fabricação do mesmo. Em outras palavras: da racionalidade, do poder, do lucro e do prestígio, do saber e fazer disciplinar que dessa maneira ritual se funda. Essa limitação, extremada no

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caso de abordagens assumidamente interiores às ciências "humanas" e "sociais" (Psicologia Social, Sociologia das Organizações, Psicanálise Aplicada etc.), existiria ainda nos convênios de serviços da Análise Institucional "Clássica" ou da Psico-Socioanálise.

Via esta questão restrita do contrato e do enquadre, nos introduzimos em uma contradição aguda e geral do Institucionalismo. Por uma parte, recordemos a verdade de Perogrullo, de que a autogestão não se decreta nem se concede, que não existe uma prescritiva para a invenção e que, como dizia Bakunin, "só a liberdade engendra a liberdade". Por outra parte, tenhamos presente que em quase todos os casos em que um institucionalista "é chamado" a intervir, isso ocorre porque os coletivos não conseguem aproveitar as condições de liberdade de que dispõem para produzir (inventar), com a autogestão como meio e como fim, aquela liberdade que desejam.

Consideremos um coletivo que decidiu dar-se uma forma autogestiva de funcionamento. Se a mesma é integral, ou seja, se compreende os aspectos econômicos, políticos, "culturais" e libidinais de sua práxis (e enquanto a tentativa estiver sendo exitosa), não se vê porque um companheiro institucionalista iria ser convocado a participar. Pode acontecer que já pertença "naturalmente" ao coletivo em questão, caso este que parece não criar problema algum, porquanto seu saber e fazer serão entendidos como pertencentes ao tesouro do conjunto e espontaneamente utilizados.

No limite, cabe perfeitamente colocar-se o modelo ideal de um coletivo autogerido de analistas institucionais, o que tornaria difícil, ainda que não impossível, imaginá-lo solicitando os serviços de colegas para catalisar uma intervenção sobre si mesmos.

Por outro lado, uma iniciativa autogerida sólida e assumida não teria por que privar-se do emprego crítico de qualquer recurso tecnológico contemporâneo. E claro que ninguém ignora a distância que separa as aplicações da física à computação, por exemplo, da human engeneering. Mas se aceita-se que o paradoxal "expert" em autogestão tem muito que dizer sobre a implicação institucional dessas duas disciplinas (além da própria), não se entende por que não apelar a ele em caso de necessidade ou ainda de "luxo", e menos ainda porque seu trabalho não haveria

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de ser pago.

O que está em jogo neste ponto, como em qualquer dos outros, é uma questão político-epistemológica de fundo no Institucionalismo. Deve-se ter presente que o Movimento afirma, como um de seus mais essenciais fundamentos, a convicção de que os coletivos das sociedades modernas são muito mais vítimas que beneficiários da divisão técnico-social-libidinal do trabalho. O vertiginoso avanço das ciências e técnicas nos últimos cem anos, produtor de seus detentores, a casta privilegiada dos tecno burocratas, e reforçador ao infinito de seus "padrões" dominantes – o Grande Capital e o Estado administrador-gerente – submergiu os povos em um grau de dependência inédito na História Universal. As comunidades, cujas necessidades, demandas, hábitos de consumo e soluções são integralmente produzidas pelas elites cientificistas e os equipamentos de poder, ficaram substancialmente despossuídas de toda possibilidade de protagonismo no conhecimento das determinações que as constringem, assim como de seu levantamento pelos recursos que poderiam gerar por si mesmas. O único recurso que restaria às populações seria aceitar as requisições do participacionismo, quando não do colaboracionismo, que os centros oraculares de poder se vêem obrigados a lançar, quando a mesma entropia de sua arbitrária gestão os enfrenta com a ineficácia dos "planos" e a resistência passiva dos usuários. Mas a certeza do Institucionalismo, acerca de que toda desalienação deve passar atualmente pela recuperação do saber e fazer dos coletivos sobre seu destino, não consegue especificar os modos e graus em que a riqueza científico-tecnológica já produzida deve ser reapropriada pelos movimentos autogestivos.

Félix Guattari, a quem se atribui fundamentadamente o título de criador do termo "Análise Institucional" e de cuja vocação autogestiva se torna difícil duvidar, escreveu: "A

autogestão como consigna pode servir para qualquer coisa. De Lapassade a De Gaulle, da CFDT aos

anarquistas: Autogestão de quê? Referir-se à autogestão em si, independentemente do contexto, é uma

mistificação. Converte-se em algo assim como um princípio moral, um solene compromisso de que será em si

mesmo, por si mesmo, que se administrará o que é de si mesmo, de tal ou qual grupo ou empresa. A eficácia de

tal consigna depende, sem dúvida, de seu efeito de auto-sedução. A

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determinação, em cada situação, do objeto institucional correspondente é um critério qu e deveria permitir

esclarecer a questão. A autogestão não pode ser senão uma consigna de agitação transitória que, em definitivo,

corre o risco de criar bastante confusão se não estiver articulada numa perspectiva revolucionária coerente...

Se 'impugna', no imaginário, a hierarquia. A autogestão, tomada como consigna política, não é um fim em si

mesmo. O problema consiste em definir, em cada nível de organização, o tipo de relação, de formas que devem

estimular-se, e o tipo de poder a instituir. A consigna da autogestão pode converter-se em uma fachada se

substitui massivamente as respostas diferenciadas pelos níveis e setores diferentes em função de sua

complexidade real... Não há uma 'filosofia geral' da autogestão que a torne aplicável em todas as partes e em toda situação... " ("Psicanálise e Transversalidade", Ed. Siglo XXI, México).

Poder-se-ia argumentar que essa citação foi tomada de um texto antigo e que a evolução posterior deste autor o conduziu cada vez mais ao espontaneísmo radical e polimorfo que parece caracterizar o que me permitirei chamar a modalidade mais extremista do Institucionalismo, quer dizer, a "Esquizoanálise". De qualquer maneira, e considerando a complexidade do desenvolvimento dessa concepção, assim como a infinita diversidade de suas estratégias, ela não fez mais que contribuir para a pluralização da morfologia das iniciativas autogestionárias e o questionamento da autogestão como valor unitário e abstrato. Além do mais, não descarta o apoio de tecnologia alguma, pelo contrário. Guattari é um de seus mais ardentes defensores. O conceito de autogestão que acabamos de comentar sucintamente não é mais que um caso de quantas categorias o Institucionalismo maneja. Nenhuma corrente, mesmo as mais drásticas do Movimento, assume que seus termos teóricos não sejam apenas instrumentos formais, mas também, no sentido mais forte do vocábulo, valores.

Na tendência esquizoanalítica que antes mencionávamos, assim como em muitas outras, os máximos valores promovidos predicam-se como: Produção (oposto à Reprodução), Invenção (oposto à Fabricação), Afirmação da Singularidade, Diferença, Potência, Ser do Devir etc. (opostos à Generalidade, Negatividade, Identidade-Repetição, Reatividade, Ser como

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Permanência etc.) A essas categorias podem-se acrescentar as de: Agenciamento, Dispositivo, Desejo, Máquina de Guerra, Acontecimento, Simulacro, que têm a ver com o Instituinte e os Bons Encontros (opostos às Formações de Soberania, Objetivações das Idéias Puras ou Modelos, como sinônimo do Instituído, dos Maus Encontros etc.). Toda a História Universal (a das Formações Econômico-Sociais, Civilizações, Subjetividades e ainda a do Pensamento e a da Natureza) estaria atravessada pela miscigenação entre modos sedentários (territorializados) e modos nômades (desterritorializados) do Ser e do Existir, pensáveis com os critérios mencionados anteriormente.

Uma análise genealógico-epistemológica de tais conceitos-valores seria uma tarefa colossal e apaixonante, que supera por completo as fronteiras de nossa capacidade e deste trabalho. Se os repassamos aqui é apenas para referir-nos a certas confusões que sua polissemia propicia e que levam a que sejam usados com fins e resultados totalmente alheios a seus propósitos e, não poucas vezes, diametralmente contrários a eles.

Não estamos falando do arsenal nem das estratégias manifestas e "molares" (como se chama na "Esquizoanálise") do Capital, do Estado, da Lei, da Igreja, da Família ou da Corporação. Já a Teoria Crítica Clássica do Marxismo e do Funcionalismo conseguiu que os aparatos, equipamentos e manobras capitalistas, fascistas ou "democráticas" nos resultem cada vez mais definidos e visíveis. O Institucionalismo (particularmente com os estudos de Foucault, Deleuze, Guattari, Lourau e outros) contribuiu para detectar as formas "micro" desta rede, tornando-a ostensiva.

Tampouco nos referimos aos célebres mecanismos de recaptura com os quais o Sistema reincorpora à torrente da reprodução e do consumo, assim como ao tabuleiro do registro e da dominação, as invenções dos movimentos produtivo-libertários. Nós os temos muito em conta, pelo menos em tese, para precisar invocá-las novamente neste contexto... a não ser que se considere recapturas os efeitos de entorpecimento e antiprodução que se geram no seio dos grupos, organizações e práticas institucionalistas: é a estes que queremos nos referir.

No capítulo anterior esboçamos uma qualificação crítica das correntes adaptacionistas e "pseudo-ultra" do espectro de posições dentro do Institucionalismo e descrevemos algumas de suas características contraproducentes. Talvez tenhamos deixado

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a impressão de que se trata de setores patentemente definidos que seriam simples de localizar e até personalizar. Desde logo, existem casos em que isso é possível, mas aqui nos interessa destacar estes perfis como tendências imanentes a todos e a cada um dos segmentos (incluída a subjetividade dos agentes) de qualquer corrente institucionalista. Convém precisar com respeito a suas propostas teóricas e sua atuação política e técnica, que da mesma forma que não cabe esperar nada de uma "Filosofia Geral da Autogestão", tampouco corresponde fazer uma "Demonologia Geral Abstrata" desses desvios. Naturalmente, não se trata de fomentá-las nem de privilegiá-las, mas sim de permanecer abertos aos inesperados efeitos revulsivo-produtivos que uma intervenção assim conduzida pode causar, como notável independência dos princípios que a guiam e que, eventualmente, pode fazê-la preferível a outras mais tecno-burocráticas, ou mais dissolventes ainda. Ninguém deve escandalizar-se frente à aparente contradição entre o postulado de um juízo preciso classificatório de uma corrente e a recomendação de uma abertura expectante no tocante a tolerar sua atuação e observar seus resultados. Basta compreender que as séries opositivas de valores que antes enumeramos, cujos primeiros termos seriam essenciais a uma estimativa institucionalista, não são nem axiomas, nem evidências. Não são axiomas justamente porque o Institucionalismo insistiu, desde diversos ângulos, em dessacralizar o tradicional estatuto da Teoria em sua práxis, e mais ainda da Teoria baseada em p a r ti p r is formalizados. Pelo contrário, insistiu em uma reivindicação da singularidade das práticas, para as quais as Teorias funcionam apenas como uma frouxa orientação, quando não se limitam a prover certa intelecção pos' facto .

Por outra parte, os valores mencionados não são evidências, pois apesar da predileção do Institucionalismo pelos atos e transformações concretas que sejam percebíveis como tais para técnicos e usuários, sem misteriosas avaliações de seita, a amplitude e ambição que caracterizam a utopia ativa fazem com que o Movimento distingua-se bastante de todo positivismo, empirismo, pragmatismo ou "intuicionismo".

Como quer que seja, compreende-se que em um Movimento, no qual não se pode apelar ao veredicto de uma Teoria específica nem ao de uma evidência fulgurante, os conflitos

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e discordâncias serão dirimidos em função de parâmetros marcadamente sutis, processuais e conjunturais. Tudo isso se torna particularmente delicado, algo assim como um artesanato militante cujos princípios são depuradamente contrários aos dominantes.

Como já expressamos mais acima, o Institucionalismo tem, hipoteticamente, inúmeros aliados nos coletivos subjugados e explorados, mas quem impera atual e universalmente (embora não sem contradições) são seus poderosos e ubíquos adversários e inimigos. Procede enfatizar que o Institucionalismo não é somente opositivo ao Capitalismo e suas formas históricas econômico-político-culturais (tais como os totalitarismos de Estado ou as democracias burguesas), mas também à maioria das tendências e organizações críticas contrárias a esses sistemas. Por outro lado, ocupa similar posição de antagonismo relativo em referência às sociedades "em transição" ao Socialismo.

Frente a um panorama tão desfavorável, o Institucionalismo exige que suas decisões de condução sejam, no possível, exaustivamente deliberadas e exclusivamente consensuais, o que torna sua gestão insuperavelmente coesa e homogeneamente revolucionária quanto às transformações de fundo e a longo prazo. Não obstante, resulta notório que esse principismo sui generis, que se nega a separar meios de fins, não facilita as resoluções e execuções táticas imediatas, diante de contendedores tão ágeis, fortes e onipresentes. É no campo dessas dificuldades (e de outras que antes mencionamos) que recrudescem os conflitos, inerentes a todo Movimento, que os próprios institucionalistas contribuíram tanto para sistematizar. Em algumas de suas formas típicas esses conflitos podem ser descritos assim:

1) As pressões que o mercado competitivo exerce sobre as organizações institucionalistas sobre-exigem o tempo e os esforços destinados à implantação, sobrevivência e crescimento, digamos, vegetativo ou infra-estrutural das iniciativas.

2) Os poderes oficiais, acadêmicos, corporativos ou simplesmente profissionalistas desencadeiam campanhas repressivas, injuriosas ou recuperadoras sobre a ação ou imagem dos institucionalistas. Entre essas manobras destaca-se o que ironicamente podemos chamar "desvanecimento e usurpação de patente". Tudo é "Análise Institucional", logo, "nada o é".

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3) Em conseqüência do dito nas alíneas 1 e 2, exacerba-se , no seio das organizações e dos sujeitos-agentes institucionalistas, a designação de recursos de todo tipo, para a luta pela obtenção, apropriação e "inflação" de "identidade", "legalização", "legitimação", "reconhecimento", "autorização", "prestígio", "solvência financeira" etc., valores estes que insensivelmente fazem derivar até a luta pelo "poder", o "lucro", a "primazia" etc. Ou mesmo, até um suposto contrário: o matiz "beneficente", "caritativo" ou "filantrópico" das prestações de serviços.

4) Em função de tudo isso, começa um questionamento obsessivo quotidiano da "ética" da práxis, das estratégias e táticas externas, assim como das relações internas, de modo que estas se enrijecem estatutariamente , se "assembleízam" deliberativamente ou se "vertiginizam" ativisticamente. O organograma e o fluxograma internos se "piramidalizam" e se dispersam. O regime das alianças tende a uma regressão filiativa. Em resumo: "paranoidiza-se" a verticalidade, "perversifica-se" a horizontalidade e "extravia-se " a transversalidade.

5) Fica preparado, então, o ambiente para que o Movimento degenere para as diversas direções do vanguardismo segregacionista e do sectarismo hipercrítico, em suas modalidades de protopaternalismo, fraternidade do terror e, finalmente, a serialidade. No plano da produção de subjetividades, isso se registra como uma edipianização geral com suas reterritorializações neuróticas e "psicossomáticas", perversas ou psicóticas. Na terminologia organizacional: amadurecem as condições para a eclosão de certas figuras clássicas tais como a cisão de grupos dissidentes e a burocratização – que às vezes derivam para a empresarização ou para uma morfologia política convencional que, não por ser "menos pior", é a mais desejável: o centralismo democrático. No nível grupal dessas configurações surgem as tradicionais lideranças "autocráticas" ou la íssez -fa íre e os papéis de "bode expiatório", "sabotador" etc.

6) Em resumo: cedo ou tarde, tais deformações (que no espaço da subjetividade podem reduzir-se aos efeitos do "narcisismo das pequenas diferenças") conduzem, pelo caminho do famoso "individualismo pequeno burguês", à atomização do Movimento. Este foi caracterizado por perfis que talvez ainda não seja hora de descartar como obsoletos: o ativismo, o

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voluntarismo, o imediatismo, o oportunismo, o utilitarismo, ou a corrupção franca. Toda uma vasta produção biblio gráfica atual tratou com maior ou menor propriedade dessa problemática do individualismo moderno (L. Rozitchner, D. Riesman, C. Lasch, R. Sennett, L. Dumont) e pós-moderno (D. Bell, G. Lipovetsky, J . Baudrillard, P. Virilio e outros). Se os primeiros enfatizam a fragmentação pulverizante e competitiva do Capitalismo Industrial, os últimos sublinham a subjetivação indiferente e abúlica das sociedades pós-industriais. Coincidem, no entanto, em constatar a decadência da res publica e de quase todas as formas de solidariedade orgânica "a la Weber, Durkheim ou Marx".

7) Em outro escrito resumimos esta tendência dos coletivos no conceito de "compulsão à autodissolução" ("A Compulsão à Dissolução", publicações internas do Ibrapsi, Rio, 1988). Seguimos acreditando que se trata de uma força reativa, como diria Nietzsche, a ter muito em conta nas vicissitudes do Movimento Institucionalista. A rigor, trata-se de uma curiosa exacerbação do que a teoria postula como um requisito dos grupos revolucionários, quer dizer, a capacidade deles de prever sua própria morte e de decidir sua extinção quando deixam de ser estritamente necessários para o processo transformador que lhes dá sentido.

8) Se se repassa o exposto, especialmente o referente à "compulsão à autodissolução", os "desviantes ideológicos, organizacionais e libidinais" e os vícios provenientes do uso exacerbado da autogestão como consigna abstrata e descontextuada com finalidade de oposicionismo demagógico, teremos uma imagem ilustrativa das deformações que emboscam o Movimento Institucionalista.

9) Uma observação mais demorada que compare estas distorções com a breve enumeração que fizemos dos valores promovidos pelo Institucionalismo permitirá constatar que as primeiras são com freqüência (como diriam Deleuze e Guattari) "coartações" ou "acelerações ao infinito" dos processos que os segundos infundem e orientam. Em outras palavras: freqüentemente os vícios do Movimento são uma caricatura de suas virtudes.

10) Para fins de síntese e conclusão, digamos que se tivéssemos de escolher alguma dessas virtudes do Movimento

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Institucionalista na qual se apoiar para construir "o presente futuro de sua ilusão" (no sentido de êxito da Utopia Ativa), seria a afirmação de sua positividade. Se se most ou indubitavelmente que tanto teórica quanto estratégica, tática e tecnicamente o lnstitucionalismo é uma práxis transversal, heterogênea, diversificada, intersticial e não – totalizável, qual pode ser sua condição ontológica, axiológica e epistemológica?

Ontologicamente, em que pode consistir sua "identida que não seja viver na nebulosa das "puras diferenças", quer dizer no "simulacro" das entidades estabelecidas para forçá-las até seu limite, para cavalgá-las, incrementando seu pólo progressivo, para mimetizá-las, parodizá-las, infiltrá-las, recortá-las por linhas clivagem bizarras, dividi-las até o infinito, refluidificá-las, fazê-las proliferar, "alternativizar", diluir-se, rachar, etc.?

Axiologicamente, que ética pode reger esta atividade não enquadrável, mais que tudo, um "modo de viver" que atravessa qualquer "forma de vida" indiferente à "vida das formas ", tentando exclusivamente propiciar que "nova vida" se forme? Como enunciar os postulados dessa ética além de exortações como "desejar o acontecimento" ou "intensificar a singularidade ", segundo a vontade de potência produtiva, em todo tempo e lugar? Uma ética que prescreve gerar as próprias leis para que cada vez mais do realvirtual se torne atualizável.

Epistemologicamente, parece indiscutível q ue o Institucionalismo, longe de orientar-se por critérios de Verdade, sejam estes revelados, especulativos ou experimentais, dedica-se a genealogizar suas formas históricas de produção para expor manifestamente os poderes que as envolvem. Que outro recurso lhe compete além da construção de "verossímeis", "simulações ", "efeitos especiais", indecidíveis, indemonstráveis, mas realizados? Como pensar o radicalmente novo senão com uma "nova maneira de pensar", um pensamento "sem fundamento", ou melho, -"não-fundamentalista"?

Quando sustentamos que a principal virtude do Institucionalismo deve ser a afirmação da sua positividade, queremos indicar sua capacidade de apropriar-se de todo e qualquer fragmento de código, discurso, organização, estatuto ou prática, incluídas aí as específicas e profissionais, e remetê -las a funcionar segundo se produzam, e a produzi-las segundo funcionem. Por conseguinte, ao Institucionalismo não deve

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interessar muito a negatividade crítica e a "superação" dos instituídos dentro do marco dos próprios c ânones dos mesmos. Melhor dedicar-se a pinçar neles cada elemento produtivo, tudo que "abra", "possibilite" e "conecte", agenciá-la de acordo com a lógica de seus "princípios" e intensificá-la até gerar um acontecimento.

Nada impede, pois, ao institucionalista, "devir" (que embora lúdica não deixa de ser revolucionariamente) sociólogo, economista, psicanalista, engenheiro de sistemas, profissional liberal ou funcionário, sempre que o faça (como diriam Deleuze e Guattari) "à moda" de um bárbaro, um artista ou uma criança.

Se isso está correto, boa parte dos pruridos, assim como os purismos e desviacionismos internos ao Movimento que mais acima descrevíamos, são passíveis de ser analisados, avaliados e resgatados para um fortalecimento geral do Institucionalismo que precisa cada vez mais de dispositivos fortes, amplos e numerosos.

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GLOSSÁRIO

Elaborado por Gregorio F Baremblitt com a participação de Cibele Ruas de MeIo

Advertências para a leitura deste Glossário

Devido ao caráter introdutório deste livro, este glossário tem por objetivo apenas informar acerca da existência

de alguns dos termos mais empregados pelo Institucionalismo, bem como da diferente acepção que tomam outros,

advindos de áreas onde seu uso foi consagrado de forma diferente. Embora este propósito não baste para explicar as

limitações do texto, nós, os autores, fazemos questão de explicitá-las mais detalhadamente:

1) A autoria das definições e suas referências bibliográficas não estão citadas literalmente, pois esse requisito excederia as aspirações e possibilidades deste livro.

2) Os autores crêem ter sido fiéis aos significados mais aceitos dos termos, mas se responsabilizam por toda e qualquer omissão ou distorção que as definições impliquem.

3) De forma coerente com o exposto anteriormente, e como desculpa por qualquer injustiça cometida com a paternidade ou a precisão dos conceitos, os autores renunciam a qualquer pretensão de originalidade, ou seja, de propriedade intelectual dos mesmos.

4) E desnecessário dizer que este glossário, assim como o volume do qual forma parte, não pretende haver dado conta nem da maioria dos autores nem dos termos que, segundo a definição ampla dada do Movimento, deveriam estar nele incluídos.

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5) Em alguns casos, como por exemplo no da Esquizoanálise, os autores estão cientes de haver incluído e definido termos que não estão suficientemente esclarecidos. Êspera-se que o leitor compreenda o dilema que termos pertencentes a teorias tão vastas apresentam para os glossaristas: ou se renuncia por completo a mencioná-las, o que empobreceria demais esta leitura, que pretende ser panorâmica, ou se os inclui e define de uma forma sumária e provisória. Esta última opção está destinada a motivar o leitor a procurar a bibliografia de origem para entendê-los e aprofundá-los.

ACASO: modo de devir que se caracteriza por ser aleatório, imprevisível e incontrolável. Freqüentemente se

equipara este termo ao que é casual, contingente, insólito etc., apesar de os sentidos destes vocábulos serem variados.

Nos paradigmas ou modelos que partem da ordem, o acaso é considerado como uma vicissitude probabilisticamente

possível, mas em geral indesejável. Com o auge contemporâneo dos paradigmas ou modelos da" desordem", este é

considerado o modo de ser do devir dos processos, e se procura maneiras de pensar e atuar que incluam a "desordem" e

sua potência produtiva. No lnstitucionalismo (ver Movimento Institucionalista *), de modo geral, a" desordem" e o

acaso que caracterizam os processos são considerados fontes de produção* e essência do desejo*, geradores da

transformação e da novidade nos sistemas. Em um sentido estrito do instituído*, o organizado*, o estabelecido tentam a

repetição do mesmo (ver Repetição*), são conservadores, enquanto o lnstitucionalismo se interessa por propiciar a ação

do instituinte*-organizante*, através da liberação do acaso-radical, deflagrador da diferença, do novo absoluto.

ACONTECIMENTO: ato, processo e resultado da atividade afirmativa do acaso*. É o momento de aparição do

novo absoluto, da diferença e da singularidade. Estes atos, processos e resultados, conseqüências de conexões insólitas

que escapam das constrições do instituído*-organizado*, estabelecido, são o substrato de transformações de pequeno ou

grande porte que revolucionam a História* em todos os seus níveis e âmbitos. O acontecimento atualiza as

virtualidades, cuja essência não coincide com as possibilidades. O virtual não existe, mas faz parte da realidade.

ADAPTAÇÃO: termo tomado da Biologia Evolucionista segundo o qual um órgão modifica-se, tornando-se mais

apto para sua função. Usa-se também para referir-se às mudanças que uma espécie animal adota para sobreviver, como

reação a diversos fatores que obstaculizam ou favorecem seu desenvolvimento. Nas chamadas Ciências Humanas, essa

noção foi empregada com freqüência, mas é muito criticada por evocar uma transformação dependente, apesar de que

freqüentem ente se lhe adicione o qualificativo "ativa". No lnstitucionalismo*, o vocábulo adaptação costuma ser

sinônimo de adequação ao instituido* – organizado* e implica acomodação.

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AGENCIAMENTO OU DISPOSITIVO: é uma montagem ou artifício produtor de inovações que gera

acontecimentos* e devires, atualiza virtualidades e inventa o novo radical. Em um dispositivo, a meta a alcançar e o

processo que a gera são imanentes (ver imanência*) entre si. Um dispositivo compõe-se de uma máquina semiótica e

uma pragmática e se integra coneetando elementos e forças (multiplicidades, singularidades, intensidades) heterogêneos

que ignoram os limites formalmente constituídos das entidades molares (estratos, territórios, instituídos* etc.). Os

dispositivos, geradores da diferença absoluta, produzem realidades alternativas e revolucionárias que transformam o

horizonte considerado do real, do possível e do impossível.

AGENTE: indivíduo-pessoa-sujeito protagonista das práticas* que se desenvolvem no complexo instituído* –

organizado* – estabelecido e seus equipamentos*. Entendido como produção de subjetivação*, o agente pode ser peça

especia lmen te gerada para formar parte de um dispositivo (ver agenciamento ou dispositivo*) transformador. De

todas as maneiras, o agente, no lnstitucionalismo, funciona mais como engrenagem ou efeito dos processos, e não

como causa dos mesmos.

ALIENAÇÃO: no sentido filosófico, designa um processo pelo qual um ser perde sua identidade ou seus atributos

essenciais, "alienando-se" ou "transbordando-se" no outro, ou em um "fora de si". No lnstitucionalismo a significação

deste termo é próxima à da Sociologia: os homens, ::''TUPOS ou classes sociais alienam suas potencialidades,

atribuindo-as a entidades sobrenaturais (os Deuses), como disse Feuerbach, ou a uma classe social que, por ser a

proprietária dos meios de produção, se apropria do valor da força de trabalho não remunerada da classe produtora. Em

geral isso lhe permite também acumular poder político e prestígio.

ALTERNATIVA: designa-se assim as idéias, pessoas, organizações, movimentos e práticas que supõem uma opção

para seus simétricos oficiais, reconhecidos e consagrados. Se bem as propostas alternativas possam reunir a condição

de opositoras, dissidentes e marginais, não chegam a ser consideradas clandestinas, subversivas ou revolucionárias. As

forças e entidades dominantes desaprovam ou desqualificam as alternativas, mas em ge~al as toleram ou as ignoram.

Excepcionalmente, as recuperam.

ANALISADOR ARTIFICIAL OU CONSTRUÍDO: dispositivo* inventado e implantado pelos analistas institucionais

para propiciar a explicitação dos conflitos e sua resolução. Para tal fim, pode-se valer de qualquer recurso

(procedimentos artísticos, políticos, dramáticos, científicos etc.), qualquer montagem que torne manifesto o jogo de

forças, os desejos, interesses e fantasmas dos segmentos organizacionais.

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ANALISADOR "ESPONTÂNEO" OU "NATURAL': analisado r de fato, produzido" espontaneamente" pela própria

vida histórico-social-libidinal e natural, como resultado de suas determinações e da sua margem de liberdade.

ANÁLISE DA DEMANDA: é a análise e deciframento que se faz do pedido de intervenção por parte de uma

organização. É o primeiro e um importante passo para que se comece a compreender institucionalmente a dinâmica

dessa organização. É o material de acesso inicial que já contém valiosos aspectos conscientes, manifestos, deliberados,

assim como todo um filâo de aspectos inconscientes e não-ditos* que remetem a um esboço inicial da conflitiva e

problemática da organização solicitante. A demanda tem conotação especial para o lnstitucionalismo, particularmente a

de que é produzida pela oferta (ver Análise de Oferta") de bens e serviços.

ANÁLISE DA IMPLICAÇÃO: a implicação define-se como o processo que ocorre na organização analítica, em sua

equipe, como resultado de seu contato com a organização analisada. É um termo que tem certa semelhança com o

conceito psicanalítico de contratransferência (reaçâo – consciente e inconsciente – que o material do paciente produz

no analista), só que no lnstitucionalismo a implicação não é um processo apenas psíquico, nem inconsciente, mas de

uma materialidade múltipla e variada, complexa e sobredeterminada (ver Sobredeterminação"). É ao mesmo tempo, um

processo político, econômico, social, etnológico heterogêneo que deve ser examinado em todas as suas dimensões. Por

outra parte, não é apenas uma reação da equipe interventora ao contato com o objeto de análise. Ela pode até ser prévia

a qualquer contato. Não começa no "cliente" e é, isso sim, uma interinfluência recíproca, simultânea, que faz parte

integrante do processo de análise da organização. Análise de implicação é a compreensão da interação, da

interpenetração dessas duas organizações, enfatizando a parte que cabe à intervinda.

ANÁLISE DA OFERTA: é um exercício de auto-análise" ao qual a organização analítica tem de se submeter para

deslindar sua implicação no tocante à geração da demanda. A publicidade, a divulgação (científica ou não), a proposta

direta u indireta dos serviços da organização analítica têm necessariamente uma relação de causalidade (geração ou

modulação) no referente à formulação da demanda de seus serviços. A toda oferta de prestação de serviços subjaz a

duvidosa mensagem que consiste na suposição de se saber e se ter o que o ou tro precisa, que por sua vez não sabe que

não tem e não entende o que é porque é complexo, sutil, técnico. A análise da demanda* deve estar necessariamente

articulada com a análise da produção desta demanda – ou seja, a análise da oferta, que forma parte da implicação dos

interventores.

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ANÁLISE INSTlTUClONAL: seus fundadores e principais expoentes são G. Lapassade e R. Lourau, apesar de a

denominação ter sido criada por F. Guattari. Esta corrente institucionalista, uma das mais coerentes e empenhadas,

reconhece como seus antecessores a Psico-Sociologia, a Dinâmica de Grupos, a Psicoterapia e a Pedagogia

lnstitucionais, assim como a Socioanálise de Van Bockstaele. Contudo, a Análise lnstitucional superou amplamente

esses precursores no sentido de uma radicalização de suas teorias, modos de intervenção e objetivos últimos.

Impossível resumir aqui suas contribuições, bastará dizer que se propõe a propiciar os processos auto-analíticos (ver

Auto-Análise*) e autogestivos (ver Autogestão*) circunscritos (se for o caso), mas tendendo sempre a que se

expandam até conseguir um alcance generalizado e revolucionário.

O lnstitucionalismo deve a esta orientação conceitos tais como insti tuin te*instituído", institucionalização, analisadores

históricos e construídos", demanda-encargo*, efeitos" Mulhman, Lukács etc. A Análise lnstitucional insistiu

particularmente na análise da implicação*, ou seja, nas resistências econômico-político-ideológico-libidinais dos

agentes analistas aos processos autogestivos durante as intervenções (crítica da Sociologia abstrata e "neutra"). A

Análise Institucional considera a prática de seus agentes como uma militância, e propõe para eles o perfil de um

intelectual implicado, à diferença do intelectual orgânico (partidário) ou engajado (freqüentemente um tanto

especulativo). Como dispositivo* de intervenção, inclina-se pela Assembléia Geral Permanente, na qual os não-ditos*

institucionais são forçados a expressar-se a té suas últimas conseqüências transformadoras.

ANSIEDADES: correntes institucionalistas, tais como as psicologias institucionais de base psicanalítica kleiniana

(Elliot Jacques, Pichon Rivière, Bleger e outros), subscrevem, de diversas formas, a tese de que as organizações são"

sistemas de defesa contra a ansiedade". O conceito de ansiedade deve ser entendido, nessas teorias, como similar ao

cunhado por Melanie Klein para sua concepção da personalidade psíquica, particularmente para sua descrição do

"mundo interno" ou "self inconsciente" dos sujeitos. As posições esquizoparanóides e depressivas, que são as

configurações que adquirem os variados elementos que compõem o self (pulsões, objetivos, defesas, fantasias) no

curso do desenvolvimento, são acompanhadas de vivências características denom.inadas ansiedades. Assim se fala de

ansiedades paranóides, depressivas, confusionais etc., sendo que as defesas que se arbitram contra elas (dissociação,

projeção, idealização, negação etc.) podem tomar os elementos institucionais e organizacionais (contratos,

organograma, regulamentos) como suportes.

ANTlPEDAGOGIA: a partir das idéias questionadoras de Rousseau, diversos pedagogos procuraram reformar,

liberalizar ou revolucionar as instituições" e sistemas de ensino. Métodos como os de Montessori, 137 ▲

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Pestalozzi, Freinet e outros deram origem a várias tentativas de desburocratizar (ver – cracias') e tornar a Pedagogia

menos autoritária, dando aos alunos um maior ou menor protagonismo e liberdade na gesti10 do processo pedagógico.

Tais tentativas replicam, ao nível da aprendizagem, os exemplos anarquistas, marxistas e liberais de democratizaçiío

(ver cracias *) ou franca libertação do trabalho. Segundo sua diferente inspiração e seu grau de radicalidade, surgiram

as experiências de Makarenko na União Soviética, o Plano Dalton e as propostas de Lewin e Rogers nos Estados

Unidos, assim como a Pedagogia Institucional de F Oury, A. Vasquez, M. Labat, e outros, na França. Generalizando,

pode-se dizer que são tentativas antipedagógicas que pretendem modificar ou destruir a instituição do ensino,

substituindo-a por opções participativas ou co-gestivas (ver Co-Gestão*). Entretanto, é possível que seja a proposta de

G. Lapassade e R. Lourau de uma autogestão* pedagógica (primeiro parcialmente, como contra-instituição, e depois

generalizada) a forma mais conspícua de antipedagogia que se possa conceber, na qual os alunos assumem

integralmente o curso da institucionalização da aprendizagem.

ANTIPRODUÇÃO: as potências produtivas de todo tipo – naturais, psíquicas e sociais (em especial as instituintes*) –,

são capturadas pelas grandes entidades de controle e reprodução* (por exemplo: o Estado, o Capital etc.) e suas forças

são voltadas contra si mesmas, levando-as à repetição estéril ou autodestruição. As potências singulares, que o sistema

dominante não está em condições de assimilar para transformar em bens, serviços ou valores alienados (mercadorias) e

incorporá-las à sua lógica, são alvos dos mecanismos repressivos que eliminam mais ou menos deliberadamente as que

não conseguem capturar.

ANTIPSIQU1ATRIA: nascido junto à grande corrente de crítica cultural e politica dos anos 60 nos Estados Unidos e

Europa, este Movimento, mais ou me nos radical, de impugnação do objeto (doença mental) assim como das teorias e

métodos da Psiquiatria e da Psicopatologia, impulsionou uma profunda revolução nesse campo. Seus máximos

representantes – Thomas Szasz e I. Goffman nos Estados Unidos, Michel Foucault, Félix Guattari e R. Castel na

França, Ronald Laing e D. Cooper na Inglaterra, F. Basaglia na Itália e E. Pichon Rivière na Argentina – insistiram na

idéia de que as qualificações" científicas" da loucura e da parafernália de recursos variavelmente violentos destinados a

tratá-la não seriam senão eufemismos da alienação política, econômica e cultural da sociedade moderna. A maioria

desses autores, que estiveram reunidos em um Congresso no Rio de Janeiro, em 1978, foram mentores ou participantes

do Movimento Institucionalista *.

ATRAVESSAMENTO: a rede social do instituído*-organizado*estabelecido, cuja função prevalente é a reprodução

do sistema, atua em 138 ▲

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conjunto. Cada uma dessas entidades opera na outra, pela outra, para a outra, desde a outra. Esse entrelaçamento,

interpenetração e articulação de orientação conservadora, serve à exploração*, dominação* e mistificação*,

apresentando-as como necessárias e benéficas.

AUTO-ANÁLISE: processo de produção e re-apropriação, por parte dos coletivos autogestionários (ver Autogestão*),

de um saber acerca de si mesmos, suas necessidades, desejos, demandas, problemas, soluções e limites. Esse saber se

acha em geral apagado, desqualificado e subordinado pelos saberes científico-disciplinários, que não só estão em boa

medida a serviço das entidades dominantes (Estado, CapitaL Raça ete.), como também operam com critérios de

Verdade e Eficiência, que são imanentes aos valores de tais entidades. A auto-análise possibilita aos coletivos o

conhecimento e a enunciação das causas de sua alienação*.

AUTO DISSOLUÇÃO: O lnstitucionalismo* enfatiza que os grupos, organizações* e movimentos instituintes* (em

outra terminologia: revolucionário-produtivo-desejantes) devem constituir morfologias sociais estritamente funcionais,

subordinadas e coerentes com suas utopias ativas*. Um dispositivo* instituinte ou um grupo-sujeito*, protagonista de

um processo transformador, deve ter sempre presente sua natureza transitória e "finita". Tal consciência é precondição

para seu bom funcionamento, que implica conjurar os riscos de cristalização do instituído. Quando um conjunto

instituinte cumpriu todos os seus objetivos, ou quando constata que não está mais conseguindo isso com a "identidade"

que se deu, deve ser capaz de autodissolver-se para não se perpetuar como uma finalidade em si mesma.

AUTOGESTÃO: é, ao mesmo tempo, o processo e o resultado da organização independente que os coletivos se dão

pora gerenciar sua vida. As comunidades instituem-se, organizam-se e se estabelecem de maneiras livres e originais,

dando-se os dispositivos* necessários para gerenciar suos condições e lnodos de existência. Todo processo instituinte*-

organizante* implica uma certa divisão técnica do trabalho, assim como alguma especialização nas operações de

planejamento, decisão e execução. Essas diferenças podem implicar hierarquias, mas as mesmas não envolvem escalas

de poder. Os conhecimentos essenciais são compartilhados e as decisões importantes tomadas coletivamente. As

hierarquias correspondem a diferenças de potência, peculiaridades e capacidades produtivas que visam sempre ser

funcionais para a vontade comunitária.

CAMPO DE ANÁLISE: é o perímetro escolhido como objeto para aplicar o aparelho conceitual disponível destinado a

entender o campo de intervenção*: a inteligência acerca de como ele funciona, a articulação de

139 ▲

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suas determinações, a forma como são gerados seus efeitos etc. Este aparelho conceitual pode constituir-se de materiais

teóricos muito heterogêneos, dependendo da sua eficiência para fazer a "leitura" do campo de intervenção*. O campo

de análise não está delimitado segundo um perímetro que coincida com a definição empírica ou "oficial" (instituída e

organizada) de um segmento social. Quanto mais amplo o campo de análise, mais possibilidades existem de

entendimento do campo de intervenção, por mais aparentemente pequeno que este seja.

CAMPO DE INTERVENÇÃO: é o perímetro que delimitará o espaço dentro do qual se planejarão e executarão

estratégias *, logísticas *, táticas * e técnicas * que, por sua vez, deverão operar neste âmbito específico para

transformá-lo de acordo com as metas propostas. Está em estreita dependência do campo de análise*, desde o qual será

compreendido, pensado. Só se intervém quando se compreende, sendo que posteriormente se compreende à medida

que se intervém. O campo de intervenção pode ser muito amplo ou restrito a um estabelecimento ou organização

(escola, sindicato, empresa etc.).

CAPTURA E RECUPERAÇÃO: o instituído*-organizado*-estabelecido, em especial o Estado, o grande Capital, as

classes e grupos dominantes, procuram detectar, classificar e apropriar-se de toda e qualquer singularidade e força

produ tiva. Quando o conseguem, as incorporam à lógica acumulativa do Sistema, fundamentalmente transformando as

linhas de fuga revolucionário-desejantes e seus produtos (ver Desejo*) em mercadorias. Quando o aparato de captura e

recuperação falha, as mencionadas entidades operam de forma repressiva ou supressiva, inibindo ou destruindo as

forças produtivas, em especial as instituintes*.

CLANDESTINIDADE: remete a modos de existência social cuja característica principal é serem sigilosos, ocultos ou

secretos. As idéias, pessoas, organizações ou movimentos deste tipo podem somar a condição de opositores,

dissidentes ou marginais, mas sua característica essencial consiste em que sua relação delinqüencial, subversiva ou

revolucionária com a ordem dominante os torna indesejáveis, ameaçadores ou francamente perigosos para o instituído-

organizado. Reciprocamente, a clandestinidade costuma ser condição de possibilidade de existência para idéias ou

segmentos sociais frente às forças e recursos repressivos ou eliminatórios que o sistema no qual atuam pode mobilizar

contra eles.

CLASSE INSTlTUCIONAL: a Sociopsicanálise de G. Mendel designa o estatuto do conjunto de agentes que são

igualmente responsáveis por uma etapa ou um nível dentro do processo de produção de um produto ou serviço. Tal

participação fica evidenciada quando a classe institucional se retira do trabalho, interrompendo o curso do processo

produtivo em um 140 ▲

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ponto determinado. As classes institucionais de uma organização* são despossuídas da parte do poder* que lhes

corresponde pela classe suprajacente e despossuem, por sua vez, à classe subjacente. A classe institucional é o

segmento organizacional indicado como objeto de intervenção sociopsicanalítica e não se deve misturar seus

integrantes com os menlbros de outros segmentos.

CO-GESTAO: dá-se este nome a um tipo de gestão organizacional na qual diferentes segmentos – por exemplo, de um

estabelecimento – cuja posição formal no organograma implica hierarquias e poderes diversos e, portanto, relações de

subordinação em última instância, elaboram um pacto ou acordo de trabalho ou administração conjunto para realizar

uma tarefa, sem mnunciar às categorias antes mencionadas.

COLABORACIONISMO: costuma-se denominar assim as atitudes e comportamentos de setores oprimidos,

explorados e mistificados que prestam subserviência, apoio ou cumplicidade às forças ou t'ntidades que os subordinam

ou submetem.

COMUNIDADE: este temo é usado com uma grande variedade de sentidos nas ciências naturais e humanas. Em geral

refere-se a um conjunto de indivíduos (pequeno, médio ou grande) que está vinculado por algum traço, característica ou

atividade compartilhada. Esta peculiaridade pode ser de espécie, gênero, classe, categoria, sexo, idade, raça, lugar,

tempo, valores etc. O importante é que atribui uma singularidade e/ou identidade, assumida ou não pelos integrantes

que, de uma forma ou de outra, lhes confere uma certa coesão e solidariedade. Para a Sociologia Clássica, é

fundamental que essa solidariedade seja orgânica (organizada, diversifica da, hierarquizada e articulada), e não apenas

mecânica. J. P. Sartre distingue uma associação serial ou aglutinada da resultante de uma fraternidade do terror, e esta

de uma em processo de institucionalização que se vai fazendo a si mesmo. Para o lnstitucionalismo, é essencial que as

unificações e totalizações das comunidades sejam invenções provisórias e mutantes, subordinadas às forças

instituintes* e organizantes'" durante o curso da institucionalização.

CONFLITO: entendendo por conflito a oposição e luta dos contrários (dito em um sentido muito amplo), para algumas

tendências do Institucionalismo a contradição é a fonte de todos os transtomos e, ao mesmo tempo, o único motor da

mudança nos sujeitos, organizações*, movimentos, sociedades* e civilizações. Todas as forças, estruturas, instâncias e

mecanismos que compõem a realidade biossocial-libidinal funcionam de forma conflitiva, e da cristalização ou da

resolução de sua dialética * depende o destino produtivo, reprodutivo ou antiprodutivo (ver Produção*,

141 ▲

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Reprodução* e Antiprodução*) dos processos históricos.

Essa formulação recolhe, entre tantas outras origens teóricas, Os princípios e fundamentos da Psicanálise e do

Materialismo Histórico e Dialético, até incluir certas raízes nietzschianas e existencialistas do pensamento

institucionalista. Os conflitos entre instituinte* – instituído*, centro-periferia, exploradores-explorados, dominadores-

dominados são apenas alguns exemplos da série interminável que se pode imaginar. Contudo, para outras correntes, os

conflitos, sua paralisação dilemática ou sua resolução dialética não são do nível determinante do real, porque a

substância da realidade é a pura afirmação produtivo-desejante.

CÓPIAS: dentro do que interessa ao Institucionalismo, as cópias (segundo o pensamento platônico) são as almas que,

havendo tido, nos tempos míticos, uma proximidade, imagem e semelhança com as Idéias Puras* ou Modelos,

perderam a semelhança e só conservaram a imagem, esquecendose dessa "queda". A maiêutica socrática consistiria em

um procedimento pelo qual, mediante o raciocínio, se conseguiria que as almas recuperassem a memória, e com ela o

acesso às Idéias Puras. O método platônico da clivisão em gêneros, espécies (etec.) seria uma forma de seleção para

cliferenciar as "boas" das "más" cópias, sendo que as primeiras estariam aptas para recuperar sua semelhança com as

Idéias Puras. As cópias são sinônimos de "representações". Para a interpretação institucionalista desse pensamento, ver

Idéias puras*.

-CRACIAS: ARISTOCRACIA, BUROCRACIA, LOGOCRAClA, SEXOCRACIA, TEOCRACIA, TECNOCRACIA:

optamos por agrupar e tratar em conjunto estes termos porque, com a finalidade de explicitar seu interesse para o

Institucionalismo, esta abordagem permitirá resumir a exposição. O sufixo cra c ia significa governo de ou poder de: a ris to

(elite supostamente integrada pelos melhores membros de uma sociedade, cuja condição de superioridade está dada por

uma linhagem hereditária); buro (categoria ou classe que se ocupa da administração, com freqüência supostamente

"científica" das organizações); tecno (categoria ou classe que detém e exercita um saber habitualmente de cunho

científico); p luto (alude a classes ou grupos economicamente opulentos); logo (alude aos possuidores da razão como

saber discursivo); sexo (alude a uma definição sexual em detrimento das outras);e te o (alude aos supostos representantes

da clivindade ou à divindade mesma, "encarnada" em um indivíduo ou grupo). Aqui vale acrescentar a palavra

"nepotismo", em que nepo, em sentido restrito, alude aos filhos naturais dos Papas, eufemisticamente denominados

"sobrinhos". Em sua acepção ampla, refere-se à designação de parentes de um governante para cargos oficiais.

Para o Institucionalismo, que postula o autogoverno dos coletivos (sistema que só admite lideranças provisórias

baseadas no afeto, prestígio e

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exemplaridade), nenhuma dessas condições e seus respectivos governos são aceitáveis, configurando vícios de

condução que são, por sua vez, causa e efeito da impossibilidade ou incapacidade para uma democracia au togestiva.

CRISE: em sua origem grega e segundo os campos de atividade nos quais era empregada, a palavra kr is is significava:

interpretação (por exemplo, dos sonhos), seleção (por exemplo, das vítimas de um sacrifício), juízo (por exemplo,

procedimento para chegar a um veredicto), momento crucial das vicissitudes ou do metabolé (por exemplo, cena de

apogeu numa tragédia), fase de definição, no sentido da melhoria ou da piora do curso de uma enfermidade.

Provavelmente por extensão da noção médica, o conceito de crise aplica-se a processos de qualquer natureza, nos quais,

dentro de um andamento relativamente regular, chega-se a um ponto de desequilíbrio (desorganização, desordem) mais

ou menos imprevisível na sua aparição e em seu desenlace. Esse estado de crise ocorre, segundo alguns, por caducidade

dos mecanismos e recursos vigentes, devido a seu desgaste e/ ou à incidência de forças e acontecimentos positivos ou

negativos acidentais, contingentes, circunstanciais, extraordinários ete. As crises são etapas de mudanças para o bem ou

para o mal, mas em geral aceleradas e radicais. Alguns atribuem as crises à exacerbação das contradições de um sistema

ou ao acúmulo de mudanças quantitativas que desembocam em uma transformação qualitativa. Outros sustentam que

são períodos ou espaços de transição entre tempos e lugares precisos e conhecidos, enquanto há os que pensam que se

trata dos prolegômenos do surgimento do absolutamente novo.

Para certos autores (por exemplo, Marx), o Capitalismo é um sistema histórico que existe em crise permanente, posto

que incorporou essa condição a seu modo normal de transcurso. Para o Institucionalismo, tanto enquanto campo de

análise* como de intervenção (ver campo de intervenção*), os estados de crise são considerados fecundos, na medida

em que envolvem a falência do instituído* – organizado* e a emergência do instituinte* – organizante* no seio da

"desordem criadora". Alguns institucionalistas, como Lapassade, tentam intervenções deflagradoras de crise grupal ou

organizacional (provocação institucional), e a maioria prefere intervir nos momentos críticos, melhor ainda se

generalizados a grandes segmentos ou à sociedade inteira.

DEFESAS: para as correntes institucionalistas tais como as psicologias institucionais de base psicanalítica kleiniana

(Elliot Jacques, Pichon Rivière, Bleger e outros), as posições esquizoparanóides e depressivas – as configurações

adquiridas pelos variados elementos que compõem o self (pulsões, objetos, fantasmas) no curso do desenvolvimento-,

vêm acompanhadas de vivências características denominadas ansiedades * . Assim

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se fala de ansiedades paranóides, depressivas, confusionais etc. Os mecanismos que se erguem contra elas (dissociação,

projeção, idealização, negação etc.) denominam-se defesas e podem tomar como suportes os elementos institucionais e

organizacionais (contratos, organograma, regulamentos etc.). Por isso se diz que as instituições são "sistemas de defesa

contra a ansiedade*". Descritivamente falando, isso explica os quadros psicóticos que muitos agentes* desenvolvem

quando suas organizações entram em crise ou os expulsam.

DESEJO: a Psicanálise demonstrou que os sujeitos psíquicos estão determinados por uma força inconsciente sobre a

qual não têm conhecimento nem controle voluntário. Essa força se origina, por sua vez, das pulsões, e tende à busca do

prazer e à evitação do desprazer. A Psicanálise postula que o desejo é uma força do tipo conservador ou repetitivo, que

procura restituir um estado arcaico perdido, prévio à constituição do sujeito: o narcisismo. Durante esses incessantes

ensaios, o desejo, que carece do objeto real, se "satisfaz" ou "realiza" animando fantasmas (montagens de

representações imaginárias inconscientes que transcorrem em "outra cena"). Em última instância, o desejo persegue o

gozo absoluto, quer dizer, sua própria extinção definitiva, na qual se encontra com a pulsão de morte. O Complexo de

Castração, que instaura a lei no psiquismo, constitui o desejo, ao mesmo tempo em que lhe permite simbolizar-se e

servir aos objetivos de vida. O desejo, para a Psicanálise, gesta-se no seio do Complexo de Édipo; no início do

desenvolvimento, atua exclusivamente na dramática da vida familiar, e só posteriormente induz os sujeitos psíquicos a

entrarem nos processos sociais amplos.

Algumas correntes do Institucionalismo compartilham a definição psicanalítica de desejo (Sociopsicanálise). Para

outras (por exemplo, a Esquizoanálise), o desejo é essencial e imanentemente produtivo, gera e é gerado no processo

mesmo de invenção, metamorfose ou "criação" do novo. Sua essência não é exclusivamente psíquica, pois participa de

todo o real. Corresponde aproximadamente ao que Nietzsche denominou "Vontade de Potência", ao que Espinoza

chamava "Substância" e os estóicos "Acontecimento Incorporal", que resulta do encontro entre os corpos (devir).

Igualmente o desejo (assim entendido) tem afinidade com o "virtual" bergsoniano, com as "quantidades intensivas" em

Kant e com as "impressões intensivas" em Hume. Esse desejo atua em todo e qualquer âmbito do real, não carece do

objeto, ignora a lei e não precisa ser simbolizado porque se processa sempre de fomla inconsciente. Não tende à morte

porque constitui a essência da vida como "Eterno Retomo das Diferenças Absolutas". Assim entendido, o desejo

também está parcialmente submetido a entidades repressivas, mas estas não são exclusivamente psíquicas, e sim um

complexo conjunto ao mesmo tempo político, econômico, comunicacional etc. Na Esquizoanálise de Deleuze e

Guattari, o desejo é imanente à produção, daí o conceito de produção desejante.

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DESVIANTE: nas organizações e movimentos podem surgir sujeitos, grupos ou tendências que questionam o

instituído* – organizado, através de diversos discursos, atitudes e comportamentos. Protagonizam, assim, um desvio ou

afastamento da linha condutora hegemônica da organização. Sua dissidência* ou discordância pode ser mais ou menos

enérgica, mas em geral é predominantemente reativa, quer dizer, se bem impugna e denuncia os defeitos do instituído-

organizado, não consegue fazê-lo com consciência suficiente e estratégia adequada para gerar uma real alternativa ou

uma mudança profunda.O segmento desviante pode ser ideológico (quando propõe uma divergência ou oposição teórica

ou dou trinária), organizacional (quando altera a estrutura ou a dinâmica do organograma e fluxograma) ou libidinal

(quando apresenta opções na definição sexual ou outras vinculadas a eleições idiossincráticas em torno do prazer, da

moral etc.). A proposta e ação desviante podem, eventualmente, tornar-se o gérmen de um processo produtivo-

desejante-revolucionário.

DIALÉTICA: é um método para pensar e discutir as realidades materiais e metafísicas cujas diferentes versões estão

presentes em todo saber ocidental, desde a Antiguidade até a época contemporânea. É um pensamento que concebe a

realidade material e a espiritual em permanente movimento e transformação, devido a sua essência intrinsecamente

contraditória. Opõese a todas as concepções que supõem o ser como estático e invariável, sendo as mudanças que se

apresentam apenas superficiais, ilusórias ou aparentes. A dialética atinge sua maior sistematização com Hegel, que a

postula como método para pensar o movimento do "Espírito Absoluto", essência de todo o real. Karl Marx, o fundador

do Materialismo Dialético e Histórico, de alguma forma conserva a concepção hegeliana do movimento dialético, mas

o atribui à matéria em suas várias qualidades, e não ao espírito.

A dialética sustenta que o movimento é regido por três leis: 1) Negação da negação; 2) Passagem da quantidade à

qualidade; e 3) Coexistência dos opostos em cada unidade. Isso implica uma total refutação das leis da Lógica Formal

Clássica, pois os princípios de identidade, contradição e terceiro excluído perdem vigência. Outro aspecto importante

da dialética refere-se aos denominados "momentos" de análise da realidade, que pode ser examinada como "universal",

"geral, particular" e "singular". Como nas leis do devir, cada momento nega o anterior, o supera e ao mesmo tempo o

conserva. O conhecimento da essência de toda e qualquer realidade circunscrita deve ter em conta esse "trabalho do

negativo" que não é diretamente apreendido pela consciência.

Algumas correntes do Institucionalismo incorporam recursos da concepção dialética (Análise Institucional*), outras

entendem que a dialética ainda é uma maneira conservadora de pensar e conceber o real (a negação da negação supera,

mas também conserva o superado), postulando, em troca, uma idéia do ser como puro devir no qual retornam

exclusivamente as 145 ▲

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diferenças (Esquizoanálise*).

DISPOSITIVO: ver Agenciamento.

DISSIDÊNCIA: costuma-se empregar este termo para referir-se à posição de setores discordantes ou divergentes de

uma organização ou movimento, sendo que tal divergência afeta principalmente a linha teólica ou ideológica. As

tendências dissidentes podem manter-se no interior da organização-movimento ou separar-se dele.

DISSOCIAÇÃO INSTRUMENTAL: denomina-se assim na Psicanálise, no Grupalismo e no Institucionalismo a

operação pela qual o analista, a equipe interveniente ou outros segmentos organizacionais conseguem simultaneamente

protagonizar os processos plenamente implicados neles e distanciar-se o suficiente para poder analisá-los e

compreendê-los (ver Análise da Implicação*).

DISTORÇÃO DA DEMANDA: alguns institucionalistas consideram que certas demandas de intervenção, que

expressam claramente uma falta de vontade instituinte*, ou mais ainda, um apreciável encargo repressivo ou

ligeiramente reformista, podem ser atendidas. O analista inicia a análise e a intervenção sobre essas bases, confiando

em que durante o curso do processo poderá reverter o equilíbrio de forças e encaminhar o andamento em direção à

autogestão* e à auto-análise * .

DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO: todo processo de produção, particularmente de bens materiais e serviços, exige

um trabalho, e este, por sua vez, consome força de trabalho. Os processos de trabalho complexos, em todas as

sociedades da História e especialmente na modernidade industrial, estão diversificados em diferentes tarefas

articuladas entre si. Essa composição conferiu à produção uma rapidez e eficácia jamais igualadas. Contudo, devido à

propriedade privada dos meios de produção e à compra e venda injusta de força de trabalho nos sistemas capÍtalistas

(extração de mais-valia), à divisão técnica do trabalho se superpõe uma divisão social. Determinadas tarefas são

consideradas privilegiadas e fundam hierarquias que outorgam riqueza, poder e prestígio. Coisa similar Ocorre em

outros sistemas de produção pela extração dos mesmos e dos outros tipos de mais-valia ("Socialismo Real"). Para o

Institucionalismo, a divisão técnica e social do trabalho é importante porque causa muitos dos conflitos a serem

analisados e intervindos. As divisões sociais do trabalho mais clássicas são as que separam e subordinam a produção

manualintelectual, do campo-cidade, masculina-feminina etc.

DOMINAÇÃO: imposição, por diversos meios (dentro de um espectro de

146 ▲

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violência que vai desde a sedução até a destruição física), da vontade de indivíduos, grupos ou classes sobre outros. Os

instituídos* – organizados* estabelecidos, em especial o Estado e o grande Capital, mantêm seus privilégios

dominando a vontade coletiva ou majoritária. A dominação é simultaneamente política, econômica, jurídica, semiótica,

Iibidinal ete., e freqüentemente consegue contar com a passividade e também com a colaboração dos dominados

(servidão voluntária).

ECRO: conceito da Psicologia Social de Pichon Rivière que é a sigla de "esquema conceitual referencial e operativo".

Refere-se, em primeira instância, às teorias, logísticas, estratégias, táticas e técnicas que um coordenador de grupo ou

um psicólogo social empregam para pensar e intervir sobre seus objetos' de trabalho. Contudo, o ECRO é muito mais

que o até aqui mencionado, porque inclui também tudo quanto seja acervo de vivências, experiências, afetos e outros

elementos que compõem a personalidade de todos os participantes. Por outra parte, a idéia do esquema denota o caráter

provisório e marcadamente conjuntural do dispositivo* teórico-técnico utilizado.

EFEITOS: várias correntes do Movimento Institucionalista* sustentam que a gênese teórica dos conceitos é inseparável

de sua gênese social. Em outras palavras: que a produção do conhecimento sobre as leis que dão conta dos fatos sociais

está sempre ligada aos acontecimentos concretos que possibilitaram e exigiram sua formulação. Se bem esta afirmação

não refute o caráter universal e om niva len te das grandes leis das ciências chamadas "humanas" (por exemplo, a Lei do

Valor, no Materialismo Histórico), o Institucionalismo enfatiza o momento "formal concreto" do conhecimento,

ressaltando suas características singulares devido à condição única, irrepetível e contingente do fato em questão. Por

isso prefere qualificar esses acontecimentos como "efeitos", seguindo uma orientação das ciências físicas, enquanto

esse termo designa processos e fenômenos com um alcance menos geral e mais local ou circunstancial. A lista de

efeitos que podem ser propostos é, por definição, interminável, mas mencionaremos aqui os mais conhecidos:

Efeito Weber: tem o nome do grande sociólogo Max Weber. Refere-se ao fato de que quanto mais" desenvolvida" e

complexa se torna uma sociedade* e quanto mais saberes especializados produz acerca de si mesma, mais ela se torna

opaca (incompreensível) em seu conjunto para os agentes* sociais que a integram.

Efeito Lukács: recebe o nome do filósofo Georg Lukács. Refere-se à constatação de que o não-saber de uma sociedade

acerca de si mesma é conseqüência do progresso da ciência. Quanto mais formalizada, rigorosa

147 ▲

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e quantificada aparece uma ciência, e quanto mais perde de vista as condições sociais de seu nascimento e

desenvolvimento (ou seja, quanto mais profundamente realiza seu "corte epistemológico"), mais satisfaz as exigências

cientificistas e mais contribui para o não-saber de um conjunto social acerca de sua própria existência.

Efeito Heisemberg: o físico Werner Heisemberg sustentava que o que torna questionável a Teoria da Causalidade a

nível subatômico é a impossibilidade física de se medir objetivamente valores exatos, como, por exemplo, precisar

simultaneamente a velocidade e a posição de uma partícula. Nos experimentos da mecânica quântica, sujeito e objeto

constituiriam uma unidade inseparável no seio da qual se produziria o fenômeno. Essa constatação pode conduzir a um

irracionalismo (ou seja, a uma renúncia a um tratamento sistemático da determinação desses fenômenos), ou, pelo

contrário, à concepção de outras modalidades da causalidade. O lnstitucionalismo aproveitou essa idéia para abordar a

problemática da implicação, quer dizer, do intrincamento que se produz não só entre a equipe interventora e a

organização intervinda, mas também na construção que o analista institucional faz de seu objeto de estudo e intervenção

e a desconstrução analítica que faz do mesmo Em todos esses casos, cada um dos elementos mencionados é um

"resultante" do campo que assim se configura.

Efeito Frio-Quente: é óbvio que a história das sociedades mostra períodos de estabilidade e "congelamento" da ordem

constituída, assim como outros de agitação, mobilização e grandes transformações. Alguns antropólogos pretenderam,

erroneamente, que as sociedades chamadas primitivas, por oposição às modernas, seriam "estáticas", quer dizer, que

careceriam de história. O lnstitucionalismo sustenta que é nos períodos "frios" da história que se consolida a produção

do conhecimento social científico, e, portanto, o não-saber de uma sociedade acerca de suas capacidades instituintes e a

"naturalização" de seus instituídos*. Em ou tras palavras: a separação entre a "consciência ingênua" e o "saber

científico". Nessas fases, a análise e as intervenções institucionais só podem ser contratadas e circunscritas. Já nas

etapas "quentes", em que todo o saber social está em ebulição, ocorre o contrário: as experiências sociais se

multiplicam, as informações circulam por fora dos canais formais e criam-se condições para a apropriação crítica por

parte dos coletivos do saber acadêmico. Também se afirma a verdade dos saberes espontâneos e a vontade de aplicar de

imediato todo o apreendido na ação instituinte. Quer dizer: geram-se processos de autoanálise* e autogestão*

espontâneos e generalizados.

Efeito Mülhman: este sociólogo das religiões descreveu um processo através do qual os movimentos messiânicos,

inspirados por uma profecia libertária,

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chegam a um ponto de seu desenvolvimento em que alguns dos segmentos que os integram considera-os "fracassados".

Essa "função de fracasso" é capaz de provocar a cisão do movimento e a saída ou a expulsão de facções dissidentes.

Isso permite aos setores remanescentes institucionalizar o movimento e capturar as forças vivas e o potencial de origem

em estruturas e normas organizacionais "oficiais" e burocráticas rígidas. O lnstitucionalismo constata que desfechos

similares acontecem em todos os movimentos, especialmente nos políticos.

Outros Efeitos: Lefevre, Einstein, Reich, Artaud, centro-contra-periferia etc.

EMERGENTE: na Psicologia Social de Pichon Rivière, denomina-se "Emergente" a todo e qualquer efeito (suportado

em materialidades diversas: "mentais"," corporais" e "sociais") resultante da composição de forças e elementos

presentes e atuantes que integram uma situação e um campo vital. Um emergente pode manifestar-se através de um

indivíduo, um grupo ou uma organização, sendo que o efetivador" escolhido" pelas forças em conflito expressa, por

sua vez, as tendências mais patológicas e as mais sadias do conjunto. Em nosso entender, a idéia de emergente tem

uma similaridade com a de analisador*, mas provém de uma tradição filosófica existencialista ("o Ser como presença"

ou "a Verdade que se revela") e não enfatiza a capacidade do analisador de analisar-se a si mesmo.

ENCARGO: no Institucionalismo*, a noção de encargo recebe definições e sinônimos diversos que tornam difícil

precisar seu significado. Em gerat pode-se dizer que este termo alude aos sentidos não explícitos, não-manifestos,

dissimulados, ignorados ou reprimidos, e que comporta uma demanda de bens ou serviços. Em uma acepção ampla,

refere-se a uma solicitude ou exigência de soluções imaginárias ou de ações destinadas a restaurar a ordem constituída

quando a mesma está ameaçada. O encargo nunca coincide com a demanda e deve ser decifrado a partir dela, sendo

que seu sentido varia segundo o segmento organizacional que a formula. De acordo com o contexto discursivo de que

se trate, o encargo pode admitir como sinônimos: demanda latente, pedido, encomenda etc.

ESPECIFICIDADE: a modernidade tem como pré-requisito e como conseqüência o auge da racionalida de científica e

de suas aplicações tecnológicas, que possibilitaram o desenvolvimento da sociedade industrial. A modalidade do saber

dominante durante este processo é a do conhecimento científico, cujo procedimento é, por definição, analítico. Cada

ciência, que num sentido acadêmico denomina-se disciplina, tem seu próprio objeto, teoria, método e técnicas, sendo

que freqüentemente se subdivide, por sua vez, em um número crescente de especialidades. Essa

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fragmentação do saber, articulada com a Divisão Técnica e Social do Trabalho*, consagrou a especificidade – a

delimitação taxativa da correspondência entre cada domínio teórico e um território da realidade que lhe é procedente –

como o valor cognoscitivo mais importante de nossa cultura.

O Institucionalismo estuda criticamente os efeitos distorsivos e alienantes (ver Alienação*) que essa cultura da

especificidade radical tem sobre a reconstrução gnosiológica de um mundo humano integrado. Sobretudo se interessa

sobre o efeito do não-saber ou do desconhecimento que instaura em cada disciplina a ausência das outras e, em todas

elas, a desvalorização dos saberes não-qualificados (saber artístico, popular, da loucura etc.).

ESPECIFIClDADE (OU ESPECIALIDADE, OU ESPECIALIZAÇÃO): num sentido muito amplo, é o que

corresponde a uma espécie de forma exclusiva ou prevalente. Em termos sociais e epistemológicos, tem a ver com a

divisão das condições e atividades humanas em geral e do trabalho em particular. Essas diferenciações, à medida que

reduzem o campo de atuação de cadél agente social, possibilitam o incremento de sua competência e eficiência,

resultando no aumento espetacular de sua produtividade. Por outra parte, redundam na fragmentação, dispersão e perda

da visão crítica e do sentido de conjunto das práticas que pode conduzir à "alienação", ou seja, à incapacidade de julgar

e conduzir seu andamento.

No caso das ciências e disciplinas, sua circunscrição teórica e sua aplicação tecnológica irrestrita tornaram-se valores de

nossa civilização, erigindo a "verdade" e a" eficiência" científicas como metas dominantes e indiscutíveis. Isso levou a

deformações tais como o operacionalismo, pragmatismo e utilitarismo irreflexivos que acabam sendo

incondicionalmente funcionais à lógica acumulativa e concentradora do Capitalismo Planetário Integrado. As diversas

modalidades do Movimento Inslitucionalista, além de insistirem na crítica global desses efeitos, pretendem resgatar os

valores instituintes* e organizantes*, em resumo, revolucionários, das contribuições científicas. Mas, por outra parte,

também visa produzir uma abordagem intersticial que dê conta do não-sabido de cada ciência (enquanto as outras estão

ausentes nela), assim como seu conjunto teórico-técnico carece do aporte de outras formas do saber e do fazer

(particularmente do saber e fazer dos coletivos populares de usuários e consumidores).

EQUIPAMENTO: conglomerados complexos, montagens de diversas materialidades (mais especialmente de recursos

técnicos), prevalentemente a serviço da exploração, dominação e mistificação. Os equipamentos podem pertencer ao

Estado* ou às entidades dominantes da sociedade civil (empresas, corporações). Podem ser de grande porte (por

exemplo, os instrumentos da comunicação de massas) ou de pequena dimensão (por exemplo, arquivos, impressoras,

relógios de ponto etc.).

150 ▲

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ESQUlZOANÁLISE: soma não totalizável de saberes e afazeres praticáveis por qualquer agente, em qualquer tempo ou

lugar. Inventada por Gilles Deleuze e Félix Guattari e exposta pela primeira vez de maneira singularmente sistemática

no livro "O Anti-Edipo" (1972), essa corrente não é enquadrável nos gêneros de pensamento e ação até agora

conhecidos. Qualquer tentativa de resumir essa amplíssima leitura da realidade natural-histórico-social-libidinal e

tecnológica seria estéril. Mencionaremos apenas que, para essa concepção, tais materialidades são imanentes (quer

dizer, consubstanciais ou inseparáveis uma da outra), e mais ainda, estão" precedidas" por um campo de materialidades

"puras", puras diferenças intensivas.

A essência do real é a "produção desejante", ou seja, a incessante metamorfose geradora de diferenças inovadoras que

se originam ao acaso*. Nesse sentido, o real é constante e integralmente produzido, podendo-se distinguir nele uma

produção de produção, uma de "registro-controle" e uma de "consumo-voluptuosidade". O processo produtivo de

produção pode ser pensado segundo a lógica que caracteriza o funcionamento da esquizofrenia (não como patologia,

mas como ser do devir), a microfísica e a biologia molecular. Trata-se de um funcionamento absolutamente livre,

infinito e imprevisível que consiste em conexões e cortes de fluxos energéticos entre unidades intensivas denominadas

"máquinas desejantes", cada uma das quais é uma pura e irrepetível singularidade*. As máquinas desejantes dispõem-se

e agenciam sobre uma matriz de gradientes energéticos denominada "corpo sem órgãos". Mas a produção de produção

de novidades é capturada pelos estratos, territórios e equipamentos da produção de controle-registro que tende à

repetição do mesmo, colocada a serviço de uma entidade centralizadora, totalizante, concentradora e acumulativa, que

varia segundo o modo de organização histórica da produção de que se trate ("Corpo Cheio da Terra", "do Déspota" ou

do "Capital-Dinheiro"). Na atividade de controle-registro predominam a reprodução e a anti-produção. Uma dessas

formas é o que a Psicanálise chama Pulsão de Morte.

Segundo a entendemos, a Esquizoanálise compreende toda e qualquer atividade intelectual ou prática que procura

liberar o processo produtivo-desejante-revolucionário, demolindo as constrições da parafernália de controle-registro.

Esse conjunto não-totalizável de práxis singulares configura a "Micropolítica", em cujo âmbito as inúmeras revoluções

são feitas não apenas por necessidade ou dever, mas pelo desejo. Entendida como procedimento para pensar e

compreender o real, a Esqllizoanálise compõe-se de tarefas negativas de crítica e desconexão de valores dominantes e

outras positivas, destinadas a propiciar o livre fluir da .produção e do desejo na vida biológica, psíquica,

comunicacional, política, ecológica etc. A Esquizoanálise também é definida com outras denominações, tais como

"Pragmática Universal", "Análise Nômade" etc.

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ESTADO: Conglomerado complexo de instituídos*-organizados*-estabelecidos, agente e instrumento de persuasão,

repressão, coerção e até eliminação social a serviço prevalentemente das classes, grupos e idiossincrasias dominantes.

Opera principalmente através da captura e recuperação* de singularidades e forças produtivas de toda natureza,

reinvestindo-as na lógica do sistema ou suprimindo-as. Seu principal instrumento é o Direito, corpo estabelecido de

leis* que regulam as relações sociais a favor dos setores privilegiados, apresentando-se aparentemente como expressão

da vontade majoritária. Existem muitos diferentes tipos de Estado, mas o Estado moderno precisa de reconhecimento e

legitimação, que obtém por meio de sua concordância com a Lei. O Estado não se compõe apenas de grandes

organismos, mas também de microagências instaladas no corpo biológico e no psiquismo (Estado contínuo;

micropoderes do Estado). Não é que o Institucionalismo negue a existência de forças e processos instituintes-

organizantes dentro do Estado, mas privilegia a denúncia de seus aspectos de reprodução e antiprodução.

ESTRATÉGIA: trata-se da decisão quanto à forma da intervenção. É uma sistematização das metas a serem

alcançadas (cuja máxima expressão seriam a auto-análise* e autogestão*), e o planejamento da progressão das

manobras, a previsão de curso, as alternativas viáveis, os avanços esperados, os possíveis retrocessos ete.

EXPLORAÇÃO: processo de expropriação das forças, meios e resultados dos processos produtivos de toda índole,

efetuado pelos setores dominantes sobre os produtores. A exploração é possibilitada e reforçada pelos mecanismos de

dominação* e mistificação*.

FANTASMA: para a Psicanálise, o fantasma é uma cena latente cujo sentido ou script pode ser decifrado a partir do

discurso associativo de um sujeito e que apresenta o desejo inconsciente como imaginariamente "realizado". Os

psicanalistas grupalistas encontraram formações fantasmáticas "de grupo" que "realizam" um desejo inconsciente

grupal que já não se reduz ao de nenhum dos sujeitos que o integram. Os sociopsicanalistas decifram e interpretam

esses fantasmas na classe institucional (que é o grupo organizacional com o qual preferentemente trabalham) e

confrontam essa representação imaginária com as condições reais de trabalho, para que a classe recupere a margem

real de poder que sua posição objetiva lhe possibilita. A Esquizoanálise sustenta uma complexa teoria do fantasma

que o vincula com o sentido e o acontecimento e o distingue do sujeito, do estado de coisas às quais este se relaciona,

e ainda do significado do que diz. O fantasma (que sempre é grupal) é uma realidade sui generis em si mesma.

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FUNÇÃO: denominação que se dá aos propósitos, procedimentos e objetivos dos instituídos*-organizados*-

estabelecidos, seus agentes* e práticas*. A função está sempre, prevalentemente, a serviço das diversas formas

históricas da exploração*, dominação* e mistificação*. A função apresenta-se às representações e crenças das

sociedades "deformada" pela mistificação como sendo uma atividade "natural", eterna, invariável, universal, lógica e

necessária. A rigor, opera fundamentalmente como ação reprodutora (ver Reprodução*) dos sistemas.

FUNCIONAMENTO: designa o movimento dos processos produtivo-desejante-revolucionários de qualquer

materialidade e essência (entre eles o instituinte*-organizante*). É o gerador da diferença, da novidade, da invenção e

da metamorfose. Entre seus produtos estão os instituídos*-organizados*-estabelecidos que tendem rapidamente a

perder seu valor de funcionamento e adotar as características da função* (por exemplo, a burocracia, a tecnocracia, a

belicracia etc.).

GÊNESE SOCIAL E GÊNESE TEÓRICA: particularmente a Análise lnstitucional tem insistido em que as teorias e

doutriné1s, sejam elas científicas, ideológicas, filosóficas ou estéticas, têm apenas uma autonomia relativa com respeito

aos acontecimentos*, conjunturas, organizações e movimentos histórico-sócio-libidinais no seio dos quais surgiram.

Em conseqüência, não se pode analisar nem compreender as origens e o conteúdo de discursos e textos postulando sua

independência em relação às condições concretas de seu começo e existência atual. Do mesmo modo, não se entende

nem se avalia um movimento sem conhecer o pensamento que o inspira e justifica. Em todo caso, a afirmação de que a

gênese social e teórica são inseparáveis entre si, opõe-se a qualquer crença na neutralidade e universalidade das teorias,

assim como à crença de que os "fatos" sociais possam "falar por si mesmos", prescindindo de alguma leitura que os

torne inteligíveis.

GRUPO SUJEITO E GRUPO SUJEITADO: estes conceitos são de autoria do institucionalista Félix Guattari (ver

Esquizoanálise*). Se um grupo constitui-se com uma Utopia Ativa * capaz de gerar suas próprias leis para realizá-la e

de construir a si mesmo durante o processo, tendo sempre presente sua finitude e a perspectiva de sua própria morte,

então é um grupo sujeito (protagônico). Pelo contrário, um grupo alienado (ver Alienação*) em objetivos,

procedimentos, estruturas e leis* que se lhe impõem desde outros segmentos ou desde a totalidade social, que se

empenha em subsistir como um fim em si quando não cumpre com sua finalidade, é um grupo sujeitado. Para Guattari,

a formação grupal é tão importante que o leva a afirmar a existência somente de fantasmas "de grupo", e não

"individuais" ou "coletivos".

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HISTÓRIA: para o Institucionalismo, é um saber que procura reconstruir os acontecimentos do passado, assumindo que

o fará a partir dos desejos, interesses e tendências de quem protagoniza esse estudo. Assim entendida, a História não é a

investigação acerca do que já está definido, obsoleto e morto, mas o conhecimento de processos vigentes no presente,

que começaram no passado e que determinam virtualidades e possibilidades futuras (Utopia Ativa*). Não existe um

processo em um tempo unitário que possa ser reconstruído em um relato único. Existem variados processos, cada um

transcorrendo em um tempo que lhe é próprio e que pode ser relatado em uma história da diversidade. Assim, existem

histórias econômicas, políticas, culturais, biológicas, geológicas, raciais, geracionais, sexuais. Pode-se tentar articular os

diferentes tempos dos variados processos históricos em uma leitura que caracterize eras, etapas, períodos ou épocas

localizáveis geográfica ou cronologicamente, mas sem perder de vista que os resultados nunca serão totalizáveis nem

determinados em "última instância" por nenhum dos processos assim agrupados. A História, para o Institucionalismo,

não é apenas um exercício erudito que estuda o que se repete e caracteriza o que não se repete. Trata-se da reconstrução

dos grandes momentos contingentes e imprevistos que se efetuaram em acontecimentos* de radical novidade. Por outra

parte, não investiga como o passado determina o presente e pode condicionar o futuro, mas como o presente ativa e

deflagra virtualidades do passado e como propicia os acontecimentos* no porvir.

HISTORIOGRAFIA: trata-se de um relato dos fatos históricos, aparentenlente claro e acessível. Em geral, é uma

versão "oficial" que foi conservada e divulgada por coincidir com os interesses do Estado*, das classes dominantes e

do instituído*-organizado*-estabelecido, que possuem mecanismos para arquivar e selecionar os dados que lhes

convêm. Esses textos historiográficos são apresentados como descrições "objetivas" neutras e preferenciais, quando

não exclusivas. A rigor, consistem apenas numa versão a mais, tão tendenciosa como qualquer outra, mais importante

pelo que omite ou disfarça do que pelo que afirma.

HORIZONTALIDADE: na Psicologia Social de Pichon Rivière, a horizontalidade designa a dimensão grupal atual,

ou seja, o conjunto de elementos que coexistem e operam, configurando-se no aqui e agora do campo grupal. Na

Psico-Sociologia* Organizacional e no Institucionalismo, a horizontalidade define a dimensão da vida organizacional

que corresponde às relações e aos processos informais, ou seja: rumores, intrigas de corredor, vínculos sexuais etc.

IDÉIAS PURAS: no que interessa ao Institucionalismo, as Idéias Puras, segundo Platão as concebeu, são seres

idênticos a si mesmos, eternos e invariáveis, modelos de tudo que existe. Delas só se pode predicar sua

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própria essência (por exemplo: a brancura é branca). O desejo dos corpos humanos por outros corpos belos deve ser

encaminhado como amor ao saber, à procura da Verdade, que é a visão das Idéias Puras, e essa é também uma proposta

ética, enquanto implica a virtude e o bem supremo. Diversas correntes do Institucionalismo abordaram criticamente essa

concepção como sendo a base especulativa dos sistemas institucionais (incluídos os subjetivos) de subordinação a um

ideal ou modelo, e de hierarquização e seleção dos" candidatos" a funções de poder e prestígio. As Idéias Puras são

sinônimos de "ídolos" para alguns autores.

IDEOLOGIA: classicamente se entende por ideologia um conjunto mais ou menos sistemático de representações

(crenças, convicções, valores) que os sujeitos e grupos formam sobre a vida e o mundo. Essas representações estão

animadas por vontades e desejos. Quando configuram sistemas amplos, denominam-se cosmovisões ou visões do

mundo. Enquanto sistemas de representações, constituem as ideologias teóricas, mas podem ser também disposições

para a ação ou comportamentos concretos (ideologias práticas).

A ideologia, definida como oposta à ciência, é entendida como um sistema de reconhecimento-desconhecimento, ou

seja, apenas um saber aproximativo e viciado por erros. Esses erros seriam provocados pela posição que os sujeitos

ocupam nos sistemas que se representam erroneamente, ou por forças ativas (por exemplo, as das classes dominantes)

que produzem, distribuem e fazem adotar estas crenças equivocadas que favorecem seus interesses.

Em outra direção, a ideologia é considerada uma representação imaginária que os homens fazem de sua relação com

suas condições reais de existência. Segundo esse sentido, à ideologia manifesta subjazem fantasmas inconscientes que

são "realizações" de desejos inconscientes. Esse significado de ideologia a aproxima do anseio ou da ilusão.

Segundo seu matiz político ou ético, as ideologias classificam-se em progressivas (se sustentam valores evolutivos ou

revolucionários) ou regressivas (se são reacionárias ou conservadoras). Em geral, em uma sociedade"', a ideologia

dominante é aquela que os setores dominantes conseguem produzir e difundir. Para algumas correntes do

Institucionalismo, a ideologia é um conceito importante e operacional (Sociopsicanálise*, Análise Institucional *); para

outras, carece de interesse, por pertencer ao espaço da representação e não ao das forças (Esquizoanálise *).

IMANÊNCIA: para alguns filósofos, este termo designa a interioridade de um ser ao ser de outro. Opõe-se à

transcendência. Para o Institucionalismo, expressa a não-separação entre os processos econômicos, políticos, culturais

(sociais em sentido amplo), os naturais e os desejantes. Todos eles são

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inerentes, intrínsecos e só separáveis com finalidades semânticas ou pedagógicas.

INCONSCIENTE: em um sentido amplo, refere-se a realidades e processos que não são conscientes. O significado

psicanalítico designa instâncias, processos, mecanismos, forças e representações, em especial o Complexo de Édipo e o

desejo, que são mantidos no espaço psíquico inconsciente pela força ativa do recalcamento, especialmente o

recalcamento primário. Algumas correntes institucionalistas compartilham a definição psicanalítica (por exemplo, a

Sociopsicanálise). Para outras, o inconsciente é a qualidade de pré-materialidades e processos das mais diversas

essências que se gera como espaço no ato mesmo da produção do novo. É um campo histórico que sofre uma repressão

político-econômica e libidinal dada pelo horizonte do possível de cada formação social.

INFRA-ESTRUTURA: no Materialismo Histórico, ciência da História, da Sociologia e da Economia Política marxistas,

denomina-se infraestrutura à instância do todo social na qual se desenvolve o processo de produção, distribuição,

apropriação, troca, consumo e desfrute de bens materiais. Esse processo é considerado a base material e condição de

existência de toda e qualquer sociedade, operando a reprodução* econômica restrita do modo de produção*. Na versão

clássica do Materialismo Histórico, a infra-estrutura determina a superestrutura*.

INSTÂNCIAS: no Materialismo Histórico, particularmente na versão de Althusser, denomina-se instância a cada região

que compõe o território ou domínio do modo de produção, dito em sentido amplo, de uma sociedade humana. Essa

terminologia resulta da importação do modelo da Segunda Tópica freudiana para a teoria do Modo de Produção, quer

dizer, a que apresenta a personalidade como integrada pelas instâncias do Ego, Superego e ld, e também das instâncias

do aparelho jurídico.

INSTITUIÇÃO: são árvores de decisões lógicas que regulam as atividades humanas, indicando o que é proibido, o que

é permitido e o que é indiferente. Segundo seu grau de objetivação e formalização, podem estar expressas em leis*

(princípios-fundamentos), normas ou hábitos. Toda instituição compreende um movimento que a gera: o instituinte*;

um resultado: o instituído*; e um processo: da institucionalização. Exemplos de instituições são:a linguagem, as

relações de parentesco, a divisão social do trabalho*, a religião, a justiça, o dinheiro, as forças armadas etc. Um

conglomerado importante de instituições é, por exemplo, o Estado*. Para realizar concretamente sua função

regulamentadora, as instituições materializam-se em organizações* e estabelecimentos. As

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origens das instituições são difíceis de determinar. Pode-se falar de quatro instituições "fundantes" das sociedades humanas (ver sociedade*).

INSTITUÍDO: ao resultado da ação instituinte* denomina-se instituído. Quando esse efeito foi produzido pela primeira

vez, diz-se que se fundou uma instituição. O instituído cumpre um papel histórico importante porque vigora para

ordenar as atividades sociais essenciais para a vida coletiva. Para que os instituídos sejam eficientes, devem permanecer

abertos às transformações com que o instituinte* acompanha o devir social. Contudo, o instituído tem uma tendência a

permanecer estático e imutável, conservando d e ju r i estados já transformados de fa c to e tornando-se assim resistente e

conservador.

INSTITUlNTE: é o processo mobilizado por forças produtivo-desejante-revolucionárias que tende a fundar instituições

ou a transformá-las, como parte do devir das potências e materialidades sociais. No transcurso do funcionamento do

processo de institucionalização, o instituinte inventa instituídos* e logo os metamorfoseia ou cancela, de acordo com as

exigências do devir social. Para operar concretamente, o processo de institucionalização deve ser acompanhado de

outros organizantes* que se materializam em organizações*. Os dinamismos instituintes e organizantes* são orientados

pelas Utopias Ativas*.

INTERESSE: denomina-se assim às motivações, desejos, aspirações, expectativas e demandas pré-conscientes e

conscientes que impulsionam ou mobilizam os agentes, grupos ou classes na atividade social. Os interesses

caracterizam-se por serem conhecidos e assumidos pelos sujeitos e estarem dotados de uma certa racionalidade. Em

geral, os interesses divergem ou se opõem aos desejos e fantasmas inconscientes, e freqüentemente se descobre que sua

suposta racionalidade não é mais que uma racionalização.

INTERVENÇÃO lNSTITUClONAL: ação transformadora praticada segundo uma ética e uma política e formalizada

em uma teoria aplicada segundo certas regras metodológicas e uma série de recursos técnicos. Todo esse procedimento

parte de uma avaliação 1ogística de disponibilidades e é planificado segundo uma estratégia que se decompõe em

táticas. Seu objetivo central é propiciar nos coletivos intervindos a ação do instituinte*organizante* e, no seu limite, a

implantação de processos plenos e continuados de auto-análise* e autogestão*.

LEIS: consistem na formalização e explicitação, em textos e/ou discursos, das árvores de valores e decisões que

constituem as instituições*. Quando expressam rígida e exclusivamente a vontade do instituído-organizado* e se

apresentam como universais e mais ou menos invariáveis, sendo

157 ▲

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referendadas, por exemplo, pelo Estado ou a Igreja, são apenas a justificativa da dominação* – exploração-mistificação.

Quando são provisórias e singulares e expressam realmente a vontade instituinte*-organizante* que "se dá suas próprias

leis", são instrumentos formais produtivo-desejante-revolucionários. O Institucionalismo conhece e aplica as leis

científicas que lhe são úteis, mas aceita e enfatiza o papel do acaso* nos processos de que se ocupa.

LÍDER: as lideranças são papéis específicos que adquirem importância especial por suas funções dirigentes ou de

condução. Os mais característicos são: o autoritário, o laíssez-faire e o democrático. Quando o líder é um autêntico

recurso para o funcionamento instituinte, denomina-se revolucionário-desejante-produtivo. Seu estatuto não é o de um

modelo, mas o de um exemplo singular.

LOGÍSTICA: balanço dos recursos e forças disponíveis no início de uma intervenção. Avalia-se o que está disponível

para contribuir ou para dificultar o trabalho, que se iniciará se houver um mínimo de possibilidade de realização. A

logística vai sendo reavaliada durante o percurso da intervenção.

MARGINALIDADE: por referência a teorias, doutrinas, ideologias, organizações, movimentos, espaços físicos,

geográficos ou abstratos, idiossincrasias (sexuais, raciais, etárias, nacionais, econômicas, jurídicas) etc., considera-se

marginal a todo e qualquer elemento afastado do que se entende por central, legítimo, consagrado ou autêntico nos

campos correspondentes. O marginal em geral adquire um matiz pejorativo que denota ou conota tanto aquilo que está

desvirtuado como até o que se avalia francamente como negativo ou perigoso. Obviamente, o termo marginalidade está

muito relacionado com a oposição centro-periferia.

MASSAS: noção de difícil definição, que foi empregada de muitas maneiras não coincidentes. Num sentido, designa

grandes segmentos da população que se opõem às minorias (particularmente às elites) e podem vir a ocupar seu lugar.

Em outra significação, refere-se a conjuntos humanos amorfos, cujos integrantes carecem de "identidade" própria.

Também se diz de seus componentes que são dirigidos por outros; e não intradirigidos. Freud utilizou o conceito de

massa como sinônimo de grande agrupação. As massas efêmeras dividem-se naquelas que se fomlam e dissolvem

espontânea ou fugazmente (multidão) e nas que se organizam ocasionalmente em torno de um líder. As massas

"estáveis" são, de modo plausível, sinônimo de organizações; Freud dá como exemplo a Igreja e o Exército. Chama-se

"Sociedade de Massas" aquela em que as diferenças (por exemplo, a de classes) se apagam em função de outros

parâmetros (por exemplo, o acesso

158▲

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ao consumo de certos produtos).

MISTIFICAÇÃO: processo mais ou menos deliberado de produção, difusão e assimilação de representações, crenças,

convicções e valores que deformam, encobrem ou falsificam a realidade natural ou social com a finalidade de enganar

as forças e agentes* instituintes* e organizantes* Perpetuam-se assim os instituídos*-organizados*-estabelecidos, e com

eles, as formas históricas que adotam a exploração" e al dominação*. Pode-se considerar os processos de mistificação

como sinônimos de produção, difusão e assimilação de ideologias regressivas ou, segundo outra terminologia

institucionalista, de máquinas de semiotização de captura e recuperação* .

MODULAÇÃO (PRODUÇÃO) DA DEMANDA: O lnstitucionalismo questiona a crença de que existem necessidades

"naturais" (portanto universais e eternas) que se expressam em "demandas espontâneas". Uma sociedade* tem

necessidades que não conhece e não consegue definir como tais, assim como supõe ter necessidades cuja existência foi

produzida e cuja expressão em demandas foi gerada e modulada pela oferta. A produção de objetos suntuosos, bens de

luxo e desperdício dos setores dominantes, tem sido sempre prioritária. O que resta da produção é o que se oferece às

comunidades, categorizado como "objetos das necessidades básicas". Dessa maneira, definem-se tais necessidades e se

convoca e modula sua demanda. Nas sociedades industriais modernas, a construção de um "Estado beneficente,

previdenciário, administrador-gerente-cientista" e de um mercado de bens e serviços submete a produção de

necessidades e a modulação das demandas à ação dos saberes disciplinares e de seus agentes*, os experts. São eles os

que decidem o que, como, quanto, onde, porque e quando as pessoas "necessitam" e "demandam", no que se refere a

bens de consumo ou de "capital" e a serviços de saúde (física e mental), educação, transporte etc. Essas decisões e as

ações que elas orientam são, segundo dizem os experts, "cientificamente" fundadas, e de acordo com a "vontade

popular", sempre visando "o bem comum".

A partir da Psicanálise, costuma-se afirmar que o desejo* mediatiza a relação entre necessidade e demanda. Ou seja,

entre as exigências da necessidade e sua expressão significante atua o desejo, que a Psicanálise define como

essencialmente faltoso de objeto ou carente de resposta material possível. A necessidade não satisfeita origina uma

privação que pode ser resolvida com os objetos materiais correspondentes. Já a demanda, do ponto de vista

psicanalítico, não é um pedido do que manifestamente se solicita, mas de "amor" e "reconhecimento", sendo

compensável com as respostas que a complementem. O desejo, em troca, pede uma impossível restauração narcisística,

o gozo absoluto. A produção de um fantasma pode lhe dar uma satisfação imaginária e transitória, e a simbolização, um

destino159 ▲

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socializável, enquanto só a morte pode conferir-lhe uma definitiva. Algumas correntes institucionalistas questionam

radicalmente essa concepção do desejo*.

MOLAR: para a Esquizoanálise*, este termo designa uma ordem de organização do real que caracteriza a superfície de

registro e controle e a de consumo-consumação. Nessa ordem, as entidades características são os estratos e os grandes

blocos representativos dos territórios constituídos. É o lugar dos códigos, sobrecódigos e axiomáticas, das formas

sujeitos e objetos definidos, dos organismos biológicos e das grandes corporações e corpos cheios do Estado*, Igreja

etc. Compõe o que em outra terminologia se denomina instituídos*-organizados*-estabelecidos. Nesse espaço

constituem-se as matérias formadas e as forças vetorizadas (númenvoluptas). É o campo da regularidade, da

estabilidade, da conservação e da reprodução*, onde operam os equipamentos sedentários de captura e recuperação*.

Aproxima-se ao que se chama "o mundo do macro".

MOLECULAR: para a Esquizoanálise, este termo caracteriza os elementos que compõem a superfície de produção

desejante. Essa superfície está integrada pelo "corpo sem órgãos" (uma rede de intensidades puras que se distribuem em

gradientes delimitados por limiares a partir de zero) e pelas "máquinas desejantes" (rede de singularidades acopladas de

maneira binária – máquina-fonte-m.áquina-órgão – que se conectam em todas as direções, segundo o acaso* ou uma

lógica aleatória). Essas conexões fazem circular fluxos (devires-esquizias) interrompidos por cortes que, em suas

ligações anárquicas locais ou à distância, resultam em uma eclosão do novo ou na metamorfose das entidades

molares,que assim se desestratificam e se desterritorializam por linhas de fuga. É o lugar das matérias não-formadas e

das energias não vetorizadas onde as máquinas moleculares se formam ao nlesmo tempo em que funcionam. Os

dispositivos* e máquinas de guerra nômades, agenciamentos* que se montam com especial permeabilidade para o

desejo* e a produção*, estão desenhados para funcionar com esta lógica que produz o Desejo* e o lnconsciente

libertários. Em outra terminologia, o molecular corresponde parcialmente ao instituinte* – organizante*.

MOVIMENTO INSTlTUCIONALISTA: conjunto não totalizável de escolas e correntes cujas diversas tendências

subscrevem alguns objetivos comuns, entre os quais os mais compartilhados consisten\ em propiciar nos coletivos

processos de auto-análise* e autogestão*. Essas orientações se diferenciam entre si por suas teorias, métodos, técnicas,

estratégias e táticas de leitura e de intervenção, assim C0l110 pelo alcance dos objetivos que se propõem. Assim

configuram uma escala que vai desde o refonnismo ao maximalismo. 160 ▲

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MUDANÇA: as diferentes civilizações atribuíam ou atribuem à permanência (status quo) ou à transformação valores

diferentes. Para algumas comunidades primitivas, o funcionamento ideal de sua vida consistia em que tudo se

mantivesse exatamente idêntico em organização, costumes etc., para imitar o mundo e o tempo divinos, eternos e

invariáveis. No outro extremo da História, a modernidade caracteriza-se pela glorificação da mudança constante e

acelerada dentro de uma trajetória linear e evolutiva denominada progresso. Em todo caso, a oposição, em todos e cada

um dos aspectos da vida, entre posições "conservadoras" contra outras "progressistas", ou, em um sentido mais amplo,

"transformacionistas"; permeia todos os processos naturais-sociais-libidinais.

A Sociologia e a Psico-Sociologia de origem positivista e estrutural-funcionalista insistiram muito na problemática da

mudança e da "resistência à mudança", tal como ela se apresenta nos grupos, organizações e comunidades diante das

situações desconhecidas e novas. A Psicanálise, por sua parte, também tem, entre seus temas mais importantes, a

questão da mudança – entendida como a exigência colocada ao sujeito psíquico de dominar os efeitos do impulso e da

compulsão à repetição, que resulta da natureza conservadora das pulsões, da insistência do desejo e dos princípios de

constância e inércia. Para as diversas correntes do Institucionalismo, a problemática da mudança, ligada a categorias de

diferença-repetição, transferência-resistência, reação-reformismo-revolução etc., é tratada segundo as inspirações

teóricas e políticas às quais as escolas se afiliam. Em geral, pode-se dizer que, dentro de um espectro de radicalidade

crescente, que vai desde posições mais ou menos reformistas até outras francamente revolucionárias, ou até extremistas,

o Institucionalismo: a) confia em que pequenas mudanças locais podem repercutir à distância ou propagar-se como

reações em cadeia; b) sustenta que as mudanças, para seren1 sólidas, devem ser integrais, ou seja, simultaneamente bio-

sociolibidinais, e não apenas econômicas ou convencionalmente políticas; c) afirma que a substância do real é a

diferença pura e a produção desejante, sendo que os arcaísmos e as estruturas-tenitórios conservadores e repelitivos são

produtos da captura que a parafernália de controle-registro dos sistemas faz da potência das singularidades pré-pessoais

e pré-sociais.

NÃO-DITO: no Institucionalismo, o termo "não-dito" parece recolher todas as significações que essa fórmula adquiriu

nas ciências humanas e na cultura ocidental. Basicamente, refere-se a todas aquelas informações que estão omitidas ou

distorcidas nos discursos, textos, atitudes, comportamentos ou qualquer outra forma de expressão ou manifestação. Essa

omissão ou distorção pode ser voluntária ou involuntária, consciente ou não, assumida ou não, mas é considerada

invariavelmente fonte de mal-entendidos e conflitos que afetam a convivência, ou então causas ou efeitos de um

desconhecimento cuja superação se supõe enriquecedora. 161 ▲

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Contudo, no Institucionalismo, o não-dito remete predominantemente à ignorância, à má-fé ou à repressão no seio dos

discursos, textos, atitudes, comportamentos, estrutura e dinâmica dos agentes, grupos, organizações e movimentos. Esse

omitido ou distorcido concerne principalmente ao instituinte*, que foi "esquecido" e reprimido pelo instituído* durante

o processo de institucionalização. O não-dito refere-se tanto às vicissitudes da potência produtiva, ao desejo e à vida,

como aos manejos do poder, da antiprodução* e da morte. O não-dito se diz de maneiras diretas ou disfarçadas nos

analisadores históricos ou nos construídos (ver Analisadores Artificiais* e Analisadores Espontãneos*).

OBJETO DE ANÁLISE: na interseção da organização analisante com a organização analisada, vai-se produzir uma

nova organização que é o verdadeiro objeto de análise, pois para o Institucionalismo não é possível uma posição

clássica de "neutralidade" ou "objetividade". É na junção que se vai tentar entender essa nova realidade que se produz

no encontro.

OPOSIÇÃO: na vida das organizações e movimentos, chama-se oposição à ação de correntes que se contrapõem à linha

de pensamento e de gestão da fração social ocupante do governo (situação). A oposição pode ser mais ou menos

acirrada, mas em geral é reconhecida, autorizada, legitimada e ainda necessitada pela lógica institucional do sistema que

a integra.

ORGANIZAÇÕES: são as formas materiais nas quais as instituições* se realizam ou" encarnam". De acordo com sua

dimensão, vão desde um grau complexo organizacional, como um ministério, até um pequeno estabelecimento escolar.

Na terminologia da Esquizoanálise, correspondem às grandes formas molares da superfície de registro.

ORGANIZADO: é o produto dos processos organizantes*. Conjunto de ordenamento dos recursos humanos, técnicos,

espaciais, cronológicos (etc.) que configuram uma organização ou estabelecimento*. O organizado é ilustrado no

esquema do organograma e do fluxograma da organização. E necessário para orientar o funcionamento da entidade, mas

tem tendência a tornar-se rigido e esclerosar-se, perpetuando-se e tornando-se um objetivo em si mesmo. Assim,

exagera-se em torno de sua função, adquirindo uma série de vícios; o mais conhecido é a burocracia.

ORGANIZANTE: atividade permanentemente crítica, inventiva e transformadora que tende à otimização das

organizações entendidas como dispositivos ou agenciamentos*. Esse processo exige das organizações a abertura para

efetuar as mudanças necessárias com a finalidade de realizar a Utopia Ativa* que as inspira. Uma organização* só

cumpre com este objetivo se mantém fluida e constante a relação entre o organizante e o 162 ▲

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organizado*, a ponto de admitir sua autodissolução* quando deixa de servir ao produtivo-desejante-instituinte (ver

Produção*, Desejo* Instituinte*).

PAPÉIS: conceito cunhado pela Psico-Sociologia e pelo Psicodrama que define os lugares e funções sociais em geral e

grupais em particular, come caracteres de personagens teatrais. Cada papel ganha precisão em sua relação com todos os

outros e carece de sentido fora desse vínculo, consciente ou não. Os papéis são emergentes de configurações estruturais

que organizam a interação social e mostram uma mobilidade que os faz serem desempenhados por diferentes

indivíduos-sujeitos-agentes* sociais, segundo as circunstâncias. Quando um agente social abandona o papel este se

expressa ou manifesta através de outro participante. Pichon-Riviere detectou nos grupos alguns papéis regularmente

emergentes, como o de "bode expiatório", "seguidor", "sabotador". Os papéis podem ser inerentes (pré-fixados, como

"masculino" e "feminino") ou atribuídos (como os acima mencionados).

PARTICIPAÇÃO: dá-se este nome a um tipo de gestão organizacional na qual os segmentos formal e efetivamente

dominantes de uma organização concedem aos quadros subordinados diversos graus de possibilidade de intervenção na

planificação, decisão, execução e benefícios da atividade. Isso não significa maiores modificações de fundo na

propriedade, na estrutura ou na estratificação hierárquica o organismo em pauta.

PARTICULARIDADE: ver Universalidade, Particularidade e Singularidade.

PODER: embora no Institucionalismo o termo "poder" não seja empregado com significações unívocas, em geral ele se

aplica a uma gama de recursos diversos com grau de violência crescente, destinados a impor a vontade de um segmento

social sobre os outros ou sobre a sociedade em seu conjunto. Michel Foucault insistiu na idéia de que o poder não se

possui ou se detém, mas que se exercita, e não apenas em um sentido restritivo (de coação ou proibição), mas também

em um sentido positivo de orientação: o poder incita, provoca, convoca, ativa etc.

POTÊNCIA: no Institucionalismo, emprega-se o termo "potência" para referir-se às capacidades virtuais ou atuais de

produzir, inventar, transformar etc. Em geral, a potência designa a magnitude das forças geradoras do radicalmente

novo, criador de vida.

POTENCIAL HUMANO: o movimento denominado "Potencial Humano" compreende um conjunto de correntes

teóricas e técnicas, algumas cujas 163 ▲

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características comuns consistem na importância dada ao trabalho corporal, expressivo e dramático nos tratamentos

clínicos, coordenação de grupos e intervenções organizacionais. Entre as tendências que o integram, pode-se mencionar

a Bioenergética (baseada nas idéias de Wilhelm Reich), a Gestalt Terapia (que partiu das postulações da Psicologia da

Forma) e até algumas que incluem a Terapia de Rogers e diversas práticas orientalistas e africanas. No

Institucionalismo, a incorporação mais notável dos recursos do Movimento de Potencial Humano foi a realizada por

Georges Lapassade, com sua proposta de Transe-Análise.

PRÁTICAS: em um sentido epistemológico, designa todo processo pelo qual um agente, dotado de força de trabalho

qualificada, a aplica com os meios de produção adequados sobre uma matéria-prima, gerando um produto específico.

Em um sentido descritivo, diz-se das ações que os agentes* sociais realizam nas instituições*, organizações* e

estabelecimentos*, tanto a serviço do instituinte*-organizante* quanto do instituído"-organizado*. Em geral utiliza-se o

termo "prática" para as ações específicas e qualificadas, enquanto se usa a palavra "atividades" para referir-se às

inespecíficas e não-qualificadas. Para o Institucionalismo, com a finalidade de se fazer a crítica à profissionalidade* e à

especificidade*, é importante considerar a frase de Max Weber: "Uma prática social nunca é mais opaca em suas

determinações que para seus próprios agentes." As práticas dividem-se em discursivas ou teóricas e não-discursivas.

PRÁXIS: denomina-se assim certo tipo de prática* na qual estão indissoluvelmente unidos o pensamento crítico

esclarecedor e a ação transformadora do real.

PRODUÇÃO: geração do novo – daquilo que a Utopia Ativa persegue. É equivalente ao funcionamento*. É aquilo que

processa tudo que existenatural, técnica, subjetiva e socialmente. É a permanente geração de tudo que pode logo tender

a cristalizar-se. É o devir, a metamorfose.

PROFISSIONALIDADE: em um sentido tradicional, as profissões compreendiam o Sacerdócio, a Advocacia, a

Medicina e a Carreira Milita,:

Eram as primeiras ocupações com as quais se podia subsistir sem praticar propriamente o trabalho manual ou comércio.

A ética das profissões tinha um marcado caráter religioso ("professar": atuar em prol de uma fé) e exigiam vocação

"vocare": chamado de Deus). Tratava-se de um certo tipo de apostolado cujo exercício estava tingido de um matiz de

militância, e por todas essas conotações imbuía-se de uma condição elevada de desprendimento, assim como de

autonomia e independência relativa. Apesar do já dito, a agrupação dos profissionais nas corporações de grêmios e

academias universitárias teve, desde o início, uma dupla natureza – de 164 ▲

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controle de qualidade dos serviços, mas também de exclusividade e sobrevalorização dos mesmos. Com a modernidade,

produziu-se uma série de mudanças no status de profissional. Esse título ampliou-se a outros ofícios, antes considerados

de segunda categoria. As práticas profissionais, por um lado, mercantilizaram-se, visando o lucro; por outro, ligaram-se

ao poder do Estado e ao das empresas, formando as cúpulas tecno-burocráticoacadêmicas – mas também se degradaram

como conseqüência do vínculo assalariado e da hiperespecialização. O Institucionalismo insiste no estudo e no

desmascaranlento das formas sob as quais os interesses de lucro, poder e prestígio do corporativismo e do

academicismo se ocultam sob disfarces da "neutralidade" cientificista, da "modernidade" hiperespecialista e da suposta

independência e suposto apostolado do profissional autônomo ou do funcionário.

PSICOFAMILIAR: denomina-se modalidade de funcionamento psicofamiliar à definição fantasmática e imaginária que

as classes institucionais regredidas fazem, inconscientemente, de suas condições reais de trabalho e do verdadeiro poder

de que dispõem para mudá-as. (ver Psico-Socioanálise *.)

PSICOLOGIA SOCIAL: é uma disciplina delimitada pela superposição de áreas da Psicologia e da Sociologia que, de

uma maneira ou de outra, toma como objeto de estudo e de intervenção as mútuas determinações ou influências dos

sujeitos-agentes* entre si (enquanto sujeitos psíquicos e agentes sociais). Existem várias correntes de Psicologia Social,

distinguíveis segundo pertençam predominantemente à Psicologia (Psicanalítica, Comportamentalista, Gestaltista) ou à

Sociologia (por exemplo, Interacionismo Simbólico). De maneiras muito variadas (por exemplo, consciente ou

inconsciente), todas afirmam a constituição, gratificação, frustração de cada sujeito-agente pelo outro considerado

individual ou coletivamente. O Institucionalismo toma muitos recursos teórico-técnicos das psicologias sociais, mas se

diferencia delas, entre outras coisas, por não reivindicar o caráter científico (ou seja, "neutro", instrumental ou

operacional) que elas se atribuem.

RECURSOS HUMANOS: desde o início da década de 70, começou-se a empregar a expressão "Recursos Humanos"

para referir-se, no campo da Administração, à área de estudos e atividades que trabalha com questões relativas ao

elemento humano nas organizações, regiões, nações etc .. Falase de Recursos Humanos como um dos componentes de

um espectro de recursos: físicos, tecnológicos, econômicos e outros.

REPETIÇÃO: em um sentido etimológico, significa voltar a pedir. No filosófico, refere-se à reiteração ou

reapresentação de idéias ou de realidades. 165 ▲

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Toda a filosofia ocidental parece estar dividida por uma polêmica em torno de se o que se repete ou retoma é: 1) o

idêntico ou igual; 2) o diferente, entendido por relação de negação, analogia ou semelhança com o idêntico ou o mesmo;

3) o diferente absoluto, ou seja, o que cada vez é afirmativa e radicalmente novo. O Institucionalismo sustenta que o que

retoma na História não é o idêntico, o igualou o mesmo, mas o diferencial, ou ainda, a diferença absoluta, que é

radicalmente transformadora ou motor da História. Em conseqüência, não interessa tanto estudar as leis que dão conta

das repetições aparentemente regulares que regem a repetição do mesmo com o modelo do relógio ou dos sistemas

astronômicos do cosmos ordenado. Trata-se, melhor, de entender o retorno do diferente, produto do acaso, do aleatório

e imprevisível, tal como a História o mostra nos pequenos ou grandes acontecimentos* que alteraram seu curso. Se bem

seja certo que a superfície de registro, o instituído*-organizado*-estabelecido, tenda a capturar o retorno do diferente

para colocar seu funcionamento a serviço da reprodução* do sistema, capturando-o e recuperando-o (ver Captura e

Recuperação), nunca o consegue por completo.

REPRODUÇÃO: num sentido etimológico, significa cópia ou imitação. Na Filosofia, na Sociologia e para o

Institucionalismo (ver Movimento Institucionalista *), designa as tentativas de reiterar algo idêntico, igualou similar ao

que já existe, cumprindo sua função conservadora. Dessa maneira, procura-se deter os devires, acontecimentos e

transformações naturais, sociais, culturais e subjetivas.

ROMANCE INSTITUCIONAL: por analogia com o termo freudiano "romance familiar do neurótico", o romance

institucional refere-se às diferentes versões que podem ser reconstruídas da história de uma organização, grupo ou

movimento. Os elementos a partir dos quais tal reconstrução se efetua são muito variados. Trata-se de comportamentos,

atitudes, mitos, documentos, tradições, grafitos ete. Mesmo o Romance Institucional sendo composto de dimensões

simbólicas, realísticas, a tendência é vê-lo como um relato fortemente influenciado pelo desejo* e por ele tingido de

matizes imaginários e fantasmáticos.

SIMULACROS: em que interessa ao Institucionalismo, os simulacros (na filosofia platônica) são puras diferenças que

não conservam nem a imagem, nem a semelhança de sua relação com as Idéias Puras e, obviamente, carecem por

completo de identidade. Platão os considera falsos, demoníacos e inclassificáveis. Não são seres, mas puro devir, e

podem disfarçar-se de cópias ou de Idéias Puras para confundir os espíritos. Sua "encarnação" mais prototipica estaria

nos sofistas, pensadores que não se interessam pela Verdade ou a Virtude e que argumentam apenas para seduzir e

convencer Algumas correntes institucionalistas consideram os simulacros platônicos 166 ▲

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como a essência do real, que se compõe de diferenças puras, fluxos, singularidades* intensivas, que são o ser do devir

ou processo produtivodesejante-revolucionário.

SINGULARIDADE: ver Universalidade e Particularidade.

SOBREDETERMINAÇÃO: tipo de causalidade pela qual um efeito psíquico ou social é o produto resultante da

participação causal, desloca da e condensada de todas as forças, instâncias e representações que, sinérgica ou

contraditoriamente, compõem a tópica da personalidade ou o modo de produção* de uma sociedade*, respectivamente.

Em cada modo de produção (entendido em um sentido amplo, não apenas econômico) reconhece-se uma instância"

determinante última" (condição de existência), uma" don1inante" (condição de reprodução) e uma" decisiva" (condição

de transformação). A ação causal conjunta, complexa, articulada, hierarquizada e diversifica da das instâncias é o que se

denomina sobredetermi nação.

SOCIEDADE: o Institucionalismo tem sua concepção própria do que é uma sociedade. Define-a como uma rede, um

tecido de instituições*, organizações*, estabelecimentos*, agentes* e práticas*. Alguns institucionalistas afirmam que

as sociedades humanas estão constituídas no mínimo por quatro instituições: a língua, as relações de parentesco, a

religião e a divisão técnica e social do trabalho. As instituições interpenetramse e articulam-se para regular a produção e

a reprodução* da vida humana. Como se vê, essa definição está bastante centrada no instituído*, organizado*,

estabelecido. Corresponde ao que a Esquizoanálise denomina socius, que pertence às formas definidas da superfície de

registro. É possível, contudo, ampliar essa definição, incluindo o instituinte*, o organizante* e a superfície de produção.

SOCIOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES: esta disciplina começa com as contribuições de sociólogos clássicos como

Durkheim acerca da divisão técnica e social do trabalho*, assim como a passagem da solidariedade mecânica à

orgânica. Igualmente fundadores são os estudos de Max Weber sobre a burocracia (ver – Cracias *). No entanto, é a

partir da década de 20, Com o desenvolvimento do Capitalismo norte-americano e os estudos de Elton Mayo sobre a

indústria, que a Sociologia das Organizações começa a definir seu objeto – como a investigação e intervenção sobre a

empresa enquanto unidade social que recebe o nome de organização*. Os objetivos desse enfoque são a racionalização

e otimização da eficiência do funcionamento de tais associações, sem questionar em nada sua lógica ou suas finalidades.

Se é certo que posteriormente aparecem alguns enfoques menos pragmatistas, como o de T Parsons e outros,

francamente críticos,

167 ▲

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como os de W Mills e W H. Whyte, a Sociologia das Organizações é considerada pelo lnstitucionalismo como um

enfoque contrário às utopias* auto-analíticas (ver Autoanálise*) e autogestivas (ver Autogestão*). Segundo a denúncia

institucionalista, a Sociologia das Organizações, particularmente uma de suas modalidades, denominada

Desenvolvimento Organizacional, visa facilitar os mecanismos culturais, comunicacionais e motivacionais (do conjunto

empresarial e dos grupos que o integram.) apenas com fins de melhorar o "clima" ou a "atmosfera", conseguindo, assim,

diminuir os insumos, aumentando e melhorando a produtividade e o lucro dos proprietários.

SOCIOINSTITUClONAL: na Psico-Socioanálise, denomina-se assim à percepção, avaliação e comportamentos

transformadores que as classes institucionais em processo de progressão (resultante da intervenção) produzem em

relação a suas condições reais de trabalho e à margem de poder que recuperam.

SOCIOPSICANÁLISE: é uma das correntes que integram o Movimento Institucionalista*. Foi fundada e desenvolvida

por Gérard Mendel. Articula uma concepção relativamente tradicional de Psicanálise com outra, bastante ortodoxa, do

Materialismo Histórico. O resultado é uma abordagem politicamente moderada, cuja viabilidade é considerável. Mendel

articula formulações psicanalíticas (elaboradas para os sujeitos enquanto indivíduos) que postulam uma impotência

fundamental inerente ao ser humano (devido ao estado indefeso no qual nasce, necessitando dos cuidados de um outro

para ter sua sobrevivência garantida). Essas formulações combinam-se com as afirmações do Materialismo Histólico de

que, num sentido coletivo, a experiência universal de impotência é produto da distribuição desigual da riqueza, do

resultado do trabalho, do poder e prestígio, que alienam (ver Alienação*) quem produz esses valores. Segundo Mendel,

o âmbito ideal em que se deve estudar a experiência essencial de impotência e o desencadeamento de processos

patológicos é o local de trabalho, onde as vicissitudes individuais da experiência de impotência serão melhor

compreendidas, sendo analisadas num sentido coletivo no lugar mesmo onde ocorrem – o lugar da produção. A

Sociopsicanálise sustenta que, quando se abordam os coletivos, pode-se ver que esses conjuntos vivenciam esta

experiência de impotência devido às condições do trabalho alienado (ver Alienação*) no Capitalismo. Essa experiência

de limitação gera neles, trabalhadores, devido à sua série disposicional pessoal, um processo regressivo de ordem

coletiva. Trata-se de uma regressão do funcionamento psico-social ou psico-institucional a um funcionamento

psicofamiliar, no qual os sujeitos viven. uma vida preferencialmente imaginária, em vez de principalmente simbólica

(correspondente às circunstâncias concretas com que se defrontam). A

168 ▲

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situação de seu campo real vai definir-se com base numa situação arcaica pela qual já passaram, o que os levará a

vivenciar a situação de trabalho como se essa fosse uma reedição de uma situação familiar prima lia, povoada por

figuras fantasmáticas de sua vida familiar. Suas reações estarão tingidas pela situação de impotência infantil que os

levava a se refugiar num mundo de fantasias. Com isso, o coletivo institucional também passará a funcionar nesse

registro, buscando soluções mágicas, contraproducentes, que vão res ultar em sintomas (atuações, inibições, delírios,

somatizações, toxicodependências), enfim, em todo tipo de patologia biopsico-social. No plano da militância, esses

quadros podem expressar-se bastante bem no que podemos sintetizar, com Lênin, como "enfermidades infantis do

trabalho": voluntarismo, populismo, autoritarismo, messianismo, clie,ntelismo, fisiologismo ete. A metodologia de

intervenção sociopsicanalítica conserva muitas características de intervenção psicanalítica, principalmente a

interpretação. Mas a cura não é definida em termos individuais, e sim coletivos, e pressupõe um movimento de cada

classe institucional para a recuperação da margem de poder possível que foi tirada deles pelo sistema capitalista de

trabalho alienado.

STATUS: o status é considerado "a parte estável ou fixa" do papel. Trata-se da condição obtida por um papel dentro de

uma sistematização hierarquizada dos mesmos.

SUBJETIVAÇÃO (PRODUÇÃO DE): Como dizíamos a respeito da produção de subjetividade*, para algumas

orientações do lnstitucionalismo não existe uma essência ou estrutura invariável, ubíqua e universal do sujeito

filosófico, social ou psíquico. Do mesmo modo que não existe uma imagem do homem idêntica a si mesma em qualquer

sociedade, momento histórico, classe social, raça ete. Inclusive, o modelo científico que temos no Ocidente como

universal, invariável e ubíquo é produto de um processo de produção complexo e de longa duração que culmina no que

certos historiadores denominam ilustrativamente como" a formação do homem íntimo".

Há, sim, por contraposição ao processo de produção de subjetividade uniforme, sujeitada e submetida, infinitos e

heterogêneos processos de produção de subjetivação livre, produtiva, desejante, revolucionária. Esses são

absolutamente contingentes, próprios de cada momento, lugar e conjuntura, e geram sujeitos singulares nas margens de

cada acontecimento*. O lnstitucionalismo pretende propiciar, através da análise e da intervenção, a montagem de

dispositivos* capazes de gerar acontecimentos * e, junto com eles, os modos de subjetivação que os mesmos precisam.

SUBJETIVIDADE (PRODUÇÃO DE): muitas correntes filosóficas e

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psicológicas (entre elas, a Psicanálise), sustentam que existe uma forma universal e invariável de constituição,

composição, transformação, reprodução e extinção do sujeito (tanto daquele da reflexão filosófica como o do

psiquismo). O que varia em cada sujeito seriam os conteúdos (representações e modalidades de configuração dos

fantasmas ou função dos mecanismos): nisso radicaria a singularidade de um sujeito. Algumas correntes

institucionalistas compartilham essa concepção (Sociopsicanálise, por exemplo). Para outros Institucionalistas, não

existe um sujeito com uma estrutura universal e com variações apenas de desenvolvimento, conteúdo ou estilo. O que

existem são processos de produção de subjetividade pelos quais as sociedades tendem a reproduzir sujeitos idênticos ou

similares, segundo os padrões dominantes do grupo ou' classe de que se trate e de acordo com os moldes do instituído*-

organizado*-estabelecido.

SUPERESTRUTURA: no Materialismo Histórico, ciência da História, da Sociologia e da Economia Política Marxistas,

denomina-se superestrutura a instância do todo social na qual se desenvolvem os processos ideológicos e jurídico-

políticos que têm a seu cargo a produção de sujeitos-agentes* ideológicos, assim como de produção, difusão e

assimilação de representações e valores ideológicos. Por ou tra parte, na instância jurídicopolítica é onde se processam

os meios legais e o uso da força para a constituição e manutenção da ordem vigente. Os processos superestruturais

operam a reprodução ampliada do modo de produção. Na versão clássica do Materialismo Histórico, a superestrutura

reverte ou interaciona causalmente com a infra-estrutura.

TÁTICAS: são pequenos segmentos que compõem a estratégia*. É o momento de seleção de recursos a serem

empregados na etapa imediata, remetendo-sé sempre ao panorama maior delineado pela estratégia.

TÉCNICAS: são recursos eletivos que servirão para instrumentar as táticas*. Sua escolha é consideravelmente livre e

dependerá do treinamento e inspiração da equipe operadora, do objetivo geral e imediato a ser alcançado e do momento

e peculiaridades do coletivo em questão. Trata-se de procedimentos (interpretativos, informativos, sensibiliza dores,

expressivos, discursivos, artísticos, desportivos, lúdicos, interrelacionais, grupais, coletivos etc.) a serem adotados de

acordo com as circunstâncias, com propósitos diagnósticos e elaborativos.

TRANSE-ANÁLISE: modalidade de intervenção institucional e de coordenação de grupos criada por Georges

Lapassade baseada nas experiências dos cultos afro-brasileiros, tais como: Umbanda, Quimbanda e Candomblé.

Consiste basicamente na provocação de regressões rituais e formas arcaicas de comunidade através de estados de transe.

Posteriormente, 170 ▲

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as mesmas são elaboradas e incorporadas a novas formas da sociabilidade grupal.

TRANSFERÊNCIA: diversas tendências dentro do lnstitucionalismo assimilaram o conceito de transferência tanto da

Psicanálise freudiana como dos continuadores de Freud (Melanie Klein, Lacan, Reich e outros). No Institucionalismo, a

idéia de transferência pode ter, segundo a corrente de que se trate, uma definição quase igual à da Psicanálise ou outras

bastante modificadas, tanto no plano teórico como nas aplicações técnicas.

Em geral, entende-se por transferência um conjunto de processos repetitivos conscientes, pré-conscientes e

inconscientes que se dão na subjetividade "individual" e" coletiva". O que se repete são pulsões, desejos, demandas,

fantasmas, papéis, hábitos comunicacionais, estereótipos gestionários, estruturas e até complexos destinos

organizacionais. No caso particular da corrente denominada Psicoterapia lnstitucional, que propõe a autogestão* ou a

gestão participativa dentro de cada estabelecimento, considera-se que a transferência se dá entre o coletivo de internos e

os variados aspectos da vida institucional como um todo.

Certas correntes do lnstitucionalismo, como por exemplo a Esquizoanálise, elaboraram uma profunda reflexão filosófica

sobre a transferência em relação ao conceito de transversalidade e com uma crítica da categoria de repetição. Para essa

orientação, o que se repete substancialmente é o diferente, e, em conseqüência, existiria uma transferência que não

funciona como resistência ou obstáculo, mas como motor das transformações.

TRANSVERSALIDADE: interpenetração, entrelaçamento, no rizoma (modelo de uma raiz vegetal que não tem

membranas celulares nem limites externos precisos), que é imanente à rede social das forças produtivo-desejantes-

instituintes-organizantes. A transversalidade veiculada pelas linhas de fuga do desejo e da produção* é uma dimensão

do devir que não se reduz nem à ordem hierárquica da verticalidade nem à ordem informal da horizontalidade nas

organizações*. A transversalidade é capaz de provocar sínteses insólitas entre elementos incompatíveis, gerando efeitos

à distância sem transmissores detectáveis, a partir de conexões locais. É uma travessia molecular dos estratos molares.

Como montagens, os dispositivos ou agenciamentos* heterogêneos inovadores que escapam aos limites de estratos,

territórios, códigos, sobrecódigos e axiomáticas (em outra terminologia: os IDE) formais e oficiais, deflagram efeitos

transversais inventivos e libertários.

UNIVERSALIDADE, GENERALIDADE, PARTICULARIDADE, SINGULARIDADE: no que interessa ao

Institucionalismo, o denominado momento de universalidade do conceito significa que este compreende todos os casos

particulares e singulares de seu objeto. Contudo, é importante 171 ▲

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diferenciar um conceito universal abstrato de outro concreto. Um juízo ou um conceito universal abstrato é, em certa

medida, vazio, um puro produto do pensamento. O momento da generalidade compreende a caracterização de um

atributo abstrato da universalidade. O momento de particularidade do conceito compreende alguns casos abstratos da

generalidade. Pode-se entender que um conceito particular dá conta apenas de como alguns casos realizam o que já

estava compreendido no conceito universal, mas também é possível sustentar que os casos particulares negam o

conceito universal enquanto abstrato e lhe acrescentam determinações não previamente incluídas nele. O momento da

singularidade do conceito compreende cada caso da universalidade concreta. Pode-se sustentar que nega de uma só vez

a universalidade e a generalidade abstratas e a particularidade, na medida em que se refere a um objeto único, máximo

nível de determinação atingível. Quando o conceito universal abstrato é reformulado incorporando as negações gerais

do particular e do singular, é que se torna um universal concreto verdadeiro ou da Razão (segundo Hegel).

Aplicando o lnstitucionalismo a essas categorias da lógica, cabe sustentar que uma instituição é pensável nesses quatro

momentos: a universalidade abs trata (por exemplo, a linguagem: a generalidade dos atributos das línguas), a

particularidade (por exemplo, as línguas indo-européias), a singularidade (por exemplo, tal dialeto napolitano e seu uso

concreto, por um falante/ouvinte desse dialeto). Segundo entendemos a proposta de R. Lourau, a Análise Institucional

estudaria as insuficiências do conceito em seus respectivos momentos, enquanto cada um deles se define por sua

afirmação e não é capaz de incluir o que resulta de negar e ser negado pelos outros. Supõe-se que a intervenção no caso

singular daria oportunidade para evidenciar os efeitos de desconhecimento que a lógica do conceito gera no discurso e

no saber dos coletivos institucionais; dessa maneira possibilitaria sua desalienação, assim como contribuiria para a

reformulação incessante do conceito das instituições como universais concretos.

USUÁRIO: no lnstitucionalismo, entende-se por usuário quem demanda, adquire, se apropria, possui, consome, usufrui

de bens ou serviços "materiais" ou "ideais". Cabe acentuar que esse usuário-consumidor pode ser individual ou coletivo,

personalizado ou anônimo. No caso de uma intervenção institucional standard, freqüentemente designa-se o conjunto

dos usuários como "staff-cliente".

UTOPIA ATIVA: denomina-se assim as metas e objetivos mais altos e nobres (no sentido dado a esses termos por

Nietzsche) que orientam os processos produtivo-desejante-revolucionários dos movimentos e agenciamentos* sociais

em seus aspectos instituintes*-organizantes*. Essas metas não estão colocadas em um futuro remoto nem terminal, do

tipo dos que são 172 ▲

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enunciados como escatologias ("Fim da História" ou "Fim dos Tempos"). Na Utopia Ativa há uma imanência entre fins

e meios; o processo produtivodesejante-revolucionário é seu próprio fim e meio em cada aqui e agora.

VERTICALIDADE: na Psicologia Social de Pichon Rivière, a verticalidade designa a dimensão histórico-pessoal que

cada integrante do grupo traz como disposição que passará a fomldr parte da determinação dos fenômenos do campo

grupal. Na Psico-Sociologia Organizacional e no Institucionalismo, a verticalidade define a dimensão da vida

organizacional que corresponde ao organograma formal, quer dizer: cargos, hierarquias, funções etc. 173 ▲

APÊNDICE

O INSTlTUClONALISMO NO FINAL DO MILÊNIO

O presente apêndice foi escrito para a terceira edição em português deste livro, em outubro de 1995. Optei por

reproduzi-lo quase sem alterações, para que possa ser comparado com um post scríptum redigido especialmente para a

quinta edição. Parece-me interessante que o leitor possa, desta forma, avaliar acertos e desacertos do primeiro texto,

relacionado-o com o segundo, obviamente a partir de suas próprias convicções.

Primeira Parte

O grande institucionalista e amigo Félix Guattari costumava repetir que os escritos tinham que ser datados.

Essa recomendação devia-se não somente ao fato de que situar um texto em um calendário permite relacioná-lo com a

biografia do autor, e isso costuma ser definido como "contexto ou conjuntura histórica", mas também à importância de

marcar essa data com um nome e um tempo que designam um encontro-acontecimento, ou seja, a individuação de um

real-absolutamente novo – do qual o mesmo texto pretende ser parte.

Obviamente, este apêndice não tem a pretensão de alcançar tal excelência, contudo me parece que tem o direito

de tentar. Neste final de milênio vivemos, sem dúvida alguma, umepos peculiar, composto dos seus próprios ethos, cronos,

pathos, topos, lagos e telos, expressando isso de uma forma clássica. Desde já, a existência de uma composição sui generis

não é exclusiva da nossa fase, sendo que cada período histórico tem, como se

174 ▲

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sabe, a sua. Também cada" civilização", porém, detém sua imagem e sua maneira de efetivar aquilo que entende por

"passado", "presente", "cultura", "espaço", "movimento", "permanência", "troca", "todo", "partes", "valores",

"pensamento".

Guattari propunha denominar a nossa" etapa" de "Capitalismo Planetário Integrado", como aplicação teórica de

um termo matemático que qualifica um sistema hipercomplexo e heterogêneo em movimento, integrado por uma função

axiomática que equaciona todas as coordenadas gerais e modula permutas equivalências entre seus produtos. Nessa

designação há muita coincidência com aquilo que Karl Marx antecipou como a chegada de "A fase Superior do

Capitalismo", sendo que, tanto na denominação de Marx como naquela de Guattari, cabem – devidamente redefinidos –

termos mais ou menos "na moda", tais como "Globalização", "Transnacionalização", "Sociedades Pós-Industriais",

"Pós-Classes" e "Pós-Massas", ou "Hipermodernas", ou "Pós-Modernas", ou "lnformatizadas", ou 'A.utomatizadas",

"Multitudinárias" e assim por diante.

Uma análise detalhada dessas categorias seria, evidentemente, excessiva neste escrito. Conformarei-me apenas

em recordar algumas características que se tornou habitual atribuir a este panorama.

Costuma-se declarar, e porque não, constatar, de certa forma, que: – No lapso de tempo incluído entre o fim da Segunda

Guerra Mundial e a atualidade tem havido, em setores localizados do mundo, um crescimento enorme da "Riqueza" –

entendida como meios de produção, de distribuição, de comunicação, de circulação, de troca e de consumo.

– Esse incremento inclui bens materiais, incorporais, serviços, e que esse aumento qualitativo e quantitativo

resultou em uma melhora considerável de "qualidade de vida" dos setores por ele beneficiados.

– Nesse mesmo lapso, gerou-se uma tendência ao desmoronamento de regimes políticos totalitários,

ditatoriais, autoritários e outros, e sua crescente substituição por diversas modalidades de sistemas democráticos

indiretos, representativos e eleitorais, onde vige, pelo menos formalmente, o Estado de Direito, os Direitos Civis e os

Direitos Humanos, possibilitando, assim, tanto a existência como a expressão e a militância de todos os tipos de

idiossincrasias minoritárias, regionais, nacionais, raciais, sexuais, de culto, de idade, de situação econômica, política,

cultural, geográficas.

– Como causa e efeito dessas transformações, tem havido o aperfeiçoamento e a consolidação das instituições

democráticas, judiciais, legislativas e executivas, tanto na estrutura dos Estados como na da Sociedade Civil, o mesmo

tendo se realizado em todos os campos e níveis, desde o local até o mundial. Isso propiciou uma inclinação ao

predomínio da negociação universal como método para dirimir as diferenças e conflitos, no lugar da predisposição ao uso dos recursos violentos e bélicos de quaisquer espécies. 175 ▲

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– Todas essas manifestações de "progresso" desenvolveram-se sobre a base da implantação geral de diferentes

variedades do sistema econômico capitalista – preservação da propriedade privada dos meios de produção, economia de

mercado, empresas livres e outros-, incluindo nele as variedades político-culturais do Liberalismo, os Socialismos

Reformistas, as Sociais-Democracias e ou tros similares. A mencionada instauração geral acelerou-se após o estridente

fracasso de todos os ensaio de "Comunismo", "Socialismo Real", "Nacional-Socialismo Nazi-Fascista", diversos

"estatismos" e" coletivismos" cujas conseqÜências deletérias demoraram algumas décadas, e ainda hoje continuam

trazendo prejuízos à vigência plena da proposta histórica à qual nos referimos aqui.

– As metamorfoses do Capitalismo trouxeram como conseqüência uma tendência à racionalização –

diminuição, limitação, compactuação, eficientização, baratização, democratização, modernização das estruturas,

funções e atribuições – dos Estados Nacionais e da sua responsabilidade perante os cuidados com a saúde, educação,

justiça e ordem pública, assim como os aspectos essenciais da infra-estrutura e da soberania nacional. Isso significou a

vigilância e ingerência sobre tais poderes, exercícios e benefícios por parte da Sociedade Civil.

– Obviamente, toda essa" evolução" está em curso e coexiste com a permanência, em todos e em cada um dos

processos, estruturas, agentes, usuários, consumidores,lógicas e âmbitos, de formas arcaicas, todavia não superadas,"

em vias de desenvolvimento e de crítica".

– Desde já, esses processos não são universais nem suficien temente implantados, e nem aperfeiçoados. Por

isso, persistem graves dificuldades de toda espécie que afetam tanto algumas regiões do mundo, assim como

determinados países e também alguns segmentos das nações prósperas que, por diversas razões, resistem em adotar os

princípios e cumprir com os esforços necessários para propiciar sua incorporação à Ordem e Progresso generalizados.

Esses setores a dificultam devido a vocação, desejos, interesses e açôes contrários a esses desígnios.

Todos esses indicadores de "evolução", que tendem a realizar-se de forma gradual, crescente e incessante, não

somente em quantidade como também em amplitude, podem passar em alguns momentos e lugares por "conjunturas"

adversas, transitórias e circunstanciais. As mesmas se devem freqüentemente a fatores ainda incontroláveis, tais como

fenômenos naturais de grande porte ou erros de avaliação, planejamento e execução, que são oportunamente

subsanáveis.

No campo do social, cultural e subjetivo, essa orientação mundial dirige-se ao treinamento de indivíduos-

sujeitos-agentes-produtoresconsumidores-usuários conscientes, imbuídos de um espírito de sociabilidade variável e suí

generís, porém invariavelmente inspirados por valores de cidadania e respeito à lei, assim como pelo culto à liberdade, à

justiça e à competição sadia. 176 ▲

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Esse andamento, apesar de não ser a culminância, é a sólida confirmação de que os modos de produção, os

regimes políticos e os sistemas de representação cultural que compôem este estágio do Capitalismo Mundial Integrado,

mesmo frágeis e freqüentemente precários, demonstram ser a "menos pior", senão a única alternativa possível para a

consolidação histórica dos ideais que animaram os grandes movimentos que deram origem à Modernidade.

Segunda Parte

O que acabamos de ler no ponto anterior é uma tentativa de expor, de forma esquemática e prototípica – e faço

votos para que não tenha sido irônica –, uma maneira de descrever, entender e avaliar o panorama munclial

contemporâneo. Está claro que existem inúmeras versões a respeito que, apesar de muito mais sofisticadas e matizadas,

não deixam de conduzir a conclusões parecidas.

Quem investiga o mundo atual e também vive e atua nele acostumase a experimentar, frente ao quadro que

acabamos de delinear, uma série de impressões que, a meu ver, vale a pena repassar.

Em primeiro lugar, vem-lhe à mente a idéia de que deve haver certo erro ou mal-entendido em algum ponto,

pelo qual a realidade – por mais relativa que seja sua aparição – não parece coincidir de modo algum com o "retrato"

que se pinta dela.

Em segundo lugar, não se pode evitar a sensação de que, de acordo com esta leitura do panorama mundial,

uma imensa quantidade de conhecimentos produzidos nos últimos séculos por ilustres autores especialistas em

diversos conhecimentos e também no saber do sentido comum – parece ter perdido toda e qualquer validade, ou

é repetida, de forma parcial ou distorcida, como se fosse uma "novidade recémdescoberta".

O saber tecno-burocrático-acadêmico dominante nestes tempos ou ignora os clássicos, ou os cita apenas nas

passagens em que supõe poder refutá-las, ou bem os despreza, comportando-se como se acreditasse que "na prática

todas essas teorias são outra coisa", isto é, não servem para nada, ou funcionam somente dependendo do uso peculiar

que se decide fazer delas.

Em terceiro lugar, isso que acabamos de dizer aplica-se também à memória dos acontecimentos históricos.

Estes, incluídos os considerados antecedentes propícios ou contrários ao horizonte imperante, são tratados como se

fossem inexistentes ou irrelevantes, à medida que "o que importa" é a caracterização empírica do que está acontecendo

agora, os chamados fatos – definidos como tais na proporção em que são protagonizados e interpretados por supostos

triunfadores.

O mais grave desta "realidade", da qual estas "impressões" são um 177 ▲

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registro, é que a versão que relatamos anteriormente – que, por outro lado, os conhecedores dos processos de construção

e difusão "ideológica", de "opinião pública" ou de "produção de subjetividade" sabem de sobra – não é exclusiva dos

beneficiários ou dos favorecidos pelo estado atual das coisas. A colossal, heterogênea e onipresente maquinária que

gera esses efeitos consegue que essas concepções – entendidas no sentido mais amplo possívele os "estilos de vida" e

"de morte" que lhe são conseqüentes, sejam adaptados ou almejados pela imensa maioria da humanidade.

Os críticos mais implacáveis desse panorama – especialmente os denominados "de esquerda" –, mesmo se

empenhando em denunciar o que consideram flagrantes contradições, falsidades e flagelos dessa Ordem Mundial,

acabam por compartilhar, desavisadamente, muitas das suas categorias, conceitos, procedimentos e resultados. Boa

parte dessa conivência involuntária – ou dessa cumplicidade mais ou menos assumidaresulta não só da estupidez e de

necessidades, desejos e interesses do pensamento crítico, mas também da difundida convicção de que, "a rigor", não

existem reais alternativas para a situação imperante, a não ser aquelas que consistem em um aperfeiçoamento do

conhecimento e na execução da mesma lógica que a infunde.

Em quarto lugar, é sabido e constatado que aqueles pensadores militantes, ou simplesmente cidadãos que

resolvem falar, escrever, agir e coerentemente viver de acordo com uma inteligência crítica e segundo alguma dessas

propostas questionadoras supostamente inexistentes,não apenas podem sofrer as mesmas ações repressivas de seus

antecessores de todas as épocas – que, dependendo do país onde atuam, vai desde a eliminação física e a tortura até a

reclusão ou o exílio – mas também tornarse passíveis de inúmeras modalidades de desqualificação, desprezo e exclusão

mais ou menos sutis.

Uma outra modalidade parecida que na atualidade adquiriu uma importância bastante considerável é a de ter

que suportar a atribuição do status e papel de "catastrófilos"," catastrólogos", "catastrofistas", rótulos esses que servem

para etiquetá-los como "amantes ou cultores" mórbidos, ou como" especialistas com falso prestígio", ou como"

delirantes adoradores "de um cataclismo imaginário e inexorável. A sentença mais draconiana é que "são inaptos para

oferecer algum projeto positivamente útil" e só sabem "criticar e vaticinar o caos".

Em verdade, tudo depende de como se define cada um dos termos: noções, funções, conceitos, categorias,

signos, indicadores, analisadores ou idéias com os quais se pensa, se avalia e se procede frente ao estado

contemporâneo das coisas. Em alguns campos do saber e da vida notoriamente na Economia, Sociologia, Psicologia e

Política – as declarações, planos e resultados dos experts chegaram a um grau de hermetismo, obscuridade, refinamento

e desacordo que, longe de serem sinônimo de inteligência e eficiência, conseguem apenas dissimular sua sistemática 178 ▲

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inoperância. Porque, se por um lado – como veremos mais adiante – alguns aspectos do mencionado estado das coisas

são tragicamente ostensivos outros são confusos, ambíguos, delicados e contraditórios. Prestam-se, assim a valorizações

complexas nas quais a tônica "otimista" ou "pessimista" das estimativas é de difícil decisão.

Essa questão de "otimismo" versus "pessimismo" é, evidentemente, tão velha como o próprio mundo, mas

segundo o meu entendimento, tantc no passado como nas circunstâncias presentes, é abordada de fom,a errônea O

problema não consiste em puxar conclusões sobre se o mundo de hoje é melhor ou pior, quantitativa e qualitativamente,

em todos ou em algum dos aspectos da existência, que na Idade Média. Tampouco, por exemplo consiste em cotejar o

que o Capitalismo veio a ganhar com os desmandoó do Socialismo Real. Trata-se de comparar o desenvolvimento

potencial e efetivo de todos os tipos de forças produtivas de uma época com as realizações abstratas ou concretas

alcançadas durante a mesma. Dito de outra maneira, o assunto consiste no confronto entre o que poderíamos fazer e o

que realmente fazemos.

Muitos autores enfatizaram a velocidade do processo que o incremento das mais diversas potências adquiriu

nos últimos vinte anos: a mesma é tão vertiginosa que resulta muito maior que a conseguida nos recentemente passados

duzentos anos. Frente a essa formidável escalada, o problema corretamente posto reside em perguntar o que se

conseguiu exatamente com essas disponibilidades. É uma brevíssima avaliação dessa natureza que me proponho

intentar, a seguir.

Para examinar os aspectos mais relevantes dessa comparação, não citarei muitos dados estatísticos que, se bem

necessários e ilustrativos, tornariam estas linhas intoleravelmente difíceis de serem escritas e lidas. Por outro lado,

nossos tempos, com respeito às estatísticas, mostram uma peculiaridade surpreendente. Há hoje levantamentos

estatísticos acerca de "tudo", e "todo mundo" parece ter acesso aos mesmos. Contudo, são poucos os resultados que

podem ser considerados confiáveis; não costumam coincidir uns com os outros; e os números que verdadeiramente

interessam para tomar posição definitiva acerca das questões mais cruciais são considerados sigilosos e mantidos em

secreto. O que parece constatável são algumas conclusões que a seguir apenas menciono.

As últimas reuniões de cúpula e as informações dos organismos internacionais de grande porte insinuam que:

– Dos mais de seis bilhões de habitantes da Terra, pelo menos um bilhão vive em um estado que a

Organização Mundial da Saúde denomina Miséria Absoluta, e outro bilhão e meio vive em um nível de Miséria Relativa ou

Pobreza.

– Dois bilhões de pessoas do globo terrestre subsistem em um estado que contempla apenas racionalmente o

que – de maneira muito controvertida – denomina-se "satisfação de suas necessidades básicas". 179▲

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– Dos quinhentos milhões restantes, 30% (trinta por cento) possuem 70% (setenta por cento) de qualquer tipo

de riqueza disponível no planeta.

– Até pouco tempo atrás, o número reduzido de nações mais poderosas havia acumulado um arsenal bélico

cuja capacidade era mil vezes superior àquela necessária para destruir qualquer indício de vida sobre a face da terra.

Devido às diferentes gestões internacionais, que resultaram no fim da Guerra Fria, o arsenal de armas atômicas foi

reduzido; continua-se discutindo, porém, se houve aumento ou não de armas pesadas e de curto e médio alcance. Neste

momento, estão em andamento quase cem guerras de tipo internacional, limítrofe, civil, religioso, racial e outros; a cada

ano duplicam-se os equipamentos militares e policiais destinados, supostamente, à manutenção da ordem constituída e à

segurança pública, cujo foco principal é a defesa da propriedade privada e da pessoa dos proprietários.

Surpreendentemente – como todos estão cansados de saber – a criminalidade, salvo exceções locais, só vem

aumentando.

– A distribuição da miséria absoluta e relativa, à qual me referia acima, prejudica inapelavelm.ente todo o

continente africano e, de forma menos espetacular, a Índia, Oriente Médio e América Latina. Ela se encontra –

desigualmente, mas estrondosamente – em 95% dos países, nos seus respectivos bolsões internos de pobreza.

– Os grandes blocos dos países ricos – EUA, Canadá, CEE e os chamados "Tigres Asiáticos" (Japão, Coréia

do Sul, Vietnã, Indonésia, Malásia, Taiwan e, de maneira muito peculiar, a China Comunista) –, apesar de serem os

principais assentos de opulência mundial, apresentam marcados desníveis e reconhecem que estão ameaçados pela

possibilidade de graves crises de diversos tipos, tanto na atualidade como no futuro próximo.

– Os indicadores mundiais de desemprego certificam constantemente que a desocupação é devido não apenas

ao acelerado processo de substituição da força humana de trabalho pela automação, mas também à tendência ao

esgotamento dos mercados externos e internos, assim como à hiperprodução desregulada e à acumulação de estoques.

– O aparente crescimento econômico das chamadas "economias emergentes" – apesar dos casos serem

diferentes e complexos – em geral é fraco e instável, e está baseado seja na venda da força de trabalho baratíssima e

informal, sem direito laborais e sociais, seja na extração irrecuperável de matérias-primas e energéticas, ou ainda nas

condições contratuais leoninas dos acordos de exploração, remessas de lucros, exceção de impostos... Além de tudo

isso, o incremento da riqueza nesses "capitalismos nacionais tardios" mostra uma distribuição desigual do benefício,

idêntica ou pior à que tinha vigência nas fases coloniais ou neo-coloniais clássicas dessas mesmas nações.

– Os Estados Nacionais – tanto os "democráticos" como os "autoritários", particularmente os dos países

chamados" periféricos", "em vias de desenvolvimento", "dependentes" – apresentam-se cada vez mais empobrecidos,

ineficientes e desprovidos dépoder internacional devido a 180 ▲

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sua subordinação aos onipotentes organismos econômicos internacionais. A decadência mundial do Estado de Bem

Estar – causada fundamentalmente pela limitação orçamentária imposta à política tributária pelo Capital também

obedece à privatização crescente de sua funções. Isso pela necessidade do Capitalismo de incorporar à produção e ao

mercado ganancioso todas as atividades possíveis para compensar a tendência de queda da taxa de extração da mais-

valia resultante das causas acima apontadas. Esse problema, porém, torna-se gravíssimo nos países "periféricos" por

razões óbvias: as necessidades de serviços infra-estruturais como os de educação, saúde, seguro-desemprego, moradia,

saneamento básico e segurança pública, são infinitamente maiores que nos países centrais; a distribuição da renda é

muito mais desigual, o poder econômico dos lobbies locais sobre os governos é enorme, a política tributária é

ridiculamente favorável às grandes fortunas e a política fiscal é incompetente, corrupta, corporativo-burocrática,

eleitoreira demagógica. É de se supor o que ocorre quando esses países são afetados pelo declínio próprio da

transnacionalização-privatização.

– Certo incremento do acesso de setores mais an1plos da população a alguns produtos e serviços – devido à

hiperprodução e ao barateamento da produção massificada dos mesmos – deve ser entendido como um resultado muito

mais atribuível ao poderio tecnológico dos parques industriais que ao efeito da ascensão econômica de tais segmentos

populares. A lógica dessa melhora é parecida com aquela responsável por certa diminuição dos índices de morbi-

mortalidade: não se trata de um aperfeiçoamento amplo e consistente de saúde popular, resultante de uma sólida

elevação das condições de vida e de atenção médica integral, e sim do espetacular e barato progresso da técnica

imunológica.

– O aumento da criminalidade, particularmente da organizada-empresarial – está se tornando não geométrica,

mas exponencial. As chamadas genericamente "máfias", relacionadas ao narcotráfico e ao tráfico de armas, ao jogo

ilegal, à prostituição, ao contrabando, ao seqüestro, ao roubo, à falsificação e assassinato por encomenda, têm adquirido

tal poder financeiro que parecem estar integrando formalmente os processos econômicos e políticos, tal é seu grau de

interferência no comércio de influência, de proteção e outros.

Para não carregar demasiadamente este texto, que não é nada mais que um apêndice, terei que parar por aqui,

limitando-me a mencionar problemas tais como a nomadização forçada das populações miseráveis para os países ricos,

a sinistra questão dos fundamentalismos, do terrorismo sectário ou de Estado, o comércio de crianças e de órgãos

humanos, a total falência dos aparelhos judiciários, policiais, carcerários e assim por diante.

É esse o "Mundo Feliz" da Globalização do Capitalismo Planetário Integrado em sua "Fase Superior"? 181▲

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Terceira Parte

Esse tema do "otimismo" versus "pessimismo" está intimamente relacionado com o outro, o do "velho" e do

"novo" que mencionei anteriormente e que poderíamos reformular e ampliar do seguinte modoapesar de que, devo

avisar, não poderei definir detalhadamente neste âmbito, como desejaria, todos os termos que utilizarei.

Quando se afirma que o Capitalismo Planetário Integrado – a "Globalização" e a internacionalização mundial

do Capitalismo em sua Fase Superior – é resultado do "desenvolvimento", do "progresso", da "evolução" do

Capitalismo, o mínimo que se pode fazer é analisar o significado exato dessas palavras. É preciso, porém, aclarar que

esta análise, em si mesma, é parte da questão do "velho" e do "novo", à medida que já foi antecipada quase

exaustivamente por vários dos colossais pensadores do século passado e que, devido a um laborioso esquecimento

de seus detalhes, nos vimos na obrigação de expor esta descrição como se fosse uma premissa. Esses grandes

trataram, cada um a seu modo, de periodizar as formações históricas, explicando como cada uma delas era e é – à

medida que as mesmas subsistem no panorama atual – um modo sui generis, digamos, de gestar, administrar e destruir

tudo o que compõe a realidade, seja como for que ela se defina.

Cada formação histórica compreende, no mínimo, quatro grandes "continentes" ou "territórios", distribuídos

em superfícies (vide Nota 1): da Natureza, da Sociedade, da Subjetividade e da Maquinária. Cada formação histórica

caracteriza-se pela modalidade com a qual, em cada um de seus territórios e em todos eles, dá andamento a quatro

processos: de Produção da Produção, de Produção de Reprodução, de Produção de Antiprodução e de Produção

de Demanda-Consumo e Consumação.

Em cada formação histórica, os territórios citados e os processos que os" animam" estão intimamente

interpenetrados entre si, e isso implica que são parcialmente diferenciados, e também imanentes. Nenhum deles é

prescindível, nenhum é causa última nem efeito exclusivo do outro, apesar de que, em cada formação histórica, algum

possa prevalecer e/ou aparecer como sendo assim.

A modalidade e a prevalência de cada um desses processos em cada um desses territórios-superfícies

determina as peculiaridades das funções, mais ligadas à reprodução e a antiprodução, e dos funcionamentos, mais

relacionados à produção e à consumação, de cada "parte" e do "todo" de cada complexo histórico.

Uma nova definição de maquinária como conjunto difuso, externamente aberto e internamente heterogêneo,

heterólogo, heteromórfico, auto-producente, em movimento transformador contínuo, semi-determinado, semi-aleatório

de "peças" variáveis, dispersas e "oniconectáveis" – ou seja, uma formação histórica que pode ser entendida como 182 ▲

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uma Megamáquina, Maquínica. Isso é diferente de dizer "mecânica" ou "automática", seja nas modalidades das

máquinas elétricas ou eletrônicas, cibernéticas etc. Dadas as características das funções e do funcionam de cada

formação histórica – ou seja, de sua "Totalidade" ou Megamáquina – os efeitos deletérios do predomínio da

Reprodução e da Antiprodução podem manifestar-se através de inumeráveis índices ou indicadores. Limitarei-me,

porém, a mencionar três fenômenos: os graus e tipos qualitativos e quantitativos de exploração, dominação e

mistificação lhes são próprios. Nestes indicadores, mesmo prevalecendo os coletados no território da sociedade,

também importam as relações dos mesmos com os campos da natureza, da subjetividade e da maquinária.

Obviamente, cada formação histórica possui também os recursos próprios de pensamento, saber, conhecimento

e valores que, a seu modo, conseguem inventar, definir, detectar e criticar esses índices. Sendo assim, a decisão, o

procedimento e a interpretação dos resultados da comparação – de forma a fazer uma avaliação – de uma formação

histórica com outra são, por sua vez, outro indicador do tipo de formação histórica que assim o faz. Dito de outra

maneira, as avaliações dos dados são valores das sociedades que dominam as sociedades que avaliam.

Espero ser mais explícito agora sobre porque devemos comparar nossa formação histórica atual – a primeira

que está em vias de conseguir uma hegemonia mundial quase absoluta – não com as outras, mas com as potências

de produção que detêm, assim como com o grau de reprodução e anti-produção que as investem, isto é: com os

índices de exploração, dominação e mistificação que lhes são próprios.

Se não procedermos dessa forma, cairemos exatamente em um dos mecanismos de mistificação que são

especiais da nossa formação histórica, isto é, a falsa generalização de algumas melhoras localizadas – por exemplo, a

realização de blocos de nações ricas, a qualidade de vida dos países nórdicos e outros.

Repassando o panorama descrito na segunda parte deste apêndice, trata-se de julgar, não se nossos terríveis

índices de exploração, dominação e mistificação são melhores ou piores, por exemplo, que os do Feudalismo, mas

se dadas as incalculáveis forças que a humanidade dispõe, quanto deixa de fazer com elas, ou quanto e como as

investe na reprodução ou antiprodução que geram as atrocidades dos referidos índices. Isso precisa ser dito, sem

ignorar que, se comparamos alguns dos nossos indicadores com, por exemplo, os de algumas formações primitivas

tribais – cujas forças produtivas são ínfimas –, seus tipos de exploração, dominação e mistificação são, sem dúvida

alguma, bem "menos atrozes" que os nossos.

Considerando o que foi exposto, o que significam "Progresso", "Evolução" e "Desenvolvimento" enquanto

valores definidos pelo Capitalismo triunfante? Por um lado, dado que os indicadores medidos como resultado da

aplicação dos critérios da própria lógica do Capital são 183 ▲

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deploráveis, isso significa que nosso " progresso", "evolução" e "desenvolvimento" estão longe de tornarem-se

efetivos. Por outro lado, julgados segundo a potencialidade produtiva intrínseca ao Capitalismo, tais índices mundiais

são, sem dúvida, cataclísmicos.

Por conseqüência, a afirmação de que o Capitalismo é o modo, sistema, regime que "melhor" está

protagonizando a realização gradual de uma certa maneira de gerar e relacionar Produção, Reprodução e Antiprodução

(assim como seus estilos" de vida" e" de morte") – tal como foi anunciado na famosa fórmula da Revolução Francesa e

do Iluminismo, "Liberdade, Igualdade, Fraternidade" – não é apenas uma mentira, um erro, um equívoco, um

sofisma, uma racionalização ou um delírio megalomaníaco. Trata-se de uma auto-convalidação da Lógica do

Capital, imanente a "todos" e a cada um dos campos ou territórios antes citados que, apesar do cinismo peculiar

do sistema de representações dessa fórmula mundial, continua sendo um recurso necessário para sua

permanência. Ou seja, apesar da crítica, por exemplo, da Esquizoanálise à importância da ideologia ou das

ridículas afirmações acerca de seu " final", o Capitalismo ainda precisa mentir.

Cabe apenas mencionar agora, muito elementarmente, uma série desses conhecimentos do século X I X –

produzidos por autores de diferentes orientações – que parecem ter sido "esquecidos", ou que são citados como

"insuficientes" ou "já superados", ou que são enunciados – prévia deformação – como "novidades" funcionais para essa

leitura "otimista", "realista", "moderna".

O Capitalismo, estrictu sensu, é um modo de produção-reprodução-antiprodução-consumação da realidade – dito

no mais amplo sentido já definido – que se caracteriza por estar regido por uma integral axiomatizada, supostamente

geradora, "animadora" hierarquizadora, organizadora, limitante e destruidora do "todo" da realidade. Essa integral é

denominada Equivalente Geral Dinheiro.

O Equivalente Geral, a Axiomática do Capital – que pode se expressar através de quantidades abstratas, de

dinheiro-moeda ou "letras" de diferentes naturezas, como títulos de propriedade, ações, bônus, cédulas ou registros

informáticos – é uma medida arbitrária de valor. Esse Equivalente Geral, que se acumula como inumeráveis forças

produtivas não retribuídas, torna-se a medida para a qual deve ser traduzido o resultado da extração, apropriação,

acumulação e centralização de inumeráveis forças-formas de produção não pagas.

As modalidades clássicas do Capital são o Capital Latifundiário, o Industrial e o Financeiro; subalternamente,

porém, é possível falar também de Capital de Poder, de Saber, de Desejo – Consciente e Inconsciente –, de

Semiotização, e até de Beleza – Dominação e Mistificação.

Entre as principais forças-formas dessa produção está a força-forma do Trabalho "Humano" – entendendo

como tal aquele composto por energias 184 ▲

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físico-químicas, biológicas, psíquicas, sociais, subjetivas – que deve ser "forçada", de maneira sumamente variada, a

submeter-se à citada equivalência e a sua valorização e remuneração parcialmente não paga – Dominação e Mistificação

– pela força física ou por modalidades de subjetividade, semiotização e outras.

As condições fundamentais que possibilitam a produção, distlibuição, possessão, apropriação, troca, consumo

e fruição dos produtos de toda espécie, é a conversão crescente de tais produtos em mercadorias bens de troca, enquanto

interessam por seu valor de compra-venda, e só secundariamente pelo seu valor de uso-satisfação – pois se o processo

de capitalização realiza-se em cada passo desse circuito, cada um deles está informado pelo circuito de compra-venda,

ou seja, operações de troca mediadas pelo dinheiro.

O Capitalismo como modo – dito no sentido amplo antes apontado – está constituído por contradições

famosas que lhe são essenciais. Por exemplo: as primárias, que se estabelecem entre o desenvolvimento das forças

produtivas de todo tipo e as relações de produção de toda espécie; e as secundárias, como as que ocorrem na competição

entre as diversas modalidades do Capital. Essas contradições são tanto produtoras do crescimento produtivo e

cumulativo e da reprodução das condições restritas e amplas da existência do Capital quanto demarcadoras de seus tetos

classicamente denominados limites internos e externos – e de sua subsistência. Os limites internos costumavam ser

reduzidos à existência da força de trabalho disponível, ou seja, comprável e vendável através do Capital chamado

variável, o qual habitualmente era tido como sinônimo da existência de trabalhadores vivos e produtivos. Era costume

atribuir aos limites externos a existência de mercados solventes, isto é, de compradores suficientes de mercadorias.

O Capital variável inclui também os insumos produtivos: gastos de crédito de dinheiro-mercadoria,

empreendimento, energéticos e territoriais, de matérias-primas e manutenção e aperfeiçoamento dos meios de produção

propriamente ditos – esses últimos constituindo o Capital fixo.

Porém, além dos gastos da reprodução ampliada – manutenção das condições jurídico-político-subjetivo-

libidinais do Capitalismo, cujo protagonista principal é o Estado –, dependendo do ramo de produção tratado, deve ser

acrescentado ao Capital fixo e ao variável o que podelíamos chamar de gastos com a produção de necessidade de

demandas de consumo e fruição propriamente ditos, isto é, produção de mercado. Entre as variadas situações nas quais

essas contradições transformam-se em aporias e conduzem à celebre crise do Capitalismo, as mais conhecidas são

aquelas que resultam das hiperproduções – excesso de mercadorias que se barateiam "excessivamente" e não

compensam as inversões – ou do esgotamento relativo dos mercados, que perdem assim seu poder aquisitivo.

Concomitantemente, podem haver crises provoca das, pois as lutas operárias 185 ▲

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e camponesas questionam a propriedade das diversas formas de Capital fixo, incrementam o gasto do Capital variável

através de reivindicações salariais ou de melhores condições de trabalho ou chegam, em suas lutas políticas, a apropriar-

se parcial ou totalmente do aparelho de Estado. Sabe-se, porém, que o Capitalismo é um modo histórico que, desde suas

origens, não só aprendeu a prevenir e resolver as crises, mas também viver com elas, nelas e delas. As manobras do

Capitalismo a esse respeito são inumeráveis e, não podendo ampliar detalhadamente este ponto, mencionaremos

somente algumas essenciais.

Ao nível da produção, o Capitalismo suplantou a extração de mais-valia relativa – aumento das horas do

trabalho não remuneradas – pela absoluta – aumento da produtividade pela intensificação do trabalho em si mesmo ou

em menos tempo.

Nisso participa, se agrega e finalmente substitui a exploração típica a extração de mais-valia maquínica, isto é,

o aperfeiçoamento das máquinas e uma nova articulação entre a força de trabalho "humano" e "não-humano". Outra

celebre tática é a diminuição deliberada da produção, ou a destruição dos produ tos para aumentar seu preço. Na esfera

da distribuição, apropriação, troca e consumo, o Capitalismo obteve uma enorme agilidade e bara teamen to desses

processos mediante a informatização e a robotização dos mesmos. Já a crise gerada pelo esgotamento da expansão

extensivogeográfica dos mercados foi superada com a intensificação quantitativa e qualitativa da venda através do

consumo de massas. Esse, por sua vez, foi alcançado com o barateamento e multiplicação dos produtos, assim como

através da planificação de produtos perecíveis, facilmente descartados e "melhorados", mas, sobretudo, pelo

aperfeiçoamento tecnológico da produção de demanda – marketing.

Não é necessário explicar como a guerra sempre foi um recurso complexo para superar as crises, pois atua em

todos e em cada um dos níveis dos processos do "Todo Capitalístico". A inflação é mais um exemplo de fenômeno

provocado: se, por um lado, alguns setores do Capital são prejudicados, outros são notoriamente beneficiados. Por

último, o resultado de cada crise é uma redistribuição de riquezas, pela qual o Capital – em quaisquer de suas formas de

existência – acaba por concentrar-se, não necessariamente em menos "pessoas", senão em um número real, não

explicitamente formal, de entidades que são suas proprietárias, megaempresas, megabancos e, enfim, oligopólios e

monopólios.

De qualquer maneira, é importante destacar que o Capitalismo é um modo – dito no sentido amplo definido

acima – em que a inflexão exploradora, dominadora e mistificadora que lhe é característica tende a orientar toda a

produção, a reprodução, a antiprodução e o consumo para a extração de mais-valia econômica. Isso é válido

para o lucro, renda e ganhos, mas também para o saber, o poder e o prestígio. Longe de conseguir – através do

tipo de competição generalizada e" de cartas marcadas" que é 186 ▲

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sua característica – uma otimização das forças produtivas de quaisquer naturezas (sejam as que

verdadeiramente o mesmo suscitou, e das que potencial e insolitamente disporia), esse sistema as paralisa,

desaproveita e destrói em uma proporção jamais igualada.

Tenho dado ênfase à afirmação de que o Capitalismo foi e é assim desde seus albores até os nossos dias,

apesar de que suas modalidades de produções de produção, reprodução e antiprodução variem muito com o

tempo e os lugares nos quais operam o diferente tipo de Capital. Perante uma assertiva deste porte, torna-se de

radical importância precisar quando e como este Modo começou e quais foram suas sucessivas ou simultâneas

transformações. Partindo do princípio de que o Capitalismo é uma singular relação e composição de substâncias,

energias, formas e maquinaria, podemos admitir, seguindo alguns autores, que é possível encontrar seus antecedentes

nas formações histólicas dos séculos XII e XIII, e dali em diante. Também é possível aceitar que sendo a economia

mercantil, o Estado, a vigência de uma sociedade institucionalizada, assim como de formas sui generis de subjetividade,

semiotização e parques maquínicos – condições essenciais e existenciais de muitas formações históricas antigas –, as

mesmas podem ser consideradas como precursoras do Capitalismo. Pessoalmente, tendo a considerá-las, à maneira de

Marx e Engels, como formações précapitalistas.

O Capitalismo propriamente dito – cuja preparação se inicia com o fim do Feudalismo e prossegue no decurso

da Renascença, da Reforma e da Contra-Reforma e das revoluções européias e norte-americanas – culmina com a

instauração da indústria manufatureira na Inglaterra, que é, em minha opinião, a primeira expressão "verdadeira" do

Capitalismo na História.

Nestas linhas, o nosso interesse está centrado em mostrar que as suas peculiaridades essenciais estavam pré-

figuradas, que continuam incólumes e que as transformações acontecidas, responsáveis por nossa chegada a esta

"Fase Superior", embora sejam originalíssimas e necessitem cuidadoso estudo, incluem, contudo, as anteriores, e

não têm mudado em sua essência desde aquelas até as contemporâneas. Esse esclarecimento parece-me

imprescindível para poder discriminar de forma convincente que o "novo" do Capitalismo Mundial Integrado

não implica uma transformação substancial do "velho". Pelo contrário, o "novo" Capitalismo é, em sua essência,

muito pior que o anterior, razão pela qual não justifica nenhum "otimismo", nem nos exime de nenhum tipo de

luta pela sua extinção.

Então, em suma, com uma modéstia conceitual exigida por esta síntese: quais são as principais "novidades"

apresentadas pela atual "Fase Superior"? O processo da produção adquiriu, devido à revolução tecnológica e industrial,

uma velocidade e uma eficácia totalmente imprevisíveis para os teóricos do século passado. As conseqüências dessa

incrível aceleração consistem principalmente no seguinte: 187 ▲

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– A maquinária da indústria extrativa, da agroindústria, da geradora de produtos e serviços está transformando

e diminuindo – gradual, porém firmemente – a participação da força de trabalho "humana" nos processos produtivos. A

força de trabalho maquinal e a exploração da mais-valia maquínica vão suplantando aquela humana, trazendo como

conseqüência desemprego, subemprego, emprego transitório e precário, processo esse cujo aspecto jurídico se

denomina "fIexibilização".

– Os grandes grupos empresariais, apesar de que seus ganhos, lucros e renda parecem estar crescendo,

empenham-se numa política de diminuição de custos produtivos, de Capital fixo e variável. Algumas dessas manobras

consistem em descentralizar a produção de grandes complexos infra-estruturais caros, transferindo a parte básica,

ecologicamente "suja" e altamente tributada nos países centrais, para os países periféricos, com" mãode-obra" e

impostos baratos.

– "Terceirização" contratual de segmentos da produção pouco rentáveis para empresas menores ou para

trabalhadores independentes, alguns dos quais operam na economia informal ou em seus próprios domicílios, havendo

indiscriminação da jornada de trabalho e do tempo livre.

– Hiperespecialização e/ou fIexibilização dos poucos trabalhadores que "permanecem" empregados com

incentivos de produtividade, através da participação nos lucros e na propriedade – via compra de ações minoritárias e

reciclagem contínua da capacitação técnica. Desse modo, formam-se elites ou aristocracias de trabalhadores que passam

a fazer parte do Capital fixo da empresa, assumindo a identidade e os in teresses desta, desfiliando-se de qualquer

organismo de classe ou luta coletiva de defesa de suas reivindicações trabalhistas. Multiplicação, mudança e anonimato

crescente das sedes e proprietários do Capital, que criam a ilusão participativa, ocultando sua concentração e o poder

decisório dos tecnoburocratas que presidem e gerenciam as estratégias empresariais.

– Ênfase na geração de produtos e serviços baseados na tecnologia de ponta – informática, cibernética,

telemática, robótica –, formados segundo planos artificiosos e rapidamente "aperfeiçoáveis" que os tornam

imediatamente "perecíveis" e "descartáveis", obrigando a uma substituição incessante.

Essas e muitas outras estratégias conduzem a uma divisão mundial técnica, mas sobretudo econômico-social

do trabalho, em que – diferente do período imperialista fordista da produção – os ramos produtivos de bens e serviços

indispensáveis e "pesados", assim como aqueles que entram subsidiariamente nos produtos e prestações altamente

remuneráveis, localizam-se nos setores mundiais "em vias de desenvolvimento". Esses setores tornam-se, assim,

participantes de baixíssimos custos e, ao mesmo tempo, também mercados pobres – compradores de bens e prestações

relativamente obsoletos e encarecidos internacionalmente –, porém 188 ▲

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complementares daqueles centrais já saturados. Um "fordismo periférico".

Os processos de ordenamento, distribuição, apropriação, troca, consumo-consumação – que incluem os

de financiamento, comercialização, "fabricação" de necessidades e demandas (escassez, falta, carência) – foram

"hipertecnologizados" pelos grandes mass-media e pela propaganda. Essa parafernália adquiriu os níveis máximos

de eficiência, velocidade, artifício e inutilidade relativa para o consumidor – maiores ainda que os da produção de bens

duráveis e não duráveis propriamente ditos-, sendo o mais importante gerador de subjetividade conhecido na História.

Não por sua real eficiência, mas por sua necessidade expansiva, o Capitalismo atual provocou a privatização,

profissionalização e mercantilização de "quase todos" os territórios e atividades recentemente não-lucrativos ou

considerados "gratuitos" ou "públicos". Alguns exemplos ilustrativos são os que, até pouco tempo, eram próprios dos

mecanismos de "reprodução ampliada": tarefas familiares, aparatos e funções de Estado – energia, rede viária,

comunicações, moradias populares, transporte, saneamento básico, saúde, segurança, educação e diversão "públicos",

preservação e restauração do "meio ambiente", seguros, previdência, operações administrativas e contáveis,

estabelecimentos carcerários e outros.

No chamado "mercado de capitais", o Capital financeiro, devido, entre outras razões, ao caráter instantâneo da

comunicação e da informática e à sua subordinação a núcleos ubíquos, anônimos, às vezes dispersos e condensados do

Capital monetário, acionário, documentário, prolifera geometricamente – sobretudo como empréstimo para as contas

correntes dos países "em desenvolvimento" ou emergentes. Como se sabe, os mesmos costumam ser governados por

demagogos, corruptos e incompetentes cuja gestão acaba sempre em grande déficit – contraído em um montante de

dívidas com juros astronômicos, que compõem os investimentos da usura "flutuante", "andorinha", transitórios, móveis,

descomprometidos e quase sempre não tributados. O lucro financeiro puro possui seu mecanismo mais pelverso nos

citados interesses e no refinanciamento eterno das dívidas externas e internas dos Estados e empresas nacionais estatais,

que elevam à enésima potência a devolução da quantidade originariamente emprestada, sendo que, no caso das dívidas

externas do "Terceiro Mundo" por exemplo, esses empréstimos não são nada mais que a mesma riqueza explorada pela

força durante a conquista, o Colonialismo e o Neo-Colonialismo, assim como capitais dos financistas do próprio país

que depositam seu dinheiro nos paraísos fiscais e o reinvestem com o privilégio dado aos estrangeiros. Por outro lado,

essa proliferação torna-se infinita no chamado "Mercado de Futuros", onde se negociam matérias-primas, produtos,

divisas, títulos inexistentes.

A constituição de enormes e onipotentes monopólios nacionais ou internacionais – legalmente formalizados,

juridicamente dissimulados ou simplesmente clandestinos, supostamente resultantes e defensores do 189 ▲

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"Livre Mercado" e da omissão reguladora do Estado e de organismos da sociedade civil – acaba por criar e

regular à vontade as convenções de custos e preços que regem esses mercados, assim como a qualidade e

quantidade de demanda e oferta, estritamente segundo seus interesses e nunca segundo os dos

consumidores e usuários .

A mencionada, reiteradas vezes, hegemonia do poder econômico – o financeiro e o das grandes empresas

– modula arbitrariamente os resultados eleitorais ou porque tal poder é proprietário, ou porque é manipulador dos

meios de propaganda, ou ainda por causa do poder de seus lobbies sobre os políticos e funcionários do Estado. Por

sua vez, o Estado fomenta o surgimento de cartórios eleitorais, clientelismo, fisiologismo, nepotismo, burocracia,

e domina a condução política das nações. Por outro lado, o doutrinamento persuade, convence e corrompe o

eleitorado em si mesmo, criando os vícios conhecidos, entre outros, da compra de votos. Finalmente, o Capital,

que como explicamos, já dispõe de novos n,eios para reproduzir as condições de sua existência e proliferação –

produção de subjetividade, semióticas econômicas, políticas, jurídicas, institucionais, culturais e libidinais

incorporadas à sua lógica-, está empenhado no desmonte, na privatização e re-significação da estrutura e das

funções do Estado. Esse processo se enfatiza na dissolução do chamado Estado Beneficente ou Providencial –

cujas atribuições são demasiado onerosas para o Capital –, em crise no mundo inteiro. O enfraquecimento do

Estado realiza-se em nome da modernização, da racionalização, da eficiência – o que não deixa de ter o seu

sentido, dados os vícios de "nascença" da máquina estatal. Não obstante, esse processo, a rigor, objetiva a

subordinação das soberanias nacionais e respectivas populações a entidades supranacionais cujos paradigmas são

o Fundo Monetário lnternacional, a Organização Mundial do Comércio e o Banco Mundial.

Em última instância, não sem contradição, crises autofagicamente resolvidas e também acontecimentos

metamorfósicos irreversíveis e incapturáveis – toda essa grande transformação que aponta para a assunção

voluntária e pacífica por parte de todos os agentes, sujeitos, indivíduos, grupos, comunidades do Axioma

que rege a Lógica do Capital – vêm se impondo até o presente. Trata-se de implantar nas nações o regime

político da democracia indireta, representativa, competitiva e heterogestionária, que permita prescindir dos

recursos repressivos clássicos, demasiado caros e ostensivamente "inumanos".

Esses regimes e seus sistemas de "representação" – num sentido amplo de produção de

subjetividade, o que segundo os clássicos marxistas denominava-se "Democracia Burguesa" – são a

garantia do "bom comportamento" dos povos em questão. "Bom comportamento" que implica uma

administração completamente submetida ao Capital transnacional – sobretudo o financeiro –, ao

pagamento" correto" das dívidas públicas externas, à privatização a preços baixos das empresas e serviços 190 ▲

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estatais, à "livre" radicação – ou seja, não tributada e salarialmente flexibilizada – das empresas

transnacionais e, finalmente, ao compromisso incondicional com as alianças, sobretudo as bélicas, dos

países "guardiões" do patrimônio do Capital.

Ocorre, porém, que a construção da megamáquina planetária do Capitalismo Global Integrado não

pode prescindir por completo dos velhos equipamentos, procedimentos, agentes e práticas que possibilitavam

suas modalidades clássicas de exploração, dominação e justificação. Tampouco lhe foi possível eliminar

totalmente as modalidades de resistência próprias dos neoarcaísmos, tais como os regimes integralistas,

fundamentalistas e os totalitários – que o Capital supranacional fomenta quando lhe são funcionais, e depois

tenta substituí-los por democracias formais ou nominais, sem dúvida mais "baratas" e mais favoráveis para

a produção de mercadorias e a apropriação de mercados. Por isso, o carro-chefe do Capitalismo Mundial, os

EUA, invadiu Panamá e Granada e tentou fazer o mesmo com Cuba – sem o menor respeito pela autonomia

que proclama-, assim como subvencionou as piores ditaduras latino-americanas e africanas, e também as do

Oriente Médio, seja com dinheiro e armas, seja com a famosa participação direta de seus "assessores"

militares.

Por outro lado, o Capitalismo Planetário Integrado tem que lidar com os movimentos separatistas –

de inspiração socialista ou não –, revolucionários ou genuinamente reformistas, de liberação das

singularidades raciais, nacionais, culturais, sexuais, etárias, ou pacifistas, ambientalistas, de direitos

humanos, religiosos e assim por diante.

Sem considerar essas observações como um estudo profundo da contemporaneidade, no entanto suficientes

para entender que, como dizia anteriormente, se em alguns campos e setores parece que o balanço de todos esses

andamentos mostra alguns "progressos" estridentes, os indicadores de exploração, dominação e mistificação sui

generis dessa "Fase Superior" são inequívocos sinais de um tremendo predomínio da reprodução e da

antiprodução sobre a produção possível e virtual da qual o mundo seria potencialmente capaz hoje em dia.

A geração de um imenso contingente de excluídos da produção e do consumo, dos não-inseridos nas

instituições e organizações, despossuídos de direitos e também de qualquer identidade-miseráveis, enfermos,

analfabetos, errantes, sem-terra, sem-casa, marginalizados, clandestinos, delinqüentes – é mais que suficiente para

diagnosticar e avaliar a situação mundial contemporânea. A essa degradação e deterioramento, mais que

expressivos da degradação e destruição do "parque humano", temos que acrescentar a destruição massiva

da natureza, a modulação supérflua e luxuosa do parque industrial, a banalização ou obscenidade da cultura,

o crescimento cancerigeno das megalópolis, o esvaziamento rural, o mau aproveitamento 191 ▲

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das fontes energéticas e muito mais. Acredito que tudo isso já é conhecido por demais e serve para caracterizar,

sem dúvida alguma, o panorama paradoxal e sinistro de decadência.

Quarta Parte

Se essa entidade que denominei Movimento Instituinte existe, apesar de que duvido que ela mesma se

reconheça como tal, acredito ser importante para o seu destino introduzir uma pequena modificação no excelente

conceito de Capitalismo Planetário Integrado, como foi chamado por Félix Guattari. Permito-me sugerir que seria

melhor, talvez, denominá-lo de "Capitalismo Planetário Integralizante". Pois "integrado" é um particípio passado e

designa um objetivo já conseguido, coisa que o Capitalismo contemporâneo ainda está longe de alcançar,e vai depender

de todos os institucionalistas para que não o alcance.

Quero aqui parafrasear unia sentença do "Anti-Édipo" – texto fundamental para o que denomino de

Institucionalismo – que qualifica o Capitalismo como sendo" a mescla bizarra de tudo aquilo no qual alguma vez se

acreditou com aquilo no qual nunca se acreditou verdadeiramente". Decididamente, se esse modo não é um non plus

ultra, tampouco se reduz, como dizia Mão, a um "tigre de papel".

Todas as forças crítico-reformistas-revolucionárias que o enfrentam atualmente estão num momento de trágico

desânimo. O sistemático "fracasso" – e escrevo fracasso entre aspas porque, como expressei em outra parte, "não existe

reparação possível para esse cataclismo, a não ser a convicção de uma vitória sem fim"; que é quase o contrário de uma

vitória futura final, complemento adequado de uma derrota sempre presente"dos experimentos socialistas às vezes

impressionam como uma extenuação do élan metamorfósico.

Dissemos anteriormente que o Capitalismo é a formação histórica que conseguiu não apenas "superar" as crises,

senão viver nelas e delas. É exa tamente essa capacidade de adaptação plástica e ativa que faz com que a lógica, a

máquina abstrata geral e as micro-máquinas concretas pseudodemocráticas e cripto-fascistas do Capital sejam não tanto

"ossos duros de roer", mas uma espécie de protoplasma polimorfo e sobrevivente, presuntivamente perene. Para poder

pensá-lo – com a única finalidade de combatê-lo – são indispensáveis novas maneiras de pensar, sentir, atuar.

O estudo dos grandes impérios históricos – o Chinês, o Egípcio, o Grego de Alexandre Magno, o Romano, o de

Carlos V, o de Napoleão, o do "Socialismo Real" – mostra que sua decadência e sua queda não sobrevieram do seu"

exterior", mas" cresceram de dentro". O problema, porém, é que o Capitalismo Planetário Integralizante não tem mais,

rigorosamente falando, "exterior" e "interior", no sentido geopolítico que essas palavras adquiriram nesses enunciados.

Não é que as contradições "internas" e "externas", 192 ▲

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primárias, secundárias do Capitalismo não estejam vigentes e atuantes, mas que, como também diziam Deleuze e

Guattari, "ninguém nunca morreu de contradição". Se há algo que ameaça a sobrevivência do Capitalismo, é a potência

do que Deleuze e Guattari chamam" Processo Produtivo Desejante", Foucault designa como "Forças do Fora",

Nietzsche denomina "Vontade de Potência" e Bergson como "Realidade Virtual", fontes da invenção do radicalmente

novo, impensável e imprevisível. O Capitalismo é demasiado ágil, hábil, elístico, ubíquo e versátil, e também sabe – e

pode ir se adequando às suas próprias contradições, declinação assintótica e indefinida que se apresenta como

"desenvolvimento", "progresso" e "evolução". Esse apresentar-se não se explica apenas pelos efeitos da "ideologia", isto

é, pela "redação", difusão e apropriação de sistemas de representações "imaginárias" que "falsificam" a realidade, e/ou

se oferecem como fantasmas a serem animados pelo desejo inconsciente ou pelos interesses pré-conscientes-conscientes

dos sujeitos-agentes, engendrando atitudes e ações conseqüentes. Não obstante a "ideologia" siga cumprindo uma

importante função nos circuitos pré-modernos e ainda nos modelos de reprodução ampliada do Capitalismo, está

ficando evidente o que se passou a chamar – muito discutivelmente – de "cinismo" da Pós-Modemidade Capitilista. Por

"cinismo" se entende que o "espírito" do Capitalismo Avançado – empregando literalmente a velha expressão de M.

Weber – já não se empenha demasiado em desconhecer nem ocultar os mecanismos e efeitos de suas modalidades

peculiares de exploração, dominação e mistificação. Sobretudo esses últimos, os da mistificação, estão sendo

essencialmente reformulados. Essa não é uma" descoberta insólita", tal como já a havia percebido W Reich quando,

referindo-se ao nazismo, afirmava que "o povo alemão não foi enganado". Sabia perfeitamente tudo aquilo que a

proposta do Terceiro Reich implicava.

As cúpulas proprietárias, as camarilhas tecno-burocráticas, as vanguardas programadoras, deliberativas e

executivas da megamáquina do Capital sabem, com maior ou menor lucidez, que são "peças" de uma lógica – ao

mesmo tempo exuberante e letal – que as constitui em suas funções e dela se vale. O extraordinário é que a assumem, a

encarnam, e até a desejam, sem iludir-se a respeito.

Os diversos estratos e segmentos da subjetividade e da sociabilidade, em proporções e clarezas variáveis,

também o sabem, assumem e desejam, e assim o Parque Humano se divide entre os que possuem grandes

probabilidades de sobreviver, os que têm poucas e o enorme contingente que não tem nenhuma. É notório, segundo o

que se entende por sobreviver, que cada um dos modos de subjetividade sente que contém cada uma dessas

divisões e contraposições dentro de si, afetando aspectos mais ou menos sutis do que se entende por vida.

Não obstante a Psicanálise queira explicar esses efeitos como expressão, por exemplo, da Pulsão de Morte ou

do Masoquismo Primário, 193 ▲

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em nível de estrutura e dinâmica dos sujeitos edipianos especificamente considerados como objetos universais dessa

disciplina, tal explicação tem validade apenas para uma forma triunfante e dominante de subjetividade.

É preciso compreender que o que emerge enquanto subjetividades e sócio-institucionalidades não são efeitos

específicos e pontuais de mecanismos "educacionais", "psíquicos", "culturais", "lingüísticos" ou "mediáticos", mas

afeções – como dizia Espinoza – operadas em conjunto pelo tipo de maquinismo que modula prevalentemente o

atravessamento dos territórios da natureza, da sociedade, da subjetividade e das máquinéls dentro dessa megamáquina.

Indivíduos, agentes, sujeitos, sócius, instituições, desejos, interesses, práticas, éticas e estéticas são

produzidos, reproduzidos e antiproduzidos pela modalidade peculiar da imanência que se dá entre esses processos do

Capitalismo Planetário Integrado contemporâneo. Por isso, é importante entender, por exemplo, o Estado, a Igreja, o

Mercado, a Educação, o Trabalho, o Tempo Livre como subjetivados – de certo modo – e as subjetividades como

"infundidas" por um Estado, Igreja e Mercado "íntimos contínuos" – como diria Foucault.

Cabe ao Movimento lnstituinte – levando-se em conta sua suposta infinita heterogeneidade interna e sua

irrestrita abertura externa – inventar os recursos e as práticas que possam empurrar o Capitalismo Mundial

Integralizante além de seus próprios limites, tornando-o permeável à irrupção das forças do "fora" que são capazes,

realmente, de transmutá-lo.

Quando lemos o panorama mundial, como procurei fazê-lo nestas linhas, a rigor nos sentimos tentados, não

apenas a perguntarmo-nos – de acordo com a famosa fórmula – "Que Fazer" para transfomá-lo, senão antes interrogar:

"Como consegue manter-se hegemônico e aparentemente próspero sem nem sequer esforçar-se demasiado em

dissimular sua fragilidade e sua contraprodução?"

Apesar de que a perplexidade dos pensadores críticos e gestores da troca é ostensiva, devemos tomar

consciência de que aquela dos experts e condutores do Capitalismo não é menor. Ninguém é capaz de fazer predições a

médio e longo prazos acerca do futuro de cada "parte" e desse "todo" infernalmente deletério. Justamente por isso é que

nos resta apenas avaliar e lutar, incessantemente, em TODOS OS LUGARES E AGORA

NOTAS

1 – A definição rigorosa desses conceitos para torná-los acessíveis ao tipo de leitor ao qual este texto se destina

requereria um volumoso tratado à parte. Para aproximar-se do entendimento de alguns deles, pode ser consultado o

Glossário deste Compêndio. De qualquer maneira, devo advertir que muitos destes termos não são usados aqui no

sentido estrito de sua bibliografia de origem. 194 ▲

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POST-SCRIPTUM Janeiro de 1998

A releitura do apêndice anterior, escrito em 1995, suscitou em mim impressões contraditórias. Se me atrevo a

comentá-las com os leitores, não é apenas – como espero seja possível apreciar mais adiante – por motivos autocríticos

e justificantes, contudo que esses também possam existir. Penso que, como sempre acontece, os três últimos anos

possam ter trazido elementos para melhor avaliar a pertinência do que se poderia qualificar, com benevolência, de cem

e do que tentei dizer.

Essas páginas de 95 me parecem retorcidas, desgarradas e mutiladas entre as exigências pedagógicas e

sintéticas do texto, por um lado, e suas pretensões analíticas, e até vaticinantes, exorbitantemente amplas, por outro;

acredito ter sido desde o início, e involuntariamente, insuficiente, assistemático, às vezes pouco claro e, em geral, não

suficientemente fundamentado. Tão fortemente acredito nisso que decidi catalogar este escrito numa simpática

categoria inventada por um amigo, o filósofo brasileiro Peter Pal Pelbart, segundo o qual o que estamos lendo não é um

"ensaio", e sim um" globo de ensaios". Não obstante, quero conceder-me os benefícios de um certo paradoxal

beneplácito.

Durante este tempo, à grave crise "civilizatória" mundial que muitos já identificavam foi-se agregando uma

crise econômica de incalculáveis proporções que, pelo que entendo, somente alguns poucos prenunciavam. Não sei se é

excesso de petulância incluir-me entre esses últimos, porém não pude deixar de constatar que o "pessimismo" de cada

página do "Apêndice" que antecede a este post-scrip tum insistia sobre esta predição.

A crise atual está em desenvolvimento – como o fato precedente do 195 ▲

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ataque especulativo à lira italiana e à libra inglesa e o outro que afetou o México – e engloba diretamente todos os

"Tigres Asiáticos" – Malásia, Tailândia, lndonésia, Singapura, Hong Kong, Laos e, por último, Filipinas; menos

drasticamente, Japão, Coréia do Sul e, de outra forma, China e Taiwan; e numa dimensão mais ou menos ameaçadora,

todos os "capitalismos emergentes", sendo que em outra, ainda indefinida, tanlbém as grandes potências capitalistas.

Esta é uma realidade clamorosa.

Obviamente, não cabe aqui uma análise excessivamente detalhada. Permito-me fazer somente alguns

comentários globais que podem reafirmar, eventualmente, uma ou outra tese já postulada neste livro.

Em primeiro lugar, chama fortemente a atenção, sem ignorar diferenças nacionais, a cômica discrepância que

os economistas e outros especialistas mostram quando tentam explicar esse fenômeno colossal que se iniciou com uma

dimensão regional. Começamos pela admissão do FMI de que "se equivocou" na avaliação e condução desse assunto,

tanto que está chegando ao limite de sua disponibilidade financeira para" auxiliar" os falidos – isso significa socorrer os

investidores especulativos para que não percam seu dinheiro. Vamos continuar observando muitos experts atribuírem à

"falta de dados" – porque ocultados ou distorcidos por parte das economias em questão – a surpresa e a perplexidade

que a catástrofe ocasionou. E mais: porque, entre essesexperts, alguns atribuem o flagelo à cumulação de empréstimos

enviados aos países em crise, outros às suas falências bancárias ou à desenfreada especulação imobiliária que ocorreu

no seu território, ou ainda à sobrevalorização de sua moeda, e assim sucessivamente... Ou a "todas" essas causas juntas

e a muitas outras. Essas explicações, a meu ver, podem reduzir-se a três tipos:

– Ou esse é um erro regional de modelo, cálculo, planejamento que implica dos povos até os governos – desde

logo, com uma distribuição muito desigual de responsabilidades.

– Ou essa é uma fraude de magnitude hemisférica e configuração escalonada que vai desde os produtores-

consumidores, passando por todos os segmentos sociais, econômicos e políticos, até chegar aos organismos

internacionais – desde logo, com uma distribuição muito desigual de responsabilidades.

– Ou se trata de um efeito processual, substancial, essencial e inerente ao Capitalismo Planetário em via de

lntegração.

Com respeito à primeira hipótese, no caso dela ser correta, o mínimo que se pode considerar é que o destino do

mundo está em mãos de presunçosos incompetentes. Isso não implica "falha humana", senão principalmente um erro

radical sobre os meios de pensar a realidade. A idoneidade da "Ciência Econômica" e da "Economia Política" oficial

capitalista não só é, em muito, inferior à da Meteorologia, mas nem sequer tem a humildade de reconhecer o estatuto de

interfase do sistema caótico ordenado própria de seu "objeto". 196 ▲

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O erudito "Científico-Presidente" do Brasil, FH. Cardoso, foi feliz e sincero quando, solicitado a opinar acerca das

conseqüências da crise para a economia do Brasil, respondeu: "Só Deus sabe."

Pelo que se refere à segunda hipótese, se acertada, temos que assumir que o destino da humanidade este) nas

mãos de delinqüentes. Fica aberto o tema da qualidade e gradualidade de imputabilidade de cada um dos envolvidos e

do acordo sobre o critério de legalidade segundo o qual devem ser julgados (veja-se mais adiante).

Se a terceira hipótese está correta – e isso tenho afirmado constantemente nesse modesto e elementar livro-,

resulta evidente que as duas primeiras podem ser perfeitamente incluídas na última, porém, assim como as três não são

excludentes, tampouco são exaustivas. E também, mas não som ente, por estúpidos e ladrões que os agentes-sujeitos

individuais e coletivos do Capitalismo assumem os lugares, as funçôes e as práticas segundo os quais a lógica da

Máquina Abstrata do Capital os produz e aciona.

Está comprovado – e isso é o que tenho procurado, simplesmente, lem brar aos leitores, uma vez que não precisa

ser demonstrado porque já o foi durante um século – que a sábia ignorância dos experts, tanto quanto a desonestidade dos

agentes e das entidades, não esgotam o repertório de riscos que caracterizam as subjetividades capitalistas. O que mais

nos deixa pasmos e surpresos no espectro das mesmas é o cinismo, ao qual já nos referimos reiteradamente; é preciso

apenas definir, pelo menos parcialmente, em que consiste este risco. Não se trata, é claro, de desconhecimento, nem

som ente de uma tendência delituosa de transgredir ou ignorar a Lei – qualquer que seja a Lei da qual estamos falando,

especialmente se nos referimos a uma abstração ou hipóstase que se costuma denominar "A Lei", com a qual os

psicanalistas e outros teóricos enchem a boca. Em um certo sentido, trata-se de cumprir ao pé da letra as leis vigentes,

ou de aproveitar os limites de seu império e de suas falhas intersticiais para pô-la à serviço – às vezes condicional, às

vezes incondicional – da Axiomática do Capital, da qual a ordem jurídica imperante é uma engrenagem perfeitamente

coerente (vide a plena vigência do Direito Positivo). A lógica dessa axiomática está, em última instância, absolutamente

em sintonia com a racionalidade ética e proposicional das leis nacionais e internacionais – as propriamente jurídicas ou

as "internas" aos enunciados específicos disciplinares, científicos ou não. Excepcional e/ou aparentemente, as leis se

contrapôem a essa Lógica, ou como leis maiores formais, "Direitos Humanos" que concretamente podem ou não podem

ser cumpridos dentro do que se chama hipocritamente" condições constitutivas, direitos fundamentais ou reais" da

formação da soberania em questão, ou como leis menores – decretos, especificações, regulamentações, normas...

Os célebres conceitos e a análise foucaultianos acerca do atravessamento entre os enunciados – as

dizibilidades – e aquilo que o autor 197 ▲

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chama visibilidades – os dispositivos do poder, imanentes ao jogo de forças de uma formação histórica (por um lado), e

o diagram a, complexo de forças informais (por outro) – dão conta admiravelmente de alsrumas das maneiras com as

quais as funções de reprodução e antiprodução se realizam em cada sistema.

Entre vários requisitos, essas montagens dão conta de conferir uma certa inteligibilidade e um certo

"moralismo" à Ordem Capitalista Constituída, visando produzir as condições mínimas nas quais essa última possa

subsistir – e encontrando viabilidade, crescer –, garantindo sua reprodução simples e ampliada tanto em seus aspectos

econômicos como em todos os outros que já mencionamos. Que o lado "progressista" dessas leis – tanto as "maiores",

puramente nominais, como as "menores", que resultam operantes somente para matizar, mitigar ou amenizar os efeitos

fundantes da Lógica do Capital – expresse, em sua maioria, o resultado de heróicas e cruentas lutas da humanidade, e

como tais são admiráveis, não deve enganar ninguém. Principalmente não deve tranqüilizar ninguém acerca da

perfeição do modo econômico e de seus rebrjmes – jurídico-políticosubjetivo e outros. Em sua essência, não são nada

mais que estratégias, especialmente aquelas que se consideram concessões – geralmente tão inevitáveis quanto

mínimas, bem distantes dos "ideais", sempre considerados irrealizáveis. Essas concessões são invariavelmente tardias e

de aplicação sujeita ao horizonte do "possível", supostamente apoiado por uma "realidade" que o panorama da

Axiomática do Capital delimita e modula. Ao menos numa vertente dominante de sua essência, estão destinadas a

desorganizar, desmobilizar, fragmentar e recapturar as forças críticas e metamórficas, ou ainda, o que é mais astuto, a

implicá-las em dispositivos nos quais a modalidade organizativa e os objetos a serem conquistados resultam

relativamente irrelevantes e/ou absorvíveis pelo Capital.

Um exemplo ilustrativo a esse respeito são as contendas entre os partidários neoliberais do "Livre Mercado" e

os defensores da "Regulação Estatal". Os primeiros fazem uma apologia do individualismo, da imprensa livre e da

competição liberal e neoliberal, aos quais atribuem todos os méritos da Modernidade – que, obviamente, sempre foi

consubstancial ao Capitalismo, pois não se conhece outra-, sem considerar os seus defeitos. Os segundos prescrevem"

uma quantidade maior" da mesma Lógica do Estado, que começou muito antes daquela do Capital, possibilitou o seu

começo e ainda lhe é imprescindível.

Outro caso ilustrativo é a luta da economia de mercado e democracias representativas contra as "massas

ausentes", os neo-arcaísmos e o terrorismo. O mérito relativo do pensamento de alguns autores, como Jean Baudrillard,

está na virtude de chamar a atenção – apesar de que unilateral e exagerada – sobre a estratégia de resistência não-

consumista e eleitoral (indiferença dos votantes) como "neutralização, omissa e passiva" 198 ▲

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das massas, complementada pela irracionalidade monstruosa, "absurda" e intempestiva dos fundamentalismos e do

terrorismo. Essas estratégias, apesar de apresentarem uma triste originalidade, não deixam de ser uma resposta cega às

manobras orquestradas pela Máquina Abstrata do Capital, habilmente engenhada para propor e propiciar contendas, de

maneira que os explorados, dominados e mistificados" comprem a briga", como se diz pitorescamente falando, isto é,"

entrem numa provocação desviante".

Perante essa constelação, não é pleonástico repetir que o processo do Capital não constitui uma unidade

monolítica, e muito menos estática. Não somente ao nível das contradições antagônicas e agônicas do que Deleuze e

Guattari chamam de "Superfície de Registro e Controle" composta por territórios, segmentos, instituições, organizações,

agentes dotados de uma identidade mais ou menos precisa e circunscrita. Veja-se, senão, a ferocidade das

contraposições recentes e suas conseqÜências entre o Capital Financeiro "apátrida" volátil, o Industrial e o

Latifundiário – tanto nos domínios "globais" como nos regionais, nacionais, locais. Mas "ninguém morreu de

contradições". A imanência entre as potências e processos de desterritolialização e reterritorialização capitalistas

movimenta-se sem cessar, com uma velocidade que passa de geométrica para exponencial. Assim, apenas

descritivamente, o mundo atual é um poliverso vertiginoso, proteiforme, heterogêneo, heteromorfo, heteróclito e bizarro

de colisões, que vão desde o preciso até o indecidível, mas que têm aprendido a viver em crise e da crise.

É claro que espero e desejo fervorosamen te ser explícito dizendo isso, sem a menor intenção de desvalorizar

nenhuma forma de luta tradicional ou nova que as forças da Vida vão inventando, como infinitos agenciamentos e

acontecimentos no seu combate contra as equações variáveis de reprodução e antiprodução do Capital. "Todas" as

Máquinas de Guerra e as Linhas de Fuga simultaneamente econômicas, políticas, jurídicas, filosóficas, científicas,

artísticas, idiossincrásicas – na medida em que são individuações, expressões de singularidades intensivas –, e mais enfaticamente, suas transversalidades, conexões disjuntivas inclusas, sinérgicas e potencializantes, seu entusiasmo e sua alegria – como dizia Espinoza – foram, são e serão "o sal da terra". As preocupações

dos militantes acerca do grau de capacidade de recuperação que o Capital exerce sobre as mesmas geralmente não

são mais do que hesitações compreensíveis, porém acidentais, devido tanto às resistências que minam o processo de

suas façanhas quanto à dureza de suas vicissitudes. Diante de tudo isso, o pouco que proponho enfatizar aqui pode se

resumir, creio eu, da seguinte maneira:

Os militantes e pensadores instituintes contemporâneos passam por divergências e discussões dilemáticas – que

freqüentem ente os dissociam nas suas campanhas – acerca de se a luta deve dar-se a partir de dentro ou de fora das

organizações do Estado, do Capital ou da chamada Sociedade Civil (a esse respeito, vejam-se os memoráveis capítulos

da "Revolução 199 ▲

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Molecular" de F. Guattari, os de "O Estado e o Inconsciente" de René Loureau e até alguns capítulos deste livro). Outro

desses dilemas é o já célebre que se trava entre os "reformistas" e os poucos "revolucionários" que ainda sobraram – seja

como for que se defina revolução. No espectro que vai do pólo dos" apocalípticos", por um lado, aos "integrados" – bem

intencionados – por outro, existem inumeráveis posições intermediárias que dão espaço a quantas vontades de

transformação seja possível imaginarassim como às melhores delas, que são as que escapam a toda imaginação. Cabe,

porém, reforçar que a reivindicação idiossincrásica nunca acaba de propagar-se como uma onda extensiva, entre outras

razões porque insiste em enfatizar-se como intensiva, confundindo singularidade com isolamento, linha de fuga com

evasão, ubiqüidade com fragmentação dispersiva. Em conseqüência disso, tanto os movimentos chamados

"Alternativos" quanto a Esquerda tradicional parecem perder de vista os macro-indicadores inequívocos da deterioração

do "todo" capitalista, que consegue manter-se porque a única classe verdadeiramente universal é a burguesia.

Contudo, se me permitem uma digressão, antes de concluir com uma nova tentativa de síntese, acrescentarei

quanto segue. Rememoro que em minha juventude, quando estudava a crítica marxista da Economia Política, tinha

sérias dificuldades para entender tanto o conceito da tendência à diminuição da taxa de extração da mais-valia quanto a

contestação que os economistas positivistas faziam a essa teoria. O argumento principal, se me lembro bem, baseava-se

na tese de que tal indicador era in1possível de ser medido empiricamente; e por ser uma hipótese de "alto nível",

inviável quanto à operacionalização, verificação e falseamento; por isso carecia de sentido epistemológico.

Em função do que foi exposto acerca da crise presente, reiterarei que no momento a mesma tem respeitado, de

forma aceitável, somente a nação que continua sendo o assento das maiores sedes centrais do Capital mundial, assim

como de seu principal aparato bélico-repressivo: os EUA. O crescimento de quase 4% de sua economia em 97 e o

decréscimo de seus índices de desemprego, déficit interno e externo, apesar de que isso não o exonere inteiramente das

conseqüências imediatas da crise, não faz senão demonstrar o uso extorsivo que sabe fazer de sua hegemonia política –

em grotesco contraste com suas declarações neoliberais de "livre-mercado" e de democracia. Também Alemanha,

Canadá, França e Reino Unido, Itália e Espanha mantêm-se relativamente estáveis, mesmo que todos os países

enumerados apresentem altíssimos índices de desemprego – com mais ou menos proteção estatal-, discretos indicndores

de crescimento econômico e variados sinais de decomposição social e subjetiva.

Lembrarei também que alguns adora dores do neoliberalismo, bastante afetados por essa debacle setorial

insuspeita, empenham-se em reivindicar que, apesar de tudo, o modo capitalista e seu Sistema 200 ▲

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Democrático Nominal conseguiram, desde a Segunda Guerra Mundial até hoje, o milagre inédito de reduzir em quase

50% a pobreza asiática. Essa afirmação adquire relevância pelo contraste com a decadência dos países do ex-bloco do

Socialismo real, o qual, como é notório, está em pleno declínio. De outro lado, sustentam que apesar da instabilidade

persistente, a intervenção dos países prósperos e dos organismos internacionais já está dando conta de controlar a onda

de falências,moratórias e outros flagelos. As excelsas democracias capitalistas "se ajudam".

Diante dessas afirmações, torna-se importante esclarecer que, em primeiro lugar, Alemanha, Japão e Itália

começaram seu crescimento a partir da inversão massiva do Capital "aliado" – novas versões do Plano Marshall e da

'Aliança para o Progresso" – e nas condições políticas severamen te repressivas das nações derrotadas e "ocupadas". Em

segundo lugar,é apropriado pontuar que boa parte do desenvolvimento dos "Tigres Asiáticos" processou-se sob

governos ditatoriais e autoritários, como Coréia e Vietnã, e teve uma base de lançamento nada depreciável, pelo fato de

serem aliados dos países centrais nas guerras anticomunistas. Por último: como não requerer (apenas porque não sei se

isso já foi feito) um levantamento cuidadoso e verídico dos coeficientes de concentração de riquezas que têm sido

realizados e perpetrados nesses países, mesnlO que uma parte dessa riqueza tenha sido destinada "humanitariamente" à

geração de força de trabalho cnpacitada e eficiente e de condições de governabilidade? Que papel cumpre, nas falências

atuais, a fuga desse Capital acumulado, destinado a inversões especulativas em outros mercados mais lucrativos e/ou

estáveis?

Alguns famosos economistas acabam de declarar, por exemplo, que não precisamos nos preocupar demasiado

com as falências generalizadas. Afinal, "é bom que as coisas se precipitem, porque assim a economia mundial se corrige

e ajusta". Outros têm manifestado que, ao final, a parte do Produto Bruto Mundial correspondente aos países

estremecidos pelo "sismo" alcança somente 6 ou 7% do total mundial. Ironizam, assim, os mecanismos de "contágio"

sofrido por aqueles que atribuem maior importância às falências e desencadeiam" corridas" na Bolsa...

Ora: que Economia Mundial é essa que entra em pânico por um "acidente" que afeta apenas 7% de sua

produtividade anual? O verdadeiro pavor não consistirá de fato em que uma das suas derivações pode ser a estrepitosa

baixa de preços dos produtos asiáticos (dum ping) e o perigo iminente de benefício dos consumidores e prejuízo dos

inversores? A quais maldades políticas terá que se apelar para evitar essa presuntiva "injusta" festa dos compradores?

Com certeza não será "democrática" nem "livre-empresista". A iminência da segunda Guerra do Golfo e da terceira

Mundial não é apenas hipótese de ficção científica.

Em síntese: os mais lúcidos afirmam que a presente crise é, como se 201 ▲

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diz eufemisticamente, "estrutural", e se funda, "em última instância", no predomínio nebuloso do Capital Financeiro

mundial – completamente independente de sua base material – e sua desregulação total, que em vão se reclama limitar

jurídica e institucionalmente.

Como explicar esse império inquestionável a não ser pelas peculiaridades da globalização, que não é outra coisa

mais que o pleno reinado universal – ostensivo, estridente, descarado – da Máquina Abstrata do Capital e sua

Axiomática Suprema? O que manda é o Equivalente Geral, suas formas monetárias e informáhcas, subordinando à sua força quase

tudo que existe como realizado no horizonte do existente.

Pelo fato que já mencionamos antes dessa interessante questão da correlação inequívoca entre ética,

"liberdade" mercadológica e "liberdades" políticas e humanas, não é apaixonante que a Suíça – país que deve uma parte

indefinida de sua prosperidade aos depósitos bancários de boa parte dos capitais "espúrios" do mundo: evasão tributária,

ditatoriais, narcotraficantes, mafiosos e delinquenciais em geral – tenha um sistema político dotado de Assembléias

Populares Comunitárias Cantonais?! A "plena" democracia suíça "perpetrou" um plebiscito, segundo o qual votouse a

favor de continuar mantendo o segredo sobre suas contas bancárias. A hegemonia da Axiomática do Capital consegue,

às vezes, incorporar tanto os Círculos de Qualidade japoneses como a Autogestão!

Segundo me parece, existem algumas outras perguntas-chave que precisamos nos fazer nessas circunstâncias,

sem descartá-las por serem ingênuas e menos procedentes. São as seguintes: por que tomar como referência

comparativa e justificante das excelências liberais o Socialismo real – cujas diferenças com um Capitalismo de Estado é

um tema ainda digno de muita polêmica? Por que confiar na "natural" afinidade entre Capitalismo e Democracia

Nominal, sendo que vários dos mencionados "desenvolvimentos" capitalistas realiza ram-se duran te regimes cripto ou

ostensivamente despóticos – veja-se em outro contexto geopolítico a trajetória do Chile e do Peru. Quanto custará ao

povo desses países "novos ricos" quebrados a hipoteca dos anos vindouros, que é o preço de sua futura "recuperação"?

Se os experts e seus organismos têm sido incapazes de conhecer as cifras necessárias ou de elaborar os modelos e as

simulações que lhes perm.itiriam predizer essa "quebradeira", por que devemos acreditar que são ou serão aptos a

quantificar, de forma convincente, tanto as vantagens do caminho capitalista "eleito" quanto o montante exigido para

sua recuperação? Pelo visto, não é somente a tendência para a queda da taxa de extração da mais-valia o que não se

pode mensurar!!!

Como já advertiram Deleuze e Guattari, tanto as empresas nacionais e transnacionais quanto os organismos

estatais e supra-estatais operacionalizaram seus "modelos" predominantemente com base em movimentos táticos de

"invenções" e "sangrias". Movimentos esses 202 ▲

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invariavelmente improvisados e incidentais, cuja previsibilidade e precisão brilham pela ausência e são decididamente

contrárias à imagem de onipotência e sapiência das quais essas entidades fazem propaganda.

Como último argumento, existe o hábito de invocar o sereno bemestar da Suécia, Noruega, Holanda,

Dinamarca, Finlândia e alguns ou tros países com fabulosos índices de saúde e educação, sem considerar com

profundidade que a tal prosperidade é fruto da participação dessas nações na espoliação colonial e neocolonial e da

inexistência de bloqueios sobre suas economias. Que Cuba, com o embargo que dura mais de três décadas e oprimida

por uma "Ditadura do Proletariado", obteve índices parecidos, ajuda a demonstrar que, por bem ou por mal, não tem

muita diferença entre as variedades de Capitalismo e de Socialismo real. O ceme do problema – por mais pobres e

óbvias em que essas observações resultem – reside no seguinte:

– Não se deve confundir a lógica dos processos que Deleuze e Guattari chamam" Produtivos, Desejantes,

Revolucionários" – que são o "motor" da Produção ou a Produção em si – com aquela dos reprodu ti vos e

antiprodutivos. Não se pode dizer que os dois segundos sejam absolutamente contraproducentes e elimináveis, mas

devem estar, porém, rigorosamente subordinados ao primeiro.

– Não se deve confundir a morfologia e a dinâmica das instituições, organizações, estabelecimentos,

equipamentos, semióticas, sujeitos, agentes e práticas, isto é, os componentes territorializados, estratificados,

hierarquizados, e assim por diante, que constituem os domínios do real, do possível e do impossível, com o âmbito do

virtual atualizável.

– Não se deve confundir a democracia indireta e representativa liberal, neoliberal, social-democrata ou

socialista "soft", ou ainda a "popular", nem o saber e o poder de seus políticos profissionais e tecnoburocratas, nem

tampouco a "participação" na democracia direta, com a auto-análise e a auto-gestão, quaisquer que sejam as

modalidades históricas que os dois termos dessa diferenciação adotem.

– Não se deve confundir – mesmo levando-se em conta as singularidades históricas das citadas modalidades – a separação entre meios e fins que é própria da ética dos modos e sistemas capitalistas com a imanência entre meios e fins que é consubstancial à ética das Utopias Ativas do Movimento Instituinte.

– Não se pode esquecer jamais, quaisquer que sejam as limitações, mimetizações e vacilações estratégicas,

logísticas, táticas ou técnicas históricas de cada iniciativa produtiva-desejante-revolucionária, que nunca o "espírito" das

mesmas esteve melhor resumido que na deslumbrante fórmula – " A cada um segundo suas capacidades e a todos

segundo suas necessidades" .

Folgo em dizer que o incremento das forças produtivas de todos os tipos – incluídas as forças teóricas e

expressivas – mostra que este enunciado 203▲

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pode e poderá ser formulado de infinitas novas maneiras, e que isso exige aplicar às definições de capacidades e de

necessidades uma coerência com os valores supremos aqui repetidamente postulados.

Para terminar, uma variação que me ocorre para a palavra-de-ordem da citada consigna libertá ria é a seguinte:

''A cada qual segundo suas capacidades de lograr que – a todos segundo suas necessidades – seja uma

necessidade para todos e um desafio para cada um." 204 ▲

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

Organizada em progressão crescente de possíveis dificuldades de leitura:

"Apresentação do Movimento Institucionalista", G. Baremblitt, in:

"Saude loucura" nOl, coord. A. Lancetti. Ed. Hucitec, São Paulo, 1989.

"O Inconsciente Institucional", coord. G. Baremblitt, apresentação e introdução. Ed. Vozes, Petrópolis, 1984.

''Análise Institucional: Teoria e Prática", vários autores, in: Revista Vozes n° 4. Ed. Vozes, Petrópolis, 1973.

''Análise Institucional no Brasil", V R. Kankhagi e O. Saidon (org.). Ed. Espaço e Tempo, Rio de Janeiro, 1987.

''Alguns elementos teoricos para pensar Ia cuestion de Ias derechos humanos y Ia violencia institucional", in: "Saber,

Poder, Quehacer y Deseo", G. Baremblitt. Ed. Nueva Vision, Buenos Aires, 1988.

"[Analyse Institu tionnelle", M. Autlúer e R. Hess. Ed. Presses Universitaires de France, Paris, 1981.

"Grupos, Organizações e Instituições", G. Lapassade. Ed. Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1977.

"EI Sociopsicoanalisis Institucional", G. Mendel, in: "La Intervencion Institucional", J. Ardoino (org). Ed. Falias,

México, 1979. 205▲"Sociopsicoanalisis lnstitucional", tomos 1 e 2, G. Mendel. Ed. Amorrortu, BuenosAires, 1973.

'A Análise lnstitucional", R. Lourau. Ed Vozes, Petrópolis, 1975.

"EI Analisis lnstitucional". G. Lapassade, R. Lourau et aI. Ed. Campo Abierto, Madri, 1977.

"EI Analizador y el Analista", C. Lapassade. Ed. Cedisa, Barcelona, 1971.

'Analisis Institucional y Socioanalisis", R. Lourau et ill. Ed Nuevillmagen, México, 1973.

"LAnalyses InstitucionnelJe en Crise?", J. Cuigon (coord.), in: Rev. Pour, n° 62-63, Paris, 1978.

'Autogestão: Uma Mudança Radical", A. Cuillerm e Y. Bourdet. Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 1976.

"Participacion y Autogestion", L. Tomasetta. Ed. Amorrortu, Buenos Aires, 1975.

Page 192: 71910717 baremblitt-analise-institucional-ok

"Psicoanalisis y TransversaJidad", F Cuattari. Ed. Sigla XXI, Buenos Aires, 1976.

'A Revolução Molecular", F Cuattilri. Ed. Brasiliense, São Paulo, 1981.

"O Inconsciente Maquínico", F Cuattari. Ed. Papirus, Campinas, 1988.

"Micropolítica – Cartografias do Desejo", F Cuattari e S. Rolnik. Ed. Vozes, Petrópolis, 1986.

'As Três Ecologias", F Cua ttari. Ed. Papirus, Campinas, 1988.

"O Anti-Édipo", G. Deleuze e F Cuattari. Ed.lmago, Rio de Janeiro, 1976.

"Mil Platôs", G. Deleuze e F Cuattari. Ed. Pre-Textos, Valência, 1988. 206 ▲

BIBLIOGRAFIA DE CONSULTA

A bibliografia de consulta é vastíssima e pode ser classificada de acordo com a maior ou menor proximidade que

tenha com a linha teórico-prática adotada neste livro. Os textos aqui classificados são apenas os mais próximos, e

não pretendem, em absoluto, esgotar a lista dos possíveis. Por motivo de focalização, excluímos da literatura

concernente à antipsiquiatria, à psicologia organizacional e à psicologia grupal.

Obras de Georges Lapassade:

"Chaves da Sociologia", em colaboração com R. Lourau. Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1972.

"La Entrada en Ia Vida". Ed. Fundamentos, Madri, 1973. 'Au togestion Pedagógica". Ed. Cranica, Barcelona, 1977. "La

Bio-Energia". Ed. Cedisa, Barcelona, 1978.

"Socioanalisis y Potencial Hun'1ano". Ed. Cedisa, Barcelona, 19~O.

Obras de Gérard Mendel:

"La Rebelion contra el Padre". Ed. Península, Barcelona, 1975, 2ª ed. "La Crisis e Ias Ceneraciones". Ed. Península,

Barcelona, 1972. "La Descolonizacion dei Niíi.o". Ed. Ariel, Barcelona, 1974.

"EI Manifesto de Ia Educación". Ed. Siglo XXI, Madri, 1975. 'Anthropologie Diffierentielle", Ed. Payot, Paris, 1972.

"l.:Angoise Atomique et les Centrales Nucléaires". Ed. Payot,1975. "Pour une autre Societé". Ed. Payot, Paris, 1975.

"La Classe lnstitu tionnelle". Ed. Payot, Paris, 1977.

"Quand plus rien ne va de soi". Ed. R. Lafont, Paris, 1981. "Enquete par un Psychanalyste sur Lui-Même". Ed. Stock,

Paris, 1981.

207 "54 Millions d'Inclivid us sans Appartenance" . Ed. R. Lafon t, Paris, 1983. "La Crise est Poli tique, Ia Poli tique est

en Crise". Ed Payot, Paris, 1985. "On est Toujours l'Enfant de son Siecle". Ed. R. Lafont, Paris, 1986.

Obras de Gilles Deleuze:

"Para Ler Kant". Ed. Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1976. "Empirismo y Subjetividad". Ed. Granica, Barcelona, 1977.

Page 193: 71910717 baremblitt-analise-institucional-ok

"Diferença e Repetição". Ed. Graal, Rio de Janeiro, 1988. 'Apresentação de Sacher Masoch". Livraria Taurus Editora,

Rio de Janeiro, 1983.

"Proust e os Signos". Ed. Forense Universitária, Rio de Janeiro, 1987. "Nietzsche". Edições 70, Lisboa/1981.

"Nietzsche y Ia Filosofia". Ed. Anagrama, Barcelona, 1971. "Lót,rica do Sentido". Ed. Perspectiva, São Paulo, 1974.

"Kafka/ por uma Literatura Menor", em colaboração com F. Guattari. Ed. Imago, Rio de Janeiro, 1977.

"Diálogos", em colaboração com C. Parnet. Ed. Pre-Textos, Valência,19bO.

"EI Bergsonismo". Ed. Catedra, Madri, 1987.

"Spinoza: Filosofia PréÍctica". Ed. Tusquets, Barcelona, 1984.

"La Imagen-Movim.iento", Estuclios 1 y 2. Ed. Pa.idos, Barcelona, 1984. "Foucault". Ed. Paidos, BuenosAires, 1987.

"Pericles y Verdi". Ed. Pre-Textos, Valência, 1989.

"EI Pliegue". Ed. Paidos, Buenos Aires, 1989.

"Espinosa e os Signos". Ed. Res, Porto, 1975.

"Spinoza y el Problema de Ia Expresión". Ed. Muchik, Barcelona, 1975. "Politique et Psychanalyse", com F. Gua ttari.

Ed. Des Mots Perdus, Alençon,1977.

"Los Equipamentos de Poder", F Fourquet e L. Murad. Ed. G. Gill, Barcelona, 1976.

"Deleuze e a Filosofia", R. Machado. Ed. Graal, Rio de Janeiro, 1990.

Obras de René Lourau:

"LInstituant Centre I..:Institué". Ed. Antrophos, Paris, 1969. "I..:Illusion Pédagogique". Ed. I..:epi, Paris, 1969.

'Analyse Institutionnelle ei Pédagogie". Ed. I..:epi, Paris, 1971. "Les Analyseurs de l'Église". Ed. Antrophos, Paris,

1972.

"Le Analyseur'Lip"'. Ed. UGE 10/18, 1974.

"Sociologue a Plein Temps". Ed. I..:épi, Paris, 1976.

"Le Gai Savoir des Sociologues". Ed. UGE 10/18,1977. "EI Estado y ei Inconciente". Ed. Kairos, Barcelona, 1979.

'Autodissolusion des Avant-Gardes". Ed. Galilée, 1980. "Les Lapsus des Intellectuels". Ed. Privat, Toulouse, 1981.

208

Page 194: 71910717 baremblitt-analise-institucional-ok

Obras de outros autores

"Psychiatrie et Psychothérapie Institutionnelle", J. Oury. Ed. Payot,

Paris, 1976.

"Hacia una .Pedagogia dei Siglo XX". F. Oury e A. Vasquez. Ed. Siglo XXI, México, 1974, 3ª ed.

"Introduccion a Ia Terapia Institucional", J. Chazaud. Ed. Paidos,

Barcelona, 1980.

"EI Psicoanalisis delas Organizaciones", R. de Board. Ed. Paidos,

Buenos Aires, 1980.

'A Reprodução", P. Bordieu e J. C. Passeron. Ed. F. Alves. Rio de

Janeiro, 1975.

"Organizações Modernas", A. Etzioni. Ed. Pioneira, São Paulo, 1976. "O Adoecer Psíquico do Subproletariado", W C.

Castilho Pereira. Ed. Segrac, Belo Horizonte, 1990.

"Nuevos Escritos", L. A1thusser. Ed. Laia, Barcelona, 1978. "Ideologia y Aparatos Ideologicos de Estado", L.

A1thusser. Ficha de Ia Nueva Vision, Buenos Aires, 1971.

"Instituição e Poder", J. A. Guilhon Albuquerque. Ed. Graal, Rio de Janeiro, 1980.

"Metáforas da Desordem", J. A. Guilhon Albuquerque. Ed. Paz e

Terra, Rio de Janeiro, 1978.

"Metáforas do Poder", J. A. Guilhon Albuquerque. Ed. Achiamé

Socii, Rio de Janeiro, 1980.

"Sexualidade na Instituição Asilar", J. Birman. Ed. Achiamé/Socii,

Rio de Janeiro, 1980.

"La Teoria de Ia Institucion y de Ia Fundación", M. Haurion. Ed. Abeledo-Perrot, BuenosAires, 1968.

"Perspectives de l' Analyse Institutionnelle", coord. A. Savoye e R. Hess. Ed. Meridiens Klinscksieck, Paris, 1988.

"Psicohigiene y Psicologia Institucional", J. Bleger. Ed. Paidos, Buenos Aires, 1966.

"Los Sistemas Sociales como Defensa contra Ia Ansiedad", L Menzies y E. Jaques. Ed. Horme, Buenos Aires, 1969.

"Contrainstitucion y Grupos", A. Bauleo. Ed. Fundamentos, Madri, 1977.

"Psicologia de Ias Instituciones", F. Ulloa, in: Revista de Psicoanalisis, tomo XXVI, nº 1, Buenos Aires, jan./mar. 1969.

"Emergentes de una Psicologia Social Sumergida", A. Scherzer. Ed. de Ia Banda Oriental, Montevidéu, 1987.

"Salud Mental y rrabajo", coord, M. Matrajt. UAM, Cuernavaca, 1986. "Replanteo", M. Matrajt. Ed. Nevomar, México,

1985. "Subjetividad. Grupalidad. Identificaciones", J. C. De Brasi. Ed Busqueda Grupo Cero, Buenos Aires, 1990.

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209 ▲"Infâncias Perdidas – O Cotidiano nos Internatos", S. Altoé. Ed. Xenon, Rio de

Janeiro, 1990.

"m Proceso Grupal – Dei Psicoanalisis a Ia Psicologia Social", tomos 1 e 2, E.

Pichon-Riviére. Ed. Nueva Vision, BuenosAires, 4ª ed.1978. ''A Pesquisa-Ação na

Instituição Educativa", R. Barhier. Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 1985."

Les Méres "Fol1es" de Ia Place de Mui", A. Martin. Ed. Renaudot, Paris, 1989.

Periódicos;

Bul1etin de Ia Societé D' Analyse Institutionnel1e. Ed. SAI, Paris, cerca de 20

números.

Revista Autogestions. Ed. Privat, Toulouse, cerca de 30 números. Revista

Connexions. Ed. Epi, Paris, cerca de 30 números.

Revista Sociopsychanalyse. Ed. Payot, Paris, cerca de 20 números. Revista Lo Grupal. Ed. Busqueda, Buenos Aires,

oito números. Revista Saudeloucura, coord. A. Lancetti, quatro números. Fd. Hucitec, São Paulo.

''As Instituições e os Discursos". Revista Tempo Brasileiro n° 35. Ed. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1974.

"Sociopsicoanalisis e Institucion", Ed. Hogar deI Libro, Barcelona, 1984.

210

O AUTOR

Da formação em Psiquiatria à militância junto ao Movimento Instituinte Internacional, Gregorio F. Baremblitt vem

traçando um longo e fecundo percurso como médico psiquiatra, psicoterapeuta, professor, pesquisador, analista e

interventor institucional, esquizoanalista, esquizodramatista e escritor em diversos países da América Latina e Europa.

Esse percurso teve início há 40 anos, na Faculdade de Medicina da Universidade Nacional de Buenos Aires, da qual é

livre-docente, e foi-se tornando mais rico e complexo a cada momento em que o médico buscou o cruzamento da

Medicina com outras áreas. Movido pela inquietação daqueles que não se contentam com o conforto garantido pelo

reconhecimento dado aos especialistas consagrados, Gregorio Baremblitt buscou sempre expandir sua atuação até as

fronteiras da Medicina com a Política, a Sociologia, a Filosofia, a Arte e também os saberes populares. Esse olhar

generoso e ao mesmo tempo rigoroso sobre os saberes e fazeres do mundo contemporâneo tem rendido não apenas uma

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ampla produção intelectual, mas também diversas ações nos planos de coletivos diversos: em 1970, Gregorio foi

membro-fundador do grupo psicanalítico argentino denominado Plataforma, primeira organização no mundo separada

da Associação Psicanalítica Internacional por motivos políticos. Ao se estabelecer no Brasil em 1977, fundou, no Rio de

Janeiro e em São Paulo, o Instituto Brasileiro de Psicanálise, Grupos e Instituições (Ibrapsi), e o Instituto Félix Guattari

de Belo Horizonte, do qual é atualmente o coordenador-geral. Sua atuação no campo da saúde mental inspirou outros

profissionais a criarem a Fundação Gregorio Baremblitt, em Uberaba (MG), uma das primeiras entidades do país a

instituir formas de tratamento mental em sintonia com os ideais da Luta Antimanicomial. Gregorio é autor de

numerosos livros e artigos científicos e organizador de seis congressos internacionais em sua área de atuação. Este

Compêndio é fruto de um grande esforço para traduzir as temáticas, correntes e questões do Movimento Instituinte para

aqueles que estão iniciando seus estudos e ações nesse campo, sempre ancorados em duas palavras-chave: auto-análise

e autogestão.

211 OUTRAS OBRAS DO AUTOR

"Introdução à Esquizoanálise". Ed. Instituto Félix Guattari, Belo Horizonte, 1998.

"Lacantroças". Ed. Hucitec, São Paulo. Traduzido para o espanhol. "Cinco Lições sobre a Transferência". Ed. Hucitec,

São Paulo, 1991. "Saber, Poder, Quehacer yDeseo". Ed. Nueva Vision, Buenos Aires, 1988. ''Ato Psicanalítico, Ato

Político". Ed. Segrac, Belo Horizonte, 1987.

"O Inconsciente Institucional", em colaboração com outros autores. Ed. Vozes, Petrópolis, 1984. Traduzido para o

espanhol.

"Grupos, Teoria e Técnica", em colaboração com outros autores. Ed. GraalIbrapsi, Rio de Janeiro, 1982.

"La Cura". Ed. Universidade Autônoma do México, Cidade do México, 1980. "Progressos e Retrocessos em Psiquiatria

e Psicanálise". Ed. Global Ground, Rio de Janeiro, 1978.

"La Interpretacion de los Suenos: Una Técnica Olvidada", em colaboração com outros autores. Ed. Helguero, Buenos

Aires, 1976.

"El Concepto de Realidad en Psicoanalisis", em colaboração com outros autores. Ed. Socioanalisis, BuenosAires, 1974.

"Psicoanalisis: Teoria y Practica", em colaboração comM. Matrajt. Ed. Centro Editor Latinoamericano, Buenos Aires,

1972.

"Cuestionamos", em colaboração com outros autores. Ed. Busqueda, Buenos Aires,1971.

Há também numerosos prólogos e artigos publicados em revistas científicas, culturais, livros e jornais da América Latina e Europa.

212

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INSTITUTO FÉLIX GUATTARI DE BELO HORIZONTE

O Instituto Félix Guattari de Belo Horizonte (MG) é uma organização não-governamental fundada no ano de

1996. Seu nome é uma homenagem ao célebre intelectual e militante francês Félix Guattari, e suas atividades têm como

inspiração a Utopia Ativa que guia a obra de Gilles Deleuze e do homenageado: a Esquizoanálise, que é também a do

Movimento Instituinte Internacional.

O Instituto foi criado pelo autor deste Compêndio – o professor de Psiquiatria, terapeuta e institucionalista

Gregorio Baremblitt, um dos introdutores das idéias desses autores em vários países da América Latina e Europa – em

parceria com Margarete Amorim, psicóloga, analista institucional e esquizodramatista, e junto a um grupo de colegas

institucionalistas.

O Instituto é uma organização vinculada à Fundação Gregorio F.

Baremblitt de Uberaba (MG), estabelecimento este que já conta mais de uma década de existência ancorada em uma

orientação e atividades comuns com o Instituto Félix Guattari de Belo Horizonte, mas com ênfase na prática clínica.

O Instituto desenvolve atividades de prestação de serviços em análise e intervenção de organizações,

movimentos e grupos públicos e privados, governamentais e não-governamentais que atuam nas áreas de educação,

saúde, trabalho, justiça, arte, ecologia, políticas públicas etc.

O Instituto Félix Guattari de Belo Horizonte (IFG-BH) também promove cursos e grupos de estudo, conduz

pesquisas, organiza eventos, supervisiona trabalhos técnicos e práticos, edita e distribui livros e gerencia programas

sociais, sendo todas as atividades pautadas em sua orientação.

O IFG-BH tem diversas parcerias com organizações nacionais e estrangeiras afins, e está aberto a todos aqueles

que compartilham de seus ideais. Os interessados em entrar em contato com o Instituto Félix Guattari podem fazê-lo

através dos telefones (31) 3284.1083 e 3221.7352 (Fax), e-mail [email protected] ou pelo site

www.ifgorg.hpg.com.br . Sua sede fica na Rua Herval, 267 – Serra, Belo Horizonte, MG. Cep 30240-010. 213 ▲