7758 Sindrome de Burnout e Qualidade de Vida Profissional Em Policiais Militares de Campo Grande Ms
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VNIA MARIA MAYER
SNDROME DE BURNOUT E QUALIDADE DE VIDA
PROFISSIONAL EM POLICIAIS MILITARES DE
CAMPO GRANDE-MS
CAMPO GRANDE-MS
-2006-
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VNIA MARIA MAYER
SNDROME DE BURNOUT E QUALIDADE DE VIDA
PROFISSIONAL EM POLICIAIS MILITARES DE
CAMPO GRANDE-MS
Dissertao apresentada ao Programa de Mestrado em Psicologia da Sade da Universidade Catlica Dom Bosco como exigncia parcial para obteno do Ttulo de Mestre em Psicologia rea de Concentrao: Comportamento Social e Psicologia da Sade, sob orientao da Profa. Dra. Liliana Andolpho Magalhes Guimares.
CAMPO GRANDE-MS
-2006-
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BANCA EXAMINADORA
________________________________________________ Profa. Dra. Liliana Andolpho Magalhes Guimares- orientadora
(UCDB)
________________________________________________ Prof. Dr. Julio Csar Fontana Rosa
(USP)
________________________________________________ Profa. Dra. ngela Elizabeth Lapa Colho
(UCDB)
Dissertao defendida e aprovada em: ____/____/2006.
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Dedico esse trabalho a todos os que trabalham incansavelmente em prol da melhoria da condio de vida em sociedade.
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AGRADECIMENTOS
Aos meus filhos pelo amor, pelo apoio constante, sempre ao meu lado, incansveis, pela compreenso nos perodos de pesquisa e de construo do conhecimento; e, principalmente, pela tolerncia nos momentos de ausncia.
Ao meu querido irmo, amigo de todas as horas, parceiro para todas as empreitadas.
Ao Ilmo. Sr. Dr. Antnio Braga, Secretrio de Estado de Justia e Segurana Pblica com a mente aberta para empreendimentos de natureza cientifica como o presente, possibilitou a realizao desse estudo. , a autorizao para que este trabalho se viabilizasse,
Ao Dr. Norton Riffel Camate, Chefe de Gabinete da Secretaria de Estado de Justia e Segurana Pblica, pelo acolhimento e interesse manifesto no estudo desenvolvido.
Ao Cel. Jos Ivan de Almeida, Comandante Geral da Polcia Militar, pelo interesse e confiana depositados no meu trabalho.
Ao Dr. Silvano Rodrigues Mota, Delegado de Polcia da Secretaria de Estado e Segurana Pblica, pela solicitude com que me recebeu e pela colaborao prestada.
A Dra. Regina Mrcia Rodrigues de Brito Mota, Delegada de Polcia da Secretaria de Estado de Justia e Segurana Pblica, por todo o carinho, apoio, interesse e pelo acolhimento que recebi, desde o incio do trabalho at a fase da pesquisa de campo, fornecendo-me dados e informaes necessrias.
Aos policiais militares, que aceitaram participar e cooperar com essa pesquisa obrigada pelo apoio e a oportunidade.
Externo ainda minha gratido Universidade Catlica Dom Bosco (UCDB), especialmente ao Mestrado em Psicologia, coordenadora Profa. Dra. Sonia Grubits, aos professores, colegas de turma e funcionrios, por todo o apoio.
Finalmente agradeo a minha orientadora, Profa. Dra. Liliana A. M. Guimares, modelo de mulher e de profissional que sempre desempenhou sua atividade docente com pacincia, carinho, sensibilidade e sabedoria, pelo generoso apoio manifesto desde o incio; por ter caminhado comigo e por ter demonstrado muita confiana no meu trabalho, deixando-me tranqila na confeco do estudo.
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A fora de uma democracia e a qualidade de vida usufruda por seus cidados determinada, em larga medida, pela habilidade da polcia no desempenho de seus deveres.
David Bayle
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________________________________________________________RESUMO
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MAYER, Vnia Maria. Sndrome de Burnout e Qualidade de Vida em Policiais Militares
de Campo Grande-MS, 2006. 157 p. Dissertao de Mestrado Programa de Mestrado em
Psicologia. Universidade Catlica Dom Bosco (UCDB).
INTRODUO - bem conhecido o alto nvel de exposio ao risco para o estresse
ocupacional e a Sndrome de Burnout (SB) ao qual esto submetidos os policiais militares,
com repercusses importantes em sua sade fsica e mental, bem como em sua Qualidade de
vida geral e no Trabalho.
OBJETIVOS - Caracterizar a ocorrncia e os nveis de Sndrome de Burnout e a Qualidade
de Vida Profissional (QVP) de Policiais militares de Campo Grande-MS.
CASUSTICA E MTODO - Trata-se de um estudo exploratrio-descritivo. De uma
populao de N = 2321 policiais militares da cidade de Campo Grande / MS foi composta
uma amostra aleatria de n = 240 policiais (148 M; 92 F). Foram utilizados dois instrumentos
de pesquisa: 1) MBI Inventrio de Burnout de Maslach (MASLACH; JACKSON, 1986)
com validao brasileira de Tamayo (2003) e 2) QVP-35 - Questionrio de Qualidade de Vida
Profissional (CABEZAS, 1999) validado para uso no Brasil por Guimares et al. (2004).
Foram realizados os seguintes procedimentos estatsticos: a) classificao das mdias de
respostas da SB e da QVT; b) mdias desses grupos para verificar diferenas entre as mesmas
atravs do teste t de Student por sexo, c) anlise de Varincia (ANOVA) d) independncia
entre sexo, estado civil, SB e QVP atravs do teste 2 (Qui-Quadrado); e) estudo de correlao
entre as 3 dimenses da SB e as 8 dimenses de QVP, f) Anlise de Regresso Mltipla.
RESULTADOS - A amostra de estudo foi composta por policiais militares, de todas as
patentes, casados, de ambos os sexos e com escolaridade at ensino mdio
predominantemente. Para ambos os sexos a dimenso mais pontuada com relao a QVP foi a
Motivao Intrnseca, e a menos pontuada, o Apoio Organizacional. Os participantes revelam
uma alta QVP. Mulheres policiais percebem sua QVP como pior, apontando a Carga de
Trabalho como maior e tambm Desconforto com relao execuo do trabalho. No entanto,
referem que recebem mais Apoio Organizacional do que os homens. O estado civil (ser
solteiro) atenua a percepo quanto Carga de trabalho excessiva para ambos os sexos e
piora, no sexo feminino a percepo sobre Apoio Organizacional. Para ambos os sexos, cerca
de metade da amostra apresenta com relao SB, um nvel moderado de desgaste na
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dimenso Despersonalizao, o que no confirma uma das hipteses de pesquisa, que suponha
um alto nvel em todas as dimenses. J o sexo feminino apresenta mdia maior que o
masculino, na dimenso Diminuio da Realizao Pessoal. A SB no est relacionada a
uma pior, ou melhor, percepo de QVP nesta amostra de estudo. No foram encontradas
diferenas para apresentao da SB e na Percepo sobre a QVP, segundo a faixa etria, a
patente e tempo de servio. Os resultados indicam que os militares estudados apresentam
nvel moderado de SB em suas trs dimenses.
CONCLUSES - A pesquisa apontou para a necessidade de modernizao da cultura da
instituio, bem como de suas polticas e estratgias de gesto de recursos humanos, para uma
efetiva diminuio dos nveis de desgaste emocional detectados e conseqente melhoria da
QVP.
PALAVRAS-CHAVE - Sndrome de Burnout. Qualidade de Vida Profissional. Policiais
Militares.
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_________________________________________ABSTRACT
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MAYER, Vnia Maria. Burnout Syndrome and Quality of life in military police of
Campo Grande/ MS, 2006., 157 p. Masters Dissertation submitted to the Postgraduate
program in Psychology of the Dom Bosco Catholic University (UCDB).
INTRODUCTION - It is known that the military police are at risk for occupational stress
and Burnout Syndrome (BS) given the high level of risk they are submitted to, and that this
has important repercussions on their Physical and Mental Health as well their Quality of
Work or Professional Life (QPL).
OBJECTIVES - To characterize BS, and the QLP of Military Police of Campo Grande/MS.
SUBJECTS AND METHODS- One is about a description-exploratory study. Of a
population of N=2321 military police of the city of Grande Grande/MS a random sample was
composed of n=240 police (148 M; 92F). Two instruments were used: 1) MBI Maslach
Burnout Inventory (MASLACH; JACKSON, 1986) with Brazilian validation of Tamayo
(2003) and 2) QVP-35 - Questionnaire of Quality of Professional Life (CABEZAS, 1999)
validated for use in Brazil for Guimares et al. (2004). The following statistical procedures
were carried through: a) classification of the average answers of the BS and the QPL, b) the
averages of these groups to verify differences between the same ones through test t of Student
for sex, c) analysis of Variance (ANOVA) together with for excessively changeable ones, d)
was tested for independence between sort classification of the reply through the 2 test (Qui-
Square), e) a correlation study was carried out enters BS and QPL, f) Multiple Regression
Analysis was also carried out to know if QPL can be determined by means of the dimensions
of the QPL and of how much this determination would be.
RESULTS - The sample was composed of military police, all patents, married, of both sex,
with up until high school level education. For both sex the dimension most punctuated with
relation to the QVP was Intrinsic Motivation, and least punctuated was Organizational
Support. The sample discloses one high Quality of Life related to Work. Policewomen
perceive its QVP as worse, pointing the Load of Work as bigger and also Discomfort related
to the execution of the work. However, they disclosed that they receive more Organizational
Support from the one that the men. The marital status (to be single) attenuates the perception
how much to the extreme workload for both sex and worsening in the feminine gender, the
perception on Organizational Support. For both sex half of the sample presents with relation
to the BS a moderate level of consuming of the dimension Depersonalization, what it does not
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confirm one of the research hypotheses that assume one high level in all the dimensions.
Already the female presents higher average than the male in the dimension Reduction of the
personal accomplishment. BS is not related to a worse or better perception on the QPL in this
sample of study. Differences for presentation of the BS and in the Perception on the QPL had
not been found, according to the age band, clear band and time of service. The results
indicate in general terms that the military present moderate level in the three factors of the BS.
CONCLUSIONS - The research pointed to need for modernization in the culture of the
institution, as well as its politics and strategies of management of human resources, with
respect to an effective reduction of the levels of emotional consuming detected and
consequent improvement of the QLP.
KEY- WORDS - Burnout Syndrome. Quality of Professional Life. Military Police. Quality
of Work Life.
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LISTA DE SIGLAS
AO - Apoio Organizacional
AP - Apoio Social
CFAP - Centro de Formao e Aperfeioamento Policial
CFP - Conselho Federal de Psicologia
CONEP - Comisso Nacional de tica em Pesquisa
CRT - Capacitao para o Trabalho
CT - Carga de trabalho
DE - Despersonalizao
DRT - Desconforto Relacionado ao Trabalho
EE - Exausto Emocional
EO - Estresse Ocupacional
EP - Diminuio da Realizao Pessoal
LSMQT - Laboratrio de Sade Mental e Qualidade de Vida no Trabalho
MBI - Maslach Burnout Inventory
MI - Motivao Intrnseca
MS - Mato Grosso do Sul
NEMPSI - Ncleo de Estudos Multidisciplinares em Psicologia
OMS - Organizao Mundial de Sade
PMMS - Policia Militar de Mato Grosso do Sul
PM - Polcia Militar
PSTS - Programa de Sade do Trabalhador no Brasil
QVP - Qualidade de Vida Profissional
QVT - Percepo sobre a QVT
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QVT - Qualidade de Vida no Trabalho
RRT - Recursos Relacionados ao Trabalho
SB - Sndrome de Burnout
SM - Sade Mental
UCDB - Universidade Catlica Dom Bosco
UFMS - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
OPAS - Organizao Pan-Americana da Sade
CSDO - Caractersticas scio-demogrficas e ocupacionais
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LISTA DE GRFICOS E FIGURAS E QUADROS
1. QUADRO 1 - Sintomatologia da Sndrome de Burnout ...................................................... 39
2. FIGURA 1 - Desenvolvimento do processo de instalao da Sndrome de SB...................40
3. FIGURA 2 - Pintura denominada "O Homem" de. Jos David Alfaro Siqueira.................41
4. GRFICO 1 - Distribuio das mdias das 8 dimenses de QVP ......................................84
5. GRFICO 2 . Distribuio das mdias dos 3 fatores da QVP+QVT (QVT)........................86
6. GRFICO 3 - Distribuio das mdias por sexo, das 3 dimenses da SB............................90
7. GRFICO 4 - Distribuio das mdias das oito dimenses da QVP, por sexo ...................91
8. GRFICO 5 - Distribuio das mdias das trs dimenses da QVP, por sexo ....................92
9. GRFICO 6 - Distribuio das mdias das respostas de SB e QVP, por patente militar ....95
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LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - Distribuio das freqncias e porcentagens das caractersticas scio-
demogrficas da amostra................................................................................... 81
TABELA 2 - Distribuio das freqncias e porcentagens dosdados ocupacionais da
amostra.............................................................................................................. 82
TABELA 3 - Distribuio de mdias, desvios-padro e classificao dos oito domnios
de QVP.............................................................................................................. 83
TABELA 4 - Distribuio de mdias, desvios-padro e classificao dos trs domnios
de QVP, mais QVT........................................................................................... 85
TABELA 5 - Distribuio das mdias, desvios-padro para as dimenses do SB e
QVP, por sexo................................................................................................... 89
TABELA 6 - Distribuio das mdias das respostas de SB e QVP, por faixa etria.............. 93
TABELA 7 - Distribuio das mdias das respostas de SB e QVP, por patente militar ........ 94
TABELA 8 - Distribuio das mdias das respostas de SB e QVP, por tempo de
servio............................................................................................................... 96
TABELA 9 - Distribuio das mdias e desvios-padro das dimenses da SB e
classificao da amostra geral........................................................................... 98
TABELA 10 - Classificao das dimenses da SB, por sexo................................................... 99
TABELA 11 - Classificao das oito dimenses da QVP, por sexo ...................................... 101
TABELA 12 - Relao entre estado civil e carga de trabalho (QV) no sexo masculino........ 103
TABELA 13 - Relao entre estado civil e carga de trabalho (QV) no sexo feminino.......... 103
TABELA 14 - Relao entre estado civil e apoio organizacional (QV) no sexo feminino.... 103
TABELA 15 - Correlao entre os itens doMBI e do QVP-35 .............................................. 106
TABELA 16 - Regresso mltipla entre QVT e as dimenses da QVP................................. 188
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LISTA DE APNDICES E ANEXOS
APNDICE A - Declarao para a pesquisa...............................................................146
APNDICE B - Carta de esclarecimento para obteno do Consetimento Livre e
Esclarecido........................................................................................147
APNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. ................................148
APNDICE D - Protocolo n. 0081/2004B..................................................................149
APNDICE E - Carta ao Comandante da PMMS......................................................152
ANEXO A - Organograma da PMMS....................................................................154
ANEXO B - Questionrio de Qualidade de Vida Profissionail- QVP-35..............155
ANEXO C - Oficio n. 135/PM-3/05......................................................................157
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SUMRIO
I INTRODUO.................................................................................................................... 1
1.1 JUSTIFICATIVA ........................................................................................................... 2
1.2 APRESENTAO......................................................................................................... 5
II REFERENCIAL TERICO .............................................................................................. 9
2.1 SADE E DESGASTE PROFISSIONAL NAS ORGANIZAES DE
TRABALHO................................................................................................................. 10
2.2 SOBRE A SADE MENTAL...................................................................................... 16
2.3 O CAMPO DE ESTUDOS: A SADE MENTAL DO TRABALHADOR................ 19
2.4 SOBRE O ESTRESSE ................................................................................................. 23
2.4.1 Caractersticas pessoais implicadas no estresse .................................................. 25
2.4.2 Sobre o estresse ocupacional............................................................................... 26
2.4.3 Estressores ocupacionais ..................................................................................... 31
2.5 A SNDROME DE BURNOUT (SB) ........................................................................... 34
2.5.1 Fatores psicossociais, outros tipos de risco e SB na profisso de policial .......... 44
2.6 QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO................................................................ 55
2.6.1 Qualidade de vida de policiais militares ............................................................. 61
2.6.2 Como melhorar a qualidade de vida no trabalho................................................. 62
2.7 EVOLUO HISTRICA DA INSTITUIO POLICIAL MILITAR NO
BRASIL ........................................................................................................................ 65
2.7.1 A criao da Polcia Militar de Mato Grosso em Mato Grosso do Sul ............... 66
2.7.2 Atribuies da PMMS......................................................................................... 67
III A PESQUISA..................................................................................................................... 69
3.1 O CAMPO DE INVESTIGAO ............................................................................... 70
3.2 HIPTESES ................................................................................................................. 70
3.3 OBJETIVOS................................................................................................................. 70
3.3.1 Objetivo Geral ..................................................................................................... 70
3.3.2 Objetivos especficos........................................................................................... 70
IV CASUSTICA E MTODO .............................................................................................. 72
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4.1 LOCUS DA PESQUISA............................................................................................... 73
4.2 PARTICIPANTES........................................................................................................ 73
4.3 CRITRIOS DE INCLUSO ...................................................................................... 73
4.4 CRITRIOS DE EXCLUSO..................................................................................... 73
4.5 RECURSOS HUMANOS E MATERIAIS .................................................................. 74
4.6 INSTRUMENTOS DE PESQUISA ............................................................................. 74
4.6.1 Maslach Burnout Inventory (MBI) ..................................................................... 74
4.6.2 Questionrio de Qualidade de Vida Profissional (QVP-35) ............................... 74
4.7 PROCEDIMENTO E ASPECTOS TICOS DA PESQUISA..................................... 75
4.8 ANLISE E PROCESSAMENTO DE DADOS ......................................................... 76
V RESULTADOS .................................................................................................................. 78
5.1 CARACTERIZAO DA AMOSTRA....................................................................... 79
5.2 ANLISE DAS MDIAS............................................................................................ 87
5.3 ANLISE DA CLASSIFICAO DAS RESPOSTAS.............................................. 97
5.4 CORRELAES ENTRE SB e QVP........................................................................ 104
5.5 REGRESSO MLTIPLA........................................................................................ 107
VI DISCUSSO .................................................................................................................. 109
6.1 CARACTERSTICAS SCIO-DEMOGRFICAS E OCUPACIONAIS (CSDO)... 110
6.2 SOBRE A QUALIDADE DE VIDA PROFISSIONAL (QVP)................................. 112
6.3 SOBRE BURNOUT (SB) ........................................................................................... 113
6.4. SOBRE ASSOCIAES ENTRE CSDO, QVP e SB............................................... 117
VII CONCLUSO E CONSIDERAES FINAIS ......................................................... 123
REFERNCIAS ................................................................................................................... 126
APNDICES ......................................................................................................................... 145
ANEXOS ............................................................................................................................... 153
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Ficha catalogrfica
Mayer, Vnia Maria M468s Sndrome de Burnout e qualidade vida profissional em policiais militares de Campo Grande-MS/ Vnia Maria Mayer; orientao,. Liliana Andolpho Magalhes Guimares. 2006 157 f. + anexos Dissertao (Mestrado) Universidade Catlica Dom Bosco, Campo Grande, 2006 Inclui bibliografias 1.Burnout (Psicologia) 2. Qualidade de vida profissional 3. Polcia militar I. Guimares, Liliana Andolpho Magalhes II. Ttulo CDD 158.7 Bibliotecria responsvel: Cllia Takie Nakahata Bezerra - CRB 1/757
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________________________________________________I- INTRODUO
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1.1 JUSTIFICATIVA
A presente investigao aborda os temas Sndrome de Burnout (SB) e Qualidade de
Vida Profissional (QVP) de um grupo de policiais militares da cidade de Campo Grande-MS.
A idia de melhor conhecer a possibilidade da ocorrncia desta Sndrome neste grupo
ocupacional, bem como sua QVP, foi se constituindo ao longo do tempo, a partir das
seguintes inseres, que possibilitaram vrias indagaes, discusses e reflexes:
Ao longo de dez anos, a pesquisadora atuou na Sociedade Beneficente de Campo
Grande. Essa experincia no trabalho hospitalar a colocou em contato constante com um
grande nmero de pacientes que procuram o servio com sintomas de estresse, depresso,
encaminhados por empresas e com queixas de excesso de trabalho. Trabalhou no rgo
pblico denominado Promoo Social de Mato Grosso do Sul (PROMOSUL), com crianas,
adolescentes e seus familiares e procurou conhecer suas representaes psicossociais, visando
apreender o que elas pensam e sentem acerca de suas experincias envolvendo, e.g., perdas,
separaes, pais ausentes, drogas, adaptao a novos ambientes, regras e disciplinas,
ocupao dos pais;
Uma preocupao e ateno crescentes com a QVP e a Sndrome de Burnout foi se
delineando a partir das aulas ministradas pela pesquisadora como professora substituta das
disciplinas de Psicologia da Aprendizagem e Psicologia do Desenvolvimento, no curso de
graduao em Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Na
ocasio, pode-se observar um grande nmero de alunos (professores da rede pblica e
privada) com queixas de cansao, insatisfao, tristeza. Estes diminuam progressivamente
seu rendimento e produtividades na universidade e era visvel um importante absentesmo;
Desde 1990, o atendimento clnico psicolgico prestado em consultrio pela autora a
policiais militares usurios do sistema de sade do Estado, em Campo Grande, mostrou-se
decisivo para a elaborao deste projeto, uma vez que, progressivamente, um grande nmero
de policiais apresentava sintomas psicoemocionais variados, caractersticos da SB;
Alguns policiais, no exerccio de sua funo, procuravam atendimento mdico de
forma aleatria, em busca de uma ateno inespecfica em sade, para problemas de ordem
fsica e/ou mental (sobretudo de ordem psicossomtica) apresentados; outros buscavam o
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servio espontaneamente, mas a grande maioria era encaminhada para atendimento
psicolgico por diferentes especialidades mdicas. De acordo com os relatos, os policiais
atendidos apresentavam queixas fsicas (gastrite, insnia, taquicardia, falta de ar, etc.),
queixas psquicas (ansiedade, irritabilidade, agressividade, tristeza, angstia, fobias, ideaes
suicidas), e queixas relacionadas ao trabalho (relacionamento com a chefia, aumento da carga
de trabalho, baixo reconhecimento, entre outros);
A partir desses dados, percebeu-se a necessidade de realizar um diagnstico da
situao de trabalho desses profissionais, objetivando compreender os possveis motivos para
esse aparente adoecimento.
O curso de Mestrado em Psicologia da Universidade Catlica Dom Bosco apresentou-
se como uma oportunidade valiosa para o desenvolvimento de uma investigao que pudesse
trazer algumas respostas s nossas reflexes e constataes.
A partir de ento, a participao da pesquisadora, no grupo de pesquisa denominado
Laboratrio de Sade Mental e Qualidade de Vida no Trabalho (LSMQT), ligado ao Ncleo
de Estudos Multidisciplinares em Psicologia (NEMPSI), pertencente ao Mestrado em
Psicologia da UCDB possibilitou pesquisar a SB como uma contribuio prtica melhoria
da Sade Mental (SM) e da QV do referido grupo ocupacional, necessitado de uma ao
emergencial que levasse em considerao as queixas apresentadas e a gravidade das
conseqncias decorrentes da referida sndrome para a sade dos trabalhadores e para o bom
desempenho de suas atividades junto populao.
Como o LSMQT j vinha estudando de maneira frutfera o campo da Sade Mental e
Trabalho, j tendo inclusive publicado trs livros sobre o tema e vrios artigos, o
conhecimento dos assuntos ali abordados sugeria que a investigao sobre o estresse
ocupacional e sua cronificao (Burnout) e da Qualidade de Vida na Polcia Militar (PM)
poderia contribuir para uma melhor compreenso dos fatores psicossociais de risco
especficos deste tipo de trabalho, capazes de interferir em sua SM e QV.
A partir desse contexto o presente estudo foi gerado e se constituiu, tendo percorrido
um longo caminho at sua finalizao.
Assim sendo, optou-se por conhecer a possvel ocorrncia e os nveis de SB entre os
policiais militares, sua QVP, bem como a inter-relao entre essas duas variveis.
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Conseqentemente, a utilizao de dois instrumentos de pesquisa se justifica, dado que
a literatura refere que a combinao de medidas que avaliam o sentimento de bem-estar
acerca do equilbrio entre as demandas do trabalho e os recursos psicolgicos, organizacionais
e relacionais que o trabalhador dispe para enfrent-las, permite viabilizar uma maior
capacidade estratgica, administrativa e operacional no manejo de problemas que repercutem
na Qualidade de vida do trabalhador (CORTS-RUBIO et al., 2003; LIMONGI-FRANCA,
2004).
Com o referencial terico/conceitual e os instrumentos de pesquisa escolhidos, foram
realizadas as primeiras buscas na literatura cientfica, constando-se uma importante escassez
de estudos com o grupo ocupacional alvo da pesquisa.
Um levantamento bibliogrfico realizado em bases de dados nacionais e internacionais
mostrou diversos estudos investigando a sade mental ocupacional de militares (policiais).
Entretanto, a literatura relacionada especificamente com a cronificao do estresse
ocupacional (Burnout) apresentou-se em nmero visivelmente menor. Na literatura nacional,
no entanto, foram encontrados vrios estudos que abordam a SM e a QVP nesta categoria
ocupacional, porm, a partir de distintas abordagens terico-conceituais.
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1.2 APRESENTAO
Este estudo foi concebido tendo em vista o diagnstico e a conseqente possibilidade
de elaborao de medidas especficas preventivas, teraputicas e reabilitadoras apropriadas,
capazes de influenciar na melhoria da SM e da Qualidade de Vida do grupo ocupacional
abordado: policiais militares.
Sero apresentados elementos tericos e prticos que possibilitem aos profissionais da
rea um recurso investigao e abordagem do problema ora estudado.
Cabe acrescentar que os tempos mudam e as pessoas e o ambiente acompanham essas
mudanas, surgindo constantemente novas perspectivas de compreenso dos fenmenos
atuais pela Psicologia Ocupacional.
O cansao, o esgotamento, a irritao, a fadiga e outras tantas sensaes fsicas e
mentais acabaram sendo encampadas por um s termo que se tornou banal e usado de forma
inconsistente e muitas vezes errnea: estresse. A amplitude de tal termo (muitas vezes
encarado como causa e outras como conseqncia) d margem s mais diversas e suspeitas
intervenes que podem levar ao agravamento de um quadro especfico que acomete uma
determinada pessoa ou grupo ocupacional.
Ao consultar a literatura sobre estresse, muitas dvidas surgem, pois, por vezes, sua
descrio se assemelha a um quadro de depresso leve ou moderada, neurose de ansiedade ou
quadros fbicos, dentre outros, mascarados pelo rtulo de estresse.
Nesta trajetria, a SB apresenta-se como um conceito oportuno que traz uma viso
mais especfica sobre um conjunto de sintomas que o trabalhador pode desenvolver no
decorrer do exerccio laboral. Descobriu-se, ento, uma possibilidade de resposta s
indagaes da pesquisadora, comentadas anteriormente.
Burnout um termo da cultura anglo-saxnica que pode ser traduzido para o
portugus como apagar-se ou queimar-se e lembra, de certo modo, a imagem de uma vela
ou fogueira apagando-se lentamente.
De forma geral, trata-se de uma sndrome decorrente do estresse laboral crnico que
afeta os profissionais e sua relao com o trabalho. Nela, o trabalho pode perder o seu sentido
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original e os eventos dele provenientes passam a no importar; esforos podem se constituir
inteis para modificar esta situao.
A SB mais incidente e prevalente em profissionais que desempenham funes
assistenciais que exigem elevado investimento na relao interpessoal, marcado pelo cuidado
e a dedicao. Com o passar do tempo, pode ocorrer que o profissional v se desgastando, se
estresse e desista. As manifestaes dessa desistncia so: a diminuio da auto-estima, o
esgotamento emocional, o surgimento de comportamentos inadequados com a clientela
(irritao, descaso, cinismo e distanciamento), a diminuio da produtividade e da auto-
realizao no trabalho, a ocorrncia de problemas psicossomticos e o absentesmo, entre
outros.
A sndrome da desistncia, como o Burnout vem sendo chamado por alguns autores,
tem sido estudada a partir da dcada de 1970 em diferentes pases e, atualmente, constitui-se
como um problema psicossocial do trabalho.
No Brasil, s recentemente, este quadro tem recebido ateno pela comunidade
cientfica e incorporado s polticas de sade e trabalho e, por esse motivo, ainda so poucos
os trabalhos existentes relacionando esse tema realidade nacional.
A Organizao Mundial de Sade (OMS) recomenda, em informe sobre a sade no
mundo, publicado em 2000, um maior cuidado com os recursos humanos das organizaes de
trabalho, porque deles depende a eficincia e a eficcia do sistema. Destaca ainda que, so as
pessoas que desenvolvem conhecimentos, habilidades e motivao. A OMS prossegue
apontando para o fato de que as condies de trabalho do profissional influenciam a QV, bem
como a qualidade dos servios prestados (ORGANIZAO MUNDIAL DE SADE, 2000).
Soma-se a este quadro algumas conseqncias para a prpria sociedade: absentesmo,
acidentes de trabalho e riscos laborais de origem psicossocial (estresse e SB, e.g.), que
ocupam posio de destaque e, portanto, tm se constitudo em crescente preocupao para os
profissionais e pesquisadores das reas da sade e do trabalho, gestores e legisladores.
Nesta direo, Gil-Monte (2002) complementa que a gesto de Recursos Humanos
deve dedicar maior ateno a esses fenmenos, desenvolvendo estratgias de avaliao e
interveno.
O interesse pela caracterizao da SB ampliou-se, como salientam Perlman e Hartman
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(1982), a partir dos seguintes fatores: 1) melhoria da qualidade de vida, como proposta pela
OMS (1948) em sua alterao do conceito de sade; 2) maiores exigncias da populao em
relao prestao e qualidade dos servios educacionais, de sade e sociais e 3)
conscientizao de cientistas, clnicos e rgos pblicos da necessidade de maior
compreenso, preveno e atendimento desse fenmeno psicossocial que afeta drasticamente
a sade e a QV do trabalhador.
A produo de estudos brasileiros sobre a sade do trabalhador, como os realizados
por Cardoso et al. (1994), Santorum (1995), Mendes e Abraho (1996), dentre outros, salienta
a importncia de estudos relativos questo do sofrimento do trabalhador.
A questo do estresse geral, do estresse ocupacional, da SB em particular e da
Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) se apresenta em trabalhos como os de Aguiar (2000),
Guimares e Cardoso (2004a, 2004b), entre outros autores. As perspectivas de estudo variam
de acordo com o contexto e a dimenso do fenmeno considerado.
O presente estudo, ao avaliar o fenmeno de Burnout e a QV de uma amostra de
policiais militares da cidade de Campo Grande-MS busca demonstrar a necessidade de
diagnstico, preveno e interveno nos problemas de sade enfrentados no cotidiano desses
trabalhadores, tidos pela literatura especializada, como altamente expostos. Buscar-se-
tambm caracterizar a QVP desses profissionais e a sua inter-relao com a ocorrncia do
Burnout, visando contribuir para uma melhor compreenso terica e prtica aplicada
realidade brasileira, uma vez que os estudos existentes no Brasil ainda so escassos.
Pretende-se, dessa forma, desenvolver estratgias preventivas e informativas,
objetivando influir na gesto da organizao e conseqentemente no desenvolvimento social,
partindo-se de aes concretas e da formao educacional-profissional, que promovam a
melhoria da SM e da QV destes trabalhadores.
A presente dissertao de mestrado est dividida em sete sees:
A primeira seo apresenta uma introduo e a justificativa para sua realizao, o
contexto que motivou seu incio, uma apresentao geral e atual do tema, e sua relevncia
acadmico-cientfica e social.
A segunda seo versa sobre o referencial terico que embasou esta investigao e est
dividida em captulos que abordam: 1) a sade e o desgaste profissional nas organizaes de
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Trabalho; 2) a Sade Mental; 3) a Sade Mental do Trabalhador; 4) Estresse; 5) Estresse
Ocupacional; 6) a SB e a SB em policiais militares; 7) a QVT e a QVT de policiais militares;
e, por ltimo, 8) a instituio policial militar.
A terceira seo traz a pesquisa de campo e contexto no qual a mesma foi realizada,
as hipteses de trabalho e os objetivos estabelecidos.
A quarta seo aborda a casustica e mtodo de investigao, apresentando a
populao estudada, os recursos humanos e os materiais utilizados, os instrumentos de
pesquisa, os procedimentos realizados, os aspectos ticos, a pesquisa de campo, a anlise e
processamento dos dados coletados.
A quinta seo, por sua vez, descreve os resultados obtidos, evidenciando os achados
estatisticamente significativos.
A sexta seo apresenta a discusso dos resultados. Por ltimo, na stima seo, so
apresentadas as concluses obtidas a partir da pesquisa, as consideraes finais que incluem
sugestes para melhoria da qualidade de vida dos policiais militares de Campo Grande-MS,
bem como fornecem subsdios para futuros estudos na rea da Psicologia da Sade
Ocupacional.
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_________________________________II- REFERENCIAL TERICO
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Sero apresentadas a seguir breves consideraes sobre a evoluo dos conceitos
de sade e doena. Partindo da descrio de uma viso isolacionista, parte-se para a
contextualizao de uma abordagem fundamentada no holismo, interacionismo e
dialtica, contempornea e mais compatvel com as demandas de sade apresentadas
pelos trabalhadores, na atualidade.
2.1 SADE E DESGASTE PROFISSIONAL NAS ORGANIZAES
DE TRABALHO
Rey (1982) acerca do desenvolvimento da conceituao sobre a sade mostra
que este conceito j esteve ligado ao modelo semiolgico descritivo, que concebe a
sade como a ausncia de sintomas. Entender a sade e a doena enquanto fenmenos
dicotmicos insuficiente para explicar muitas situaes que ocorrem com o
organismo. De acordo com o mesmo autor este um dos fatores responsveis pela
criao da indesejvel dicotomia entre a sade somtica e a sade mental.
A OMS (1948, p. 238) definiu a sade [...] como sendo um estado completo de
bem estar fsico, mental e social e no apenas a ausncia da afeco ou doena. A
partir dessa definio, a sade, passa de uma viso estritamente biolgica para uma
viso integrada por fatores biolgicos, mentais e sociais.
Rey (1982) considera que a sade um complexo processo qualitativo que
envolve o somtico e o psquico, integrando-os de uma forma sistmica, em que os dois
formam uma unidade que traduz o funcionamento completo do organismo.
Para Capra (1982), sade um estado de bem estar estabelecido a partir de um
certo modo de funcionamento do organismo, sendo que tal estado depender de como
descrevemos o organismo e suas interaes com o meio ambiente.
Rio (1996) considera que a sade representada por uma eficcia pessoal que
possibilita ao ser uma vida plena, criativa e prazerosa. Tambm aponta, como condio
de sade, a capacidade do organismo em manter um equilbrio apropriado para sua
idade e necessidades sociais, bem como o desenvolvimento e manuteno de formas de
comportamento que promovam a sobrevivncia e perpetuao da espcie.
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De acordo com as perspectivas apresentadas por Rio (1996), pode-se observar
uma passagem da concepo reducionista de doena adotada antes de Claude Bernard,
considerado o precursor da fisiologia moderna, para uma concepo caracterizada pela
preocupao com o meio ambiente na questo da sade ou da doena.
Ao longo do processo histrico, passou-se de uma perspectiva individual para
uma dimenso mais coletiva do conceito de sade. Codo, Sampaio e Hitomi (1993)
reafirmam tal enfoque e situam sade e doena no como fenmenos isolados, pois
esto profundamente vinculados entre si e ao contexto scio-econmico-cultural.
Segundo Pitta (1994), de Sydeham a Pinel, as doenas se originavam e se
organizavam em uma estrutura geral de racionalidade a qual tratava da natureza e da
ordem das coisas. A partir de Bichat, o fenmeno patolgico percebido tendo a vida
como pano de fundo e liga-se, assim, s formas concretas e obrigatrias que ela toma
em uma individualidade orgnica.
Ferrara et al. (1981 apud REZENDE, 1989, p. 24) refere que:
[...] Frente a qualquer eventualidade do mundo fsico, o homem, na sua rea fsica, luta para manter o seu equilbrio, seu timo vital, e essa luta implica em algumas oportunidades, em aes para superar ou resistir a condies desfavorveis e inclusive modificar o meio fsico que lhe hostil, mas ento, nesse o que fazer, enquanto enfrenta o conflito e luta por esse timo vital, no est nem so nem doente: est lutando. Nesse instante quando se mostra de forma mais eloqente o processo dialtico que condiciona o normal e o patolgico, e ambos os termos jamais devem ser considerados estranhos um ao outro.
Botom e Santos (1983, p. 134) definem a sade como:
[...] um fenmeno que tem graus variados em uma escala, acrescentando a este conceito, ainda, a noo de multideterminao. Levar em conta esses graus de variao das condies de sade significa olhar para o fenmeno sade de um ponto de vista dinmico, e no apenas como se fosse um evento esttico. A multideterminao parte do pressuposto de que h muitas variveis com possibilidade de determinar diferentes graus nas condies de sade de um organismo.
Partindo da concepo de que o indivduo distribui-se entre sua casa, seu
trabalho e o contexto sociocultural no qual est inserido, o grau de variao das
condies de sade manifestar-se- em seu cotidiano, influenciando e sendo
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influenciado por diferentes dimenses, trazendo conseqncias e reaes por parte do
indivduo.
Faz-se necessrio situar o Trabalho em suas implicaes e relaes com a sade.
Do ponto de vista psicolgico, o trabalho provoca diferentes graus de motivao
e satisfao, principalmente quanto forma e ao meio no qual se desempenha a tarefa
(KANAANE, 1994). A partir do momento que o indivduo passa a fazer parte de um
contexto organizacional, atuam sobre ele diferentes variveis modificando seu estado
pessoal, seu trabalho, sua sade e suas relaes sociais.
O desgaste fsico e emocional ao qual as pessoas esto submetidas em seu
ambiente de trabalho e na execuo de suas tarefas bastante significativo na
determinao de transtornos relacionados ao estresse, como o caso das depresses,
transtornos de ansiedade, fobias, distrbios psicossomticos e Burnout.
Os estmulos estressores ligados atividade laboral so muitos e podemos de
forma simplificada relacion-los da seguinte forma: sobrecarga denotada pela
urgncia de tempo, responsabilidade excessiva, falta de apoio e expectativas excessivas
do prprio indivduo ou de pessoas que o cercam; falta de estmulos tdio; solido ou
falta de solicitaes de sua capacidade e potencial; rudos, alteraes do sono; falta de
perspectivas; mudanas constantes determinadas pela organizao, por adies a novas
tecnologias, mudanas devido ao mercado e mudanas auto-impostas, alm das questes
ergonmicas que podem comprometer o organismo nas dimenses fsica e mental.
Acrescentem-se tambm as mudanas no mundo do trabalho provocadas pelo
processo de globalizao da economia, a sofisticao tecnolgica, a decadncia das
relaes humanas cooperativas que so substitudas por aspectos competitivos e de
busca de recompensas extrnsecas ao prprio trabalho como elementos importantes no
surgimento de sentimentos de insegurana, ansiedade e diminuio da auto-estima do
indivduo e de grupos sociais.
Quando estes sentimentos so intensos e constantes e quando as caractersticas
da funo no trabalho tambm contribuem para a manuteno das condies citadas
acima, o indivduo, apesar de tentar repetidamente solues para tais adversidades,
torna-se vulnervel ao surgimento de Burnout.
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Comumente, ouvem-se indivduos dizendo, em seus locais de trabalho, em suas
casas ou no mbito social, que esto estressados e cansados e que gostariam de fazer
algo diferente ou tirar frias prolongadas.
Estes sentimentos so expressos por j fazerem parte do senso comum e por
serem compartilhados e aceitos pelas pessoas. Trocam-se idias a respeito, propem-se
mudanas na rotina do trabalho, incio de exerccios fsicos ou maior dedicao ao lazer
e diverso ou ainda a ingesto de vitaminas. De acordo com vrios autores, esta uma
concepo errnea, pois o indivduo acredita tratar-se apenas de uma crise momentnea
pela qual ele o nico responsvel. Tentativas de mudana acabam mal sucedidas
predispondo o indivduo Burnout.
Nesta direo, Farber (1991) indica que a sndrome no causada pelo estresse
em si e salienta a falta de recursos e suporte que a organizao proporciona ao
indivduo.
Bernardes (1988, p. 25) caracteriza a organizao de trabalho:
[...] como uma associao de pessoas que se relacionam entre si e com o ambiente externo, colaborando e dividindo o trabalho para transformar matria prima ou insumos em bens ou prestao de servios a sociedade. Tambm tem o objetivo de atender as necessidades de seus prprios participantes, condio esta, para manter-se existente no tempo.
Sade na organizao representa fornecer condies de trabalho condizentes
com as necessidades das pessoas e de seus biorritmos, assegurando o bem estar fsico e
psicolgico (MOSCOVICI, 1993).
Maslach e Leiter (1999, p. 18) observam que Burnout no um problema das
pessoas, mas principalmente do lugar onde as pessoas trabalham.
Segundo Garcia-Izquierdo (1993) diversos autores tm afirmado que a interao
com outras pessoas no mbito de trabalho uma das causas de estresse. Na dcada de
1970, adotou-se o termo Burnout, que no sentido literal significa estar esgotado e que
caracterstico de profisses de assistncia, ou seja, aquelas profisses que consistem
principalmente em oferecer servios humanos diretos e de grande relevncia para o
usurio.
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Silva (1994), ao abordar os conceitos de sade mental e trabalho e suas relaes,
indica que as disciplinas que se dedicam anlise das questes do trabalho humano
enfatizam determinaes scio-polticas, histricas, econmicas e culturais. Esta
perspectiva comporta desde o macrossocial at os processos e condies presentes na
organizao. Como complementao a estas disciplinas, outras surgem direcionando-se
para o estudo da sade dos trabalhadores quando submetidos a diferentes estmulos e
condies de trabalho. O referido autor comenta que esses estudos tendem a preconizar
elementos e aspectos relativos constituio do desgaste mental e s defesas utilizadas
contra ele.
Silva (1994, p. 80) refere que [...] o desgaste pode ser entendido a partir das
experincias que se constroem diacronicamente, ao longo das experincias da vida
laboral e extralaboral dos indivduos.
Dejours (1992) comenta que, do confronto entre o indivduo com uma histria
de vida singular e a organizao do trabalho (diviso do trabalho, contedo da tarefa,
organizao hierrquica, responsabilidades) que possui uma injuno
despersonalizante, surge o sofrimento mental.
Para Codo et al. (1993), a organizao do trabalho exerce uma ao especfica
sobre o indivduo e forte impacto se d no seu psiquismo. A partir de certas condies,
pode surgir um sofrimento fruto do choque entre a histria pessoal (projetos,
necessidades, esperanas e desejos) e uma organizao de trabalho que no os
reconhece.
Esse sofrimento de natureza psquica/mental se inicia quando o indivduo no
pode realizar mudanas na sua tarefa a fim de adapt-la as suas necessidades
fisiolgicas e psquicas. A relao homem trabalho fica bloqueada.
Para Dejours (1989 apud LUNARDI FILHO, 1997), a organizao do trabalho
, de certa forma, a expresso da vontade do outro, pois o trabalhador dominado e
forado a agir conforme a vontade desse outro. Com isso, desprende-se de seu corpo
fsico como tambm desapropriado de sua competncia. Quando ocupa um cargo ou
funo numa organizao, encontra a sua espera um conjunto de tarefas que devem ser
cumpridas, alm de objetivos e meios para realiz-las j determinados. Resta-lhe apenas
execut-las. Se no h nenhuma condio de adequao do trabalho prpria
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personalidade do trabalhador, ele aumenta sua carga psquica, o que resulta em
sofrimento advindo de sentimentos gerados por diversos aspectos que provocam
disfunes pessoais e organizacionais. Dentre outros, pode-se citar o sentimento de
inutilidade (o indivduo no percebe valorizao e finalidade de seu trabalho);
sentimento de falta de dignidade (vergonha de ser apenas uma pea da engrenagem);
sentimento de desqualificao (cujo sentido repercute no s para si como tambm para
o ambiente de trabalho).
De acordo com Codo et al. (1993, p. 59) [...] tentar compreender o homem sem
considerar o trabalho tentar compreender o homem, apesar de sua vida. Os mesmos
autores acrescentam que:
O homem produz sua prpria existncia na medida em que trabalha, arquitetando a estrutura social com suas prprias mos, a mesma estrutura que lhe servir de habitat; o homem o meio ambiente do homem.
Homem e trabalho esto intimamente relacionados, pois o trabalho contribui
para a formao da subjetividade e identidade do indivduo e esses componentes agem
sobre sua percepo, desempenho e aquisies provenientes de seu trabalho.
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2.2 SOBRE A SADE MENTAL
Nos ltimos anos foram realizados grandes progressos das cincias biolgicas e
comportamentais (Organizao Pan-Americana da Sade/OMS, 2001), sobretudo
quanto forma de se compreender o funcionamento mental, levando-se em conta o
profundo e intenso relacionamento entre sade mental, fsica e social (GUIMARES et
al., 2004b).
Segundo Guimares (1992), ao termo Sade Mental dado um duplo significado
e que utilizado para designar o objetivo a ser alcanado e tambm para referir-se s
aes encaminhadas e escolhidas para chegar a este objetivo.
O processo da instituio social do indivduo (socializao da psique)
[...] um histrico de imposio psique, de normas, pela sociedade, de uma maneira de ser que a psique jamais poderia fazer a partir de si mesma e que fabricaria um indivduo social (CASTORIADIS, 1982, p. 343).
Nas sociedades histricas, existe a alienao (modalidade da relao com a
instituio e, por seu intermdio, da relao com a histria) que necessrio elucidar,
para melhor compreenso do desenvolvimento da realidade psquica:
As instituies podem ser, e o so efetivamente, alienantes em seu contedo
especfico. Elas o so enquanto exprimem e sancionam uma estrutura de classe, mais
genericamente numa viso antagnica da sociedade e, o poder de uma categoria
determinada sobre o conjunto, e as evidncias podem se inverter, o que poderia ser visto
no incio, como um conjunto de instituies a servio da sociedade, transforma-se
numa sociedade a servio das instituies (CASTORIADIS, 1982).
Para Codo et al. (1993), a organizao do trabalho passa a exercer, sobre o
homem, uma ao especfica, cujo impacto no aparelho psquico manifesta-se por um
sofrimento que pode ser atribudo ao choque entre uma histria individual, portadora de
projetos, de esperanas e de desejos e uma organizao do trabalho que os ignora. Esse
sofrimento, de natureza mental, comea quando o homem, no trabalho, j no pode
fazer nenhuma modificao na sua tarefa, no podendo torn-la adequada as suas
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necessidades fisiolgicas e a seus desejos psicolgicos, quando a relao homem-
trabalho bloqueada, produzindo, alm da frustrao, doenas diversas.
Todas as concepes de doena pressupem uma norma objetiva que permite
determinar um modelo referencial com funo comparativa mais evidente quando a
questo doena mental.
Neste sentido, Machado et al. (1978) afirmam que para medir o que ou no
razovel, lgico e coerente em uma conduta ser preciso compar-la com ela mesma e
com outros comportamentos comumente aceitos em cada sociedade e em dado
momento histrico.
Esse critrio comparativo, ao mesmo tempo em que possibilita estabelecer a
norma a partir da observao do desvio, permite relacionar histria individual e da
sociedade, interpretando-as como mudana progressiva e interdependente.
Segundo Codo et al. (1995), existe um contraste derivado da interao entre um
indivduo, que detm um histrico (personalizado), e a organizao do trabalho,
possuidora de um vetor despersonalizante que enseja, como conseqncia, um
sofrimento que influenciar na sade, em seus aspectos organizacionais e funcionais.
Para os autores acima citados, o sofrimento do indivduo que traz conseqncias
sobre o seu estado de sade e igualmente sobre o seu desempenho aquele que produz
alteraes ou disfunes pessoais e organizacionais. J os sentimentos geradores de
disfunes so variados, podendo-se salientar: os de indignidade, inutilidade e
desqualificao. O sentimento de indignidade pode ser descrito como no sendo mais
que uma parte no integrada ao todo, com receio de ser automatizado. O sentimento de
inutilidade pode ser caracterizado pela ausncia de finalidade do trabalho em relao ao
conjunto da atividade da organizao, tendo como conseqncia o fato de as pessoas
no conhecerem a prpria significao de seu trabalho. O sentimento de desqualificao
aquele que desenvolve insegurana, baixa auto-estima, cujo significado repercute no
s para si como para o ambiente de trabalho e desencadeia doenas mentais.
A experincia depressiva condensa e amplia, de alguma maneira, os sentimentos
de indignidade, de inutilidade e de desqualificao, uma vez que este estado dominado
pelo cansao, originado no s dos esforos fsicos, mas tambm pelos esforos
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psicolgicos.
Outros sintomas causados pelos sentimentos acima mencionados podem ser
associados ao cansao, tais como:
a) fadiga: resultante da sobrecarga de trabalho;
b) insatisfao: resultante do confronto com a esfera das aspiraes, motivaes
ou desejos;
c) frustrao: resultante de um significante contedo inadequado s
potencialidades e s necessidades do indivduo;
d) angstia: resultante de um conflito, de uma contradio entre dois impulsos
inconciliveis;
e) medo: est presente em todos os tipos de ocupaes profissionais,
principalmente naquelas em que os indivduos esto expostos a riscos
relacionados integridade fsica.
A observao da prevalncia dos transtornos mentais em adultos e jovens
permite perceber a existncia de uma presso emocional, assim como financeira para os
indivduos, suas famlias e a sociedade em seu conjunto.
O impacto econmico das doenas mentais demonstra uma diminuio das
habilidades da pessoa enferma e, freqentemente, afeta tambm seus responsveis, com
queda da produtividade no mbito do trabalho, com reflexos na economia nacional,
assim como no aumento da utilizao dos servios de ateno e apoio.
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2.3 O CAMPO DE ESTUDOS: A SADE MENTAL DO
TRABALHADOR
A Sade Mental e o Trabalho tm se estruturado como um campo de estudos
recente, complexo e transdisciplinar que est assumindo cada vez mais um papel
importante para os estudos e prticas dos profissionais das reas de sade e da
produo, assim como para as organizaes, que buscam condies mais saudveis de
trabalho para seus funcionrios.
O trabalho tem sido observado pelos estudiosos das Cincias Humanas e Sociais
desde o incio da existncia humana, seja como atividade braal ou intelectual, tendo
evoludo paralelamente organizao do Estado e da sociedade.
O desenvolvimento social (tecnolgico e econmico) ocorrido nas ltimas
dcadas provocou mudanas nas formas de organizao, gerncia e planejamento do
trabalho.
Na histria da sociedade, o trabalho j foi visto como meio de expiao do
pecado, punio para o pecado, satisfao de necessidade por mediao da orao,
modo de servir a Deus, forma de desenvolvimento, entre outras.
Na Grcia Antiga, somente os escravos e as mulheres trabalhavam, pois os
homens dedicavam-se ao cio criativo: quem trabalhava negava o cio, portanto a
palavra negcio tinha um significado pejorativo naquele momento histrico
(VERNANT, 1992).
Durante a Idade Mdia, o significado do trabalho no sofreu grandes
modificaes tendo em vista que o modo de produo era o feudalista, analogamente
escravizante.
Com o advento da Revoluo Industrial houve uma modificao no modo de
produo operada pelo capital, que gerou efeitos (do progresso) para a classe operria: o
trabalho de mulheres e crianas, o prolongamento da jornada de trabalho, conflitos entre
os operrios e imposio de uso das mquinas; aumento da incidncia de acidentes de
trabalho e, com o incio da automatizao da mo-de-obra nas grandes indstrias surgiu
a monotonia do trabalho (MARX, 1980).
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Nesta direo, Guimares (2005) refere que com evidncias de adoecimento,
em virtude do trabalho desenvolvido , em 1848, na Inglaterra, os homens trabalhavam
18 horas por dia, mulheres e crianas tinham um turno de 14 horas dirias de trabalho,
identificando-se grandes dificuldades no relacionamento entre empresrios e
trabalhadores.
No sculo XIX, portanto, o trabalho passa a ter significado de atividade humana,
alm de fsica, intelectual, sendo compreendido como mal necessrio sociedade
(STEPHANINI, 2003).
Desde a Revoluo Francesa, o mundo do trabalho passou por grandes
transformaes, como resultado da opresso que a classe operaria sofreu, em virtude da
busca ilimitada da mais valia. No incio, houve uma grande liberdade para o
desenvolvimento de quaisquer atividades econmicas, sem qualquer interveno ou
controle do Estado. A resultante precariedade da Qualidade de Vida dos Trabalhadores
(QVT) gerou a necessidade de interveno, principalmente para que os mesmos
recebessem prestao de servios na rea de sade (como assistencialismo e previdncia
social), na tentativa de diminuir as desigualdades geradas pelo perodo anterior.
Em meados do sculo XX, surgiram teorias sobre a organizao do trabalho,
destacando-se o taylorismo, que, para Guimares (2005), no considerava as
implicaes psicolgicas das atividades produtivas. Segundo a autora, as conseqncias
foram reaes negativas relacionadas ao fator humano, levando os trabalhadores ao
absentesmo, sabotagem, greves e outros conflitos prejudiciais tanto ao meio social
como ao prprio trabalhador.
Nesse perodo, os estudiosos fazem diversas ponderaes sobre os prejuzos
causados SM dos trabalhadores pela organizao do trabalho.
Smith (1986), refere que a superioridade tecnolgica da diviso do trabalho
levou ao adestramento de habilidades individuais, nsia por economia de tempo com
maior produtividade e inveno de um grande nmero de mquinas. O citado autor
sugere ainda que a inteligncia humana seja formada a partir das ocupaes habituais e
que o impacto do cumprimento de um nmero mnimo de operaes simples, durante a
existncia humana, possa interferir no seu desenvolvimento.
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Buscando identificar os movimentos sociais que tentaram se opor s condies
que desencadeiam doenas na organizao do trabalho e oferecer meios para a defesa da
sade do trabalhador, Dejours (1992) relata que a primeira grande guerra foi um fator
decisivo para a emergncia das discusses, estudos e pesquisas sobre a sade do
trabalhador.
Neste sentido, Oliveira et al. (1994 apud LACAZ, 2005) e Pochmann (1999)
afirmam que o mundo do trabalho, anteriormente dominado pela ideologia da indstria
taylorista/fordista que legitimou a atuao dos sindicatos nos anos de 1970 e 1980,
atualmente caracterizado, sobretudo, pelo setor tercirio, no qual se encontra a maior
frao de fora de trabalho, cujos vnculos de emprego diluram-se na precariedade (do
poder aquisitivo e de condies adequadas de subsistncia) e no desemprego, gerado
pela grande oferta de mo-de-obra e crescente inteno de lucro do mercado.
A precariedade da QVT e o crescente desemprego criaram uma situao de caos
social, especialmente na rea de servios de ateno sade dos trabalhadores na rede
pblica.
Do ponto de vista psicolgico, o enfoque sobre o trabalho caminha numa
delimitao mais precisa e definida, segundo Barros e Guimares (1999). Contudo, para
os autores, at a dcada de 1970, grande parte dos estudiosos reconhecia apenas o fator
desencadeante do trabalho enquanto mobilizador de estruturas da personalidade j
existentes, no sendo consideradas as reais condies do trabalho como possivelmente
patgenas.
A partir da dcada de 1980, surgiram, no mundo e no Brasil estudos de vrios
autores (DEJOURS, 1992; GUIMARES, 1992, ROSA, 1995, entre outros) cujo tema
central Sade e Trabalho, abordando, sobretudo a SM dos trabalhadores e a
Organizao do Trabalho qual os mesmos esto submetidos, com importantes
repercusses para os estudos e prticas dos profissionais das reas de sade e
relacionadas ao trabalho.
Nesse contexto, os Programas de Sade do Trabalhador no Brasil (PSTs)
receberam propostas de organizao que datam do ano de 1984 (FREITAS, 2005)
primeiro em So Paulo e, posteriormente, em vrios outros Estados.
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Segundo dados do Ministrio da Sade, Trabalho, Emprego e Previdncia Social
(2004), em relao ao trabalhador, verificou-se que em 2001, no Brasil, a populao
economicamente ativa era composta por aproximadamente 83 milhes de pessoas, das
quais 75,4 milhes eram consideradas ocupadas e os trabalhadores remunerados
representavam 66,8 milhes de pessoas, sendo 5,9 milhes em atividades domsticas e
60,9 milhes na produo de bens e servios. Desses, 40,9 milhes estavam
empregados, 16,8 milhes trabalhavam por conta prpria e 3,2 milhes eram
empregadores.
Segundo estimativa da Organizao Internacional do Trabalho-OIT (1998) cerca
de 60 milhes de trabalhadores brasileiros esto inseridos no mercado de trabalho
informal, descobertos da proteo da legislao trabalhista e do SAT. Cabe ainda
assinalar a existncia de 5,7 milhes de crianas e adolescentes inseridos em atividades
produtivas com idades variando entre cinco a 17 anos de idade.
A precariedade da QVT dos brasileiros, demonstrada pelos dados estatsticos
acima, motivaram a realizao de uma poltica com medidas voltadas sade do
trabalhador, com nfase na preveno de riscos para a sade dos trabalhadores.
A Portaria n. 777/2004, do Ministrio da Sade, fixou procedimentos para a
notificao compulsria dos agravos sade relacionados ao trabalho para detectar, de
forma precoce, doenas e agravos relacionados ao trabalho, bem como deflagrar as
medidas preventivas necessrias para o atendimento e o registro dos acidentes e doenas
relacionadas ao trabalho (LACAZ, 2005).
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2.4 SOBRE O ESTRESSE
A etimologia da palavra estresse deriva da fsica e, nesse campo do
conhecimento, tem o sentido de grau de deformidade que uma estrutura sofre quando
submetida a um esforo, conforme Frana e Rodrigues (1997).
Segundo Castiel (1994), o termo ingls stress, que originrio da disciplina da
mecnica, ambguo e esta ambigidade permanece tambm quando de sua aplicao
na biologia. Tal termo pode ser entendido como uma fora exercida sobre um corpo que
tende a deformar-se e tambm pode ser encarada como a intensidade desta fora. No
mbito biolgico pode-se compreend-la como uma tenso mental ou fsica, a urgncia
ou a presso que a causa. Com isto, tem-se uma dificuldade em diferenci-la como
causa ou efeito. O mesmo autor considera que a teoria do stress pertinente em
situaes extremas, como catstrofes. Alm delas, o conceito torna-se confuso e perde
seu sentido.
Na rea da sade, o principal efeito da ocorrncia do estresse a quebra da
homeostase, no havendo mais o natural entrosamento entre os diversos rgos do
corpo, cada um trabalhando em um ritmo diferente, pois alguns rgos passam a
necessitar de maior atividade, para poderem atender e compensar a demanda do
organismo.
Uma vez quebrada a homeostase, o instinto de sobrevivncia do ser humano
induz automaticamente realizao de um esforo especial com o objetivo de
restabelecer o equilbrio interior. Tal esforo uma resposta adaptativa que exige um
considervel desgaste e utilizao de reservas de energia fsica e mental.
Quando o indivduo utiliza estratgias para restabelecer a organizao interior, o
estresse eliminado e volta ao estado no-patolgico.
Neste sentido, Selye (1956) relata que o estresse uma reao do organismo
causada pelas alteraes psicofisiolgicas que se manifestam quando o individuo se
confronta com uma situao irritante, amedrontadora, excitante ou confusa. relevante
definir o estresse como um processo e no uma reao nica que se manifesta, de incio,
por intermdio de reaes, tais como taquicardia, sudorese excessiva, tenso muscular,
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boca seca e sensao de alerta.
O processo do estresse pode se manifestar de formas diversas conforme as
predisposies genticas do indivduo que podem ser potencializadas pelo
enfraquecimento dos fatores biolgicos e psicolgicos desenvolvidos no decorrer da
vida.
O organismo humano dotado de mecanismos bastante eficientes para sustent-
lo quando submetido a situaes estressantes; contudo, tais mecanismos podem falhar
na hiptese de ocorrncia de estmulos intensos ou prolongados, capazes de tornar o
organismo inbil em promover a sua homeostase, o que pode possibilitar o surgimento
de distrbios orgnicos caractersticos da fadiga, taquicardias, entre outros.
Seguindo essa linha de raciocnio, as doenas psicossomticas so corriqueiras e
resultantes de complicaes do estresse psquico que, quando crnico, pode culminar
com quadros de doenas, tais como: infarto do miocrdio, lceras ppticas, doenas
circulatrias, envelhecimento precoce, entre outras.
A premissa sobre estresse adotada nesta dissertao a de que o mesmo de
etiologia multifatorial, ou seja, existem vrios sistemas abertos em interao,
hierarquizados e controlados por mecanismos complexos. Logo pertinente examinar:
a) a presena de um fato ou acontecimento estressante;
b) a interpretao dada ao acontecimento como algo perigoso;
c) a capacidade individual adaptativa ou de domnio da situao;
d) a predisposio gentica individual;
e) a presena eventual de um agente etiolgico, por exemplo: bactrias, doenas,
vida sedentria, etc.
Cabe ressaltar que o estresse no uma doena, mas um componente que
predispe ao surgimento de condies patolgicas. Segundo SELYE (1956), a
relevncia do conceito est em sua provvel relao com o adoecimento.
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2.4.1 Caractersticas pessoais e estresse
Brenznitz (1990) refere que as diferenas individuais so variveis que
interferem na percepo que o indivduo tem do ambiente. Quanto mais ambguo o
ambiente, mais forte a influncia dessas variveis sobre a percepo do estresse.
Bermdez (1994), por sua vez, cita que um grau elevado de ansiedade um fator
que deteriora a lembrana e leva o indivduo a um baixo rendimento em tarefas que
exigem a reteno de contedos previamente aprendidos. O indivduo reparte sua
capacidade de processamento entre as demandas da tarefa e as demandas cognitivas
ligadas ansiedade.
A personalidade tipo A tambm descrita como outra caracterstica individual
relacionada ao estresse. Nesta direo Bermdez e Snchez (1989) relacionam as trs
principais caractersticas que definem o padro de conduta tipo A: a) competitividade
necessidade de sobressair e render muito, concentrando-se exaustivamente em aspectos
relevantes para a tarefa a ser realizada, desfocalizando o restante; b) impacincia
alcanar o melhor aproveitamento possvel do tempo; c) hostilidade reaes de
irritao, ira, ressentimento e outros sentimentos negativos em relao a fatos
cotidianos, especialmente quando esses oferecem ameaas ou frustraes a seus
objetivos profissionais.
Os mesmos autores salientam, tambm, como caracterstica desse tipo de
personalidade a extrema necessidade de controlar as situaes ou a si mesmos. Moreno
e Rueda (1987) relatam que pessoas tipo A trabalham mais horas durante a semana e
mais dias ao ano, pois parecem apresentar dificuldades de delegar funes por no
acreditarem nas capacidades alheias.
Dennis (1983) descreve hbitos pessoais e estilo de vida como fatores
fundamentais para a condio de boa sade mental e fsica. Acrescenta que a prtica de
exerccios fsicos regulares proporciona sensao de bem estar, reduz a tenso e
promove o controle do estresse.
Poderiam ser aqui citadas outras caractersticas pessoais relacionadas ao
estresse, avaliadas por investigaes cientficas que no sero descritas por fugirem ao
objetivo desse trabalho. A breve descrio feita teve como objetivo fundamentar as
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variveis a serem examinadas neste estudo.
2.4.2 - O estresse ocupacional
Guimares e Freire (2004) referem que, a partir dos anos 1980, os estudos
ligados ao estresse ocupacional foram avanando por meio de autores como Holt (1982)
que destaca quatro fases nas pesquisas do estresse ocupacional, a saber: a) busca pela
relao de causa-efeito entre estresse e doena; b) diferenciao das variveis
independentes e dependentes; c) papel das variveis moderadoras utilizando medidas
mais sofisticadas que podem ser detectadas por anlises estatsticas, relaes lineares e
tambm curvelineares; e d) a perspectiva de promissores estudos longitudinais e a
realizao de pesquisas multidisciplinares para abordar a complexidade do fenmeno.
Spector e OConnell (1994) comentam que muitos comportamentos so
direcionados para a aquisio ou manuteno do controle por meio de todos os
domnios da vida, incluindo o trabalho. As variveis do controle, de uma forma ou de
outra, representam um papel proeminente em muitas teorias de comportamento
organizacional. Alm disso, o senso de controle considerado como um elemento
importante em ajuste psicolgico bem sucedido no s no trabalho, mas tambm em
outros domnios da vida.
A maior diferena entre percepes e crenas de controle diz respeito
especificidade e estabilidade do alvo de controle. Uma percepo de controle refere-se
questo de a pessoa poder ou no influenciar um fato particular em uma hora especfica;
enquanto as crenas de controle (ou locus de controle) dizem respeito questo de uma
pessoa acreditar ou no que pode controlar fatos especficos.
As crenas do controle e a percepo tm sido relevantes na pesquisa sobre
estresse e o bem estar no ambiente de trabalho. De acordo com o modelo de locus de
controle de Spector (1998), o controle ajuda a filtrar as percepes das situaes,
afetando suas avaliaes que podem ser entendidas como benignas ou ameaadoras.
Nos ltimos 15 anos, segundo Santed, Sandn e Chorot (1996), o estresse tem
sido objeto de estudo de muitos pesquisadores, que evidenciam sua relao com a
sade. Augusto e Martinez (1998) acrescentam que as trs principais causas da
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mortalidade so: o cncer, doenas cardacas e crebro-vasculares e que o estresse
aparece como fator relevante de risco para essas doenas, justificando-se o progressivo
interesse cientfico na sua preveno, controle e tratamento (LZARUS; FOLKMAN,
1984; LABRADOR, 1992; BUCETA; BUENO, 1995).
Sob uma perspectiva fisiolgica, pode-se dizer que estresse a conseqncia de
uma reao que o organismo apresenta quando estimulado por fatores externos
desfavorveis e que pode ser identificado bioquimicamente como uma descarga de
adrenalina que afeta principalmente os aparelhos circulatrio e respiratrio. No aparelho
circulatrio, a adrenalina promove a acelerao dos batimentos cardacos, taquicardia e
uma diminuio do tamanho dos vasos sangneos perifricos que provoca uma
circulao mais acelerada para otimizar a oxigenao dos msculos e do crebro. No
aparelho respiratrio, a adrenalina promove a dilatao dos brnquios (broncodilatao)
provocando o aumento dos movimentos respiratrios (taquipnia) para que haja maior
captao de oxignio a ser mais rapidamente transportado pelo sistema circulatrio que
j sofreu a ao preparatria do sistema endcrino (adrenalina). Aps a sensao de
perigo ter sido atenuada, o organismo diminui paulatinamente a produo de adrenalina,
voltando a nveis considerados normais.
Em uma viso biopsicosocial, Frana e Rodrigues (1997) afirmam que o estresse
constitui-se como uma relao particular entre a pessoa, seu ambiente e as
circunstncias s quais est submetida; relao essa avaliada como uma ameaa ou algo
que exige dela mais que suas prprias habilidades ou recursos e que, ento, pe em
perigo o seu bem estar.
Entretanto, faz-se importante ressaltar que o estresse isoladamente no
suficiente para desencadear uma enfermidade orgnica ou uma disfuno importante na
vida da pessoa. necessrio que outras condies ocorram, tais como: vulnerabilidade
orgnica ou uma forma inadequada de avaliar e enfrentar a situao estressante.
Nesta direo, Codo et al. (1993) afirmam que a sade e a doena no so
fenmenos cientficos isolados que possam ser definidos em si mesmos como algo
fechado, mas esto vinculados ao contexto scio-econmico-cultural, tanto em suas
produes como na percepo do saber que investiga e prope solues, e que responde
conforme o que tem assimilado.
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Silva e Marchi (1997) acrescentam que o estresse um estado intermedirio
entre sade e doena, um estado durante o qual o corpo luta contra o agente causador da
doena, produzindo mais substncias do que o habitual, pois, quando em contato com
fatores externos causadores de estresse, o corpo, na tentativa de recuperar a homeostase,
reage, passando por trs estgios: alarme, resistncia e exausto.
O estresse e as desordens psicolgicas no trabalho (como categoria de doena
ocupacional) apresentam um alto custo para as empresas, pois interferem na
produtividade (por intermdio de faltas, horas de trabalho e material desperdiadas,
custos com assistncia mdica) podendo, inclusive, prejudicar sua imagem perante o
mercado: clientes e fornecedores.
Paschoal e Tamayo (2004) referem que o estresse ocupacional um processo em
que o indivduo percebe as demandas do trabalho como estmulos estressores, os quais,
ao exceder sua habilidade de enfrentamento (coping), provocam no sujeito reaes
indesejadas.
Desta forma, o interesse atual pelos efeitos e conseqncias do estresse nos
contextos de trabalho relaciona-se a diversos enfoques, principalmente os custos
econmicos contabilizados, tanto para os indivduos como para as organizaes
(GARCA-IZQUIERDO, 1993).
A relao do homem com a organizao do trabalho origem da carga psquica
do trabalho, pois quando o rearranjo da organizao do trabalho no mais possvel e a
relao do trabalhador com a organizao bloqueada, ento o sofrimento comea e os
sintomas do estresse logo aparecem (DEJOURS, 1994).
razovel afirmar que a oscilao das reaes do organismo permite a constante
manuteno do estado fundamental (homeostase), sempre desejando esse estado. Pode-
se hipotetizar sobre a relao entre o envelhecimento e seu tempo de vida, sendo vivel
concluir que, quanto mais prximo ao ponto de equilbrio, maior a qualidade de vida e,
por conseqncia, a longevidade.
Diante do contexto atual, crescente a preocupao com a relao entre o
estresse ocupacional e sade mental porque o nmero de trabalhadores com riscos
sade, aposentadorias, incapacitao temporria, absentesmo alarmante, trazendo
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problemas tanto para o trabalhador como para a indstria (GUIMARES, 2003).
A organizao do trabalho ditar a qualidade do estilo de vida, e neste sentido,
Cooper e Banglioni Jr. (1988 apud GUIMARES, 2003, p. 175) afirmam que [...] o
trabalho tambm proporciona o significado principal da identidade pessoal e da auto-
afirmao, podendo se tornar uma fonte de estresse.
Para os citados autores, todo e qualquer tipo de trabalho possui agentes
potencialmente estressores para cada indivduo que pode ser categorizado em seis
grandes grupos: fatores intrnsecos ao trabalho; papel organizacional; inter-
relacionamento na carreira; ambientes organizacionais; estruturas organizacionais; e
interface casa/trabalho.
O estresse ocupacional considerado por Cooper e Banglioni Jr. (1988 apud
GUIMARES, 2003) como derivado daquelas situaes em que a pessoa percebe o
ambiente de trabalho como uma ameaa; quando suas necessidades de realizao
(pessoal e profissional) e sua sade (fsica ou mental), prejudicam a interao entre o
trabalho e o ambiente.
O estresse ocupacional decorrente das tenses que podem ser associadas ao
trabalho e ao modo de vida profissional. Cumpre salientar que os agentes estressantes
vinculados ao trabalho tm origens diferentes: condies externas e exigncias culturais.
No entanto, Silva e Marchi (1997) salientam que a mais importante fonte de tenso a
estrutura psicolgica.
Peir (1992a) refere o rudo, a iluminao, a temperatura, a higiene, a
intoxicao, o clima e a disposio do espao fsico para o trabalho (ergonomia) como
estressores derivados do ambiente fsico do trabalho e aponta como principais demandas
estressantes: o trabalho por turnos, trabalho noturno, sobrecarga de trabalho, exposio
a riscos e perigos.
Assim, o trabalho, alm de possibilitar crescimento, transformaes,
reconhecimento e independncia pessoal e profissional, tambm pode gerar insatisfao,
desinteresse, apatia e irritao.
Nesta direo, Dejours (1994) afirma que no existe trabalho, e mesmo qualquer
ao de mudana sem sofrimento.
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Sato (1996 apud GUIMARES et al., 2004d) faz uma crtica viso de sade
da Medicina do Trabalho e Engenharia de Segurana ao afirmar que esta (viso) uma
concepo ultrapassada que reduz o conceito de sade ausncia de doenas e de
acidentes de trabalho, ou seja, que as demais formas de prejuzo sade no so objeto
de atuao dessa rea e que h uma rejeio dos conceitos de sade, tais como o social e
o psicolgico.
Nem sempre o estresse prejudicial sade, entretanto o estresse prolongado
uma das causas do esgotamento que pode levar ao Burnout (FRANA; RODRIGUES,
1997), ou seja, o estresse pode ou no desencadear um desgaste geral do organismo
dependendo de vrios fatores, ou seja, da sua intensidade, durao, vulnerabilidade do
indivduo e habilidade em administr-lo (LIPP; MALAGRIS, 1995).
Ladeira (1996) em consonncia com as observaes supramencionadas, afirma
que o estresse ocupacional nas organizaes pode ser diagnosticado por meio da
presena de sintomas, tais como: apatia, fadiga, ansiedade, baixa motivao percebida
na fora de trabalho e absentesmo, fatores esses que produzem impactos negativos na
produtividade (afetando a performance individual e coletiva dos trabalhadores) e
aumentam o risco de acidentes no trabalho.
Existem diferentes modelos tericos para o entendimento do Estresse
Ocupacional (EO). Aqui sero cotejados apenas os dois modelos considerados os mais
importantes para o entendimento do EO, a saber:
a) Modelo Demanda-controle (Modelo D/C) que resulta da dimenso da
quantidade e o tipo da demanda e, sobretudo, da dimenso do controle sobre
as tarefas da diviso do trabalho. Poder ocorrer um significativo nvel de
estresse fisiolgico frente a uma demanda quantitativa elevada e uma margem
de deciso limitada (KARASEK, 1992);
b) Modelo Crise de gratificao no trabalho ou Desequilbrio entre esforo-
recompensa no trabalho (Modelo ERI). O paradigma principal deste modelo
refere que:
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[...] a um esforo feito so concedidas gratificaes (salrios ou benefcios, estima e valorizao no trabalho e promoo e segurana no emprego). O prognstico dos efeitos sobre a sade depende da combinao de efeitos contextuais e subjetivos, ou seja, a predio melhor se, frente a um estresse ocupacional de intensidade ou qualidade objetiva est presente e se contempla um coping crtico (limitados recursos de enfrentamento) e vice-versa. Um contexto ocupacional estressante prediz muito melhor o risco de adoecer quando o indivduo responde a situao com um coping crtico e se este fenmeno levado em conta (COSMIDES; TOOBY, 1992, p. 40).
Estes novos modelos tericos do estresse ocupacional possibilitam a [...]
identificao de fatores psicossociais no trabalho deletrios para a sade que exigem
medidas preventivas (DUNHAM, 2001 apud GUIMARES, 2004, p. 45).
O modelo D/C se relaciona com [...] medidas de replanejamento,
enriquecimento, desenvolvimento de habilidades e incentivo participao no
trabalho; o denominado modelo ERI centra-se na [...] adequada relao entre
esforo/recompensa. (GUIMARES, 2004, p. 49).
Pode-se concluir, analisando as consideraes anteriores, que existem diferentes
conceituaes e formas de encarar D/C. Apesar das crticas, principalmente
concentradas sobre o aspecto cientfico e metodolgico, o valor dos esforos
direcionados para o esclarecimento do estresse ocupacional deve ser reconhecido.
2.4.3 Estressores ocupacionais
Os estressores ocupacionais esto divididos em dois grupos distintos: 1)
estressores do ambiente fsico; e 2) demandas estressantes do trabalho e de seu
contedo.Os primeiros referem-se a rudos, vibrao, qualidade de iluminao,
temperatura, higiene, ventilao, adequao de espao fsico dentre outros fatores.
Todos esses estressores podem trazer conseqncias psicolgicas e ergonmicas para a
sade do trabalhador.
Quanto s demandas estressantes do trabalho e de seu contedo (execuo da tarefa em si) estas se constituem no grupo de maior
interesse para essa investigao.
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Dentre os fatores que deste grupo fazem parte, cabe salientar:
a) sobrecarga de trabalho: ocorre tanto em termos qualitativos como
quantitativos e considerada causa do estresse (BIANCHI, 1990;
CHERNISS, 1983; COHEN-MANSFIELD; ROSENTHAL, 1989; DEWE,
1989; FORNS, 1994; PARAGUAY, 1990). Peir (1992a) descreve que
essas sobrecargas de trabalho produzem sintomas de estresse fsico e
psicolgico e assim os enumera: tenso e insatisfao no trabalho, ansiedade,
sensao de ameaa, reduo da auto-estima, elevao do nvel de colesterol
circulante, aumento da taxa cardaca, resistncia da pele e consumo de tabaco.
O excesso de horas trabalhadas reduz a possibilidade de apoio social do
indivduo;
b) relaes interpessoais no trabalho: boas relaes entre pessoas que compem
o grupo de trabalho so fatores fundamentais para a sade pessoal e
organizacional (LLOPIS et al., 1993; CRAWFORD, 1993; FORNS, 1994).
A qualidade das relaes interpessoais potencializadora de agentes
estressores. O conflito pode gerar crescimento e estimular novas solues,
mas, se contnuo, gerar frustrao, tenso, doenas psicossomticas e outros
males (PEIR, 1992a);
c) estgios de desenvolvimento da carreira profissional: Peir (1992a) relaciona
a fase inicial de desenvolvimento da carreira com discrepncias entre
expectativas e realidade. A fase de consolidao da carreira dedicada
busca de equilbrio entre as demandas familiares e a prpria carreira. A
seguinte, fase de manuteno da carreira pode gerar estresse medida que
constatado o xito na carreira e o fracasso na vida pessoal. A ltima etapa
refere-se ao estresse causado pela evidncia do envelhecimento do indivduo
marcada pela aposentadoria;
d) status profissional e salrio: para Peir (1992a), elevado status = salrio mais
alto = maior satisfao. Se no h perspectiva dessa condio, maior a
possibilidade de estresse. O mesmo autor mostra que a satisfao obtida em
relao ao trabalho dependente da percepo de sua eqidade por parte do
trabalhador;
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e) novidade ou variedade das tarefas: Peir (1992a) afirma que o trabalho
rotineiro e contnuo, durante longos anos, torna o trabalhador menos flexvel
e mais predisposto ao estresse. Em contrapartida, quando ocorre excesso de
mudanas de tarefa o estresse tambm pode se estabelecer;
f) ambigidade de funes: para Heim (1992) a ambigidade de funes ocorre
quando membros do grupo de trabalho tm expectativas ou demandas
incompatveis entre si. Denomina-se tambm ambigidade de funes a
sobrecarga decorrente de acmulo de obrigaes e responsabilidades
provenientes de uma ou vrias funes que a pessoa desempenha (FORNS,
1994). Cherniss (1983) descreve foras especficas da ambigidade de
funes como: falta de informao sobre expectativas dos colaboradores;
conhecimento sobre oportunidade de crescimento; informao necessria para
o desempenho no trabalho, entre outras, que contribuem para o aumento de
tenso e estresse do indivduo;
g) controle de atividades: Para Crawford (1993) e Forns (1994), essa var