7º Capitulo - “Uso Racional de Águas no Meio Urbano: Aspectos Tecnológicos, Legais e...

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Uso Racional de Águas no Meio Urbano: Aspectos Tecnológicos, Legais e EconômicosRicardo Franci Gonçalves, Doutor em Engenharia do Tratamento de Águas – INSA / Toulouse - França Professor Associado II – Departamento de Engenharia Ambiental Centro Tecnológico – Universidade Federal do Espírito Santo Roteiro 1. Introdução 2. Reconfiguração do ciclo urbano da água no semi-árido 3. Ações preliminares: Aumento da eficiência dos sistemas de abastecimento atuais 4. Ações intermediárias: Gerenciamento integrado dos três sistemas de água potável, de esgoto sanitário e de águas pluviais. 5. Ação a longo prazo: Saneamento ecológico 1. Introdução A despeito da grande disponibilidade bruta de recursos hídricos no país, diversas regiões urbanas que se encontram atualmente sob estresse hídrico no Brasil. A escassez pode ser de origem quantitativa, decorrente de períodos de maior escassez hídrica, ou de origem qualitativa, resultante de modificações da qualidade da água pela poluição. Há ainda a escassez econômica, referente à incapacidade de se pagar os custos de acesso a águas e a escassez política, correspondente às políticas públicas inadequadas que impedem algum segmento populacional de ter acesso à água ou ecossistemas aquáticos. Neste cenário, assumem especial importância as ações objetivando a ampliação da cobertura dos serviços de abastecimento água e de esgotamento sanitário. Em 2006, cerca de 1,1 bilhão de pessoas não tinham acesso a água potável e 2,6 bilhões careciam de soluções racionais para disposição de excretas no mundo (UNESCO, 2006). No Brasil, onde em 2006 o índice de cobertura com abastecimento de água era de 93,1% e o de esgotamento sanitário 1

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O semi-árido brasileiro exige a aplicação de modelos de desenvolvimento regional sensíveis a água, que considerem nas suas concepções as soluções integradas entre as escalas macro (bacias hidrográficas), meso (regional) e a micro (local), entre as áreas urbanas e rurais e a utilização de águas de diferentes qualidades para os mais diversos fins. A meta deve ser a reconfiguração do o ciclo urbano da água tal como concebido e praticado atualmente na região, perdulário (água e nutrientes) e que dilapida a capacidade suporte local, para um modelo mais afinado com o desenvolvimento sustentável. Uma abordagem dos principais conceitos relativos ao uso da água nas cidades é apresentada a seguir, objetivando subsidiar a discussão que se segue sobre a necessidade de reconfiguração do ciclo urbano da água no semi-árido em busca da sustentabilidade regional.

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Sustentabilidade do ciclo urbano da gua

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Uso Racional de guas no Meio Urbano: Aspectos Tecnolgicos, Legais e EconmicosRicardo Franci Gonalves, Doutor em Engenharia do Tratamento de guas INSA / Toulouse - Frana

Professor Associado II Departamento de Engenharia Ambiental

Centro Tecnolgico Universidade Federal do Esprito Santo

Roteiro

1. Introduo

2. Reconfigurao do ciclo urbano da gua no semi-rido3. Aes preliminares: Aumento da eficincia dos sistemas de abastecimento atuais4. Aes intermedirias: Gerenciamento integrado dos trs sistemas de gua potvel, de esgoto sanitrio e de guas pluviais.5. Ao a longo prazo: Saneamento ecolgico1. Introduo

A despeito da grande disponibilidade bruta de recursos hdricos no pas, diversas regies urbanas que se encontram atualmente sob estresse hdrico no Brasil. A escassez pode ser de origem quantitativa, decorrente de perodos de maior escassez hdrica, ou de origem qualitativa, resultante de modificaes da qualidade da gua pela poluio. H ainda a escassez econmica, referente incapacidade de se pagar os custos de acesso a guas e a escassez poltica, correspondente s polticas pblicas inadequadas que impedem algum segmento populacional de ter acesso gua ou ecossistemas aquticos. Neste cenrio, assumem especial importncia as aes objetivando a ampliao da cobertura dos servios de abastecimento gua e de esgotamento sanitrio. Em 2006, cerca de 1,1 bilho de pessoas no tinham acesso a gua potvel e 2,6 bilhes careciam de solues racionais para disposio de excretas no mundo (UNESCO, 2006). No Brasil, onde em 2006 o ndice de cobertura com abastecimento de gua era de 93,1% e o de esgotamento sanitrio de 48,3%, dos quais, 32,2% com tratamento (SNIS, 2007). Entre os objetivos do milnio, a Organizao das Naes Unidas incluiu como meta a reduo, at 2015 dos ndices de falta de cobertura metade dos que eram observados em 2000 (UN, 2009). No Brasil, o Plano Plurianual do Governo Federal estabeleceu a meta de universalizao dos servios de saneamento no ano de 2015 (IPEA, 2007).Por outro lado, a regio do semi-rido brasileiro conta com 1.135 municpios e abrange uma rea de 980.089,26 Km2, de acordo com a nova delimitao do semi-rido brasileiro instituda em maro de 2005 pelo Ministrio da Integrao Nacional. Nela estava inserida em 2005 uma populao de 21.718.168 milhes de pessoas, sendo que 56% destas residentes nas reas urbanas. (Ministrio da Integrao Nacional, 2005).Embora o atendimento urbano de gua potvel esteja em franca expanso na regio nordeste nos ltimos anos, atingindo um ndice mdio de 88,6%, o ndice mdio de perdas na distribuio foi estimado em 51,2% em 2007 (SNIS, 2007). Trata-se de um problema de ordem estrutural a ser enfrentado com urgncia, tendo em vista o despropsito de tamanho desperdcio do recurso hdrico regional. Tambm chama a ateno a baixssima cobertura do sistema de esgotamento sanitrio em toda a regio, com um ndice mdio de atendimento urbano de esgoto no ano de 2007 avaliado em 24,2%. Admitindo-se que esses nmeros no tenham sofrido variaes considerveis, a distribuio populacional indica que cerca de 12,3 milhes de vivem nas reas urbanas do semi-rido, exercendo os seguintes impactos sobre o meio ambiente na regio:

Consumo de aproximadamente 1.200.000 m3/dia de gua potvel (ndice de cobertura com gua potvel de 88,6%, consumo percapita mdio considerado de 113,2 L/hab.d, segundo SNIS, 2007)

Produo de esgoto sanitrio prxima de 270.000 m3/dia (ndice de cobertura com esgotamento sanitrio de 24,2% e coeficiente de retorno de 80%, segundo SNIS, 2007)

Lanamento, atravs dos excretas ou dos esgotos sanitrios, no meio ambiente de:

7.400 ton/dia de matria orgnica na forma de DQO (Demanda Qumica de Oxignio) (Produo percapita mdia de 100 g/hab.d)

123 ton/dia de Nitrognio (Produo percapita mdia de 10 g/hab.d)

12,3 ton/dia de Fsforo ((Produo percapita mdia de 1 g/hab.d)

No deixa de ser ilgico o desperdcio de gua e de nutrientes em meio condio de tamanha necessidade, o que explicita a histrica ausncia de polticas responsveis de enfrentamento do problema na regio. Por outro lado, polticas de recursos hdricos de sucesso vm sendo implementadas por pases como Israel e Austrlia, onde contingentes populacionais expressivos habitam regies tradicionalmente submetidas a permanente estresse hdrico. Com base em tais exemplos, pode se afirmar que a reverso do estresse hdrico no semi-rido brasileiro passa pelo desenvolvimento e aplicao de modelos integrados de gerenciamento dos recurso hdricos entre as reas rurais e urbanas, o que ter forte impacto na configurao do ciclo da gua nas cidades regio. H que se considerar ainda o impacto das mudanas climticas decorrentes do aquecimento global no semi-rido, cuja tendncia prevista de acentuar a gravidade do problema. Estudos coordenados pelo IPCC indicam importante diminuio da precipitao pluviomtrica na Amrica do Sul at o ano de 2030, com especial reduo na regio Nordeste do Brasil (Figura 1) (STEDMAN, 2009). Embora no estgio atual as ferramentas de previso no sejam suficientemente precisas para uso em planejamento, em decorrncia de tais mudanas, os principais fruns mundiais do setor de saneamento atentam para a necessidade de uma gesto cuidadosa da infraestrutura existente e do planejamento adequado dos projetos futuros, tendo como foco a adaptao social e ecolgica. Para o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), as aes de planejamento devem ser mais flexveis perante aos cenrios desenhados para o futuro prximo, uma vez que no existe tecnologia de saneamento (abastecimento de gua, esgotamento sanitrio e gerenciamento de guas pluviais) imune aos efeitos das mudanas climticas.Por tais motivos, o semi-rido brasileiro exige a aplicao de modelos de desenvolvimento regional sensveis a gua, que considerem nas suas concepes as solues integradas entre as escalas macro (bacias hidrogrficas), meso (regional) e a micro (local), entre as reas urbanas e rurais e a utilizao de guas de diferentes qualidades para os mais diversos fins. A meta deve ser a reconfigurao do o ciclo urbano da gua tal como concebido e praticado atualmente na regio, perdulrio (gua e nutrientes) e que dilapida a capacidade suporte local, para um modelo mais afinado com o desenvolvimento sustentvel. Uma abordagem dos principais conceitos relativos ao uso da gua nas cidades apresentada a seguir, objetivando subsidiar a discusso que se segue sobre a necessidade de reconfigurao do ciclo urbano da gua no semi-rido em busca da sustentabilidade regional.

Figura 1 Previso do comportamento da precipitao pluvial anual para a Amrica do Sul e Amrica Central. Valores mdios de previso das mudanas entre 1980 e 1989 e entre 2080 e 2099 obtidos atravs de 21 modelos matemticos. (IPCC, 2007)2. Reengenharia do ciclo urbano da gua no semi-ridoO modelo de servios pblicos relacionados com o saneamento bsico nas reas urbanas do planeta tem como foco principal o atendimento das necessidades humanas e, de certa maneira, ignora que o ciclo urbano da gua apenas um sub-ciclo do ciclo da gua na natureza (Coombes, P. J. e Kuczera, G., 2000) (Figura 2). Os sistemas de saneamento que compem o ciclo urbano da gua so o de abastecimento pblico de gua, o de esgotamento sanitrio e o de manejo das guas pluviais. Suas principais funes esto relacionadas com a manuteno e a melhoria da sade pblica, o conforto, a economicidade e a proviso de bases para o desenvolvimento econmico. O ciclo menor corresponde s formas de uso da gua que no dependem de estruturas coletivas urbanas.

Figura 2 Esquema dos ciclos da gua (Fonte: Alves et al., 2005)A experincia comprova que estes sistemas no foram capazes at hoje de cumprir de forma universalizada as funes relacionadas com a oferta e a demanda de gua no semi-rido. Isto uma conseqncia da fragilidade estrutural do ciclo urbano da gua atual, que, pela sua inadequao, se apresenta como obstculo ao prprio desenvolvimento regional. Seus principais impactos ambientais envolvem:

a escassez ou a extino local do recurso, devido captao de grandes quantidades de gua bruta;

a degradao da qualidade do manancial em funo do lanamento de esgoto sanitrio e de gua de drenagem pluvial nos corpos receptores;

a utilizao de recursos naturais para a produo de energia e insumos como produtos qumicos;

a emisso atmosfrica de compostos gerados direta ou indiretamente nos sistemas de urbanos de gua;

o desperdcio de importantes quantidades de nutrientes necessrios produo de alimentos, etc.

O desenvolvimento de novas concepes do ciclo urbano da gua se faz necessrio, sendo a integrao entre os planos diretores de desenvolvimento urbano e o gerenciamento dos recursos hdricos nas reas urbanas um passo importante nessa direo. Algumas idias bsicas para tanto encontram-se a seguir: Somente autorizar o desenvolvimento urbano onde houver comprovadamente disponibilidade hdrica.

Gerenciar integradamente os trs sistemas urbanos de gua: abastecimento de gua, esgotamento sanitrio e gerenciamento de guas pluviais.

Gerenciar integradamente os nveis micro (sistemas hidrossanitrios das edificaes) e meso (sistemas coletivos de abastecimento de gua, de esgotamento sanitrio e de manejo de guas pluviais) (Figura 3).

Aplicar indistintamente as tcnicas de gerenciamento sustentvel de gua nas edificaes, nos bairros e na rea urbana como um todo.

Integrar as aes estruturais e no estruturais de gerenciamento sustentvel da gua em reas urbanas.As aes a nvel meso referem-se s aes na escala dos sistemas urbanos de gua, que contemplam, por exemplo, o controle de perdas nos sistemas de distribuio. Tm como foco principal a reduo de perdas fsicas e no fsicas, sendo realizadas no mbito de programas regionais que apiam diretamente a prestao do servio. A nvel micro, as aes que se concentram nos sistemas prediais, voltadas para o aumento da eficincia no uso da gua. Tais aes visam a melhoria do conjunto das instalaes de gua e esgoto, diretamente implicadas no consumo predial. Envolvem fabricantes de peas e dispositivos economizadores, desenvolvimento de normalizao tcnica especfica e programas de qualidade industrial (Alves et al., 2005). As medidas passivas de gesto da demanda (educao e uso de tarifas para inibio do consumo) so contempladas nesse nvel.

A integrao dos trs sistemas de saneamento que compem o ciclo urbano da gua foi um objetivo central da estratgia australiana de enfrentamento do estresse hdrico nas reas urbanas do pas (Cuellen, 2007). Os dois princpios fundamentais da estratgia so:

1. Avaliar e controlar os recursos disponveis Para isso, passou-se a considerar o ciclo da gua como um todo: guas pluviais, gua de drenagem urbana, esgotos sanitrios, reservatrios, gua de sub-solo e gua do mar. Todas as disponibilidades de gua, independentemente do tipo de manancial, devem ser mapeadas. Os limites de explorao devem ser entendidos, sabendo-se que a explorao segura no passa pela definio de porcentagens mdias de extrao, uma vez que eventos extremos exercem influncia determinante no comportamento do recurso e as mudanas climticas encontram-se em curso. necessrio medir e avaliar constantemente as fontes, para permanentemente dar suporte tomada de deciso.

2. Alocar eficientemente as reservas consuntivas para os usos mltiplos Um esforo permanente deve ser empreendido na busca da compreenso das demandas atuais e futuras nas reservas consuntivas, buscando a gesto eficiente dos usos atravs de planejamento e regulao. Deve ser assegurado que a gua tenha destino prioritrio para usos mais nobres em casos de escassez. A reengenharia do ciclo urbano da gua no semi-rido estratgica para a poltica de desenvolvimento regional, mas aes estruturais e no estruturais necessrias para tanto exigem investimentos importantes e tempo. A implantao de estruturas coletivas e individuais mais eficientes no uso da gua ir requerer um esforo no sentido de se adaptar os conceitos de produo mais limpa ao ciclo urbano da gua, que podem ser resumidos da seguinte forma: Minimizao

Utilizar a gua de melhor qualidade para os usos que a exijam.

Buscar fontes alternativas de gua, tais como guas residurias para reso ou aproveitamento de guas pluviais.

Utilizar menor quantidade de gua para executar as mesmas atividades, quer seja por mudana de processos ou formas de uso como pelo emprego de aparelhos economizadores ou tecnologias apropriadas. Separao

No misturar guas que exijam graus diferenciados de tratamento como guas contendo gorduras, guas contendo material fecal e guas contendo nutrientes. Sob esse princpio vislumbram-se possibilidades diversas de simplificao do tratamento, diminuio de custos de tratamento, reaproveitamento facilitado de substncias, realocao de recursos para investimentos, etc. No misturar efluentes de origem domstica com efluentes de origem industrial, medida que se apia no fato de que as caractersticas do esgoto domstico variam em faixas bem mais delimitadas que aquelas observadas para os esgotos industriais.

Reutilizao

Explorao das diversas formas de reso de esgotos, desde as formas mais simples, como utilizao direta da gua residuria gerada at o reso aps tratamento e ps-tratamento de esgoto. Tirar vantagem das possibilidades de utilizao dos efluentes em usos que requeiram caractersticas nele presentes. Por exemplo: utilizao de esgotos ricos em nutrientes para irrigao controlada. Hierarquizar ciclos de utilizao da gua, separando-os segundo a qualidade e quantidade exigidas em cada um deles. Dessa forma possvel estabelecer procedimentos para tratar e dispor corretamente no prximo ciclo, apenas a gua que no puder ser utilizada em um ciclo de grau superior de exigncia. Reciclar os nutrientes do saneamento que, no ciclo atual, enontram-se misturadas gua na forma de esgoto sanitrio. Devem ser privilegiadas as tecnologias de saneamento sem gua, tais como a coleta da urina humana e a compostagem de fezes para utilizao como adubo na agricultura.Levando-se em considerao a realidade do semi-rido, sugere-se aqui que as principais aes de reengenharia do ciclo urbano da gua sejam planejadas e implantadas paulatinamente, tendo como objetivo a universalizao do saneamento bsico na regio mediante o emprego de tecnologia alternativa (Tabela 1). A excelncia na conservao dos recursos hdricos seria atingida a longo prazo, na medida em que os sistemas convencionais de saneamento hoje existentes evoluam na direo do saneamento ecolgico..Tabela 1 Aes de reengenharia do ciclo urbano da gua no semi-ridoAoPreliminarIntermediriaReconfigurao

PrazoImediatoMdio prazoLongo prazo

ObjetivoAumento da eficincia do uso da gua nos sistemas de abastecimento atuais e ampliao dos sistemas de esgotamento sanitrio(racionalizao do uso de gua)Gerenciamento integrado dos trs sistemas de gua potvel, de esgoto sanitrio e de guas pluviais. Reuso de gua e aproveitamento de gua pluvial nos nveis micro e meso (conservao de gua)Saneamento ecolgico: Conservao de gua e reciclagem de nutrientes

As aes preliminares devem se voltar para a racionalizao do uso de gua objetivando o controle da demanda, atravs da reduo do consumo, preservando a quantidade e a qualidade da gua para as diferentes atividades consumidoras. Trata-se de um investimento na gesto dos sistemas de abastecimento existentes, objetivando aumentar a eficincia da infra-estrutura instalada. A ampliao dos sistemas de esgotamento sanitrio, deve ser um objetivo complementar, tendo como foco a sade pblica e a preservao do meio ambiente.As aes a mdio e a longo prazo devem visar a conservao de gua, ao prever o controle da demanda e a ampliao da oferta. Devem contemplar, portanto, o uso de fontes alternativas de gua, tais como o aproveitamento da gua de chuva e o reso de guas residurias nas escala meso e micro. A figura 3 ilustra uma possvel evoluo do ciclo urbano da gua, contemplando a integrao dos sistemas de abastecimento de gua, de esgotamento sanitrio e de manejo de guas pluviais no ambiente urbano. O segundo cenrio configura-se como uma possvel ao de mdio prazo. Uma discusso sobre os possveis desenvolvimentos das aes citadas na tabela 1, objetivando aumentar a eficincia e a sustentabilidade do ciclo urbano da gua no semi-rido realizada a seguir.

Figura 3 Comparao entre diferentes configuraes do ciclo urbano da gua: A) Ciclo urbano atual; B) Exemplo de reconfigurao do ciclo urbano3. Aes preliminares: Aumento da eficincia dos sistemas de abastecimento atuais 3.1 Aes na escala mesoO desperdcio de gua nos sistemas de abastecimento de gua da maioria das cidades da Regio Nordeste do Brasil intolervel sob diversos aspectos: sade pblica, ambiental, econmico, etc. Neste contexto assumem especial importncia as perdas nos sistemas de abastecimento, que podem ser definidas como perdas reais e perdas aparentes. As perdas reais esto associadas parcela de gua que no chega aos consumidores em funo de vazamentos no sistema pblico de abastecimento. Nas diversas estruturas fsicas de escoamento e reservao de sistemas pblicos de abastecimento, desde a captao at o usurio final, parcela considervel de gua perdida devido a diversos fatores, tais como vazamentos em reservatrios e ao longo das redes de distribuio, lavagem de filtros nas estaes de tratamento entre outros.

As perdas aparentes, ou perdas no fsicas, incluem as parcelas de gua que no so contabilizadas em funo dos erros comerciais/gerenciais, das fraudes (ligaes clandestinas), dos erros de medio (hidrmetros com inclinaes) entre outros. As ligaes no micromedidas so aquelas que no dispem de hidrmetro e submedidas so aquelas cujos hidrmetros registram um consumo abaixo do real.O gerenciamento das perdas deve ser visto como parte da gesto integrada dos recursos hdricos no mbito das unidades de bacia, em que outros usurios, alm dos sistemas de abastecimento de gua, tambm participam como tomadores de gua do sistema natural (Cheung et Al., 2009). Para tanto, a International Water Association (IWA) tem procurado padronizar a terminologia, classificando as perdas de gua atravs do balano hdrico sobre o sistema de abastecimento, conforme a tabela 2. Tabela 2 - Balano hdrico (Fonte: Cheung et al., 2009)

A definio conceitual de cada componente do Balano Hdrico encontra-se a seguir:

Volume fornecido ao sistema: volume anual de gua produzido no sistema de abastecimento. Esse volume a parcela principal do clculo do Balano Hdrico.

Consumo autorizado: volume anual medido e/ou no medido fornecido a consumidores cadastrados, ao prprio prestador de servio de saneamento e aqueles que estejam implcita ou explicitamente autorizados a faz-lo, para usos domsticos, comerciais ou industriais.

Perdas de gua: volume referente diferena entre volume fornecido ao sistema e o consumo autorizado.

Consumo autorizado faturado: volume que gera receita potencial para prestador de servio de saneamento, correspondente ao somatrio dos volumes constantes nas contas emitidas aos consumidores. Compe-se dos volumes medidos nos hidrmetros e dos volumes estimados nos locais onde no h hidrmetros instalados. Consumo autorizado no-faturado: volume que no gera receita para o prestador de servios de saneamento, oriundos de usos legtimos de gua no sistema de distribuio. composto de volumes medidos (uso administrativo da prpria companhia, fornecimento a caminhes pipas com controle volumtrico) e volumes no medidos, a estimar, tais como gua utilizada em combate de incndios, rega de espaos pblicos e a gua empregada em algumas atividades operacionais na prestador de servio de saneamento, como por exemplo, lavagem de reservatrios.

Perdas reais: parcela de gua correspondente ao volume perdido durante a lavagem de filtros na estao de tratamento de gua, nos reservatrios (vazamentos e extravasamentos) e ao longo da distribuio (ramais).

Perdas aparentes: parcela de gua correspondente ao volume de gua consumido, porm no contabilizado pelo prestador de servio de saneamento, decorrente de erros de medio nos hidrmetros e demais tipos de medidores, fraudes, ligaes clandestinas e falhas no cadastro comercial. Nesse caso, a gua efetivamente consumida, porm no faturada.

Volume faturado: representam a parcela da gua comercializada, traduzida no faturamento do fornecimento de gua ao consumidor.

Volume no-faturado: representa a diferena entre os totais anuais da gua que entra no sistema e do consumo autorizado faturado. Esses volumes incorporam as perdas reais e aparentes, bem como o consumo autorizado no-faturado.

Tendo em vista as definies anteriores, o consumo total de gua em uma determinada rea urbana dado pela expresso:

Consumo total de gua = Consumo efetivo + Perdas + Desperdcio

O desperdcio de gua est associado ao comportamento negligente de uso por parte de pessoas, empresas ou rgos pblicos, com ou sem conscincia sobre o valor da gua, e, por isso, mais evidente nos sistemas individuais (edificaes). As perdas e os desperdcios de gua representam custos importantes para os usurios e para a sociedade, sem aportar benefcios.Os indicadores de desempenho so as ferramentas normalmente utilizadas para a anlise estratgica de desempenho dos sistemas de abastecimento e, de uma maneira mais ampla, do setor saneamento como um todo. No caso do Sistema Nacional de Informaes em Saneamento (SNIS), em funo das suas finalidades os indicadores so classificados em: indicadores econmico-financeiros e administrativos; indicadores operacionais gua; indicadores operacionais esgoto; indicadores de balano contbil; e indicadores sobre qualidade dos servios. Alguns indicadores de desempenho dos sistemas de abastecimento de gua do nordeste, calculados pelo SNIS para o ano base de 2007 (SNIS, 2007), encontram-se na Tabela 3.O ndice de Perdas na Distribuio (IPd) relaciona os volumes disponibilizado (produzido) e consumido (micromedido). O volume anual disponibilizado e no utilizado constitui uma parcela no contabilizada, que incorpora o conjunto de perdas reais e aparentes no subsistema de distribuio. ndices superiores a 40 % representam ms condies do sistema quanto s perdas. Numa condio intermediria estariam os sistemas com ndices de perda entre 40% e 25% e valores abaixo de 25% indicam sistema com bom gerenciamento de perdas. Entre todas as nove empresas estudadas, somente duas apresentaram uma condio intermediria com relao a este indicador (IPd). As demais apresentaram ndices compatveis com sistemas sob ms condies de funcionamento.O Indice de Perda de faturamento (IPf) pode ser definido como a relao percentual entre o volume de gua no faturado e o volume de gua produzido, e compreende as perdas aparentes ou comerciais. Sua diminuio ocorre de forma acentuada com o aumento do ndice de micromedio (hidrmetros) no sistema de distribuio. Na tabela 3 observa-se que o IPf mdio das operadoras regionais em 2007 foi de 45%, considerado muito elevado, e que nenhuma delas apresentou ndices de perdas por faturamento inferiores a 25%. Outros ndices relevantes tambm so apresentados na mesma tabela.Estes nmeros explicitam as deficincias crnicas de gerenciamento e de infra-estrutura dos sistemas de abastecimento de gua na regio NE e, por extenso, nos municpios da regio do semi-rido. Trata-se de um problema que persiste ao longo do tempo, tal como ilustra a figura 4. Nela observa-se que a quantidade de municpios com IPf superiores a 40% era substancial no ano de 2005, excetuando-se os municpios cearenses e baianos.

Quadro 3 - ndices de perdas dos prestadores de servios regionais do Brasil (Adaptado do SNIS - 2007)

Prestadora de Servio IPf

(%)IPd

(%)IPL

L/ligao/diaIPe

L/Km/dia

Agespisa/PI55,863,1667,270,4

Caema/MA62,962,91060,380,4

Caern/RN42,153,1541,751,9

Cagece/CE27,528,4207,624,1

Cagepa/PB39,449,2418,661,1

Casal/AL54,260,8625,756,8

Compesa/PE58,467,7745,081,3

Deso/PE41,349,3444,030,7

Embasa/BA32,337,5305,523,8

Mdia Total45,051,2488,746,0

IPf ndice de perdas por faturamento IPd - ndices de perdas na distribuio

IPL - ndices perdas por ligao por dia

IPe - ndices de perdas por extenso de rede

Portanto, as aes preliminares devem ter como meta principal a reverso deste quadro de desperdcio, buscando um padro de excelncia compatvel com os atingidos pelos pases com maior sucesso na racionalizao do uso da gua nas reas urbanas, como, por exemplo: Japo (IPf = 8,4%), Canad (IPf = 14%), Inglaterra (IPf = 17,3%) e Chile (19%) (BIO, 2001). Deve se atentar para o fato de que as perdas de gua possuem relao direta com o desperdcio de energia eltrica. Os valores publicados indicam que empresas estaduais de abastecimento de gua do Brasil gastam em mdia 0,68 kWh para produzir 1m3 de gua potvel (Gomes et al., 2009).As principais estratgias utilizadas para aumentar a eficincia dos sistemas de abastecimento so discutidas resumidamente a seguir. Maiores informaes sobre o assunto podem ser obtidas em Tustyia (2005), Cheung et al. (2009) e Gomes et al. (2009).

Figura 4 Distribuio espacial do ndice de perda de faturamento (IPf) na regio nordeste do Brasil (Fonte: SNIS, 2005)3.1.1 Reduo da perdas fsicas

As perdas fsicas ou reais podem ser reduzidas consideravelmente em sistemas de abastecimento atravs da adoo de medidas estruturais de trs tipos: controle de presso, controle ativo de vazamentos e reabilitao da infra-estrutura. No obstante, deve ficar claro que as perdas fsicas s podem ser reduzidas at um nvel mnimo, a partir do qual ser economicamente invivel tentar diminu-lo. Controle de presso O controle da presso da gua no interior da rede de abastecimento a medida mais eficaz para a reduo das perdas fsicas de gua no sistema como um todo. Presses excessivas na rede de distribuio de em um sistema de abastecimento podem ter as seguintes conseqncias:

Desperdcio de gua e o aumento dos custos associados ao controle. Rupturas frequentes de tubulaes, com reparos onerosos. Interrupes frequentes no fornecimento para manuteno da rede. Riscos importantes integridade dos transeuntes nas ruas onde se encontra a rede de abastecimento. Danos frequentes s instalaes internas dos usurios. Consumos excessivos relacionados com as presses da rede de distribuio. As trs principais aes para o controle da presso nos sistemas de distribuio de gua so a setorizao da rede em patamares de presso de acordo a sua topologia, a implantao de vlvulas redutoras de presso e a utilizao de bombas com velocidade de rotao varivel.

Controle ativo de vazamentos - O monitoramento peridico ou permanente da rede de distribuio a maneira mais eficaz de deteco e a reparao de eventuais perdas no reportadas. Nesse caso, o gerenciamento das perdas permanente, ao invs de se realizar as reparaes dos vazamentos somente quando estes j se encontram vizveis (controle passivo). A localizao e reparao dos vazamentos detectados ocorre a partir da setorizao e do monitoramento da rede. A pesquisa de vazamentos no visveis normalmente realizada com a utilizao de aparelhos eletrnicos de deteco de rudos associados a vazamentos no visveis nas tubulaes. As perdas fsicas podem ser classificadas em fugas, em que a gua perdida continuamente sem ser detectada (Exemplo: falta de estanqueidade nas juntas das tubulaes), e em rupturas, onde os vazamentos ocorrem brusca e acentuadamente, provocados por acidentes nas tubulaes e acessrios da rede.

Reabilitao de infra-estrutura As tubulaes empregadas nas redes de distribuio de gua possuem uma vida til que depende das caractersticas do material que as compem. O prolongamento do uso alm do perodo de vida til recomendado pelo fabricante tem como conseqncia principal a perda de estanqueidade do sistema, por corroso excessiva ou pela incrustao nas paredes dos tubos, o que leva a elevao das presses hidrulicas em seu interior. A substituio de tubulaes antigas ou deterioradas envolve custos elevados, o que leva a muitas empresas operadoras a postergar as medidas de reabilitao. Tal prtica contraproducente, pois, alm de ser a causa de importantes volumes de perdas fsicas, resulta em elevados custos de manuteno. Um programa de combate s perdas fsicas completo requer a implementao de um programa permanente de reabilitao de infra-estrutura.3.1.2 - Perdas Aparentes

Em um sistema de abastecimento de gua, a principal ao de combate s perdas comerciais compreende a ampliao de seu parque de micromedidores. A removao do parque de medidores tambm essencial, uma vez que a vida til dos hidrmetros de no mximo cinco anos. As campanhas de substituio de hidrmetros devem ser permanentes, devendo se atentar para o correto dimensionamento destes, preferencialmente com a implantao de processos de leituras eletrnicas das medies dos equipamentos de medio. Inspees peridicas, alm de campanhas de conscientizao da populao e de penalidades aos infratores, so as principais ferramentas de combate s fraudes decorrentes de ligaes clandestinas de gua.

3.2 Aes na escala microUm modelo de gerenciamento de sistemas de hidrossanitrios com vistas racionalizao do uso da gua apresentado na figura 5. As aes de conservao da gua em edificaes demandam o conhecimento do consumo total de gua, desagregado segundo os diversos pontos de utilizao. O consumo de gua desagregado denomina-se perfil de consumo residencial de gua, para o qual considera-se que os seguintes fatores devem ser levados em conta:

Nmero de habitantes da residncia e tempo de permanncia durante os dias da semana;

rea construda e nmero de aparelhos sanitrios disponveis;

Caractersticas tcnicas do servio pblico e predial de abastecimento com especial ateno para as diferenas entre abastecimento direto e indireto.

Clima da regio;

Caractersticas culturais da comunidade;

Perdas e desperdcios nas instalaes prediais e nos usos;

Renda familiar;

Valor da tarifa de gua;

Estrutura e forma de gerenciamento do sistema de abastecimento;

O consumo de gua residencial inclui tanto o uso interno quanto o uso externo s residncias. Para Terpstra (1999), esse consumo pode ser classificado em quatro categorias: higiene pessoal, descarga de bacias sanitrias, ingesto e limpeza. De acordo com essa classificao, a gua destinada ao consumo humano pode ter dois fins distintos:

Potveis - higiene pessoal, ingesto e preparao de alimentos. Esses usos gua com rigoroso padro de potabilidade o qual estabelecido por legislao especfica.

No potveis - lavagem de roupas, carros, caladas, irrigao de jardins,os descarga de vasos sanitrios, piscinas, entre outros. Nesses casos, importante que se determine a qualidade requerida para a gua em cada uso considerado. A primeira ao a ser implementada para gerenciamento da gua na escala predial refere-se implantao de um sistema de controle do consumo de gua no prdio. Tal sistema tem por base a medio do consumo, que permite que os usurios tenham conhecimento do consumo geral do prdio e, se possvel, como cada um dos outros aspectos a seguir considerados, participam desse. Quanto mais prxima de cada usurio a medio, maior a informao disponvel e, conseqentemente, o controle sobre o consumo. O nvel de conscincia do pblico usurio influencia diretamente no padro de racionalidade no consumo, mas no pode se esquecer que a cobrana um dos mecanismos mais eficazes para elevar a conscincia.

A segunda ao deve viabilizar o uso da gua para atender especificamente ao consumo efetivo por parte dos usurios, compreendendo suas necessidades bsicas assim como outros desejos. As necessidades bsicas de gua referem-se ingesto, ao preparo de alimentos e manuteno das condies higinicas para a promoo da sade (Figura 5). A terceira ao tem como foco o desperdcio de gua, que representa um tipo de consumo no necessrio provocado pelo usurio ou induzido pelo aparelho. No primeiro caso, a falta de ateno ou desinteresse do prprio usurio quanto ao uso racional da gua (chuveiro aberto enquanto se ensaboa ou da torneira do lavatrio enquanto se escova os dentes) a fonte do desperdcio. O segundo ditado pelas caractersticas do aparelho hidro-sanitrio utilizado.

Figura 5 -Consumo total de gua predial (Fonte: Cheung et al., 2009)A quarta ao de difcil quantificao para efeito de programas de racionalizao do uso da gua e se refere s perdas fsicas nas instalaes provocadas por vazamentos, sejam estes visveis ou no. O porte e freqncia destas perdas se relacionam com dois fatores principais: as caractersticas das instalaes, tubulaes, peas hidrulicas e aparelhos incluindo a presso hidrulica a que estas se encontram submetidas, por um lado e a qualidade da manuteno dada s mesmas, incluindo-se a rapidez da descoberta de vazamentos e o tempo que tomam para serem sanados. Equipes de manuteno treinadas para manuteno preventiva e corretiva so mais freqentes em edifcios comerciais ou corporativos, o que no ocorre nas edificaes prdios habitacionais. Alguns avanos podem ser dados na construo dos prdios com dispositivos que facilitem a identificao de vazamentos e seu reparo, tais como extravasores aparentes de reservatrios e shafts entre outros.

A quinta ao a qualidade ambiental do prdio, definida aqui como a soma de atributos que permitem ou favorecem um uso mais racional da gua, incluindo a captao direta de guas de chuva e outras fontes alternativas com menor encargo energtico e ambiental, sistemas de instalaes hidrulico-sanitrias segregados, visando facilitar o reuso da gua com qualidade adequada para usos no potveis. A facilidade de manuteno das instalaes e de identificao e conserto de vazamentos, encontra-se aqui includa.

3.3 - Aes no estruturais para conservao de gua e energia

Os principais programas brasileiros que constituem o cerne das aes no estruturais de combate ao desperdcio de gua do governo federal so implementados pela Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministrio das Cidades. So eles:

PMSS Programa de Modernizao do Setor de Saneamento, que responsvel pelo Sistema Nacional de Informao em Saneamento SNIS -, pela Rede Nacional de Capacitao em Saneamento ReCESA e pelo sub-programa COM+GUA.

PNCDA programa Nacional de Combate ao Desperdcio de gua.

A Eletrobrs, do Ministrio das Minas e Energia, responsvel pela implementao PROCEL SANEAR Programa de Eficincia Energtica para o setor de Saneamento.

4 Aes intermedirias: Gerenciamento integrado dos trs sistemas de gua potvel, de esgoto sanitrio e de guas pluviaisAs aes intermedirias visando o aumento da eficincia do ciclo urbano da gua no semi-rido compreendem o gerenciamento integrado dos trs sistemas de saneamento bsico (abastecimento de gua, esgotamento sanitrio e manejo de guas pluviais), bem como o aproveitamento de fontes alternativas de gua atravs do reuso de gua e aproveitamento de gua pluvial nos nveis micro e meso. No que diz respeito ao manejo de guas pluviais urbanas, o paradigma atual visa adequar os fenmenos de precipitao e escoamento ao ambiente construdo, objetivando principalmente a preveno ou minimizao de danos causados por inundaes e a manuteno de condies adequadas aos ecossistemas aquticos. No h o enfoque de se considerar as guas pluviais como passveis de aproveitamento para fins produtivos. Quanto aos sistemas de esgotamento sanitrio, a concepo em voga na quase totalidade dos municpios brasileiros prev como aes obrigatrias a coleta, o transporte, o tratamento e a disposio do esgoto sanitrio nos corpos receptores. No obstante, a grande deficincia deste servio em vrias regies brasileiras, em especial nas regies Nordeste e Norte, impe a um grande nmero de pessoas riscos inaceitveis de exposio direta ou indireta a esgotos sanitrios. Mesmo nos locais onde h estaes de tratamento, so reais os riscos de contaminao de pessoas pelo contato direto ou indireto com o efluente tratado. Em funo destes problemas, a converso dos sistemas de esgotamento sanitrio em mais uma fonte de suprimento de gua nas reas urbanas uma tarefa complexa, a ser enfrentada em diversas direes (tecnolgica, legal, educacional e cultural). Alm da gua, a grande disponibilidade dos nutrientes nitrognio e fsforo no esgoto sanitrio deve ser explorada no sentido do aperfeioamento do ciclo dos nutrientes nas reas urbanas do semi-rido.4.1 - Manejo de guas pluviais urbanasA Lei Federal n 11.445/2007 prev como funes especficas de um sistema de manejo de guas pluviais urbanas o transporte, a deteno ou reteno para o amortecimento de vazes de cheias, o tratamento e a disposio final das guas pluviais drenadas. O manejo corresponde ao conjunto de atividades, infra-estruturas e procedimentos operacionais de drenagem urbana de guas pluviais, associados s aes de planejamento e de gesto da ocupao do espao territorial urbano. Infelizmente, na sua forma atual esta lei no incorpora a viso de que essas guas constituem-se em importante fonte de suprimento de gua para as reas urbanas tanto quanto para as reas rurais. Por isso, somente nos ltimos anos o aproveitamento da gua de chuva no Brasil vem ganhando destaque nas reas urbanas e rurais, mas principalmente na regio do semi-rido nordestino. So dignos de nota o trabalho desenvolvido pela Critas Brasileira, que realiza projetos tais como o Programa de Convivncia com o Semi rido, orientando e incentivando a desde 2003 a construo de cisternas para o armazenamento da gua de chuva. Mais recentemente, o governo federal instituiu o programa 1 milho de cisternas (P1MC) para o semi-rido, com o financiamento destas atravs de rgos governamentais como o Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS). No mbito desse programa, importante a atuao da Associao Programa Um Milho de Cisternas (AP1MC), que uma OSCIP (Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico)que compe a Articulao no Semi-rido Brasileiro (ASA), criada em 2002. Essa organizao tem como objetivo de gerenciar o Programa Um Milho de Cisternas (P1MC) e a gesto do ProgramaUma Terra e Duas guas (P1+2). A atuao da ASA resultou na construo de 287.767 cisternas de gua de chuva at o incio do ano de 2010 (ASA, 2010).Tambm nos ltimos anos, muitas cidades brasileiras, a exemplo de So Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, adotaram legislaes especificas sobre a coleta da gua da chuva, visando reduo de enchentes. Nestas cidades, alguns novos empreendimentos passaram a ser obrigados a coletar a gua da chuva, no apenas para reduzir o pico de cheias como tambm visando sua utilizao para fins no potveis. Alguns estudos apontam para diferentes experincias com a finalidade de aproveitamento a gua de chuva, seja em lavanderias industriais, indstrias e outras atividades comerciais (SICKERMANN, 2003). Somente no ano de 2007, o aproveitamento de gua de chuva em reas urbanas para fins no potveis foi normatizado pela Associao Brasileira de Normas Tcnicas, ABNT, atravs da NBR 15527/07.Estudos provenientes da Austrlia denotam que os sistemas de aproveitamento da gua de chuva proporcionam uma economia no consumo de gua nas residncias de 45% e at 60% na agricultura (HEYWORTH et al., 1998). Este mesmo estudo mostra que no sul da Austrlia, 82% da populao rural utilizam gua da chuva como fonte primria de abastecimento, enquanto que apenas 28% da populao urbana o fazem. Fewkes (1999) em estudo realizado no Reino Unido sobre a utilizao de gua da chuva em descargas de vasos sanitrios, relata que este uso incentivado, uma vez que 30% do consumo de gua nas residncias gasto nesta funo. A recarga de aqferos com gua de drenagem urbana previamente tratada, para uso em fins produtivos, uma experincia de sucesso na Austrlia (Wong, 2007).

Estas experincias de manejo de guas pluviais urbanas, que visam o aproveitamento da gua no prprio local de captao, so classificadas como aes de saneamento descentralizado. A implementao do manejo pode ocorrer na escala local (micro), mas tambm pode ser realizada em uma escala mais ampla, atendendo a contingentes populacionais considerveis. Nesses casos, a concepo do sistema de manejo deve ser uma conseqncia do planejamento urbano, em que a ocupao e o uso do solo devem propiciar condies favorveis ao aproveitamento da gua pluvial. Deve ser considerado que o aproveitamento da gua da chuva contribui significativamente para a reduo da eroso local e das enchentes causadas pela impermeabilizao de reas como coberturas, telhados e ptios. Dependendo das circunstncias, os uso previstos para a gua pode ir de uma utilizao direta na irrigao de jardins at usos mais nobres, como por exemplo para fins potveis. Algumas sugestes de tecnologia para gerenciamento da gua, levando-se em considerao a escala espacial, so apresentadas na tabela 4.

Tabela 4 Relao entre as iniciativas de gerenciamento integrado das guas de chuva e o desenvolvimento urbano

LocalDistritoRegional

Planejamento

Lay out e ocupao dos lotes Lay out do arruamento local Lay out das principais vias

Espaos pblicos e corredores multi-usos

Conservao de gua

Cisternas de gua pluvial Reservatrios de estocagem

Estocagem em aqferos e recuperao Reservatrios de estocagem

Estocagem em aqferos e recuperao

Qualidade das guas de escoamento pluvial

Reteno local (infiltrao)

Pavimentos porosos

Filtros de areia

Bacias de bio-reteno

Jardins de chuva

Reservatrios vegetados Bacias de infiltrao distritais

Pavimentos porosos

Filtros de areia

Bacias de bio-reteno

Pntanos de bio-reteno

Jardins de chuva

Reservatrios vegetados

Florestas urbanas

Wetlands construdos Buffers ribeirinhos

Canais naturais

Florestas urbanas

Wetlands construdos

Deteno das guas de escoamento pluvial

Deteno local Bacias de reteno

Lagoas Bacias de reteno

Lagos

Fonte: Wong, (2007) Sistemas prediais de aproveitamento de gua pluvial

O aproveitamento de gua de chuva na escala das edificaes pode compreender a coleta da gua precipitada a partir do telhado ou de superfcies no solo (Figuras 6 e 7). O sistema de coleta de chuva atravs da superfcie de telhados considerado mais simples e, na maioria das vezes, produz uma gua de melhor qualidade se comparado aos sistemas que coletam gua no solo. Nos sistemas com captao no telhado imprescindvel que as edificaes sejam dotadas de calhas e condutores verticais para o direcionamento da gua da chuva do telhado ao reservatrio. Pode-se utilizar como referncia para o dimensionamento desses componentes a NBR 10.844/89, Instalaes Prediais de guas Pluviais da ABNT. J o sistema de coleta atravs da superfcie do solo comum a construo de rampas ou canais para direcionar a gua da chuva para dentro do reservatrio. A gua da chuva coletada em superfcies por onde passam carros geralmente apresentam qualidade inferior, sendo contaminada por leos combustveis e resduos de pneus.

Figura 6 Sistema de aproveitamento da gua da chuva de telhados (Fonte: UNEP, 2005)Figura 7 Sistema de aproveitamento da gua da chuva de superfcies no solo (Fonte: UNEP, 2005)

Qualquer que seja a tcnica, os componentes principais do sistema de aproveitamento da gua da chuva so a rea de captao, telas ou filtros para remover materiais grosseiros como folhas e galhos, tubulaes para a conduo da gua e o reservatrio de armazenamento.

Fatores como a localizao geogrfica (proximidade do oceano), a presena de vegetao, as condies meteorolgicas (regime dos ventos), a estao do ano e a presena de carga poluidora podem influenciar a qualidade da gua da chuva. Embora a qualidade da gua de chuva seja frequentemente superior dos mananciais de superfcie, os usos previstos podero vir a exigir algum tipo de tratamento para efeito de adequao. A diferena de qualidade da gua de chuva coletada a partir de telhados em diversas localidades ilustrada pela Tabela 5. Tabela 5 Comparao da qualidade da gua da chuva coletada em telhados em diversas localidades (Fonte: Bastos, 2007)AutorLocal de pesquisaParmetros (valores mdios)

pHTurbidez

(UNT)Dureza

(mg/L)Cloretos

(mg/L)E. coli

(NMP/

100ml)Colif. Totais

(NMP/100ml)

De Luca e Vsquez (2000)Porto Alegre6,3--3,9--

Handia, et al. (2003)Zambia7,3--6,0--

Valle et al. (2005)Florianpolis5,31,810,03,521.200

Annecchini (2005)Vitria6,810,419,814,5-3.600

Pinheiro et al. (2005)Blumenau5,64,423,93,83.474800

Bastos, 2007Vitria6,80,99,42,81354.060

Uma relao entre o tipo de superfcie de coleta da gua e seus provveis usos apresentada na tabela 6. Deve ser observada a recomendao de uso potvel apenas quando a gua de chuva coletada a partir de telhados onde no h acesso de pessoas e animais. Por outro lado, nos casos onde a gua coletada a partir de reas onde h fluxo de veculos, o tratamento recomendado mesmo para usos no potveis.Tabela 6 - Variao da qualidade da gua da chuva devido rea de coleta.

Nvel de tratamentorea de coleta de chuvaObservaes

ATelhados (lugares no ocupados por pessoas e animais)Se a gua for tratada pode ser consumida

BTelhados (lugares freqentados por pessoas e animais)Usos no potveis

CTerraos e terrenos impermeabilizados, reas de estacionamentoMesmo para usos no potveis, necessita tratamento

DEstradasMesmo para usos no potveis, necessita tratamento

Fonte: Group Raindrops (1995).

do conhecimento geral que a chuva inicial mais poluda, por lavar a atmosfera contaminada por poluentes e a superfcie de captao, quer sejam telhados ou superfcies no solo. Para uma grande quantidade de usos no potveis, a remoo de slidos grosseiros por peneiramento e o no aproveitamento (descarte) dos primeiros milmetros de chuva, atravs de um reservatrio de eliminao da primeira chuva, pode ser suficiente como tratamento. Para usos mais nobres, como no caso do consumo potvel, tratamentos mais complexos se impem (Tabela 7). Tabela 7 - Diferentes qualidades de gua para diferentes aplicaes.

Uso requerido pela guaTratamento necessrio

Irrigao de jardinsNenhum tratamento

Preveno de incndio, torres de resfriamento de sistemas de condicionamento de arCuidados para manter o equipamento de estocagem e distribuio em condies de uso

Fontes e lagoas, descargas de banheiros, lavagem de roupas e lavagem de carrosDesinfeco, devido o possvel contato do corpo humano com a gua

Piscinas, banho de imerso, consumo humano e preparo de alimentosDesinfeco, para a gua ser consumida direta ou indiretamente

Fonte: Group Raindrops (1995).

Uma Comparao entre as classes d`gua estabelecidas pela resoluo CONAMA 357/05, os tipos d`gua estabelecidos pela ABNT na NBR 12.216/92 e a qualidade mdia da gua de chuva apresentada na tabela 8. A gua de chuva em questo pode ser classificada como classe 1, de acordo com o CONAMA 357/05, e em funo dos resultados das anlises de coliformes totais, a gua de chuva pode ser classificada como Tipo B de acordo com a NBR 12.216/92. De acordo com a Resoluo CONAMA 357/05, a gua de classe 1 dever receber um tratamento simplificado para ser destinada ao abastecimento para consumo humano e conforme a NBR 12.216/92, gua do tipo B, para atender ao padro de potabilidade, pode receber um tratamento que no exija coagulao qumica.

Tabela 8 - Comparao entre as classes d`gua estabelecidas pelo CONAMA 357/05, os tipos d`gua estabelecidos pela ABNT na NBR 12.216/92 e a mdia da gua de chuva analisada em Vitria (ES)CONAMA 357/05

NBR 12216 (ABNT, 1992)

gua Chuva

Parmetros

Classe

1

Classe

2

Classe

3

Classe

4

Tipo

A

Tipo

B

Tipo

C

Tipo

D

Mdia

Turbidez (UNT)

40

100

100

-

-

-

-

-

0,83

Cor (uH)

-

75

75

-

-

-

-

-

7,86

pH

6,0 a 9,0

6,0 a 9,0

6,0 a 9,0

6,0 a 9,0

5 a 9

5 a 9

5 a 9

3,8 a 10,3

6,76

SD (mg/L)

500

500

500

-

-

-

-

-

0,06

Cloretos (mg/L)

250

250

250

-

600

2,76

C. Termo (NMP/100ml)

200

1.000

4.000

-

-

-

-

-

12,64

C. Totais (NMP/100ml)

-

-

-

-

50 a 100

100 a

5000

5000 a 20000

>20000

551,43

C. Termo: Coliformes Termotolerantes

C. Totais: Coliformes Totais

Algumas tcnicas de tratamento de gua de chuva para diversos fins so apresentadas na Tabela 9.Tabela 9 - Tcnicas de tratamento da gua da chuva em funo da localizaoMtodoLocalResultado

Telas e gradesCalhas e tubo de quedaRetm folhas e galhos

SedimentaoNo reservatrioRemove matria particulada

Filtrao na linha de gua

Carvo ativado

Osmose reversa

Camadas mistas

Filtro lentoAps bombeamento

Na torneira

Na torneira

Tanque separado

Tanque separadoRetm sedimentos

Remove cloro

Remove contaminantes

Captura material particulado

Captura material particulado

Desinfeco

Fervura / destilao

Clorao

Radiao ultravioleta

OzonizaoAntes do uso

Antes do uso

No reservatrio ou no bombeamentoReator UV aps a filtraoAntes da torneiraElimina microorganismos

Elimina microorganismos

Elimina microorganismos

Elimina microorganismosElimina microorganismos

Fonte: Texas (1997).

4.2 - Reuso de esgoto sanitrio

O reuso de esgotos sanitrios tratados , sem sombra de dvidas, uma das principais solues a serem adotadas na reverso do estresse hdrico em qualquer regio do planeta e, em especial, no semi-rido. Esta prtica assume um papel fundamental no planejamento e na gesto sustentvel dos recursos hdricos, por liberar as fontes de gua de boa qualidade para abastecimento pblico e outros usos prioritrios. Alm do importante reforo na disponibilidade de gua, o reso tambm pode assegurar o aporte essencial de nutrientes para culturas agrcolas estratgicas. Tal fato est na base da concepo da maior parte dos sistemas de reuso de guas na Europa e nos EUA (Califrnia), em constraste com outras regies do planeta onde a gua de reuso direcionada prioritariamente para outros fins que no a agricultura (Figura 8).gua de reso pode ser definida como qualquer tipo de gua residuria que se encontra dentro dos padres exigidos para sua utilizao nas modalidades pretendidas. No Brasil, o reuso planejado de esgotos tratados ou no uma praticada corrente. No obstante, o reso indireto no planejado, a partir de crregos poludos nas reas urbanas, freqente para a irrigao de hortalias e outros vegetais. As realizaes de larga escala em termos de agricultura ainda so incipientes, e limitadas a poucas experincias controladas que associam empresas de saneamento e centros de pesquisas (BASTOS, 2003). No que diz respeito ao reuso industrial, algumas experincias de sucesso no setor privado encontram-se em curso, mas ainda no se pode considerar que a explorao do potencial de reuso industrial esteja ocorrendo em escala adequada no pas.

Figura 8 Quantidades totais de consumo de gua de reuso e distribuio por tipo de uso (AGR agricultura; GWR Recarga de aqferos; IND Indstrias; ECO Ecolgico; URB Urbano; DOM Domstico) em diferentes regies do mundo (AQUAREC, 2006)

Apesar da ausncia dos arcabouos legal e institucional no Brasil, o prprio Conselho Nacional de Recursos Hdricos, em sua RESOLUO N. 54, DE 28 DE NOVEMBRO DE 2005, que estabelece critrios gerais para reuso de gua potvel, relaciona os pontos fortes a favor da prtica (BRASIL, 2005): A Lei no 9.433, de 1997, que dispe sobre a Poltica Nacional de Recursos Hdricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos - SINGREH, d nfase ao uso sustentvel da gua;

A Dcada Brasileira da gua, instituda pelo Decreto de 22 de maro de 2005, cujos objetivos so promover e intensificar a formulao e implementao de polticas, programas e projetos relativos ao gerenciamento e uso sustentvel da gua;

A diretriz adotada pelo Conselho Econmico e Social da Organizao das Naes Unidas-ONU, segundo a qual, a no ser que haja grande disponibilidade, nenhuma gua de boa qualidade dever ser utilizada em atividades que tolerem guas de qualidade inferior;

O reso de gua se constitui em prtica de racionalizao e de conservao de recursos hdricos, conforme princpios estabelecidos na Agenda 21, podendo tal prtica ser utilizada como instrumento para regular a oferta e a demanda de recursos hdricos;

A escassez de recursos hdricos observada em certas regies do territrio nacional, a qual est relacionada aos aspectos de quantidade e de qualidade;

A elevao dos custos de tratamento de gua em funo da degradao de mananciais;

A prtica de reso de gua reduz a descarga de poluentes em corpos receptores, conservando os recursos hdricos para o abastecimento pblico e outros usos mais exigentes quanto qualidade.Segundo ALVES et al (2005), para que a utilizao de gua de reuso se consolide como uma prtica usual de conservao no Brasil, necessita-se de:

Regulamentao tcnica adequada, para minimizar os riscos sade humana e ao meio ambiente.

Divulgao permanente de experincias e dos mais recentes desenvolvimentos tecnolgicos.

Disponibilizao de servios e equipamentos compatveis com o mercado brasileiro.

No Brasil, a ABNT, atravs da norma NBR 13.969/97, estipula que o esgoto tratado a nveis sanitariamente seguros deve ser reutilizado para fins que exigem qualidade de gua no potvel, tais como, irrigao dos jardins, lavagem de pisos e dos veculos automotivos, na descarga dos vasos sanitrios, na manuteno paisagsticas dos lagos e canais com gua, na irrigao dos campos agrcolas, pastagens, etc.Planejamento do resoO aumento da disponibilidade hdrica e a reciclagem de nutrientes na regio atravs de empreendimentos de reso de gua deve considerar aes integradas tanto na escala meso quanto na escala micro. O planejamento importante ferramenta para assegurar a segurana sanitria e a minimizao dos custos de implantao e de operao. Os pontos essenciais a serem definidos so:

Os usos previstos para a gua de reso.

A demanda de gua de reso, que define o volume de esgoto a ser tratado para reutilizao.

A qualidade da gua de reso, que define a tecnologia de tratamento do esgoto sanitrio.

O sistema de reservao e de distribuio. As rotinas operacionais e de manuteno.

A capacitao dos recursos humanos.

Na escala meso, referente ao sistema pblico de esgotamento sanitrio, os efluentes das estaes de tratamento de esgotos podem ser disponibilizados, juntamente com as guas de escoamento pluvial, para uso na prpria rea urbana ou enviado para uso nas reas rurais (Figura 9). Dependendo das circunstncias, o reuso pode vir a ser apenas uma extenso do tratamento de esgotos, sem exigir grandes obras e investimentos adicionais. Alm da qualidade, a quantidade de gua de reso demandada deve ser definida por ocasio do planejamento, uma vez que nem sempre toda a vazo de esgoto tratado passvel de ser til. A transposio de bacias de esgotamento sanitrio factvel, nos casos em que a gua de reso venha a atender demandas especficas nas reas adjacentes.

Figura 9 Uso de fontes alternativas de gua para minimizar a importao de gua e a exportao de esgoto sanitrio e de gua de drenagem urbana a partir do ambiente urbano (Adaptado de Wong, T.H., 2007)Na escala micro, o reso pode ser realizado a partir de esgoto sanitrio ou de guas cinzas, que vm a ser as guas residurias sem contaminao fecal geradas nas edificaes (guas residurias geradas nas pias, lavatrios, chuveiros, tanques, etc). No primeiro caso, o sistema de tratamento deve ser concebido para eliminar grandes quantidades de patgenos presentes no esgoto sanitrio. No segundo caso, a segregao das guas residurias em guas cinzas e guas negras requer um sistema hidrossanitrio alternativo, projetado para tanto. A estrutura de um sistema hidrossanitrio desenvolvido a partir do modelo de saneamento ecolgico, que prev o aproveitamento de fontes alternativas nas residncias e a reciclagem dos nutrientes dos excretas, apresentado na figura 10.

( Suprimento de gua convencional, a partir da rede pblica.

( Coleta e aproveitamento de gua de chuva a partir do telhado da edificao;

( Coleta, tratamento e reso das guas cinzas na descarga de vasos sanitrios;

( Coleta, tratamento e reso de guas amarelas (urina) na agricultura;

( Coleta, tratamento e reso das guas negras na agricultura;

Figura 10 - Esquema de um sistema alternativo de gerenciamento de guas em uma edificao (Fonte: Gonalves, 2006)O modelo prev linhas de suprimento de gua diferentes para fins potveis e para fins no potveis. O suprimento de gua potvel (convencional) assegurado pela empresa concessionrio do servio de abastecimento pblico de gua (cor verde no desenho). Como fontes alternativas de gua para fins no potveis prev-se a utilizao de gua de chuva (cor azul) e o reso de guas cinzas, de maneira consorciada ou no. A gua de chuva coletada no telhado da edificao e encaminhada para uma cisterna, para posterior utilizao. Finalmente, o modelo prev o aproveitamento de guas amarelas, das guas negras tratadas e de lodo na agricultura (Otterpohl, 2001). Uma descrio das linhas de produo de guas residurias nas residncias apresentada a seguir: guas negras: gua residuria proveniente dos vasos sanitrios, contendo basicamente fezes, urina e papel higinico ou proveniente de dispositivos separadores de fezes e urina, tendo em sua composio grandes quantidades de matria fecal e papel higinico. guas negras segregadas das demais resultam em estaes de tratamento menores, operando de forma mais estvel e produzindo menos sub-produtos. Os lodos podem ser aproveitados na agricultura e o biogs valorizado do ponto de vista energtico. guas cinzas: guas servidas provenientes dos diversos pontos de consumo de gua na edificao (lavatrios, chuveiros, banheiras, pias de cozinha, mquina de lavar roupa e tanque), excetuando-se gua residuria proveniente dos vasos sanitrios (JEFFERSON et al, 1999; ERIKSSON et al, 2002; OTTOSON & STENSTRM, 2003). Alguns autores como Nolde (1999) e Christova-Boal et al (1996) no consideram como gua cinza, mas sim como gua negra a gua residuria de cozinhas, devido s elevadas concentraes de matria orgnica e de leos e gorduras nelas presentes. Uma reviso ampla sobre as diversas abordagens do gerenciamento de guas cinzas em edificaes foi realizada por GONALVES (2006). Em muitos casos, em especial quando se trata de edificaes com vrios andares, esta prtica mais vivel economicamente do que o aproveitamento de guas pluviais.

guas amarelas: gua residuria proveniente de dispositivos que separam a urina das vezes. Podem ser geradas em mictrios ou em vasos sanitrios com compartimentos separados para coleta de fezes e de urina. As guas amarelas podem ser recuperadas sem tratamento, sendo utilizadas como importante fonte de nitrognio na agricultura.Os estudos de caracterizao do consumo de gua potvel em residncias brasileiras autorizam uma estimativa de economia de gua variando entre 15 a 30%, caso se implemente o aproveitamento de fontes alternativas. O monitoramento do consumo de gua em um edifcio com reuso de guas cinzas em Vitria (ES) comprovou uma economia de 24% de gua potvel. Entretanto, apenas 32% da gua cinza produzida foi reutilizada, sendo o restante direcionado para a rede de esgoto (Figura 11). O maior consumo de gua de reso naquela edificao acontece nas descargas das bacias sanitrias dos apartamentos (83%), seguido da rea comum (12%) e por fim a rea de lazer (5%).Embora aporte um impacto significativo na reduo dos consumos de gua e de produo de guas residurias, o aproveitamento de fontes alternativas em uma edificao demanda um investimento significativo para instalao dos componentes do sistema. Devem ser considerados uma rede de abastecimento dupla, dois reservatrios de gua (um potvel + um no potvel), e um sistema para tratamento da gua no potvel antes do uso. Os custos de investimento, de operao e de manuteno dependem do tipo de instalao e das condies locais. No que se refere funcionalidade da edificao, o uso de fontes alternativas no implica em grandes modificaes, a no ser a manuteno dos sistemas de tratamento e de armazenamento.

Figura 11 - Srie histrica da produo per capita de gua cinza e consumo per capita de gua de reuso em uma edificao residencial multi-familiar em Vitria (ES) (Fonte: Pertel, 2009)Outro aspecto muito importante refere-se aceitao social da medida, que pode no ser muito positiva devido resistncia natural que as pessoas experimentam quando se trata de contato direto ou indireto com guas residurias de qualquer natureza. A aceitao social do reso de gua inversamente proporcional probabilidade de contacto humano e ingesto (Gonalves, 2006). Campanhas de sensibilizao, informao e educao devem ser dirigida aos usurios, promovidas pelos administradores das edificaes e tambm pelos gestores dos sistemas de abastecimento de gua e pelos responsveis por unidades de comrcio, indstria e instalaes coletivas

Usos e padres de qualidade recomendados para a gua de reso

Os nveis de sofisticao e de eficincia do tratamento a que ser submetido o esgoto sanitrio dependem da qualidade da gua de reuso e do usos a que esta se destina. Os principais usos e seus respectivos padres de qualidade utilizados em vrios pases encontram-se resumidos na tabela 10. A qualidade exigida para os diversos usos previstos na ABNT NBR 1969/97, e os respectivos processos de tratamento sugeridos para gerar tais guas de reuso, encontram-se relacionados a seguir:

Classe 1 Lavagem de carros e outros usos que requerem o contato direto do usurio com a gua, com possvel aspirao de aerossis pelo operador incluindo chafarizes:

turbidez - inferior a 5,0;

coliforme fecal inferior a 200 NMP/100ml;

slidos dissolvidos totais inferior a 200 mg/l

pH entre 6.0 e 8.0;

cloro residual entre 0,5 mg/l e 1,5 mg/l

Processos recomendados para tratamento: tratamentos anaerbio aerbio ou aerbio simples (Ex: filtro aerbio submerso) seguidos por filtrao convencional (areia e carvo ativado) e clorao. A filtrao convencional pode ser substituda filtrao em membranas.

Classe 2 Lavagens de pisos, caladas e irrigao dos jardins, manuteno dos lagos e canais para fins paisagsticos, exceto chafarizes:

turbidez - inferior a 5,0;

coliforme fecal inferior a 500 NMP/100ml;

cloro residual superior a 0,5 mg/l

Processos recomendados para tratamento: tratamentos anaerbio aerbio ou aerbio simples (Ex: filtro aerbio submerso) seguido de filtrao de areia e desinfeco. A filtrao convencional pode ser substituda filtrao em mebranas.Classe 3 Descargas de bacias sanitrias:

turbidez - inferior a 10,0;

coliforme fecal inferior a 500 NMP/100ml;

Processos recomendados para tratamento: As guas de descarte da lavagem de roupas podem atender a este padro de turbidez, o que exigiria apenas uma clorao. No obstante, as atas concentraes de matria orgnica e de sulfato nelas presentes podem resultar na produo de odores desagradveis nas instalaes sanitrias. Recomenda-se, portanto, um tratamento tratamentos anaerbio aerbio ou aerbio simples seguido de filtrao e desinfeco satisfaz a este padro.

Classe 4 Reuso em pomares, cereais, forragens, pastagens para gados e outros cultivos atravs de escoamento superficial ou por sistema de irrigao pontual.

coliforme fecal inferior a 5.000 NMP/100ml;

oxignio dissolvido acima de 2,0 mg/l

As aplicaes devem ser interrompidas pelo menos 10 dias antes da colheita. Tabela 10 Padres de qualidade de guas de reso em diversos pases

Tipo de reusopHSST

mg/lSDT

mg/lTurbidez

UTDBO5 mg/l)Deterg. mg/lNTK

mg/lNNH4 mg/lP total

mg/lOD mg/lCloro residual

mg/lCoiliformes

totaisColiformes

Termotoler.Ref.

Bacia sanitria

(Alemanha)----5--->50%-