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8º Encontro da ABCP 01 a 04/08/2012, Gramado, RS Área Temática: Comunicação Política e Opinião Pública Democracia e boa governança via web: o Brasil político e as inovações tecnológicas 1 . Heloisa Dias Bezerra Universidade Federal de Goiás – UFG e-mail: [email protected] Vladimyr Lombardo Jorge Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ e-mail: [email protected] Marisleily Rodrigues de Freitas Universidade Federal de Goiás – UFG e-mail: [email protected] Joscimar Silva Universidade Federal de São Carlos/UFSCar e-mail: [email protected] Resumo: Entre 2009 e 2010, analisamos os portais eletrônicos dos executivos estaduais brasileiros para verificar se ofereciam ferramentas que permitissem aos cidadãos ou instituições tanto exercer controle sobre o governo quanto interagir e expressar suas preferências frente às políticas públicas. Além disso, verificar em que níveis os executivos estaduais, aderindo à convergência tecnológica, estão realizando accountability política e responsividade essenciais à governança democrática. Constatou-se a ausência de ferramentas que possibilitassem a participação em processos decisórios e o acesso a informações sobre políticas públicas; bem como ausência de uma memória dos processos administrativos governamentais. Palavras-chave: accountability, democracia, internet, responsividade, interatividade, processo decisório 1 Comunicação parcialmente apresentada nos seguintes eventos: 6. Congresso ALACIP, 2012; VI Congresso da Associação Portuguesa de Ciência Política/2012/Lisboa-PT e II Conferência do Desenvolvimento – CODE 2011/Brasil.

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8º Encontro da ABCP 01 a 04/08/2012, Gramado, RS

Área Temática: Comunicação Política e Opinião Pública

Democracia e boa governança via web: o Brasil político e as inovações tecnológicas1.

Heloisa Dias Bezerra Universidade Federal de Goiás – UFG

e-mail: [email protected]

Vladimyr Lombardo Jorge Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ

e-mail: [email protected]

Marisleily Rodrigues de Freitas Universidade Federal de Goiás – UFG

e-mail: [email protected]

Joscimar Silva Universidade Federal de São Carlos/UFSCar

e-mail: [email protected]

Resumo: Entre 2009 e 2010, analisamos os portais eletrônicos dos executivos estaduais brasileiros para verificar se ofereciam ferramentas que permitissem aos cidadãos ou instituições tanto exercer controle sobre o governo quanto interagir e expressar suas preferências frente às políticas públicas. Além disso, verificar em que níveis os executivos estaduais, aderindo à convergência tecnológica, estão realizando accountability política e responsividade essenciais à governança democrática. Constatou-se a ausência de ferramentas que possibilitassem a participação em processos decisórios e o acesso a informações sobre políticas públicas; bem como ausência de uma memória dos processos administrativos governamentais. Palavras-chave: accountability, democracia, internet, responsividade, interatividade, processo decisório

1 Comunicação parcialmente apresentada nos seguintes eventos: 6. Congresso ALACIP, 2012; VI Congresso da Associação Portuguesa de Ciência Política/2012/Lisboa-PT e II Conferência do Desenvolvimento – CODE 2011/Brasil.  

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Introdução2

Informação é um direito? É garantia de cidadania? É um indicativo do grau

de democratização de um país? Para Robert A. Dahl (1989) e outros teóricos da

democracia, o debate público livre é uma precondição necessária à consolidação

democrática. Assim sendo, podemos tomar como premissa que, para a existência de

um debate público efetivamente livre e a fiscalização efetiva dos governantes, é

preciso garantias relativas ao direito à informação (Bezerra et. al., 2010). Isso

significa ter acesso tanto à fontes diversas de informação e não se impedido de se

exprimir livremente.3

Ambos os direitos, o de informação e de expressão, são reconhecidos tanto

pelos Estados democráticos quanto por organizações internacionais. A Constituição

brasileira de 1988, tal como outras constituições liberais, garante, em dois incisos do

seu Artigo 5º, o direito de informação e de opinião não apenas aos indivíduos mais

também às instituições e os grupos sociais:

“IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; [...] XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm)

No âmbito internacional, talvez não haja melhor exemplo do reconhecimento

deste direito do que o Artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos da

Organização das Nações Unidas (ONU) que assegura que: “Toda pessoa tem direito

à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem

interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por

quaisquer meios e independentemente de fronteiras” (In:

http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm)

Soma-se aos direitos supra, a exigência que um governo responda

continuamente às indagações de seus cidadãos, o que equivale dizer prestar contas

permanentemente pelos seus atos e palavras. Em suma, que seja transparente.4

Desde meados da década de 1990, o tema da corrupção começou a ganhar

relevância no âmbito internacional, o que levou a celebração de acordos 2  Texto parcialmente publicado em: BEZERRA. H.D. e JORJE, 2011.  3 Quanto às fontes, estamos nos referindo tanto às instituições públicas quanto às privadas, sobretudo os meios de comunicação. 4 Podemos dizer que a preocupação com a transparência remonta à própria origens do liberalismo político, um vez que uma das marcas de nascença deste é a desconfiança em relação ao governo e, mais precisamente, aos governantes.

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internacionais que obrigavam os Estados a adotarem medidas que lhes dessem

mais transparência.

Há várias evidências da importância que esse tema adquiriu recentemente

no âmbito internacional. Aqui, mencionamos apenas duas: a criação, em 2000, da

Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (United Nations Convention

against Corruption) e a criação, em 2011, do programa “Parceria Governo Aberto”

(Open Government Patership), do qual os chefes de Estado do Brasil e dos Estados

Unidos são coopresidentes.5 Talvez influenciado pela importância que o tema

adquiriu nos últimos anos, o governo brasileiro, em 2004, instalou o Conselho de

Transparência Pública e Combate à Corrupção.6

A exigência de transparência e o direito à informação e de expressão, na

discussão sobre democracia digital, podem ser tomados, de certo modo, como

indicativos de uma mesma problemática: a forma como o Estado e os governantes

tratam das garantias aos cidadãos do que Dahl preconizou como “livre debate”.

Além das questões já mencionadas, acrescentaremos, agora, uma terceira.

Embora a ênfase seja na transparência, a declaração da “Parceria Governo Aberto”,

contudo, não faz referência apenas à esta questão. Além de inspiração fortemente

liberal, a iniciativa tem também alguma influência republicana ou democrática. Pois o

documento menciona a exigência de mais participação cívica ou política dos

cidadãos nos assuntos públicos.

“[...] Reconhecemos que as pessoas ao redor do mundo estão exigindo mais abertura no governo, reivindicando maior participação cívica nos assuntos públicos e buscando meios de tornar seus governos mais transparentes, receptivos, responsáveis e eficientes; [...] Aceitamos a responsabilidade de aproveitar este momento para fortalecer nosso empenho em promover a transparência, lutar contra a corrupção, dar poder aos cidadãos e dominar o poder das novas tecnologias para tornar o governo mais efetivo e responsável; [...] Apoiar a participação cívica. Prezamos a participação pública de todos, igual e indiscriminadamente, no processo de tomada de decisões e formulação de políticas. A participação pública, incluindo-se integralmente a das mulheres, aumenta a eficácia dos governos, que se beneficia do conhecimento e ideias das pessoas e de sua capacidade de fiscalização. Comprometemo-nos a tornar a formulação de políticas e a tomada de decisões mais transparente, criando e usando canais para requisitar a opinião pública e aprofundando a participação

5 Mais informações sobre a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção pode ser encontrada em: http://www.unodc.org/unodc/en/treaties/CAC/index.html. Informações a respeito do programa “Parceria Governo Aberto” estão disponíveis em: http://www.opengovpartnership.org/. 6 Sobre este Conselho, ver http://www.cgu.gov.br/ConselhoTransparencia/Competencias.asp.

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pública na elaboração, monitoramento e avaliação das atividades governamentais. Comprometemo-nos a proteger a capacidade das organizações sem fins lucrativos e da sociedade civil de operar de forma coerente com nosso comprometimento à liberdade de expressão, associação e opinião. Comprometemo-nos a criar mecanismos para permitir maior colaboração entre os governos e as organizações e empresas da sociedade civil.” (http://www.opengovpartnership.org/declara%C3%A7%C3%A3o-de-governo-aberto; acessado em 27 de janeiro de 2012)

O trechos supra sugerem um comprometimento dos governos em ampliar a

participação da sociedade civil (o que inclui tanto cidadãos como organizações não-

governamentais, empresas etc.) no processo de formulação, monitoramento e

avaliação de políticas públicas. Propõem-se, portanto, que se estimule uma

cidadania mais ativa como resposta a alguns dos problemas que afligem as

democracias representativas, sobretudo aquelas cujas instituições ainda dão sinais

de fragilidade.

Na pesquisa7 que deu origem a este artigo tomamos como premissa a

centralidade do conceito de boa governança, o qual, de acordo com a literatura

especializada, é um indicativo ótimo da democratização das relações entre

representantes e representados e do esforço dos poderes executivos quanto ao

empoderamento da sociedade civil.

1. Democracia e as potencialidades da internet

A distância entre representantes e representados e os custos da informação

política são apontados como entraves da participação ativa dos cidadãos na vida

política de seus respectivos países. Nas últimas décadas, porém, o surgimento da

internet e, sobretudo, a difusão crescente do acesso a esta e outras novas

tecnologias da informação e da comunicação (NTICs) aumentaram a possibilidade

de divulgação de informações, ampliaram as formas de controle dos agentes

estatais e criaram expectativas quanto à expansão da participação política dos

cidadãos.8 A emergência das NTICs levou especialistas a retomarem o debate sobre

novas perspectivas para a democracia tomando como parâmetros certas questões

sobre o modo como incidirão sobre o ambiente político democrático.

7 Referimo-nos aqui ao projeto de pesquisa intitulado Democracia e boa governança via websites dos governos estaduais. Projeto financiado pelo CNPq/Brasil. 8 Há exemplos muito recentes. Foi lançado, pelo Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, um sistema que permite aos cidadãos comuns acompanharem online os investimentos realizados pela Prefeitura do Rio de Janeiro em políticas públicas (O Globo, caderno Rio, pág. 19, 20 de junho de 2010).

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A percepção de que a internet poderia ser uma ferramenta importante para

aperfeiçoar a democracia representativa ou mesmo introduzir outros formatos de

democracia foi um desdobramento da difusão da internet: sua expansão fez com

que filósofos, cientistas sociais entre outros passassem a especular a respeito do

seu potencial uso político e sobre as conseqüências disso para a democracia e a

cidadania. Logo, o próprio advento da democracia digital ou, em inglês, e-democracy

seria uma conseqüência não premeditada da expansão da internet nas últimas duas

décadas e da percepção de que ela poderia vir a contribuir para a superação de

alguns dos problemas enfrentados pelas democracias representativas no final do

século XX.

Para Philipe Breton (2006) “os dispositivos democráticos existem em todos os

níveis; somos nós (a sociedade civil) que nada fazemos. Na maioria das vezes por

falta de competência para utilizá-los”. Essa idéia de uma incompetência democrática

do cidadão comum como uma das causas da distância no relacionamento com as

coisas do mundo público não é recente. Schumpeter (1961) afirma que o cidadão

além de ser apático em relação às questões do mundo político possui uma

incapacidade cognitiva para a atuação nesta arena. Para Breton (op.cit.) a

democracia representativa não carece tanto de incrementos, o cidadão é que

precisa de capacitação para operar com as possibilidades de participação que já são

ofertadas.

Defensor da democracia deliberativa, mas com ressalvas, Breton (2006) afirma

que “democracia participativa” é uma boa opção, mas não deve ser vista como

“ilusão” político-eleitoral. Criar dispositivos que abarquem mais amplamente os

cidadãos é uma boa alternativa, contudo pode esbarrar na “questão do savoir faire”

(técnicas) (Breton, 2006, p. 86). Para o autor, não basta criar alternativas do ponto

de vista das técnicas, das ferramentas, se elas servirem apenas para perpetuar as

antigas competências. É preciso observar o uso que se faz das instituições.

Além disso, o autor questiona o que é praticar a democracia, porque muitos

não sabem do que ela trata. Há também a diferença entre o discurso do que é

democrático e o que se faz na realidade. Observa-se que muitas pessoas fazem

calorosas alocuções sobre os ideais democráticos, mas que nas suas ações práticas

são autoritárias e dominadoras. Breton questiona ainda a noção de cidadania. Para

ele, “ser juridicamente cidadão não significa ser competente para praticar a

democracia.” (Breton, 2006, p. 97).

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No sistema democrático, cada pessoa é uma autoridade pública, ou seja, cada

um é convocado a tomar sua parte na soberania. Portanto, ser cidadão implica na

autoridade sobre a coisa pública e ser legalmente apto para isso. Todavia para julgar

e decidir sobre o destino do bem público é preciso ter profundo conhecimento, ou

seja, habilidade. A competência, dessa forma, ultrapassa o sentido da técnica.

Mas o debate acerca das potencialidades da internet não surgiu somente por

causa da sua difusão. Havia (e ainda há) um cenário político que ajuda a fomentá-lo.

Trata-se da percepção, existente já algumas décadas, de que a democracia

representativa encontra-se em crise, mesmo onde encontra-se consolidada há várias

décadas.

2. Democracia representativa, limites e novas perspectivas

Embora a realização periódica de eleições livres e limpas seja um requisito

necessário para haver democracia, esse critério é insuficiente e muitos cientistas

políticos utilizam outros, além das eleições, para identificar um país democrático.

Mas, ainda que ampliem sua definição de democracia, excluem uma variedade de

questões. Mainwaring et. alli (2001), por exemplo, não consideram os direitos sociais

e responsabilidade pública (accountability) requisitos necessários à definição de

democracia. Apesar dessas exclusões, essas são questões muito importantes para o

debate democrático. As democracias representativas têm limitações e, à medida que

as expectativas dos cidadãos não se realizam ou não se concretizam

completamente, tendem a gerar frustrações com relação às instituições políticas.

A América Latina é um bom exemplo das consequências das limitações da

democracia representativa. Nos anos 1980, a redemocratização, para os latino-

americanos, não significava apenas o fim do regime autoritário. Representava

também uma era de desenvolvimento econômico acompanhado de redistribuição de

renda, igualdade social e redução das assimetrias entre as regiões. À medida que os

governos democráticos não apenas demonstraram ser incapazes de responder

satisfatoriamente a essas demandas, mas também adotavam políticas econômicas

que as agravaram ainda mais, as instituições democráticas liberais entraram em

crise, o que levou ao aumento da instabilidade política em vários países da região

nos anos 1990.9 O Brasil foi uma das exceções. Desde os anos 1980, o país vive a

9 É irônico que isso tenha ocorrido após a terceira onda democrática, que foi mais abrangente do que as anteriores (1828-1926 e 1943-1962). (Huntington, 1993 e 1994).

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sua mais longa e estável experiência democrática. Mas, apesar da estabilidade, os

brasileiros compartilham com os demais latino-americanos uma enorme

desconfiança com relação às suas instituições políticas, sendo isso um dos sintomas

da crise que se abateu sobre as instituições políticas da região.10

As limitações da democracia representativa na área social e as frustrações com

relação ao desempenho de suas instituições têm estimulado não somente a critica a

esse tipo de democracia, mas também a valorização de um modelo que estimule a

participação direta dos cidadãos. Se não propõem a eliminação completa da

democracia representativa, tais limitações estimulam seus críticos à esquerda a

proporem a democracia deliberativa ou participativa em nível local ou operando

conjuntamente com a democracia representativa.11 A segunda amplia a participação

pelo uso dos institutos que permitem aos próprios cidadãos, e não apenas seus

representantes, monitorar o governo e/ou interferir no próprio processo deliberativo.

Para terem mais controle sobre seus representantes ou decidirem sobre algum

assunto (em uma eleição, um plebiscito, um referendo ou veto legislativo), os

cidadãos individualmente ou as instituições da sociedade civil (ONGs, sindicatos

etc.) necessitam de mais informação além daquela disponível nos órgãos de

imprensa tradicionais (jornal, rádio e televisão). Mesmo nas democracias

representativas, que não exige uma cidadania ativa, a oposição e os jornalistas, para

que possam desempenhar efetivamente seu papel de “cão de guarda da

democracia”, precisam que as instituições públicas disponibilizem e atualizem

constantemente informações acerca do fizeram, fazem ou farão.

Qualquer que seja o modelo de democracia adotado, as NTICs constituem

recursos fundamentais tanto para a gestão pública quanto para a aproximação entre

o Estado e a sociedade. Podem permitir o acesso rápido e fácil a informações

necessárias a organizações não-governamentais, partidos de oposição e jornalistas

interessados em fiscalizar o poder público ou aos próprios cidadãos quando

convocados a deliberarem a respeito de uma questão.

A existência da tecnologia não garante que esta será utilizada de fato em prol

da superação dos problemas da democracia apontados pela literatura ou para

promover a introdução de um novo modelo de democracia. (Marques, 2009, p. 221)

Pois, embora os avanços tecnológicos tenham disponibilizados as ferramentas, a 10 Além do aumento da desconfiança, outros sintomas apontados pela literatura são: o desaparecimento ou o enfraquecimento dos partidos políticos tradicionais em alguns países e alguns dos itens das reformas políticas que quase todos os países da região promoveram entre 1984 e 2007. Sobre o aumento da desconfiança política na América Latina, veja Power e Jamison, 2005. 11 Ver a respeito Santos e Avritzer, 2005.

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utilização ou não destas depende exclusivamente de uma decisão política.

(Marques, 2009, p. 234) Em consequência disso, podemos encontrar uma enorme

variação no uso dessas ferramentas não apenas entre instituições de níveis

diferentes (nacional, regional e local), mas também entre as instituições de um

mesmo nível.

2.1. Democracia digital no Brasil

Desde os anos 1980, o Brasil vive a sua mais longa e estável experiência

democrática. Apesar desse saldo positivo, a desconfiança política é

demasiadamente elevada no País. Então, podemos perguntar o que poderia ser feito

para tornar a res publica mais acessível ao homem comum; como minimizar o mau

uso dos recursos públicos e dificultar a apropriação desses recursos por indivíduos

ou grupos privados (patrimonialismo), como permitir que os cidadãos comuns

exerçam um controle mais efetivo sobre os seus representantes (Jorge, 2009, pp.

206-207).

As limitações da democracia representativa e a importância que os temas da

corrupção e da transparência adquiriu nos últimos anos, tanto no Brasil como no

âmbito internacional, estimularam o surgimento de iniciativas tanto por parte do

Estado brasileiro quanto da sociedade civil. A ênfase destas iniciativa, como

veremos, é nas disponibilização de ferramentas que permitam influenciar e controlar,

e não naquelas que possibilitam a intervenção.

Em 2004, o Estado brasileiro tomou duas iniciativas nesse sentido. Em outubro,

o presidente Luiz Inácio Lula da Silva instalou o Conselho de Transparência Pública

e Combate à Corrupção (CPCC), vinculado à Controladoria-Geral da União (CGU).12

No mês seguinte, a própria CGU lançou o “Portal da Transparência” com a finalidade

de “[...] aumentar a transparência da gestão pública, permitindo que o cidadão

acompanhe como o dinheiro público está sendo utilizado e ajude a fiscalizar.”

(http://www.portaltransparencia.gov.br/sobre/).

Em 2005, a Presidência da República lançou o Decreto nº 5.482 que “dispõe

sobre a divulgação de dados e informações pelos órgãos e entidades da

administração pública federal, por meio da Rede Mundial de Computadores –

Internet”. No ano seguinte, baixou a Portaria Interministerial nº 140 que “disciplina a

12 O Conselho foi criado pelo Decreto Nº 4.923 de 18 de dezembro de 2003. Sobre este Conselho, ver http://www.cgu.gov.br/ConselhoTransparencia/Competencias.asp.

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divulgação de dados e informações pelos órgãos e entidades da Administração

Pública Federal, por meio da rede mundial de computadores – internet, e dá outras

providências”.13 Por fim, em novembro de 2011, foi sancionada a Lei nº 12.527 que

regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do §

3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de

11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e

dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências.

O Brasil possui, portanto, desde a década passada, uma legislação que obriga

os agentes públicos a disponibilizarem algumas ferramentas digitais com intuito de

dar mais transparência às ações de governo e, com isso, aperfeiçoar a fiscalização

por parte de outros órgãos públicos e da sociedade civil.

Quanto às iniciativas originadas da própria sociedade civil, Graça Rossetto e

Rodrigo Carreiro encontraram, em um estudo exploratório acerca da apropriação da

internet pela sociedade civil, 10 casos, de um total de 23 selecionados pelos

pesquisadores, que tratavam do tema transparência.14 Dentre estes, três lidavam

com o monitoramento de contas, obras e políticas e as demais tinham o propósito de

fazer o acompanhamento dos representantes. Portanto, há, no Brasil, sites para

monitorar o que os agentes públicos fazem tanto por iniciativa do Governo Federal

quanto da sociedade civil. (Rossetto e Carreiro, 2011, p. 10).

As ferramentas disponibilizadas pelas instituições públicas ou oriundas da

sociedade civil podem apenas estimular aquilo que Gomes denomina de “ação

política” (acompanhar o noticiário político online, ler blogs de políticos, ver vídeos de

política etc.) sem que instigue o que ele denomina de “participação política”

(escrever um blog, fazer campanha online, escrever petições eletrônicas, manifestar-

se num fórum eletrônico ou numa consulta orçamentária digital, postar vídeos

políticos etc.). (Gomes, 2011, pág. 37).

Mesmo após as iniciativas do governo federal mencionadas acima, estudos

realizados mais recentemente mostram que os recursos disponibilizados pelo

Executivo federal ainda estão longe de dar transparência e estimular ações políticas.

O resultado de uma pesquisa em que compara o Portal da Presidência com o da

13Ver http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/96587/decreto-5482-05 e http://www.cgu.gov.br/Legislacao/Arquivos/ Portarias/portaria_interministerial.pdf. 14 Em um artigo publicado pelo jornal Le Monde Diplomatique Brasil, Rodrigo Savazoni cita 20 iniciativas da democracia digital no Brasil: Portal da Transparência, E-democracia, Transparência Brasil, Congresso Aberto, Contas abertas, Votenaweb, Transparência Hack Day, Meu parlamento, LegisDados, Tr3e, Orçamento Brasil, Siga Brasil, Cultura digital, Consulta para o marco civil da internet, Orçamento participativo digital, SACSP, Citix, WikiCrimes.org, Blog do Planalto e Clone do blog do Planalto, (SAvazoni, 2010, pág. 9)  

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Câmara dos Deputados,15 revelou diferenças importantes entre ambos. O Portal da

Presidência, segundo Francisco Paulo Jamil Almeida Marques,

“[...] se concentra, essencialmente, na prestação de dados sobre a estrutura de governo, sobre a figura do Presidente e confere visibilidade insistente a programas, notícias, discursos, entrevistas, clippings, publicações, atribuições, competência, dispositivos e normas legais que orientam o trabalho da instituição e de seus órgãos vinculados. Nesta experiência, constatou-se uma certa variação na quantidade e na qualidade da informação oferecida. [...] no geral, os sites do Portal possuem um caráter personalista ao exaltar determinadas biografias do chefe do Executivo e de secretários, em detrimento da prestação de informações políticas úteis à compreensão de dilemas e à intromissão na formulação de projetos governamentais. [...] Não obstante o discurso oficial (BRASIL, 2004), pouco também se faz para estimular o envolvimento dos usuários na condução de políticas públicas e os canais de intervenção mais sofisticados não se mostram presentes na medida considerada adequada: [...].” (Marques, 2009, p. 231-232)

A conclusão acerca do Portal da Câmara dos Deputados não foi

diametralmente oposta. Marques verificou que este tende a dar relativamente mais

transparência e estimular mais as ações políticas do que o da Presidência da

República:

“[...] se preocupa, de maneira fundamental, com a possibilidade de o cidadão acompanhar o trabalho dos deputados no Plenário e nas comissões, através da consulta a dados até então de acesso restrito ou a textos e materiais que cultivam o repertório cognitivo dos usuários. Um conjunto de sites e páginas internos ao Portal [...] acabam por reforçar no usuário a sensação de que é possível ter um acesso cômodo e com relativa facilidade de compreensão a todas as informações de cunho político necessárias para um melhor acompanhamento e fiscalização das atividades desempenhadas no âmbito da Instituição. Além disso, o site da Câmara demonstra um zelo especial em relação à possibilidade dos usuários poderem entrar em contato direto com todas as seções da Casa e boa parte de seus agentes por e-mail. [...] A presença de canais de participação como as enquetes, a possibilidade de se comentar notícias publicadas pela Agência Câmara, os encontros em salas de bate-papo temáticas realizados com freqüência e a disponibilidade de fóruns de discussão pública [...] complementam o ciclo participativo delineado anteriormente, ao estimular o emprego de tais mecanismos.” (Marques, 2009, p. 232-233)

Apesar da existência destas ferramentas que permitem a participação políticas

dos cidadãos, o Portal da Câmara parece visar a ser “[...] mais uma iniciativa a

reforçar o laço representativo da democracia brasileira” do que promover a

democracia direta. O que, segundo Marques, é compreensível já que, além da

democracia direta ser inviável, “[...] faria com que a Câmara perdesse sua própria

razão de existir”. (Marques, 2009, p. 235)

15 A Câmara dos Deputados é a câmara baixa do Congresso Nacional, ou seja, do Poder Legislativo nacional brasileiro.

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Embora, portanto, a ênfase das iniciativa tenha ocorrido na disponibilização de

ferramentas que permitam influenciar e controlar, mesmo estas, ao menos no que

tange ao Poder Executivo, estão longe de serem efetivas.

2.2. Informação via web, accountability e responsividade políticas

Accountability política tem sido indicada como uma das principais ferramentas

de democratização da atividade política, especialmente governamental. Acredita-se

que a disponibilização de dados, especialmente se for conduzida pelas instituições,

pode incrementar a esfera pública e conseqüentemente a capacidade de avaliação

retrospectiva por parte de indivíduos e grupos. Acredita-se que o simples fato de

disponibilizar informação garante mais qualidade à democracia, o que indicaria

pouca relevância para os apelos deliberacionistas.

Um aspecto do debate é a redução de accountability à transparência da gestão

financeira, já que se trata de um elemento significativo para o combate à corrupção e

para a própria democratização das relações políticas. A primeira questão importante

é se com uma boa prestação de contas o governante está realizando plenamente o

que se espera da accountability política. Esta questão remete a um segundo

conjunto de problemas: como realizar accountability política sem enveredar pela

propaganda direcionada para a persuasão político-eleitoral de interesse do grupo

que está no poder?

O terceiro conjunto de problemas diz respeito ao formato da prestação de

contas políticas, posto que eventuais parâmetros para avaliação retrospectiva

certamente esbarrariam em velhos dilemas da democracia representativa: os

eleitores podem cobrar promessas de campanha ou o representante tem o direito e

o dever de ampliar sua atuação em favor, também, das minorias derrotadas, ou seja,

indivíduos e grupos que apoiaram e/ou votaram em candidatos derrotados? (Manin

et. alli, 2006). Concluindo, o que seria informação relevante? O que poderia ser

indicado como accountability política de qualidade?

Nos parece significativo, assim, correlacionar três dimensões do fazer político

numa democracia representativa: informação técnico-administrativa (ou racional

legal, nos termos weberianos), responsividade (Dahl, 1997) e accountability no que

tange ao processo de formulação, implementação e avaliação das políticas públicas

relativas a aspectos da cidadania. E foi justamente o que fizemos nesta pesquisa,

ressalvando que, por questões de método, poderíamos separar os aspectos

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meramente informativos dos episódios deliberacionistas, localizando o processo

decisório pura e simplesmente no âmbito da representação eleita, mas atribuindo

significativa importância ao compartilhamento de informações durante o período de

formulação, implementação e avaliação dessas políticas, com a possibilidade de um

comportamento responsivo dos agentes políticos.

Ganha relevância o conjunto de informações disponibilizadas cotidianamente

pelas instituições governamentais acompanhado de mecanismos de interação. Isso,

preliminarmente, nos parece um bom indicativo da ressonância da esfera pública

e/ou da sociedade civil organizada junto aos poderes constituídos, considerando

que, por suposto, na democracia representativa os cidadãos esperam contar com o

trabalho dos representantes legitimamente eleitos para buscar soluções adequadas

aos problemas que surgirem durante seus mandatos e que a participação da

sociedade fica bem resolvida quando circunscrita aos processos eleitorais e

eventuais consultas temáticas por meio de referendos e plebiscitos. Os teóricos da

democracia deliberativa ou da ampliação da participação dos cidadãos nos

processos decisórios acreditam que os limites do modelo representativo engessam a

criatividade e as preferências dos indivíduos.

Mas, se de fato responsividade é um indicador de democracia, é relevante que

os órgãos públicos disponibilizem ferramentas para que o cidadão possa expressar

suas preferências.Esta afirmação, por sua vez, suscita duas questões importantes.

Por um lado, devemos perguntar se há de fato representantes interessados em

formular políticas de acordo com preferências manifestadas via mecanismos abertos

de consulta popular. Por outro, se os ativistas do século XXI, principalmente a

grande maioria que freqüenta a internet, se interessam por participar de processos

decisórios encapsulados pelas amarras do Estado e dos interesses dos atores

políticos institucionalizados, incluindo aqueles oriundos dos movimentos sociais

organizados.

Rothberg (2008) destaca que o conceito habermasiano de esfera pública,

redimensionado, pode abarcar as possibilidades das NTICs. Gitlin (apud Rothberg,

2008) destaca que ferramentas como e-mails, chats, blogs, fóruns online etc.,

podem dar acesso a uma gama maior de grupos à organização e ao diálogo, criando

espécies de microesferas públicas. Estas podem representar “a chance de

instauração de um novo patamar de democracia.” (Gitlin apud Rothberg, 2008, p.

155). Essa idéia de microesferas públicas, conforme destaca Rothberg, é uma

reformulação da teoria habermasiana que deixa de lado a “idealização de uma

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circunstância histórica” para considerar a “realidade objetiva da organização social

contemporânea.” (Gitlin apud Rothberg, 2008, p. 155).

3. Objeto de estudo e metodologia de pesquisa

O objeto de estudo da pesquisa que deu origem a este trabalho foram os sites

das secretarias de 10 governos estaduais,16 sendo dois de cada região, a saber:

Pará e Roraima (Norte); Bahia e Piauí (Nordeste); Goiás e Mato Grosso do Sul

(Centro-Oeste), São Paulo e Espírito Santo (Sudeste); Rio Grande do Sul e Santa

Catarina (Sul).17

Analisamos um total de 184 secretarias, sendo que neste artigo vamos

apresentar os resultados para as dimensões denominadas “Relação com o público:

informação” (4.600 casos) e “Relação com o púbico e processo decisório” (2.024

casos)18.

Foram analisados aspectos sobre o uso da internet como meio para realização

de e-gov e de e-democracia, com ênfase na análise da presença ou ausência de

ferramentas que permitissem aos cidadãos (a) participar diretamente do processo

político; (b) obter informações a respeito do que o governo fez, faz e pretende fazer;

(c) ter acesso a outro site ou portal (links). As informações foram ainda avaliadas de

acordo com o seu conteúdo. Tendo em vista esse objetivo, criamos uma planilha

contento 93 variáveis organizadas em oito categorias conceitualmente distintas que

nos permitisse verificar se os sites permitiam aos indivíduos e às instituições

exercerem a accountability bem como expressarem suas preferências. Ainda com

relação às informações, atribuímos à informação expandida dois pontos e à

informação resumida um ponto.19

Com base no propósito supra, utilizamos uma metodologia que nos permitiu

problematizar algumas dimensões relevantes da democratização das relações entre

16 Referimo-nos ao projeto “Democracia e boa governança no Brasil”, realizado entre 2009 e 2010. Ver, no Anexo, a relação completa das secretarias. 17 Foram escolhidos dois governos de estado de cada região, o de maior e o de menor PIB. A escolha de estados segundo esse critério decorreu do nosso interesse em saber se governos de estados mais ricos e menos ricos têm comportamento diferentes em relação ao uso das NTICs. Nossa hipótese é de que não diferem o comportamento do governo de estados mais e menos ricos em relação às novas mídias. 18 Totais obtidos a partir da multiplicação do número de variáveis da dimensão (25 e 11) pelo número de secretarias (184). 19 Explicaremos mais adiante, o significado do conceito de informação “expandida” e “resumida”

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as instituições políticas e a sociedade civil. Considerando a centralidade do conceito

de boa governança, que inclui accountability e responsividade e considera

fundamental o esforço dos poderes executivos quanto ao empoderamento da

sociedade civil, ou seja, no sentido de disponibilizarem informações adequadas e

suficientes para habilitar os cidadãos a demandar políticas e prestar atenção na

performance dos políticos (Bezerra, 2008), as variáveis foram pensadas em torno de

três questões:

1. Os poderes executivos estaduais permitem a indivíduos, grupos e outras

instituições (órgãos de imprensa, partidos políticos, ONGs etc.) o acesso a

informações suficientes e necessárias para que estes possam exercer algum tipo

de controle horizontal ou vertical?

2. Os governos estaduais oferecem, em seus sites, ferramentas que permitem aos

indivíduos, grupos e outras instituições interagirem direta ou indiretamente e

expressar suas preferências frente às ações e políticas públicas desenvolvidas e

em desenvolvimento?

3. Considerando 1 e 2, em que níveis os executivos estaduais, aderindo à

convergência digital e assim privilegiando a internet como meio de informação e

interatividade com a sociedade, estão realizando a accountability política e a

responsividade essenciais para a chamada boa governança?

4. Relação com o público

Embora não exijam uma cidadania ativa, as democracias representativas

requerem, para o seu bom funcionamento, que seus cidadãos tenham informações

de fontes diversificadas. Para terem um controle mais efetivo sobre seus

representantes ou mesmo decidirem sobre o destino do seu voto, isso inclui o

acesso não apenas às informações disponibilizadas pela velha mídia (jornal, rádio e

televisão), mas também às oficiais, ou seja, fornecidas pelo próprio poder público.

Porém, a constatação de que as instituições democráticas têm gerado

frustrações estimulou alguns de seus críticos a proporem a introdução ou o uso mais

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freqüente de mecanismos que possibilitem a participação política direta dos

cidadãos, mesmo que em nível local20.

Tendo em vista estas questões (a crítica à democracia representativa e o

potencial das NTICs), vamos examinar, nesta seção, um conjunto de variáveis que

visavam verificar: (1) o quanto de informação os sites disponibilizavam para o

cidadão no momento que a análise foi realizada; (2) a presença ou a ausência de

mecanismos de interação direta e indireta com o cidadão e (3) o grau de facilidade

de acesso às informações e ferramentas disponíveis ao usuário(a).

A Tabela 1 mostra que, com relação à primeira categoria, a inexistência em

mais de 80% dos casos de ferramentas que possibilitassem ao Executivo prestar

contas aos cidadãos (accountability). Já com relação à segunda categoria, a Tabela

1 mostra a ausência em mais de 90% dos casos de ferramentas que permitissem a

participação política do(s) cidadão(s) no processo político. Nesses casos, a ausência

pode significar que, no momento que a pesquisa foi feita, o analista verificou que (1)

a informação ou a ferramenta de interação não estava disponível no site da

secretaria ou, se estava, (2) não podia ser acessada pelo visitante (pesquisador ou

cidadão comum).

Tabela 1. Relação com o público (%) Total Categorias Ausência Presença % N

Relação com o público: informação 85 15 100 4.600

Relação com o púbico e processo decisório 91 9 100 2.024

As ferramentas que visam possibilitar o relacionamento do governo com o

público podem ser distinguidas em três tipos: de interação ou de participação,

informativas e de ligação ou navegação. Esta distinção é importante porque as duas

primeiras estão associadas a concepções diferentes de democracia. As ferramentas

de interação são as mais relacionadas à democracia direta, pois foram criadas para

permitir que o cidadão influenciasse ou tivesse uma efetiva participação política ativa

no processo decisório.

Já os dispositivos informativos estão mais próximos da concepção de

democracia representativa, pois foram concebidos para permitir o acesso do cidadão

20 Embora frequentemente associada ao pensamento de esquerda, esta tem se tornado uma reivindicação que inclui pessoas e grupos mais amplos. Como já foi dito aqui, ela se refletiu inclusive no programa “Parceria Governo Aberto” (Open Government Patership).

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às informações sobre as ações dos seus representantes no governo e de propostas

que estes pretendem transformar em políticas públicas. Por fim, mas não menos

importante, as ferramentas dispositivos de navegação são aquelas criadas para

permitir o cidadão se conectar a outros sites, ou seja, são os links.

Na dimensão “Relação com o público: informação” trabalhamos com variáveis

relacionadas ao estudo de ferramentas informativas. Já a dimensão “Relação com o

púbico e processo decisório” é predominantemente composta de variáveis criadas

para analisar as ferramentas de participação. Em ambos os grupos de variáveis, a

análise dos sites revelou que é rara a presença de ferramentas que permitam a

participação direta do cidadão no processo político.

Observe, na Tabela 2, que ausência de tais ferramentas foi de 80%, com

relação à primeira dimensão, e de 93%, com relação à segunda. Em suma, em 90%

de todos os 1.656 casos analisados, não encontramos ferramentas que permitissem

ao cidadão participar ativamente da política de seu estado.

Tabela 2. Variáveis interativas (%) Total Categorias Ausência Presença % N

Relação com o público: informação 80 20 100 368

Relação com o púbico e processo decisório 93 7 100 1.288

Total 90 10 100 1.656

Estavam ausentes dos sites das secretarias estaduais ferramentas que

possibilitariam os cidadãos (especialistas ou não em temas específicos) de participar

de consultas públicas (82%); fazer sugestões de políticas públicas ou influenciar

durante o debate de políticas públicas (99%); manifestar-se, por meio de enquêtes

sobre temas polêmicos, acerca de temas polêmicos propostos pela administração

pública estadual (95%), participar de fóruns ou chats de debates sobre temáticas

específicas com membros do Poder Executivo ou pessoa convidada (98%);

participar de fóruns ou chats não tematizados (98%); preencher formulários para

contatos, sugestões, reclamações etc. com o/ao Gabinete do Governador ou alguma

secretaria do Poder Executivo (77%); de preencher formulário visando sugerir

melhorias em órgãos do Governo do Estado (99%).

Apesar das reivindicações de maior participação dos cidadãos nos assuntos

públicos, este resultado não nos surpreendeu. Esperávamos encontrar poucas

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ferramentas de participação já que, no Brasil, as elites, e em particular a política,

tendem a manifestar ojeriza às formas de participação política direta. Quando, para

desacreditá-las, não as classificam como praticas “populista”, alegam serem

demasiadamente complexas para os cidadãos as compreenderem e decidirem sobre

elas.21 Consequentemente, é esperado que tendam a privilegiar a democracia

representativa em detrimento da participativa.

Tendo em vista essa valorização da democracia representativa, vejamos,

então, se são mais freqüentes as ferramentas mais associadas a este tipo, isto é, as

que permitem aos cidadãos se informarem acerca do que o governo fez, faz ou

pretende fazer.

Embora a informação política disponibilizada aos cidadãos seja considerada

fundamental à qualquer formato de democracia, a Tabela 3 mostra uma elevada

ausência de ferramentas que permitissem o acesso do cidadão às informações

sobre os atos do governo. Com relação à primeira categoria, utilizamos 23 variáveis

e à segunda, seis. Segundo a Tabela 3, em ambas as categoria, o percentual de

ausência foi superior a 80%.

Tabela 3. Variáveis informativas (%) Total Categorias Ausência Presença

% N

Relação com o público: informação 86 14 100 4.048

Relação com o púbico e processo decisório 89 11 100 736

Total 86 14 100 4.784

O número elevado de ausências de ferramentas informativas revela que,

mesmo sendo a democracia representativa valorizada no Brasil, a elite política

brasileira tende a não disponibilizar informações que permitam o cidadão

acompanhar o que fazem seus representantes no governo.

21 Em 2012, o jornal O Globo deu mostras desse elitismo ao comentar, em seu editorial, a proposta do deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ) de realizar um plebiscito, juntamente com as eleições de 2014, para que os brasileiros decidam acerca da reforma política. Eis o que disse o jornal sobre essa proposta: “Boas intenções, mas de sucesso impossível. À parte o necessário cuidado toda vez que se pensa em acionar algum mecanismo de democracia direta, a complexidade do que está há tempos em discussão é obstáculo insuperável a que a população vote de forma consciente, sabedora em detalhes de todas as implicações de qualquer alteração profunda no sistema eleitoral e na fonte de financiamento dos gastos em campanha, os dois assuntos a serem apresentados na consulta, pela proposta de Miro.” (O Globo, 31 de janeiro de 2012)

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Essa prática encontra-se em fragrante contradição com as iniciativas tomadas

pelo governo federal nos últimos anos. 22 Não apenas impede os cidadãos de

formular melhor uma opinião sobre estes, como prejudica o trabalho de fiscalização

da coisa pública e aumenta a suspeita sobre políticos e gestores. Contribui, contudo,

para dar mais relevância às denúncias decorrentes do trabalho investigativo

desenvolvido pelos jornalistas da grande imprensa brasileira.

Mas, mesmo estando acessível no site da secretaria, a informação pode conter

apenas um breve resumo, ou seja, fornecer poucos dados a respeito de uma

determinada política pública e/ou relatar poucos fatos acerca de ações

implementadas pelo governo. A Tabela 4 mostra que, quando havia uma ferramenta

que permitia ao visitante obter informação acerca do que o governo faz e esta podia

ser acessada de fato pelo cidadão, na maioria dos casos havia uma abundância de

dados e/ou de relatos de fatos acerca da(s) política(s) pública(s) realizada(s) pelo

Executivo. Segundo a Tabela 4, 77% dos casos foram de sites com informação

expandida, um número aproximadamente três vezes maior do que o número de

casos encontrados de informação resumida (23%).

Tabela 4. Variáveis informativas Total Categorias Ausência Presença

% N

Relação com o público: informação 20 80 100 579

Relação com o púbico e processo decisório 47 53 100 78

Total 23 77 100 657

Concluímos, com essa análise, que, no último ano da primeira década do

século XXI, os sites dos governos estaduais brasileiros ainda estavam longe de ser

um meio com o qual o cidadão brasileiro poderia contar para exercer melhor e mais

ativamente o seu papel político.

22 Mesmo obrigados pela legislação, de acordo com a imprensa brasileira, os governos estaduais são lentos para se tornarem mais transparentes Em matéria publicada recentemente pelo jornal O Globo sobre a Lei 12.527/11, este órgão de impressa afirma que: “A pouco mais de um mês da entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, os governadores de Minas [Gerais], São Paulo e Rio [de Janeiro] não têm pronta nem mesmo uma minuta de decreto para regulamentar a nova legislação nos estados. Dificilmente cumprirão todas as exigências exigidas pela lei sancionada pela presidente Dilma Rousseff em novembro até a data limite: 18 de maio.” (O Globo, 15 de abril de 2012, p. 16 – O País)

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Apesar das possibilidades que a internet oferece, parece que a elite política

brasileira ainda não se sente estimulada a explorar esse potencial. A evidência disso

é que os sites analisados não ofereciam nem ferramentas que estimulassem a

participação política direta, nem que possibilitassem a ação política necessária para

que haja controle efetivo sobre os representantes destes cidadãos no exercício do

poder.

Considerações finais

Apresentamos aqui uma análise dos dados relativos à relação dos governos

estaduais e a sociedade. Infelizmente, para este trabalho, não foi possível

verificaremos se os estados mais ricos da federação têm um comportamento

diferente dos menos ricos, tendendo propiciar mais do que estes últimos a realização

qualitativamente superior da accountability política e da responsividade. Mas, os

resultados mostrados aqui parecem corroborar os de outros pesquisadores.

Qualquer que seja o modelo de democracia adotado, as NTICs têm um enorme

potencial de permitir tanto o acesso rápido e fácil a informações necessárias aos

interessados em fiscalizar o poder público quanto de possibilitar aos próprios

cidadãos de deliberarem diretamente a respeito de uma proposta de política pública.

Os resultados da pesquisa podem, de fato, servirem de argumento para calar a

euforia dos “cyberotimistas rousseanianos e reforçar os argumentos dos

“cyberpessimistas schumpeterianos” (Bezerra, 2008) que não acreditam na

possibilidade incremental das NTICs. Ainda que concordemos com Breton de que há

uma incompetência democrática do cidadão comum em operar com as

possibilidades de participação que já são ofertadas, no caso dos governos estaduais

brasileiros, os dados analisados parecem indicar haver falta de vontade da elite

política não apenas em criar ferramentas que permitam a participação direta dos

cidadãos, mas também em disponibilizar informações suficientes e necessárias

sobre o que eles fizeram, fazem e/ou pretendem fazer. Isto é bastante significativo,

dado que os estudiosos da democracia representativa insistem em dizer que este é

um requisito vital para o bom desempenho desse sistema.

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O uso da internet no Brasil ainda não se mostra capaz de transformar de modo

significativo as relações entre representantes e representados. É mais provável que

a difusão do uso da internet tenha repercussões importantes, mas não provoque

uma “revolução digital” capaz de alterar essa relação.

Para terem mais controle sobre seus representantes ou decidirem sobre algum

assunto (em uma eleição, um plebiscito, um referendo ou veto legislativo), os

cidadãos individualmente ou as instituições da sociedade civil (ONGs, sindicatos

etc.) necessitam de mais informação além daquela disponível nos órgãos de

imprensa tradicionais (jornal, rádio e televisão). Mesmo nas democracias

representativas, que não exige uma cidadania ativa, a oposição e os jornalistas, para

que possam desempenhar efetivamente seu papel de “cão de guarda da

democracia”, precisam que as instituições públicas disponibilizem informações sobre

si.

Referências

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