Durkheim, Émile. Montesquieu e Rousseau Pioneiros da Sociologia
8 Montesquieu e Sepração Dos Poderes - Manent
-
Upload
jose-mangoni -
Category
Documents
-
view
216 -
download
0
Transcript of 8 Montesquieu e Sepração Dos Poderes - Manent
7/23/2019 8 Montesquieu e Sepração Dos Poderes - Manent
http://slidepdf.com/reader/full/8-montesquieu-e-sepracao-dos-poderes-manent 1/10
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros,
RJ
Manent, Pierre
M24h Históriaintelectualdo liberalismo: dezl ições Pierre Manent;
tradução de Vera Ribeiro; revisão técnica de Francisco Inácio
Pinkusfeld Bastos. - Rio de Janeiro: Imago Ed., 1990.
Coleção Tempo e Saber
Tradução de: Histoire intellectuelle du libéalisme: dix leçons.
PIERRE
M NENT
HI
RI
INTELE TU L DO
LI ER LISMO
Coleção Tempo e Saber
Direção de
LUIZ
FELIPE
B ÊTA NEVES
90-0072
ISBN
85-312-0096-2
1.
Liberalismo - História. Título. n Série.
CDD - 320.5109
CD U
- 329.11 091
M GO E ITOR
Rio
de
Janeiro
7/23/2019 8 Montesquieu e Sepração Dos Poderes - Manent
http://slidepdf.com/reader/full/8-montesquieu-e-sepracao-dos-poderes-manent 2/10
NOTAS
Ver a
Fenomenologia do Espírito,
IV, A.
2 Alimentar-se, evidentemente, também é um bem , mas não é um
bem especificamente humano, tal como o poder. Hobbes conservava na vida
humana uma espécie de finalidade imanente queLocke eliminou.
3. Ver o segundo
Traité du Gouvernement Civil
(cap. V), trad. france
sa, Vrin, 1967.
, 4 Refiro-me apenas à lógica dos argumentos: quandoLocke apontava
um adversário absolutista, nunca se tratava de Hobbes. Designá-lo por seu
nome seria um convite à comparação entre suas doutrinas. Ora, por razões
políticas, Locke não queria chamar a atenção nem para o queelas tinham de
opostonem parao que elas tinham em comum.
5. Locke entendia por sociedade civil a sociedade política ; nele, a
sociedade civil se distinguia do estado de natureza , e não do Estado ,
da instituição política , como acontece entre nós.
6 Ver o segundo Traité,
capo
VII, § 94.
7
Notocante a todos esses aspectos, ver o segundo
Traité,
capítulos
XI-XIV.
8 No tocante a esse ponto e
ao
problema do executivo em geral, nada
é mais esclarecedor do que os trabalhos de Harvey C. Mansfield, Jr. Ver,
por exemplo,
Gouvernement Représentatijet Pouvoir Exêeutif Commentaire,
36, inverno
de
1986);
The Absent Exeeutive in Aristotle
s
Polities,
P.
Schramm e T. Silver,
Natural Right
n
Politieal Right
(Carolina Academic
Press, 1984, pp. 169-196).
.
9
Precisamente por
nã o
terem sido herdeiros dela, mas, ao contrá
rio, por terem-na construído deliberadamente, os norte-americanos foram
muito mais sensíveis do que os europeus ao caráter estranho dessa magis
tratura monárquica no vértice
de
sua república.
10. Entretanto, esse executivo natural, inteiramente
wholiy, §
130)
entregue à sociedade, esclarece Locke, é preservado pelo indivíduo mesmo
dentro da sociedade, quando as circunstâncias não lhe permitem recorrer aos
juízes e às leis, por exemplo, quando ele é atacado por um ladrão (cap. III,
§
19).
11. Ver a nota anterior.
12. Por intermédio da prerrogativa.
8 2
CAPÍTULO 5
MONTESQUIEU
SEP R ÇÃO S PO ERES
Passando de Hobbes
e
Locke
a Montesquieu
como
que mudamos
de mundo. As intenções pol ít icas permanecem essencialmente as
mesmas porém os meios escolhidos
para
realizá las
bem
como
a
linguagem em que são descritos esses meios são radicalmente
dife
rentes.
A
intenção política permanece
a mesma: a instituição
política
tem po r objetivo assegurar
a
segur nç das pessoas
e
d os b en s.
Quanto mais garantida
é essa
segurança
mais a ins ti tu ição é
digna
de confiança . Mas
a
necessidade de segurança de preservação do
indivíduo
já não
é
propriamente
falando a
base
da legitimidade
polít ica de uma legit imidade absoluta
e
incontestável:
enquanto
Hobbes
e
Locke falavam
a
l inguagem dos direitos absolutos
-
di-
reito absoluto ou ilimitado do indivíduo
n o e st ad o d e
natureza di-
reito absoluto ou ilimitado ou supremo da
soberania
política
Montesquieu
abandona
essa
linguagem
e restabelece em
novas ba-
ses
a flexibilidade da antiga política a linguagem comparativa a
do
mais e
do menos. Locke considerava que
a
monarquia absoluta
era
não
apenas um mau regime político não apenas um
regime
ile
gít imo mas fundamentalmente algo que não
era
em absoluto um
regime político deixando os homens
num
estado de natureza
pior
do que o estado de natureza original. Já Montesquieu considerou
co m
equanimidade
os
defeitos
e
os
méritos
da
monarquia
francesa:
o princípio de legitimidade da monarquia francesa era
radicalmen
8 3
7/23/2019 8 Montesquieu e Sepração Dos Poderes - Manent
http://slidepdf.com/reader/full/8-montesquieu-e-sepracao-dos-poderes-manent 3/10
te não-l iberal , mas seu funcionamento efetivo assegurava relativa
liberdade.
Em
suma, o liberalismo de não é agressivo
ou áspero como o de Locke: Montesquieu
é
liberal não somente em
seus princípios mas também em seu
humor ou
seu tom. Se te ve a
possibilidade de abandonar a linguagem absolutista lockeana, foi
por
ter conseguido fundamentar a liberdade
em
bases diferentes das
fornecidas pelo conce ito de estado de natureza e pelo de soberania
que
lhe
era
inseparável.
A doutrina
da
soberania foi a salvação e o fl agelo do primeiro
pensamento político moderno. Foi
sua
salvação porque permitiu
conceber
um poder neutro
superior, em
princípio
a todos os int e
resses e
paixões
políticos e religiosos que dividiam
os
homens e
os
conduziam
à guerra. Foi em particular, o instrumento basicamente
encarregado de constituir um mundo humano invulnerável, em
princípio ao poder da rel igião. Simultaneamente - e aí
está
o fla
gelo ao construir um
poder
capaz de impor a
paz
não se haveria
erigido um poder capaz
de mover uma gue rr a
terrível contra
seus
súditos?
Sem
sombra
de
dúvida,
Locke
havia
tentado se certificar
de que a soberan ia absoluta não pudesse se vol ta r contra os c ida
dãos através de uma assembléia legislativa que representava o de
sejo de preservação destes. Mas e se
essa
assembléia traísse seu
mandato
se se
tornasse opressora?
Nesse
caso disse Locke
não
haveria outro recurso senão clamar aos
céus
ou seja, revoltar-se
- recurso sempre acessível , já que o
povo
era a fonte últ ima de toda
legitimidade.
Montesquieu iria mostrar como o projeto liberal po
dia prescindir desse meio perigoso que era a soberania absoluta,
bem
como desse remédio arr iscado constituído pela revolta, sem
correr o r isco
da
anarquia.
Por que não t erá
Locke
que diversamente de Hobbes distin
guiu o legisla tivo do executivo chegado a uma doutr ina da separa
ção dos
poderes comparável à
de
Montesquieu
insistindo, ao con
trário, na subordinação essencial do segundo ao primeiro?
que
uma distribuição mais ou menos igual do
poder
entre o legisla tivo e
o executivo não
podia
ser concebida enquanto se considerasse
que
a soberania residia
no
rei, como acontecia à
época
em
que
Locke
escreveu o que já não e ra absolutamente o caso
no
momento
em
que e le publicou seus escri tos : se o rei era soberano, ele possuía
necessariamente os dois poderes ou, pelo menos, possuindo o exe
cutivo,
t inha uma participação
direta
também
na
legislação. O
pro-
8 4
jeto liberal exigia, portanto que se refutasse de imediato a idéia da
soberania real. Ora a uma
soberania absoluta
não se
pode
opor se
não
uma
soberania
absoluta: à
soberania
do rei , a do
povo.
A sobe
rania do povo na qualidade de absoluta não era em princípio
mais propícia à separação dos poder es do que a soberania
do
rei;
mas, como o
povo
soberano não podia governar diretamente, e co
mo a
assembléia de seus
representantes tampouco
era
apropriada
para
governar,2
um
regime
baseado na
soberania
do
povo t inha
praticamente
necessidade
de
outro
poder
que não o soberano: Pelo
menos os ingleses contemporâneos de Locke assim o concebiam: a
afirmação
lockeana da
soberania
do
povo traduziu-se, em termos
práticos quando
da lorious evolution
de
1688-1689 por um
compromisso entre as Câmaras representat ivas e a monarquia re
formada.
Uma
vez es se compromisso estabelecido e funcionando
aceitavelmente, tornou-se possível descrever a política inglesa co
mo assentada
no
jogo de dois poderes quase iguais, deixando em
segundo plano a soberania absoluta - a do povo ou de seus repre
sentantes
-
que
a
havia
possibilitado,
deixando adormecida
a
questão da legitimidade.
Assim a doutrina de Montesquieu
não se
fundamentou
numa
análise
da
condição original do
homem ou
das bases
da
legitimida
de política, mas decorre
da
interpretação de
uma
experiência políti
ca: a exper iência inglesa de que se testemunhava os resultados. E
se a doutrina
da
separação dos poderes só
encontra sua
expressão
clássica
em
Montesquieu graças ao
esquecimento do
princípio de
legitimidade
que
a possibilitou, um esquecimento de Montes
quieu
que só
fez reproduzir o
dos
próprios atores ou dos autores
ingleses do compromisso, isso sugere que no futuro, o princípio de
leg it imidade - a soberania do povo - que tornara possível a s e p r ~ -
ção dos poderes
poderia
voltar-se contra ela já que as
duas
o ~ t n -
nas não t inham afinidade intrínseca: a legitimidade democrátlca,
condição básica
das
instituições liberais no
quadro
da
monarquia
inglesa, poderia em outras circunstâncias, tornar-se sua inimiga. O
pensamento
de
Montesquieu representa, assim, o curioso momento
do liberalismo - que não mais retomaria -
em que
a questão
da
le
gitimidade pôde ser esquecida o estranho momento
da
liberdade
en tr e a soberania ativa dos reis, que terminou na Revolução Ingle
sa, e a soberania ativa do povo que começou na Revolução Fran
cesa.
8 5
7/23/2019 8 Montesquieu e Sepração Dos Poderes - Manent
http://slidepdf.com/reader/full/8-montesquieu-e-sepracao-dos-poderes-manent 4/10
Ao
ver
na oposição entre o
poder
e liberd deo centro do pro
blema político, Montesquieu estabeleceu o que poderíamos chamar
de l inguagem definitiva do liberalismo. Assim fazendo, inverteu
o ponto de vista de Locke para melhor realizar sua intenção: em vez
de partir do direito que fundamentava a liberdade, ele
partiu
do po
der
que a ameaçava; em vez de se
interrogar
sobre a origem do po
der, interrogou-se sobre seus efeitos. Ele foi, sem dúvida, o primeiro
autor a f al ar no poder como
uma
cois separável de direito e de
fato
tanto de
sua origem como de seu f im,
separável
de direito e
de
fato
do
homem que o
detém ou
o
procura. Assim, ele levou
a termo
o processo que conduziu o espírito moderno a reunir todas as capa
cidades pelas quais um homem
influi no comportamento de
outros
homens num conceito e vocábulo únicos: poder . Essa simplifica
ção
do
mundo humano há
de
nos impressionar, se nos lembrarmos
que os romanos, por exemplo, distinguiam pelo menos três formas
de poder político: uctorit s potest s e imperiwn Talvez o ato
decisivo nesse processo de simplificação tenha sido consumado po r
Hobbes, quando e le reduziu todas
as
paixões, todas
as
motivações
humanas
ao
desejo
de poder:
A s
paixões que, mais
do
que
todas
as outras,
causam
as d iferenças de espírito, são principalmente o
desejo maior ou menor de poder , de riquezas,
de
saber e de honra:
mas todos
esses
desejos podem resumir-se
no
primeiro, isto é,
no
desejo de poder .
Porque
as r iquezas, o saber e a honra não passam
de espécies diversas de poder 3; e mais: Assim, coloco em primei
ro plano, a t ítulo de inclinação geral de toda a humanidade, um de
sejo perpétuo e sem trégua de adquirir poder e mais poder , um de
sejo que só c es sa na morte . 4 A modificação que Montesquieu im
pôs
a
esses ensinamentos de Hobbes
está
contida
nas seguintes fra
ses: O
desejo
que Hobbes atribui
em
primeiro lugar aos homens,
de subjugarem uns aos outros,
não
é razoável . A idéia do mando e
da dominação é
tão
complexa e depende de tantas outras idéias que
não ser ia
essa
a que e le ter ia antes de mais nada S;
e,
mais adiante:
. . . é uma exper iênc ia e te rna que todo homem que tem poder é
levado a
abusar
dele . 6 Em outras palavras, mais simples, o desejo
de poder não está essencialmente inscrito na natureza do homem,
não nasce
por
si mesmo,
por
assim dizer, ou, pelo menos, só nasce
em
sua
forma excessiva e perigosa quando o ind iv íduo se acha nu
ma
posição
social ou política
que já
o
dota
de
certo
poder , só
nasce
graças
à
instituição.
Por conseguinte,
um
arranjo
institucional
ju -
8
dicioso permitirá evitar os
abusos
do poder . Como? A
resposta
de
Montesquieu é célebre:
Para
que não Se possa abusar do poder , é
preciso
que, pela
disposição
das cois s
o
poderoponha-se
ao po
der. >7 A natureza humana é suficientemente flexível, suficiente
mente
plástica
que
seu comportamento seja
amplamente
de
terminado pela instituição em que e la vive. Não há qualquer neces
sidade, portantó,de um
poder
absoluto
para
domar, mediante a
ameaça de morte , uma vontade humana essencialmente ambiciosa e
rebelde, como acreditava Hobbes; esse poder neutralizador pode
ser neutralizado, ele próprio, ao ser judiciosamente dividido, de ta l
modo que um poder se
oponha
a outro poder.
Hobbes, apesar de seus desejos,
ainda
não
era
liberal, pois
via
no homem algo de essencialmente rebelde
à
associação e
à
coope
r ~ ç ã o
Rousseau, a despeito
de seu ódio ao
absolutismo, já não se
ria liberal, poi s v ia uma incompatibilidade
essencial
entre a
n t u r e ~
za do homem e a
vida
social,
mesmo
num regime liberal. Porinú
meros traços
que
fazem lembrar
aquele
e pronunciam
este,
Montes
quieu foi convencido pelo exemplo inglês de que
era
possível har
monizar os desejos
do
homem
e as
necessidades
do
corpo político
através de um ajustamento
judicioso
do poder e da liberdade: a
distribuição dos
poderes .
A exposição geral da doutrina da separação ou da distribuição
dos poderes encontra-seno capítulo
VI
do livro
XI,
intitulado D a
Constituição da Inglaterra . Vou examiná-lo sucintamente.
que
convém
apreender, principalmente, é que Montesquieu
realmente só considera
dois
poderes, o l egi sl at ivo e o execu ti vo .
Decerto, e le faz uma distinção geral entre três poderes: esses dois e
o judiciário. Mas o jud ic iá rio só tem importân
lia
política real nos
regimes
em
que os dois primeiros
poderes
se
confundem:
N a
maioria dos reinos da Europa, o governo é moderado,
porque
o
príncipe,
que
detém os dois primeiros
poderes,
deixa a seus súditos
o exercíc io do terceiro. Ent re o s tur co s, onde es se s três poderes
acham-se reunidos
na
figura do sultão, reina
um
despotismo assus
tador. No regime inglês, do modo como ele é interpretado
por
Montesquieu,
o
poder judic iário não existe
como tal: o
poder
de
julgar
é
efetivamente exercido por pessoas
extraídas
do corpo
do
pOVO 8 E
ele
comenta:
Dessa
maneira, não estando o poder de
julgar, tão terrível entre os homens, ligado
nem
a determinado esta
do, n em a determinada profissão, ele s e toma como que invisível
8 7
7/23/2019 8 Montesquieu e Sepração Dos Poderes - Manent
http://slidepdf.com/reader/full/8-montesquieu-e-sepracao-dos-poderes-manent 5/10
e inexistente.
Não
temos continuamente JUizes diante dos olhos;
e tememos a magistratura e não os magistrados. Montesquieu
atribui tanta importância a esse ponto
que chega
a repeti lo ele
que
nunca
se
repete
duas
páginas adiante:
Dos
três poderes
de que
falamos o de julgar
é
de certa maneira inexistente. Restam apenas
dois.
Como concebe
Mon tes qu ieu e ss es d oi s p od er es e s uas rel a-
ções? Ele começa por
retomar a doutrina
de Locke
sobre a subordi-
nação
do
executivo ao legislativo: este contém
a
vontade geral
do
Estado e a qu el e a execução dessa vontade
geral .
Q uan to à
significação
do
legislativo ele faz também
eco
ao filósofo inglês:
Como num Estado
livre
todo homem
supostamente dotado de
uma
alma
livre deve
ser
governado por si mesmo seria preciso que
o
povo
como
um corpo
t ivesse o
poder
legislativo. Mas como isso
é impossíve l nos grandes Estados e está sujei to a muitos inconve-
nientes nos pequenos é preciso que o
povo
faça através de seus re-
presentantes
tudo
o que não
pode
fazer
por
si
só.
A despeito dessas semelhanças superficiais dessas similitudes
fonuais a ênfase é mui to d iferen te da de Locke. Este insistia na
continuidade
por
assim dizer
entre
a
massa
do
povo
e o corpo dos
representantes na fidelidade necessária destes últimos à t u t [con-
f iança] neles depositada; Montesquieu não contradiz isso
porém
insiste bastante mais naquilo que
istingue
o corpo de representan-
tes
da
massa
do povo. A fidelidade
dos
representantes a seus eleito-
res só é
preciosa
quando
pode
ser infiel; ficamos
com
a sensação de
que o principal mérito
da
representação é impedir o povo de tomar
resoluções ativas coisa
de
que ele
é inteiramente
incapaz .
Aos olhos de Montesquieu o
povo
é absolutamente apto a
escolher
bem
seus representantes mas não
tem
nenhuma
capacidade
de
deli-
berar
a contento:
tem
que deixar lhes
essa
tarefa. Vemos assim co
mo de
Locke
a Montesquieu o interesse
se
desloca da origem
do
poder
para seu exercício ou seu funcionamento.
Quan to ao
poder
executivo ele
deve
estar nas mãos de um
monarca porque essa
parte
do
governo é tecnicamente mais
bem
administrada
por um
só do que
por
vários: o princípio de legitimi-
dade desse monarca
e a origem
de
seu
poder
ficam
em
segundo
plano. Decididamente o interesse está em outro lugar.
O mais importante concerne evidentemente
à
relação entre os
dois poderes.
Ainda
nesse aspecto a
ênfase
de
Montesquieu é
con-
t rá ri a à de L ock e: a
ameaça
à liberdade na opinião dele provém
mais do corpo legislativo:
Quando
o poder executivo não tem o
direito de sustar as iniciat ivas do corpo legislativo
este
se torna
despótico; porque como este
pode
proporcionar se todo o
poder
que é
capaz
de imaginar ele aniquila todos
os
outros poderes. Mas
nã o é p rec is o
que
o
poder
legislativo
t e n ~
reciprocamente a fa-
culdade de se
opor
ao
poder
executivo . E que como a execução
tem
limites
por
sua
natureza é desnecessário restringi la; além do
que o
poder
executivo é sempre exercido sobre as coisas passagei-
ras.
E se naturalmente o legislativo
deve ter
a faculdade
de
exa-
minar
como
as l eis
são
executadas ele não
pode julgar
a pessoa
nem
por
conseguinte a
conduta daquele que
as executa:
sua
pes-
soa deve ser
sagrada .
Po r
fim
em
matéria legislativa o
monarca
deve
te r
a faculdade
não
de estatuir certamente mas pelo menos
de impedir .
Montesquieu
percebe
com muita clareza
que
num
regime
ba
seado na representação é o corpo legislativo titular
da
legitimida-
de
representativa o
que
fica mais naturalmente
tentado
e
em
condi-
ções de aumentar abusivamente
seu poder
e que portanto é preci-
so tomar preca\lções
para
assegurar ao executivo uma consistência
suficiente.
Para
dizê lo numa palavra todas as disposições consti-
tucionais
t êm por
objetivo tornar
os
dois poderes aproximadamente
igu is em
força
ou
em capacidade ao passo que
em
virtude
do
princípio
da
legitimidade de tal regime um princípio lembrado
pelo
próprio Montesquieu
no
início
do
capítulo o executivo deve ficar
estritamente subordinado ao legislativo. .
A questão evidentemente torna se então a seguinte:
não
irão
esses dois
poderes
iguais mesmo supondo o
bom
funcionamento
da
Câmara
Alta
que
é parte do legislativo paralisar se mutuamente?
Hobbes
não
deixa de observar
que colocar
assim frente a frente
dois poderes iguais é uma receita certa
para
instaurar
entre
eles
uma guerra penuanente
até
que um
se submeta ao outro
ou
até
que
seu conflito
leve à
destruição do corpo político. Montesquieu
julga
a questão diferentemente: Esses três poderes [compreendendo se a
Câmara
Alta] deveriam constituir
um
repouso
ou uma
inação. Mas
como pelo movimento necessárlo das coisas eles são obr igados a
avançar serão forçados a
proceder de comum cordo .
Assim à objeção clássica dos absolutistas de
que
era realmente
necessário
alguém
decidir
em
ú lt ima i nst ân cia e de que es se al
9
7/23/2019 8 Montesquieu e Sepração Dos Poderes - Manent
http://slidepdf.com/reader/full/8-montesquieu-e-sepracao-dos-poderes-manent 6/10
guém
teria a
soberania
absoluta,
Montesquieu
responde:
com
efeito,
é preciso que se tomem
decisões, mas
isso não significa que tais
decisões tenham que ser tomadas por um poder.
Uma
decisão pode
ser tomada po r dois poderes que estejam de
acordo; eles entrarão
em acordo -
volens nolens
- justamente porque é
preciso
tomar
uma
decisão.
O verdadeiro soberano de ta l regimenãoé.nem o le
gislativo, nem o
executivo,
mas a
necessidade:
a maioria
das
deci
sões tomadas
não
seria desejada tal e qual po r
nenhum
dos dois po
deres. Montesquieu falou em seus escritos sobre um projeto
de le i
milagroso que f oi
aprovado
contra a
vontade dos Comuns, dos
Pares do Reino e do Rei .
Admit indo-se que as dec isões têm de ser tomadas e que,
tanto, os dois poderes são forçados a entrar em acordo, não pode
rão
eles concordar
em
detrimento dos cidadãos?
Não
poderão
entrar
em acordo
para
oprimi-los e dividir entre si seus despojos? O que
Montesquieu mostrou ou suger iu foi que o compromisso entre os
dois poderes se estabelece necessariamente, ou pelo menos
em
ge
ral em benefício
da
liberdade dos cidadãos. A explicação desse fe
liz
resultado encontra-se num capítulo de
L
sprit des Lois
tão
im
portante quanto o que acabamos de examina r, mas muitas vezes
desprezado
pelos comentaristas;
enquanto
o capítulo VI
do
livro XI
descreve a anatomia ou a estática da separação dos poderes, o ca
pítulo XXVII do l ivro
XIX
fornece-nos sua
fisiologia
ou
sua dinâ
mica. Ele
introduz uma noção
fundamental para compreendermos o
funcionamento real dos regimes livres, a noção de
partido:
Como haveria nesse Estado dois poderes visíveis, o poder legis
lativo e o executivo, e como todo cidadão teria vontade própria e faria
valer a seu critério sua independência, a maioria das pessoas teria mais
afeição por
um
desses poderes do que pelo outro, não tendo a maior
parte delas, comumente, nem eqüidade nem senso suficientes para afei
çoar-se de igual maneiraa ambos.
E como o poder executivo, dispondo de todas
as
funções, poderia
dar grandes esperanças e nunca temores, todos os que dependessem
dele seriam levados a passar para o seu lado, e ele [por outro lado] po
deria ser atacado por todos os que nada esperassem dele.
As interpolações entre colchetes são nossas e visam facilitar a tradução e a leitura do
original muito conciso deMontesquieu.
N. doR.T.
9
Sendo livres, todas as paixões, o ódio, a inveja, o ciúme e a ânsia
de
enriquecer e
de se
distinguir apareceriam
em
toda a sua extensão: e,
se
assim não fosse, o Estado seria como
um
homem alquebrado pela
doença, que não tem paixão alguma porque não tem nenhuma força.
O ódio que [porventura] existisse entre
os dois partidos
perdura
ria, porque seria sempre impotente
Sendo esses partidos compostos de homens livres,
e
se
um
deles
se impusesse
aos
demais, o efeito da liberdade faria com que fosse re
baixado, enquanto os cidadãos, como
as
mãos que socorrem o corpo,
viriam reabilitar o outro.
Como cada particular, sempre independente, seguiria muito seus
caprichos e suas fantasias, mudaríamos freqüentemente
de
partido;
abandonaríamos
um
em que deixássemos todos os amigos para nos li
garmos a outro onde encontrássemos todos os inimigos; e muitas vezes,
nessa nação, poderíamos esquecer as leis da amizade e
as
do ódio. 9
Cabe-me
tentar
analisar sucintamente
esse
texto
tão
notável,
em
que a descrição
extraordinariamente
sugestiva da Inglaterra de
Walpo le e
Bolingbroke contém,
por
antecipação,
um
resumo per
feitamente
exa to do
funcionamento
de
dois séculos de regime
re
presentativo.
Cada um dos doi s
poderes, justamente
por
enfrentar um outro
poder de força aproximadamente igual,
precisa
de partidários.
E,
por
s er um
poder, irá necessariamente atraí-los.
Assim
como o po
der s e d iv ide em
dois, a
sociedade se
dividirá
ent re os partidários
de
um
e os do out ro poder . Os c idadãos se sen ti rão ou se pre tende
rão representados por
um
ou
pelo
outro:
também
o
executivo
se
tomará, de cer ta manei ra , representativo. Eles procurarão realizar
seus objetivos po r intermédio do
poder
que favorecerem e do qua l
esperarem favorecimento. Mas
sua
vontade não
poderá
ter efe ito
imediato ou direto, v is to que só poderá ser rea lizada por intermédio
de
um poder
que sej a
respeitado po r outro
poder. Po r se r
a soc ie
dade
representada
por um poder dividido os cidadãos serão impo-
tentes para fazer muito mal
uns
aos outros.
Mas , d ir ão , não
haverá
possibilidade
de
um desses
poderes ser
apoiado por uma maioria tão ampla a ponto de esmagar o outro e a
minoria
de
cidadãos
que
o defende?
Não,
responde Montesquieu,
em virtude
do que e le chama
efeito
da
liberdade .
Quando um
dos
podere s, d iz el e, par ec e t er i nfl uênc ia
demais,
o s c idadãos saem
9 1
7/23/2019 8 Montesquieu e Sepração Dos Poderes - Manent
http://slidepdf.com/reader/full/8-montesquieu-e-sepracao-dos-poderes-manent 7/10
em socorro do out ro . E por que
tem
ele
certeza da
entrada
em
ação
desse mecanismo?
Por
que julga que geralmente corresponde aos
dois
poderes
uma divisão
em
partes mais
ou
menos iguais
de
cida
dãos?
Os
cidadãos certamente são partidários
de um ou
outro
poder
que favorecem e
do
qual
esperam
vantagens mas sempre conti
nuam
a ser, ant es
de
mais nada membros da sociedade,
na
medida
em
que ela se
de
ambos os
poderes
tanto daquele que
eles
amam quanto
do que não amam. Po r conseguinte se um
dos
poderes ganha
influência demais,
uma par cela de
seus
próprios
partidários, inicialmente os menos a rdorosos sente-se ameaçada
não tanto
na
qualidade de
partidários
desse poder
certamente, mas
na
qualidade
de
membros
da
sociedade.
Os
cidadãos de fato, têm
em
geral
um
interesse duplo: que o
poder sirva
a seus interesses
e
qu e não
pese
demai s sob re a soci edade; e
um
sentimento duplo: o
de
que o
poder que o s
favorece e que eles
apóiam
os representa
é seu
poder e t m ém
o de que o poder é diferente deles, dis
tante,
não os
compreende e
virá
a traí-los. E é o jogo inevitável
desses
dois interesses e desses dois sen timentos inseparáveis
que
assegura
que
os c idadãos sairão espontaneamente
em
socor ro do
poder
que
se houver
enfraquecido demais. O
jogo duplo
dos c i
dadãos
com
o poder inscreve-se
na
lógica da representação: a partir
do momento
em
que o
poder
supostamente representa o cidadão
cresce neste último o sentimento
de
alienação,
ao
mesmo tempo
que
o desejo
de
identificação.
Tal
regime, portanto
é produ tor de uma dupla
impotência: a
divisão do poder
toma
os cidadãos amplamente incapazes
de
ter
uma ação intensa unS sobre os outros,
e no
sentido inverso, os
ci
dadãos que
passam de bom
grado de
um
partido
para
o outro,
1
fa
cilmente
tomam
o
poder
impotente. A impotência dos ~ i ã o s e a
impotência
do poder
se condicionam reciprocamente. E a isso,
em
última instância,
que Montesquieu chama liberd de
Uma vez
que
o poder
po r estar
dividido
não
se exerce muito
nem contr o cidadão -
donde
o sentimento de segurança que
este
experimenta
um
sentimento
que é
o
bem
mais precioso
d e um
regime
livre
nem
f vor
dele,
com exceção
dos
postos ne
cessariamente desprovidos
de poder
verdadeiro que o executivo
pode
distribuir, o cidadão só
t em que fazer valer sua
independên
cia
a
seu gosto
ou
seja,
voltar seus desejos
e
sua
atividade
para
92
áreas estranhas à política
ou
ao poder para campos em que não
seja
exercido
propriamente falando,
nenhum poder
sobre outros
homens. O
cidadão tem
apenas
que ganhar
dinheiro
ou escrever
li
vroS:
de
fato, as duas grandes áreas liberadas
pela
impotência
do poder sobre o cidadão e do c idadão sobre o são a econo-
mia e a
cultura .
A liberdade se instaura pela neutralização
da
mas não
se deve
dizer que essa
liberdade é apolítica: trata-se
de uma
liber
dade muito estre itamente
condicionada
pela organização P litlcél
pois é a
própria
organização política que neutraliza o
poder
do po
der.
Assim
num
r eg ime l ivre , os cidadãos fazem
valer sua
inde
pendência
a seu gosto . Parece
de
fato, que liberdade e indepen
dência
são a
mesma
coisa.
No entanto no capítulo
IH
do l iv ro XI
intitulado
O
que
é
a
liberdade
Montesquieu nos adverte: a
liberdade política
não
consiste
em
se fazer o
que
se quer.
. .
pre
ciso ter
em
mente o
que
é a independência e o
que
é a l iberdade. A
l iberdade é o direi to
de
fazer tudo o que as leis permitem
Para
compreender
o
pensamento
de
Montesquieu
a
propósito
desse
as
pecto capital portanto devemos
conciliar
duas afirmações de nosso
autor
que
se afiguram estritamente contraditórias: de
um
lado,
num
regime livre,
os cidadãos
são independentes;
de
outro, a l iberdade
política
não
consiste
em
ser independente mas
em
poder fazer
aquilo
que
as
leis
permitem - e se a lei
proibir tudo ou quase
tudo?
A solução dessa contradição encontra-se na
concepção
que Mon
tesquieu
t em da
lei:
num
regime livre , isto
é baseado
na
separação
dos
poderes
as lei s tendem necessariamente a permitir
ao
cida
dão
um
grande
número de
coisas - sem dúvida
um número cada
vez
maior de
coisas
tendem
a ampl iar a
esfera
de
sua indepen
dência . Assim a independência e a obediência à lei são conci liá
veis. Vejamos como.
Cada
cidadão
deseja
que o poder que
ele
detém
lhe
assegure,
através
da
lei , o máximo possível
de
vantagens mesmo
ao preço da
opressão
dos
outros cidadãos. Mas esse pod er
tem
que
levar
em
conta
o
outro poder que por
sua
vez é portador
das
exigências da
outra parte
em
geral composta
da outra
metade
ou
quase, da po
pulação.
Que
será a lei,
portanto?
Ela
será o compromisso, explí
cito
ou
implícito, ent re os dois poderes e os dois partidos: efetivará
a
maximização das vantagens
de
ambos,
sabendo-se
de
antemão
9 3
7/23/2019 8 Montesquieu e Sepração Dos Poderes - Manent
http://slidepdf.com/reader/full/8-montesquieu-e-sepracao-dos-poderes-manent 8/10
que cada um obterá menos do que gostaria. Ora é sob a forma da
liberdade no sentido .de independência que a maximização das
vantagens de uns e outros toma-se mais acessível. Tomemos
um
exemplo estranho a Montesquieu. Digamos uma sociedade em que
um grupo poderoso quer que o ens ino seja ministrado sob a orien
tação da Igreja enquanto um outro grupo de força aproximada
mente igual
quer
que o
ensino seja
completamente subtraído à in
fluência da Igreja. Se
essa
sociedade tiver
um
regime representativo
de
poder
dividido nenhum dos dois grupos poderá impor
alei
se
gundo sua vontade. O único compromisso possível será que
cada
corrente tenha a liberdade de obter o t ipo de educação desejado:
parte dos estabelecimentos de ensino será dependente da Igreja e a
outra será totalmente independente.
Em t al s is tema a lei tende a proibir qualquer indivíduo de im
por
sua vontade a outro e da mesma forma
ela
proíbe a esse outro
de impor-lhe sua vontade; ao impedir o indivíduo de fazer o que
quer caso e le
queira
impor sua
vontade
a
um
outro
ela
limita sua
independência; mas ao lhe garan ti r a possibi lidade de fazer o que
quiser quando
isso
não
implicar
poder
sobre
um
outro
ela protege
sua independência . A lei só
tem poder para
impedir o
poder de um
cidadão sobre outro cidadão. Assim fazer valer
sua
independên
cia
a seu
gosto
e
te r
o direito de fazer tudo o que as leis permi
tem convertem-se num r eg ime l ivre tal como o concebido por
Montesquieu em expressões progressivamente sinônimas.
Os cidadãos não mais exercendo poder uns sobre os out ros
tendem a se distanciar mutuamente a viver separados. No mesmo
capítulo Montesquieu escreve:
os
homens nessa nação se
r iam mais confederados do que concidadãos. Atributo surpreen
dente
que
aproxima as relações mantidas pelos
cidadãos de
um
re:
g ime l ivre às que
unem
corpos políticos independentes e aliados. E
impossível sugerir com mais clareza que esses cidadãos vivem nu
ma espécie de estado de natureza mas como
nenhum
cidadão te
me nenhum
cidadão
num estado de
natureza
l iber to do medo. A
sociedade livre baseada
na
separação
dos poderes
é
um
estado
de
natureza
aperfeiçoado: nela os cidadãos
gozam
das vantagens do
estado de
natureza
- fazem
valer
sua
independência
a
seu gosto
_ sem sofrer seus inconvenientes: ficam libertos
da
guerra e a té do
medo.
O importante
na
doutrina da separação dos poderes é menos
9 4
a definição estática das competências próprias de
cada
um do que a
descrição dinâmica da relação entre a soc iedade civi l e
os
dois po
deres igual e diferentemente representativos por intermédio
de
dois
par tidos necessaríamente hostis mas mesmo assim forçados ao
compromisso. Esse jogo entre a soc iedade e o poder dividido
pode
pois desenrolar-se sempre segundo o esquema proposto
po r Mon
tesquieu quando a separação
entre
o
executivo
e o leg is la tivo já
não
passa
de uma lembrança quando a confusão entre eles prevale
ce sob a forma do
governo
de
gabinete
no
qual
o
chefe
do
go
verno - do executivo -
é
ao mesmo tempo chefe da maioria par
lamentar - do legisla tivo. Os dois
poderes
já não são nesse
ca
so o executivo e o leg is la tivo mas a maioria e a oposição .
Não é
que
a oposição partilhe constitucionalmente
do
poder com a
maior ia - e nesse aspecto há certamente uma diferença considerá
vel entre o regime livre descrito por Montesquieu e nossos regimes
mas o efe ito de su a presença da ameaça que ele encarna de der
rota do governo ou melhor do partido majoritário nas eleições se
guintes é constranger o partido majoritário
em
regra geral a uma
utilização
moderada de
seu
poder.
Se quisermos descrever numa palavra a mola mestra do sistema
liberal de Montesquieu diremos
que
se
trata
de separar a vontade
daquilo que ela quer ou ainda de impedir cada
um de poder
aquilo
que não
consegue evitar
querer: o
povo não
pode o que quer
pode
apenas eleger representantes esperando sem nisso acreditar intei
ramente que e le s façam aquilo que deseja; os representantes
não
podem o que querem mas têm que te r em grande consideração o
que o executivo quer; e o executivo
não pode
o que quer mas deve
ter em grande consideração o que o leg is la tivo quer. A soberan ia
absoluta que decide sobre tudo em últ ima ins tânc ia - a
do
Leviatã
de Hobbes mas também afinal a do corpo legislativo de Locke
é substituída
por um
mecanismo de tomada de decisão
que toma
a
soberania supérflua.
importante esclarecer que se esse mecanismo de tomada de
decisão substitui a soberania absoluta ele é tambémmuito diferente
da deliberação
ou
da soberania
da
deliberação tal como a vimos
instituída nas repúblicas gregas e sobre a qual nos fala Aristóteles
no livro
IV da
olítica
Com
toda a certeza a parte deliberativa da
cidade
era
obrigada po r se r a deliberação uma atividade racional a
considerar
a conveniência ou a necessidade do compromisso e
da
9 5
7/23/2019 8 Montesquieu e Sepração Dos Poderes - Manent
http://slidepdf.com/reader/full/8-montesquieu-e-sepracao-dos-poderes-manent 9/10
moderação nas decisões que tomava Mas nesse caso o ponto de
compromisso
era
fixado
pela própria
deliberação
em
função das -
nalidades a que
ela
se propunha e das circunstâncias que lhe eram
impostas
Ao e d ~ r
à
necessidade ou
à
conveniência do
compromisso a deliberação
não deixava de ser
soberana A situa
ção é inteiramente diversa no sistema liberal de Montesquieu: o
compromisso longe
de
ser escolhido
pela
soberania
da
deliberação
é
ele
próprio
o
soberano da
decisão
já
que
o
que
se decide
é
a re
sultante do
que
é desejado por
um
dos dois poderes e do que é de
sejado
pelo
outro.
Já vimos que mesmo
quando
o
que
é desejado por um diverge
muito do
que
é desejado pelo outro é ainda assim possível elaborar
essa resultante. É muito difícil elaborá-la positivamente e muito
mais fácil fazê-lo negativamente:
se
não
podemos,
geralmente
con
cordar
quanto ao
que
eu quero e ao
que você
quer por que
não
tentarmos
entrar
em acordo quanto ao
que
eu não quero e
você não
quer?
Dizem os
dois poderes um ao outro: não quero que você go
verne e você não que r que eu governe; pois bem, tomemos os ci
dadãos independentes
de
nossos dois
poderes,
libertemo-los
de
nós;
e esse resultado precioso será atingido A representação da socie
dade por um poder dividido tem o efeito de que seus cidadãos se
jam cada vez
menos governados
ou
seja sejam
cada vez
mais l i
vres segundo o sentido que Montesquieu confere à palavra liber
dade: ser l ivre consiste menos
em fazer
o que
quero
do
que
em
po
der
não fazer o
que
você
quer que eu
faça;
ou
ainda consiste
em
fazer o que quero na medida em que essa ação não implique em um
constrangimento
para
você.
o
liberalismo plenamente constituído e
ele
só foi plenamente
constituído em termos doutrinários
com
Montesquieu fundamenta
se em duas idéias: a idéia de representação e a da divisão dos pode
r es. A id éi a
de
representação
postula que não há poder
legítimo se
não o representativo isto
é,
o que se baseia no consentimento da
quele que se submete ao poder. Dentro desse regime os poderes
internos da sociedade civil nascendo da interação espontânea da
vida econômica e social das tradições e das próprias competências
são implicitamente afetados por uma ilegitimidade essencial - não
são representativos - e, por conseguinte sofrem uma lenta mas se
gura
erosão. Todo poder
legítimo concentra-se
no
ápice
na
insti-
9
tuição política no Estado, que é o umco a representar verdadeira
mente os membros da sociedade. A idéia
moderna
de representação
conduz naturalmente a um aumento contínuo do
poder
do Estado
sobre a sociedade pois desgasta continuamente os poderes intra
sociais que asseguram a independência e a consistência
dessa
so
ciedade.
Tal
é
o paradoxo da
representação: o
poder
representativo
tende necessariamente a dominar sozinho e
sem
rival a sociedade
civil
que e le
aspira unicamente a
representar . Nesse
sentido
têm
razão aqueles que deploram a dependência crescente em que se
acha a sociedade
em
relação ao Estado.
Ao mesmo tempo contudo, por
se r
esse Estado representativo
dividido entre maioria e oposição divisão esta que se segue à sepa
ração entre o executivo e o legislativo seus atos ou antes suas leis
tendem
estruturalmente a ser favoráveis
em
geral à liberdade dos
indivíduos. Como tentei mostrar o compromisso entre
os
dois po
deres é muito mais fác il de estabelecer segundo a modalidade ne
gativa
do
que segundo a positiva:
cada poder
tende a exercer seu
poderio impedindo o outro de conseguir aquilo que quer. Assim se
amplia o
que
é às v eze s chamado
de espaços de liberdade do
ci
dadão. Nesse sentido têm razão os que celebram
os
progressos da
liberdade individual a crescente emancipação dos indivíduos.
Há,
pois
uma
ambivalência essencial
no
movimento interno
de nossas sociedades que l eva uns a descrevê- las como totalita
rismos mascarados e outros a considerá-las as sociedades mais sa
tisfatórias da história humana onde
cada
um livre e soberanamen
te se utiliza dos talentos e sat isfaz as preferências
que
a
natureza
lhe
concedeu.
O que é preciso dizer sem dúvida
par a ao
mesmo
tempo
dar
e
não dar
a razão
auns
e a out ros é
que
somos
cada vez
mais exclusivamente governados
por
um Estado que nos governa
cada vez menos.
Na
medida em
que
somos
cada vez
menos governados, em que
temos
cada
vez mais o direito de fazer o que nos parece conve
niente vivemos
cada
vez mais numa forma de estado
de
natureza.
E uma vez que graças ao governo
que
subsiste a
essa
única coisa
que
ainda
nos
governa
um pouco,
esse
estado
de
natureza não é
um
estado
de
guerra mas nos oferece
uma segurança
e
uma
prosperi
dade mais do que aceitáveis não temos motivo para dele nos afas
tarmos. Assim cumprimos o projeto.original do liberalismo inver
t endo a ordem dos fatores: o regime representat ivo foi o art if ício
9 7
7/23/2019 8 Montesquieu e Sepração Dos Poderes - Manent
http://slidepdf.com/reader/full/8-montesquieu-e-sepracao-dos-poderes-manent 10/10
que
pernntm sair
de
um
estado
de natureza essencialmente
12
ou
pelo menos
necessariamente
13
insuportável
e
Se
converteu
no
arti-
fício que permite habitar um estado de natureza essencialmente sa-
tisfatório.
Esse
diagnóstico não
pode s er
contestado nem mesmo
pelos que denunciam o doce totalitarismo das sociedades libe-
rais. O que
os dei xa
indignados em nossas sociedades
é
precisa
mente esse estado e satisfação: as querelas e as revoltas as audá
cias e as
subversões tudo
isso é absorvido recuperado pelo
sistema para
satisfação
geral.
Uma ligeira dúvida
no
entanto
pode ainda
arranhar a plenitu
de dessa
satisfação: afinal um estado
de
natureza artificial
ou
ins-
tituído um estado
de
natureza que é ao mesmo tempo polí tico é
uma contradição nos
t ermos. O próprio
Montesquieu sugeriu
dis-
cretamente essa dificuldade ao dizer dos ingleses como vimos que
eles
eram
mais
confederados
do que concidadãos . Essa
alternati-
va
pode s er
e é formulada
de
diversas maneiras: será
que cada um
de nós
é
a princípio membro independente
da
sociedade civil
ou súdito do Estado burguês
ou
cidadão homo o onomi us ou
homo
politicus?
Pertence
cada um de nós
primeiramente
ao espa
ço transnacional ou mundial do
mercado
ou antes
ao
território
da nação ? As
duas coisas dirão.
Sem
dúvida mas então isso
significa que a despeito
da
reconciliação entre o estado de nature-
za
e o estado civil
po r
meio
de um
regime livre continuamos radi
calmente
divididos:
a
linha
demarcatória entre o homem natural e o
cidadão
passa pelo
interior
de c ada um de
nós.
Descrever essa
divi-
são denunciar a infelicidade e a corrupção que
el a
acarreta e
bus
ca r os meios de superá- la foi a tarefa do mais
agudo
crítico de
Montesquieu
do
mais profundo crítico
do
liberalismo: Jean-Jac
ques Rousseau.
NOTAS
1
Ver o último capítulo do segundo
Tratado
2
Esbocei
no
final
do
capítulo procedente a razão básica que torna a
assembléia
representativa
pouco apropriada para governar.
3 Leviatã
capo VIII.
4 Ibid
capo XI.
5 Esprit des Lois I 2.
9
Ibid XI 4 grifo meu.
7 Ibid grifo meu.
S
Alusão
ao
júri.
9 Grifos meus.
1 Há pelo menos sempre
um
número suficiente
de
cidadãos
dis
os
a mudar de filiação. p
11 Tivemos a oportunidade de ouvir um diálogo dessa nat
ureza em
que p ~ o
menos o ~ s ç o era sincero num país europeu que nos
é
familiar
a proposlto dos
meIOS
de comunicação.
12 Hobbes.
13
Locke.
9 9