80-97 - LIVRO - Psicologia Jurídica No Br - Gonçalve & Brando - PAG 80-97

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Isso é um problema que não concerne somente à psica- nálise, mas às .práticas psicológicas em geral, de modo que retornaremos a esse ponto ao final do texto. Mediação familiar: a diversidade de práticas, a diferença em relação à arbitragem e à conciliação, o paradigma de entendimento mútuo, as experiências dos tribunais brasileiros Num outro enfoque, a prática de mediação, implantada em diversos países e recentemente no Brasil, é informada por diversas teorias e técnicas, tendo em comum o objetivo de de- volver ao casal a competência para gerar a própria solução do conflito. Alguns juristas admitem que, em certas áreas judicativas, o tradicional processo litigioso não é o melhor meio para a reivindicação efetiva dos direitos. Entende-se então que o mo- vimento de acesso à justiça encontra razões para caminhar em direção a formas alternativas de resolução de conflitos, entre elas, a mediação. Preservando a relação, na medida em que trata o litígio como perturbação temporária e não como ruptu- ra definitiva, tal procedimento é mais acessível, rápido, infor- mal c menos dispendioso (Krüger, 1998). O entendimento sobre a resolução de conflitos em Va- ras de Família comparece na exposição de motivos que o Ilus- tre Corregedor-Geral de Justiça do Rio de Janeiro escreve, no Diário Oficial datado em 11 de novembro de 1997, para a abertura do I concurso para o cargo de psicólogo no Tribunal de Justiça; Perante as Varas de Família, também se faz necessária a presença dos psicólogos porque existem causas onde o con- flito entre' o casal litigante, devido a sua profundidade, atinge os filhos. (...) Através de entrevistas com as partes e com os SO

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80-97 - LIVRO - Psicologia Jurídica no Brasil - Gonçalves & Brandão - PAG 80-97

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  • Isso um problem a que no concerne somente psica-nlise, mas s .prticas psicolgicas em geral, de m odo que retornaremos a esse ponto ao final do texto.

    Mediao familiar: a diversidade de prticas, a diferena em relao arbitragem e conciliao, o paradigma de entendimento mtuo, as experincias dos tribunais brasileiros

    Num outro enfoque, a prtica de mediao, im plantada em diversos pases e recentemente no Brasil, inform ada por diversas teorias e tcnicas, tendo em comum o objetivo de de-volver ao casal a competncia para gerar a prpria soluo do conflito.

    Alguns juristas admitem que, em certas reas judicativas, o tradicional processo litigioso no o melhor meio para a reivindicao efetiva dos direitos. Entende-se ento que o mo-vimento de acesso justia encontra razes para cam inhar em direo a formas alternativas de resoluo de conflitos, entre elas, a mediao. Preservando a relao, na medida em que trata o litgio como perturbao temporria e no como ruptu-ra definitiva, tal procedimento mais acessvel, rpido, infor-mal c menos dispendioso (Krger, 1998).

    O entendimento sobre a resoluo de conflitos em V a-ras de Famlia comparece na exposio de motivos que o Ilus-tre Corregedor-Geral de Justia do Rio de Janeiro escreve, no Dirio Oficial datado em 11 de novembro de 1997, para a abertura do I concurso para o cargo de psiclogo no Tribunal de Justia;

    Perante as Varas de Famlia, tambm se faz necessria a presena dos psiclogos porque existem causas onde o con-flito entre' o casal litigante, devido a sua profundidade, atinge

    os filhos. (...) Atravs de entrevistas com as partes e com os

    SO

  • filhos destas, o servio de psicologia poder auxiliar ate c um a composio amigvel do litgio, restabelecendo a har-m onia entre as partes e, talvez, prom ovendo um a m udan-a de mentalidade dos pais em relao aos filhos,

    Nos Estados Unidos, a partir de 1974, tem-se registro dos primeiros trabalhos de m ediaocm o sendo um a alterna-tiva para lidar com as seqelas do divrcio e de suas disputas baseadas no antagonismo, como vimos acima, entre vencedor e vencido. No Canad, existem servios de mediao desde os anos 70, cuja prtica entra na legislao relativa ao divrcio em 1985. Por sua vez, a China aplicada mediao desde 1949, tanto em nvel patrimonial como familiar, reduzindo conside-ravelmente o nm ero de casos que chegam aos tribunais como litgio. O recurso da mediao tambm desenvolvido em pases como Frana, Israel, Austrlia, Japo, entre outros (Vainer, 1999; Curso, 2000).

    N a Amrica do Sul, a Colmbia, a Bolvia e Argentina antecederam o Brasil no emprego das resolues alternativas de disputa. Somente no incio dos anos 90, a mediao ingres-sa no Sul do pas, tendo sido fundada em 1994 a matriz da. instituio brasileira mais antiga de que se tem notcia - o Ins-tituto de M ediao e Arbitragem do Brasil (IMAB) - cuja sede em Curitiba, no Paran. Desde ento, tal recurso passou a ser em pregado em instituies privadas, chegando s pblicas, em particular, a partir das Defensorias Pblicas. H hoje em dia um Conselho Nacional das Instituies de M ediao e Ar-bitragem CONIMA, fundado em 1997 (Curso, 2000).

    De m odo geral, a mediao pode envolver todos os pon-tos do divrcio ou se limitar somente s questes da guarda da criana e de sua visitao. A m ediaopode ser tam bm pbli-ca, privada ou ambos. Alguns program as de m ediao exclu-em os advogados das partes, enquanto outros estimulam essa participao. Algumas prticas so liberais e no diretivas, en-quanto outras so mais restritivas e condutoras (Vainer, 1999).

  • Costuma-se apontar que m ediao no igual arb itra-gem ou conciliao. ;

    N a arbitragem , a soluo decidida por um terceiro, ao qual as partes se submetem. N a conciliao, um terceiro auxi-

    Tlia-a-manter-ou-restabeleeer-a-negoci ao-entre-os -oponentes reduzindo as animosidades, opinando e sugerindo novas alter-nativas. O conciliador atua diretam ente no conflito, visando ao acordo entre as partes. Por sua vez, na m ediao o terceiro tam bm ajuda a com por a negociao, com a diferena de que as partes devam ser autoras das decises. O m ediador atua mais como facilitador do que interventor ativo, restabelecendo o dilogo pa ra que surjam das partes as possibilidades de en-tendim ento e desfecho do conflito, i Ao contrrio das outras prticas, a m ediao deve incidir menos sobre o acordo do que o resgate de um canal de com unicao entre os oponentes (Curso, 2000).

    Negociao

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    / e,,um terceiro ^ipolia; a^mante-Ja.oU' a-restabelece-:^ i-\a,r' esd-' 'que-slvfis .sejif fautores ^ das*:dci^

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    Evidentemente, os propsitos da m ediao diferem de acordo com o pas onde ela praticada. Se o mtodo norte- am ericano reduz a m ediao unicam ente resoluo de con-flitos, a ponto de ser colocada lado a lado com a conciliao e a arbitragem como um a das formas alternativas de julgam en-to, a linha francesa no busca o desfecho imediato do conflito. Ao contrrio do que recom enda o pragmatismo norte-am eri-cano, a perspectiva francesa supe que o mediador deva criar cond ies p a ra que os an tagon istas se questionem e se reposicionem no conflito, visto este muitas vezes como sendo positivo e no como algo a ser extirpado^Six e Mussaud, 1998).9

    9 D os Estados U nidos da A m rica provm um grande nmero de estudos relativos psicoterapia de casal e de sua necessidade no decorrer do proces-so jud icirio, sendo um a obrigao social o atendim ento a situaes traum-ticas relacionadas separao. M as de um a m aneira geral o foco prende-se aos problem as adversariais ou necessidade dd' entendim ento m tuo sem que sejam verificadas tentativas de sistem atizao clnica das determinaes psquicas do problem a, e desse m odo, a ateno acaba se concentrando nas conseqncias e nas tcnicas para rem edi-las (Vainer, 1999).

  • Pode-se dizer que a diversidade de concepes e prticas rcne-se luz de uma m udana de paradigma, em que .o en-tendimento mtuo deve prevalecer sobre o antagonismo entre as partes. A figura do mediador busca a resoluo das contro-vrsias de forma pacfica, evitando o litgio e indo ao encontro de acordos que as partes possam compor entre si. Nessa pers-pectiva, o mediador evita fazer imposies e traz discusso apenas o que o casal quer negotiiar, orientando e buscando idias que facilitem a construo de um compromisso favor-vel aos antagonistas.

    Ao mesmo tempo, o mediador deve ter o cuidado de no se deter na anlise das determinaes psquicas do conflito do casa!.. Se no se esquivar dessa tarefa, ele corre o risco dc prolongar o atendimento para alm do tempo disponvel no judicirio, alm de dar um carter teraputico sem garantir a resoluo dos acordos necessrios para o fim do litgio.

    Na medida em que o mediador est atento aos proble-mas de ordem afetiva, assinalando a importncia das decises, do casal e prevenindo-os sobre as conseqncias que elas acar-retam, ele deixa os advogados livres para concretizar os acor-dos em termos jurdicos. Em outras palavras, a m ediao encoraja os oponentes a s envolverem diretamente nas nego-ciaes enquanto libera o. advogado para o suporte legal neces-srio, que muitas vezes no consegue fazer com que o cliente o oua quanto os prejuzos de sua postura (Vainer, 1999).

    Semelhante preocupao em devolver s famlias a res-ponsabilidade pelo desfecho do litgio faz parte tambm da rotina do Servio Psicossocial Forense (SERPP), vinculado ao T ribu-nal de Justia do Distrito Federal.

    Compreendendo que o divrcio no o fim da famlia e . sim o incio de um a organizao bi-nuclear, em que os pais so

    co-dependentes, mesmo separados, na tarefa de criar os filhos, a equipe interprofissional do SERPP tem como imperativo a distino entre parentalidade e conjugalidade. Assim, ela evita

  • que um m em bro da famlia avalie a competncia parental do outro pela competncia, conjugal. Somente com o divrcio

    psquico, torna-se possvel ajudar os filhos a aceitar o divr- io dos pais e estimul-los a m anter um contnuo relaciona-m ento com ambos os cnjuges (Ribeiro, 1999: 165).

    ^ ^ .N u m a abordagem'sistmica," bsca-s^ento^compreen- ^ der. a/dinm ica rclacionaLque deu origem' ao litgio e o papel

    de-cada m em bro .do grupo fmiliarTna,perpetuao_da crise. ' 'Wim portante,que cada membro^compreenda- seu^papebem; tal

    ^.dinm ica e experimente situaes-que sugiram-mudanas.A equipe do SERPP realiza tam bm entrevistas com os

    advogados das partes, sendo considerados peas chave para a reorganizao do sistema familiar. Ao final, faz-se um relatrio que, em vez de apresentar sugestes formuladas unilateralmente pelo profissional, expe as que foram construdas pela famlia (Ribeiro, 1999).

    O Judicirio gacho tem feito tam bm im portantes in-vestimentos na modernizao do sistema de acesso Justia, atravs de estruturas como os Juizados de Pequenas Causas, os Projetos de Conciliao e, por fim, o Projeto de M ediao Familiar, im plantado em 1997, atravs do Servio Social Ju d i-cirio (SSJ) do Foro C entral de Porto Alegre.

    Esse ltimo projeto trabalha com'processos encam inha-dos pelo Projeto Conciliao em Famlia, tratando-se dc aes que esto ingressando no Judicirio e, portanto, ainda no inseridas totalm ente no modelo adversarial. As famlias partici-pam inicialmente dc um a audincia de conciliao e no ha-vendo consenso so informadas pelo Juiz sobre a possibilidade de optarem pelo processo de mediao, dividido em etapas que

    *se iniciam com encontros multifamiliaresj passam por encon-tros individuais e term inm com a construo do entendim en-to (Krger, 1998). ^

    M esmo acenando-se a mediao como um a prtica de profundo interesse do Judicirio, vem-se pouco problem atizadas

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  • as relaes de poder entrevistas num a certa pedagogia que ela parece implicar, a saber, de que a prevalncia do entendim en-to m tuo e do sentir-se bem cm oposio' s paixes e ao sofrimento perm ite ensinar pais e filhos a controlar suas aes, aperfeioar suas capacidades e diminuir a capacidade de revolta.

    Os impactos do divrcio, os acordos em relao aos filhos, a n io- burocratizao das visitas, os pontos de reencontro

    Faz-se necessrio notar que muito comum a desorien-tao do casal e da famlia aps a separao, impondo-se a cada um a busca de parm etros para se situar diante da nova situao.

    O desnorteam ento aps a separao foi constatado na pesquisa do Califrnia Children o f Divorce Project, o que motivou os profissionais a prom overem encontros sistemticos com .os pais e os filhos (Wallerstein e Kelly, 1998).

    O divrcio o pice de um processo que se inicia com um a crescente perturbao do casamento e, aps sua concreti-zao, dem oram -se anos at que os ex-cnjuges consigam con-quistar um a estabilidade emocional, O problem a que um perodo de tem po que pode parecer razovel para os adultos corresponde a um a parte significativa da experincia de vida da criana.

    Os filhos vem-se com pouco .controle sobre as m udan-as impostas pelo divrcio. M uitos no tm somente dificulda-de para se ajustar a novos locais de,residncia ou queda da situao econm ica, mas tam bm ao colapso do apoio e da proteo que at ento esperavam encontrar na famlia. Com o divrcio, h um a diminuio da capacidade parental. Os pais passam a focar mais ateno em seus prprios problemas, tor-nando-se m enos sensveis s necessidades dos filhos. Ao mesmo

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  • tempo, relutam ou .revelam um a inabilidade para explicar a eles a situao que esto vivenciando.'

    Os filhos sentem-se vulnerveis, rejeitados, culpados, so-litrios, sendo muitas vezes usados, para agravar a situao, -como-suportc-emocionahde^uiTrou-ambos os genitores, respon- sabilidade para a qual no se sentem prontos para assumir. No por m enos que a criana concentra amide seus esfor-os para reverter a deciso do divrcio o restaurar a harm onia familiar, sem contudo lograr xito. '

    Em face desse panoram a, os pesquisadores decidiram incluir um program a de interveno breve destinado a propor-cionar atendim ento psicolgico e recomendaes sociais e edu-cacionais para as famlias com dificuldades de elaborar a situao de divrcio (Wallerstein e Kelly, 1998).

    H outro projeto institucional nos EUA - Famlias em Divrcio - desenvolvido por terapeutas de famlia e de casal des-de 1978, que visa a dar atendimento e suporte-as famlias em que o divrcio j ocorreu ou est em vias de ocorrer. Atende- se inicialmente os ex-cnjuges em separado, at o momento de se sentirem seguros o suficiente para a sesso conjunta. Uma vez ocorrida tal sesso, h um a avaliao em encontros nova-mente individuais, reforando os xitos conseguidos e estimu- .lando novas tentativas de dilogo. A discusso a respeito dos filhos um ponto fundamental para a elaborao do divrcio e a organizao da famlia.

    O trabalho com os filhos um dos pontos mais im por-tantes desenvolvido no projeto, por meio dos quais se diiui a postura destrutiva dos pais, lida-se m elhor com as dificuldades da separao e so fortalecidos os vnculos fraternos, tornando no fim das contas.o processo de m udana familiar menos dolo-roso.

    De inspirao sistmica, os autores de tal projeto obser-vam que as querelas entre as partes no provm do processo de divrcio em si e sim dos antecedentes matrimoniais, no

  • sendo a separao mais do que a continuao dos conflitos enraizados na unio do casal. De diferentes tipos de casamento resultam diferentes tipos de divrcio (Isaacs apudVainer, 1999).

    Deve-se atentar igualmente para a regulamentao de visitas, evitando-se modelos rgidos e preconcebidos de relacio-namento que, ao fmal, possam criar dificuldades para o genitor descontnuo acompanhar e participar do desenvolvimento dos filhos. A burocratizao das visitas tem o risco de criar um a rotina s vezes inteiramente diferente do tempo subjetivo da criana. Franoisc Dolto (.1989) adverte que a percepo infan-til do tempo cronolgico diferente da percepo do adulto.

    Com efeito, convm ao psiclogo promover, junto aos demais profissionais, acordos de visitas quepossam manter, como de direito, o estreito relacionamento da criana com seus pais. Para tanto, recomendvel que o tribunal informe tambm nas audincias sobre a necessidade de visitas do genitor, escla-recendo e ajudando na definio e execuo dos acordos refe-rentes aos filhos (Brito, 1999a).

    Alguns genitores acabam desaparecendo da vida de seus filhos por no suportarem os constantes desentendimentos cm o ex-cnjuge e no concordarem com o papel de visitantes a que so relegados. Muitos tambm no suportam pegar os fi-lhos na casa que um. dia j foi sua, o que indica a .importncia de um outro local para a visitao dos filhos.

    N a Frana, a preocupao em proporcionar criana o encontro constante com os dois genitores levou criao de estabelecimentos chamados dc pontos de reencontro53. Lana- se mo desse recurso somente quando no possvel a atribui-o da autoridade parental conjunta, cuja concepo veremos adiante, ou quando um dos genitores impedido judicialmente de permanecer sozinho com a criana. Os pontos de reencon-tro so ento lugares onde podem ocorrer visitas supervisio-nadas por especialistas, ou ainda um local neutro, onde a

  • criana deixada por um dos pais e pega pelo outro que lhe visita (Bastard-e t'Crdia apud Brito, 1999a).

    A necessidade de garantir criana o direito de convi-vncia com ambos os pais tam bm objeto de preocupao na Sucia, onde h um projeto de "conversas cooperativas. D e-senvolvido com ex-cnjuges e profissionais qualificados, o pro-jeto consiste em esclarecer e promover a prtica de custdia conjunta, obtendo xito na maioria dos casos atendidos (Salden, apud Brito, 1999a).

    Guarda compartilhada e novo cdigo civil; as experincias em outros pases, o reforo da responsabilidade parental o fim da falta conjugal e do ptrio poder

    A custdia conjunta um dispositivo jurdico que est relacionado, ao direito inalienvel da criana de m anter o con-vvio familiar, consagrado, como vimos acima, na Conveno Internacional. A criana tem o direito de ser educada por seus dois pais, salvo quando o interesse torna necessria a separa-o, Em outras palavras, o direito prevalece sobre a noo de interesse, mas no o exclui.

    Seguindo esse raciocnio, a legislao de alguns pases estabelece que o exerccio da autoridade parental seja conjun-to aps a separao conjugal, no sendo indicada nos casos cm que o interesse da criana aponta para a necessidade de guar-da m ono-parental (Brito, 1999).

    N a Frana, por exemplo, a legislao estabelece que o Ju iz deve p rio rizar o exerccio em cbm um da autoridade parental, mesmo nos casos em que a separao no amig-vel. Por sua vez, a autoridade unilateral's deve ocorrer nos casos que atendam aos interesses da criana. Observa-se tam -bm que, em 1993, o termo guarda, jun to ao Direito de

  • Famlia Francs, substitudo pelo de exerccio da autoridade parental conjunta , na m edida em que aquele causava muitos conflitos. O genitor que possua a guarda era considerado detentor__de_todos. os direitos sobre a criana, de modo que, com a troca do vocbulo, esperada uma nova atitude dos genitores (Brito, 1996).

    N a Sucia, desde 1973, o cqnceito de guarda conjunta abrange todas as questes relativas a pessoa da criana. Desse m odo, atribuir ao pai, que no possui a guarda oficialmente, um direito ou dever de visita considerado como limitao ao direito de tom ar decises no que diz respeito criana (Brito, 1996).

    O dispositivo de guarda conjunta, ou compartilhada, tem o objetivo de reforar os sentimentos de responsabilidade dos pais separados que no habitam com os filhos. Privilegia-se a continuidade da relao da criana com os dois genitores que, simultaneamente, devem se m anter implicados nos cuidados, relativos aos filhos, evitando-se, como conseqncia da separa-o conjugal, a excluso de um dos pais do processo educativo de sua prole e a conseqente sobrecarga do outro.

    Convm notar que tal dispositivo . inteiramente distinto do de guarda alternada, em que a criana passa perodos alter-nados na com panhia dos ex-cnjuges.

    Dolto (1989) afirm a que a guarda alternada prejudicial at os doze ou treze anos de idade, um a vez que a quebra de um continuum espacial-social-afetivo leva a criana dissociao, passividade e a estados de devaneio. No por menos, a guar-da alternada foi proibida na Frana em 1984.

    Por sua vez, no se trata na guarda conjunta do desloca-m ento por parte da criana entre as casas de seus pais ou qual-quer outro esquema rgido de diviso igualitria de tempo de convivncia. Ao contrrio, as decises sobre problemas mdi-cos, escola, viagem, religio, etc. so tomadas por ambos os genitores, enquanto a criana habita com um deles.

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  • Observa-se que a guarda compartilhada, como os outros modelos, no panacia para todos os conflitos-familiares. Como observa Filho (2003), ao mesmo tempo em que ela benfica para pais cooperativos, ela pode no funcionar para outras fa-mlias C ontru do - a-gu arda-comp ar-tilhada-tem-a-vantagem-d e ser bem-sucedida mesmo quando o dilogo entre os pais no bom, mas que so capazes de discriminar seus conflitos conju-gais do exerccio da parentalidade.

    Enquanto nesses e noutros pases,'como os Estados U ni-dos, a H olanda e a Alemanha, por exemplo, a viso da criana como sujeito de direitos-promoveu alteraes na prpria legis-lao referente ao Direito de Famlia,' no Brasil no houve modificao significativa na referncia i guarda de filhos de pais separados.

    C om a vigncia do "Novo Cdigo Civil, em janeiro de - ' 2003, que substitui o Cdigo Civil de 1916, o critrio de falta conjugal na definio da guarda definitivamente revogado, sem que, por sua vez, tenha sido contemplado o instituto de guarda conjunta. Em outras palavras, cai por terra a falta conjugal mas permanece a guarda mono-parental.

    Se antes com a Lei do Divrcio, como vimos acima, no artigo 10, a me ficava com os filhos em no havendo acordo e sendo ambos os genitores responsveis.pelo fim do casamen-to, com o Novo Cdigo a guarda atribuda a quem revelar melhores condies para exerc-la (art. 1.584). Desse modo, as regras de cesso dai guarda esto diretamente vinculadas aos interesses da criana e do adolescente.

    Objeto de crticas desde sua vigncia, o Novo Cdigo no formula nada sobre assuntos como unio entre homosse-xuais, clonagem, inseminao artificial, proteo do smen, barriga de aluguel, transexualismo, exme de DNA para inves-tigao de paternidade, entre outros.

    Por sua vez, a legislao inova ao reduzir o grau de pa-rentesco at quarto grau, legitimar a falta de amor como mo-

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  • tivo para pedir a separao sem perda do' direito de penso3 conceder efeito civil ao casamento religioso em qualquer culto, estabelecer a igualdade absoluta de todos os filhos, includos os adotados, abreviar a maioridade civil de 21 para 18 anos, ne-gar o adultrio como causa preponderante na separao, entre outros aspectos.

    O Novo Cdigo pe fim ao ptrio poder, cujo conceito cede lugar ao de poder familiar (art. 1.631). Com efeito, o poder estendido me, pressupondo diviso da responsabilidade na' guarda, educao c sustento dos filhos. se houver diver-gncia entre marido e mulher, no prevaleee a vontade do pai, sendo o Judicirio que concede a soluo.

    Estabelece1 ainda no artigo 1.632 que a separao judici-al, o divrcio e a dissoluo da unio estvel no alteram as relaes .entre pais e filhos, seno quanto ao direito que aos primeiros cabe de terem em sua companhia os segundos.

    Atualmente, encontram-se trs projetos de lei em tram i-tao no Congresso que prevem a guarda compartilhada, re-presentando uma"nov modalidade na posse dos filhos1 com diviso m tua de tarefas e responsabilidades.10

    10 A proposta do projeto dc Ici do Deputado Federal Tildcn Santiago, do P T /M G , que altera os artigos 1583 e 1584 do novo Cdigo Civil e institui a guarda compartilhada, foi protocolada no dia 24 de janeiro de 2002 junto ao Senador Rainez T ebct, Presidente da Comisso Representativa do C on-gresso Nacional. N o dia 18-de maro dc 2002, o Deputado Feu R osa apre-sentou outro Projeto de Lei para instituir a guarda compartilhada, e no dia 07.11.2002 o Deputado Ricardo Fiza apresentou nova proposta para ser discutida n Congresso. T odos os projetos encontram-se em tramitao no Congresso Nacional.

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  • O modelo.de famlia na legislao brasileira no .refle-xo das relaes vivenciadas em toda a extenso da sociedade, muito mais heterognea do que a lei pode pretender, e sim a codificao nascida da preocupao do Estado em reconhecer, nos termos legais,' os laos familiares, a definio do poder marital e paterno, a regulamentao do regime de bens. Ao regular as relaes .entre pais e filhos, marido e m ulher e'dependentes de vrios matizes, e ao organizar a estrutura do casamento e do regim e dc bens, o legislador cum pre um a funo no s normativa, mas, principalmente, valorativa, que codifica ao nvel do Direito o lugar que cada m em bro da famlia e do casal deve ocupar (Alves e Barsted, 1987).

    Por sua vez, no plano das prticas, isto , ao serem apli-cadas, as leis apiam e so apoiadas por micropoderes, perif-ricos ao sistema estatal, que penetram no lar domstico, invadem o quotidiano e se multiplicam sob a forma de prticas mdicas, teraputicas, sociais e educadvas (Foucault, 1997; Fonseca, 2002).

    H um a colonizao recproca entre o Direito e as pr-ticas de disciplina e normalizao. Ao mesmo tempo em que a legislao absorve valores imanentes s prticas de normaliza-o mdica ou psicolgica, entre outros saberes, ela serve de vetor e suporte para procedimentos de vigilncia, controle e exame irredutveis s regras de Direito e suas respectivas san-es (Foucault, 1997; Fonseca, 2002).

    A doutrina da proteo integral e a prevalncia do inte-resse da criana na definio da guarda fazem surgir a neces-sidade de subsdios psicolgicos, entre outros saberes, para a deciso judicial.

    Contudo, a restrio do psiclogo ao papel de perito no fa2 mais do que perpetuar o conflito que permeia a maioria das aes judiciais, impondo prejuzos emocionais sobretudo para os filhos envolvidos.

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  • Observam-se outras possibilidades-de atuao que pos-sam prom over arranjos mais benficos entre os familiares, alm de atender aos interesses objetivos, da instncia judiciria.

    So inegveis as contribuies que a prtica psicolgica pdTferecer a essa"matria^d0~Direit07"haja_vi.sta_a_dificulda-- de de se abordar hoje em dia as relaes hum anas como se fossem determ inadas pela objetividade jurdica (Pereira, 2001).

    Todavia, no se deve perder de vista que o saber psico-lgico aplicado s V aras de Famlia no isento das relaes de poder, cabendo interrogar se s prticas que visam a resol-ver os impasses do quotidiano fazem proliferar mecanismos de tutela cada vez mais sofisticados e menos visveis.

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