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"9w O olhar etnográfico e a pesquisa em comunicação: o trabalho de campo, as clínicas evocativas e os fluxos cognitivos Julio Cesar de Tavares* Universidade Federal Fluminense 67 i?esiinio: A eIIIog?aia leio sido considerada urna impoliante te rranien la cai várias áreas de pesquisa. Os t'siiidos ciii co/nu/lira- ção deveriam utilizar esta metodologia, mais frequentenie,ite, e CO!!! eia, abrir novas possibilidades analíticas na iii vestigaçõo dos fenômenos que mediam os processos culturais. Coni este artigo, eu /)/OCII 10 mostrai; ela oi raJuainenle, a uiiporlíncia de vive/leia!; consci- entemente, a experiência do trabalho de campo e nela perceber a força das ,iiediacões e das descobertas, iai.v como, o lugar do pesqurrador diante de sua experiência no trabalho de pesquisa, os processos o/calais de engajamento do pesqili- sador e as articu/açres entre os pi0ceV50.V si nbohicos e os co/lcxionirlaS com a realidade tio caio pa. A bstract: Ethiiographv lias been consideied as a ?'erv inipoiiaiit tool iii 111011V researi li a icas. Coiiunniivatioi, siudies cOul(l use 1/lis methodo/o'v to enlacge 1//e (lnalvtica/ possibilities thiat tome Jioiii iii vestiça tiO/lI (II pheiiooiena 111a1 o,ediate cultural processes. Iii this articie, / suou', based on nu' ethiioi'raphit' expem'ieiice, ilie iipoilaiit'e of doinç fieidit'ork tiuti comls('ious/v peo 'ei les lhe force.v thiai imiediate the rerearr/ler v /oidiiiç's: inchiduii' ihc ,'eseais'lier piore lis- t' i-i'is ins/lier expem'it'/ice Vi 1//e lesear 'li itork, tlie nientai processes oJ ihie researcher v enga,ç'enieiil and 1//e arti('ulations hetii'een lhe s vnibohic timiti coo neclion iv! piores- ses hill 1//e reaiitv of/ieldreseai'th. *profcssor do Dep. de Com. Social da UFF, P1/1) em Antropologia pela Universidade do ixas, Aiistin e Rocklllcr Residem Fellow 2000-2001 no Cenier for Black Music Research, Chicago, EUA.

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O olhar etnográfico e a pesquisa emcomunicação: o trabalho de campo, as

clínicas evocativas e os fluxos cognitivos

Julio Cesar de Tavares*Universidade Federal Fluminense

67i?esiinio: A eIIIog?aia leio sido

considerada urna impoliante

te rranien la cai várias áreas depesquisa. Os t'siiidos ciii co/nu/lira-

ção deveriam utilizar estametodologia, mais frequentenie,ite, eCO!!! eia, abrir novas possibilidades

analíticas na iii vestigaçõo dosfenômenos que mediam os processos

culturais. Coni este artigo, eu/)/OCII 10 mostrai; ela oi raJuainenle,a uiiporlíncia de vive/leia!; consci-entemente, a experiência do trabalhode campo e nela perceber a forçadas ,iiediacões e das descobertas,iai.v como, o lugar do pesqurrador

diante de sua experiência no

trabalho de pesquisa, os processoso/calais de engajamento do pesqili-sador e as articu/açres entre ospi0ceV50.V si nbohicos e osco/lcxionirlaS com a realidade tiocaio pa.

A bstract: Ethiiographv lias beenconsideied as a ?'erv inipoiiaiit tool

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*profcssor do Dep. de Com. Social da UFF, P1/1) em Antropologia pela Universidade do ixas,Aiistin e Rocklllcr Residem Fellow 2000-2001 no Cenier for Black Music Research, Chicago,

EUA.

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No atual cenário do pensamento cultural e científico, comunica-ção reemerge menos como conceito e mais como um princípioorganizador do conhecimento e da lógica da vida. Resulta, daí, adefesa do fenômeno comunicacional como parte integrante daontogênese de toda inteligência (natural e artificial) e todo ser vivo,além de símbolo maior da nossa presença no mundo, pois, que, to-das as coisas e entes existem em função da comunicação, e, nada,sem ela, existiria (Hauser, 1998). Essa articulação torna a visão dofenômeno comunicacional um ente promotor da existência e, que,por isso, só pode ser capturado por um feixe de abordagens

68 multiteóricas e pan-disciplinares. Todavia, a despeito da defesa danatureza multipla e heteróclita do campo dos estudos da comunica-ção, muito pouco se discute sobre as técnicas, metodologias e postu-ras nas pesquisas em comunicação, residindo, aí, uma certa limitaçãoem relação as metodologias de pesquisas existentes'. Por isso, nestaoportunidade, interessa-me contribuir para o corrente debate em Co-municação, ao discutir os aspectos metodológicos da atividade depesquisa em comunicação, em especial, aqueles métodos desenvolvi-dos a partir do trabalho de campo e enfocados através de relatoetnográfico; interesso-me, sobretudo, em ressaltar os problemas rela-tivos à natureza subjetiva que envolvem o pesquisador, à produçãode objetividades, à consciência e ao 'fazer' etnografia. Neste caso, agarantia do entrelaçamento do contexto da pesquisa e o seu alvo deinvestigação com o investigador, se revelariam na trama que o obser-vador media, através de sua ação como pesquisador, e, por conse-guinte, através de o ambiente comunicativo, o objeto e o contexto dapesquisa que se criam e se alimentam da constituição desta trans-midiação. Deste modo, o que segue é o evento-cena que é evocadono relato etnográfico por intermédio de uma conexão narrativa queprocuraa representar aquela tessitura de situações; relato que trans-forma em texto a experiência de observar e de vivenciar formas devida (práticas e eventos culturais), os jogos de linguagem nelas ema-ranhados (seus sentidos, referências, códigos e inferências) e, porextensão, o respectivo contexto e o processo de descoberta.

Na pesquisa dos fenômenos da comunicação, a atitude que inter-roga-observa o modo pelo qual inferimos (e usamos) os materiaiscom os quais comunicamos integra o rol dos ingredientes que o pes-quisador utiliza para a identificação dos processos de produção e re-cepção das mensagens. Dito de outro modo, na análise dos proces-sos, meios e técnicas comunicacionais (seja sob o ponto de vista dacomunicação interpessoal ou social), o lugar que o pesquisador ocu-pa e o modo pelo qual ele se posiciona no trabalho de investigação,

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ambos, deveriam fazer parte do conjunto de materiais relevantes napesquisa em comunicação. Assim como, na constituição de seucorpus, a comunicação incorporou e, se mantém incorporando con-tribuições teóricas, com as mais diversas origens, também aetnografia, como técnica (ou metodologia) de investigação, deveriaser tomada de empréstimo da empresa antropolo gica, de onde evo-luiu, desde Bronislaw Malinowsky (1961), como instrumento depesquisa.

Etnografia, assim defendida, deve ser considerada urna técnicanarrativa com a finalidade de inscrever em texto, a experiência e aobservação adquiridas alravés do convívio direto com o ambiente

69comunicativo/contexto cultural que se investiga, bem como através,do distanciamento da vivência originária. E este estranhamento quepermite a formação do contexto psíquico do observador (Tyler1986, Geertz 1988).

A atividade etnográfica exige, acima de tudo, que o observadorexponencialize a sua capacidade perceptiva, fato que transforma otrabalho, em algo, extremamente, exaustivo, (visivelmentedemonstrável no stress que segue às intervenções no campo de pes-quisa, como nas entrevistas, observações, arquivos, etc.). Devido aesta exigência, o texto etnográfico resulta em permanente constru-ção, onde, sobretudo, a atenção, a memória, a criatividade, a emoçãoe o compromisso que marcam o experienciado (visualizado) consti-tuem-se em elementos fundamentais desta operação.

O trabalho de campo corno clínica psico-cultural: buscar o'Outro' e re-conhecer o 'Mesmo'.

A experiência etnográfica, restringiu-se, no meu caso particular,em inscrever em texto, as formas comunicativas identificadas no co-tidiano de comunidades da diaspora africana. Ao me lançar nestabusca almejava compreender o processo de comunicação, as estrutu-ras sociais cotidianas e as performances dos sujeitos-agentes naque-las comunidades. Adotei como caminho privilegiar os gestos, osmovimentos corporais, a relação dos objetos com o corpo, a força docorpo sobre a imagem, vis-a-vis a imagem que o corpo dos sujeitosprojeta no contexto, em sua dinâmica autopoética, como caminhosselecionados no intrincado jogo de linguagens não-verbais.

Na execução do projeto, estabeleci um firme compromisso emdesenvolver duas tarefas: primeiro, estabelecer, como foco orgânicono trabalho, as formas de afetos (ativos e reativos) e os movimentocorporais; segundo, examinar as minhas próprias respostas e reaçõesaos acontecimentos previsíveis e imprevisíveis no campo, atitude

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que condicionou a minha atividade, de tal maneira a transformá-laem um tipo específico de clínica. Emprego, aqui, o têrmo clínica, nosentido atribuído por Geertz (1988), para enfatizar as demandas queconstituem e produzem a experiência do trabalho de campo: objeti-vas subjetividades. Foi com esta atitude na clinica de minha experi-ência, que nasceram dois tipos de estados mentais: a intuição(sincronicidade) e a epifania. Estes dois estados da mente percorre-ram minhas atitudes e reflexões sem que uma agenda clara e definidaorientasse os pensamentos, apesar esforço do antropólogo, que emnome da objetividade, busca padrões e invariantes daquela experiên-

70 cia. Tais procedimentos mentais, conforme mencionei, se entrelaça-ram aos meus pensamentos para dirigir uma cadeia de fatos e aconte-cimentos que circunscrevem em rede a realidade em exame. Assim,não me restou outra saída, senão, perseguir o fluir dos eventos.

E, assim o fiz; ao me deslocar para Nova York, e lá residir porum período de tempo que me permitia compreender melhor o fenô-meno da comunicação e experimentar o olhar etnográfico. Nestaexperiência, fui norteado por dois grandes motivos. O primeiro, ba-seia-se na crença de que a presença negra africana no Ocidente deuorigem à uma comunidade imaginária, a diaspora africana, determi -nada, entre outros motivos, mas, sobretudo, pela revolução comerci-al promovida pela troca intercontinetal de mercadorias, em especial,especiarias e mão-de-obra escrava, desde o século XV. Porisso, ossinais e traços das heranças dos africanos na diáspora civilizacionalforam, cognitivamente, ordenados como cruciais componentes nosprocessos comunicativos, ou por força das práticas culturaisperformáticas ou por força da própria representação social. Não queos traços e sinais desse sistema sócio-semiótico sejam subprodutosessencialistas de natureza biológica e racial. Contrariamente, o antigosistema colonial, aparece como que regido por uma energia queamalgama a força dos legados culturais com a aprendizagem do vi-ver por novos caminhos no Novo Mundo; amálgama, que, todavia,gera um sistema de jogos de linguagens não-verbais que marca, toni-fica e opera como narrador das experiências coletivas da diásporaafricana; estas linguagens não-verbais, configuradas através do corpo(gestos e movimentos expressivos), objetos, imagens e sons, setransformaram em máquinas cognitivas e reforçaram o conceito denarrativa como o melhor veículo de aprendizagem entre os humanos.E, é neste contexto, que as rotas comerciais que penetraram o NovoMundo, se somaram às raízes ancestrais para, assim, definir aheteróclita cultura da diáspora africana.

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Em segundo lugar, urna outra crença também me impulsiona: afenomenologia, corri a qual compartilho o argumento que sustenta aidéia que, tanto o ponto de partida, como o destino de todoinvidivíduo no mundo são determinados, de um lado, por suacorporalidade, entendida como a constituição conjuntiva de naturezabio-psiquico-cultural e, por outro lado, por sua socialidade , isto é, acapacidade de produção de linguagem, símbolos e instituições parauso coletivo e compartilhados na esfera publica 2 E estecompartilhamento do conhecimento que define os camposintersubjetivos de um grupo e, re-enquadra, a concepção do mundo ea linguagem, como partes integrantes da identidade e da estrutura 71social. Nas minhas pesquisas, no entanto, inniição-swcronici(lade-e/,i/^mia deslizaram como situacões objetivas, conforme destacareiem duas cenas-eventos, a decisão teórica de olhar para a realidadecorno uma coleção de planos de irnanências, e submetê-los à óticados problemas encontrados no meu trabalho etnográfico, de maneiraque pudesse demonstrar corno estes planos se operacionalizam. Pro-curarei, abaixo, promover uma reflexão acerca dos procedimentosque nortearam a produção do material de pesquisa produzido duran-te os nove meses de convívio com os moradores do Harlem, o histó-rico bairro-cidade-negro-latino, no periodo de Julho-Agosto de 1995e Fevereiro-Setembro de 1997, em Nova York.

Evento-Cena 1 - Do modo afroarnericano ('bopping') de an-dar: notas a respeito da cultura-fisiológica corno atividadecognitiva

Ainda à procura de um caminho por onde eu pudesse começar omeu trabalho, decidi perambular pela Broadway, numa daquelas tar-des invernais de Nova York, quando o vento sopra como que lançan-do cortantes línguas afiadas, sob um céu cor -de-chumbo, com a luzdiurna em extinsão, quando ainda não são três horas da tarde. Foinesta caminhada que, nas proximidades da estação 72a. do Metrô,repentinamente, eu avistei um jovem negro, que, aproximadamente,deveria ter em torno de 27 anos, 1,70 de altura, 78 quilos, caminhan-do em direção àquela estação. Aquele negro, com aquela pele bempretinha, como se forrado de veludo estivesse, lembrou-me, imedia-tamente. 'Luminoso, o tinta-forte'— conforme o chamávamos - ocarismático líder de minha turma de infância no subúrbio de Ramos,quando aos nove anos de idade, ainda quando gozava do privilégiode não distinguir sonho de realidade. Incrível, pensei naquele mo-mento, quem diria que, aqui, caminhando na Brodway, pudesse en-contrar 'um outro' que iluminasse a imagem de 'Luminoso', há qua-

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renta anos empoeirada na gaveta de minhas memórias. E o mais in-crível, foi a imensurável velocidade com que aquele negro pedestreda Broadway trouxe-me, por um processo de inferência, a lembrançaque nem eu mesmo pensava ou sabia da existência dela. Da mesmaforma que os processos hiper-velozes de nossa máquina cognitivanos permite reavivar a memória, também, em frações de segundos,decidimos tomar decisões; e, foi o que eu fiz. Embora estivesse medirigindo na direção contrária, o forte sotaque corporal da figura mefez com que eu alterasse o trajeto da minha caminhada e, cuidadosa-mente, passasse a observar com atenção os seus movimentos de lo-

72 comoção, os seus gestos, a sua rítmica corporal. Quanto mais eu oobservava, mais atentamente percebia que o seu modo de andar co-municava alguma coisa não-verbal e inconsciente, fato que me em-purrava, cada vez mais, em direção à uma observação mais densa emtomo daquele jovem. Ao decidir segui-lo, para manter uma constan-te e consistente observação, entrei na estação 72a. do Metro, comoele também fizera, e, sempre atento para observar sem que fosse ob-servado. Adentro a plataforma e identifico um lugar para sentar-me;caminho na direção do espaço que existe naquele banco onde outrasduas pessoas já se encontravam; ao fazê-lo, assegurava a possibilida-de de continuar a leitura do livro de David Amstrong, enquantoaguardava o trem numero 2 em direção ao Centro. Minutos depois, otrem se aproxima, ritmicamente, do mesmo modo que DukeWellington descrevera em musica,na maravilhosa 'sinfoniajazzística', entitulada "Take the A Train" 3 . Ouvi aquele estridente einterminável ruído agudo, que, como um punhal, rasga a pesada at-mosfera subterrânea do metrô; era o ar descomprimindo e liberandoas portas de acesso; preparo-me para entrar no trem.Simultanemente, todas as pessoas que se encontravam na plataforma,maquinalmente, realizam o mesmo movimento e, prontamente, seaproximam da faixa amarela que indica a zona de perigo na platafor-ma; agora, todos encontram-se prontos para se acotovelar e forçar,como um aríete, o caminho contrário àqueles que deixavam e os quecongestionavam a porta do vagão. Após aqueles típicos vai-e-vem ealgumas idas e vindas, finalmente, consegui entrar no vagão. Dolado de dentro, consigo avistar algumas pessoas que, em vão, aindatentam ingressar no trem, agora quase lotado; do lado de fora, váriaspessoas se apressam para manter a porta aberta, e, com este gesto,facilitar a entrada de algumas outras pessoas; o trem parte. Embora,já com todos os lugares tomados, o trem não se encontra completa-mente cheio. Recomeço, então, o meu exercício de observação. Sobo alcance de minha visão, o jovem-negro ainda permanecia com o

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seu sólido sotaque no andar, mesmo ao se locornover no trem emmovirnetno. Minha persistência em observá-lo advinha da tentativade extrair alguma informação que me revelasse alguma coisa, sobum aspecto diferente, sobre 'as maneiras de andar'. Permaneço pró-ximo da porta traseira, no mesmo vagão onde ele se encontra, e vejoque ele conquistou uma posição melhor que a minha. Preocupo-meem camuflar o meu olhar, de modo a observar, tanto quanto fossenecessário os passageiros no carro. Curiosamente, enquanto niante-nho minha posição, duas jovens negras também observam, persisten-te e sutilmente, o alvo de meus olhares, dividindo conhigo o alvo deminha secreta investigação. Esta situação surpreende-me, e me fêzacreditar que o meu objeto de observação agora se multiplicava,pois, desde então, eu passava a observar também as moças que ob-servavam o meu objeto de observação; restava saber se mais alguém,além do leitor, pan-opticamente, observava-nos; nestes laços emara-nhados e sequenciados, multiplicavam-se, indefinidamente, cada vezmais se abrindo em um amplo horizonte de observadores de obser-vadores. No meio desta especulativa evocação, e, em meio ao desa-fio da concentração para que se retivesse ao máximo o que ocorria,verifico que a jovem mais próxima de mim, pronuncia umdiscretíssimo comentário à respeito do rapaz, fato que quebrou, com-pletamente, a minha atenção sobre a cadeia de l)rocedillieiitos que seefetuara, no reconhecimento do jovem negro. Redireciono a minhaatenção para a referida jovem, e ela, lentamente, vira a cabeça, con-torce o pescoço para se tornar mais próxima da amiga, e, elegante-mente, de uma maneira muito discreta, balbucia para a vizinha debanco:

- "Olhe só para ele. Esse deve ser um daqueles caras terrí-veis.....

Ao ouvir o comentário, a outra mulher moveu, suavemente, a ca-beça em direção à sua direita, e, como se agisse em câmara lenta, elaprojetou o seu olhar, nos olhos do jovem. Satisfeita com aquela vigo-rosa fração de segundos, ela volta-se para a amiga com os olhosquasi-cerrados, confirmando a silenciosa cumplicidade não verbalque, a sua expressão facial, nitidamente, terminara por conter numadose de cínico assentimento. Com a expressão facial fechada, a suaface revela uma expessão 'bicuda', com os lábios alongados como sefosse demonstrar uma expressão de insatisfação; ao mesmo tempo,ela cruza as pernas e pousa a sua mão direita sobre a sua mão esquer-da que segurava-lhe urna bolsa; olha para a amiga e, então, finalizan-do a construção daquilo que seria um complexo emblema corporal,

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—ali arquitetado pela sua "expressão gestual "; ela, então, ensaia umolho-a-olho com a colega, e, como que sugando os dentes, ela encer-ra aquela narrativa não-verbal emitindo um som bastante característi-co, que finaliza aquele gestus. Com certeza, que por mais que eutente, jamais poderei, aqui apresentar o volume de movimentos e acarga de intencionalidades inconscientes. Em busca do significadodesta expresão, obtive de uma das minhas consultoras a confirmaçãode que aquela expressão era bastante peculiar, especialmente, entreas mulheres negras, e que é encenada, automaticamente, em situa-ções de aversão, desafio ou desgosto por coisas, pessoas ou contex-tos. Com um discreto sorriso a rubricar este modelo de conversaçãogestual, a resposta da outra, aparecera como uma consciente confir-mação da emoção ali narrada não-verbalmente.

Essa cena, se mostrou como uma forte referência ao exame dasmaterialidades da comunicação não-verbal. E, é inteiramente possí-vel classificá-la como um evento-cena, já que é em situações demicrofísicas dimensões de performances e representações. Entre ou-tras que eu coletei, esta foi uma das mais poderosas situacões, devi-do a familiaridade que exercia para com outras práticas, atitudes,atos comuns entre negros fora da America. Talvez porque aqueleevento-cena possuísse um poderoso apelo iconográfico, que faz dasrotinas com aquele tipo de prática comunicativa, algo mais quesignificante entre os negros americanos, e os assegurava adquiriruma configuração performática, assim manifesta: o jovem com seu'modo de andar' revelando um tal sotaque, expressava uma forma deauto-estilização (1) tinha merecido comentários de dentro da comu-nidade, comentários capazes de mostrar-me que ele jamais seria ummarginal; (2) o ato de indicar com os lábios e a expressão de umruido bem singular; (3) as maneiras bem performativas de movimen-tação lateral com a cabeça. No conjunto, estes são exemplares tran-satlânticos que transitam e incorporam o cotidiano dos descendentesda Diáspora Africana. Mas, porque transaltlântico, se tais caminhosde significação, adquirem, no entanto, visíveis gotas de estilo regio-nal e pessoal, quando articulados ao perceptivo modo de andar e in-dicar com os lábios ? Ora, são estas variações que fornece-nos apossibilidade de pensar a respeito de 'gêneros' de incarnação ou in-corporação. Eu mesmo presenciei este processo de auto-representa-ção através do "caminhar" e do "fazer bico" no Brasil. A fala damulher ao sugerir em tom fortemente irônico, expresso através degestos como retorcer a boca e o nariz, e agindo como se estivessemdesdenhando o rapaz. Certamente que a fala da mulher emergiu

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como uma resposta à atitude do jovem, e assim, introduziu, paramim, uma questão de gênero. A atitude do rapaz pode representarum sigilo masculino indexicalizado com um sentido sepertencimento 'a gang' ou algum ameaçador ou ousado comporta-mento auto-defensivo. Eu não penso que ele ouvira ou percebera oscomentários das duas jovens, mas em todo caso, alguns minutos de-pois do ocorrido, ele decidiu mudar de vagão.

A cadeia de possibilidades que esta cena abriu, foi para mim al-gum coisa, absolutamente, interminável. Contudo, a cena apareceu-me, imprevisivelmente, como resultado da decisão de seguir o rapazque havia sido identificado, observando o que era possível de acon-tecer, enquanto, naive e desinteressadamente, capturando tudo querepresentasse corpos em conexão através dos afetos e movimentos,corno uma mente livre, leve e solta. E, esta imprevisíbilidade, não éuma condição paranormal, pelo contrário, pois ela existiu conscien-temente para mim, bem como ela não é um evento mágico, pelo con-trário, estas imprevisibilidades articulam, de fato, uma cadeia deintencional idades presentificadas como tomada de decisão e fruto deuma sincronicidade de eventos, encapsulados pelas inferências doobservador, eu-próprio, em articulação ao que fora capturado e aoque se esperava encontrar. Foi aquela imperceptível temporalidadeque conduziu a minha percepção do sotaque corporal do rapaz queme fez abrir um novo portal. Aquele movimento, corresponde auma fatia minimal de tempo, um intervalo tão pequeno quanto repre-sentativo de uma expressão qualitativa do tempo do acontecimentoemocionalmente experienciado. O imprevisível e o intuído por ex-tensão, passam a constituir um momento-movimento afetivo, cujacongruência projetou em mim um reconhecimento da articulação cii-tre movimento e emoção.

Evento-Cena 2 - Do ritmo como atividade inconsciente ecognitiva

O mais epifânico momento, no entanto, nesta jornada ao Harlem,ocorreu-me num ensolarado domingo, em uma Igreja protestante, emQueens, um dos cinco grandes distritos que constituem a cidade deNova York (os outros quatro são Manhattan, Staten Island, Brooklyne 'The Bronx'). Aquele domingo começou bem cedo, e, comestranhíssimas situações ocorrendo ao meu redor. Acordei, já atrasa-do, às 08:00 da manhã tendo ido dormir às 04:00. A culpa foi deum grupo musical cubano que, pela primeira vez, se apresentava nosEstados Unidos. Recomendado por amigos, compareci ao "SOB's",

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a casa musical que, permanentemente, concentra a sua programaçãono virtuosismo rítmico da cultura afro-latina, assegurando sempremaravilhosas apresentações de rumba, salsa, merengue, samba, axé-music, etc. Levantei-me aos troncos-e-barrancos. Rapidamente, mepreparei para o encontro às 09:00, quando seria apresentado ao pas-tor de uma Igreja, em Queens. Para não perder a carona de um dosmembros da Igreja, em uma viagem de carro que levaria cêrca de 50minutos de Manhatan, nem mesmo esperei o elevador. Desci corren-do os oito andares do prédio onde residi durante todo operiodo de1997, em frente a praça Marcus Garvey, no cruzamento da 5a. aveni-

76 da com a rua 120, o coração do Harlem tradicional. Contudo, nestapressa alucinada, e, em meio a uma avalanche de pensamentos, des-cuidei-me, e, por um instante, descoordenei-me, completamente, noexato momento em que me dirigia para a parte exterior do prédio;não deu outra, cai na rua. Errara o passo e pisara fora do último de-grau; o resultado foi que rasguei a calça da missa, na altura do joe-lho, quebrei os óculos, além de machucar o joelho. E tudo isso emuma fração de segundo. Ainda de quatro, olhei ao redor para confe-rir se alguém me observava—afinal, voces sabem como situaçõescorno estas são constrangedoras. Felizmente, me dei conta que nin-guém testemunhara o acidente. Recuperei-me, e, ainda mancando,retorno ao meu apartamento. No caminho, inesperadamente, encon-tro um dos zeladores do prédio, que, prontamente, se dispôs a inici-ar uma conversa à respeito do crescimento da população de ratos noedificio. Eu não o conhecia e ele agia como se já me conhecesse,fato que me fêz ouvi-lo, pacientementre; mas percebi que, devido oavançar da hora, eu teria que quebrar a conversa. "_Ok, meu irmão,nós deveríamos conversar a respeito deste assunto mais tarde, se nãolhe causar inconveniente. Eu estou indo para a Igreja, agora." Foi osuficente para que ele, imediatamente, tirasse as suas pesadas luvasde couro, se apresentasse e, em seguida, se despedisse. Minutosmais tarde, já estava de volta, no exato momento em que a minhacarona aportava o edificio. A caminho da Igreja, sentindo-me maisseguro e tranquilo ao retomar o ritmo dos acontecimentos, em con-versa com meu amigo, procurei, então, relatar a constelação de sur-presas, tais como tropeções, escorregões, roupa rasgada, ferimentos,quebra-de-óculos, conversas sobre ratos, e tudo mais, durante o cur-to espaço de tempo, entre o meu despertar e o nosso encontro. Omeu amigo respondeu: "_Relaxe, cara, isto é demais para um domin-go de manhã." Aliviado, eu olhei para o meu lado direito e,inacreditavelmente, vi um homem também tropeçando no meio-fio,e, caindo na calçada, quase que num re-play, do que havia aconteci-

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do comido há poucos minutos atrás. Surpreso, com o fato, eu dissepara o meu amigo que dirigia: "_ Você viii aquilo ?" Ele tentouolhar através do retrovisor e respondeu: " Nossa, aquele cara semachucou, e olhe só, ele esta tentando disfarçar." Voltando atençãopara a sua dianteira, e, sutilmente dirigindo um olhar de soslaio emminha direção, completou: ''_Cara, pare de atrair o diabo. Estáva-mos falando do seu tropeção e a gora acontece isto. Vamos mudar deassunto, caso contrário nos vamos bater com este carro".

Permanecemos calados durante toda viagem, até que finalmente,depois de quase uma hora de estrada, chegávamos ciii Queens. Eu-trei naquele Templo gigantesco e assisti à uma maravilhosa, emocio-nante e intensa cerimônia. Afinal, domingo é um momento unico nacomunidade negra americana, de norte a sul, da costa leste à costaoeste, onde à mesma hora, das nove às três, milhões de famíliasafroamericanas se reunem para orar e acompanhar os caminhos dacomunidade em um ritual repleto de ritmos, sons, e corpos em movi-mentos. O serviço terminou em torno de 1:00. Ao sair da Igreja, umdos fiéis veio ter comigo unia conversa, especialmente, por saberque eu era brasileiro, e que ali estava para conhecer e aprender umpouco da cultura comunitária afro-americana. Aquele senhor, quedeveria ter por volta de 60 anos, introduziu um tema muito interes-sante, que, de certa maneira, possuia uma forte sincronicidacle comos acontecimentos ocorridos naquela manhã. O assunto veio imedia-tamente depois que tessi alguns comentários a acerca do meu estadode êxtase, ao ver aquelas pessoas, entusiasticamente, na Igreja, can-tando, batendo palmas e dançando para Deus. Foi, aí. que eu trouxeà tona uni comentário que existe no Brazil: "_Eu não acredito numfiel não mexa, eu não creio em um Deus que não dance". Como res-posta, ele começou a falar, à cerca da importância do ritmo na comu-nidade afro-americana e ofereceu-me, literalmente, um dos mais for-tes argumentos, até então identificado em comunidades negras emNew York. Com uma incontestável simplicidade, ele segurou-mepelo cotovelo, e carinhosamente, aproximou seu corpo ao meu, edisse:

"Todos nós possuimos ritmo. Eu gosto de apreciar as pessoas an-dando e quando eu vejo as l)CSSOl5 negras andando, devo lhe re-velar, meu irmão, nós somos diferentes."

Ali estava uma afirmação surpreendente para mim. Mais do CIUC afala, proferida em sentenças, que, em si-mesma, encerram uiii senti-do por demais óbvio, a proposição ganhara uma força extraordinária,

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perlocucionária, somente devido ao peso da relevância que aqueletema, o ritmo, adquirira para mim, no decorrer de toda minha bio-grafia, em especial naquele domingo. Porisso, a proposição, possuiauma abrangência inimaginável e me projetava naquele instante, numnovo universo. Presente naquele jogo-de-linguagem, encontrava-seformulado também uma maneira de pensar e organizara vida e quepossuia uma intensa semelhança com o que eu, até então, presencia-ra no Brasil também. No mesmo instante em que ouvia as palavras eos comentários daquele senhor, um jovem casal negro, elegantemen-te vestido, passava na calçada, bem à nossa frente. Não perdendo a

78 oportunidade de incorporar ao que comentávamos, aquela evidência,e, como se quisesse construir emblemas metonímicos que suportas-sem suas idéias, o cavalheiro aponta para o casal e olha para mim, e,segurando-me afetuosamente pelo cotovelo disse-me (agregandocom este gesto, confidiência, confiabilidade, e gentileza: força doinconsciente cognitivo):

Filho, olhe para eles, olhe para como eles se movimentam gra-ciosamente como se estivessem dançando. E claro que eu estou fa-lando a respeito de alguma coisa mais ampla do que o ritmo musical.Eu estou me referindo a música de Deus, o ritmo da vida, algumacoisa que faz com que os negros sejam diferentes, por conhecer esseritmo da vida que salvou-nos do holocausto, e nos faz saber em pro-fundidade a respeito de Deus, porque nos conhecemos o ritmo"

Após esta explanação e demonstração, eu calei e transformei-me inteiramente em ouvinte. Toda e qualquer explanação possível jáestava lá, incorporada na fala do interlocutor. Era como se umteorema tivesse sido resolvido naquela exposição que articulava ges-tos, fala, imagens, objetos, contextos, emoções, bem como a experi-ência do interlocutor, para quem a proposição estava comunicando;tudo estava articulado aos acontecimentos da minha arritmica ma-nhã. Para um analista pós-moderno, esta seria uma típica fala conta-minada de argumento essentialista, pois o apriorísmo da abordagempós-moderna, não leva em conta a pragmática das proposições, eportanto não dá relevância ao seu uso, a sua função no campo dosenso comum. Aquele velho senhor afirmara um ponto de vista comautoridade de quem possui olhos críticos e poéticos além de agudahabilidade para observar os eventos domésticos e os comportamen-tos em sua arena, permitindo-lhe extrair das banalidades da experiên-cia cotidiana na vida comunitária, emoção e reflexão de baseontológica. Nascia, assim, ali mesmo, a minha consciência para pen-sar o ritmo, o que me levou a consciência da oportunidade em desen-

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volver uma análise e pesquisa sobre o ritmo. Na visão que o "vete-rano" membro da Igreja fazia do movimento, uma visão emocionaldo movimento, também iiitroduzia uma concepção de ritmo articula-da às noções como causalidade, intencionalidade e consciencia.

O Olhar Etnográfico: Evocação multi-media, Sincronicidadee Epifania

Até aqui, temos um duo de descrições que conduzem suas evi-dências em direção à uma cadeia de sincronicidades (ou, na lingua-(Yem de Wittgeinstein, familiaridades), que culminam em um mo-mento de epifania. Neste caso, o que tornou-se para iiiiiii, pioliicli-mente revelador foi o fato de verificar a composição real, no interiordo próprio ritmo, do lado oculto do seu vigor através da rítmica a-rilmia ciscardiana, constituída naquela experiência de umaensolarada manhã de domingo.

A cadeia pragmática de situações comunicativas, que se manifes-taram nas minhas des-coordenações, nos meus tropeços, nas quedas,no fortuito encontro com o zelador e sua conversa sobre ratos, naimagem de um 'desajeitado' que tropeçara quando de minha passa-gem, e, por fim, na minha conversa com um cavalheiro do círculodos fiéis, da Igreja em Quecns, todo este encadeamento conectouuma possível experência teórica. No meu caso, a ação etnográficacomeçou, como exercício de consciência constituida por "quadruploengajamento", onde encenam ( 1 ) o obseri'ador. (2) a ação do obser-vador em confronto/aliança com o seu (3)obserwido - O 'Oiam -e (4) o contexto, no qual, a experiência se realiza. E na transforma-ção desta relação, oh.reriwior-ação-observa(lo-contexto, (o mesmo-as ocorrências-o outro-ambiente comunicativo) cm um único ele-mento, que se opera a força consciente desta imbricação e se consti-tui a ação etnográfica. Ação etnográfica que é impregnada pelaconsciência da situação, numa atitude de atenção total e cuidado ab-soluto com o que circunscreve o evento, através de processos que, natextual ização, validem e verifiquem aquilo que torne o evento rele-vante. E. a partir desta ambiência que, cognitivamente, as condiçõesdo ser-estar-no-mundo se operacionalizam, naquele momentoliminar, dividindo ou multiplicando a experiência do dia-a-dia, emdiferentes camadas do passado, 1)resei —ite e futuro.

A prática etnográfica, assim intuída, aproxima o etnógrafo/pes-quisador da consciência da cognição ecológica ou da autopoética daconsciência, ao se admitir que a consciência se autoorganzia.Dirigida por fluxos de emoções, sentimentos e afecções, estacognição ecológica, envolve a prática etnográfica e conduz o pqw-

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sador à incorporar as aberturas e a participar com entregas no proces-so objetivo de produção de subjetividades e múltiplas textualidades.

Confirmam esta proposição os biólogos que investem em estudosde urna Biologia da consciência, como Humberto Maturana e Fran-cisco Varela (budistas e biólogos chilenos e que trabalham na áreadas ciências cognitivas). Desenvolvem suas idéias a partir da noçãode intuição e a respeito do venha ser a autopoética da fenornenologiabiológica, admitem que esta repouse nas concepções deinseparabilidade de um particular modo de estar no mundo daquiloque seria o modo pelo qual o mundo aparece como sugere Spinoza

80que nos diz que, todo o fazer é um conhecer e todo conhecer e ummodo de fazer.

É, esta condição de inseparabilidade que verificamos na atividadeetnográfica que defendemos. A ação etnográfica que acontece emondas comunicativas, em fluxos conduzidos por um processo intuiti-vo, intensamente, presente. Esta atividade requisita que o etnógrafotrabalhe, permanentemente, com a emoção, a qual implica em umato de entrega e de total recepção ao que é imperativo no trabalho decampo. Emoção que deve ser considerada e trabalhada comomaterialidade comunicativa, como registro de conhecimento, e, por-tanto, ela não é uma manifestação isolada no momento da açãoetnográfica. Como a vida cotidiana é a arena onde esta operaçãoocorre, com este tipo de experiência, o etnógrafo transforma-se noagente da ecologia transpessoal da comunidade, experiência que vaialém do que tem sido classificado, meramente, como estoque desímbolos, e, porisso, permitindo a conexão com uma inteligênciacósmica, condição global do ser. Experiência que transcende as fron-teiras do social, national e do cultural, e enuncia a possibilidade deurna clínica através da pragmática do trabalho de campo. Oetnógrafo e/ou pesquisador, na lida do campo, trabalha, conscienteou inconscientemente, com a intuição e com a emoção, tópicos quese explorados podem resultar no desenvolvimento da consciência dadimensão orgânica do ato intelectual. Assim como os biólogos queexploram urna biologia da consciência, poderemos explorar a cons-ciência de uma 'osmose afetiva' que ocorre durante o ato de conhe-cer; consciência da dimensão poética do imaginário, consciência deurna mente ecológica ou mesmo, a consciência de um pensamentoorgânico, parte do processo de conhecimento. Este caminho foi pio-neiramente instaurado, "etnograficamente", por Merleau-Ponty, comas suas noções e descrições das emoções corporais, sentimentos epensamentos orgânicos, através da analitica existencial-fisiologia.

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Este posicionamento não dicotômico, e sim, participativo da mente,engaja o corpo na realidade, e aborda a sociedade como acorporificação um ambiente comunicativo 5 com toda singularidade euniversalidade.

Este caminho de trabalho apresentado em eventos-cenas é umprojeto etnográfico de mente participativa, e que passo agora a exer-citar sua reflexividade, persegue, acima de tudo, um objetivo alémda prescrição disjuntiva e latidudinal da realidade, em formas objeti-vas e subjetivas, construindo um volume, um container metafórico; éum raciocínio bloqueado pelo edifício que o contém e que resulta na

81persistente redução da abordagem da realidade em formas dualistasde percepção. Neste modelo, que poderíamos ainda descrevê-locomo holístico-singular, nele, tôdas as estas possiblidades—tanto asobjetivas como as subjetivas, são compreendidas como 'plateaus',que definem urna dimensão ampla e plana, e, porconseguinte, remar-cam e redefinem o solo da experiência etnográfica para os argumen-tos que nela estão inscritos'. Trata-se de um fazer no campo queacasala os insights e os conecta às inferências sobre o que se analisa,ao invés de, somente, interpretar as simbolizações que representamos efeitos da alma e os afetos do corpo. Esta antropologia vitalista daexperiência do conhecer, parte do viver e evoca temas como intui-ção-epifania, conforme pude rapidamente demarcar na minha pró-pria experiência.

Muitos pesquisadores, incluindo alguns antropólogos (David-Floyd & Arvidson 1997), mostraram através de abordagensinterdisciplinares, que intuição (sincronicidade), não trata de nenhumfenômeno paranorrnal nem tampouco, um tipo de espiritualização defatos materiais'. Segundo eles, trata-se de um fenomeno físico defi-nido como uma 'acasualidade' que conecta - e redifica - o interi-or ao exterior dos eventos significativos através do sentido destesmesmo eventos (Mansfield 1996). Os avanços nesta área reforçamum dos mais instáveis pontos da semiótica de Pierce, isto é, o estudodas categorias dos sistemas da primeiridade, as quais.,refe •ei-se aosentimento, a emoção e, à condição de um "pode-ser", conforme elepróprio, colocava. Compromissada com uma reflexão consciente daatividade cognitiva, a experiência etnográfica, desta maneira, trans-forma-se, em uma análise ecológica, que centra-se no ambiente co-municativo, ou seja, nas coalisões e confrontos de afetos e movimen-tos. E este o fato novo que a ciência cognitiva, a biologia e a psico-logia evolucionária nos revela nas descobertas a cerca do corpo do

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observador em comunicação nos mundos observados, do interiorespara o exteriores'. Comunicação, portanto, aborda-se sob o ponto devista ecológico, como fenômeno e ferramenta cognitiva que alavancaa nossa consciência para alertar a captura de das conexões dos múlti-plos mundos que vivemos.

ConclusãoNesta exposição eu tentei demonstrar que o trabalho de campo me-

rece ser valorizado como um momento da consciência e que o pesqui-sador/etnógrafo, deve permanecer em cuidadoso alerta e aberto para

82 ser sensibilizado por esta experiência, não como uma banalidade turís-tica, ou, como um estupro do exótico, mas como uma intervençãoperformática de um semioticista-poeta-viajante no interior e entre cul-turas. Penso que o(a) pesquisador-etnógrafo poderia transformar-se,quando em trabalho de campo, em um(a) evocador(a) multi-mídia daspossibilidades inferênciais, que possam se enquadrar com as traduçãode suas experiências em textos culturais.

Um outro aspecto que eu pretendi demonstrar é que a intuição(siricronicidade) epifania são efetivas ferramentas para a comunica-ção ecológica do etnógrafo e que deveriam, efetivamente, ser incor-poradas e desenvolvidas por pesquisadores, devido ao alto nível deatenção e consciência que, ecologicamente, operam-se através da ex-tensão consciente de nossa subjetividade perceptiva em umdetermidado ambiente comunicativo. Reconhecendo o papel da in-tuição e da sincronicidade como fortes componentes do processo deconhecimento, esta experiência poderia abrir para os antropólogos aoportunidade de realizar uma contribuição significativa para o desen-volvimento dos estudos da consciência. A descoberta e apreciaçãode uma mente ecológica preparará futuro pesquisadores de campopara a compreensão holísticas e pós-humanísticas das formasglobalizadas de conexões' entre socialidades e percepções que ultra-passem as meras simbolizações do paradigma representacional.

Notas

1 É importante frisar que as metodologias linguísticas, a análise dodiscurso e a analítica semiótica se constituiram em sólidos mode-los nas pesquisas em comunicação.

2 Assim, associo-me a pensadores que desenvolveram a crítica à liii-guagem na esperança que esta critica enfatizasse o re-conheci-mento das intencionalidades, que, por vezes, nos permite identifi-car - a despeito das diferenças entre os grupos analizados -

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/nnilias de semelhanças emergindo por toda a estrutura social,através de atos de fala, dos atos linguísticos evocados, ou ainda,por intermédio da própria relevância com que OS atos comunicati-vos se manifestavam, sem que jamais abandonassem a sua condi-ção corporal, mesmo quando se manifestani na condição de fenô-menos mentais. Refiro-me, particularmente, à tradição ensejadapela pragmática de Wittgenstein, Mead, Ryle, filósofos que apre-sentaram um caminho alternativo às abordagem deterministas dospsicólogos e biólogos, e, ao mesmo tempo, contribuiram parauma guinada na compreensão dos fenômenos culturais comotos sociais, cognitivos e comunicativos, simultaneamente. Por ou- 83ti-o lado, existe também nesta mesma direção, uma tradição de fi-lósofos que como Merleu-Ponty, Husserl, Ricouer, traduzem assuas experiências com a linguagem como instrumento de avançona compreensão dos fenômenos mentais e como uma nova chavepara os caminhos analíticos do cotidiano.

3 Take The A Train, Disc 1, Track 7, iii Ellington At Newport. 1956(Complete), ColumbialLegacy. February, 1999. Recorded iiiPerformance at the American Jazz Festival at Newport. R.L. ouJuly 7, 1956.

4 Conforme e a interpretação de Deleuze da obra de Spinoza. Pode-mos identificar em Baruch de Spinoza, a defesa de uma radicalantropologia pragmática e filosófica, baseando-se na idéa de queo corpo e a mente são uma e a mesma coisa concatenadas emações nas quais ambas se integram numa mesma escala, do mes-mo modo que o corpo e a mente se encontram integradas. Destemodo que o ato de interagir e o ato de compreender não são capa-zes de existir separadamente. As conexões destes processos, naspalavras de Spinoza, são alcançadas através dos afetos e de Deus,que é o próprio amor que reside em nós. Com esta leitura e,este caminho, as unidades do conhecimentos não são PUi1S pio-posições, e, sobretudo, atos humanos reduzidos à condição de

O modelo que esta antropologia da praxis ofereceentende o corpo como uni conjunto de atributos formados pelosafetos e movementos, e, deste modo pressupõem que a existênciade corpos, mentes e individuos repousa em um campo deimanência definido pela cinestesia e atributos afetivos.

5 Assim denomino, numa alusão ao etólogo, biólogo e semioticistaJacob von Uexkull e ao antropólogo Lucien Levy-Bruhl. O p

-meiro, em suas experiências pioneiras sobre biologia da consciên-cia, desenvolveu a teoria do Umwelt, um organismo que nos cir-

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cunscreve e que é possuidor de qualidades subjetivas. Unwelt,procura significar "o universo subjetivo significante". Uexkull,caracterizou o fenômeno do Unwelt, examinando o comporta-mento dos animais que envelopam, em redes de signos, o ambi-ente que o envolve, para aumentar o sistema de auto-defesa, namedida que os sinais externos são percebidos através de significa-dos subjetivos e acessados apenas pelos sujeitos neles codifica-dos. Um exemplo de Unwelt estaria no sonor do morcego, que,mesmo após ser cientificamente identificado, este sonar só serádecoficado, se inferido e acionado pelos equipamentos cognitivos

84 do morcego; portanto, isto quer dizer que somente o morcego écapaz de dizer de si mesmo, pois o Unwelt é um dos componen-te que aciona a atividade participativa da mente com a relativida-de envolvente. O segundo pensador é Levy-Bruhl, antropólogofrancês que desenvolveu a idéia de relatividade cognitiva ao pos-tular que a lógica que nós validamos em nossas descrições demundo, não pode ser considerada como universal, mas pelo con-trário, esta lógica é uma função de nossas imediatas circunstânci-as tecno-ambientais, de nossas particularidades linguísticas, e denossas heranças ideológicas, e porisso, nenhuma lógica é superiorà qualquer outra. Todavia, dado à ambiguidade do seu trabalho,Levy-Bruhl fora considerado etnocêntrico. O aspecto central doseu trabalho foi edentificar que as comunidades não-ocidentaisoperam regras lógicas da não-contradição, sendo portanto anti-aristotélicas, e porisso, possuindo regras e principios próprios queconduziam ao conhecimento, a partir da união do objeto com oconhecimento, participando com, e não em contradição com oobjeto do conhecimento.

6 Em muitos outros campos de pensamentos, este caminho encontracontinuidade, tanto no ocidente como no oriente, em tendênciasque se fortalecem no século XX, na corrente de Wittgenstein esua ideia de gramatica, formas de vida e jogos de linguagem; sejacom George Mead em sua filosofia da ação baseada na comu-nicação gestual; seja com Merleau-Ponty - e sua noção de pen-samento organico, ou ainda seja, especialmente, com Deleuze,quem mais refinadamente elaborou as ideas de afectos e planosde consistencia como os pontos fortes de sua filosofia virtual.

7 Intuição sempre foi um tema recorrente nas pesquisas de comuni-cação interpessoal, seja de Simmel à Mafesoli, seja de Mead àGoffmann. Um tópico tratado como um fenômeno que apontapara a compreensão da realidade através da ação do que

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poderiamos denominar de razão sensível ou a própria experiênciapessoal de interferir durante as ocorrências em pesquisas de caiu-p0. Infelizmente, antropólogos raramente consideram a intutiçãocomo parte do processo de consciência e, nem tampouco, parteimportante da experiencia. Contrariamente, devido ao prevalentesubjetivismo do paradima antropologico, intuição tem sido consi-derada corno uma expressão do processo de significação.

8 ver Ponty 1963; Gibson 1950, 1966, 1979; Damasio 1994

9 O uso que faço do termo conexão esta relaciona-se à concepçãoconexionisla de construção dos processos cognitivos ou, como

85também é conhecido, processo de distribuição paralela. O usoque os filósofos da mente fazem do conexionismo, vem consoli-dando uma explanação das performances cognitivas, através denoções traduzidas nas idéias de redes e networks, iniportante me-táforas para abordar o processo de construção do conhecimento eda consciência. O principal objetivo que esta modelagem do pro-cesso de conhecimento tem apresenta é uma arquitetura cognitivaque contém dois aspectos fundamentais: o controle motor e acompreensão linguística. O desafio conexionista introduz impli-cações de ordem epistemológicas, pois, o argumento que osconexionistas sustentam, explica cognição (ou construção doconecimento) como o resultado da estocagem de proposições eexperilncias, que, dinamicamente se conectam com as regras ló-gicas, as experiências corporais e as atividas da imaginação(Dennet 1991, Clark 1989, Rumeihart et ai. 1986, Rosch 1975).Desta maneira o conhecimento, acrescentam os conexionistas,não resultaria, exclusivamente, de uma manipulação de símbolos,conforme defende a visão representacional e cartesiana da socie-dade. A abordagem conexionista, embora bastante multifacetadae com inúmeros posicionamentos que se extendenu da filosofiaanalitica até a fenomenologia pontiana, estabelece um paradigmanovo que entra em confronto e competição com o paradigmarepresentacionai. Numa era como a que vivemos, onde conceitoscomo rede e virtual invadem o nosso cotidiano, as oportunidadespara este novo paradigma são, realmente, promissoras, especial-mente se se consideram os grandes resultados que este modelo depensar tem imprimido no desenvovimento da inteligência artifici-al e na identificação de traumas causadores de alterações em pro-cessos mentais, confome a sua aplicação nas neurociênciascognitivas

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