A ABORDAGEM BILÍNGÜE E O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DOS … · DOS SURDOS: UMA ANÁLISE...

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MARIA EMÍLIA MELO TAMANINI ZANQUETTA A ABORDAGEM BILÍNGÜE E O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DOS SURDOS: UMA ANÁLISE PSICOGENÉTICA Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática da Universidade Estadual de Maringá, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática. Orientadora: Profª Drª Clélia Maria Ignatius Nogueira Co-orientadora: Profª Drª Regina Maria Pavanello MARINGÁ 2006

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MARIA EMÍLIA MELO TAMANINI ZANQUETTA

A ABORDAGEM BILÍNGÜE E O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DOS SURDOS: UMA ANÁLISE PSICOGENÉTICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática da Universidade Estadual de Maringá, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática.

Orientadora: Profª Drª Clélia Maria Ignatius Nogueira Co-orientadora: Profª Drª Regina Maria Pavanello

MARINGÁ 2006

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MARIA EMÍLIA MELO TAMANINI ZANQUETTA

A ABORDAGEM BILÍNGÜE E O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DOS SURDOS: UMA ANÁLISE PSICOGENÉTICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática da Universidade Estadual de Maringá, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática.

Aprovado em

BANCA EXAMINADORA

Profª. Drª. Clélia Maria Ignatius Nogueira Universidade Estadual de Maringá - UEM

Prof. Dr. Adrian Oscar Dongo Montoya Universidade Estadual Paulista - UNESP

Prof. Dr. Luciano Gonsalves Costa Universidade Estadual de Maringá - UEM

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À mãe-professora-pesquisadora, por acreditar no meu trabalho,

compartilhando comigo mais esta caminhada na

educação de surdos.

Aos meus pais, Juliano e Madalena,

pelo incentivo.

Aos surdos protagonistas desta história.

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AGRADECIMENTOS

É tão bom poder agradecer às pessoas que comigo compartilharam na construção

do mestrado, mas considero uma tarefa difícil, pois posso esquecer alguém.

O primeiro agradecimento a Deus, por ter direcionado os passos em toda a minha

caminhada.

À orientadora, Drª Clélia Maria Ignatius Nogueira, um agradecimento especial,

primeiramente pela mestra que é, deixando marcas na minha vida pessoal e

profissional, e pela maneira de conduzir esta orientação, compartilhando comigo de

um ideal para a educação de surdos.

Aos professores Dr. Adrian Oscar Dongo Montoya e Dr. Luciano Gonsalves Costa,

pelas contribuições e sugestões valiosas por ocasião do Exame de Qualificação.

Pai e mãe, o meu muito obrigada; vocês souberam mostrar o caminho da força

interior e da persistência para alcançar meus objetivos.

Ao Luís, companheiro de todas as horas, pois soube ser sempre importante em

minha vida.

À filhinha Maria Luísa, perdão pela ausência nesses dois primeiros anos da sua

vida; mas foi também por você que realizei esta caminhada.

Aos irmãos Júlio e Carlos e suas famílias, pelo apoio e solidariedade.

Aos adolescentes surdos, em especial aos participantes desta pesquisa e suas

famílias, obrigada pela contribuição fundamental na realização desta dissertação.

Às professoras Edna de Lourdes Machado, Marta Belinni e Regine Maria Pavanello,

pela atenção e boa vontade oferecida.

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Aos professores do PCM, que me ajudaram a pensar novas maneiras de olhar a

Educação.

Aos meus colegas de turma, em especial a Magda, Fábio e Lucilene, que, com seu

companheirismo, compartilharam comigo os melhores e piores momentos desta

caminhada.

À Vânia, secretária do programa do PCM, que, com sua grande disposição, sempre

facilitou nossa vida de aluno.

A todos da ANPACIN, que são tão especiais na minha formação profissional: Yara,

Ana Dalva, Mari, Alexandra, Luzia, todos os 40 professores, os 5 profissionais

surdos; os 118 alunos; as 2 fonoaudiólogas, os 2 secretários e os 5 profissionais do

serviço geral; a vocês meu muito obrigada pela acolhida como pesquisadora e o

auxilio na realização deste trabalho.

Aos meus amigos, em especial Maria José, Maria das Graças, Deborah, Patrícia,

Neusa, Sandra, Ana, Elisângela, Alice, Gislaine e Marcos: cada um, a seu modo,

soube se fazer presentes em horas importantes.

Ao casal de professores Carla e Valdeni, pelo exemplo profissional e incentivo.

Ao meu grupo de estudo de educação matemática, GIEPEM, por ter proporcionado o

crescimento profissional.

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RESUMO

Com base na teoria piagetiana, este trabalho objetivou investigar o desenvolvimento

cognitivo dos adolescentes surdos educados numa abordagem bilíngüe e comparar

os resultados com os de uma outra pesquisa realizada em 1996 com surdos

educados numa abordagem oralista, cujos os resultados apontaram uma

defasagem cognitiva de cerca de 2 anos em relação aos ouvintes de mesma faixa

etária (12 a 14 anos). Para a consecução da pesquisa, foram realizadas seis provas,

que identificaram o pensamento operatório concreto (a prova de inclusão de classe,

as provas de conservação: de objetos descontínua, de líquido, de peso, de volume,

de área), e duas provas para o pensamento formal (flutuação de corpos e

quantificação de probabilidades), junto a um grupo de 11 adolescentes surdos, com

idade entre 12 e 14 anos e que há pelo menos sete anos eram educados numa

abordagem bilíngüe. Os resultados mostraram que os surdos da pesquisa atual

possuem um vocabulário melhor em relação aos sujeitos da pesquisa anterior e

também um conhecimento escolar (grau de escolaridade) superior, porém esses

avanços não se traduziram num desenvolvimento cognitivo maior. Isso nos levou a

investigar como se processam as trocas simbólicas destes adolescentes, com a

intenção de fornecer indicativos para uma atuação pedagógica mais eficaz.

Palavras-chave: Surdez. Psicologia Genética. Bilingüismo.

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ABSTRACT

Based on Piaget's theory, this work aimed to investigate the cognitive development of

deaf teenagers educated in a bilingual approach and to compare the results with

1996 research where they were educated in an oral approach, which showed a

cognitive devaluation about two years compared to sound students with the same

age (12 to 14 years). For this research were made six tests that identify the concrete

concerning (the inclusion class test, the conservation tests: discontinue objects,

liquid, weigh, volume, area) and two tests for formal concerning ( bodies flotation and

probabilities quantification) with a group of 11 deaf teenagers, aged among 12 and

14 years old and that for up seven years were educated in a bilingual approach. The

results showed that deaf of the present research have a better vocabulary than ones

of last research and also a higher academic understanding (school degree), in spite

of no translation in a bigger cognitive advance. This fact, take us to investigate how is

the process of symbolic changes of this students, with the intention to provide

indicatives for a pedagogical performance more efficient.

Keywords: Deafness. Genetic Psychology. Bilingualism.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Padrão ANSI (1969).........................................................................

52

Quadro 2 Padrão Devis e Silvermann ............................................................

52

Quadro 3 Descrição dos dados pessoais do adolescente surdo ....................

68

Quadro 4 Roteiro realizado para obter dados sobre a escola..........................

70

Quadro 5 Roteiro realizado para obter dados iniciais sobre os alunos............

70

Quadro 6 Prova da conservação de quantidades descontínua I.....................

73

Quadro 7 Prova da conservação de quantidade descontínua II......................

74

Quadro 8 Prova da conservação de quantidades contínua com líquido.........

76

Quadro 9 Prova da conservação de substância.............................................

77

Quadro 10 Prova de conservação de peso.......................................................

80

Quadro 11 Prova de conservação de volume...................................................

81

Quadro 12 Prova de conservação de área........................................................

84

Quadro 13 Prova de inclusão de classe............................................................

86

Quadro 14 Prova de probabilidade....................................................................

88

Quadro 15 Roteiro da entrevista com os pais....................................................

96

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LISTA DE TABELA

TABELA 1

Níveis de respostas frente às provas de conservação .................... 63

TABELA 2

Níveis de respostas frente à prova de inclusão de classes............. 63

TABELA 3

Níveis de respostas frente à prova de flutuação de corpos............. 64

TABELA 4 Níveis de respostas frente às provas de conservação ...................

. 102

TABELA 5 Níveis de respostas frente à prova de inclusão de classes............

110

TABELA 6 Níveis de respostas frente à prova de flutuação de corpos.............

111

TABELA 7 Níveis de respostas frente à prova de quantificação das

probabilidades..................................................................................

113

TABELA 8 Níveis de respostas frente às provas de conservação realizadas

nas duas pesquisas..........................................................................

131

TABELA 9 Níveis de respostas frente às provas de inclusão de classes

realizadas nas duas pesquisas........................................................

134

TABELA 10 Níveis de respostas frente às provas de flutuação de corpos

realizadas nas duas pesquisas........................................................

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LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS

ANSI American National Standards Institute

CES Centro de Estudos Supletivos

DA Deficiência auditiva

DM Deficiência Mental

F1 Mãe 1

F2 Mãe 2

F3 Mãe 3

F4 Mãe 4

F5 Pai 5

F6 Mãe 6

F7 Pai 7

FENEIS Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos

LIBRAS Língua Brasileira de Sinais

L1 Primeira Língua

LS Língua de Sinais

P Pesquisadora

S Sujeito

S1 Surdo 1

S2 Surdo 2

S3 Surdo 3

S4 Surdo 4

S5 Surdo 5

S6 Surdo 6

S7 Surdo 7

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S8 Surdo 8

S9 Surdo 9

S10 Surdo 10

S11 Surdo 11

SEED – PR Secretaria de Estado da Educação do Paraná

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1 SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................... 15

1 A EDUCAÇÃO DE SURDOS E NOSSO PERCURSO PROFISSIONAL 18

2 O APORTE TEÓRICO.............................................................................. 39

2.1 ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS DA TEORIA DE PIAGET................... 39

2.2 OS ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO.............................................. 43

2.2.1 O período sensório-motor...................................................................... 45

2.2.2 O nível pré-operatório............................................................................ 46

2.2.3 O período operatório concreto.............................................................. 48

2.2.4 As operações formais............................................................................ 49

2.3 A LINGUAGEM E O PENSAMENTO DOS SURDOS............................. 51

2.3.1 A surdez................................................................................................... 51

2.3.2 As pesquisas........................................................................................... 53

2.3.2.1 As pesquisas no Brasil.............................................................................. 54

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS................................................. 66

3.1 TIPO DE PESQUISA................................................................................ 66

3.2 OS SUJEITOS.......................................................................................... 66

3.2.1 Os surdos................................................................................................ 67

3.2.2 Os pais..................................................................................................... 69

3.3 A INVESTIGAÇÃO.................................................................................... 70

3.3.1 Organização escolar............................................................................... 70

3.3.2 As provas................................................................................................. 71

3.3.2.1 Conservação............................................................................................. 72

3.3.2.1.1 Conservação de quantidades descontínuas I........................................... 73

3.3.2.1.2 Conservação de quantidades descontínuas II.......................................... 74

3.3.2.1.3 Conservação de quantidades contínuas com líquido............................... 75

3.3.2.1.4 Conservação substância.......................................................................... 77

3.3.2.1.5 Conservação de peso............................................................................... 79

3.3.2.1.6 Conservação de volume........................................................................... 81

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3.3.2.1.7 Conservação de área............................................................................... 84

3.3.2.2 Operações lógicas.................................................................................... 85

3.3.2.2.1 Operação lógica: Inclusão de classes...................................................... 85

3.3.2.2.2 Operação formal: Quantificação da probabilidade.................................... 87

3.3.2.2.3 Operação formal: Flutuação de corpos..................................................... 93

3.3.2.3 Sistema de transcrição da libras............................................................... 95

3.3.3 A entrevista com os pais........................................................................ 96

4 RESULTADOS DA PESQUISA EXPERIMENTAL.................................. 98

4.1 CARACTERÍSTICA DA ESCOLA ............................................................ 98

4.2 RESULTADOS DAS PROVAS................................................................. 101

4.2.1 Conservação............................................................................................ 102

4.2.1.1 Conservação de quantidades descontínuas............................................. 102

4.2.1.2 Conservação de quantidades contínuas: de líquido................................. 103

4.2.1.3 Conservação de quantidades contínuas: de substância.......................... 105

4.2.1.4 Conservação de peso............................................................................... 106

4.2.1.5 Conservação de volume........................................................................... 107

4.2.1.6 Conservação de área................................................................................ 108

4.2.2 Operação lógica...................................................................................... 109

4.2.2.1 Operação lógica: Inclusão de classes...................................................... 109

4.2.2.2 Operação formal: flutuação de corpos...................................................... 111

4.2.2.3 Operação formal: quantificação da probabilidade.................................... 113

4.3 AS ENTREVISTAS COM OS PAIS.......................................................... 115

4.3.1. Abordagem sobre a surdez.................................................................... 115

4.3.1.1 O diagnóstico, a etiologia e a reação em relação à surdez...................... 116

4.3.2. A interação: familiar, social e escolar................................................... 119

4.3.2.1 Atividades que meu filho realiza............................................................... 120

4.3.2.2 A comunicação......................................................................................... 121

4.3.2.3 A LIBRAS na vida do meu filho................................................................. 124

4.3.2.4 Os sonhos e o futuro................................................................................. 125

43.2.5 A escola.................................................................................................... 126

5 CONFRONTANDO OS DADOS DA PESQUISA..................................... 129

5.1 OS SUJEITOS.......................................................................................... 129

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5.2 OS PESQUISADORES............................................................................. 130

5.3 AS PROVAS............................................................................................. 131

5.3.1 Conservação............................................................................................ 131

5.3.2 Operação lógica...................................................................................... 133

5.3.2.1 Operação lógica: Inclusão de classe........................................................ 133

5.3.2.2 Operação formal: flutuação de corpos...................................................... 134

6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS......... 137

REFERÊNCIAS........................................................................................................ 142 APÊNDICES........................................................................................................... 146APÊNDICE A. ........................................................................................................ 147

APÊNDICE B......................................................................................................... 148

APÊNDICE C........................................................................................................ 149

ANEXOS................................................................................................................ 150 ANEXO A............................................................................................................... 151

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INTRODUÇÃO

Quando o pensamento científico e filosófico dominante em uma determinada cultura inicia um

certo caminho, os pensadores da geração seguinte retomam o fio condutor iniciado por

aqueles, seja para continuá-lo ou para opor-se - nesse caso devem demonstrar sua invalidade –

mas, de qualquer maneira, não podem esquivar-se dele e da influência que exerce em seu

próprio pensamento. MARIMÓN

O contato com os surdos é uma experiência no mínimo curiosa. À primeira vista, os

sentimentos que afloram possuem características pejorativas e de espanto, como

quando dizemos: “coitado, ele é surdo” ou “ele fala!”. Entretanto, o convívio com o

surdo ou com um grupo de surdos permite que se lance um novo olhar sobre eles,

um olhar sobre as semelhanças e diferenças. Percebe-se que, ao mesmo tempo que

os consideramos tão diferentes, somos, ouvintes e surdos, tão parecidos!

Este contato com o surdo e o estudo sobre a surdez faz-nos despertar algumas

indagações, como, por exemplo: “Se quando penso, falo comigo mesma, como

pensa o surdo?”

E foi compartilhando dessa e de outras indagações que realizamos a proposta de

investigar o desenvolvimento cognitivo dos adolescentes surdos educados numa

abordagem bilíngüe e comparar os resultados encontrados com os dados de uma

outra pesquisa realizada com surdos educados numa abordagem oralista; com as

duas investigações tendo como pressupostos teóricos a teoria piagetiana.

A pesquisa tencionou também:

• Identificar as trocas simbólicas que existem entre os adolescentes e o meio,

em geral, e com seus pais e familiares, em particular.

O presente estudo partiu dos resultados de duas pesquisas realizadas com crianças

surdas educadas segundo a abordagem oralista e que objetivavam analisar, sob o

enfoque da psicologia genética, o desenvolvimento cognitivo dessas crianças.

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Na primeira pesquisa de Nogueira e Tito (1989), realizada com crianças surdas de

idade entre 4 e 6 anos, os resultados não indicaram defasagem significativa no

desenvolvimento cognitivo, em relação às crianças ouvintes.

Na segunda pesquisa de Nogueira e Machado (1996), realizada com adolescentes

surdos de idade entre 12 e 14 anos, os resultados apontaram para uma defasagem

de cerca de 2 anos em relação aos ouvintes de mesma faixa etária.

As pesquisadoras ficaram, na época, impedidas de concluir se a educação na

abordagem oralista contribuía para esta defasagem, por não existirem sujeitos na

mesma faixa etária, na cidade de Maringá, educados numa abordagem que

privilegiasse a LIBRAS.

Passados quase dez anos da última pesquisa, a educação de surdos no Paraná, e

mais especificamente em Maringá, vive nova realidade, tanto no que se refere à

concepção que se tem do indivíduo quanto ao seu contexto escolar.

A grande mudança é conseqüência do reconhecimento da LIBRAS, (Língua

Brasileira de Sinais) como primeira língua dos surdos. Desta forma, hoje existem

sujeitos que, há pelo menos sete anos, estão sendo educados numa abordagem

bilíngüe, o que possibilitou verificar a questão levantada.

Este texto está desenvolvido em seis capítulos.

O primeiro capítulo, A educação de surdos e nosso percurso profissional, enfoca, em linguagem narrativa, o contexto histórico da educação de surdos

relacionada com a pesquisa bem como os motivos que nos levaram a desenvolvê-la.

No segundo capítulo, que denominamos de O Aporte Teórico, justificamos a nossa

opção por Piaget, e discorremos sobre pesquisas com surdos, considerando

diferentes aspectos da teoria piagetiana, mas que nas suas conclusões apontam

caminhos convergentes.

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No capítulo terceiro, Procedimentos Metodólogicos, especificamos os sujeitos da

pesquisa e a metodologia adotada.

No quarto capítulo, intitulado Resultados da Pesquisa Experimental, apresentamos a análise parcial dos dados coletados, com divisão em três temas: o

primeiro tema apresenta a escola na qual a pesquisa foi realizada; o segundo trata

das provas realizadas com os adolescentes surdos educados numa abordagem

bilíngüe e o terceiro relata a entrevista com os pais desses adolescentes.

No quinto capítulo, Confrontando os Dados das Pesquisas, cotejamos os

resultados das provas piagetianas realizadas nesta pesquisa com uma outra

desenvolvida em 1994, onde foram aplicadas as mesmas provas a surdos educados

numa abordagem oralista.

No sexto e último capítulo, Discussão dos resultados e Considerações Finais,

discutimos os dados dos resultados encontrados e procuramos apontar

contribuições do nosso estudo para a educação de surdos.

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1 A EDUCAÇÃO DE SURDOS E NOSSO PERCURSO PROFISSIONAL

Meu discurso é o lugar de encontro de vozes milenares. Quantas vozes o povoam? Dezenas, centenas, milhares...

De que tempo? De todos os tempos. De que verdades?

De todas as verdades e meias-verdades. FERNANDES

Após muitas reflexões, decidimos apresentar este capítulo em forma de narrativa,

sempre com a atenção voltada nestes enfoques: a) o contexto histórico da educação

de surdos relacionada com a pesquisa; b) os motivos que nos levaram a desenvolver

a pesquisa.

Implicitamente, este capítulo auxiliou nas reflexões da conclusão da pesquisa, pois,

apesar de o discurso apresentado ser a história de vida de uma profissional, reflete,

de certa maneira, a concepção dos profissionais envolvidos com a educação

especial vigente.

Ao mostrar a trajetória histórica, procuramos apresentar dados levantados na

pesquisa de campo inicial.

Como ponto de reflexão inicial, considero importante ilustrar com um pouco da

história da educação de surdos.

Na Europa, existe uma longa história da surdez, muito interessante. Com um rápido passar de olhos na história da surdez, percebemos que estamos no mesmo ponto em relação ao ano de 1970, na França. É como uma história circular: aparece a língua de sinais na escola e é proibida; então aparece a língua oral, que fracassa; recomenda-se a língua de sinais; pergunta-se se serve ou não; os surdos se reúnem entre si, os ouvintes de outras filosofias também e a proposta é que se tem que começar com a língua oral, retoma-se e volta-se ao mesmo ponto (ALISEDO, 1994, p.12).

Conforme a sociedade foi se transformando, a concepção que os ouvintes tinham do

indivíduo surdo também se transformou, isto é, foram sendo vistos de diferentes

modos. Ao acompanhar tais transformações, as terminologias utilizadas para

designar estes sujeitos também se transformaram.

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No Brasil, mais especificamente no Paraná, nas décadas de 1950 e 1960, os surdos

eram vistos como “doentes” e, praticamente, inexistiam pesquisas científicas

desenvolvidas na área educacional. A forma de atendimento estava voltada à

filantropia e ao assistencialismo; os surdos não eram vistos como cidadãos

produtivos ou úteis à sociedade e não havia a preocupação com a formação

acadêmica ou profissional deles (STROBEL, 2000).

Na década de 1970 e 1980, a surdez é vista como “deficiência”. O surdo neste

contexto histórico é conhecido como deficiente auditivo. Inicia-se uma nova fase,

onde os surdos recebem atenção dos segmentos institucionais organizados,

inclusive da educação e, com isso, tem-se a expansão do atendimento

especializado nos municípios do Estado. A educação de surdos se caracterizou,

nesse período, pelo predomínio de modelos clínicos, nos quais, em detrimento dos

objetivos educacionais, imperavam os objetivos de reabilitação – o aluno como

paciente e o professor como terapeuta. Persistiu a aplicação de inúmeros métodos

oralistas, geralmente estrangeiros, buscando estratégias de ensino que pudessem

transformar em realidade o desejo de ver o surdo falando e ouvindo, com auxílio de

próteses. Eram vistos como deficientes e proibidos de utilizar sinais para se

comunicar; na escola, eram poupados dos conteúdos escolares mais complexos e,

quando matriculados no ensino regular, eram empurrados de uma série para outra

(STROBEL, 2000).

Da década de 1990 até hoje, a surdez é vista muito mais como “diferença” do que

como “deficiência”. E como autodenominação dada pelos próprios surdos a

expressão utilizada neste contexto é surdo (STROBEL, 2000). O estágio em que

nos encontramos hoje é conseqüência de muita luta dos surdos, seus familiares,

professores e profissionais da área, que resultaram em conquistas fundamentais,

tais como: o reconhecimento da diferença lingüística do surdo; a oficialização da

LIBRAS, em nível municipal (Lei nº 512); estadual (Lei nº 12095/98) ambas em 1998

e a nível federal (Lei nº 10.436) em 2002; a potencialização do pedagógico em

detrimento do clínico na educação; a possibilidade da educação bilíngüe numa

dimensão política; o apoio ao fortalecimento e qualificação da comunidade surda; a

formação e capacitação do professor e instrutor surdo; a formação de intérpretes de

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LIBRAS e Língua Portuguesa e, particularmente, um crescente número de pesquisas

na área da surdez .

A minha concepção sobre o “indivíduo surdo” durante a trajetória profissional mudou;

assim, durante a narrativa são utilizadas duas terminologias para se dirigir aos

mesmo sujeitos. A primeira é a de deficiente auditivo, utilizada na descrição de um

período que refletia uma concepção do surdo como deficiente e, para torná-lo

eficiente, a ênfase no trabalho era a de reabilitação1. A segunda expressão utilizada,

na descrição do período que se inicia em 1996 observada é surdo, que acarreta um

outro olhar a respeito deste sujeito, compartilhando das palavras de Poker:

[...] a expressão “surdo”, por ser a que melhor permite enfatizar o significado da surdez na duplicidade de sua condição orgânica e social. Além disso, é a autodenominação escolhida pelos próprios surdos, que desejam ser aceitos não como pessoas deficientes, ou seja, como “ouvintes” que têm ausência de algo, mas como pessoas que teriam muito mais de igual do que de diferente, pessoas igualmente capazes e que se diferenciam dos ouvintes por desenvolverem sua linguagem através de outros recursos mais relacionados à natureza viso-motora (linguagem orofacial, gestual, dactilológica, etc. ) (1995, p. 2).

Acaso, interesse ou vocação?

E foi assim que tudo começou.

No ano de 1991, ao passar diariamente em frente de uma casa, olhava pelo portão e

encantava-me com as crianças que brincavam. Comentava que um dia iria trabalhar

naquele lugar: era uma casa com ar de escola. Nela funcionava uma “espécie” de

escola para deficientes auditivos2; era um Centro de Reabilitação de Menores para

Deficientes Auditivos, com 65 alunos e 23 funcionários. Como sua sede não estava

pronta, a Prefeitura havia alugado aquele espaço.

Trabalhava no ensino público como professora das séries iniciais há dois anos, e

este meu lado professora ficava inquieto, pois queria saber como aquelas crianças

1 É o trabalho de reabilitar a audição e a fala, na tentativa de minimizar os efeitos provocados pela alteração auditiva. 2 Terminologia usada para os surdos na época.

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aprendiam e se comunicavam. Uma professora de deficientes auditivos do Instituto

Estadual de Educação achava interessante o meu “encantamento” pelos alunos e,

no início de 1992, convidou-me para fazer um curso oferecido pela Secretaria de

Estado da Educação denominado “emergencial para D.A.”; esse curso era um pré-

requisito para o trabalho com os deficientes auditivos. Como a abordagem da época

era o oralismo, as disciplinas ministradas tinham esse enfoque; os profissionais

envolvidos eram muito “fiéis” aos pressupostos deste método, dos quais destaco:

A abordagem de enfoque oralista se coloca radicalmente contra o uso da Língua de Sinais ou de qualquer código gestual pelo entendimento de que, sendo a dimensão gestual-visual a mais cômoda para o surdo, esse não irá despender o esforço necessário para aprendizagem de uma língua na modalidade oral, que exige um trabalho difícil, diligente, intenso e muitos vezes enfadonho (SÁ, 1999, p.82).

[...] de acordo com os oralistas, a educação do surdo deve começar o quanto antes e deve aproveitar todos os recursos disponíveis para se desenvolver a linguagem interior da mesma forma como acontece aos ouvintes. Para isso é preciso um trabalho complexo que tentará, através do uso de eventuais resíduos auditivos, da leitura labial, das atividades de sensibilização das vibrações vocais, desenvolver no surdo uma linguagem interna sem imagens auditivas (POKER, 1995, p.87). O Oralismo ou filosofia oralista visa à integração da criança surda na comunidade de ouvintes, dando-lhe condições de desenvolver a língua oral (no caso do Brasil, o português). A noção de linguagem, para vários profissionais desta filosofia, restringe-se à língua oral, e esta deve ser a única forma de comunicação dos surdos. Para que a criança surda se comunique bem é necessário que ela possa oralizar. O Oralismo percebe a surdez como uma deficiência que deve ser minimizada através da estimulação auditiva (GOLDFELD, 1997, p.31).

O único contato que tive com os deficientes auditivos neste curso foi numa peça

teatral: “A Branca de Neve e os Sete Anões”, apresentada pelos alunos de uma

escola especial.

Como queria saber mais, por iniciativa própria comecei visitar a escola e conhecer

como eles aprendiam. Alguns professores se incomodavam com a minha

curiosidade; vim saber, tempos depois, que diziam: que tanto essa “menina quer

saber”? Foi assim que, no final daquele ano, no mês de outubro, recebi um convite

para trabalhar, não como professora e sim como atendente: iria realizar a função

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de auxiliar na educação precoce e cuidar do banho e do almoço de um grupo de

crianças que permaneciam na escola por tempo integral. Já trabalhava no ensino

comum um período, porém, como queria muito trabalhar com os deficientes

auditivos, aceitei o convite imediatamente e iniciei minha trajetória no ensino

especial.

No ano seguinte, como funcionária municipal, assumi uma turma com seis alunos,

de idade em torno de seis anos. Nessa turma atuava como reabilitadora,

terminologia usada pela abordagem oralista. Como o próprio nome diz, a função era

reabilitar a fala, a audição, a leitura orofacial; essas atividades ainda eram resquícios

de uma metodologia, a verbotonal3. Sentia-me muitas vezes como uma terapeuta,

não uma professora; e esse era um dos motivos que justificava o número reduzido

de alunos por sala. Era um trabalho de repetição e exaustão. No entanto, a

educação de surdos, desde 1990, já caminhava para uma outra visão do deficiente

auditivo. Adotava-se a metodologia materno-reflexiva4, ainda voltada para a

oralização do deficiente auditivo e, como o próprio nome sugere, como ponto de

partida da relação mãe e filho.

O trabalho que desenvolvia com a minha turma segundo a metodologia materno-

reflexiva, estava centrado no interesse da criança e nas atividades de vida prática,

explorando, a princípio, basicamente, o vocabulário familiar. Assim, ao determinar o

tema a ser explorado, conversávamos primeiramente sobre ele e realizávamos

visitas, se necessário, aos seus lares dos alunos, ao comércio, a outras escolas.

Num segundo momento, havia uma montagem de textos acerca do tema escolhido;

fazíamos leitura receptiva, que é a fase da exploração do vocabulário; por último,

fazíamos o estudo da estrutura do texto. Contava muito com o apoio dos pais;

comunicava-lhes o trabalho que estávamos realizando; as crianças eram

estimuladas a contar o texto aos pais e estes a ajudar na construção do vocabulário

envolvido. No entanto, no grupo com o qual trabalhava, por ser um grupo de pouca

oralização e pouco resíduo auditivo, um dos maiores problemas que encontrava era

3 Método estrangeiro, criado por Peter Guberina, na Iuguslávia. Trata-se de um método oral multi-sensorial, pois visa à habilitação do indivíduo para a fala e a constante reabilitação da audição do deficiente. 4 Outro método estrangeiro, que tem como precursor Van Uden.

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a agressividade das crianças. Apesar de o trabalho ser interessante, tornava-se

cansativo, pois, por não conseguirem expor o que queriam e também por não

entenderem o que eu queria, geravam-se conflitos. Iniciaram-se, informalmente,

naquele ano, duas modalidades de ensino; os alunos tinham um período de

reabilitação e outro de escolarização.

Enquanto isso, no outro período de trabalho, comecei a trabalhar também com a

educação especial, numa outra modalidade de atendimento da abordagem oralista:

a sala especial para D.A. Em muitas cidades, era o período em que se dava o

reforço escolar do ensino regular comum e a parte de reabilitação. Os alunos,

porém, naquele ano não freqüentariam o ensino regular. Eram cinco alunos com

idade entre 13 e 16 anos, com um histórico escolar de total insucesso; eles estavam

cansados de atividades relacionadas a uma primeira série e da reabilitação da fala

exaustiva e quase sem resultado.

A sala especial funcionava em uma escola de 1ª a 4ª série, num município vizinho,

e dividíamos a nossa sala com uma sala de D.M. (alunos com deficiência mental).

Por apresentarem uma idade superior bem como pela falta de comunicação que

gerava a agressividade e mesmo pela fala nada inteligível e cheia de grunhidos, os

meus alunos eram conhecidos como os “doidinhos” e “bobinhos”. Isso me

perturbava muito, pois até então não tinha vivido com essas situações e esses

sentimentos; na outra escola, não havia presenciado nada disso, pois era uma

escola só de deficientes auditivos: “viviam entre os iguais”, as discussões de todos

os funcionários eram voltadas para eles.

O meu trabalho na sala especial era solitário e de “tartaruguinha”. Contudo, queria

fazer o melhor para eles, mas por onde começar? E foi na primeira visita da

coordenadora responsável pela educação especial representante do Núcleo

Regional de Educação5 à escola - visitas estas costumeiras e que tinham como

objetivo verificar como o trabalho estava sendo desenvolvido - que eu disse que

procuraria estabelecer um vínculo de comunicação mais efetivo com os meus

alunos, por meio de desenhos, de sinais combinados, e que iria centrar o meu

5 Órgão responsável pela Educação (Infantil, Especial, Supletiva, Fundamental e Médio) de uma determinada região, subordinado à Secretaria Estadual de Educação do Paraná (SEED-PR).

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trabalho na metodologia materno-reflexivo e o treinamento da fala; o treinamento

auditivo e da leitura labial não seriam privilegiados. Começamos, assim, a explorar

o contexto, o máximo possível, a partir de temas principalmente relacionados ao

mercado de trabalho.

A respeito da imagem que a comunidade escolar tinha dos alunos surdos procurei

minimizá-la, por meio de palestras aos professores e alunos, nas quais explanava

sobre as diferenças, as dificuldades e, principalmente, das potencialidades de meus

alunos.

Após dois anos de trabalho, foram percebidos resultados significativos; contudo

recebi uma proposta de permanência na escola de deficientes auditivos nos dois

períodos que aceitei. A sala especial foi fechada, apesar da tentativa de deixá-la em

funcionamento, pois passaram pela sala no período de um mês três professores,

que não se adaptaram; assim, estes alunos tiveram atendimento somente um ano

depois no CES6.

Uma das coisas que mais me fascinou na escola de deficientes auditivos, desde o

começo, foi a abertura para as discussões sobre a educação dos surdos; a escola

sempre procurou proporcionar cursos, viagens a congressos, a seminários, para

não ficarmos “isolados” nos próprios muros da escola.

Uma ano após, fui escolhida para assumir a educação precoce7 e continuei com as

metodologias citadas. Trabalhei com uma turma, por três anos; muitos dos sujeitos

da pesquisa são esses alunos. Eles vivenciaram pelo menos de dois a três anos

uma abordagem oralista. Trabalhava com o treinamento auditivo, da fala e da leitura

orofacial, acreditava tanto no meu trabalho que falava para os pais que as crianças

iriam falar e os requisitava a participar e ajudar nessa terapia. Uma das atividades

que envolvia os pais era a notícia. Estes tinham que enviar para a escola algo

interessante que acontecera com seus filhos. Os pais escreviam o ocorrido e a

criança ilustrava, pois ela deveria “dar a notícia” para os colegas.

6 Centro de Estudos Supletivos. 7 Atendimento a crianças de 0 a 3 anos.

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Em uma outra atividade, que objetivava o treinamento de vocabulário, pedíamos

para os pais colarem nos móveis da casa etiquetas com as palavras que os

denominavam; por exemplo, as cadeiras eram etiquetadas com a palavra “cadeira”.

Fato interessante é que todos os pais seguiam praticamente à risca as nossas

orientações. Constatei isso quando o tema a ser trabalhado foi “A nossa casa” e

fomos fazer as visitas; não havia uma casa que não tivesse papéis espalhados com

o nome de todos os objetos possíveis.

A ênfase do modelo terapêutico na abordagem educacional oralista implica que as famílias sejam sobrecarregadas com diversas tarefas como: praticar os treinamentos fonoarticulátorios em casa; passar todo o tempo informando disciplinadamente palavras e frases orais, chamando a atenção da criança para a leitura labial; usar muito do seu tempo diário em terapias de diversos tipos, além do horário escolar; usar os familiares como suportes no ensino escolar, etc. Nessa visão, a responsabilidade pelo sucesso da abordagem educacional é, portanto, dividida entre família, terapeutas e escola (geralmente nessa ordem) (SÁ, 1999, p 95).

O que acho interessante no meu discurso é que no trabalho com os surdos adultos

utilizava muitos sinais, que convencionamos; com a turma de pequenos hesitava um

pouco, mas se fosse necessário utilizava-os. Estávamos numa época de um

oralismo menos “radical”.

No ano de 1993, fiz o adicional, que corresponde ao 4º ano do magistério, muito

semelhante ao emergencial, mas com uma maior profundidade, com a mesma

filosofia do emergencial.

No final de 1994, ao adquirir sede própria, a escola já contava com alunos

freqüentando a 3ª série ainda de maneira informal; No Centro de Reabilitação de

Menores para Deficientes Auditivos montou-se um processo para a criação de uma

escola de ensino regular. Tal processo foi apresentado ao Departamento de Ensino

de 1º Grau da SEED-PR para apreciação, com fins de regulamentação da vida

acadêmica dos alunos. Em decorrência disso, contando com o apoio e incentivo do

Departamento de Educação Especial da SEED, em janeiro de 1995, através da

Resolução nº 195, criou-se na escola o ensino de 1º grau8. Os alunos foram

8 Denominação correspondente ao ensino fundamental.

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submetidos a um exame classificatório com provas elaboradas de acordo com os

conteúdos referentes à série anterior a que o aluno se encontrava. Uma banca,

composta por professores, coordenação do Núcleo de Educação e coordenação

pedagógica da escola, aplicou e corrigiu as provas; ficou, assim, regularizada a

situação dos alunos.

No ano de 1995, oficializada a escolaridade dos alunos, com uma 1ª turma de 5ª

série, alguns profissionais de área específica (matemática, português,...) foram

contratados sem uma formação destinada ao trabalho com deficientes auditivos;

tinham experiência somente no ensino regular. E por vários anos a falta de

profissionais especializados foi (ou ainda é?) um dos problemas para a escola, o

que, por outro lado, contribui para vivenciarmos outras experiências.

Em 1995, um grupo significativo de profissionais da escola resolveu fazer

especialização na área de deficiência auditiva. Foi quando boa parte dos

profissionais, inclusive eu, ouviu pela primeira vez outro tipo de conversas sobre a

educação dos deficientes auditivos, como “a questão da língua dos surdos”. Para

nós, profissionais insatisfeitos com os resultados de desempenho acadêmico obtido

e com um nível de comunicação nada efetivo entre professor e aluno, a orientação

dada no curso veio ao encontro de nossos interesses, refletia um novo modo de agir

na educação do deficiente auditivo. Este pensamento vinha sendo divulgado em

todo o estado do Paraná.

No Congresso de Milão, em1880, marcou-se o abandono voluntário da língua de sinais nas escolas das crianças surdas. Mas, ela não desapareceu. As línguas orais, que sofrem repressão dessa natureza, desaparecem. Por que a língua de sinais se mantém? Por que resiste? Por que passa de criança para criança. É em conseqüência de algo mais universal. É a língua que os surdos se outorgaram a si mesmo. Essa me parece ser a razão fundamental pela qual nenhuma maioria conseguirá fazer com que ela desapareça. A única maneira da língua de sinais desaparecer será quando desaparecer a surdez. Enquanto a surdez existir, existirá a língua dos surdos (ALISEDO, 1994, p. 13). [...] Fica evidente, na última década, a pressão de um novo discurso sobre a surdez que se encontra refletida no posicionamento assumido pelas professoras, exercidas principalmente pela literatura especializada na área e pelos governos em suas políticas oficiais. No Paraná, particularmente, desde 1995 a política de capacitação

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docente esteve ligada à implantação de um proposta de educação bilíngüe no sistema de ensino (FERNANDES, 2003, p.56). [...] Em conseqüência desta nova visão e dos investimentos realizados, houve uma significativa transformação na educação de surdos, no Estado do Paraná, tanto no que se refere às questões ideológicas subjacentes à prática, como na qualidade da proposta de atendimento educacional aos surdos. Das múltiplas contribuições para essa mudança, os aspectos mais relevantes constituem-se na difusão dos modelos bilíngüe/multiculturais na educação e o aprofundamento nas concepções sócio-antropológicas da surdez (PARANÁ, apud FERNANDES, 2003, p.57).

No 2º semestre de 1996, na escola iniciamos as leituras sobre bilingüismo.

O bilingüismo tem como pressuposto básico que o surdo deve ser Bilíngüe, ou seja, deve adquirir como língua materna a língua de sinais, que é considerada a língua natural dos surdos e, como segunda língua, a língua oficial de seu país. [...] O conceito mais importante que a filosofia Bilíngüe traz é de que os surdos formam uma comunidade, com cultura e língua próprias (GOLDFELD , 1997, p. 39).

Tornar-se letrado numa abordagem bilíngüe pressupõe a utilização de língua de sinais para o ensino de todas as disciplinas. Proporcionada como primeira língua (L1), o aprendizado da língua de sinais é oferecido aos surdos em situações significativas, como jogos, brincadeiras e narrativas de estória, mediante a interação com outros surdos adultos competentes em língua de sinais. Faz também parte do projeto bilíngüe que todo o corpo de funcionários da escola, surdos e ouvintes, e os pais, aprendam e utilizem a língua de sinais (BOTELHO, 2002, p. 112).

Mas que não se percam os esforços. A inauguração de uma nova etapa histórica não significa que todos os problemas estejam resolvidos. Em seguida se verá a realidade e funcionamento do modelo bilíngüe, se apreciarão seus alcances e sua limitações, e novos conhecimentos sustentarão os atuais, mostrando suas insuficiências e seus erros. O modelo bilíngüe tende a ser aperfeiçoado e, eventualmente, superado. Mas nesse processo que se inicia temos os surdos como protagonistas e poderemos dialogar com eles num plano de igualdade, unidos por vínculos solidários na construção de um futuro melhor para todos. A prepotência, a segregação e o desprezo serão coisa do passado, e “não terão uma segunda oportunidade sobre a terra” (SÁNCHEZ, apud QUADROS, 1997, p. 41).

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Os estudos foram centrados principalmente na LIBRAS9, reconhecendo-a como a

língua natural do surdo, que deve ser adquirida e usada tanto pelos alunos, quanto

pelos profissionais. Neste ano, foi contratada a primeira instrutora surda, com a

função de ensinar a língua de sinais para os funcionários e alguns alunos da escola. A Língua de Sinais, já reconhecida como língua, cumpre perfeitamente o papel de suporte lingüístico, dando acesso à dimensão simbólica à subjetividade, de modo semelhante ao papel que exerce a língua na modalidade oral no desenvolvimento de uma criança ouvinte (SÁ, 1999, p. 170). “Língua de sinais e língua oral apresentam semelhanças e diferenças do ponto de vista operacional, mas a comunicação em língua de sinais é tão eficaz quanto na língua oral. Os dois tipos de língua apresentam uma estrutura hierárquica dos elementos que participam dos processos de codificação e decodificação. Em ambas o mecanismo de produção é influenciado por fatores, como a quantidade de produção possível, a criatividade semântica das mensagens, a estruturação sintática das frases. Nas duas línguas o tratamento das mensagens exige uma análise interativa tanto quanto paralela (CICCONE, apud, ALMEIDA, 2000, p.2).

Uma experiência que considerei significativa para a aprendizagem da língua de

sinais foi nas atividades oferecidas aos alunos no contraturno, das quais

participavam alunos maiores com menores, proporcionando aos menores uma

interação comunicativa real em situação cotidiana. Deixou-se o caráter de

reabilitação e passou-se a um caráter educacional, nos dois turnos. A reabilitação da

audição e fala passou a ser feita pelo setor de fonoaudiologia, com quatro

profissionais, que ficaram responsáveis pelo atendimento.

Os alunos acima de seis anos freqüentavam até então a escola em período integral.

Percebeu-se que as atividades em período integral levaram os alunos a um

desgaste físico e mental. Reduziu-se, então, a dois dias de permanência integral dos

alunos, pois acreditávamos que estávamos “roubando a infância e o convívio

familiar”, e, ainda, quando esses estavam em casa, tinham que realizar atividades

relacionadas a orientações dos profissionais da escola. Por isso, ficou estabelecido

9 LIBRAS – língua brasileira de sinais – é o modo como a FEDERAÇÃO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E INTEGRAÇÃO DOS SURDOS (FENEIS) resolveu se referir à língua de sinais dos surdos brasileiros. Essa denominação foi estabelecida em Assembléia convocada pela FENEIS, em outubro de 1993, tendo sido adotada pela World Federation of the Deaf, pelo MEC, por pesquisadores, educadores e especialistas, (SOUZA,1998, p.1).

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que três tardes por semana seriam livres para que pudessem fazer outras atividades

e para que a família se responsabilizasse pela educação (não a acadêmica) dos

filhos. A escola tinha até então um caráter assistencialista em muitos aspectos, tais

como: fornecia boa parte do material escolar, almoço, banho, entre outras coisas.

Em 1996, recebi um novo convite: assumir a disciplina de matemática na 5ª e 6ª

série, para trabalhar em uma das etapas do projeto “O ensino de Matemática para

deficientes auditivos: uma visão psicopedagógica”, que já estava no seu terceiro

ano de execução. Conhecer e participar do projeto foi importante para mim. Quando

pensava no desafio, os sentimentos misturavam-se: o do medo e da curiosidade.

Medo, sim, por ser apenas uma recém-formada em matemática a desenvolver um

trabalho em companhia de uma professora-pesquisadora de muita competência na

discussão da matemática na educação especial; e curiosidade, por querer vivenciar

novos passos.

Das leituras iniciais da pré-fundamentação do projeto acima citado e das conversas

com a pesquisadora, que denominarei de “mãe-professora-pesquisadora”, conheci o

porquê do seu desenvolvimento.

A maioria dos pais e profissionais envolvidos com os deficientes auditivos tem como

principal preocupação o desenvolvimento da linguagem e as possibilidades de

comunicação da criança deficiente auditiva. A pesquisadora, que não era professora

de deficientes auditivos, mas mãe de surdas e professora universitária de

matemática, preocupava-se com a seguinte questão: “Se quando penso, falo comigo

mesma, como pensa o surdo?”

A “mãe-professora-pesquisadora” realizou anos de pesquisa bibliográfica sem achar

argumentações convincentes que viessem ao encontro de seus anseios, até

conhecer uma outra professora universitária-pesquisadora que, como ela diz,

apresentou-a a Piaget; afinal, para este pesquisador,

[...] o argumento decisivo contra a posição de que as estruturas lógico-matemáticas originam-se unicamente das formas lingüísticas é o de que, no decorrer do desenvolvimento intelectual de cada indivíduo, as estruturas lógico-matemáticas estão sendo construídas antes do

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aparecimento da linguagem. A linguagem aparece por volta da metade do segundo ano, mas antes disso, por volta do primeiro ano ou começo do segundo, há uma inteligência prática com sua própria lógica de ação. (PIAGET`; INHELDER, apud NOGUEIRA, 1999, p. 83)

Motivadas pelo estudo de Piaget, as duas, a professora-pesquisadora e mãe-

pesquisadora-professora, desenvolveram a pesquisa intitulada “As estruturas lógicas

elementares e a noção de número em crianças deficientes auditivos: subsídios para

o ensino de Matemática”, no período de 1987 a 1989. O objetivo foi analisar se a

deficiência auditiva constituía um fator que comprometesse significativamente o

desenvolvimento lógico operatório infantil. Os resultados indicaram não haver

defasagens significativas no desenvolvimento cognitivo dessas crianças em relação

aos períodos determinados pela Psicologia Genética (NOGUEIRA; TITO, 1989).

Os trabalhos na área, pelas duas pesquisadoras, ficaram interrompidos por quatro

anos, justificados pela “mãe-professora-pesquisadora” “de que não bastava preparar

os filhos para a sociedade, era preciso também transformá-la para recebê-los”. Foi

assim que ela assumiu diversos cargos políticos importantes para a educação

especial; seu objetivo específico era resgatar a questão da escolaridade.

Em 1994, as pesquisadoras retomaram os trabalhos na área. É quando começa a

ser desenvolvida, como conseqüência da primeira pesquisa, a que foi denominada

“O ensino de Matemática para deficientes auditivos: uma visão psicopedagógica”, da

qual participei e segundo as pesquisadoras, o maior desafio do trabalho consistia

em buscar compreender o processo do desenvolvimento cognitivo da criança surda.

A compreensão do desenvolvimento cognitivo da criança surda e de como processam-se as estruturas lógico-matemáticas foram realmente o grande desafio do presente projeto, uma vez, que o estudo da relação: comunicação verbal e pensamento matemático deve ser subjacente à qualquer proposta metodológica que objetive não apenas o ensino da matemática em si, mas que principalmente, contribua para a educação e independência do surdo. (NOGUEIRA; MACHADO, 1996, p.60)

O projeto esteve centrado em três etapas distintas e complementares: um período

inicial de estudos, o período de avaliação cognitiva e o período de aplicação de

atividades em sala de aula.

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Durante o período de estudo, com seminários semanais, fez-se o levantamento de

informações acerca do deficiente auditivo e da proposta teórica da psicologia

genética acerca do pensamento lógico-matemático. Esse estudo bibliográfico foi

desenvolvido durante todo o trabalho, atendendo às necessidades específicas.

Participaram desse estudo a “mãe-professora-pesquisadora”, a equipe pedagógica

da escola, representada pela supervisora e psicóloga, uma professora do ensino

regular e a professora que iria desenvolver as atividades em sala de aula com os

alunos (no caso, eu).

Foi nesses encontros que “eu” fui apresentada a Piaget. Achava dificílimas as

leituras e as nossas conversas, mas me fascinava pelos estudos sobre cada fase do

desenvolvimento cognitivo, que vinham ao encontro do que queria saber.

[...] É evidente que a pesquisa psicogenética pode fornecer conhecimentos científicos precisos e necessários sobre os quais a pedagogia pode se apoiar. Esse foi o ponto de vista de Piaget sobre a relação entre a pesquisa psicológica e a pedagogia. Assim, para ele, todo educador deveria conhecer não apenas as matérias a ensinar, mas igualmente os mecanismos subjacentes às operações da inteligência e, por isso mesmo, as diferentes noções a ensinar. (MONTOYA, 2004, p.65)

O período da avaliação cognitiva foi realizado em 1994. Buscou-se a compreensão

do desenvolvimento cognitivo da criança surda e, em especial, a análise de como se

processam as estruturas lógico- matemáticas.

Concomitantemente ao período de avaliação cognitiva, foram aplicados

questionários aos professores de 1º grau do ensino regular e especial e aos

professores de Departamento de Matemática. Os questionários tinham como

finalidade a definição de conteúdos essenciais a serem abordados nos materiais

instrucionais na sala de aula da 5ª série. Uma vez estabelecido o perfil do aluno e os

conteúdos a serem trabalhados, buscou-se identificar formas de trabalho e materiais

adequados que contribuíssem para a consecução dos objetivos.

No ano de 1996, desenvolvi o trabalho juntamente com a ”mãe-professora-

pesquisadora”. Foi uma experiência e tanto. Por motivos de aprimoramento de sua

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formação acadêmica, ela deixou o projeto, continuando, porém, a contribuir como

orientadora. Nos dois anos que se seguiram, levei o trabalho sempre sob sua

orientação, sendo o mesmo encerrado em 1998.

A metodologia adotada foi o ensino dirigido, com fichas escritas, que permitiam um

mínimo de material escolar, evitando assim fatores desviantes da atenção. Outro

fator importante a se destacar é a questão do respeito aos tempos individuais: como

existia sempre uma quantidade razoável de material preparado, à medida que um

aluno vencia um conteúdo, recebia imediatamente outro.

Nogueira e Machado (1996), ao analisar os resultados encontrados na segunda

pesquisa frente à questão do atraso dos dois anos no desenvolvimento cognitivo,

que não apareceu na primeira pesquisa realizada, indagaram se a abordagem

oralista não teria sido determinante nos resultados encontrados e se ressentiam da

falta de condições para responder a essa indagação, por não existirem, naquele

momento, surdos educados em abordagem diferente da oralista. E esta foi uma

indagação de que, por anos, compartilhei.

Em 1997, deu-se continuidade ao trabalho escolar numa proposta bilíngüe. Eu,

como professora, iniciei com meus alunos, a aprendizagem da língua de sinais. A

aquisição por parte deles foi muito rápida; primeiro, pela necessidade de

comunicação; segundo, pelas trocas entre eles e os surdos mais velhos.

A sensação na sala de aula, em muitos momentos, era de “quem ensinava o quê”,

“quem ensina para quem”; eles ensinavam a língua de sinais que também estavam

aprendendo, e eu ensinava o “conteúdo”. No entanto, como não temos muitos sinais

para os conceitos matemáticos, como potenciação, álgebra, muitas vezes

convencionávamos os sinais.

Uma postura característica minha na sala de aula nesse período e que persiste

algumas vezes atualmente apesar da recomendação contrária, é o uso simultâneo

da linguagem de sinais e da oralidade. Considero que é porque em todas as minhas

salas há surdos com uma boa linguagem emissiva; assim, necessito falar. E é muito

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interessante que, quando esses alunos se reportam a minha pessoa, falam, e,

quando vão conversar com os amigos de sala, usam os sinais.

[...] Tipicamente há uma sedução de um compromisso – que um sistema “combinado”, usando os sinais e a fala, permita aos surdos se tornarem eficientes nos dois. Há uma sugestão de compromisso, contendo uma profunda confusão: uma linguagem intermediária entre o inglês e Sinal (ou seja, inglês sinalizado). Essa categoria de confusão vem de longa data – remonta aos “Sinais Metódicos” de De l’Epée, que foram uma tentativa de expressão intermediária entre o francês e Sinal. Mas as verdadeiras linguagens de sinais são na verdade completas por si mesmas: uma sintaxe, gramática e semântica são completas, mas possuem um caráter diferente de qualquer linguagem falada ou escrita. Assim, não é possível efetuar a transliteração de uma língua falada em Sinal palavra por palavra ou frase por frase – as estruturas são essencialmente diferentes. Imagina-se com freqüência, vagamente, que a linguagem de sinais é inglês ou francês: não é nada disso; é ela própria, Sinal (SACKS, 1990, p.46).

.

No ano de 1997, voltei a trabalhar no ensino regular com ouvintes. Vivíamos um

momento na escola em que os nossos alunos surdos consideravam que a “escola

era fraca”, pois comparavam os “conteúdos” que eram ensinados para eles com os

dos amigos deles ouvintes.

Procurei trabalhar no ensino regular com as mesmas séries em que atuava na

escola de surdos. O convívio com outros profissionais da mesma área foi

interessante. Não conseguia acompanhá-los: eles “voavam” com o “conteúdo”, eu

estava sempre atrasada, não conseguia simplesmente “passar o conteúdo” no

quadro, dar lista de exercícios e ir adiante; a minha prática não condizia com essa

forma de conduzir o ensino. Considero para isso dois pontos relevantes: ter iniciado

o meu trabalho como professora nas séries iniciais e trabalhar com a educação

especial. Você, como professora dessas duas modalidades do ensino, adquire um

outro olhar para o seu aluno, procurando acompanhar as individualidades da

aprendizagem de cada educando. A forma como conduzia as minhas aulas - com

jogos, situações-problemas, pesquisa de campo - era considerado pelos demais

professores como “loucura” e “perda de tempo” e ainda indagavam como eu iria

fazer para vencer todo aquele conteúdo do livro.

Realmente, não era um trabalho fácil, mas gratificante; refletia nos comentários de

outros profissionais: “como seus alunos gostam da aula”; “não acredito que este

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menino está estudando”. O meu trabalho era reconhecido e muitas vezes fui

convidada para apresentá-lo em cursos ou em reuniões. Quanto aos conteúdos,

justificava que não adiantava nada eles trabalharem com o simples cumprimento

destes; no ano seguinte não iriam saber nada, pois a questão da cobrança em

relação aos “conteúdos“ estava relacionada aos pré-requisitos para o ano

subseqüente. Estava consciente nas minhas convicções de que a prática docente

adotada estava possibilitando um ensino-aprendizagem mais ideal, no que tange à

qualidade das aulas.

De 1997 a 2003, trabalhei no ensino regular e na educação especial como

professora de matemática.

Parei com as atividades do projeto em 1998, por três motivos: o primeiro, por estar

com uma sobrecarga de trabalho (quantidade de horas-aula): não conseguia

elaborar os materiais, “as fichas escritas”, precisava de muito tempo para preparar; o

segundo é que a forma do trabalho do projeto tinha refletido de 1ª a 4ª série,

observamos um maior envolvimento dos professores com a matemática; e o terceiro

motivo foi que os meus alunos argumentavam que gostavam das aulas, mas

queriam aprender “igual aos amigos ouvintes”, pois ao comparar os seus cadernos

com amigos ouvintes falavam que estava diferente, os dos amigos ouvintes tinham

muito mais conteúdo que os deles.

E dizia-lhes que estava trabalhando no ensino regular com as mesmas coisas,

mostrava até as “provas”; e muitas vezes eles tinham ido até melhor. Num primeiro

momento ficavam felizes, contudo diziam que eu era diferente dos outros

professores de matemática, tinha mais paciência, explicava de muitas maneiras.

Nesta época, realizamos uma atividade na qual eles foram assistir a algumas aulas

junto com os ouvintes na escola em que eu trabalhava, para comprovar que o

programa era o mesmo.

O currículo escolar deve envolver os conteúdos desenvolvidos nas escolas comuns. Estes conteúdos são trabalhados na língua nativa das crianças, ou seja, na LIBRAS. A Língua Portuguesa deverá ser ensinada em momentos específicos das aulas e os alunos deverão saber que estão trabalhando com o objetivo de desenvolver esta língua. Em sala de aula será trabalhada a leitura e a escrita da Língua

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Portuguesa. A oralização deverá ser feita por pessoas especializadas, caso a escola inclua este aspecto no ensino da Língua Portuguesa. Tendo em vista o tempo desprendido para a oralização, esta deverá ser feita fora do horário escolar para não prejudicar e limitar o acesso aos conteúdos curriculares pelos alunos surdos (QUADROS, 1994, p.21).

A nossa primeira turma de ensino fundamental se formou no ano de 1998 e em

2000 a escola começou a oferecer o ensino médio. A escola, nesse período, pela

especificidade de atendimento, contratou muitos profissionais que inicialmente só

tinham formação na área específica (química, biologia...) e não para atuar na

educação especial. Este fato resultou em muitas alterações no quadro docente, pois

muito não se adaptaram à educação especial.

Nessa mesma época, o livro didático e as apostilas ganharam maior influência na

escola, desde os anos iniciais até o ensino médio. Pelo que analiso, a necessidade

de “igualar” o nosso ensino ao do ensino regular, o livro didático parecia transmitir

uma “sensação de segurança”, apesar de perceber que os professores continuavam

com suas “velhas” estratégias. Particularmente, percebi uma pequena alteração na

forma de conduzir minhas aulas.

Sempre gostei de trabalhar de 5ª a 8ª série, mas, por querer continuar com as

primeiras turmas de 5ª série, conforme os alunos iam passando de uma série para

outra, eu também os acompanhava, acabando por me fixar como professora do

ensino médio. Considero que os anos de experiência como professora me fizeram

lidar com as situações de comportamento e aprendizagem com mais “naturalidade” e

“tranqüilidade”. No entanto, percebo que, ao me fixar no ensino médio, obtive um

ganho na questão de uma melhor fundamentação matemática, perdendo, porém, em

outros aspectos. Como exemplo, pelos muitos anos de convivência com as mesmas

turmas, houve uma acomodação natural, pois os problemas comportamentais foram

amenizados, eles acabaram entrando no meu ritmo de trabalho (ou fui eu que

“entrei no ritmo deles”?); quanto à aprendizagem, você também já se acostuma com

as particularidades de cada um.

A respeito da matemática, houve uma formalização maior dos “conteúdos”. Este se

tornou mais técnico, com uma linguagem própria. Após alguns anos só no ensino

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médio, apesar de todo aquele suposto vinculo afetivo criado, meu envolvimento com

os alunos aos poucos se tornou mais acadêmico, mesmo considerando a

necessidade de trocas referentes a assuntos da vida particular; pois, em função do

número restrito de pessoas com as quais os alunos surdos em geral podem se

comunicar, eles sabiam muito da nossa vida e nós da deles. Nas turmas atuais,

percebo que há um distanciamento dessa intimidade, apesar de, se comparado com

o ensino regular, neste último a distância ser bem maior. Considero que um dos

motivos é de estarmos recebendo um maior número de alunos da 5ª série em

diante, pois muitos alunos até esta série estão estudando nos seus municípios, em

salas inclusivas; constroem, assim, um outro tipo de vínculo afetivo.

A primeira e a segunda turma da escola, que iniciaram em 1995 e 1996, terminaram

o ensino médio no ano de 2002. Hoje, alguns desses alunos já estão no ensino

superior, em diferentes cursos: Artes Visuais, Odontologia, Pedagogia, Letras. O

envolvimento dessas famílias com a escola, apesar de um pequeno distanciamento

nos últimos anos, sempre foi efetivo.

Percebo que o envolvimento dos pais com a escola, nestes últimos anos, está

distante, assemelhando-se ao do ensino regular. Considero isso prejudicial ao

trabalho, pois:

Cada vez mais os estudos na área da Educação Especial apontam relevância da parceria família-profissional, não só do ponto de vista da promoção do desenvolvimento da pessoa com necessidades especiais, mas também como suporte social para todos os envolvidos, tendo em vista as estratégias de enfrentamento dos problemas decorrentes da condição de deficiência (TUMBULL & TUMBULL, 1997; MATSUKURA, 2001; ARAÚJO, 2001 apud ARAUJO, 2004, p. 175)

Atualmente o quadro de funcionários da escola conta com seis profissionais surdos,

que atuam como professores de língua de sinais, monitores, bibliotecária e zeladora.

Como temos regularmente cursos, reuniões e palestras, é interessante que

participem e opinem, para uma melhor educação escolar. Referente à formação

acadêmica, os surdos procuram melhor aprimoramento: dos seis profissionais,

temos uma formada e três cursando Pedagogia e uma cursando Letras.

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Durante toda minha vida profissional procurei estar sempre envolvida em discussões

sobre a educação, com participação em projetos, cursos, seminários, grupos de

estudos, tudo que era possível.

No ano de 2001, queria aperfeiçoar o meu conhecimento acadêmico e iniciei a

busca pelo mestrado. Não pretendia fazer na área da “matemática pura”, queria na

área de educação matemática; como este programa só era oferecido na cidade de

Londrina, tentei e não fui selecionada na 1ª vez. Fiz algumas disciplinas como aluna

especial. Mas no ano de 2003, a UEM implantou um programa de mestrado na área

e tive a oportunidade de participar da seleção do mestrado em Educação para a

Ciência e o Ensino de Matemática; muito mais preparada, consegui ser selecionada

e iniciei a realização dessa pesquisa.

A respeito do meu projeto de pesquisa, duas sempre foram as minhas paixões: a

educação de surdos e a matemática; centrada nisso, realizei este trabalho

privilegiando pelo menos uma das minhas paixões.

Fui alertada de que muitos anos de convivência na escola poderiam atrapalhar no

desenvolvimento da pesquisa. Ninguém, contudo, me convencia a desenvolver uma

outra pesquisa; e queria fazê-la no meu próprio local de trabalho. Alegava acreditar

na continuidade do meu trabalho com a educação de surdos, não somente por

entender os “ganhos” mas também pela possibilidade de uma maior reflexão

pessoal.

Realmente, em determinados momentos da pesquisa abalei-me psicologicamente,

principalmente por não encontrar o resultado que supostamente esperava, pois

sabia que o meu trabalho também estava sendo analisado e não é fácil apontar as

nossas falhas ou mesmo percebê-las, quando está em jogo todo um sistema de

ideologia educacional.

No segundo capítulo, apresento a minha opção pela teoria piagetiana, e a

fundamentação teórica que serviu de suporte para a compreensão dos resultados

encontrados na pesquisa.

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Como esta pesquisa objetiva cotejar seus dados com uma pesquisa anterior

realizada, que tem como referencial teórico adotado a teoria piagetiana, essa mesma

opção nesse trabalho é decorrência natural. Além disso, a teoria piagetiana é a que

melhor dá respostas às minhas indagações acerca do desenvolvimento cognitivo.

Mas o argumento decisivo para a nossa opção pela teoria piagetina é que o

pensamento é produto da ação interiorizada e que a sua origem não é diretamente

atribuível à aquisição da linguagem, embora ela seja fundamental para o seu

desenvolvimento qualitativo posterior.

A partir de um rigoroso conjunto de experiências, Piaget infere que o pensamento é o produto da ação interiorizada. Segundo ele, a gênese da inteligência na criança não é diretamente atribuível à aquisição da linguagem, embora ela forneça ao pensamento os quadros categoriais que lhe permitem organizar melhor a experiência, coordenar as ações interiorizadas em sistemas de conjuntos e disto abstrair princípios da ação independente do eu (FERENCZI, 1974, apud FERNANDES, 1990, p. 41).

Assim, por esta teoria demonstrar que a linguagem é necessária, porém não

suficiente para o desenvolvimento cognitivo, entendo ser o referencial teórico mais

adequado para uma pesquisa em que os sujeitos investigados são surdos.

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2 O APORTE TEÓRICO

[...] eu não sou nem empirista e nem um inatista. Eu sou um construtivista, isto é, eu penso que o conhecimento é um processo de construção de

novas estruturas, decorrente da interação do sujeito com o real; ele não é pré-formado; há

criatividade contínua. PIAGET

Desenvolvemos este capítulo em três tópicos: no primeiro tópico, descrevemos

alguns conceitos básicos da psicogenética que servem de suporte para a

compreensão da pesquisa; no segundo, apresentamos os estágios de

desenvolvimento cognitivo, utilizando a linguagem como fio condutor; no terceiro e

último tópico, discorremos sobre a linguagem e o pensamento dos surdos, à luz da

teoria piagetiana, a partir dos resultados de pesquisas realizadas no Brasil.

2.1 ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS DA TEORIA DE PIAGET

O postulado básico de Jean Piaget é que o conhecimento do sujeito provém de uma

lógica, a lógica da ação.

Diferentemente do empirismo clássico, que via o conhecimento como cópia do real,

e do inatismo, que o concebia como produto de uma razão a “priori”, Piaget

elaborou, no século XX, uma epistemologia afirmando o papel da interação sujeito e

objeto na construção do conhecimento. Essa construção desempenhada pelo sujeito

significa que este elabora o conhecimento. Para Piaget, “a palavra não tem o

significado que o senso comum lhe empresta. Para ele, o termo ‘conhecer’ tem

sentido claro: organizar, estruturar explicar, porém, a partir do vivido (do

experimentado)” (CHIAROTTINO, 1988, p.3). Foi a partir da observação no desenvolvimento dos seus próprios filhos e de muitas

outras crianças, que Piaget chegou à conclusão de que estas não pensam como os

adultos. Alegou que, além de lhes faltarem certas habilidades, a maneira de pensar

é diferente.

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Os estudos de Piaget partiram da biologia, para entender os processos de

pensamento. Foi o exame de diferentes espécies vivas que o levou à conclusão de

que existem, em todas as formas de vida (animal ou vegetal), algumas funções que

se mantêm invariantes e que são inerentes ao próprio conceito e funcionamento da

vida.

Essa funções são a adaptação e a organização. Todo ser vivo, desde o mais

simples, como, por exemplo, uma ameba, até os mais complexos, como o ser

humano, incluindo nesta relação os vegetais, possuem uma atividade interna que

organiza seus processos e os regula com o meio. Cada órgão possui estruturas que

funcionam de modo ordenado e definido, que o diferenciam dos demais e permitem

sua integração no organismo total. Toda essa lógica, própria ao funcionamento

biológico, revela a organização que está presente em todos os seres vivos. Da

mesma maneira, todos os organismos adaptam-se às condições ambientais,

modificando-se para melhor sobreviver em cada realidade. Podemos dizer que a

organização e a adaptação são funções invariantes em todas as espécies vivas e,

também, em todos os estágios do desenvolvimento cognitivo.

[...] Do ponto de vista biológico, a organização é inseparável da adaptação: são dois processos complementares de um mecanismo único, sendo o primeiro o aspecto interno do ciclo, do qual a adaptação constitui o aspecto exterior. [...] A “concordância do pensamento com as coisas” e a “concordância do pensamento consigo mesmo” exprimem essa dupla invariante funcional da adaptação e da organização. Ora, esses dois aspectos do pensamento são indissociáveis: é adaptando-se às coisas que o pensamento se organiza e é organizado-se que as estruturas as coisa (PIAGET, 1987, p. 18-19).

O processo de adaptação no ser humano realiza-se por meio da ação. A ação é um

elemento nuclear na teoria piagetiana. É a partir da ação reflexa que a criança vai

construir os esquemas motores. Exemplificando, temos: o esquema de pegar deriva

do reflexo de preensão. Quem pega, pega algo, seja a chupeta, a mamadeira, o

chocalho, etc. Para Piaget, não interessa o que a criança pega, mas sim como pega.

As modificações introduzidas através de cada objeto (textura, tamanho, espessura,

etc) fazem com que o esquema de pegar vá se modificando, diferenciando alguns

elementos de outros. À medida que as experiências vão se tornando mais ricas, a

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criança tem maiores e melhores oportunidades de inserir o objeto do conhecimento

num sistema de realizações, construindo desse modo as estruturas mentais.

Segundo Piaget (apud Chiarottino, 1988), há três tipos de estruturas no organismo

humano:

• as estruturas totalmente programadas: como as do aparelho reprodutor, que

nos capacitam a prever determinados comportamentos em determinadas

épocas (ex.: maturação sexual);

• as estruturas parcialmente programadas: como as do sistema nervoso, cujo

desenvolvimento e construção dependem em grande parte do meio;

• as estruturas nada programadas: que são as estruturas mentais, específicas

para o ato de conhecer.

Esta última estrutura é trazida pela teoria de Piaget:

[...] saber supõe estruturas subjacentes que denunciam o funcionamento das estruturas mentais com sua lógica, que é a mesma para toda a espécie humana. As “diferenças” se explicam em termos da interação organismo-x-meio. As possibilidades orgânicas dos assim chamados indivíduos sadios são as mesmas, mas as construções, tanto endógenas quando exógenas, vão depender da solicitação do meio. O importante é que a lógica das ações é a mesma em qualquer parte do planeta. Os conteúdos é que variam. Não tem sentido, por exemplo, dizer que a lógica dos índios é diferente da nossa (CHIAROTTINO, 1988, p. 22).

Piaget considera como estrutura mental a estrutura que contém elementos e as

relações que os ligam, sem ser possível caracterizar ou definir estes elementos

independentes das relações em jogo.

Piaget acredita, portanto, que existem estruturas específicas para o ato de conhecer – as estruturas mentais - que sendo orgânicas, não estão programadas no genoma; sua ‘’construção” vai depender das solicitações do meio. Essa posição supera a dicotomia meio-x-organismo. De fato, as estruturas mentais, sendo orgânicas, aparecem como fruto da interação entre os dois – colocando, assim, uma terceira possibilidade que sobrepuja a “contradição” presente na idéia de

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organismo, pois no que se refere às estruturas mentais, o orgânico já pressupõe o meio (CHIAROTTINO, 1988, p.9).

Em cada estágio, a criança constrói estruturas diferentes (sistema de relações) para

explicar o mundo que a cerca. Assim, as estruturas são variáveis e construídas no

sentido de uma equilibração progressiva, servindo cada estágio de suporte para

novas construções.

[...] numa perspectiva de equilibração, uma das fontes do progresso no desenvolvimento dos conhecimentos deve ser procurada nos desequilíbrios como tais, que por si só obrigam um sujeito a ultrapassar seu estado atual e a procurar o que quer que seja em direções novas (PIAGET, 1976, p.18).

Piaget descreve que são quatro os fatores explicativos do desenvolvimento humano.

A maturação é o primeiro fator que influencia o desenvolvimento:

É evidente, de início, que não se poderia interpretá-los em função apenas do amadurecimento do sistema nervoso, pois que, se a ordem de sucessão das fases permanece constante, a idade cronológica média que caracteriza cada uma delas pode variar de um ambiente para outro um função das influências sociais e da experiência adquirida (cf. os resultados de Elkind em Boston e de Laurendeau-Pinard em Montreal, a cerca de 250 milhas de distância) (PIAGET, 1975, p. 29)

O segundo fator é o relacionado com a experiência ou contato com objetos.

A experiência adquirida e as aprendizagens que ela provoca desempenham naturalmente um papel essencial e constituem uma condição necessária para o desenvolvimento operatório. Mas ela não é mais suficiente, pois uma conservação como a de substância não se pode apoiar sobre nenhum dado perceptivo direto (PIAGET, 1975, p.29)

A transmissão social é o terceiro fator que influencia no desenvolvimento. Como

exemplo, podemos destacar o papel da linguagem no desenvolvimento cognitivo,

pois, a partir de uma certa idade, a transmissão do conhecimento é marcado pela

possibilidade de trocas verbais. Na adolescência, é inquestionável a importância da

linguagem para o pensamento formal.

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Esses três fatores têm influência no crescimento cognitivo do sujeito. Piaget

considera como quarto fator a equilibração, sendo este o fator central.

Levando-se em conta, então, esta interação fundamental entre os fatores internos e externos, toda conduta é uma assimilação do dado a esquemas anteriores (assimilação a esquemas hereditários em graus diversos de profundidade) e toda conduta é, ao mesmo tempo, acomodação destes esquemas à situação atual. Daí resulta que a teoria do desenvolvimento apela, necessariamente, para a noção de equilíbrio, pois toda conduta tende a assegurar equilíbrio entre os fatores internos e externos ou, mais em geral, entre a assimilação e a acomodação (PIAGET, 1984, p.95-96).

Como o objetivo do nosso trabalho centra-se em investigar o desenvolvimento

cognitivo dos adolescentes surdos educados numa abordagem bilíngüe, vamos

então discorrer sobre o que vem a ser estes estágios de desenvolvimento segundo a

teoria piagetiana, tendo como fio condutor a linguagem.

2.2 OS ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO

Na concepção piagetiana, podemos dizer que o desenvolvimento é

fundamentalmente um processo de equilibrações sucessivas que conduzem a

maneiras de agir e de pensar cada vez mais elaboradas e complexas.

Piaget distingue quatro estágios ou períodos principais, no estudo dessa passagem:

• Estádio da inteligência sensório-motora (até 2 anos);

• estádio da inteligência simbólica ou pré-operatório (de 2 a 7-8 anos);

• estádio da inteligência operatória concreta (de 7-8 anos a 11-12 anos);

• estádio da inteligência operatória formal (a partir dos 12 anos).

Para que se possa compreender o sentido desses estágios é necessário relaciona-los com tudo aquilo que já foi dito a respeito da teoria de Piaget. Primeiro: Piaget tratou do sujeito epistêmico, ou seja, do sujeito do conhecimento, e não do sujeito psicológico ou dos indivíduos concretos. Esses estágios indicam as possibilidades do ser humano, não dizem respeito a todos os indivíduos. As observações de

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Piaget realizadas com crianças demonstram que o humano tem possibilidades genéticas de raciocinar sobre relações e de levantar hipóteses a partir de 12 anos, mas isso não quer dizer que necessariamente todos cheguem lá. [...] se muitos ou mesmo a maioria dos seres humanos não chega a raciocinar sobre hipóteses, isto não invalida a afirmação piagetiana de que a partir de 12 anos o homem torna-se capaz de raciocinar sobre hipóteses... Piaget falou em possibilidade e não naquilo que se passa concretamente, com todos os indivíduos considerados particularmente (CHIAROTTINO, 1988, p. 32).

Piaget não estabeleceu essa divisão arbitrariamente; ao contrário, ela segue

parâmetros bem definidos, não tendo nada a ver com o desenvolvimento fisiológico,

de peso, de tamanho ou de idade. A delimitação das idades foi estabelecida como

conseqüência das investigações realizadas (NOGUEIRA, 2002).

De acordo com Dolle (apud NOGUEIRA, 2002, p. 168), Piaget, ao responder “Quais

são os critérios de definição e de delimitação de um estádio?”, descreve que são

cinco, a saber:

a. A ordem de sucessão das aquisições deve ser constante, não no que se

refere à cronologia, já que varia tanto na função da maturação do sujeito

como em virtude de suas experiências anteriores, assim como do meio social.

b. O caráter integrativo dos estágios, isto é, as estruturas construídas num

determinado nível são integradas nas estruturas do nível seguinte. “Assim as

estruturas sensório-motoras são parte integrante das estruturas operatório-

concretas; estas o são, por sua vez, das operações formais”. (DOLLE, 1975,

p. 53)

c. Cada estágio deve se caracterizar por uma estrutura de conjunto, podendo se

caracterizar por suas leis de totalidade.

d. Cada estádio comporta ao mesmo tempo um nível de preparação de uma

nova estrutura e o acabamento de outra.

e. A preparação de aquisições posteriores pode incidir sobre mais de um estádio

e, também, existem diversos graus de acabamento, o que produz a

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necessidade de distinguir, em toda seqüência de estádios, os processos de

gênese (formação) e as formas de equilíbrio final (relativas), sendo que

apenas estas últimas podem constituir estruturas de conjunto conforme

mencionado em “c”.

2.2.1 O período sensório-motor O primeiro período, chamado de inteligência-motora, compreende a fase do

nascimento até aproximadamente os dois anos. O que caracteriza o

desenvolvimento neste estágio, é explicitado por Piaget:

Muitas vezes mal se suspeitou da importância desse período; e isto porque ele não é acompanhado de palavras que permitam seguir, passo a passo, o progresso da inteligência e dos sentimentos mais tarde. Mas na verdade, é decisivo para todo o curso da evolução psíquica: representa a conquista, através da percepção e dos movimentos, de todo o universo prático que cerca a criança. Ora, esta “assimilação senso-motora” do mundo exterior imediato realiza, em dezoito meses ou dois anos, toda uma revolução copérnica em miniatura (PIAGET, 1984, p.16).

Como o nome indica, neste estágio não há ainda a capacidade de abstração e a

atividade intelectual é de natureza sensorial e motora, isto é, a criança percebe o

ambiente e age sobre ele. A inteligência que marca esta etapa é essencialmente

prática.

Segundo Piaget (1984), a evolução da inteligência nesses dois primeiros anos de

vida é marcada por quatro processos: o primeiro, a construção do objeto

permanente, que significa atribuir ao objeto uma existência, independentes de o

mesmo se achar ou não presente no campo perceptual do bebê; o segundo, é a

noção de espaço, que abriga o próprio corpo e os objetos em geral; o terceiro

processo é a noção de causalidade, partindo de um egocentrismo radical, onde a

criança é a causa dos acontecimentos, até a posição de espectadora em relação

aos fatos que acontecem ao seu redor. O último processo é a construção do tempo,

que ocorre paralelamente à da causalidade, fazendo com que no final desse período

a criança perceba as relações de antes e depois.

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O principal fato que marca a passagem do período sensório motor ao pré-operatório

ou intuitivo é a aquisição da linguagem. Como considera que a duração da

inteligência motora (18 meses) é longa, Piaget, (1978) se pergunta: Por que a

aquisição da linguagem é tão tardia com relação aos processos descritos?

E responde: A linguagem às vezes foi reduzida a um puro sistema de condicionamento, de reflexos condicionados. Se tal fosse o caso, haveria aquisição desde o fim do primeiro mês, porque já existem os primeiros reflexos condicionados no começo do segundo mês. Por que é necessário esperar 18 meses? Respondemos que a linguagem é solidária do pensamento e supõe pois um sistema de ações interiorizadas e supõe mesmo, cedo ou tarde, um sistema de operações. Chamaremos “operações” ações interiorizadas, quer dizer executadas não mais material, mas interior e simbolicamente, e ações que podem ser invertidas, que são reversíveis [...] (Piaget, 1978, p. 226).

2.2.2 O nível pré-operatório Esse segundo nível, também conhecido como inteligência simbólica ou pensamento

intuitivo, varia em média dos dois aos sete anos de idade. É um estágio marcado

pelo aparecimento da função simbólica ou semiótica, ou seja, é nesse segundo ano

de vida que se nota o aparecimento de condutas que indicam a representação

propriamente dita: imitação diferida, jogo simbólico, desenho ou imagem gráfica,

imagem mental e linguagem, por meio do qual a criança passa a utilizar

“significantes” para representar “significados”.

Podemos, então, admitir que existe uma função simbólica mais ampla que a linguagem, englobando, além do sistema de signos verbais, o do símbolo no sentido estrito. Pode-se dizer, então, que a origem do pensamento deve ser procurada na função simbólica. Mas também se pode, legitimamente, sustentar que a função simbólica se explica pela formação das representações. Com efeito, o próprio da função simbólica consiste numa diferenciação dos significantes (signos e símbolos) e dos significados (objetos ou acontecimentos, uns e outros esquemáticos ou conceitualizados) (PIAGET, 1984, p.85).

De acordo com Piaget, existe a função semiótica que engloba a linguagem, mas não

se resume a ela.

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Mas como a linguagem só é uma forma particular da função simbólica, e como o símbolo individual é, certamente, mais simples que o signo coletivo, conclui-se que o pensamento precede a linguagem e que esta se limita a transformá-lo, profundamente, ajudando-o a atingir suas formas de equilíbrio através de uma esquematização mais desenvolvida e de uma abstração móvel” (PIAGET, 1984, p.86).

As cinco condutas características da função representativa ou simbólica identificada

por Piaget e anteriormente citada são descritas por Goulart (1993):

a. A imitação diferida corresponde à imitação que é feita na ausência do

modelo, marca o início da representação e do gesto imitativo, isto é princípio

do significante diferenciado.

b. O jogo simbólico, conhecido também como jogo do faz de conta ou jogo de

ficção. Como exemplo, podemos citar quando uma criança finge dormir e se

faz de surda ao chamado da mãe; esse ato é uma “representação nítida e o

significante diferençado é um gesto imitativo, acompanhado de objetos que

vão se tornando simbólicos” (GOULART , 1993 p.146).

c. De acordo com Piaget, o desenho é uma forma de função semiótica entre o

jogo simbólico e a imagem mental, com o primeiro também provoca prazer

funcional e com o segundo compartilha o esforço da imitação do real.

d. As imagens mentais são o resultado de uma imitação interiorizada e

aparecem mais tardiamente.

e. A linguagem é a mais social das funções de representação e surge

geralmente ao mesmo tempo que as demais, isto é, por volta de 1 ano e

meio a 2 anos (GOULART , 2003 p.151).

Para Piaget (1984), são três as conseqüências do aparecimento e desenvolvimento

da linguagem: a primeira é o início da socialização da ação ou o intercâmbio entre os

indivíduos; a segunda é a interiorização da palavra e é marcada pelo início de um

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linguagem interior; a terceira é a interiorização da ação, refletida em termos de

imagens e experiências mentais.

Segundo Piaget, este período realiza certamente um equilíbrio superior ao da

inteligência sensório-motora.

[...] pois em vez de se deter no que é dado atualmente à percepção e ao movimento, ele ultrapassa o atual por meio de antecipações e de reconstituições representativas. Mas, comparado com o estágio seguinte, este equilíbrio permanece instável e incompleto, pois está ligado a evocações figurativas, sem reversibilidade propriamente dita (PIAGET, 1973, p.174).

2.2.3 O período operatório concreto Este período varia dos 7-8 anos a 11-12 anos e apresenta grandes novidades.

[...] pois é a primeira vez, no desenvolvimento intelectual de uma criança que é possível falar de operações, aqui entendidas, segundo a teoria piagetiana, como ações suficientes coordenadas entre si, de modo a constituírem uma estrutura de conjunto. As operações no período em pauta são todavia, concretas, no sentido de só de desenrolarem na presença de dados concretos e, “em particular, que a sua necessidade é de fato e não ainda de direito” (GRIZE, in PIAGET et al. apud NOGUEIRA, 2002, p. 180).

O período é marcado pelas operações lógico-matemáticas e as operações

infralógicas.

Operações lógico-matemáticas

São ações cognitivas internalizadas, reversíveis, que permitem ao sujeito chegar a

conclusões lógicas.

As estruturas lógicas [...] constituem as formas mais gerais das operações em ação nas conservações. Piaget não cessou de repetir que as operações prolongam a ação e que, por conseguinte, sua origem não deve ser procurada na linguagem ou no meio social, na aprendizagem ou na percepção. Elas são “ligadas”, por uma evolução espantosamente contínua, a um certo número de ações elementares (amontoar, dissociar, alinhar, etc.) e, em seguida, às regulações cada

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vez mais complexas que preparam, depois asseguram, sua interiorização e sua generalização. (DOLLE, 1974, p. 135)

As operações lógico-matemáticas, identificadas nesse período operatório concreto,

são as operações de classificação, seriação e compensação.

As operações infralógicas

As operações infralógicas referem-se às conservações físicas: conservação de

quantidade de matéria, de peso e de volume; e à constituição do espaço:

conservação de comprimento, superfície, perímetro, horizontais, verticais, etc.

Ao nível das operações concretas constitui-se, pois, um conjunto de esquemas de conservação (ou noções de conservações). Estas, todavia, só se constituem enquadrados e sustentados por uma estruturação lógico-matematica devido às atividades do sujeito. É por isso que, desde as operações concretas, os esquemas (ou noções) de conservação se adquirem ao mesmo tempo que se elaboram as estruturas lógico-aritméticas de classificação, de relações e de número. As noções de conservação não são todas elaboradas ao mesmo tempo. Há, com efeito, defasagens (horizontais) entre certas conservações (DOLLE, 1974, p. 124).

Piaget considera que, após os sete anos, o egocentrismo diminui, permitindo uma

maior interação social. Do ponto de vista das relações interindividuais, a criança, depois dos sete anos, torna-se capaz de cooperar, porque não confunde mais seu próprio ponto de vista com os dos outros, dissociando-se mesmo para coordená-los. Isto é visível na linguagem entre as crianças. As discussões tornam-se possíveis, porque comportam compreensão a respeito dos pontos de vista do adversário e procura de justificações ou provas para a afirmação própria. As explicações mútuas entre as crianças se desenvolvem no plano do pensamento e não somente no da ação material. A linguagem “egocêntrica” da criança desaparece quase totalmente e os propósitos espontâneos da criança testemunham, pela própria estrutura gramatical, a necessidade de conexão entre as idéias e de justificação lógica (PIAGET, 1984, p.43).

2.2.4 As operações formais As estruturas operatórias “formais” começam a se constituir a partir dos 12 anos de

idade, e apresentam as seguintes características: o nível de pensamento é

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essencialmente hipotético-dedutivo; o real se subordina ao possível; o adolescente

utiliza uma lógica das proposições, que é a lógica de todas as combinações

possíveis; constitui um sistema de operações de segunda potência, isto é, as

permutações são seriações de seriações, as combinações são multiplicações de

multiplicações, etc.

O pensamento formal, ao contrário, é hipotético-dedutivo. Ele opera, pois, uma inversão entre o real e o possível a tal ponto que o real “se subordina ao possível”. Agora, a dedução lógica não se efetua mais sobre o real percebido, mas sobre hipóteses, vale dizer, sobre proposições que formulam as hipóteses ou colocam os dados a título de simples dados, independentemente de seu caráter atual: a dedução consiste então em ligar entre si essas assunções tirando suas conseqüências necessárias, mesmo quando seu valor experimental não ultrapassa o possível [...] (DOLLE, 1974, p.170).

Nesse período são identificadas as seguintes operações lógicas: a combinatória, o

pensamento proporcional, a compensação complexa, a probabilidade e a indução de

leis.

Segundo Inhelder e Piaget (1976), o aparecimento das estruturas operatórias

citadas anteriormente permite ao adolescente refletir sobre seu pensamento e

construir teorias, que mesmo sendo limitadas, inadequadas e pouco originais, não

tem importância, considerado do ponto de vista funcional, pois tais sistemas

apresentam a significação essencial de permitir ao adolescente sua integração moral

e intelectual na sociedade dos adultos.

A linguagem tem um papel fundamental neste período.

[...] A linguagem, portanto, é condição necessária, mas não suficiente para a construção das operações lógicas. Ela é necessária, pois sem o sistema de expressão simbólica que constitui a linguagem, as operações permaneceriam no estado das ações sucessivas, sem jamais se integrar em sistemas simultâneos ou que contivessem, ao mesmo tempo, um conjunto de transformações solidárias. Por outro lado, sem a linguagem, as operações permaneceriam individuais e ignorariam, em conseqüência, esta regularização que resulta da troca interindividual e da cooperação (PIAGET, 1984, p.92).

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Uma outra característica nesta faixa etária, segundo Inhelder e Piaget (1976), é que

os adolescentes procuram estar entre os seus, a vida social é origem da

descentração intelectual e não apenas moral; isto ocorre porque é nas trocas com os

amigos que descobrem nas opiniões dos mesmos a fragilidade das suas.

O aparecimento do pensamento formal não é simplesmente uma conseqüência de

estar na adolescência (puberdade), depende dos fatores sociais e dos fatores

neurológicos (maturação).

Em resumo, longe de constituir uma fonte de “idéias inatas” já inteiramente elaboradas, a maturação do sistema nervoso se limita a determinar o conjunto das possibilidades e impossibilidades para determinado nível, em determinado ambiente social, e é portanto indispensável para a efetivação dessas possibilidades. Depois, essa efetivação pode ser acelerada ou retardada em função das condições culturais e educativas; é por isso que tanto o aparecimento do pensamento formal quanto a idade da adolescência em geral, isto é, a integração do indivíduo na sociedade adulta, dependem dos fatores sociais tanto e até mais do que dos fatores neurológicos (INHELDER E PIAGET, 1976, p.251)

2.3 A LINGUAGEM E O PENSAMENTO DOS SURDOS

Antes de tratarmos sobre a linguagem e pensamento do surdo, é importante

compreender de que sujeito estamos falando.

2.3.1 A surdez

Segundo Nogueira e Machado (1996, p. 6), a “surdez é a ausência, dificuldade, ou

inabilidade para ouvir sons específicos (tons puro), ambientais (ruídos familiares) e

os sons da fala humana (tons complexos).

E como definição de surdo as mesmas pesquisadoras descrevem:

[...] segundo definições aprovadas pela Sociedade Otológica Americana, em 1940 surdo é o indivíduo cuja audição não é funcional na vida comum; hipoacúsico (duro de ouvido) é aquele cuja audição,

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ainda que deficiente, é funcional com ou sem prótese auditiva (NOGUEIRA; MACHADO, 1996, p. 10).

As perdas auditivas apresentam graus e tipos variados. A literatura registra os

seguintes tipos: condutiva (problemas no ouvido médio e/ou externo),

neurossensorial (problemas no ouvido interno), sensorial (problemas retro cocleares

– depois da cólclea).

Quanto aos graus, podemos encontrar pequenas divergências, como mostram as

definições segundo o Padrão ANSI10 (1969) e os adotados por Devis e Silvermann

(1970) apresentadas a seguir (INES, 2003, p.35):

Quadro 1- Padrão ANSI (1969)

Classificação Média da perda auditiva

Normal 0 a 25 dB

Leve 26 a 49 dB

Moderada 41 a 55 dB

Acentuada 56 a 79 dB

Severa 71 a 90 dB

Profunda Acima de 90 dB

Quadro 2 - Devis e Silvermann (1970)

Classificação Média da perda auditiva

Normal 0 a 25 dB

Leve 26 a 49 dB

Moderada 41 a 70 dB

Severa 71 a 90 dB

Profunda Acima de 90 dB

10 American National Standards Institute

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Para uma melhor compreensão do quadro acima, elucidaremos o que o sujeito pode

ouvir, de acordo com a perda auditiva, adotando o Padrão ANSI (INES, 2003, p.35):

Perda leve: escuta qualquer som, desde que ele esteja um pouco mais alto.

Perda moderada: numa conversação, pergunta muito “hem”?, e ao telefone não

escuta com clareza, trocando muitas vezes a palavra ouvida por outra foneticamente

semelhante.

Perda acentuada: já não escuta sons importantes do dia-a-dia, como, por exemplo, o

telefone tocar, a campainha, a televisão, necessitando sempre do apoio visual para

entender o que foi dito.

Perda severa: escuta sons fortes, como latido do cachorro, caminhão, serra elétrica,

e não é capaz de escutar a voz humana sem a prótese auditiva.

Perda profunda: escuta apenas os sons graves que transmitem vibração

(helicóptero, avião, trovão).

2.3.2 As pesquisas

Apesar do número “limitado” de pesquisa, o estudo do desenvolvimento cognitivo e

da linguagem dos surdos tem sido objeto de estudiosos há algum tempo.

[...] embora se observe um certo atraso, mais ou menos sistemático, da lógica do surdo, não se pode falar da carência propriamente dita, pois se encontram os mesmos estágios de evolução com um atraso de 1 a 2 anos (PIAGET, 1985, p. 77).

No Brasil, desde a década de 80 podemos destacar alguns trabalhos desenvolvidos

com surdos e a teoria piagetiana, entre elas: as de Zamorano; Poker; Machado;

Nogueira e Tito e Nogueira e Machado, mesmo que apresentem focos diferenciados,

para o nosso trabalho é de suma importância conhecermos os resultados

encontrados. Assim, não é nossa pretensão detalharmos os trabalhos, e sim

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apresentarmos uma síntese, destacando as contribuições de cada pesquisa para o

referido tema em questão.

2.3.2.1 As pesquisas no Brasil

Alicia Zamorano (1981), ela própria surda, realizou uma pesquisa com 20 surdos

educados numa abordagem oralista com idade variando entre 11 a 16 anos, das

seguintes séries: 3ª série, 4ª série e Pré-5ª série. Foram aplicadas provas piagetinas

de conservação de substância, do peso e do líquido e de seriação e de

classificação, que objetivavam observar e analisar o comportamento verbal dos

sujeitos surdos, para tentar esclarecer a relação existente entre a linguagem verbal

das crianças surdas e o seu pensamento, considerando não somente as relações

lógicas que estabelecem mas os conceitos que adquirem.

A pesquisadora considerou que os resultados encontrados nas respostas dos

sujeitos surdos, quanto à prova de conservação, reflete uma certa dúvida pelo fato

de não fornecerem respostas de conservação propriamente ditas, por não terem

alcançado um certo nível ou por não terem a linguagem suficiente para expressá-la.

Na prova de seriação, os sujeitos apresentaram uma “performance” em nível de

seriação operatória, mas ao considerar a linguagem, esta seriação é pré-operatória,

isto é, possuem as estruturas de ordem, mas não verbalizam. Na prova de

classificação, os resultados confirmam a hipótese de Piaget a respeito da

independência lógica das ações da lógica implícita na performance verbal da criança

(ZAMORANO, 1981).

Das considerações finais, destacamos alguns dos itens elencados por Zamorano

(1981, p. 85, 86 e 87):

• A ausência de solicitação por parte do meio em que vivem as crianças

surdas, para compreender e explicar aquilo que realizam, seria a nosso ver a

causa principal da deficiência que encontramos.

• Uma reeducação que vise somente à produção e compreensão de frases;

limita o surdo ao concreto, conduzindo ao “saber fazer”, sem solicitá-lo ao

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compreender. É fundamental insistir numa solicitação ao nível do discurso,

que leva a uma maior tomada de consciência, pois a razão ou a explicação

lógica só pode aparecer graças à abstração reflexiva11.

• A pretensão de estar no mesmo nível lingüístico do ouvinte é para poder

alcançar os mesmos resultados que este, em todos os sentidos.

• Ela precisa é de uma maior estimulação em nível da linguagem. É preciso

levar em conta a maior dependência das pessoas surdas em relação a quem

se ocupa de sua educação se as compararmos com ouvintes. Esta particular

situação, conseqüência da perda auditiva, adverte sobre a responsabilidade

dos pais e educadores de surdos para encaminhá-los sistematicamente e

gradualmente, sem perder de vista a importância de sua independência

mental.

Em síntese: Que o que falta à criança surda são os elementos necessários de linguagem verbal para darem expressão à sua conceituação lógica, sendo fundamental insistir numa solicitação do meio ao nível do discurso, que exigiria uma melhor organização ao nível simbólico, permitindo a tomada de consciência de suas ações e operações (Zamorano, 1981, p.88).

Num trabalho posterior, Zamorano (1988) aprofundou algumas idéias da pesquisa

anterior referente à linguagem do surdo e seu pensamento, realizada com 70

adolescentes surdos com idade em média dos 12 aos 19 anos, que cursavam o

ensino fundamental. Como o objetivo deste trabalho era conhecer o pensamento

operatório-formal, com ênfase na linguagem, para tanto realizou uma das

experiências citadas no livro de Inhelder e Piaget “Da lógica da criança à lógica do

adolescente12”.

11 Essa abstração é a que “apóia-se sobre as coordenações das ações do sujeito, podendo estas coordenações, e o próprio processo reflexionante, permanecer inconscientes, ou dar lugar a tomadas de consciência e conceituações variadas”. (PIAGET, 1995, p. 274) 12 O papel da imantação invisível e as dezesseis operações proporcionais binárias.

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Nas respostas dos adolescentes, ela destacou que eles partem do nível da

legalidade (o indeterminado) para alcançar o nível da causalidade ou necessidade

(o deduzido), quando este foi compreendido dentro de um sistema.

A pesquisadora afirma que, independente dos resultados encontrados das provas,

como processo de descoberta do acaso, interessava para a mesma discutir os

resultados em função da importância que acreditava ter a linguagem para o

desenvolvimento do pensamento no adolescente surdo. E destaca:

A hipótese é que a linguagem dos adolescentes surdos está revestida de um papel de operação, sendo máxima expressão como um resultado da lógica desse pensamento. Esse papel de “operação” proviria de estruturas prévias, começando pela linguagem como uma das primeiras ações a serem apreendidas pela criança surda. Desta maneira seria um sistema de significação a ser desenvolvido no duplo esforço assimilativo: das ações e da linguagem como ação (ZAMORANO, 1988, p. 5 e 6).

De acordo com nossos dados, a linguagem depende das experiências vividas e da solicitação do meio, no sentido de possibilitar as representações organizadas que são a condição da linguagem (ZAMORANO, 1988, p.206).

Poker (1995) realizou um trabalho com 8 surdos entre 8 e 11 anos, e investigou se

os modos de ação dos métodos de ensino oral e combinado (gestual) para surdos

estavam propiciando o desenvolvimento cognitivo. Para tanto, apresentou uma

discussão teórica aprofundada dos dois métodos, e também procurou, através das

provas operatórias e da construção do real, elaborar um diagnóstico da situação

cognitiva das crianças surdas, e por último realizou um estudo de caso com as

crianças que apresentaram alguma resposta de nível operatório.

Na análise dos dados a respeito da situação cognitiva dos surdos e da organização

do real em nível da representação, tanto os surdos educados no método oral como

os do método combinado, apresentaram sérios atrasos na constituição das

operações (déficit cognitivos). E a pesquisadora destaca que estes dados

encontrados parecem ser semelhantes aos encontrados nas crianças de favela,

como demonstrou a pesquisa de Adrian Dongo Montoya, na qual as precárias

condições de vida social não permitiam a possibilidade de trocas simbólicas dos

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sujeitos com seu meio, comprometendo o desenvolvimento cognitivo (POKER,

1995).

Os surdos profundos, conforme se verificou a partir dos dados coletados e analisados, assim como as crianças da favela, estruturam muito bem o real a nível prático e têm a capacidade de representar. Mas não compreendem o que fazem, pois não são solicitados a organizar suas representações através das variadas formas de função simbólica (POKER, 1988, p.234).

A pesquisadora, ao analisar os métodos de ensino, considera alguns pontos; dentre

eles, destacamos: que em ambos os métodos a linguagem é utilizada como mera

nomeação de objetos; que os conteúdos, estratégias, forma de avaliação, não

estão propondo condições de interação significativa do sujeito com o meio.

Poker considera que, para alterar esta realidade, os dois métodos deveriam

considerar a linguagem na forma como a teoria piagetiana a concebe – “precisa

ser entendida como manifestação de um tipo de função simbólica, sendo resultado

dos progressos da inteligência, que contribui para a reorganização dos esquemas

de ação” (POKER, 1995, p.236), o que implica também uma mudança de postura

com relação ao próprio conhecimento. Precisaria uma modificação na forma de

entender o conhecimento, o aluno; teria que se redefinir a educação da forma que é

compreendida na escola.

A pesquisadora, ao analisar os estudos realizados, considera que no método oral a

mudança seria mais difícil de acontecer, pois a forma da concepção da linguagem

nega a interação do sujeito com o meio de forma significativa. E quanto ao método

combinado, considera que neste poderia existir espaço para a troca simbólica, pois

ao dominar uma linguagem, neste caso a gestual, o surdo perderia na questão fala,

mas estaria se desenvolvendo nos aspectos cognitivo, afetivo e social.

O estudo de caso realizado por Poker com duas crianças que apresentaram

resposta operatória teve como objetivo buscar elementos para compreender se,

necessariamente, seriam os métodos de ensino os fatores diretamente

responsáveis pelo seu desenvolvimento cognitivo. E como resposta a pesquisadora

destaca:

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[...] as crianças que apresentaram algum tipo de resposta operatória tinham uma vida familiar que propiciava algumas situações de trocas simbólicas, diferentemente do modo de ação dos métodos de ensino a que as crianças vinham sendo submetidas (POKER, 1995, p.237).

Como síntese da sua conclusão:

Constatou-se, por fim, que os procedimentos empregados pelos métodos não consideram o surdo como sujeito do conhecimento; que os métodos concebem a linguagem apenas enquanto veículo de transmissão de conteúdos, não a reconhecendo como instrumento efetivo de comunicação e expressão, elemento promotor de trocas simbólicas. Por tudo isso, conclui-se que, nas formas como são pensadas e vem sendo praticados, os método de ensino não estão propiciando situações para o desenvolvimento cognitivo do surdos, contribuindo para conservar sua condição de marginalidade (POKER, 1995, p.3).

Machado (2000) analisou, sob a perspectiva do construtivismo piagetiano, as

formas de apropriação da leitura e da escrita de uma segunda língua pelo surdo, no

caso em questão o português. A pesquisadora realizou o seu trabalho com 13

crianças entre 3 a 8 anos, que cursavam entre a pré-escola e as séries inicias do

ensino fundamental, que apresentassem um nível lingüístico em LIBRAS

compatível com a exigência das provas13.

Os dados da pesquisa apontaram que a criança surda inicia o processo de

compreensão da escrita da mesma maneira que as crianças ouvintes, isto é, antes

da fase de fonetização da escrita. E mais: que as crianças compreendem “como” é

a representação da escrita sem a compreensão “do que” a escrita representa, isto

é, compreendem a natureza “alfabética” do nosso sistema de escrita sem o apoio

da “consciência fonética” (MACHADO, 2000).

Dentre as contribuições para o trabalho de alfabetização destacamos alguns itens

expostos por Machado (2000, p. 179 e 180) :

13 Foram realizadas sete provas: aspectos formais da escrita, leitura com imagem, leitura sem imagem, escrita, realismo nominal, atos de leitura, texto e contexto.

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• As crianças surdas, como as ouvintes, constróem informações sobre a

escrita mesmo antes do processo de alfabetização formal (“primário” ).

• A imagem é um sistema simbólico importante para os surdos, no processo de

compreensão léxico-semântico da língua escrita. No entanto, é preciso

compreender as relações que a criança estabelece entre texto e imagem, é

preciso conhecer as hipóteses construtivas dessa relação.

• O acesso do surdo à língua escrita é menos natural do que para o ouvinte,

mesmo para surdos “oralizados” porque a fonetização da escrita não

depende da fala mas da audição. Se para o surdo a escrita é um objeto de

conhecimento muito mais “formal”, toda escola para surdos deveria criar um

verdadeiro “laboratório de escrita”.

• Pensar que a memória do surdo é puramente visual é desconsiderar os

aspectos cognitivos na atividade de evocação. O surdo, como o ouvinte,

apóia-se na atividade muito mais do que na percepção para recuperar um

significado expresso na escrita.

• O trabalho de letramento com o surdo deveria considerar uma investigação

metalingüística do sistema e as regras de ensino de uma segunda língua,

mas sem, absolutamente, deixar de lado os aspectos psicogenéticos da

construção da escrita pela criança surda.

A pesquisadora aborda que o citado anteriormente refere-se aos aspectos

formais do sistema, e explicita os limites desse conhecimento para o processo

de letramento do surdo.

Qualquer atividade de escrita deve levar em conta, como ressalta Freire (1998), o conhecimento de mundo que a criança tem. Além disso, no caso dos surdos, é preciso levar em conta que esse conhecimento de mundo é construído com base na suas experiências e na interação com o outro por meio da sua língua natural, a língua de sinais. A escrita como segunda língua, e como representação de uma língua que o surdo não tem acesso de maneira natural, exige instrumentalização em todos os sentidos para o desenvolvimento da leitura e da escrita [...] Considerando isso,

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julgamos necessária a tomada de consciência, pela escola especial, de que é preciso buscar conhecimentos que possam auxiliar, efetivamente, a “inclusão” do surdo num espaço político social (MACHADO, 2000, p.181).

A análise que realizamos tem por objetivo demonstrar que as crianças surdas, enfrentando todas as adversidades do meio, estão constantemente construindo sobre a língua escrita, testando-as em diversas situações e reorganizando seu conhecimento a cada nova descoberta. Certamente, a autonomia do indivíduo, mesmo no processo de conhecimento, tem seus limites. Mas o que pretendemos fundamentar é a capacidade dessa e outras crianças surdas que, vivendo um mundo tão adverso às suas condições, continuam construindo seu caminho. Se os surdos, hoje, apresentam um descompasso no seu desenvolvimento cognitivo é porque, certamente, no momento em que o conhecimento do indivíduo passa a depender mais da construção coletiva, faltaram-lhe os pares e as pessoas que acreditassem efetivamente na sua capacidade (MACHADO, 2000, p.185).

As duas pesquisas que seguem já foram mencionadas na introdução e no primeiro

capítulo, mas devido à importância delas para este trabalho, optamos por re-

apresentá-la.

A primeira pesquisa de Nogueira e Tito (1989), “As estruturas lógicas elementares e

a noção de número em crianças deficientes auditivos: subsídios para o ensino de

Matemática”, tinha como objetivo analisar se a deficiência auditiva constituía um

fator que comprometesse significativamente o desenvolvimento lógico-operatório

infantil. Foi investigado, mediante a aplicação das provas piagetianas de

correspondência, termo a termo, seriação e classificação, o desenvolvimento das

estruturas lógicas elementares em 12 crianças com idade entre 4 e 6 anos, com

perda acústica variando de sessenta e cento e dez decibéis e que tinham uma

linguagem verbal extremamente pobre, sendo possível somente uma comunicação

gestual restrita aos ambientes familiar e escolar. Nos resultados encontrados entre

as crianças surdas não foram encontradas defasagens significativas em relação aos

estádios de desenvolvimento descritos pela Psicologia Genética. Na conclusão do

trabalho, as pesquisadoras destacam: (p.47 e 48):

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• As atividades de seriação, correspondência e classificação demonstram, no

geral, um amadurecimento característico do período intuitivo e compatível

com suas idades cronológicas.

• os resultados dos exames, bem como o processo de investigação, autorizam-

nos a indicar a possibilidade de se trabalhar com a criança deficiente auditiva

independentemente da linguagem falada, propiciando condições: a criança

continua aprendendo, apesar da ausência da linguagem verbal. A

comunicação se torna imprescindível a partir dos objetivos acadêmicos,

como: avaliar, programar o ensino diante do desenvolvimento das condições

da criança. Mas, mais do que isso, a comunicação se faz necessária para a

estimulação das estruturas cognitivas a partir da problematização proposta

pelo professor, o que não quer dizer imprescindibilidade da linguagem verbal.

Nogueira e Tito (1989, p 55 e 56) apresentam indicativos para um trabalho em

educação matemática para surdos. Para as autoras, qualquer ação pedagógica com

surdos, em especial no ensino da matemática, deve considerar que:

• A origem da lógica se encontra na ação e não na linguagem.

• A linguagem verbal não é o único meio de comunicação possível.

• A comunicação é importante, mas não suficiente para o desenvolvimento do

pensamento lógico-matemático.

• A avaliação e a programação de situações pode ser feita a partir da atividade

da criança.

• A priorização do ensino da fala coloca em risco determinados processos

cognitivos que podem desenvolver-se independentes da linguagem.

• O desenho constitui importante meio de tomada de consciência da ação e

auxilia na avaliação cognitiva.

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• A organização de um ambiente onde os materiais são limitados mas as

possibilidades são muitas, fornece condições para o estabelecimento de

comunicação segura, sem perda para o desenvolvimento;

• A compreensão do desenvolvimento cognitivo e, mais especificamente, do

desenvolvimento do pensamento lógico-matemático da criança pelo

professor, é condição básica para um trabalho efetivo junto às crianças

surdas.

• O professor como agente desequilibrador, problematizador e organizador de

situações que possibilitem a aprendizagem, de posse de uma fundamentação

teórica, saberá como aproveitar as atividades das crianças para dar

consistência ao trabalho educacional.

Na segunda pesquisa, intitulada “O ensino de Matemática para deficientes auditivos;

uma visão psicopedagógica”, Nogueira e Machado (1996), esperavam encontrar

resultados semelhantes ao da pesquisa realizada no período de 1986 à 1989. Como

citamos anteriormente, o objetivo desta pesquisa era compreender o

desenvolvimento cognitivo da criança surda e, em especial, a análise de como se

processam as estruturas lógico-matemáticas. Foram examinadas 5 crianças surdas,

com idade entre 12 e 14 anos, que freqüentavam a 4ª série, sendo que, destas, três

haviam sido examinadas na primeira pesquisa. A avaliação cognitiva foi realizada

em dois níveis: as condições das crianças no que se refere às provas que envolvem

estruturas operatórias concretas (provas de conservação: do líquido, do volume, de

peso, da superfície (área) e inclusão de classes) e as condições das crianças no que

se refere às provas que envolvem o raciocínio operatório-formal (flutuação de corpos

e quantificação de probabilidade) sendo que essa última foi logo abandonada devido

à dificuldade de comunicação entre pesquisadora e sujeito. Para melhor análise dos

resultados obtidos, procedeu-se também às mesmas avaliações em um grupo de

crianças ouvintes do mesmo nível de escolaridade, tendo aparecido neste momento

os dois anos de defasagem entre o desenvolvimento cognitivo dos surdos e

ouvintes, citados na literatura especializada.

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A pesquisa, as autoras se fundamentaram no pesquisador piagetiano Hans Furth.

No que se refere à relação pensamento e linguagem, existem dois pontos de vista, ou dois caminhos para que uma pesquisa com pessoas surdas possa seguir. Um, seria começar com a suposição de que a relação pensamento-linguagem necessariamente existe, [...] o segundo, seria não esperar diferença na estrutura cognitiva do surdo e do ouvinte (FURTH, 1968 apud NOGUEIRA, 1999, p. 85).

Foram aplicados os exames piagetinos com duplo objetivo, segundo as

pesquisadoras.

O primeiro foi analisar com quais estruturas assimilativas o professor de quinta série poderia contar pra criar as condições de assimilação necessária a qualquer novo processo de aprendizagem. [...] o outro objetivo foi investigar o desenvolvimento cognitivo das crianças surdas, razão pela qual as provas foram também aplicadas em crianças ouvintes de mesmo nível de escolaridade (NOGUEIRA, 1999, p. 85)

De forma simplificada apresentamos os resultados obtidos:

Tabela 1 - Níveis de repostas frente às provas de conservação.

NÃO CONSERVAM CONSERVAM

PROVAS Surdos Ouvintes Surdos

Ouvintes

Líquido 40% 0% 60% 100% Peso 20% 11,1% 80% 88,9%

Volume 40% 22% 60% 77,8% Área 20% 22,2% 80% 77,8%

Tabela 2 - Níveis de respostas frente à inclusão de classe.

NÃO INCLUEM INCLUEM Surdos I Ouvintes Surdos

I Ouvintes

0% 0% 100% 100%

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Tabela 3 - Níveis de respostas frente às provas de flutuação de corpos. Pesquisa anterior

Estágios Surdos Ouvintes I 50% 22,3% II 50% 77,7% III

Obs.: Os dados de um adolescente surdo da primeira pesquisa não puderam ser analisados, devido à dificuldade de comunicação.

O objetivo de cada prova, os protocolos e os requisitos considerados para a análise

encontram-se descritos no terceiro capítulo.

Quanto à prova de conservação, pode-se perceber uma concentração maior de não

conservação no grupo de surdos em relação ao grupo de ouvintes. Vale destacar a

faixa etária dos surdos avaliados, que é em média de 2 anos a mais de idade do

que o grupo de ouvintes, confirmando pesquisas que apresentam esta defasagem

quanto à aquisição das estruturas operatórias pelos surdos.

Nas provas de conservação de líquido e volume, os surdos apresentaram um

percentual significativamente menor em relação aos ouvintes (tabela1), as

pesquisadoras destacaram a hipótese de que teriam dúvidas ainda se a questão não

seria a de comunicação.

Em relação à prova de inclusão de classes, tanto os surdos como os ouvintes

apresentaram um desempenho compatível para a devida faixa etária. Nogueira e

Machado descrevem que o vocabulário utilizado pelos surdos é diferente do grupo

de ouvintes, exemplificando: Quando questionados se há mais cavalos ou bois,

limitam-se a utilizar a palavra “14 animais” e não a palavra “mais”.

Na prova de flutuação de corpos, a conclusão das autoras foi de que tanto os surdos

como os ouvintes pesquisados são sujeitos que ainda não utilizam um raciocínio

operatório formal.

Dá análise dos resultados, as pesquisadoras concluíram (Nogueira, 1999, p.86):

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• Que todas as crianças, ouvintes e surdas, estão de posse de estruturas

operatórias de pensamento. Porém, não foi possível afirmar a presença de

estruturas operatórias formais.

• Como processo de desenvolvimento não estaciona e não depende única e

exclusivamente das necessidades escolares, era possível assegurar que as

crianças, ouvintes, de posse de sua integridade sensorial e inseridas em seu

meio ambiente através da comunicação oral, dariam conta das atividades

escolares da 5ª série em diante, sem muitas dificuldades. Embora as

possibilidades também existissem para as crianças surdas, o isolamento

causado pela surdez (a audição é o sentido que mantém o ser humano em

permanente contato com o meio ambiente), tornaria essa tarefa

extremamente árdua para a criança surda, tornando-as dependente, quase

que totalmente, das atividades escolares.

E deixam a seguintes indagações: Exatamente em que momento o desenvolvimento

das estruturas começa a defasar em relação à criança ouvinte? A educação de

surdos segundo a abordagem oralista contribui para esta dafasagem? (NOGUEIRA,

1999).

O presente trabalho, ao investigar o desenvolvimento cognitivo do adolescente surdo

educado segundo a abordagem bilíngüe, pretendeu contribuir para elucidar estas

questões.

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3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O bom experimentador deve, efetivamente, reunir duas qualidades muitas vezes

incompatíveis: saber observar, ou seja, deixar a criança falar, não desviar nada, não esgotar

nada e, ao mesmo tempo saber buscar algo de preciso, ter a cada instante uma hipótese de

trabalho, uma teoria, verdadeira ou falsa, para controlar.

JEAN PIAGET

Neste capítulo, descrevemos a pesquisa realizada no que se refere aos sujeitos

envolvidos, à metodologia adotada e os materiais utilizados para o levantamento de

dados.

A pesquisa de campo ocorreu em três etapas. A primeira tratou da coleta dos dados

sobre a organização da escola e alunos. Na segunda etapa, aplicamos as provas

piagetianas em 11 adolescentes surdos. Na terceira e última etapa, entrevistamos

os pais desses adolescentes.

3.1 TIPO DE PESQUISA

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, elaborada na perspectiva do estudo de caso.

Segundo Lüdke e André (1986), a pesquisa qualitativa consiste no trabalho intensivo

de busca direta dos fenômenos em suas manifestações, sem qualquer manipulação

intencional do pesquisador.

Sobre o estudo de caso, as mesmas autoras abordam:

[...] O estudo de caso é sempre bem delimitado, devendo ter seus contornos claramente definidos no desenrolar do estudo. O caso pode ser similar a outros, mas é ao mesmo tempo distinto, pois tem um interesse próprio, singular (1986, p.17)

Diante disso, para o presente estudo utilizamos:

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a. Entrevista para a coleta de dados sobre a escola e os alunos.

b. Método Clínico de inspiração piagetiana, para a aplicação de provas

cognitivas em adolescentes surdos entre 11 e 14 anos.

c. Entrevistas semi-estruturadas com os pais dos adolescentes envolvidos na

pesquisa para identificar as trocas simbólicas que existem entre os

adolescentes e o meio, em geral, e com os seus pais e familiares, em

particular.

3.2 OS SUJEITOS Os sujeitos da nossa pesquisa são os adolescentes surdos e seus pais.

3.2.1 Os surdos

Os adolescentes surdos participantes da pesquisa foram selecionados de acordo

com os seguintes critérios:

• Ter idade entre 12 e 14 anos (mesma idade dos sujeitos da pesquisa

anterior), pois, de acordo com a teoria de Piaget, espera-se que estes

adolescentes estejam no estágio das operações formais.

• Apresentar uma boa proficiência em LIBRAS.

• Ter sido educado numa proposta de abordagem bilíngüe por pelo menos

sete anos.

• Não apresentar comprometimento mental.

Descrição dos adolescentes envolvidos.

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Seguindo os critérios, foram selecionados 11 adolescentes, a partir de entrevistas

realizadas de acordo com o roteiro estabelecido no Quadro 5.

Quadro 3 - Descrição dos dados pessoais do adolescente surdo.

Sujeito Idade Série Tipo e grau

de perda Comuni-

cação

Tempo que

estuda na

escola

Sexo

S1 12a e 2 m 5ª

Perda

auditiva

neurossensorial

profunda

Bilíngüe14 7 anos M

S2 12a e 6 m 6ª

Perda

auditiva

neurossensorial

severa

Bilíngüe 8 anos F

S3 13a e 9 m 7ª

Perda

auditiva

neurossensorial

profunda

Bilíngüe 13 anos F

S4 14a e 0 m 7ª

Perda

auditiva

neurossensorial

profunda

Bilíngüe 6 anos F

S5 14a e 4 m 7ª

Perda

auditiva

neurossensorial

profunda

Bilíngüe 6 anos M

S6 13a e 10m 8ª Perda Bilíngüe 13 anos M

14 A definição de sujeito surdo bilíngüe utilizada pelo Laboratório de Comunicação Oral da escola em questão, está pautada no Conselho Fedaral de Fonoaudiologia (CFFa) segundo o parecer nº 004/99: [..] a aquisição de duas línguas distintas e suas modalidades específicas. Para a deficiência auditiva há as seguintes possibilidades: LIBRAS e Língua Portuguesa na modalidade oral e escrita, como também LIBRAS e a Língua Portuguesa somente na modalidade escrita” (CAPUANO, 2004, p. 42).

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auditiva

neurossensorial

profunda

S7 14a e 10m 8ª

Perda

auditiva

neurossensorial

profunda

Bilíngüe 13 anos M

S8 14a e 11m 7ª

Perda

auditiva

neurossensorial

profunda

Bilíngüe 11 anos M

S9 13a e 2 m 7ª

Perda

auditiva

neurossensorial

profunda

Bilíngüe 11 anos F

S10 13a e 3 m 7ª

Perda

auditiva

neurossensorial

profunda

Bilíngüe 10 anos M

S11 13a e 9 m 7ª

Perda

auditiva

neurossensorial

profunda

Bilíngüe 13 anos M

Obs.: podemos constatar que os sujeitos S4 e S5 estudam na escola a seis anos, mas verificamos que nos estabelecimentos anteriores de estudo também estavam inseridos numa proposta de trabalho bilíngüe.

3.2.2 Os Pais

Para nossa pesquisa, foram entrevistados “pais”, o pai, a mãe ou o responsável dos

adolescentes surdos. Entrevistamos 7 (sete) dos 11 pais, sendo que foram cinco

mães e dois pais. Seguimos o roteiro do quadro 13.

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3.3 A INVESTIGAÇÃO

3.3.1 Organização escolar

Com o propósito de conhecer a organização da escola, elaboramos dois roteiros,

para obter informações sobre a estrutura e sobre os alunos. Os dados coletados

foram utilizados no primeiro, no terceiro capítulo e nas discussões dos resultados.

A primeira coleta de dados foi realizada através de entrevistas com a equipe

pedagógica, constituída pela coordenadora pedagógica e pela fonoaudióloga.

Seguem os roteiros realizados.

Quadro 4 - Roteiro realizado para obter dados sobre a escola

1- Dados gerais da escola.

2- Atendimentos oferecidos pela escola.

3 – Condições do prédio.

4 – Número de alunos.

5 – Abordagem educacional: retrospectiva.

6 – Pesquisas realizadas na escola.

Quadro 5 - Roteiro realizado para obter dados iniciais sobre os alunos.

1 – Alunos na faixa etária entre 12 e 14 anos.

2 – Situação e antecedentes de escolaridade do adolescente.

3 – Tipo e grau de perda .

4 - A forma de comunicação do adolescente.

5 – Diagnóstico diferencial.

6 – Programas de que participam na escola.

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3.3.2 As provas O meio de comunicação utilizado para a aplicação das provas foi a LIBRAS, porém

acrescentado de mímica usual, de português sinalizado, sempre que se sentiu que

a comunicação não tinha sido suficiente para a compreensão pelo sujeito das

indagações feitas. Os encontros foram filmados, para possibilitar a transcrição e o

esclarecimento de qualquer dúvida durante a análise.

A avaliação cognitiva foi realizada em dois níveis: as condições dos adolescentes

no que se refere às provas que envolvem estruturas operatórias concretas (provas

de conservação: de quantidades contínuas (líquido e massa); de quantidade

descontínua, de volume, de peso, de superfície (área) e de inclusão de classes; e

as condições dos adolescentes no que se refere às provas que envolvem o

raciocínio operatório-formal (flutuação de corpos e probabilidade).

Orientamo-nos pelo método clínico piagetiano, método de observação, que consiste

em propor uma atividade ao sujeito e discutir com ele suas soluções, sem que o

sujeito interprete a ação do observador como aprovação ou desaprovação das suas

soluções.

A essência do método clínico está em separar, nas repostas dos adolescentes, o

que há de realmente refletido e o que é resultado de fabulações ou de fadiga. É

basicamente um método de interrogação que coleta material para análise e

interpretação à luz de uma teoria definida, no caso, a psicologia genética

(NOGUEIRA; MACHADO, 1996, p.35).

Os protocolos que utilizamos foram elaborados após o estudo teórico e as diversas

correções de percursos realizadas após aplicação de “pré-testes” aplicados com

adolescentes ouvintes e adultos surdos. Esclarecemos que, pela própria natureza

do método clínico, os protocolos não foram rígidos; houve alterações sempre que o

sujeito indicou caminhos não previstos inicialmente. Há, contudo, o direcionamento

contínuo do desenvolvimento das entrevistas, de maneira a ser possível investigar o

que se pretende.

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Seguem as provas realizadas.

3.3.2.1 Conservação

Goulart (1983, p.41) descreve:

Uma transformação operatória não modifica tudo ao mesmo tempo; pode mudar-se a forma de um objeto e não modificar -se seu volume ou quantidade de massa. Há sempre um invariante e é esse invariante do sistema de transformações que Piaget denominou noção ou esquema de conservação.

Inhelder e Piaget, nos seus estudos referentes às provas de conservação,

estabeleceram que as respostas dadas pelos sujeitos podem ser classificadas em

três etapas:

• A primeira etapa é a ausência de conservação.

• A segunda etapa caracteriza-se por uma fase intermediária entre a não

conservação e a conservação.

• A terceira etapa caracteriza-se pela conservação. Observam-se nas

justificativas dos sujeitos as seguintes argumentações identidade,

reversibilidade simples ou por inversão e a reversibilidade por reciprocidade

ou compensação.

Por exemplo, na prova de conservação de substância.

Vejamos quais os argumentos que permitem chegar à noção da conservação. Eles são sempre os mesmos, em número de três. Primeiro argumento, que chamarei o argumento de identidade. A criança diz: mas não se tirou nada, não se acrescentou nada; por conseguinte, é a mesma coisa; a mesma quantidade de massa. [...] Segundo argumento: é a reversibilidade. A criança diz: você afinou a massa, você deverá transforma-la em bolinha e você verá que é a mesma coisa. Terceiro argumento: a compensação. A criança diz: naturalmente se se afina terá mais; mas ao mesmo tempo está mais fina. A massa ganhou por um lado, mas perdeu por um lado, mas

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perdeu por outro, conseqüentemente isso se compensa, é a mesma coisa. (PIAGET, 1978, p. 213)

3.3.2.1.1 Conservação de quantidade descontínua I

Objetivo: Observar o nível de operação do sujeito quanto à noção de igualdade e

diferença de quantidade descontinua.

Material: 2 potes de tamanho e forma diferentes,

24 contas de madeira preta.

Quadro 6 - Prova de conservação de quantidade descontínua I

Situações de transformações Descrição das ações da pesquisadora e ações e justificativas do adolescente.

Combinar um sinal para “contas”.

P: Começo colocando as contas nos potes

simultaneamente.

Após colocar algumas contas.

P: É igual o número de contas?

S:

P: Um outro jovem disse que aqui tem mais, o que

você acha?

S:

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E mais algumas contas..

P: Onde tem mais contas pretas?

S:

P: Como você sabe? Pode me explicar?

S:

P: Está igual ou diferente?

S:

P: Você pode me explicar por que está igual ou por

que está diferente?

S:

3.3.2.1.2 Conservação de quantidade descontínua II

Objetivo: Observar o nível de operação do sujeito quanto à noção de igualdade e

diferença de quantidade descontinua.

Quadro 7 - Prova de conservação de quantidade descontínua II.

Situações de transformações Descrição das ações da pesquisadora e ações e justificativas do adolescente.

P: Escolha um dos potes.

S:

P: Explico que vamos colocar as contas pretas

nos potes. Você coloca primeiro e eu em

seguida e você deverá contar quantas contas

você coloca. Pergunto: Você compreendeu?

S:

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Começo colocando as contas. Após três contas

.....

P: Quantas têm nesse meu pote?

S:

P: Como você sabe? Pode me explicar sua

opinião?

Continuo colocando mais algumas contas e...

P: E agora, quantas têm no meu pote?

S:

P:Como você sabe? Pode me explicar?

S:

Mais algumas contas...

P: E agora, quantas têm?

S:

3.3.2.1.3 Conservação de quantidades contínuas com líquido

Objetivo: Investigar a constituição das noções de igualdade das diferenças, partição

(relação parte e todo) e composição aditiva (reunião de quantidade) e composição

multiplicativa (compensação) das relações assimétricas.

Material: 2 copos idênticos,

1 copo estreito e alto,

1 copo largo e baixo,

3 copinhos pequenos.

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Quadro 8 - Prova de conservação de quantidades contínuas com líquido

Situações de transformações

Descrição das ações da pesquisadora e ações e justificativas do adolescente:

P: Você acha que há a mesma quantidade de água aqui (A) e

aqui (B)?

S.:

P: Se a resposta for não, solicita-se para deixar os dois

copos com a mesma quantidade de água.

S:

P:. Você acha que há a mesma quantidade de água aqui (A)

e no (B 1 )?

S:

P: Como você sabe? Pode explicar?

S:

P: Imagine que são dois copos de coca-cola. Mostre como

ficaria a sua barriga se tomasse (A) e se bebesse (B 2 )?

P: Você acha que há a mesma quantidade de água aqui (A) e

aqui (B)? Tem certeza?

S:

P: Na sua opinião, há a mesma quantidade de água aqui em

(A) e nesse outro copo (B 2 )?

S:

P: Escolha um amigo seu.

S:

P: Se você fosse explicar para ele sua resposta, o que você

iria falar?

S:

Antes de retornar a água...

P: Você acha que, se eu voltar a água para o copo (B), este

irá ficar com a mesma quantidade de água aqui (A)?

A B

B1

B

A

A

A B 2

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S:

Retorna-se para constatar a resposta.

P: O que aconteceu?

S:

P: Você acha que há a mesma quantidade de água aqui em

(A) e nesses outros copos (B 3 )?

S:

P: Você pode explicar a sua opinião?

S:

3.3.2.1.4 Conservação de substância

Objetivo: Observar o nível operacional do sujeito no que se refere à noção de

conservação, igualdade das diferenças e identidade.

Material: massa de modelar.

Quadro 9 - Prova da conservação de substância

Situações de transformações:

Descrição das ações da pesquisadora e ações e justificativas do adolescente:

P: Para verificar o sinal em LIBRAS de “massinha”, pergunto:

O que é isso?

S:

P: Ao dividir a massinha em duas partes, indago: Na sua

opinião, (A) e (B) têm a mesma quantidade de massinha?

S:

P: Se a resposta for não, solicita-se para deixar com a

mesma quantidade.

S:

P: Na sua opinião, agora está com a mesma quantidade?

Como você sabe? Tem o mesmo tanto?

A B

A

B 3

B A 1ª

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S:

P: Imagine que isso são dois bolinhos. Mostre como ficaria a

sua barriga se comesse (A) e se comesse (B).

S:

P: Na sua opinião, (A) e (B) têm a mesma quantidade de

massinha?

S:

P: Como você sabe?

S:

P: Imagine que isso são dois bolinhos. Mostre como ficaria a

sua barriga se comesse (A) e se comesse (B 2 ).

S:

Antes de retornar à forma inicial...

P: Você acha que, se eu modificar a forma da massinha, (A)

e (B) terão a mesma quantidade de massinha?

S:

Retorna-se, para constatar a resposta.

P:O que aconteceu?

S:

P: Você acha que há a mesma quantidade de massinha aqui

em (A ) e em (B 2 )?

S:

P: Por quê você acha que são iguais ou diferentes?

S:

P: Imagine que isso são bolinhos. Eu vou comer este (aponto)

e você este. Quem vai comer mais? Qual barriga cresce

mais?Mostre para mim como ficaria a sua barriga se comesse

(A) e se comesse (B 2 ).

S:

P: Na sua opinião, há a mesma quantidade de massinha em

(A) e em (B)?

S:

P: Sabe, um outro jovem me disse (dizer a resposta

contrária). Quem está certo, você ou ele? Por quê?

A B1

A B

A B 2

A B

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A B 3

S:

P: Você acha que há a mesma quantidade de massinha aqui

em (A ) e em (B 3 )?

S:

P: Escolha um amigo seu.

S:

P: Se você fosse explicar para ele sua resposta o que você

iria falar?

S:

P:Aponta-se para as massinhas e faz-se a pergunta se tem

mais massinha aqui (A) ou aqui (B).

S:

P: Por quê?

S:

3.3.2.1.5 Conservação de peso

Objetivo: Observar a compreensão do sujeito de que as alterações da forma não

causam alteração de peso, mediante a verificação de seu nível operacional quanto

às noções de conservação, igualdade das diferenças e identidade.

Material: balança de 2 braços,

massa de modelar.

Quadro 10 - Prova de conservação de peso

A B

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Situações de transformações

Descrição das ações da pesquisadora e ações e justificativas do adolescente

P: Mostram-se as duas bolas de massinha.

P: Você acha que a bolinha (A) pesa igual ou diferente

da (B)?

S:

P: Solicita-se para colocar na balança. Se não estiver,

pede-se que a deixe com o mesmo peso.

S:

P: E agora estão iguais?

S:

P: Como você sabe? Explique a sua opinião.

S:

P: Qual bolinha você acha que pesa mais?

S;

P: Você pode explicar a sua opinião?

S:

P: Um outro jovem de outra escola falou (comentário

contrário à sua resposta). O que você acha da opinião do

seu amigo?

S:

Antes de retornar à forma inicial ...

P: Se eu voltar à forma (B), você acha que vai ter o

mesmo peso?

S:

P: Você tem certeza? Por quê?

S:

Retorna-se, para constatar a resposta.

P: Você acha que (A) ou (B 2 ) pesam igual ou diferente?

S:.

P: Como você sabe? Explique a sua opinião.

S:

P: Voltei à forma inicial, e perguntei se tinham o mesmo

A B

A B1

A B 2

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81

peso.

S:

P: Tem certeza?

P: Se eu colocar esta bolinha na balança, num prato, e

todas estas juntas no outro prato, o que você acha que

vai acontecer?

S;

P: Por quê?

S;

3.3.2.1.6 Conservação de volume

Objetivo: Observar a compreensão do sujeito de que a forma e a posição da

substância não implicam necessariamente alteração de volume.

Material: 2 copos idênticos,

2 bolas iguais de modelar.

Quadro 11 - Prova de conservação de volume

Situaçõs de transformações Descrição das ações da pesquisadora e ações e justificativas do adolescente.

P: As massinhas são iguais?

S:

P: Solicita-se para verificar se há o mesmo tanto de

água nos copos; caso contrário, pedir para igualarem

os copos com a água.

S:

P: O que você acha que vai acontecer com a água, se

colocarmos as massinhas nos copos.

S;

P: Se não responder, explora, indagando: Será que

vai aumentar ou diminuir a água?

S:

A B

A B 3

A B

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82

A B

P: Coloca-se primeiro uma das massinhas e

pergunta-se o que aconteceu. Você pode me explicar?

S:

P: Depois coloca-se a outra, e pergunta-se o que irá

acontecer agora. Você pode me explicar?

S:

P: A água subiu igual ou diferente no copo (A) e no

copo (B)?

S:

P: Como você sabe, explique?

S:

P: Retira-se da água e pede-se: Se colocar as

massinhas no copo, o que vai acontecer?

S:

P: Na sua opinião, se você colocar as massinhas no

copo, o que vai acontecer com a água?

S:

P: Como você sabe? Pode me explicar?

S:

P: Um amigo seu veio aqui e falou (comentário

contrário à sua resposta). O que você acha da opinião

do seu amigo?

S:

P: E agora, o que vai acontecer? Explique.

S:

P: Na sua opinião, se colocar as massinhas no copo,

os dois copos vão ficar com o mesmo tanto de água

ou diferente?

S:

A B1

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83

P Você pode explicar a sua opinião?

S:

P: O que vai acontecer com água, se colocar as

massinhas?

S:

P: Você tem certeza?

S:

P: O que você acha que vai acontecer com a água,

se colocar as massinhas?

S:

P: Por quê?

P:. O que vai acontecer com a água, se colocar as

massinhas?

S:

P: Explique a sua opinião?

3.3.2.1.7 Conservação de área

Objetivo: Observar o nível operacional do sujeito no que se refere à noção de

superfície.

Material: 2 quadrados de cartolina, de 20 cm X 30 cm,

miniaturas de 30 casinhas e 2 vacas.

A B 2

A B

A B 3

A B

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Quadro 12 - Prova de conservação de área

Situações de transformações

Descrição das ações da pesquisadora e ações e justificativas do adolescente

P: São dois sítios, um é meu e o outro é seu. O sítios são do

mesmo tamanho?

S:

P: Eu tenho um boi e você tem outro e eles estão com fome

igual. O meu boi come capim no meu sitio e o seu boi come no

seu sitio. Será que comem a mesma quantidade de capim?

Qual boi come mais?

S:

P: Você pode me explicar a sua opinião?

S:

P: Explico que iremos construir casinhas para as pessoas que

trabalham no sitio, e que ele irá começar a colocar as casinhas

uma de cada vez e em seguida eu colocarei no meu sítio.

Pergunto: Você entendeu?

S:

Após ___ casinhas...

Mostram-se os bois.

P: E agora, com as casinhas. Sobra o mesmo tanto de capim

para os bois? Qual boi come mais, ou eles comem igual?

S:

P: Por quê?

S:

Eu estava colocando as casinhas ________ e ele ________

Após___ casinhas...

Mostram-se os bois.

P: Na sua opinião, os bois comem o mesmo tanto de capim ou

diferente?

S:

P: Por quê?

S:

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Após ___ casinhas...

Mostram-se os bois.

P: Na sua opinião, os bois comem o mesmo tanto de capim ou

diferente?

S:

P: Por quê?

S:

P: Um jovem de outra escola respondeu (diferente), o que você

acha da resposta dele?

S:

3.3.2.2 Operações lógicas

3.3.2.2.1 Operação lógica: Inclusão de classes

Objetivo: Investigar se o sujeito compreende as relações entre parte e todo e entre

as partes, isto é, não simplesmente que o sujeito compreenda (A) (por exemplo:

cavalo) e A 1 (bois) são B (animais), mas procure verificar a quantificação da

extensão das classes – quer dizer, se A + A1 = B, então A = B - A 1 e A <B.

Material: figuras de animais em material plástico, sendo cinco cavalos e três bois.

Piaget, Inhelder e Szminska (apud CARRAHER, p. 94) consideram:

[...] Enquanto a mobilidade e a reversibilidade da construção mental do adulto permitem-lhe decompor e recompor os conjuntos à vontade, encontrando, assim, suas várias implicações, inclusões e outras relações, a irreversibilidade do pensamento e da representação na criança impedem-na de adquirir o poder da decomposição necessário à coordenação entre a análise e, portanto, à compreensão de inclusões e relações.

Quadro 13 - Prova de inclusão de classe

Descrição das ações da pesquisadora e ações e justificativas do adolescente:

P: O que é aquilo? (apontando para as miniaturas)

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S: ..

P: Quantos bois e quantos cavalos você vê?

S:

P: E quantos animais há?

S:

P: Há mais cavalos ou bois?

S:

P: Por quê?

S:

P: Há mais cavalos ou animais?

S:

P: Por quê?

S:

P: Há mais bois ou animais?

S:

P: Por quê?

S:

Para orientar na análise das provas realizadas com os adolescentes surdos,

seguimos as discussões dos estágios observados por Piaget e Szeminska (apud

CARRAHER, 1994), apresentados resumidamente nesta pesquisa.

No Estágio I, o problema surge para o sujeito exatamente quando ele precisa

comparar num mesmo momento a parte e o todo. O sujeito, “ao procurar imaginar

uma parte separadamente, a fim de compará-la com o todo, este não mais se

conserva – o todo é destruído e o sujeito tende a comparar A com A 1 (que é a parte

que sobra quando se retira A), ao invés de comparar A e B” (CARRAHER, 1994, p.

95).

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No Estágio II, os sujeitos descobrem a resposta correta por ensaio e erro,

intuitivamente, e não por composição lógica.

E o Estágio III, finalmente, caracteriza-se pelo aparecimento de uma solução lógica,

baseada num raciocínio reversível, que permite hierarquizar, combinar e separar

classes, pensamentos, nos mesmos elementos como simultaneamente, presentes

em diferentes classes, na parte e no todo.

3.3.2.2.2 Operação formal: Quantificação de probabilidades

Objetivo: Observar se o sujeito possui a noção de combinação operatória e sua

estratégia de sistematização bem como se já construiu um sistema binário:

conjunção15, disjunção16 e exclusão17.

Material: 8 cartas de baralho com cruz,

8 cartas de baralho sem cruz.

Também com o intuito de investigar as operações formais, a operação lógica de

probabilidade é a que permite justificar que o objeto que tem a maior freqüência num

grupo é aquele que tem maior chance de ser escolhido.

Piaget e Inhelder (apud CARRAHER, 1994) abordam que a quantificação de

probabilidades é uma síntese entre as transformações ao acaso e a dedução

operatória, que eles denominaram composição probabilística.

Para os mesmos autores, a aquisição de uma primeira noção de possibilidade

depende inicialmente do desenvolvimento das operações concretas, quem sabe

15 “Sejam p e q proposições, a conjunção das proposições p e q , denotada por p ^ q é uma nova proposição que assume o valor verdadeiro somente quando p e q forem verdadeiras simultaneamente” (GERÔNIMO; FRANCO, 2006, p. 9). 16 “Sejam p e q proposições, a disjunção das proposições p e q , denotada por p V q é uma nova proposição que assume o valor verdadeiro somente quando p e q forem verdadeiras (não necessariamente simultâneas)” (GERÔNIMO; FRANCO, 2006, p. 10 e 11).

17 [...] a exclusão recíproca (p VV q) = (p . _

q ) v (_

p . q ) (INHELDER; PIAGET, 1976, p. 76).

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especialmente da lógica de classes e da disjunção. E para se chegar a uma

distinção entre certeza e possibilidade, a importância da operação concreta fica

esclarecida levando em consideração os seguintes aspectos, apresentados

resumidamente:

[...] a evolução da quantificação das probabilidades depende inicialmente da reversibilidade operatória e do desenvolvimento da lógica de classes. A seguir, o sujeito precisa reconhecer que a comparação direta das classes não é suficiente para a resolução de todos os casos e procura relacionar a parte e o todo, comparando estas relações. A quantificação das probabilidades é compreendida finalmente quando o sujeito é capaz de compor um quadro dos resultados possíveis e aplicar a este quadro o esquema de proporcionalidade, deduzindo, assim, o resultado mais provável mesmo quando os resultados específicos em cada tentativa não possam ser deduzidos. (Piaget; Inhelder apud CARRAHER, 1994, p.152)

Quadro 14 - Prova de Probabilidade

Situações Descrição das ações da pesquisadora e ações e justificativas do adolescente

P: Explica-se que é um jogo - que para

ganhar terá que encontrar primeiro uma

carta com cruz nos montes de baralho.

Pergunta-se se entendeu.

S:

Obs.: Sempre se mostram as cartas dos

dois montes. Depois virava e

embaralhava.

(certeza impossibilidade)

P:Você escolhe qual monte? Este ou

esse?

S:.

P: Por quê?

S:.

P: Qual você escolhe?

S:

P: Por quê?

S:

+ +

+ + +

+ + +

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(dupla-certeza)

(certeza-possibilidade)

P: E agora, qual monte você escolhe? S:.

P: Você acha que com esse monte

(aponto o que ele escolheu) vai ganhar?

Por que?

S:

(possibilidade-impossibilidade)

P: E agora, qual você escolhe? Explique?

(composição idêntica das coleções)

P:Você escolhe qual monte?

S:.

P: Por quê?

S:.

(proporcionalidade)

P: Você escolhe qual monte?

S:.

P: Por quê?

S:.

P: Um outro jovem de outra escola falou

(comentário contrário à sua resposta)., O

que você acha da opinião desse jovem?

S:

(dupla-impossibilidade)

P:Você escolhe qual monte?

S:.

P: Por quê?

S:.

P: Qual monte você escolhe para ganhar

o jogo?

S:.

+

+ + +

+ +

+

+ +

+ +

+

+ +

+ +

+ +

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(igualdade de casos favoráveis e desigualdade

de casos possíveis)

P: Explique a sua opinião.

S:.

(desigualdade numérica sem

proporcionalidade)

P:Você escolhe qual monte?

S:.

P: Por quê?

S:.

(desigualdade numérica sem

proporcionalidade)

P:Você escolhe qual monte?

S:.

P: Por quê?

S:.

(desigualdade de casos favoráveis e igualdade

no número total de casos)

P:Você escolhe qual monte?

S:.

P: Você pode explicar o porquê você

escolheu esse?

S:.

(certeza-possibilidade)

P: Qual monte você escolhe para ganhar

o jogo?

S:.

P: Explique a sua opinião.

S:.

(desigualdade de casos favoráveis e igualdade

no número total de casos)

P: Qual monte você escolhe para ganhar

o jogo?

S:.

P: Explique a sua opinião.

S:.

P: Qual monte você escolhe para ganhar

+

+ +

+

+ + +

+ + +

+

+ + +

+

+ +

+

+ +

+ + +

+ + +

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(igualdade de casos favoráveis e desigualdade

de casos possíveis)

o jogo?

S:.

P: Por quê?

S:.

(proporcionalidade)

P: Qual monte você escolhe para ganhar

o jogo?

S:.

P: Explique a sua opinião.

S:.

(proporcionalidade)

P: Qual monte você escolhe para ganhar

o jogo?

S:.

P: Por quê?

S:.

(desigualdade numérica sem

proporcionalidade)

P:Você escolhe qual monte?

S:.

P: Por quê?

S:.

(desigualdade numérica sem

proporcionalidade)

P: Qual monte você escolhe para ganhar

o jogo?

S:.

P: Explique a sua opinião.

S:.

(certeza-possibilidade)

P:Você escolhe qual monte?

S:.

P: Por quê

S:.

P:Você escolhe qual monte?

+ +

+ + +

+

+

+ + +

+ +

+ + + + +

+

+

+

+

+ +

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(dupla impossibilidade)

S:.

P: Por quê?

S:.

As repostas dos sujeitos, nesta prova bem como na prova de flutuação de corpos,

permitem a classificação do sujeito dentro de três níveis do desenvolvimento

cognitivo: pré-operacional; operatório concreto e operatório formal. Seguimos a

classificação abordada por Carraher (1994), não considerando os subníveis.

No Estágio I, que corresponde ao pré-operacional, os sujeitos demonstram uma

ausência de fazer comparações quantitativas entre os dois montes de cartas,

acertando apenas de modo sistemático as diferentes questões que envolvem

impossibilidades. Em um estágio considerado um pouco mais avançado,

demonstram certa preocupação com a quantificação e, portanto, uma intuição de

probabilidades. Os sujeitos são capazes de compreender a influência de número

de cruzes ou do número de cartas brancas, mas não resolvem de modo operatório,

apenas intuitivamente. Estudam cada caso isoladamente, sem serem capazes de

generalizar; por isso, percebe-se que não acertam sistematicamente.

O Estágio II, na fase inicial, caracteriza-se pelo sujeito acertar sistematicamente

todas as comparações com uma só variável, porque já tem maior compreensão da

disjunção e é capaz de usar a quantificação consistentemente. Neste mesmo

estágio, em outra fase, podemos perceber que os sujeitos tomam consciência da

impossibilidade das comparações diretas entre o número de cartas com cruz ou o

número de cartas brancas dos dois grupos.

É no Estágio III que todas as questões são resolvidas sistematicamente e a própria

argumentação reflete o raciocínio proporcional.

3.3.2.2.3 Operação formal: Flutuação de Corpos

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Objetivos: Investigar o nível de pensamento hipotético-dedutivo do sujeito, a partir

das relações que este estabelece entre o objeto e a água (densidade).

Material:

Um aquário (de aproximadamente 29 cm da largura, por 51 cm de comprimento e

30 cm de altura, com água até a metade),

vários objetos de tamanho, peso, forma e material variados, como: agulha; vela

pequena; vela grande; garfo; botão; moeda; tampa de lata; tampa plástica; prego;

cubo pequeno; cubo médio; cubo grande, mola, etc...

Situação:

Inicialmente, pede-se ao sujeito que classifique os objetos em duas classes: a dos

objetos que afundam e a dos que não afundam (fase da previsão), com justificativa

da classificação de cada objeto. Depois, solicita-se ao sujeito que vá colocando um

a um os objetos na água e verifique a veracidade de suas previsões, procurando

explicar por que razão o objeto flutua ou afunda (fase da experimentação).

De acordo com as considerações de Nogueira e Machado (1996), as respostas dos

adolescentes no exame de flutuação dos corpos podem ser classificadas em três

níveis básicos, correspondendo aos estágios pré-operatório, operatório concreto e

formal.

No Estágio I, que corresponde ao nível pré-operatório, os sujeitos não buscam uma

explicação única que possa dar conta de todos os objetos ao mesmo tempo. O

sujeito se satisfaz com explicações múltiplas que podem, inclusive, ser

contraditórias. Mudam de justificativa quando a experimentação contradiz sua

previsão, mas procuram uma coerência e têm dificuldade em perceber as

contradições de seu raciocínio. Muitas vezes uma mesma qualidade pode ser

utilizada para explicar comportamentos contraditórios dos objetos. Os sujeitos deste

nível, às vezes, mencionam a água, todavia não a levam realmente em

consideração.

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O Estágio II caracteriza-se por uma evolução em relação às classificações dos

objetos. A noção de peso é considerada em relação ao tamanho dos objetos. O

sujeito busca encontrar uma explicação única e eliminar as contradições de suas

explicações. Mas o sujeito deste nível não consegue eliminar todas as contradições,

e, portanto, ainda não consegue solucionar o problema. Também procuram formar

subclasses para os objetos feitos de materiais que afundam sempre ou flutuam

sempre. Uma maneira característica dos sujeitos desta fase de solucionar alguns

problemas específicos é dizer que alguns objetos afundam “porque a água entra

neles” ou, ainda, bóiam “porque estão cheios de ar e a água não entrou”. O sujeito

pode ainda usar um critério complementar (água penetra no objeto).

Neste estágio, o sujeito começa a abandonar a noção de peso absoluto, busca

explicações no peso específico e faz também referências constantes ao material de

que são feitos os objetos. Apresenta ainda explicações mais complexas, envolvendo

a “solidez” maior ou menor de cada objeto, porém sem ainda fazer uma relação

operatória entre peso e volume (densidade). Dá também um papel mais dinâmico

para a água.

O Estágio III é marcado por progressos cognitivos, em relação ao nível anterior, que

permitem ao sujeito lidar com operações proposicionais. Mesmo que o sujeito inicie

sua atividade no exame com bases em raciocínios típicos do estágio II, ao se

deparar com as contradições, ele consegue eliminá-las e encontrar uma explicação

única e não contraditória, chegando a explicações relacionadas à densidade.

3.3.2.3 Sistema de transcrição da LIBRAS

Para a transcrição das fitas, consideramos todas as manifestações da linguagem

dos adolescentes surdos – (Língua Portuguesa, Língua de Sinais, explicações e

descrições de ações não lingüísticas).

O Sistema de Transcrição adotado para a LIBRAS, na pesquisa, está baseado

naquele desenvolvido por Felipe (apud Fernandes, 1998): convenções utilizadas

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para poder representar, linearmente, uma língua espacial-visual, que é

tridimensional. Algumas adaptações foram necessárias, para facilitar a

compreensão do leitor e por não serem relevantes para a análise do trabalho.

a. Os itens lexicais da LIBRAS, para efeito de simplificação, são

representados por palavras da língua portuguesa em letras maiúsculas. Os

verbos vêm sempre na forma infinitiva, posto que não há flexão para modo e

tempo verbal em LIBRAS; os artigos não são representados, por não se

fazerem presentes nesta língua.

CAVALO – “cavalo”, MOSTRAR – “mostrou”

b. Quando não há em LIBRAS um sinal para um conceito já codificado em

língua portuguesa, por empréstimo, esse item lexical é expresso pelo

alfabeto manual (datilologia)18. Este recurso é representado pelas letras do

alfabeto separadas por hífen. Exemplo:

M-A-R-I-A - “Maria”

c. Como não há desinências para gênero e número em LIBRAS, o sinal é

representado por uma palavra da língua portuguesa que possui estas

marcas, terminada com o símbolo @, justaposto ao radical do item. Exemplo:

MUIT@ - “muito(s) / muita (s)”; EST@ - este (s), / esta (s);

IGUA@ - “igual (IS)”

d. Para a simplificação da representação dos traços não manuais

(expressões faciais e corporais) nas formas exclamativa e interrogativa, estas

são representadas pelos seguintes sinais de pontuação: !, ?, ?!.

e. Para as explicações e descrições de ações não lingüísticas durante a

conversa, utiliza-se colocar entre parênteses. Exemplo:

MAIS ANIMA@ (apontou para o todo).

“São mais animais”, (apontou para o todo).

18 O alfabeto manual representa as letras do alfabeto das línguas orais. É utilizado por surdos para identificar nomes próprios e palavras da língua portuguesa, quando necessário.

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96

3.3.3 A entrevista com os pais Para identificar as trocas simbólicas que existem entre os adolescentes e o meio,

em geral, e com os seus pais e familiares, em particular, realizamos entrevistas

semi-estruturadas a partir de roteiros, que seguem adiante. As entrevistas foram

gravadas e transcritas e foi feita a categorização das respostas. Os dados coletados

foram utilizados, particularmente, para poder interpretar os dados revelados pela

aplicação das provas e seu cotejamento com os resultados das pesquisas

anteriores.

Quadro 15 - Roteiro de entrevista com os pais. Este roteiro foi adaptado do modelo

proposto por Adrian Dongo Montoya (1983), citado na dissertação de mestrado de

Rosimar Borolini Poker (1995): “A questão dos métodos de ensino de surdos e o

desenvolvimento cognitivo”.

1 – Dados gerais do adolescente e de seus pais.

2 – Antecedentes de saúde do adolescente.

3 – Condições de moradia, alimentação e higiene do adolescente.

4 – Situação e antecedentes de escolaridade do adolescente.

5 – Rotina do adolescente, como usa seu tempo disponível.

6 – Possibilidade de visitas ou passeios.

7 – Rede de interação do adolescente (com quem e quando brinca e interage

com outras pessoas, com quem conversa, com quem fica em casa).

8 - Situação da troca simbólica

O adolescente conta as coisas que fez na escola?

Comenta sobre o que fez ou observou?

Participa da conversa dos adultos?

Os pais perguntam as coisas para os adolescentes?

Os pais costumam contar as experiências para os adolescentes?

O adolescente fala espontaneamente sobre suas idéias, fantasias, sonhos e desenhos,

escritos?

Alguém incentiva e presta ajuda nas tarefas escolares?

De que forma a criança se comunica com os pais?

Os pais acompanham o desempenho escolar do filho? Como?

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9 – O que você espera da educação (escola) do seu filho?

10 – O que você espera do futuro do seu filho?

11 – Qual a sua opinião sobre a abordagem oralista? Você sabe definir oralismo?

12- Qual a sua opinião sobre a abordagem bilíngüe? Você sabe definir bilinguismo?

4 RESULTADOS DA PESQUISA EXPERIMENTAL

Pesquiso para conhecer o que ainda não

conheço e comunicar ou anunciar a novidade.

PAULO FREIRE

Na primeira parte deste capítulo, apresentamos a escola na qual a pesquisa foi

realizada.

A segunda parte tem como objetivo a apresentação e discussão inicial dos

resultados da investigação sobre o desenvolvimento cognitivo do adolescente surdo

educado numa abordagem bilíngüe, sem pretender, contudo, realizar um diagnóstico

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98

individual. Os resultados encontram-se analisados por provas, embora em alguns

momentos sejam feitas referências aos adolescentes individualmente, quando forem

explicitadas suas argumentações durante a realização das provas.

Na terceira e última parte procuramos identificar as trocas simbólicas que existem entre

os adolescentes e o meio em geral, e com os seus pais e familiares, em particular.

Apresentamos uma categorização das entrevistas.

4.1 CARACTERÍSTICA DA ESCOLA

Os dados descritos foram coletados a partir de entrevistas realizadas de acordo

com o roteiro estabelecido no Quadro 1.

A escola é uma associação civil, de caráter filantrópico, sem fins lucrativos e com

duração indeterminada. Tem como objetivo principal oferecer a Educação Infantil,

Ensino Fundamental e Médio, gratuitamente, a alunos surdos.

Criada em 1981, objetivava manter um Centro de Reabilitação de Menores

Portadores de Deficiência Auditiva; começou a atender crianças surdas do

município de Maringá. O programa teve início com 03 (três) crianças e funcionava

anexo a uma pré-escola. Tinha como proposta educativa a aprendizagem através

da linguagem oral e os alunos eram atendidos somente até os 07 (sete) anos de

idade, quando eram encaminhados para outro centro de atendimento, dando

continuidade a sua reabilitação e iniciando o processo de escolarização, que era

feito de maneira separada: a escolarização, em classe comum, e a reabilitação, no

centro de atendimento, no contraturno.

Para manter os serviços especializados, a escola tem como receita contribuições

de pessoas físicas, jurídicas e da administração federal, estadual e municipal,direta

ou indiretamente.

A escola proporciona os seguintes atendimentos aos pais, comunidade e alunos:

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99

Aos pais:

Orientação familiar e curso de LIBRAS.

À comunidade:

Curso de LIBRAS.

Aos alunos:

A escolarização, abrangendo Educação Infantil, o Ensino Fundamental e Ensino

Médio. Atende de três a quinze alunos por sala e há casos específicos de

atendimento individualizado, nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Atualmente,

são 118 alunos matriculados, com idade entre 3 e 27 anos.

São oferecidos programas de apoio, conforme a necessidade, e também, em muitos

casos, segundo o interesse de cada educando: laboratório de português como 2ª

língua; laboratório de redação; monitoria de biologia; monitoria de física, projeto de

dança; teatro; educação para o trabalho; laboratório de comunicação oral; curso de

informática; avaliação audiológica; trabalho de acompanhamento por equipe

multidisciplinar aos alunos do ensino regular; cursos de fotografia, “corel draw”,

grafite, aquarela e atletismo.

Faz-se necessário ressaltar que, para atender a contento os alunos da Educação

Infantil e do 1º ano do Ensino Fundamental, a escola dispõe de uma professora

regente de sala e uma monitora surda, cuja principal função é a de proporcionar

uma troca natural da língua de sinais. Outro aspecto importante é que a grade

curricular diferencia-se da do ensino regular por ofertar aos alunos duas aulas

semanais de LIBRAS, tanto no Ensino Fundamental como no Médio e ainda

proporciona uma formação para instrutores19. A grade curricular do Ensino Médio

contempla aulas de Didática da Língua de Sinais e Psicologia do Desenvolvimento.

19 Os alunos com essa formação podem ministrar aulas de LIBRAS.

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100

Pela localização da escola dentro de uma universidade, muitos projetos foram e

são realizados na escola, por docentes e discentes; sejam de extensão, de ensino

ou de pesquisa.

No segundo semestre do ano de 1996, os profissionais, que até então mantinham

uma visão educacional dentro da abordagem oralista, motivados por uma

possibilidade de uma melhor comunicação com os alunos, optaram por dar início ao

estudo do bilingüismo e mudar a filosofia da escola.

Quanto à proposta pedagógica da escola (2003):

Existe uma preocupação constante com a participação dos professores. A proposta de capacitação prevê 80 horas anuais no mínimo de cursos, que são escolhidos de acordo com as necessidades do grupo. Os professores também participam de cursos oferecidos pelo Estado, pela Prefeitura ou por órgãos particulares. Temos um grupo de estudos permanente, que se reúne a cada quinze dias, em horário extra, para discutir o ensino do português como língua estrangeira (PROPOSTA PEDAGÓGICA, 2003, p.7)

Para um melhor embasamento teórico sobre a educação de surdos, mais

precisamente sobre bilingüismo, a escola proporcionou aos seus professores nestes

últimos oito anos, oportunidades de formação continuada, realizando os seguintes

cursos: Comunicação Total, Bilingüismo, Introdução e Aprendizagem de LIBRAS

(50h/a); Metodologias da Educação Especial (40h/a); Relacionamento Interpessoal

e Linguagem (24h/a); A Construção da Escrita pelo Aluno Surdo (15 h/a); Língua

Brasileira de Sinais (60 h/a); Capacitação para Educadores Intérpretes em Língua

de Sinais (120 h/a); O Ensino de Português como Segunda Língua (8h/a);

Aprofundamento da LIBRAS (30 h/a); LIBRAS em contexto para Professores e

Instrutores Surdos (10 h/a); Grupo de Estudos da Língua Portuguesa (20 h/a);

Grupo de Estudos: Educação Especial (20 h/a); O Ensino de Português Como 2ª

Língua; A Gramática da Língua de Sinais (10 h/a). Também proporcionou a muitos

dos seus profissionais a participação em congressos em nível nacional e

internacional a respeito da educação de surdos.

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4.2 RESULTADOS DAS PROVAS

As provas realizadas, foram: as de conservação física, como a de quantidade

contínua (líquido e massa), a de quantidade descontínua, a do peso e do volume; a

conservação espacial: de área; as da operações lógicas: a de inclusão de classes;

de flutuação de corpos e a de probabilidade.

Algumas destas provas não foram realizadas na pesquisa anterior, como a de

quantidades descontínuas, pois as pesquisadoras consideraram que não se fazia

necessário pelo desenvolvimento apresentado pelos sujeitos, e a de massa, porque

é uma prova de quantidade contínua como a do líquido. Optamos por realizá-las, a

título de contra-prova.

A prova de probabilidade, segundo os dados apresentados na pesquisa anterior,

estava prevista e houve tentativas de aplicação, porém não foi possível, pela falta de

comunicação entre pesquisadora e sujeitos.

4.2.1 Conservação

Primeiramente apresentamos, em termos percentuais, os níveis de respostas frente

às provas de conservação.

Tabela 4 - Níveis de respostas frente às provas de conservação

PROVAS Não conserva Conserva

Descontínua I 0% 100% Descontínua II 0% 100% Líquido 27,2% 72,7% Substância 27,2% 72,7% Peso 36,3% 63,6%

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Volume 36,3% 63,6% Área 36,3% 63,6%

4.2.1.1 Conservação de quantidades descontínuas Descrição da prova: quadro 6 (só a pesquisadora coloca as contas) e quadro 7

(colocação simultaneamente das contas).

Realizamos duas provas de conservação de quantidades descontínuas, as duas

com a mesma finalidade, seguindo a sugestão apresentada por Goulart (1983) e

Carraher (1994). Justificamos que realizamos as duas provas para confirmar os

resultados.

Constatamos que todos os sujeitos são conservadores (Tabela 4).

Exemplos de respostas, considerando a seguinte ação e questionamentos da

pesquisadora: [...] E mais algumas contas. ”Onde tem mais contas pretas? Como

você sabe? Pode me explicar?”

CONT@ PRET@ IGUA@, PARECER VIDRO MENOR MAIS – PORQUE COLOCAR IGUA@ (mostrou que eu estava colocando ao mesmo tempo nos potes) (S-4) “As contas pretas são iguais, mas parece que o pote menor tem mais - porque você coloca ao mesmo tempo nos potes.”

IGUA@ CONT@, VIDRO DIFERENTE, ESTE (apontou para (B)) FINO, MENOR, ESSE (apontou para (A)) GROSSO MAIOR – PORQUE VOCÊ COLOCAR DOIS VIDROS (mostrou que eu coloco nos dois vidros iguais) . (S-1) “O número de contas é igual, mas os vidros são diferentes, um é fino e menor, o outro é grosso e maior – Porque você coloca nos dois vidros ao mesmo tempo.

E frente à seguinte ação e questionamento da prova descontínua II (ver Quadro 5):

“Continuamos, colocando mais algumas contas e [...] E agora, quantas têm no meu

pote? Como você sabe?”

IGUAL (contou no dela para falar) SEIS SE@ SEIS ME@ – PORQUE EU COLOCAR, VOCÊ COLOCAR (mostrou que ela colocava primeiro e eu depois). (S-3)

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“Igual (contou no dela para falar), são seis no seu e seis no meu, porque eu coloco e você coloca” (S-3). ANTES QUATRO, MAIS TRÊS SETE, PORQUE COLOCAR IGUAL VOCÊ. (S-5) “Antes eram quatro com mais três são sete, porque eu coloquei igual a você”. ESQUECER QUANT@, SABER IGUAL ME@ IGUAL SE@. (apontou para os potes e para as contas) (S-7) “Esqueci quantas são, mas sei que tem igual número de contas no meu pote e no seu pote”.

4.2.1.2 Conservação de quantidades contínuas: de líquido

Descrição da prova: quadro 8.

Constatamos nos níveis de respostas que dos onze adolescentes surdos, três

(27,2%) não possuem a noção de conservação de líquido e oito (72,2%) a

possuem.

A seguir, transcrevemos algumas das respostas dos sujeitos nessa prova.

O sujeito encontra a seguinte ação e questionamento da pesquisadora: Ao despejar

a água do copo-controle20 num mais largo e baixo, a indagação: “Você acha que há

a mesma quantidade de água (A) e aqui (B 1 )? Por quê?”

Os adolescentes não conservadores, isto é, que não consideram que a quantidade

de água é a mesma em (A) e em (B 1 ), focalizam sua atenção nos estados iniciais e

finais da água nos copos. Esses sujeitos só consideram uma característica do objeto

de cada vez (por exemplo, a altura do líquido), esquecendo as demais.

Exemplo de respostas dos adolescentes:

DIFERENT@ – EST@ (apontou para (A)) PORQUE COPO MAIOR. (S-3)

20 É o copo ( B) igual ao copo (A) .

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“ Tem diferente, porque este copo (A) é maior.”

NÃO, EST@ COPO MAIS LARGO (apontou para B 1 ) ESS@ FINO (apontou para

(A)), (S-9) “Não”, este copo é mais largo (B 1 ) e esse é mais fino (A), a água de dentro é diferente”

Já os conservadores levam em conta todos os aspectos do fenômeno. Observamos

nas repostas argumentos de identidade, reversibilidade simples e reversibilidade por

reciprocidade ou compensação.

Exemplo de respostas dos adolescentes:

IGUA@ – IGUA@ AGUA, COP@ DIFERENT@, EST@ grande (apontou para (A)), ESS@ pequeno (apontou para o ( B 1 )). (S-2) “Igual – A água é igual nos copos, mas os copos são diferentes, este (A) é grande e esse outro pequeno (B 1 ).” - (IDENTIDADE)

SIM – AGUA IGU@ ANTES, EST@ FINO (procurou e apontou para o copo (B)) VOCÊ COLOCAR NEST@ (apontou para (B 1 )) MAIS LARGO. (S–5) “Sim” - “A água é igual a de antes, você só colocou do copo (B) que é mais fino para este (B 1 ) que é mais largo.” - (REVERSIBILIDADE POR RECIPROCIDADE)

AGUA IGU@, COP@ DIFERENT@ – PORQUE ANTES ESTAR (apontou para (B)) VOCÊ COLOCAR (apontou para (B 1 )). (S-8) “A água é igual, os copos são diferentes”. - “Porque antes estava (no outro) copo (B)

e você colocou neste outro copo (B 1 ). “ - (REVERSIBILIDADE SIMPLES)

AGUA IGU@L – PORQUE AGUA COP@ (B 1 ) VOLTAR B IGU@. (S-4) “A água é igual – porque se voltar a água do copo (B 1 ) para (B) vai ficar igual.” - (REVERSIBILIDADE SIMPLES)

4.2.1.3. Conservação de quantidades contínuas: de substância

Descrição da prova: quadro 9.

Ao analisar os níveis de respostas dos adolescentes surdos `a prova de

conservação de substância (Tabela 1), constatamos que três (27,2%) não

conservam e oito 8 (72,7%) conservam.

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Vários foram os argumentos utilizados nas justificativas dadas para as respostas à

indagação: “Na sua opinião, (A) e (B 1 ) têm a mesma quantidade de massinha”?

Os sujeitos não conservadores, ao se depararem com as transformações das

bolinhas, “esquecem” que uma coisa foi transformada em outra, comparando a

bolinha (A) com a forma final (“salsicha”, “em quatro pedaços”).

Uma outra observação é que, quando expostos pela pesquisadora com argumentos

contraditórios aos seus, como, por exemplo: “Sabe, um outro jovem me disse (dizer

a resposta contrária). Quem está certo, você ou ele?”, num primeiro momento eles

até ficam em dúvida, mas depois confirmam a resposta deles.

Exemplo de respostas::

NÃO, MUDAR MAIS COMPRIDO. (S –3) “Não, você transformou e ficou mais comprido.”

DIFERENTE, EST@ (apontou para (B 1 )) MAIS FINO E ESS@ (apontou para (A)) MAIS CHEIO.” (S-1) “Diferente, este (B 1 ) é mais fino e esse (A) mais cheio”.

Na terceira transformação (uma das bolas foi transformada em 4 bolinhas): DIFERENT@, PEDACINH@ MAIS PORQUE MUIT@. (S-1) “Diferentes, os pedacinhos têm mais, porque muitos.” Os que estão no estágio três apresentaram justificativas para as suas afirmações,

considerando argumentos lógicos de identidade, reversibilidade simples e

reversibilidade por reciprocidade.

Exemplo de respostas:

SIM - (apontou para o formato) DIFERENTE. (S-6)

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“Sim, o formato diferente”.

IGUA@, VOC@ ENROLAR (apontou para B 1 ). (S-5) “São iguais, você só enrolou a (B 1 )”.

MASSINHA IGUAL, VOC@ BOLA MUDAR SALSICHA. (S-7) “As massinhas são iguais, você transformou a bola em uma salsicha” .

Na terceira transformação (uma das bolas foi transformada em 4 bolinhas): IGU@ REPARTIR MUIT@ PEDAÇ@, JUNTAR TUDO IGUAL. (S-11) “Igual, você repartiu em vários pedaços, mas juntando tudo fica igual”.

IGUA@, DIVIDIR QUATRO. ( S-4) “Igual, você dividiu em quatro”. 4.2.1.4 Conservação de Peso

Descrição da prova: quadro 10.

Considerando os níveis de respostas nessa prova, dos onze adolescentes quatro

(36,3%) são sujeitos que apresentam a não conservação e sete (63,6%) são

considerados conservadores.

Seguem os argumentos utilizados nas justificativas para as respostas à indagação

da primeira transformação: “Qual bolinha você acha que pesa mais?” e “Você pode

explicar a sua opinião”?

Nas respostas dos sujeitos não conservantes, verificamos que estes consideraram o

aspecto da qualidade da mudança da massa.

Exemplos: MAIS PESADA (apontou para (A)), PORQUE CHEIA (S-9) “A (A) é mais pesada, porque é mais cheia.” (apontou para A) cheia. (S-1)

“A (A) é cheia”.

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Os conservadores, nas suas respostas, mostram argumentações lógicas de

identidade, reversibilidade simples e reversibilidade por reciprocidade.

Exemplos:

IGUA@ – LEVE, LEVE IGUA@, SALSICHA BOLINHA DIFERENT@ (forma) PESO IGUA@. (S-5) “São iguais – as duas são igualmente leves, uma tem formato de salsicha e a outra bolinha, mas peso igual” PESO IGUAL, MUDAR (apontou para (B 1 )) COMPRIDA. (S-10) “O peso é igual, você transformou (B) em ( B 1 ), ficou mais comprida.

4.2.1.5 Conservação de Volume

Descrição da prova: quadro 11.

Constatamos, a partir de repostas dos examinados, que quatro (36,3%) não

conservam e sete (63,3%) conservam.

Seguem as respostas obtidas para a seguinte indagação da pesquisadora na

segunda transformação: “Na sua opinião, se colocar as massinhas no copo, os dois

copos vão ficar com o mesmo tanto de água? Por quê?”.

Dos sujeitos pesquisados, os que não têm a conservação não admitem a

conservação da substância, nem a do peso e nem a do volume.

Exemplos de respostas:

AGUA BOLINHA SUBIR MAIS, MAIS CHEIA. (S-1) “A água da bolinha vai subir mais, porque mais cheia.”

NÃO (apontou para (A)), MAIS CHEIA. (S-9) “Não, a (A) é mais cheia.”

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E os adolescentes conservantes do volume justificam as suas respostas pela

conservação do peso e da substância.

Exemplos de respostas:

AGUA SUBIR IGUA@L, PORQUE ACHATAR MASSINHA. (S-11)

“A água sobe igual, porque você achatou a massinha”. (S-11)

SUBIR IGUA@, ANTES IGUA@. (S-8) “Sobe igual, porque antes igual”.

4.2.1.6 Conservação de Área

Descrição da prova: quadro 12.

Os estudos de Piaget, Inhelder e Szminska (apud LOVELL,1988, p.100) apontaram:

[...] Entre 6 e 7 anos, elas muitas vezes concordavam que as partes emanescentes dos campos eram iguais até, talvez, doze pares de casa, mas com adição de mais casa, a configuração perceptual se tornava tão diferente que a criança poderia então negar que as áreas restantes eram iguais. Mas, a partir de 7 anos, as quantidades restantes de capim sempre eram reconhecidas como iguais, porque o conceito lógico de reversibilidade permitia que a criança executasse mentalmente os manejos necessários relativos ao problema.

Constatamos que, dos onze sujeitos, quatro (36,3%) sujeitos são considerados não

conservantes e sete (63,6%) conservantes.

Percebemos que, dos quatro sujeitos não conservantes, dois consideram a área

igual até oito casas e um até sete e outro até seis casas.

Exemplo de resposta de sujeitos não conservantes: Após 8 casinhas... . “Na sua

opinião, os bois comem o mesmo tanto de capim ou diferente?”

DIFERENTE, ME@ COMER MAIS (apontou par área dela). (S-3)

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“Diferente, o meu come mais” (apontou para área dela). ME@ MAIS, MAIS GRAMA, (mostrou a área dele). (S-9) “O meu mais, mais grama” (mostrou a área dele).

Os sujeitos conservantes consideraram que a quantidade de capim restante sempre

era igual, devido ao conceito de reversibilidade.

E encontramos as seguintes respostas nos sujeitos conservantes:

IGUA@, GRAMA IGUA@, CAS@ IGUA@. (S-2) “Igual, a grama é igual, as casinhas são iguais” IGUA@, VERDE IGUA@, SE@ SITIO 12 CAS@ TAMBÉM. (S-11)

“Igual, o verde igual, seu sítio com 12 casinhas igual ao meu.” 4.2.2 Operação lógica 4.2.2.1 Operação lógica: Inclusão de Classes

Descrição da prova: quadro 13.

Resultados

Apresentamos em termos percentuais, os níveis de respostas frente às provas de

inclusão de classes.

Tabela 5 - Níveis de respostas frente à prova de inclusão de classes

Não incluem Incluem

0% 100%

Na prova de inclusão de classes, os adolescentes surdos apresentaram

desempenho compatível com sua idade cronológica, estando situados no Estágio

III. (Tabela 2)

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Quando questionados se “Há mais cavalos ou bois?“, as respostas foram as

mesmas, muitas vezes já justificavam o porquê.

CAVAL@. (S-11) “Cavalos”.

MAIS CAVAL@, CINCO. (S–2) “Mais cavalos são cinco”.

ESTE apontou para as miniaturas de cavalos. (S– 5) “Cavalos”.

MAIS CAVAL@, CINCO CAVAL@ E TRÊS BO@. (S –11) “Mais cavalos, são cinco cavalos e três bois”.

Na justificativa do “Por quê”, referente a se “Há mais animais ou bois?” ou “Há mais

animais ou cavalos?”, temos as seguintes respostas:

MAIS ANIMAIS, (apontou para o todo). (S-10) “Mais animais.” MAIS ANIMA@, CAVAL@ CINCO ANIM@ MUIT@ OITO. ( S-2) “Mais animais, são cinco cavalos e oito animais.”

ANIM@ MUT@ (apontou para o todo) (S-7) “São muitos animais.”

PORQUE CAVAL@, BO@ JUNTAR MAIS ANIM@. (S-5) “Porque junta cavalos e bois, então mais animais.”

MAIS ANIM@, JUNTAR. (S-11) “Mais animais, é só juntar.

MAIS ANIM@, TUDO OITO. (S-6) “Mais animais, (ao todo) oito.”

ANIMAIS OITO, JUNTAR BO@, CAVAL@. (S-9) “São oito animais, ao todo cinco cavalos e três bois”

4.2.2.2 Operatório Formal: Flutuação de Corpos

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Descrição da prova: descrita no capítulo III (ver item – 3.3.2.2.3 Operação formal:

Flutuação de Corpos)

Resultados

Considerando os níveis das respostas obtidas, apresentamos primeiramente em

termos percentuais.

Tabela 6 - Níveis de respostas frente à prova de flutuação de corpos

Estágio I Estágio II

Estágio III

36,3% 63,6%

Os adolescentes surdos, constatando as descrições citadas acima, podem ser

avaliados como sujeitos que ainda não utilizam um raciocínio operatório formal para

explicar a tarefa proposta.

Na realização da prova, é interessante observar a reação de surpresa da maioria

dos adolescentes com alguns objetos que são classificados como “objetos que

afundam” ou “objetos que não afundam” e que na experimentação mostram

comportamento contrário.

Os adolescentes cujas respostas corresponderam ao Estágio I utilizam explicações

baseadas unicamente em qualidades do objeto (plástico, madeira, leve, etc.); não

buscam uma explicação única para a flutuação ou não flutuação dos objetos,

valendo-se de critérios múltiplos para explicar cada situação. Além de utilizarem

critérios múltiplos, os adolescentes, diante do fato experimental que contradiz suas

previsões, não resistem à mudança de critério. Na maioria das vezes, o peso

absoluto é considerado como critério principal, juntando-se a ele o tamanho, o

material, e, algumas vezes, a forma para explicar a flutuação ou não. No geral, os

adolescentes não tratam as suas classificações como hipóteses. Eles classificam os

objetos com certeza do que estão fazendo.

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BOLA PESADA - ? NÃO SABER PORQUE NÃO AFUNDAR (S-1) “A bola é pesada. Não sei, porque não afundou.”

Os adolescentes que utilizam explicações do Estágio II procuram rever (na

experimentação) a noção de peso utilizada, procuram formar subclasses, não

tratando cada objeto individualmente, como podemos constatar na justificativa dada:

“madeira e vela flutuam”. Mesmo utilizando a noção de peso absoluto como critério,

a maioria dos adolescentes procurou explicar que alguns objetos leves podem

afundar ao vencer a resistência superficial da água ou ao se “encherem de água”,

(não se estabelece uma relação operatória entre peso e volume), mas explicam a

diferença entre os pesos específicos, referindo-se a materiais “mais compactos” ou

“com mais poros”. Os sujeitos deste nível, que levam em consideração a água nas

suas explicações, na maioria das vezes consideram a água do recipiente e não a

quantidade de água em relação ao objeto especifico. As explicações que levaram

em conta a água podem ser assim exemplificadas:

NÃO ÁGUA DENTRO, FICAR EM CIMA. (S-4) “Se não tiver água dentro, fica em cima” PAPELÃO SUGAR, AGUA AFUNDAR. (S-4) “O papelão suga a água e afunda” ÁGUA BAIXO, PRATO FLUTUAR, ENTRAR AGUA PESADO. (S-11) “A água está por baixo, o prato flutua, entra água fica pesado e afunda”

IGUA@ BARCO, ÁGUA ENTRAR AFUNDAR. (S-5) “É igual barco, quando entra água afunda”. IGUA@ AVIÃO VOAR, PESADO AFUNDAR. (S-8) “ É igual avião quando está voando, quando fica pesado afunda”;

ÁGUA FRACA, AGULHA PESADA MAIS. (S-5) “A água é fraca, a agulha é mais pesada”.

FICAR EM CIMA LEVE, ÁGUA FORTE DENTRO, EMPURRAR BAIXO. (S-11) “Quando está em cima, é mais leve; a água entra e como é forte empurra para baixo”.

4.2.2.3 Operatório Formal: Quantificação de probabilidades Descrição da prova: quadro 14.

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+

+ +

Resultados: Primeiramente apresentamos, em termos percentuais, os níveis de respostas frente

às provas de conservação.

Tabela 7 - Níveis de respostas frente à prova de quantificação das probabilidades

Estágio I Estágio II

Estágio III

36,3% 63,6%

Quanto aos quatro adolescentes que se encontram no Estágio I, observamos nas

respostas que analisam caso a caso cada situação, não generalizando; assim, suas

justificativas. Para uma mesma situação dada, utilizam argumentações diferentes.

Exemplo de resposta do sujeito frente à situação do caso de “desigualdade

numérica sem proporcionalidade” e ao questionamento da pesquisadora: “Você

escolhe qual monte?”- “Por quê?” - “Um outro jovem de outra escola falou

(comentário contrário a sua resposta). O que você acha da opinião desse jovem?”

(apontou para 2/5) – MAIS CRUZE@ - ? NÃO CONHECER AMIGO ACHAR ERRADO, MAIS CRUZE@. (S-10) “Escolho a opção 2/5, porque tem mais cruzes, não conheço o amigo, mas acho que ele está errado porque tem mais cruzes.”

Nesse outro exemplo, relatamos somente as duas primeiras perguntas.

(apontou para 1/3) – RÁPIDO CARTA POUCA, UMA PRETA DOIS VAZIO. (S-10). “Escolho a opção 1/3 – tem (uma) carta preta (e) duas vazias, é mais rápido porque tem pouca carta.”

+

+ + +

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+

+ +

Em relação aos sujeitos do Estágio II, percebemos que não tiveram dificuldades em

generalizar, utilizando a mesma argumentação para os casos que representavam o

mesmo questionamento.

Exemplo de resposta:

(apontou para 1/2) – PORQUE CARTAS TRÊS, UMA CRUZ DUAS BRANCA@ - ERRADO AMIGO NÃO SABE QUANT@ CART@ CRUZ E BRANCA@ . (S-11) “Escolho a opção 1/2, porque são três cartas, uma com cruz e duas brancas - o amigo está errado porque não sabe contar quantas cartas tem cruz e quantas são brancas.

Nesse outro exemplo, relatamos somente as duas primeiras perguntas. (apontou para 3/5) – PORQUE CARTAS CINCO, TRÊS CRUZ DUAS BRANCA@. (S-11) “Escolho a opção 3/5 – são cinco cartas, três com cruz e duas brancas.

4.3 AS ENTREVISTAS COM OS PAIS Na terceira etapa da pesquisa de campo, realizamos entrevistas com os pais, para

dar continuidade à consecução dos objetivos propostos.

Apresentamos as entrevistas em dois eixos: a abordagem sobre a surdez e as

interações.

4.3.1 Abordagem sobre a surdez

Este título aborda o contexto da surdez. Inicialmente, descrevemos o núcleo familiar

e, em seguida, tratamos do diagnóstico, da etiologia da surdez e as reações dos

pais, familiares e sociedade em relação à surdez.

+

+ + +

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Das famílias entrevistadas, podemos perceber que elas retratam a diversidade da

sociedade, com respeito às pessoas que convivem no lar.

“Atualmente estou separada; na minha casa, eu e os meus três filhos”. (F-1)

“Eu, meu marido e nossos três filhos”. (F-2)

“Sou viúva [...] na minha casa, eu e os meus três filhos”. (F-3)

“Meu marido está no Japão, moramos com meus pais, eu e os meus dois filhos”. (F-

4)

“Eu, minha mãe e minhas três filhas; sou separado, mas as duas ouvintes vieram

morar comigo há pouco tempo”. (F-5)

“[...] sou mãe solteira, moro nos fundos da casa dos meus pais com os meus três

filhos”. (F-6)

“Minha esposa, meus dois filhos e eu”. (F-7)

4.3.1.1 O diagnóstico, a etiologia e a reação em relação à surdez.

Os estudos de Shakespare (apud DALLABRIDA, 1996) relatam que para as mães

que não percebem nenhum problema na gestação do seu filho, o diagnóstico de

uma deficiência só aparecerá na comparação do comportamento do filho com o de

outras crianças.

Segundo Telford e Sawrey (apud RODRIGUEIRO, 2001), apenas 5%,

aproximadamente, dos surdos são filhos de pais surdos; nos estudos de Goldfeld

(1997), a autora aborda que mais de 90% dos surdos têm famílias ouvintes. Na

nossa pesquisa, todos os pais são ouvintes. E duas delas têm um outro filho surdo.

Quanto à causa da surdez, a maioria permanece desconhecida.

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116

“Com um ano e um mês [...] a diretora da creche falou: Eu não quero te assustar,

mas tem algum problema no V., é bom você procurar um especialista ou neurológico,

ou audição, ou garganta; tem alguma coisa de errado nele. Daí eu perguntei o

porquê. Ele só grita, na idade dele era para estar falando palavrinhas, se envolver

com brinquedos, ele não se envolve, ele é agressivo. Eu contei a minha história para

ela; ela falou que não é o caso, procure um especialista.” (F- 6)

“Percebi a surdez com uns três meses, a causa exata não sei, eu estava lá no

Japão.” (F-4)

“Eles falaram que ela tinha nascido daquele jeito.” (F-5 )

“Com dois anos foi internado com bronquite, procuramos outro médico que falou que

era meningite [...] ele perdeu os movimentos, mas só depois eu descobri que tinha

ficado surdo”. (F-2)

“Na verdade não sei o motivo da surdez, depois que eu fui no médico ele falou que

poderia ser pelo parto demorado [...] eu não aceitava ele surdo, mas com a vivência

e lendo a Bíblia, eu entendi o porquê do F na minha vida [...].” (F-1)

“Quando nós adotamos ele não era surdo, ele ficou com dois anos de idade; os

médicos de Curitiba falam que é um trauma de rejeição.’ (F-3)

Nosso estudo, apesar de não ser o objetivo, confirma a bibliografia consultada

Shakespare (apud DALLABRIDA, 1996). Dos sete pais entrevistados, dois sabem a

causa da surdez. Quanto à constatação de que o seu filho era surdo, temos as

seguintes observações: não responderam a estímulos auditivos; a observação de

familiares, da escola ou amigos e da comparação com o desenvolvimento de outras

crianças. A descoberta nos primeiros meses foi relatada apenas por uma mãe.

Os estudos de Telford e Sawrey (apud Rodrigueiro, 2001) também retratam a

diversidade das reações da família quando da chegada de um filho deficiente.

Apresentam sete reações mais comuns: 1ª - o enfrentamento realista do problema: é

quando os pais conseguem enfrentar de forma sadia e construtiva os problemas, ao

saberem da deficiência do seu filho; 2ª - negação da realidade da deficiência:

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motivados por forças sociais e pessoais, os pais reagem negativamente à evidência

de inadequação de seus filhos; 3ª - autocomiseração: alguns sentimentos podem ser

experimentados de autocomiseração, exceto no caso em que os pais não são

capazes de assumir uma atitude realista e objetiva diante da incapacidade do filho;

4ª-sentimento de ambivalência em relação à criança: mesmo que na maioria das

vezes os sentimentos sejam positivos, há alguns momentos de ressentimento e

rejeição; 5ª - projeção : é o caso em que a ansiedade, referente à culpa pessoal, a

sentimentos de ressentimento e hostilidade, pode ser amenizada, responsabilizando

outras pessoas; 6ª - sentimento de culpa, vergonha e depressão: a vergonha

envolve a expectativa da ridicularizarão ou da crítica de outras pessoas; a culpa está

ligada a sentimentos individuais de auto-reprovação ou da crítica de outras pessoas;

a depressão é sentimento freqüente, movido pela vergonha e pela culpa; 7ª -

padrões de dependência mútua: desenvolve-se uma situação de dependência

circular: um dos pais investe grande parcela material e emocional no cuidado da

criança e vice-versa. Vale ressaltar que as reações de frustrações ou de conflito

estão presentes em qualquer família, mas naquela com deficiência há uma tensão

adicional, e pode acontecer que as reações defensivas aconteçam com maior

intensidade nessas famílias.

A seguir, apresentamos os depoimentos dos pais quanto a fatos relacionados à

descoberta da surdez e fatos do cotidiano na história de vida dos adolescentes

surdos que evidenciam a diversidade dos sentimentos dos familiares.

“Quando levei o resultado do BERA21 para o doutor, ele falou que realmente ele era

surdo; em poucas palavras: mãe, seu filho não é mudo, é só surdo, um aparelhinho e

ANPACIN. (F-1)

“Marquei consulta e ele não atendia; paguei consulta, daí ele atendeu. Só que

quando atendeu, ele falou: - Não precisa fazer mais nada, já perdeu , não tem mais

jeito. - Mas perdeu o quê? - Ele perdeu toda audição, mãe, ele é uma criança surda,

[...] mãe, ele é surdo, aceita isso. Nunca tinha pensando nisso. (F-6)

21 A auditometria de tronco cerebral (B.E.R.A. – “Brain Evoked Reflex Auditory”) tem o objetivo de avaliar a audição periférica e a condução nervosa até o colículo infeiror.

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“Hoje sou separada do meu marido pelo desprezo das pessoas com os meus três

filhos [...] Eu gosto de ficar mais com pessoas com problemas, lá é meu mundo, não

gosto de ficar com pessoas normais. Como eu sei que eu não sou aceita, quando

tem um lar com problema [...] hoje aceito todas as pessoas com deficiência, o

desprezo dói muito, eu mesma e os meus três filhos” (F-1)

“Proteção igual, a maior parte era com a S até ela desenvolver, quando ela era mais

pequena, tipo assim atenção era para ela,qualquer coisinha ela se irritava” (F-5)

“Pela deficiência dos meus filhos, as pessoas não aceitam, a minha família não

aceita, dediquei minha vida para ele [...] na minha vida só dediquei para o F, teve

que abandonar tudo para trazê-lo à escola, moro na outra cidade e não tinha

transporte e ele novinho [...] O meu filho mais velho me culpa, ele gostaria de ser

mudo, cego, alguma coisa, assim teria dado atenção para ele.” (F-1)

“Uma vez comprei uma briga no ônibus. Uma pessoa que pegava ônibus todo dia

comigo disse:- Pra mim você tem que falar pra esse moleque calar a boca, parar de

chorar. Minha filha, o dia que ele ouvir, ele pára. E a pessoa disse: - É só dar um pé-

de-ouvido, você vai ver se ele não ouve. Eu falei: - Dá, que eu vou contar pra você

porque ele não ouve, ele é surdo. Nós acabamos brigando. O motorista teve que

parar o ônibus. Pelo meu filho eu vou brigar a vida toda” (F-3)

Constatamos que, após o diagnóstico da surdez, muitas mudanças aconteceram na

vida familiar; um casal até mudou de país. Há um redirecionamento na vida do casal

e dos filhos, após a percepção da existência da surdez e de outras deficiências.

Quanto à atenção dedicada ao filho surdo, é um consenso haver um reconhecimento

dos pais que o filho surdo precisa de mais atenção. Um outro fator apresentado por

algumas mães no caso é que muitas vezes o conforto vem da crença religiosa.

4.3.2 A interação: familiar, social e escolar

Partimos das mesmas idéias dos trabalhos de Nogueira e Tito (1989), Montoya

(1996) e Poker (1995), baseados na teoria de Piaget:

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[...] a linguagem não é suficiente para explicar o pensamento, pois as

estruturas que caracterizam esta última têm suas raízes na ação e nos

mecanismos senso-motores que são mais profundos que o fato

lingüístico. Mas não é menos evidente que, quanto mais refinadas são

as estruturas do pensamento, mais a linguagem será necessária para

complementar a elaboração delas. (PIAGET, 1984, p. 92)

[...] Entretanto, não é apenas a linguagem que contribui nesses

processo, é também toda a função simbólica (jogo simbólico,

imitações diferidas, imagem, mental, desenhos, incluída a linguagem.

(MONTOYA, 1996, p. 70)

Nessa perspectiva, procuramos organizar e tecer os nossos comentários. Para

tanto, apresentamos os relatos dos pais em subtemas, mas consideramos que

todos os subtemas estão relacionados: quais atividades que meu filho realiza; como

e com quem meu filho interage; qual a forma de comunicação; a LIBRAS na vida do

meu filho; o filho fala dos sonhos e o que espera do futuro dele; a escola.

4.3.2.1 Atividades que meu filho realiza:

“Sua interação maior durante a semana é com os amigos da escola, com a irmã que

também é surda e com a mãe; nos finais de semana a interação é com parentes,

avós, tios, primos e primas, embora a comunicação entre eles é um tanto prejudicada

pela diferença lingüística; [...] a maior parte do tempo livre é aproveitado com bate-

papo na internet.” (F-6)

“Ele não pára em casa, dia de sábado eu só vejo ele à noite; poucos amigos

ouvintes, só surdo [...] ultimamente estou perdendo para os amigos [...] e dia de

semana a maioria do tempo dele aqui na escola, teatro, corrida, redação [...] Ele

gosta de televisão e entende, gosta de filme legendado. Ele também combina com

ouvinte, mas bem mais pouco.” ( F-2)

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“Ela não fica em casa, o tempo que tem está na igreja [...] às vezes comenta o que

faz; o pessoal da igreja faz muito congresso, viaja muito; [...] na escola realiza teatro,

texto e informática ” (F-5)

“Ele faz tudo, melhor que o irmão dele, pode mandar até para São Paulo”. (F-1)

“Ele vai para a igreja, tem coral de Libras, ele participa de programações, ele canta lá

na frente, é claro na língua deles, visita outras igrejas [...] com os outros, ele fala

também muitas pessoas falam a gente entende tão bem; outros falam que não

entendem. A maioria do pessoal, principalmente o pessoal da rua, se comunica, ele

vai para o mercado, ele faz tudo [...] Ele se relaciona 50% com surdo e 50 % com

ouvinte, participa da associação da minha igreja” (F- 3)

“Tudo que ele faz fora da escola ele não leva adiante, ele não quer fazer, só as

coisas aqui da escola. Eu queria que ele treinasse beisebol. Ele alega que não,

surdo não vai fazer porque é surdo, mas no Japão o M tem que ver pra [...] na

escola faz vários cursos: atletismo, redação, português, fono, educação para o

trabalho, e desenho. (F-4)

“Ele tem contato mais com ouvinte. Lá na minha rua, o V é o poderoso. O V, se ele

for daqui até a esquina, fica assim de gente em volta, um pouco pela faixa de idade

que tem na minha casa; acho engraçado o fato do V não falar. Pra eles é uma coisa

nova, mas conversa normal, brinca de tudo.” (F-6)

O nosso estudo confirma o estudo de Rodrigueiro (2001), quanto à curiosidade das

pessoas a respeito da vida do surdo, principalmente na maneira de ele se

comunicar, sendo este um dos motivos muitas vezes de aproximação das outras

pessoas. Observamos nas falas de alguns pais, no momento da entrevista, que

muitas vezes os olhares para os seus filhos, ou mesma essa aproximação pela

curiosidade, não é bem vista nem pelos pais e em alguns casos nem pelos próprios

surdos.

“No começo eu tinha vergonha, eu ia conversando e as pessoas olhavam, eu ficava

com vergonha, depois fiz o curso, e quando as pessoas me olhavam eu falava é

uma língua e nem todo mundo entende. [.. ] Um cunhado meu queria levar o meu

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filho numa festa e eu disse: Você não vai levar o meu filho na festa; ele não vai

servir de chacota para os outros.” (F-3)

Quanto às atividades sociais, os pais consideram um distanciamento dos filhos com

a família; estes estão envolvidos preferencialmente com jovens surdos. De acordo

com a literatura vista, este é um comportamento normal da faixa etária: gostam de

estar entre os seus, e, no caso do surdo, a questão principal pelo prazer de estar

entre os seus pares e principalmente pela possibilidade de comunicação.

4.3.2.2 A comunicação

Dando continuidade à interação, quando questionados de que forma o adolescente

se comunica com os pais, com quem conversa, temos os seguintes depoimentos:

“A comunicação é em língua de sinais, embora os pais não sejam proficientes o

suficiente para um bom diálogo; [...] raramente conta as suas façanhas, seu

aprendizado escolar ou qualquer outra atividade com amigos [...] está sempre atento

e curioso com as conversas dos adultos, interessando-se por fatos que acontecem

no cotidiano ou que são veiculados na mídia. ” (F-7)

“Ele conta as coisas da escola, mas quando ele sabe que vou ficar brava, deixar de

castigo, ele dá um jeito, mas quando ele vê que eu vou ficar sabendo ele conta”. (F

– 6)

“Ele usa a leitura labial entre a família e amigos [...] para o M é melhor o oral, ele

vai ter que conviver com os ouvintes né; para mim é importante isso; mas aqui na

escola, como ele convive com o surdo, ele tem que aprender os gestos.” (F–4)

“Ele tem vergonha de falar, eu peço pra ele pedir para a moça pão de queijo, ele

sabe falar; eu, a moça e ele ficamos um olhando para cara do outro e ele não pede,

ele tem medo da moça não entender.Mas se dá pra gente entender, se ela não

entender, ele repete, ele vai ter que aprender com isso.” (F-4)

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“Ele usa muito pouco a oralidade, a minha mãe e o meu pai não usam a LIBRAS,

não sabem, o V usa muita mímica para a família; quando eles não entendem,

chamam eu, o irmão dele, que sabe mais que eu, e não fez curso.” (F–6)

“Entre os amigos ele usa LIBRAS, em casa, pouco [...] Pensando bem, eu queria que

ele falasse, não tenho nem dúvida, mas dentro do mundo deles a maneira dele se

comunicar é essa, ele pode até falar em casa, mas com os amigos tem que ser na

LIBRAS.” (F-3)

“A comunicação normal, ele usa mais a palavra, ele solta aquele som gritando mas a

gente entende, tanto tempo junto com ele [...] o irmão e o pai sabem sinais [...] No

telefone, a linguagem dele é diferente, às vezes no telefone ele manda

mensagem,”mamãe em casa já chega, daí você tem que ler ao contrário.” (F–2)

“Com a irmã ele se comunica pela LIBRAS, com o irmão pouco ele sabe LIBRAS,

com o pai ele fala para mim passar para o pai, pois ele não sabe se comunicar [...]

ele utiliza a escrita, só para pessoas que não sabem LIBRAS.” (F-1)

“Ele conversa muito pelo celular com os amigos [...] manda mensagem para mim

[...] O jeito da escrita do português sai ao contrário, é difícil de entender.” (F-4)

“Ele fica horas na internet e pergunta as palavras que não entende, o vocabulário

dele percebi que teve uma melhora.” (F-1)

“Ela escreve normal, mas eu não sei se é normal do surdo, se ela for copiar copia

certo, mas se ela for escrever ela escreve ao contrário, às vezes quando ela escreve

em casa tá tudo ao contrário.” (F-5)

Nos relatos dos pais entrevistados, podemos perceber que a família procura uma

forma de comunicação com o seu filho, seja ela oral, mímica, um português

sinalizado, uma linguagem de sinais misturada que, no entanto, não se configura

como uma linguagem propriamente. Constatamos que agora há uma “aceitação” da

LS22, apesar de muitos não saberem e de não usarem. Está implícito, e também

muitas vezes explicito, nos seus relatos que consideram que a diferença de

22 Língua de sinais.

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linguagem acaba interferindo na boa comunicação, está entendida como bom

relacionamento. No entanto, muitas vezes quem é usuário da LS é quem melhor

interage com o adolescente.

Podemos destacar que o uso de tecnologias, como o celular, a internet, foi um

ganho para o surdo, servindo como meio de interação com o outro na perspectiva

de intercâmbio/troca/cooperação. Dos sete pais entrevistados, todos os filhos

utilizam o celular para se comunicarem e três são usuários da internet, utilizando-a

como meio de comunicação. Isso confirma os trabalhos mais recentes de Santarosa

(s/d), que mostra as inúmeras possibilidades que essas tecnologias podem oferecer

às pessoas com necessidades educativas especiais, como fator de inclusão social,

igualdade e atenuação da discriminação existente.

Uma outra possibilidade de acesso à informação está sendo a televisão com

“closed-caption”, apesar de os pais que têm esse aparelho dizerem que o filho

possui um vocabulário restrito para entender legendas e uma mãe comentou que o

filho não entende quando uma propaganda tem a tradução em LIBRAS. Dos pais

entrevistados, todos falaram que, quando solicitados, explicam da maneira deles os

acontecimentos, ou resumem, ou pedem para esperar. Muitas vezes assistir à

televisão e explicar gera conflitos familiares.

“[...] a gente explica, mas a gente fala, espera acabar para explicar, senão começa

outra coisa e a gente não sabe explicar; [...] agora eu comprei uma televisão

legendada e melhorou, mas ele pergunta muito ainda, não conhece muitas palavras.”

(F-3)

“Ele entende a televisão, ele gosta de filme legendado.” (F-2)

“Eu acho que ele não sabe, quando passa as legendas em LIBRAS eu pedia para

explicar e ele não entendia”. (F-4)

4.3.2.3 A LIBRAS na vida do seu filho.

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“Só com cinco anos atentei para a LIBRAS, meu filho era uma substância de carne e

osso, hoje temos diálogos.” (F-7)

“Mais independência, e deu assim uma facilidade para entender as coisas na escola

quanto em casa; às vezes ele ia fazer um trabalho, ele procurava na minha apostila

de LIBRAS e pesquisava.” (F-3)

“A LIBRAS veio para a escola ANPACIN como assim um remédio, eu lembro como

havia as contradições entre eles, eles não se entendiam. A coisa mudou muito tanto

para os mais velhos como para os mais novos. Lá na escola na Zona 2, eles se

batiam muito para falar; foi no começo, quando ele ficou surdo. Eu catava o J, porque

eu não aceitava aquilo, eu ficava olhando que nem os grandes e quanto mais os

pequenos se entendiam. Quando veio a Libras, a gente ficava sentada e via os da

educação precoce, os pequenininhos, eles conversavam entre eles, riam, iam se

desenvolvendo.” (F-3)

“LIBRAS, depois da LIBRAS meu filho mudou muito, principalmente quando eu

aprendi LIBRAS, apesar que eu não sei certo, mas dá para se comunicar. (...) hoje

ele fala muitas coisas, a Libras ajudou a fala, apesar de no começo ser contra,

valeu. [...] foi muito boa, eu acho depois que LIBRAS a escolaridade foi boa, pra tudo,

para se comunicar” . (F-1)

“Em casa não usamos a LIBRAS, porque eu acho que não é para acostumar, aí pra

ele conviver com os ouvintes vai ser mais difícil; querendo ou não, em qualquer lugar

que ele vai, a maioria é ouvinte, mais ouvinte.” (F-4)

Os relatos de seis pais nos mostram o ganho que o filho teve com a LIBRAS, no

aspecto emocional e no desenvolvimento escolar, mas o uso efetivo da LIBRAS

acontece realmente só na escola ou quando em companhia de amigos surdos ou de

quem conhece a língua. É com os seus pares ou com algumas pessoas com quem

convivem e que sabem LIBRAS que a comunicação fluente está acontecendo, pela

possibilidade de uma exploração nas trocas, sem ser limitada por palavra-chave. Há

pouco crescimento efetivo, pois as trocas, geralmente, permanecem num mesmo

patamar.

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4.3.2.4 Os sonhos e o futuro

Quando questionados sobre se o adolescente fala dos sonhos e o que espera do

futuro do filho, temos os seguinte relatos:

“Ultimamente não, só que ele diz que sempre tem que trabalhar, até esses dias ele

brincou comigo que ele tem que trabalhar para comprar um carro, uma caminhonete,

um barco, um lugar, um futuro, coisas de adolescência”. (F-1)

Ele quer ser mecânico ou ele quer ser pastor de surdo, ele queria ser bombeiro

surdo, mas não pode ser bombeiro surdo, mas um primo disse que tem no Rio de

Janeiro, mas só fica dentro do prédio. “ (F-3)

“Não parei para pensar [...] o F tem mais chance que o irmão, o homem que deu a

internet disse que tá esperando ele ter idade, ele tem mais chance, o irmão não quer

saber de estudar, é fechado, o F é mais aberto” (F-1)

“Eu quero que ele se forme em alguma coisa, eu não posso sonhar o sonho dele, eu

quero que ele, né, a realização do sonho dele.” (F-2)

“Eu não posso morrer enquanto o J não esteja encaminhado, as outras se

encaminham.” (F-3)

“Ele quer ser caminhoneiro, é a paixão desde pequeno.” (F-6)

4.3.2.5 A escola

Quando questionados do envolvimento na escola na vida acadêmica do filho e o que

esperam da escola para a vida dele, comentaram:

“A escola é o futuro dele [...]. Sempre eu ajudei na escola, sempre fui amiga dos

professores, eu tive a oportunidade de viver dentro da escola, como tinha amizade,

eles falavam mãe faz assim, assim eu ia em frente de todos os pais, eu tive o

privilégio de ficar aqui dentro ajudando, eu não gostava de ficar lá fora [...]

ultimamente ando meio desligadona.” (F-1)

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“No começo eu era igual aos professores, queria que falasse, a fono e a professora

falavam: Mãe, ele tem que falar. Treinava, treinava em casa.” (F-1)

“Quando pequeno, participava muito das aulas dele, tinha tudo colado nome, janela,

guarda-roupa, porta de banheiro, em tudo, até nas toalhas colocava as cores. E

pedia a cor e ele falava pausadamente”. (F-3)

“Aos três anos, ele começou a ir para a escola, utilizava a LIBRAS e o oral, mais

Libras, lá ele se desenvolveu bastante. Ficou lá até os nove anos. [...] O erro meu foi

quando cheguei aqui, não sabia que existia a ANPACIN , moro em outra cidade; eu

fui e coloquei numa escola normal. Aí que eu vi os problemas, esse moleque batia

em mim, tenho marcas de faca, ele me mordia. Ele ficou meio ano [...]; eu tirei ele da

escola que ele entendia e coloquei numa escola que não tinha nada a ver com ele. “

(F-2)

“Acompanho o desempenho do meu filho, ligo, vou em reunião. Escola – a escola

ocupa o tempo dele, ele já é engraçadinho, agora arrumaram teatro, ele ensaia aqui,

ensaia em casa, ele erra no passo, pega os irmãos para ajudar nos passos, eu

espero tudo de melhor para ele.” (F-2)

“Já fizeram muito por mim e tão fazendo tenho certeza que ainda vão fazer mais. Eu

espero que a escola seja pra ele quanto pra mim um exemplo de vida, dentro do

contexto da escola, dentro, com a escola, porque a gente vê por aí que outras

escolas não dão tanta atenção”. (F-3)

“Pra ela progredir muito na vida, aqui ela tem de tudo, se ela sair daqui, essa escola

é a única. Eu explico: eu não achei outra escola pra ela, quando ela sair daqui uma

pessoa, lá na frente, porque se ela não aproveitar as chances que tem aqui, vai ser

difícil.” (F-5)

“Quando pequeno eu via a mãe dele sempre escrevendo para a escola o que o P

fazia, eu não participava mas a mãe sim.” (F-7)

“Porque você sabe que ali não é só uma escola, é uma super escola, é uma super

casa, porque abrange tudo; se acabar, ali você pode ter certeza que ninguém vai dar

a assistência que a ANPACIN dá, eu não estou falando porque o V estuda lá, mas é

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pelo que eu vejo e tenho acompanhado com outras escolas. [...] a ANPACIN, é o teu

futuro. Futuro do seu filho. Espero com sinceridade que ele continue estudando, que

essa força que ele tem, que ele consiga o melhor, que o futuro melhor ofereça para

ele” (F –6)

“Participação nos eventos da escola e verificação das notas e do caderno” (F - 7)

Como a faixa etária pesquisada são adolescentes, os pais, quanto à participação na

escola, foram unânimes nos relatos que, conforme o seu filho foi crescendo, foi se

tornando independente; o envolvimento deles com a escola foi diminuindo, ficando

restrito a reuniões, a encerramento de final de ano ou quando solicitados. É natural

na escola do ensino regular e isto também acontece com os pais dos ouvintes que

participam da educação dos seus filhos: conforme o filho vai ficando independente,

os pais vão se distanciando da escola. Mas, na sua maioria, os pais não se

envolvem com a escola desde as séries iniciais (será que está acontecendo isso

também com a educação de surdos?).

Os pais pesquisados atribuem e confiam na escola como responsável pelo trabalho

educativo do seu filho no aspecto de orientação e desenvolvimento escolar. Eles

comentam a importância da família, mas pelo depoimento percebe-se que estão

vivenciando o conflito de proporcionar mais liberdade para o filho e de estarem

perdendo os seus filhos.

Os relatos das entrevistas com os pais nos apontam que o adolescente surdo teve

um ganho quanto à questão da LIBRAS, emocionalmente e no desempenho escolar,

mas que, conforme os resultados das provas piagetianas, não se refletiu no

desenvolvimento cognitivo.

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5 CONFRONTANDO OS DADOS DAS PESQUISAS

Neste capítulo, cotejamos os resultados das duas pesquisas acerca do

desenvolvimento cognitivo de sujeitos surdos: a primeira de Nogueira e Machado

(1996), educados numa abordagem oralista (pesquisa anterior), e a segunda, com

sujeitos educados numa abordagem bilíngüe (pesquisa atual).

5.1 OS SUJEITOS

Na pesquisa anterior, participaram 5 (cinco) adolescentes surdos, com idade entre

12 a 16 anos, que cursavam a 4º ano do ensino fundamental, e 9 (nove) ouvintes

também cursando o 4º ano, com idade entre 10 e 12 anos. Agora, temos 11

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adolescentes surdos, com idade entre 12 e 14 anos, que cursam do 5º ao 8º ano do

ensino fundamental.

Os ouvintes foram considerados na pesquisa anterior porque o que se buscava era

compreender o desenvolvimento cognitivo dos adolescentes surdos, tendo como

parâmetro o desempenho de crianças ouvintes com a mesma escolaridade.

Na pesquisa atual não são considerados sujeitos ouvintes, pois o parâmetro adotado

para comparação foi o “desempenho” de sujeitos surdos educados segundo a

abordagem oralista.

No que se refere à surdez propriamente dita, os sujeitos das duas pesquisas

possuem surdez neurossensorial, bilateral, entre severa a profunda.

Como, em função da melhoria dos serviços educacionais oferecidos, os sujeitos

surdos de mesma idade dos que participaram da pesquisa anterior encontram-se,

atualmente, mais adiantados em seu percurso escolar, ficamos com duas opções:

manter o mesmo nível de escolarização e considerar sujeitos mais novos ou

respeitar o critério da idade, em detrimento do quesito escolaridade, Optamos pela

última possibilidade, uma vez que, embora o meio e as informações recebidas

influenciam o desenvolvimento cognitivo, procuramos respeitar os estágios descritos

pela Psicologia Genética.

Um outro fator determinante para a opção pelos adolescentes com idade entre 12 e

14 anos foi o tempo de educação segundo a abordagem bilíngüe: sete anos.

A fixação deste período pode ser usada para eventuais contestações dos resultados

desta pesquisa, no sentido de que sete anos podem não ser suficientes para

considerar que um sujeito seja “educado segundo a abordagem bilíngüe”. Todavia,

como o foco aqui é o desenvolvimento cognitivo do sujeito surdo, a premissa

adotada levou em consideração o seguinte:

• Os resultados da pesquisa “As estruturas lógicas elementares e a noção de

número em crianças deficientes auditivos: subsídios para o ensino de

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Matemática” de Nogueira e Tito (1989) não detectaram defasagens

significativas entre crianças ouvintes e surdas com idade entre 4 e 6 anos;

• Os resultados da pesquisa de Nogueira e Machado (1996) “O ensino de

Matemática para deficientes auditivos: uma visão psicopedagógica”,

realizada sete anos depois, com adolescentes surdos educados na

abordagem oralista, das quais três haviam participado da pesquisa de 1986-

1989, apresentam dois anos de defasagem no desenvolvimento cognitivo

quando comparados com crianças ouvintes.

• Há indagação das pesquisas se estes resultados seriam diferentes caso a

educação das crianças, no período de 7 anos transcorridos entre as duas

pesquisas, tivesse seguido uma abordagem bilíngüe.

5.2 OS PESQUISADORES

As pesquisas não foram realizadas pelas mesmas pesquisadoras, mas seguiram a

mesma fundamentação teórica e metodológica.

5.3 AS PROVAS 5.3.1 Conservação Tabela 8 - Níveis de respostas frente às provas de conservação realizadas nas duas pesquisas.

NÃO CONSERVAM CONSERVAM Pesquisa anterior Pesquisa

atual Pesquisa anterior Pesquisa atual

PROVAS Surdos I

Ouvintes Surdos II Surdos I

Ouvintes Surdos II

Líquido 40% 0% 27,2% 60% 100% 72,7% Peso 20% 11,1% 36,3% 80% 88,9% 63,6%

Volume 40% 22% 36,3% 60% 77,8% 63,6% Área 20% 22,2% 36,3% 80% 77,8% 63,6%

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A tabela acima nos dá um resumo simplificado do desempenho dos grupos

envolvidos. Quanto ao grupo de ouvintes da primeira pesquisa, podemos observar

que a maioria raciocina operatoriamente sobre as provas de conservação de líquido,

volume, peso e área; isto é, estes sujeitos não mais apóiam seu raciocínio,

principalmente nos dados imediatos perceptivos. “Há uma compensação realizada

cognitivamente de forma que os aspectos aparentes são deixados de lado e se

consideram os aspectos realmente importantes para a solução do problema.

(NOGUEIRA; MACHADO, 1996, p.38)

Dando continuidade a essa análise inicial referente às duas pesquisas,

apresentamos algumas colocações de Nogueira e Machado (1996), frente à

pesquisa anterior:

O primeiro ponto abordado é que tanto as crianças surdas como as ouvintes,

quando têm a noção de conservação de quantidades, apresentam argumentos

equivalentes para as justificativas das suas respostas.

O segundo aspecto é que, no mesmo nível escolar (desconsiderando-se as idades),

as crianças surdas apresentam-se com um desempenho um pouco abaixo das

crianças ouvintes nas provas de conservação de peso e área. Em relação às provas

de conservação de líquido e volume (onde a defasagem é maior), temos dúvidas

ainda se a questão não foi de comunicação.

Como terceiro ponto, levantou-se a dificuldade que as crianças surdas têm com a

utilização das palavras “mais e menos”. Por uma questão ainda não esclarecida,

todas as crianças auditivas tendem a utilizar as palavras “muito e pouco” em

substituição àquelas. Ora, é claro que estas palavras não carregam os mesmos

conceitos e isso dificulta a avaliação das respostas das crianças. Não que elas não

conheçam a palavra “mais”, mas notamos que elas resistem a utilizá-las em certas

situações. Mas esta não seria toda a explicação, já que as provas da conservação

do peso e da área também exigem uma avaliação envolvendo mais e menos.

Portanto, podemos supor que o fato de as provas de conservação do líquido e do

volume apresentarem maiores dificuldades é por estarem associadas a recipientes

outros que não o próprio objeto a ser avaliado.

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Considerando os comentários acima citados, e tomando o presente estudo, temos:

Com referência ao primeiro ponto, os surdos da pesquisa anterior e da atual que tem

a noção de conservação de quantidades apresentam argumentos equivalentes para

as justificativas das suas respostas.

Considerando o segundo aspecto, analisamos os dados apresentados referentes

aos dois grupos: surdos I (pesquisa anterior) e surdos II (pesquisa atual), onde a

questão “escolaridade” não é a mesma, mas a idade sim. A questão quanto à

comunicação, apontada anteriormente, não foi considerada como dificuldade na

presente pesquisa, uma vez que a pesquisadora tem proficiência em língua de

sinais, facilitando de sobremaneira a comunicação.

Na prova de conservação de líquido, 8 surdos da pesquisa atual (isto é, 72,2%)

apresentaram um percentual mais significativo que o grupo de surdos da pesquisa

anterior, correspondendo a 3 (60%). Na prova de conservação de volume, o

percentual dos níveis de respostas permaneceu praticamente o mesmo. Nas provas

de área e peso, o nível de percentual apresentado pelo grupo de surdos da pesquisa

anterior é consideravelmente significativo (Tabela 8).

Nogueira (2005, p. 6 e 7), analisando esta situação, comenta que os resultados

encontrados na pesquisa anterior:

[...] contrariam a psicogenética, pois há uma gradação nas conservações, iniciando pelas grandezas contínuas (líquido e substância) depois peso e área e, finalmente volume, evidenciando que os mesmos foram comprometidos pela dificuldade de comunicação entre sujeitos e pesquisadoras. ‘Mas esta não seria toda a explicação já que as provas de peso e do volume também exigem uma avaliação em volvendo mais e menos’, indicando que a dificuldade maior aqui foi o fato de o entendimento pelos sujeitos das indagações das pesquisadoras, em função das quantidades estarem associadas a recipientes outros que não o próprio objeto a ser avaliado (NOGUEIRA, 2005, p. 17).

Como já exposto, observa-se que os surdos da pesquisa atual apresentam uma

ordem de sucessão da construção das noções de conservação do peso e do volume

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que confirmam as pesquisas de Piaget e Inhelder, o que não acontece com os da

pesquisa anterior.

Se insistimos sobre a ordem de sucessão da construção das noções de conservação de substância, do peso e do volume físico, não é pelo vão prazer de constatar que nossos resultados são também encontrados alhures, mas sim porque essa ordem sucessão apresenta uma significação ao mesmo tempo lógica e psicológica [...] (PIAGET; INHELDER, 1975, p.19).

O terceiro ponto levantado diz respeito ao vocabulário dos adolescentes. Na

pesquisa atual, podemos considerar que o vocabulário melhorou, os adolescentes

empregam mais termos e termos mais apropriados.

5.3.2 Operação lógica

5.3.2.1 Operação lógica: Inclusão de classes

Resultados:

Apresentamos inicialmente, em termos percentuais, os níveis de respostas frente à

prova de inclusão.

Tabela 9 - Níveis de respostas frente às provas de inclusão de classes realizadas nas duas pesquisas.

NÃO INCLUEM INCLUEM

Pesquisa anterior Pesquisa atual Pesquisa anterior Pesquisa

atual Surdos

I Ouvintes Surdos II Surdos I Ouvintes Surdos

II 0% 0% 0% 100% 100% 100%

Em relação à inclusão de classe, observamos que tanto os surdos e ouvintes da

primeira pesquisa quanto os surdos da segunda apresentam desempenho

compatível com a faixa etária. Isso indica que os sujeitos compreendem as relações

entre um conjunto de objetos e seus subconjuntos e entre os vários subconjuntos,

referindo-se ao estágio III.

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Nogueira e Machado (1996, p.39) fazem o seguinte comentário sobre esta prova:

[...] no caso das crianças deficientes auditivas o tipo de resposta que consideramos válida difere das crianças do grupo controle. As crianças deficientes auditivas, como já dissemos, não utilizam a palavra mais e se limita a expressar: “14 animais”. Como temos dados suficientes para concluir que estas crianças sabem que “14” é mais do que “9”, consideramos a resposta como indicativo da noção de inclusão.

Observamos na pesquisa atual que os adolescentes surdos apresentam um

vocabulário que permite expressar “mais animais”.

5.3.2.2 Operação formal: A flutuação de corpos

Temos os seguintes resultados percentuais referentes à prova de flutuação de

corpos.

Tabela 10 - Níveis de respostas frente às provas de flutuação de corpos realizadas nas duas pesquisas.

Pesquisa anterior Pesquisa atual Estágios Surdos I Ouvintes Surdos II

I 50% 22,3% 36,3% II 50% 77,7% 63,6% III

Obs.: Os dados de um adolescente surdo da primeira pesquisa não puderam ser analisados, devido à dificuldade de comunicação.

Antes de tecer comentários, apresentamos as considerações da pesquisa anterior,

referentes ao grupo de ouvintes:

Podemos supor que estas crianças podem ser avaliadas como sujeitos que ainda não utilizam um raciocínio operatório formal para explicarem a tarefa proposta. Há uma evolução quanto à crianças menores (nível I) que utilizam explicações baseadas unicamente na qualidade do objeto (plástica, madeira, leve, etc.). Há clara tentativa de rever (na experimentação) a noção de peso utilizada relacionando-a ao tamanho. Pelo menos, estes sujeitos procuram formar subclasses (“madeira e plástico flutuam”) e não tratam cada objeto individualmente

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apenas. Mesmo utilizando a noção de peso absoluto com critério, a maioria das crianças procura explicar que alguns objetos leves podem afundar ao vencer a resistência superficial da água ou ao “encherem de água”. Neste sentido elas utilizam explicações típicas do nível II que ainda não se estabelece uma relação operatória entre peso e volume, mas explicam a diferença entre os pesos específicos referindo-se a materiais “mais compactos” ou “com mais poros”. Quando os sujeitos deste nível consideram a água nas suas explicações, na maioria das vezes consideram a água toda do recipiente e não a quantidade de água em relação ao objeto específico. (NOGUEIRA; MACHADO, 1996, p.41)

E referente ao grupo de surdos:

Quanto às crianças deficientes auditivas, apesar da dificuldade da efetivação do exame e dos poucos dados, não podemos afirmar que elas apresentaram grandes diferenças em relação às crianças do grupo controle. É interessante que os mesmos critérios, e praticamente da mesma forma, são utilizados. Além disso também fazem referência à água da mesma maneira que as crianças ouvintes. Neste sentido, a avaliação destas crianças quanto a tarefa de flutuação dos corpos poderia ser considerada no, geral, mesmo nível que aquele já discutido para o grupo controle. As diferenças que aparecem na tabela podem ser computadas à dificuldade do exame para as crianças surdas. Com as crianças ouvintes é mais fácil observar e registrar suas informações. (NOGUEIRA; MACHADO, 1996, p.42)

Quanto à consideração da dificuldade da efetivação do exame e dos poucos dados

na pesquisa realizada anteriormente com os surdos, nesta não podemos considerar

este aspecto, pois a conversa fluiu normalmente.

Os resultados apontados na tabela acima nos permitem afirmar que em ambas as

pesquisas os adolescentes não utilizaram um raciocínio operatório formal para

explicar a tarefa proposta, isto é, encontram-se no estágio operatório concreto. E

quanto a esse dado, temos um “tímido” diferencial entre os surdos pesquisados da

pesquisa anterior (50%) e os da pesquisa atual (63,6%).

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6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS

O meio social, como já visto, é fundamental para o desenvolvimento cognitivo do sujeito,

pois ele pode favorecer ou não as várias expressões da funções simbólicas

e entre elas a linguagem. POKER

Neste sexto e último capítulo iremos discutir os dados dos resultados encontrados

como também procuramos apontar contribuições do nosso estudo para a educação

de surdos.

Ao considerarmos os dados apresentados no quarto e quinto capítulos desta

pesquisa, temos dois pontos a destacar com relação aos surdos educados numa

abordagem bilíngüe:

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• Nível de comunicação – Comparando os surdos da pesquisa anterior

(comunicação oral) com os da pesquisa atual (LIBRAS), podemos observar

que estes últimos conseguiram compreender com mais facilidade cada

situação proposta e nas suas respostas percebe-se um melhor vocabulário,

tanto quantitativamente como qualitativamente.

• Conhecimento escolar (conteúdo acadêmico) - Os surdos da pesquisa

anterior estavam cursando a 4ª série e tinham idade entre 12 e 14 anos; os

da nossa pesquisa estão cursando, com esta mesma faixa etária, de 5ª a 8ª

série. Os primeiros tinham uma experiência educacional muito voltada para a

“reabilitação”, sendo a escolaridade deixada para segundo plano; os

segundos vivem num momento no qual é proporcionada essa escolaridade.

É natural, portanto, a indagação: Se os surdos da pesquisa atual possuem um

melhor vocabulário e conhecimento escolar com a LIBRAS, por que isto não se

traduziu em avanço cognitivo, ao contrário, em relação a algumas provas, como o

percentual de não conservação aumentou?

A resposta a esta questão demandaria outras pesquisas. A teoria piagetiana e os

resultados dos estudos de Poker (1995) e as entrevistas com os pais nos permitiram

algumas hipóteses.

A LIBRAS, por si só, não conseguiu proporcionar ganhos qualitativos no

desenvolvimento cognitivo do indivíduo surdo. Isso nos remete ao pressuposto

piagetiano de que o pensamento é produto da ação interiorizada e que sua origem

não é diretamente atribuível à aquisição da linguagem, embora ela seja fundamental

para o seu desenvolvimento qualitativo superior.

Ficou evidente em nosso estudo que, embora os surdos tenham a possibilidade de

uma efetiva comunicação em LIBRAS, verificou-se que não acontecem as trocas

simbólicas necessárias ao desenvolvimento cognitivo.

Como vivenciamos a realidade histórica em que se encontra a educação de surdos

pesquisados, podemos considerar que, embora a escola em questão tenha investido

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muito e os professores que trabalham com a educação de surdos reconheçam a

importância da LIBRAS e procurem utilizá-la dentro e fora da sala de aula,

mostrando a intenção de cumprimento dos preceitos do bilingüismo, isto não se

concretizou inteiramente na prática. Uma causa possível talvez seja o pouco tempo

de implantação da proposta, de tal modo que esta ainda não se revestiu numa

“segunda pele” dos docentes. Por outro lado, os professores se encontram em

diferentes níveis de aquisição da LIBRAS, quer seja pelo tempo de trabalho na

escola, pela aptidão de aprendizagem de uma segunda língua, ou mesmo pelo

interesse nessa língua.

Uma outra hipótese é de que na abordagem oralista, tinha-se uma “cartilha” (passos)

a seguir, as atividades eram claras, voltadas à reabilitação. Agora com o abordagem

bilíngüe, temos os surdos usuários da LIBRAS; assim existem algumas

diferenciações na prática pedagógica, como a ênfase na utilização de recursos

visuais, mas o “modelo de educação” a seguir é o do ensino comum, no qual, como

sabemos, não existe uma preocupação com o desenvolvimento cognitivo.

As interações dos surdos com seus professores foram objeto de investigações de

outros pesquisadores, como Wood (1986, apud Coll, Palácios e Marchesi, 1995,

p.223), que afirmou: “os professores de crianças surdas têm um estilo controlador

nas conversações com as crianças, que não facilita nem a expressão espontânea

das crianças, nem que estas tomem iniciativas comunicativas”.

Em vista do exposto, podemos ver que as trocas simbólicas ocorridas na escola

estão aquém do necessário ao desenvolvimento cognitivo, o que é confirmado por

Poker (1995).

Entretanto, parece que da forma com vem sendo praticado, o método combinado não está promovendo situações que favoreçam o desenvolvimento pleno dos sujeitos a ele submetidos, proporcionando a eles reais condições de troca simbólica. É claro que esta troca acontece, de uma maneira ou outra e, neste caso específico, é facilitada pelo uso dos gestos, mas isso não acontece por conta de uma intenção explícita do professor (POKER, 1995, p. 239).

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Poker (1995) e Nogueira (2005), também chamam a atenção para o fato de que a

aquisição de uma língua, no caso a LIBRAS, não é suficiente para o

desenvolvimento cognitivo dos surdos e atribuem à escola maior responsabilidade.

Para tanto, faz-se necessário oferecer aos surdos condições adequadas para que possam se desenvolver cognitivamente, independentemente do tipo de linguagem empregada neste processo. É preciso entender, principalmente, que não é somente pela superação do déficit lingüístico que eliminar-se-ia o déficit cognitivo (POKER, 1995, p. 240).

O desenvolvimento cognitivo da criança surda não é objeto de ações intencionais, como se apenas uma comunicação mais eficiente, a aquisição de uma linguagem fosse suficiente para elevar o pensamento, sem nenhuma preocupação com os processos envolvidos neste movimento (NOGUEIRA, 2005, p. 18)

Para investigarmos como acontecem as trocas simbólicas fora do ambiente escolar,

entrevistamos os pais e a partir das suas respostas concluímos que as interações

extra-escola é restrita, mesmo os surdos sendo considerados bilíngües e com todo

o avanço tecnológico (celular, internet). Além disso, como aborda Nogueira (2005,

p.20), a filosofia bilíngüe traz consigo o conceito de “comunidade surda”:

[,,,] da qual, somente fazem parte e são “dignos de respeito” os pais e profissionais que utilizam a língua de sinais, ocasionando problemas de relacionamento nas famílias, com surdos não procurando favorecer a comunicação como pais, irmãos e outros familiares ouvintes, por entenderem que estes, ao não utilizarem sinais, estariam “rejeitando” o membro surdo (NOGUEIRA, 2005, p. 20).

Com as trocas simbólicas nos ambientes escolar e familiar restritas, resta aos

indivíduos surdos uma comunicação mais efetiva com seus pares, colegas da

escola, e com os adultos surdos, estes últimos frutos de uma educação oralista

radical, com vocabulário em LIBRAS bastante inferior aos dos jovens surdos. A

interação entre seus pares não favorece a evolução do pensamento, em

conseqüência da delimitação simbólica existente. Essa situação não é, evidentemente, natural e imutável. Ao contrário. Foi por

acreditarmos numa educação que favoreça o desenvolvimento cognitivo dos surdos

(e ouvintes) que enveredamos pelos caminhos desta pesquisa. E, dos estudos

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realizados e dos resultados encontrados, podem emergir indicativos de muitas ações

que contribuam efetivamente para a evolução do pensamento do indivíduo surdo.

Não descartando o compromisso dos pais, temos que considerar que mais de 90%

dos surdos são filhos de pais ouvintes (GOLDFELD, 1997); assim, amplia-se,

consideravelmente a responsabilidade do ambiente escolar.

Cabe à escola pensar numa educação de surdos, numa perspectiva mais ampla e

que leve em consideração isto:

• que o conhecimento é construído pelo aluno a partir de suas ações e

interações no e com o meio ambiente, sempre mediado pelo professor;

• que seja dada a importância ao processo de desenvolvimento cognitivo e o

grau evolutivo de cada criança e adolescente sob seus cuidados;

• que a origem da lógica se encontra na ação e não na linguagem;

• que a função semiótica é composta por diferentes formas de representação

como a imitação diferida, o desenho, a linguagem, o jogo simbólico e as

imagens mentais - e todas elas devem ser privilegiadas;

• que o raciocínio do surdo não se fundamenta apenas no visual, apesar deste

sentido ser extremamente desenvolvido;

• que a LIBRAS desempenha papel fundamental para que o surdo ultrapasse o

período das operações concretas rumo ao lógico-formal, dando-se isso pelas

trocas simbólicas possibilitadas.

• que a família não deve ter sua responsabilidade e sua participação diminuída

pelo fato de a LIBRAS ter proporcionado uma comunicação mais efetiva entre

a escola e os alunos.

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A escola de surdos, mais do que uma escola de ensino comum que adota uma

língua diferente, continua necessitando de cuidados especiais para que seus

educandos, apesar da diferença lingüística, conquistem o pleno desenvolvimento de

seu pensamento.

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APÊNDICES

APÊNDICE A

SOLICITAÇÃO

Maringá, 14 de junho de 2004.

À Diretora Yara Maria Felipe

Solicito a V. Sª autorização para a realização da pesquisa: “As estruturas

operatório-concretas e lógico-formais do adolescente surdo educado de acordo com

a abordagem bilíngüe: uma análise psicogenética”, neste ano de 2005, para o

Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e o Ensino de

Matemática - UEM.

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Para tanto, as seguintes atividades se fazem necessárias:

- entrevistas com alunos, professores, equipe técnica e pais;

- aplicação de provas piagetianas a um grupo de adolescentes surdos entre 12

a 15 anos;

- utilização da biblioteca para pesquisa bibliográfica;

Certa de sua compreensão, antecipadamente agradeço.

MARIA EMÍLIA MELO TAMANINI ZANQUETTA.

Mestranda – PCM/UEM

APÊNDICE B TERMO DE CONSENTIMENTO

PARA MAIORES DE 18 ANOS

Título do Projeto:

As estruturas operatório-concretas e lógico-formais do adolescente surdo educado de acordo com a abordagem bilíngüe: uma análise psicogenética.

Seguem abaixo os esclarecimentos necessários referentes à pesquisa:

Estamos convidando-o/a para participar de uma pesquisa com o objetivo de estudar o desenvolvimento cognitivo em adolescentes surdos educados numa abordagem bilíngüe. Para tanto, aplicaremos algumas situações-problema pré-determinadas a um grupo de dez adolescentes surdos.

A partir deste trabalho, esperamos investigar, além do objetivo descrito acima, se esses adolescentes possuem as estruturas necessárias para a aprendizagem matemática na segunda fase do Ensino Fundamental. Pretende-se ainda. pela aplicação de questionários e entrevistas, conhecer qual a concepção que os pais e os profissionais envolvidos com esses adolescentes têm acerca da surdez. É para este último item que pedimos a sua participação.

Estaremos prestando esclarecimentos, antes e durante a pesquisa, sobre a metodologia utilizada ou qualquer outra dúvida. Para tanto, favor entrar em contato com:

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Profª Dra. Clélia Maria Ignatius Nogueira ou com a pós-graduanda Maria Emília Melo Tamanini Zanquetta pelo telefone: (44) 261 – 4827.

Destacamos alguns aspectos importantes sobre a sua participação na pesquisa: a) que, durante o desenvolvimento da mesma, o(a) senhor(a) tem toda a liberdade de recusar ou retirar o consentimento; b) que a sua identidade será preservada, garantindo assim sigilo e privacidade; c) que os dados coletados serão utilizados restritamente para responder aos objetivos da pesquisa.

Eu, ____________________________________________, após ter lido e entendido as informações e esclarecido todas as minhas dúvidas referentes a este estudo com a Pós-graduanda Maria Emília Melo Tamanini Zanquetta, CONCORDO VOLUNTARIAMENTE, em participar do mesmo.

________________________________________________ Data: ____/____/______ Assinatura do pesquisado

Eu, Pós-graduanda Maria Emília Melo Tamanini Zanquetta, declaro que forneci todas as informações referentes ao estudo ao pesquisado. Equipe (Incluindo pesquisador responsável): 1- Nome: Profª Dra. Clélia Maria Ignatius Nogueira Telefone: (44) 261 - 4827 Endereço Completo: UEM, PCM – Av. Colombo 5790 - Campus Universitário, bloco F 67, sala 9 2- Nome: Maria Emília Melo Tamanini Zanquetta Telefone: (44) 261 - 4827 Endereço Completo: UEM, PCM – Av. Colombo 5790 - Campus Universitário, bloco F 67, sala 9

Qualquer dúvida ou maiores esclarecimentos procurar um dos membros da equipe do projeto ou Comitê Permanente de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (COPEP) da Universidade Estadual de Maringá – Bloco 10 – Campus Central – Telefone: (44) 261-4444.

APÊNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO PARA MENORES DE 18 ANOS

Título do Projeto:

As estruturas operatório-concretas e lógico-formais do adolescente surdo educado de acordo com a abordagem bilíngüe: uma análise psicogenética. Seguem abaixo os esclarecimento necessários aos responsáveis pelo adolescente que participará da pesquisa:

Estamos convidando-o/a para uma conversa, cuja finalidade é pedir a sua autorização para que seu/sua filho(a) adolescente participe de uma pesquisa com o objetivo de estudar o desenvolvimento cognitivo em adolescentes surdos educados numa abordagem bilíngüe. Para tanto, aplicaremos algumas situações-problema pré-determinados a um grupo de dez adolescentes surdos, de que seu filho(a) faz parte. Informamos que no desenvolvimento dessas atividades será feita a filmagem para subsidiar a análise dos dados, sendo que, apenas terão acesso a estas imagens os pesquisadores envolvidos no projeto.

Estaremos prestando esclarecimentos, antes e durante a pesquisa, sobre a metodologia utilizada ou qualquer outra dúvida. Para tanto, favor entrar em contato

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com: Profª Dra. Clélia Maria Ignatius Nogueira ou com a pós-graduanda Maria Emília Melo Tamanini Zanquetta pelo telefone: (44) 261 – 4827.

Destacamos alguns aspectos importantes sobre a participação de seu/sua filho(a) na pesquisa: a) que, durante o desenvolvimento da mesma, o(a) senhor(a) responsável pelo adolescente tem toda a liberdade de recusar ou retirar o consentimento; b) que a identidade do adolescente será preservada, garantindo assim sigilo e privacidade; c) que os dados coletados serão utilizados restritamente para responder aos objetivos da pesquisa.

Eu, ____________________________________________, responsável pelo menor, após ter lido e entendido as informações e esclarecido todas as minhas dúvidas referentes a este estudo com a Pós-graduanda Maria Emília Melo Tamanini Zanquetta, CONCORDO VOLUNTARIAMENTE, que o meu (minha) filho(a), _____________________________________________ participe do mesmo.

________________________________________________ Data: ____/____/______ Assinatura (do pesquisado ou responsável)

Eu, Pós-graduanda Maria Emília Melo Tamanini Zanquetta, declaro que forneci todas as informações referentes ao estudo ao responsável do pesquisando. Equipe (Incluindo pesquisador responsável): 1- Nome: Profª Dra. Clélia Maria Ignatius Nogueira Telefone: (44) 261 - 4827 Endereço Completo: UEM, PCM – Av. Colombo 5790 - Campus Universitário, bloco F 67, sala 9 2- Nome: Maria Emília Melo Tamanini Zanquetta Telefone: (44) 261 - 4827 Endereço Completo: UEM, PCM – Av. Colombo 5790 - Campus Universitário, bloco F 67, sala 9 Qualquer dúvida ou maiores esclarecimentos procurar um dos membros da equipe do projeto ou Comitê Permanente de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (COPEP) da Universidade Estadual de Maringá – Bloco 10 – Campus Central – Telefone: (44) 261-4444.

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ANEXOS

ANEXO A

AUTORIZAÇÃO DO CONSELHO DE ÉTICA

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