A Análise Do Sujeito Psicótico Na Instituição Psiquiátrica

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    Psicanlise e sade mental:a anlise do sujeito psictico

    na instituio psiquitrica

    So Luis/MAEDUFMA

    2009

    Adriana Cajado Costa

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    Dedico este livro aos meus amoreAlexandre Fernandes Corra

    Bruno de Lorenzo Costa Corr

    A memria do meu pai, Walter Martins Cos

    COSTA, Adriana Cajado. Psicanlise e sade mental:a anlise do sujeito psictico na instituiopsiquitrica. So Luis/MA: EDUFMA, 2009, 146p.

    ISBN 978-85-7862-042-4

    Capa: www.flickr.com/photos/ze1/10769192/

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    Diretor Edufma: Ezequiel Antonio Silva Filho

    Adaptao da Dissertao de MestradoPsicanlise e sade mental: aanlise do sujeito psictico na instituio psiquitrica, defendida no

    Programa de Ps-Graduao em Psicologia Clnica daPontifcia Universidade Catlica de So Paulo,

    sob orientao de Maria Lucia Vieira Violante, em 2002

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    Eu hoje tive um pesadelo e levantei atento a temEu acordei com medo e procurei no escu

    Algum com seu carinho e lembrei de um temPorque o passado me traz uma lembran

    Do tempo que eu era crianE o medo era motivo de cho

    Desculpa pra um abrao ou um consHoje eu acordei com medo, mas no cho

    Nem reclamei abrDo escuro, eu via um infinito sem presen

    Passado ou futuSenti um abrao forte, j no era med

    era uma coisa sua que ficou em mique no tem f

    De repente a gente v que perdOu est perdendo alguma co

    Morna e ingnQue vai ficando no camin

    Que escuro e frio, mas tambm bon

    Porque iluminaPela beleza do que acontec

    H minutos at

    POECAZU

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    SUMRIO

    APRESENTAO

    INTRODUO

    PSICANLISE NA INSTITUIOPSIQUITRICA

    METAPSICOLOGIA:O CONCEITO DE VERLEUGNUNG EM FREUD

    ASPECTOS DA PSICOPATOLOGIA:O FENMENO PSICTICO

    ANLISE DE UM SUJEITOPSICTICO INSTITUCIONALIZADO

    CONSIDERAES FINAIS

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    Apresentao

    Estamos todos em uma sala ampla e escura. O reconhecimendos objetos e dos outros difcil. Os pontos de referncia se dissolvee se reorganizam formando uma imagem disforme; no h descansno h um espelho que o situe no contorno do seu prprio corpopode ser homem, mas tambm pode ser mulher, jovem, adultcriana ou, apenas, o resto de algo que, ao tentar se constitufracassou. Fratura que o deixou fora de si, de uma histcompartilhvel, da cidade, do trabalho e do amor.

    Como apresentar um processo de investigao e trabalanaltico, com sujeitos psicticos em instituio psiquitrica, serecorrer construo imagtica que localize meu leitor na trajet

    de uma escuta psicanaltica que aposta na suposio de um sujena psicose?

    Publicar um trabalho, que j foi escrito sete anos atrs, momento de um Mestrado e que viabilizou a elaborao de uminvestigao clnica, que j trazia uma histria de outros sete ano um exerccio de reorganizar uma pesquisa. O que apresento leitor nesse livro o resultado de uma dissertao de mestradefendida em 2002. De l para c, o trabalho de investigao clne de pesquisa se aprofundaram.

    A clnica das psicoses movimenta uma escuta analtica delicae atenta ao manejo transferencial. A direo do tratamento preciser inscrita na construo do sujeito e de nomeao de sua obassinar em nome-prprio. As dimenses do Outro, do Desejo e

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    INTRODUO

    A presente pesquisa fruto de inquietaes e questionamentoriundos do atendimento a sujeitos psicticos confinados em hospipsiquitrico (conveniado ao SUS) de cunho asilar. Pode-se afirmque tais sujeitos foram institucionalizados numa prtica de tratameneminentemente medicamentosa. Entretanto, se esta foi a fonte interesse da pesquisa, terreno no qual foi possvel sua conceppassados alguns anos, seu desenvolvimento se deu numa instituipblica.

    Esta instituio passa por inmeras reformas, disponibilizanaos pacientes, no momento, os seguintes tratamentos: no CA(Centro de Ateno Psicossocial) oficinas de marcenaria, serigrafreciclagem de papel, bijuteria, cabeleireiro, artesanato etc.; Servio Ambulatorial atendimento psiquitrico e psicoterpico; L

    abrigado; Emergncia e Internao. Os muros que cercavam a rdo hospital foram derrubados e, no lugar, uma grade foi erguidagora possvel ter-se uma comunicao direta com as pessoas qpassam pela rua.

    O ambulatrio constituiu-se como o espao privilegiado pesquisa. A agenda de consultas oscilava muito: ora estava lotadfazendo com que alguns pacientes ficassem na fila de espealmejando por uma vaga para iniciar seu tratamento, ora o fludiminua a ponto de no haver ningum para ser atendido. Muitpessoas se dirigiam ao ambulatrio em busca do psiclogorecusavam-se a ser atendidas pelo psiquiatra. Temiam ser dopadaou indicadas para a observao um passo para a interna

    Adriana Cajado Costa

    Gozo precisam ser alinhavados, tecidos e localizados para que osujeito na psicose encontre seu lugar.

    Atualmente, pode-se questionar sobre o que impede ainscrio em nome-prprio e a introduo do sujeito psictico naordem flica. Qual a poro demonaca dos delrios paranicos decunho persecutrio que em seu desfecho podem situar o sujeito, emtermos de filiao, no Nome-do-Pai? O que h de odioso na loucura?

    Compreendo as limitaes e possibilidades da escuta de

    sujeitos institucionalizados, mais pelo institudo da instituio - semesquecer da invaso medicamentosa e da aliana mecnica damquina de prescrio de receitas - do que da demanda do sujeito.

    H uma lgica para o delrio? E se houver, no que o dioparticipa em sua vertente paranica? Por que deus e/ou o diabo soconvocados a encarnar seus personagens no imaginrio da construodelirante de cunho persecutrio?

    Pretendo problematizar essas perguntas na pesquisa dedoutoramento que agora inicio. Por enquanto, o leitor ficar comuma parte do percurso que me fez chegar a essas questes.

    um convite honesto para pensar sobre o funcionamento deuma instituio psiquitrica, como tambm, seu atravessamento nainstalao de uma escuta psicanaltica que, em si, j uma ofertaque cria uma demanda e, assim, configura qual o lugar e a funodo psicanalista na instituio. Na psicose, a demanda est fundadana colagem ao Outro. uma demanda desesperada por localizar ogozo e o desejo do Outro. um apelo para no sucumbir deriva de

    ser refm de um gozo TODO.O dilogo entre Psicanlise e Sade Mental, superficialmente,

    pode ser paradoxal em termos epistemolgicos, mas pode ser umaaposta possvel, desde que o psicanalista preserve sua tica, suadouta ignorncia.

    Adriana Cajado Costa

    31 de Janeiro de 2009

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    Se, nessa pesquisa, sempre me balizo pela noo de escuque a psicanlise fundamenta e at inaugura, enfatizando sua fundecisiva na clnica das psicoses, por estar ciente de sua importncComo afirma Dolto, em prefcio Mannoni2, falando do psicanaliso que faz a sua especificidade a sua receptividade, a sua escuta a especificidade da psicanlise que nos garante empreender alnovo, no caso do hospital psiquitrico, quebrar o movimento mumificao e objetalizao do sujeito. Garante, tambm, um lug

    a ser ocupado no mbito social, nas inst ituies e na esfera privadno caso do consultrio.

    O processo de institucionalizao do sujeito psictico tem sorigem na ideologia predominante na psiquiatria atual que encontrse estruturada, como afirma Raul Gorayeb, na premissa bsica biolgico caracterizada pela objetivao do sujeito e desqualificada subjetividade4. a valorizao da subjetividade que marcapresena da psicanlise na instituio.

    A escuta psicanaltica engloba essencialmente trs dimense

    1. Terica fundamento da escuta, pois a direciona e forneclhe subsdios para apreenso do material inconsciente qadvm pela fala do paciente;

    2. Clnica enquanto mtodo de trabalho, a psicanlise recors associaes livres do paciente e sua contrapartida a escue a ateno flutuante do psicanalista que atravs destrecursos, alm do terico tambm, constri suas hiptesesinterpretaes;

    3. Institucional a compreenso da escuta, como afirma JoBirman5, demarcada por critrios scio-institucionais qconfirmam uma viso de sujeito veiculada pela abordageterica assumida por uma instituio psicanaltica.

    3Ibid., p. 11.4GORAYEB, Raul. Subjetividade ou objetivao do sujeito?. In: VIOLANTE, M. Luc

    V. (Org.) (Im)possvel Dilogo Psicanlise e Psiquiatria. So Paulo, Via Lette2001, p. 144.

    5BIRMAN, Joel. A clnica na pesquisa psicanaltica. In: Psicanlise e Universidan.2. So Paulo, Educ, 1992.

    Introduo 1

    Acreditavam que o tratamento psicolgico era suficiente. O manejoapropriado, nos casos em que era imprescindvel o acompanhamentopsiquitrico, foi o de realizar um trabalho de preparao do pacientepara o encaminhamento psiquitrico, mantendo as sesses comigo,nas quais a questo medicamento entrava em pauta. Outraspreteriam o atendimento psicolgico e valorizavam a consulta como psiquiatra para que fossem medicadas o mais rpido possvel. svezes, nas quais se pde observar pacientes simulando crise psictica

    para receber medicao venal, o atendimento foi mltiplo, o quecaracteriza medicao excessiva e pouco tratamento psicoterpicoou qualquer outro que promova no sujeito condies mais dignas decontornar seu problema e conviver com ele.

    O servio ambulatorial est localizado num dos prdios maisantigos do hospital. Nele, as salas de atendimento possuem tamanhoadequado e ar condicionado. O consultrio 05 a sala de atendimentopsicolgico e est sendo ocupada, no perodo da tarde, apenas pormim, na qualidade de psicanalista pesquisadora voluntria. Este dadoindica a escassez de profissionais para o atendimento psicolgicodesses sujeitos, contribuindo para a excessiva medicalizao dapopulao assistida.

    Para Aulagnier, a finalidade da pesquisa que guiar todo otrajeto percorrido e indicar os instrumentos a serem utilizados:

    (...) a finalidade de uma pesquisa determina a maneira de conduzi-la, omtodo que ela privilegia e o tipo de questes que ela se coloca.1

    A finalidade do presente estudo compreender, a partir do

    que nos ensina a metapsicologia de Piera Aulagnier, os percalos daanlise do sujeito psictico na instituio psiquitrica. A especificidadeda transferncia na psicose e as peculiaridades da escuta psicanaltica,quando ofertada a sujeitos que sofrem de um conflito to profundoquanto desorganizador, permeiam a reflexo, pois de psicanliseque se trata, mas no constituem o foco principal da investigao.

    1AULAGNIER, Piera (1975).A violncia da interpretao: do pictograma ao enunciado.Rio de Janeiro, Imago, 1979, p. 16.

    2MANNONI, Maud.A primeira entrevista em psicanlise. Rio de Janeiro, Campus,1981.

    Adriana Cajado Costa12

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    de escuta, ambos alienados: a escuta arrogante do superior, a escuta sedo subordinado (ou dos seus substitutos); este paradigma hoje contesta bem verdade que de uma maneira grosseira e, talvez, inadequada: acredse que, para libertar a escuta, basta que o indivduo tome a palavra, mesmo quando, na verdade, uma escuta livre essencialmente aquque circula, que permuta, que desagrega, por sua mobilidade, a maestabelecida que era imposta palavra: j no possvel imaginar-se usociedade livre, aceitando de antemo nela preservar os antigos espaosescuta: os do crente, do discpulo e do paciente6.

    Ao se configurar como o meio pelo qual o analista tem acesao inconsciente, a escuta psicanaltica torna-se um dos instrumentmais importantes no desenvolvimento da anlise. ela que deteca demanda, viabiliza o manejo transferencial, permite o acesso inconsciente, conduzindo o analista s vias pertinentes parautilizao da tcnica.

    A metapsicologia de Piera Aulagnier, construda a partir clnica das psicoses, informa minha escuta dos sujeitos deste estudfornece os instrumentos de compreenso da transferncia na psicoe introduz as ferramentas tcnicas que permitem o desenvolvimendo trabalho de anlise.

    Privilegio, nessa pesquisa, a reflexo sobre o percurso analtde sujeitos psicticos institucionalizados. Nele, pude detectar qos sujeitos que se submeteram psicanlise no hospital modificarasua relao com a doena, passando a se interessar menos pelsintomas e seus comportamentos desviantes e mais por uquestionamento dos motivos que os levam a responder de tal qual maneira aos estmulos da vida.

    Nesse caminho, pude construir um pensamento de que esssujeitos, que escutei na instituio psiquitrica, podem vir a ssujeitos de suas falas ao invs de depositrios e objetos de uproblema.

    Em aspecto amplo, nesse estudo, interrogo: quais so alcances e limites da escuta analtica dos sujeitos psicticos pmim atendidos no espao institucional a partir da utilizao do apoterico de Piera Aulagnier?

    6BARTHES, Roland. O bvio e o obtuso: ensaios crticos III. Rio de Janeiro, NoFronteira, 1990, p.228.

    Introduo 1

    com esse esprito que este trabalho se desenvolve e constriseus pontos de apoio. O psicanalista, j atravessado pela escutaanaltica, percebe como se configuram as relaes numa instituio.No caso desse hospital, uma postura distanciada adotada pelosfuncionrios em relao aos pacientes e familiares. importanteressaltar que a psicanlise inaugura um novo paradigma, muitodiferenciado daquele que rege o conhecimento psiquitrico.

    Assim, o olhar e a maneira dos funcionrios perceberem os

    pacientes e familiares repleto de significaes que respondem auma marca da doena e do fracasso. Para eles, tais indivduos estodesprovidos de uma singularidade e so apenas restos do que nodeu certo. por isso que no olham para esses sujeitos quandofalam com eles, no se disponibilizam a fornecer informaes maisprecisas, fazem um ar de cansao e irritao quando so abordadospelos mesmos. Toda essa postura adotada por esses profissionaisem decorrncia de uma viso pejorativa e quase virtica da psicose,pois esto trabalhando dentro de uma perspectiva que fazdiferenciaes precisas entre sade e doena, quando tal preciso apenas ilusria.

    Outro aspecto a salientar o de que tais profissionais norecorrem a nenhum tipo de tratamento ou reciclagem pessoal;parecem no se indagar acerca do que vivem na instituio, gerandodescaso que culmina no cansao, aumentando o mal-estar e apreocupao. Note-se que num hospital psiquitrico de cunho pblico,os profissionais que l trabalham foram submetidos a concurso pblicoe, muitas vezes, no sabiam que iriam ser alocados em hospital

    psiquitrico.Para definir melhor em que tipo de escuta essa pesquisa se

    ergueu colha-se um trecho do livro de Roland Barthes (1976), noqual ele realiza um apanhado histrico do ofcio de escutar, passandopela religio e culminando no que denomina de escuta moderna, aescuta psicanaltica:

    (...) o ato da escuta j no tem a mesma rigidez de outrora; j no h deum lado aquele que fala, que se entrega, que confessa, e de outro lado,aquele que escuta, que se cala, julga e sanciona; o que no quer dizer queo analista, por exemplo, fale tanto como o seu paciente; o que ocorre, como

    j dissemos, que sua escuta ativa, assume participar do jogo do desejo,cuja linguagem a cena: necessrio repetir que a escuta fala. Da, ummovimento que se esboa: os espaos da palavra so cada vez menosprotegidos pela intuio. As sociedades tradicionais conheciam dois espaos

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    Percorrendo o caminho dessa escolha, deve-se notar qucomo salienta Aulagnier9, todo psicanalista tem para si uma idia normalidade e ser usufruindo dela que ir construir suas hiptesdiagnsticas. Contudo, mesmo recorrendo a uma noo do que pode conceber como um funcionamento da psique normal, essa id qualitativamente diferente da categoria de normal trabalhada pemedicina.

    Portanto, preciso ressaltar que esta pesquisa

    eminentemente psicanaltica, por realizar uma investigao pemtodo e paradigma psicanalticos, interrogando um determinafenmeno de maneira que s a psicanlise pode responder tericaclinicamente e, por isso mesmo, descomprometida compadronizao, taxonomizao e categorizao propostas pepsiquiatria.

    Na psiquiatria, freqente um enquadramento diagnstilogo na primeira entrevista. Este uso muito bem observado cotidiano de um hospital psiquitrico. comum serem encontradalcolatras internados com diagnstico de esquizofrenia e, mafreqentemente, de PMD. Na psicanlise, o uso do diagnstico ocorsempre no mbito da hiptese e apenas nos serve como guia conduda anlise, podendo ser reformulado com o tempo e, principalmentnunca fechado ou proposto numa primeira entrevista.

    Pesquisar, em psicanlise, proceder a uma investigao qtem por meta aproximar-se, ao mximo, das produes inconsciente. Seu mtodo abrange o pesquisador, no caso o analis com os instrumentos metodolgicos e tcnicos da ateno flutuan

    interpretao, construo, reconstruo e contribuio figurativa e o paciente que deve proceder associao livre. Silva10, no artiPensar em Psicanlise (1993), caracteriza o mtodo psicanaltipor abertura, construo e participao. E ainda acrescenta:

    Diria tambm que se trata de um mtodo receptivo, valorizando maiescuta do que a fala, mais a espera do que a induo de um sentido11.

    9Id.10LINO DA SILVA, M Emlia . Pensar em psicanli se. In: LINO DA SILVA, M. Em

    (coord.). Investigao e Psicanlise. Campinas, Papirus, 1993, pp. 11-25.11Ibid., pp. 20-21.

    Introduo 1

    Enfatizo, ainda, a construo terica de Piera Aulagnier, queculmina na inovao tcnica da Contribuio Figurativa, a qual unea escuta analtica, a histria do sujeito que est sendo atendido euma compreenso do funcionamento psquico do sujeito psictico.Para tanto, a escuta deve estar afinada e aberta para o novo, paraaquilo que est no limiar da significao. Se, como afirmou Freud,s ter o nome de psicanlise a teraputica que fizer uso datransferncia e da resistncia, no presente contexto, uma escuta

    discreta e atenta vem revelar uma especificidade na transfernciacom psicticos, dando-lhe um direcionamento psicanaltico. a partirdela que um novo olhar pode ser construdo diante daquele quenada tem a comemorar quando est diante do espelho.

    Contudo, uma segunda questo, ainda mais especfica colocada: qual a viabilidade, a possibilidade e o que se pode observardurante o tratamento, quando se lana mo, na anlise dessessujeitos, da tcnica contribuio figurativa?

    Essa pesquisa apoia-se em uma perspectiva psicanaltica queagrega consigo um pensamento sobre o que normal e patolgicodiferenciado da psiquiatria, ou seja, um olhar e uma escuta que noesto preocupados com esta classificao ou dicotomia. Ao se falarem sujeito, subjetividade e singularidade, a psicanlise deixa delado tais distines, concebendo a noo de normalidade 7como umdado que representa a norma, no estando vinculada ao sentido decorreto, saudvel ou superior. Nesta dissertao, os conceitos desade e doena no sero trabalhados, como tambm o conceito decura. Aqui usam-se as aspas para salientar que, se h algum desejo

    de cura, ele se delineia no sentido em que Aulagnier o empregou:(...) essa possibilidade da psique, que representa o limite e a faanha desua liberdade, que lhe permite refletir-se sobre sua prpria atividade parareconhec-la como efeito de sua razo e como efeito da loucura do desejoque a habita8.

    7CANGUILHEM, Georges. Normal e patolgico. Lisboa, Edies 70, 1977.8AULAGNIER, Piera. O sentido perdido...(1971). Um Intrprete em Busca de Sentido

    II. So Paulo, Escuta, 1990, p. 54.

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    se fala15, propiciar um trajeto rumo sua singularidade, ao sentido seu delrio, verdade do seu desejo inconsciente. Diante tamanha importncia, a escuta anal tica no pode ser passiva, comnos alerta Barthes, e principalmente como salienta Violante (200ao interpretar Aulagnier:

    No registro da psicose [...] a escuta do analista no pode ser passivasilenciosa. Antes, suas interpretaes devem apoiar-se sobre os eventosrealidade histrica do paciente, a fim de ajud-lo na construo de s

    histria. Se, na neurose, trata-se da reconstruoda histria do pacienno registro da psicose, trata-se de uma construo16.

    Complementando a reflexo, Mezan, no livro A Sombra Don Juan e outros Ensaios, no artigo Que Significa Pesquisa ePsicanlise? (1993), trabalha com diferenciaes no camepistemolgico e no da pesquisa no interior da teoria escolhidNesta ltima, ele discorre a respeito de um momento no qualanalista se questiona sobre de que modo a teoria informa a escutaa interpretao na situao analtica17, mas tambm situa-nos momento em que a prpria pesquisa ganha seu impulso e vem tentresponder ao que Aulagnier denominou de questes fundamentaNas palavras de Mezan:

    o momento em que o anal ista j no se dirige ao seu paciente, j ndeseja encontrar a interpretao adequada do que escutou, ou mesmo que pensou a partir do escutado, mas busca dar conta em termos conceitudo modo pelo qual puderam se produzir tanto o que ouviu como o que o ouvir assim18.

    15 Devo salientar que o sujeito psictico que passou por um processo institucionalizao no se refere a sua histria singular e, sim, histria de corpo-mquinaque sucumbe s (re)presentaes de sua doena. Ele a doenSua histria a histria das internaes, dos efeitos de cada nova medicatestada. Seu delrio j no consegue ter a fora de antes, foi minado pela formumificante dos psicotrpicos. Diludos na lentido e marasmo dos efeitos colaterdo frmaco, alguns dos sujeitos que pude observar j no conseguiam fazer uda linguagem, paralisados autisticamente, pareciam assistir da ltima poltroncena de um corpo morto-vivo.

    16 VIOLANTE, Maria Lucia Vieira (2001). Piera Aulagnier: uma contribuicontempornea obra de Freud. So Paulo, Via Lettera, 2001, pp. 147-8.

    17MEZAN, Renato.A sombra de Don Juan e outros ensaios . So Paulo, Brasilien1993, p. 94.

    18Ibid., p. 92.

    Introduo 1

    Renato Mezan, no prefcio do livro A vingana da Esfinge(1988), logo na primeira pgina, alerta para o sentido da pesquisa edo pesquisador em psicanlise. Lembrando Foucault para falar sobreas mudanas por que passam tanto as investigaes como seusagentes, Mezan cita-o e oferece tambm outros sentidos:

    Pois, como mostrou Foucault emA Arqueologia do Saber, as idias noprovm da subjetividade soberana de uma conscincia, mas de um solo quetorna possveis certos recortes e impossveis outros, que autoriza alguns a

    falar e a outros impe silncio, que legitima certos objetos de pensamento ecertos tipos de discurso, em detrimento de outros, desqualificados12.

    O solo que torna possveis certos recortes e impossveis outros fruto de construes e produes no campo do conhecimento. Ocampo epistemolgico fornece e cria as condies de viabilidade dedeterminada pesquisa. Unir psicanlise e psiquiatria tarefa difcil13,pois h um abismo epistemolgico entre elas; por isso que seadota a postura, nesta pesquisa, de estar atento s particularidadesda escuta na anlise de sujeitos psicticos institucionalizados.

    Proponho, nesse estudo, que a escuta psicanaltica forneceinstrumentos para o sujeito psictico apropriar-se de significaesque lhe dizem respeito. ela tambm que possibilita o espao e otempo para o analtico. Veculo de criao, por favorecer a entradado elemento novo, a escuta molda o setting. No caso em questo,da psicanlise na instituio psiquitrica, a escuta que vislumbra,no espao e tempo institucionais, o espao e o tempo da anlise,recriando um novo espao/tempo, uma Outra cena14 capaz designificar a experincia da anlise. Esta Outra cena configura-secomo a possibilidade de que um novo espao, imbudo de um novosentido, permita e favorea ao sujeito a criao de um outromomento, distinto do vivido at ento, que lhe proporcione aelaborao ou a ressignificao de seu sofrimento. No caso dossujeitos desse estudo, sofrentes de um conflito psictico, a finalidadeda anlise na instituio a de mudar os termos nos quais o sujeito

    12MEZAN, Renato.A vingana da esfinge. So Paulo, Brasiliense, 1988, p. 07.13FREUD, Sigmund (1926). A questo da anlise leiga. ESB. 2ed., vol. XX, 1987, p.

    262.14MANNONI, Maud.Amor, dio, separao: o reencontro com a linguagem esquecida

    da infncia. Rio de Janeiro, Zahar, 1995.

    Adriana Cajado Costa18

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    bagagem terica. Esta ltima constatao um alerta a nossos leitornossas reflexes sobre a psicose no escapam ao perigo de fazer pareconstruo terica acabada, o que no passa de seu embasamento19(Gmeu).

    Deve-se pontuar que, em psicanlise, mtodo, tcnica e teoandam juntos, ora se cruzam, ora um prevalece, ora outrinfluenciando-se mutuamente num jogo dialtico de investigaoconstruo de sentido.

    * * *

    Por ser uma pesquisa com o mtodo psicanaltico, mas fodo settinganaltico convencional, e por considerar que necesse premente questionar e refletir sobre o hospital psiquitrico, esdissertao apresenta, no primeiro captulo, A Psicanl ise NInstituio Psiquitrica, uma discusso sobre o universo da pesqui o espao e o tempo no qual a investigao se desenvolveu.

    Freud (1919) j havia nos alertado para as implicaes sociada psicanlise e a possibilidade de sua expanso em direo a unmero maior de pessoas com poder aquisitivo baixo. Prev qhaver instituies ou clnicas de pacientes externos, para as qusero designados mdicos analiticamente preparados20. Atualmenexistem inmeros psicanalistas trabalhando em instituies pblice exercendo seu ofcio. Algumas modificaes so implementadamas como sinalizou Freud, qualquer que seja a forma que es

    psicoterapia para o povo possa assumir, quaisquer que sejam elementos dos quais se componha, os seus ingredientes mais efetive mais importantes continuaro a ser, certamente, aqueles tomad psicanlise estrita e no tendenciosa21.

    Ana Cristina Figueiredo22expe com clareza o que vem a sa prtica da psicanlise na instituio psiquitrica e, especificamenno ambulatrio. Afirma ser desnecessrio fazer grandes distin

    19AULAGNIER, Piera (1975). Op. cit., pp. 174-5.20FREUD, Sigmund (1919). Linhas de progresso na terapia psicanaltica. ESB, 2. e

    vol. XVII, 1987, p. 210.21Ibid., p. 211.22FIGUEIREDO, Ana C. Vastas confuses e atendimentos imperfeitos: a clnpsicanaltica no ambulatrio pbl ico. Rio de Janeiro, Remule-Dumar, 1997.

    Introduo 2

    Diante de tal perspectiva, considerando as questesfundamentais dessa pesquisa, cabe frisar a importncia dapsicanlise, no s nos espaos clnicos habituais, mas tambm noespao pblico e institucional.

    Ao circunscrever o objeto da pesquisa na anlise de sujeitospsicticos institucionalizados, transformo tais indivduos em sujeitosdesse estudo e apresento a importncia do desenvolvimento doprocesso analtico na cena institucional, para que o universo do

    hospital psiquitrico seja pensado. Pude observar que o sujeitopsictico, que j passou por uma instituio, traz as marcasinstitucionais consigo, remetendo a escuta do analista s ressonnciasdo que foi e est sendo vivido no hospital.

    Quanto aos aspectos tericos que fundamentam a prticaanaltica e, especificamente, a minha prtica no hospital psiquitrico,considero que a metapsicologia proposta por Piera Aulagnier, almde fornecer novas formas de entendimento acerca da psique, ofereceao psicanalista a possibilidade de pensar o seu trabalho. Esse sentidopode ser encontrado no seu conceito de teorizao flutuante (1984),que nos remete diretamente escuta analtica.

    Ser com essa flexibilidade que as interrogaes, oriundasda dificuldade de se escutar aquele que comumente chamam delouco, ganham respaldo e vislumbram um caminho a percorrer natentativa de viabilizar um tratamento mais digno e responsvel.Entretanto, ao uso da teoria, Aulagnier (1975) adverte:

    Como o inferno, os caminhos da teoria so pavimentados de boas intenes:

    elas no bastam para esconder o quanto um querer saber comporta dedesrespeito por aquele a quem ela impe uma interpretao, a qual s fazrepetir, sob uma outra forma, a violncia e o abuso de poder dos discursosque a precederam. Atualmente, temos a impresso de que freqentementea psicose serve a interesses que no so os seus: quase sempre, quando sefala em nome do louco, na verdade se est, mais uma vez, negando-lhequalquer direito de ser escutado. Utiliza-se a palavra que lhe imputadapara se demonstrar o fundamento de um saber, de uma ideologia, de umcombate, que concernem aos interesses do no-louco, ou daqueles que sepretendem como tal.A apologia da loucura, a apologia da no-terapia e dano-cura so as formas modernas de uma rejeio e de uma excluso queno se tem nem mesmo a coragem de reconhecer enquanto tal, o que astorna pelo menos to opressivas e nefastas quanto as que as precederam.Abordarmos a loucura exige que avancemos num terreno onde se desenrolaum drama que o observador, salvo excees, no paga nem com sua dornem com sua razo e exige tambm que no esperemos muito de nossa

    Adriana Cajado Costa20

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    O segundo captulo essencialmente terico. Nele apresena teoria que serve de base para minha prtica analtica. Utilizo comfio condutor o pensamento freudiano acerca da psicose e delineio aspectos mais significativos e reveladores da construo terica Piera Aulagnier sobre o fenmeno psictico. Cumpre ressaltar qalm do aspecto terico e metodolgico, a proposta da tcniContribuio Figurativa desenvolvida por Piera Aulagnier impe-como fundamental.

    Na terceira seo, dedico-me anlise de um caso clnico pmim atendido no hospital e limito-me a apresentar algumas vinhetclnicas de outros casos, quando necessrio, para melhor exemplifica argumentao.

    Os alcances e limites da escuta analtica na anlise dos sujeitpsicticos que atendi na instituio, com o aporte terico de PieAulagnier, o tema das Consideraes Finais.

    Organizada dessa forma, a presente dissertao tem pobjetivo problematizar, explicitar, analisar e provocar junto ao leituma reflexo sobre o universo de um hospital psiquitrico, possibilidades da psicanlise nesse espao e a viabilidade de empreender uma anlise com um sujeito psictico nesta cena.

    Utilizo o termo cenapara frisar a importncia da construde um lugar da palavra, da escuta, do dilogo. Espao de produde imagens, com o uso da tcnica contribuio figurativa, servinde auxlio na construo de uma histria libidinal e identificatrpois isso o que o psictico, na anlise, vai ter de construir.

    Roland Barthes, ao fazer uma anlise histrica da escuta enossa sociedade, lembra Freud e sua teoria dos sonhos, na sexigncia de figurabilidade. Afirma, ento, que, ante o sonho, estamtrabalhando com imagens acsticas. Esta noo concentra usentido peculiar e aproxima-se, em muito, da noo de contribuifigurativa.

    Nesse percurso, um olhar e uma escuta tiveram ssustentao nas contribuies de Piera Aulagnier psicanlifreudiana por meio de seu estudo da clnica das psicoses.

    Introduo 2

    entre psicanlise praticada em consultrio prprio e no ambulatrioe enfatiza a incorreo de se pensar no ambulatrio como um outrocontexto.

    Neste intervalo, realizo uma pequena reflexo acerca do lugarda psicanlise e do analistano hospital psiquitrico no que se refere presena do psicanalista na instituio e suas conseqncias,quando so pontuadas as atividades ali desenvolvidas, apontandopara a ocorrncia do fenmeno da transferncia, no s do paciente

    com a minha figura de analista, mas da instituio com o psicanalista,o que denominei deA Transferncia na Instituio. No item seguinte,A Escuta e o Sett ing Analti co, conceituo e reflito acerca dasdificuldades e particularidades que vivo para sustentar a escutaanaltica na anlise dos sujeitos psicticos por mim atendidos nainstituio. Aproveito ainda, para pensar o papel da escuta e analisar-lhe a importncia, chegando a identific-la como motor da anlisee, junto transferncia, ferramenta imprescindvel para a construodo setting analtico. Neste caso, a construo do setting tantosimblica quanto real, pois no caso de uma instituio psiquitrica,muitas vezes, o setting construdo, em determinados momentos,no possui o contorno firme de um sof, div e paredes e sim debancos, rvores, ar livre e passeios no ptio.

    Freud demonstra a flexibilidade e a viabilidade do atendimentofora do consultrio, sirvo-me do caso de Katharina23para uma breveilustrao. Em suas frias de vero, Freud faz uma excurso aoHohe Tauern (Alpes Orientais). Resolve subir a montanha econtemplar a paisagem numa cabana de hospedagem. Ao pedir uma

    refeio servido por uma moa, que lhe solicita ajuda psicolgica.Ali mesmo se inicia um trabalho analtico.

    Finalizo esse captulo, discorrendo sobre OAmbulatrio,espao de investigao, o qual se mostrou frutfero ao ser ocupadopelo psicanalista e pela psicanlise e, por fim, apresento um certobalano geral do que se pode chamar a psicanlise na instituiopsiquitrica.

    23FREUD, Sigmund (1983-1985). Estudos sobre a histeria. ESB, 2. ed., vol. II, 1987,pp. 143-151.

    Adriana Cajado Costa22

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    PSICANLISE NA

    INSTITUIO PSIQUITRICA

    O presente captulo tem por finalidade delinear o espao etempo da pesquisa. Tento, aqui, traar a viabilidade da psicanlna instituio, delineando seus sucessos e enganos. Demonstro qlugar pode a psicanlise ocupar no hospital psiquitricespecificamente, na instituio pblica na qual desenvolvo minhatividades, permitindo que eu oferea minha escuta a sujeitpsicticos.

    Nesse espao, pode-se afirmar que h um atravessamenda instituio na prtica analtica. Mesmo assim, a psicanalista DrAna Cristina Figueiredo1salienta que a psicanlise no ambulatou na instituio no est fora de contexto. Conclui ser esse u

    lugar possvel e tambm necessrio da experincia analticAcrescenta ainda, que o consultrio pblico e o privado no fazeparte de contextos distintos e que pensar o local como contextoum falso problema.

    No caso desta pesquisa, que aproxima psicanlise e samental2, ou melhor, psicanlise e instituio psiquitrica, um olhauma escuta diferenciada do sujeito psictico e do discurso dinstituio - galgaram seu espao.

    1FIGUEIREDO, A. C. (1997). Op. cit., p. 10.2Joel Birman e Jurandir Freire Costa alertam para o uso conceitual do termo sa

    mental. Tal conceito nasceu com a psiquiatria preventiva e, logo depois, compsiquiatria comunitria norte-americana. Eles expressam: (...) o que ocorre nepreveno sem sustentao terica efetiva, uma forma abusiva de psiquiatriza

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    institucional sobre o sujeito, e do sujeito sobre o espao institucionDisto decorre que os lugares e aes ou intervenes dos profissiondevem estar bem esclarecidos. No caso do analista, esse lugar ulugar parte, no se inserindo completamente na instituiotambm no se coadunando com o espao familiar.

    A psicanlise sempre teceu crticas psiquiatria conseqentemente, aos hospitais psiquitricos. Um dos entravdesse dilogo foi a medicalizao exacerbada dos pacientes intern

    ocasionando a supresso do sintoma o delrio. Contudo, os impassno se restringem ao tratamento. A prpria noo de doena menaponta para uma distncia epistemolgica.

    Em Psicanlise e Psiquiatria (1917)5, Freud delineia diferenas entre as duas cincias. Delimita as aes da psiquiatna observao superficial do fenmeno psictico e defendeinvestigao psicanaltica do contedo do delrio apresentado pepaciente. Assim temos:

    A psiqu iatri a no emprega os mtodos tcnicos da psicanlise ; tosuperficialmente qualquer inferncia acerca do contedo do delrio, e, apontar para a hereditariedade, d-nos uma etiologia geral e remota, vez de indicar, primeiro, as causas mais especiais e prximas6.

    Freud continua sua palestra e acrescenta que, na verdade, princpios de tratamento da psiquiatria no invalidam a psicanliscaso fossem realizados esses dois tratamentos no mesmo pacienmas alerta para a dificuldade em relao aos psiquiatras, poisque se ope psicanlise no a psiquiatria, mas os psiquiatras

    No texto A Questo da Anlise Leiga (1926), Freud parepensar diferente. Comenta que a psiquiatria tem seu papel tratamento das perturbaes das funes mentais, mas sabemde que maneira e com quais final idades ela o faz. Acrescenta aindela procura os determinantes somticos das perturbaes mentae os trata como outras causas de doena8.

    5FREUD, Sigmund (1917). Psicanlise e psiquiatria. Conferncia XVI. ConferncIntrodutrias sobre Psicanlise. ESB, 2. ed. Vol. XV, 1987.

    6Ibid., p. 301.7Id.8FREUD, Sigmund (1926). A questo da anlise leiga. ESB, 2ed., vol. XX, 1987,

    262.

    Psicanlise na Instituio Psiquitrica 2

    Ao proceder anlise de psicticos numa instituiopsiquitrica vrios impasses e desencontros marcam o processo einfluenciam a situao analtica. Por isso, para pensar a Psicanlisena instituio psiquitrica, duas concepes devem ficar claras. Quaisas possibilidades de atuao do psicanalista nesse espao e qual oolhar que ele constri acerca desse lugar para empreender o seutrabalho?

    Entre essas duas concepes, outros pequenos cuidados

    devem ter seu lugar garantido no atendimento de sujeitos psict icosem instituio. Piera Aulagnier no se dedicou a escrever um textosobre o assunto, mas fez algumas pontuaes acerca da problemticainstitucional, afirmando que no h diferenas de mtodo na anlisede psicticos em instituio ou no consultrio. Pontua apenas que:

    (...) um dos mais graves problemas que a instituio coloca com ou semanalista a repercusso de todo conflito institucional sobre a vivncia dossujeitos nela tratados. Inevitvel repetio de um papel que estes ltimosconhecem muito bem por ter sido o deles durante toda a infncia3.

    Aulagnier ainda acrescenta que o analista ser aquele que irreescutar uma re-presentao viva e faladado que o sujeito repetee projeta sobre o espao institucional e sobre aqueles que estoperto dele4.

    O que se pode apreender disso que, na dinmicainstitucional, h uma dupla repetio e projeo: do conflito

    da vida social, com o nome de promoo da sade mental, j que a doena ou suaameaa torna-se caracterizada como desadaptao social ou negativismo social.E, ainda: Na era da Sade Mental, a estrutura de ao nas ComunidadesTeraputicas esticada ao extremo, arrebentando o objeto e o sujeito doconhecimento psiquitrico, que se traduz pela pulverizao do sujeito da prtica:qualquer um pode ser tcnico em Sade Mental . E em relao a esses tcnicos,os autores afirmam que deve-se colocar um obstculo at ivo a este movimento depsiquiatrizao macia da populao, liderado pelos tcnicos de Sade Mental .Ciente desta problemtica em torno do termo Sade Mental, esta pesquisa noadentrar a discusso, apenas utilizar o termo quando for imprescindvel para oentendimento do leito r, sem nenhum compromisso com a pol tica e a idia que lheservem de arcabouo. Ver BIRMAN, Joel & COSTA, J. Freire. Organizao deinstituies para uma psiquiatria comunitria. In: AMARANTE, Paulo. (org.).Psiquiatria Social e Reforma Psiquitrica. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 1994.

    3AULAGNIER, Piera (1984). O aprendiz de historiador e o mestre-feiticeiro: do discursoidentificante ao discurso delirante. So Paulo, Escuta, 1989, p. 54.

    4Ibid., p. 56.

    Adriana Cajado Costa26

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    questionam-lhe a validade e a eficcia de sua prtica, mesclansentimentos de amor e dio para com ele. Aqui estamos no terrefrtil da transferncia, ferramenta imprescindvel que guia qualquanlise que um psicanalista possa vir a realizar com um paciente numa instituio ou, por que no dizer, a qualquer material que ldemande tal feito. Porm, estamos tambm no terreno do j sabidno qual dizeres sobre a psicanlise so veiculados a partir de sdisseminao cultural, impregnando o discurso institucional acer

    desse saber com mal-entendidos.Um exemplo pode ser encontrado em Violante10, quanbuscou uma interlocuo entre a psicanlise e a psiquiatria no sestudo de ps-doutoramento. Nele encontramos uma das explicaque justificam tal confuso. Em relao ao j sabido de alguestudiosos da psiquiatria sobre a psicanlise, a autora indica-o compura ignorncia e afirma:

    Ora, a psicanlise nem faz pesquisa emprica nem trabalha com validaestatstica [...]. Conclui-se que o que se defende (pelos psiquiatras) ucontrole comportamental capaz de remover o que h de observvel comportamento [...]. Tal faanha no nem almejada nem tangvel pmtodo psicanaltico [...]. O sofrimento a que a psicanlise se reporta sofrimento psquico, resultante de um conflito identificatrio, no qual o sujeest implicado como um todo e no apenas os seus neurotransmissores

    Como j mencionei, ao construir seu espao12de trabalhopsicanalista contempla as vias de possibilidade de sua atuao.construo do setting, a determinao dos horrios de atendimento estabelecimento da transferncia com os pacientes que l

    demandam a escuta analtica viabilizam-lhe o trabalho. So essas condies necessrias para o empreendimento de uma psicanlnuma instituio psiquitrica.

    No primeiro momento, a demanda do paciente perfaz ucaminho por meio de outras pessoas a ele ligadas: parentes, amigovizinhos etc. No entanto, aqueles que permanecem, demanda

    10VIOLANTE, M . L. V. Psicanlise e psiquiatria: campos convergentes ou divergenteIn: VIOLANTE, M. Lucia. V. (Org.).op. cit, 13-46.

    11Ibid., pp. 27-28.12Num hospital psiquitrico, diversas vezes, o settinganaltico construdo de mane

    diferenciada da habitual. Porm, pode-se constituir um espao vivel mesmo qno tenha ao seu redor quatro paredes. No so raras as vezes em que usesso se faz andando pelo ptio, sentado num banco e, at na sala do psicanalis

    Psicanlise na Instituio Psiquitrica 2

    Compreendo que Freud no nega as afirmaes que faz naconferncia, apenas abdica de criticar a psiquiatria quanto a suapostura diante da psicanlise, afirmando que a formao de ummdico psiquiatra corre por um caminho contrrio ao da psicanlisee que isso no pode ser considerado um defeito ou incapacidade.Dentre suas caractersticas encontra-se a viso de homem unilateral,fato este no censurvel.

    Parece que Freud tenta compreender a formao mdica, e

    por que, para ela, os eventos psquicos so indiferentes. Contudo,no abre mo de apontar o desinteresse do mdico em tratar osneurticos. Freud expressa:

    A educao mdica, contudo, nada faz, literalmente nada, para compreend-los e trat-los (...). Mas ela faz mais do que isso: d-lhes uma ati tude falsae prejudicial. Os mdicos cujo interesse no foi despertado pelos fatorespsquicos da vida esto mais que prontos para formar uma estimativadeficiente dos mesmos (...). Quanto menos tais mdicos compreenderemdo assunto, mais aventurosos se tornam9.

    Entendo que a crtica feita por Freud aos psiquiatras em 1917retorna de maneira mais elaborada em 1926. A reflexo apresentada ampla e percorre um caminho desde a formao do mdico atseu exerccio profissional. As afirmaes contidas no texto A Questoda Anlise Leiga sobre os psiquiatras e a prpria psiquiatria,enquanto rea do conhecimento, recebem um trato singular,ampliando a discusso para o uso inadequado da psicanlise, questoessa que o autor trabalha com preocupao em todo o texto.

    Preocupao legtima, se considerarmos as dificuldades que,ainda hoje, encontramos na instituio, qualquer que seja. Espaoconturbado que envolve diferentes interesses e exerccios de poder,o hospital psiquitrico pode ser visto como uma instituio queengloba inmeros conflitos, no estando o lugar de cada profissionalbem delineado como deveria.

    O psiquiatra, mesmo fazendo parte de uma equipemultiprofissional, ainda exerce o poder de deciso acerca do quecada sujeito ir receber como medicamento, tratamento e posterioralta. No caso do psicanalista, figura vista com certa desconfiana ereceio, todo um simbolismo construdo. Os demais profissionais

    9Ibid., pp. 262-263.

    Adriana Cajado Costa28

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    Curiosamente, o momento de crise do paciente pode se tornar umomento de alvio para a famlia. A exasperao predominante incio da internao, com o passar dos dias, abre espao para umdiviso de responsabilidades com a instituio. Neste perodo, o pa me, o marido, a mulher, o irmo ou a irm depositam parte sua preocupao nos profissionais, como se, ao ultrapassarem portes da instituio, o problema deixasse de ser da famlia. Porpude escutar um movimento transferencial iniciando-se no pedi

    de ajuda feito ao saber do mdico sobre o problema. O paciendesde h muito tempo deixou de ser sujeito, ele o problema,coisa que incomoda, transtorna, que ocupa a famlia e lhe fornetodos os elementos que formam um discurso que o coisifica. maneira semelhante, a instituio repetir essa cena, mas por outrvias, ainda mais poderosas.

    Bezerra alerta-nos para o poder da indstria farmacuticade sua poltica agressiva junto aos mdicos investindo econgressos, propagandas, financiamento de pesquisas, jornarevistas etc. que, aliada ao reduzido tempo das consultas, viabiliuma economia da prescrio na qual a maioria dos psiquiatrno atende, despacha. No medica, repete receitas...15.

    O cotidiano de um hospital psiquitrico prova tais argumente sinaliza para as brechas das quais a psicanlise pode se valeUma mulher acompanhando o marido diz: aquele doutor mubom, ele vai resolver nosso problema. Ele vai acertarmedicao(sic). Um pensamento quase mgico depositado figura do mdico. Acertar a medicao significa ser abenoado

    ter a sorte de encontrar a soluo certa para o problema. Aqui transferncia, j que um outro suposto detentor de um sabesobre o sujeito. A f no mdico, no frmaco e na religio predominano pensamento das pessoas que pude escutar. Por enquanto no espao para o questionamento, no h espao para a psicanlisSer utilizando esse movimento transferencial que a psicanlsurgir, produzindo no sujeito a possibilidade de se fazer questEntretanto, quando isso ocorre, o espao analtico outro; o espada palavra, e no o espao da conteno, da emergncia.

    15 BEZERRA JR. Benilton. Consideraes sobre teraputicas ambulatoriais em samental. Cidadania e Loucura: Polticas de Sade Mental no Brasil. 4ed. PetrpoVozes/Abrasco, 1994, p. 148.

    Psicanlise na Instituio Psiquitrica 3

    aps algum tempo, uma escuta. Escuta de sua dor, da suaexasperao, do seu delrio... Como salienta Figueiredo (1997):

    No hospital psiquitrico, o psicanalista convive com situaes agudas, deemergncia, que no so as mais favorveis para o trabalho analtico. Paraelaborar preciso um tempo que no o da crise. Seu trabalho, portanto, de oferta e convvio, tanto com a equipe quanto com o sujeito, num tempode espera at que a transferncia lhe possa ser endereada maisparticularmente.13

    No caso especfico desta pesquisa, no que diz respeito aolugar dos atendimentos, um fato curioso aconteceu. Inicialmente,os atendimentos ocorriam na parte do hospital dedicada internao;aps algumas semanas, houve o convite para que se continuassemos atendimentos no ambulatrio, tambm localizado no hospital;atualmente, eu me encontro realizando os atendimentos noambulatrio e no CAPS(Centro de Ateno Psicossocial). Todo essetrajeto vem expressar que identificar o psicanalista como profissionalno parece ser corriqueiro nas instituies pblicas14.

    Fato que pode ser corroborado com o percurso, acima descrito,que tive que realizar nesta instituio pblica. No primeiro momento,o lugar oferecido para a realizao dos atendimentos foi o dainternao. Lugar que concentra pacientes em crise psictica,alcolica ou de abstinncia devido ao uso de drogas. De acordo comFigueiredo, para elaborar preciso um tempo que no o da crise,no entanto, o lugar da internao o lugar do tumulto, daexasperao e da indignao de pacientes e familiares, o lugar dacrise. De acordo com o que pude observar e escutar, o lugar do

    reconhecimento de uma falncia pessoal e familiar.Os profissionais que atuam na internao so psiquiatras,

    enfermeiros e assistentes sociais. Cada um exerce uma funo noprocesso de internao. O assistente social recebe o indivduo emcrise, o psiquiatra diagnostica e prescreve o medicamento e oenfermeiro assegura que o indivduo receber a medicao epermanecer no hospital no perodo de sua internao.

    Durante o tempo em que desenvolvi minhas atividades nesseespao, escutei familiares e pacientes contando suas histrias.

    13FIGUEIREDO (1997). Op. cit, p. 171.14Ibid., p. 57.

    Adriana Cajado Costa30

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    Aos poucos, o psicanalista vai ocupando seu espao. Suaes vo mostrando seu trabalho e as primeiras diferenas entrepsiclogo e o psicanalista vo sendo percebidas, tanto pelfuncionrios quanto pelos pacientes.

    Tambm comum ver o psiclogo quase assumindo as fundo assistente social. Esses profissionais, alm de participarem praticamente todos os tratamentos oferecidos pela instituio (qvo desde atendimento individual a oficinas teraputicas), assume

    o trabalho burocrtico da instituio, preenchendo formulriopronturios e uma infinidade de papis, utilizando uma linguageeminentemente mdica.

    Minha postura foi a de me recusar a proceder dessa formao ser impelida a preencher os papis burocrticos, o fiz de manedireta, utilizando uma linguagem que fala do sofrimento do sujeitono de seu diagnstico e prognstico, como se ele fosse objeto16pura observao. A psicanlise ocupa o lugar daquilo que falta instituio e esta a sua melhor prtica.

    Aps algum tempo convivendo com o cotidiano institucionpude perceber a importncia da escrita do mdico, do psiclogo odo assistente social a respeito do paciente. O pronturio udocumento institucional que fala de uma histria da doena edireo ou no cura. Alguns pacientes, devido ao longo tempo internao ou de convvio no CAPS, fazem amizade com determinadprofissionais e recebem funes na instituio. Ao serem promovida esse posto, comeam a ter acesso livre aos pronturios e, muitdeles, se interessam por ler o seu. Uma leitura difcil, se nela

    sujeito no reconhece sua histria, mas gratificante, se aqueles nquais ele confiou, e com quem construiu uma relao teraputicgarantem-lhe uma histria singular e no apenas uma histmrbida da doena.

    16Apoiado em Michel Foucault Gorayeb escreve: (...) a psiquiatria nasce quaninventa para si um objeto de interesseou objeto de discurso (GORAYEB, RaOp. cit., p. 143). Conclui-se que, ao criar para si um objeto de estudo, a psiquiatcria tambm o objeto o louco, adotando um pensamento generalista, biologizae prescrevendo receitas idnticas para um nmero estatisticamente controlvelpacientes.

    Psicanlise na Instituio Psiquitrica 3

    Caso o espao da emergncia fosse aquele destinado afavorecer que uma fala diferente pudesse emergir, despindo-se dosarsenais de conteno doses macias de psicotrpicos conhecidascomo sossega leo, camisa de fora, conteno fsica (amarrar osujeito na cama) entre outros procedimentos que no observei nestainstituio, mas que ainda hoje so utilizados, como o caso doeletrochoque.

    Diante deste fato, comecei a visitar outras dependncias da

    instituio, conversando com uma ou outra pessoa, paciente ouprofissional. A espera foi longa mas, ao me pr em movimento nainstituio, as demandas foram surgindo, sendo construdas tambmpela oferta do analista, que se traduz na escuta analtica. Chegueiao ambulatrio e posteriormente ao CAPS.

    Nesse percurso, a psicanlise foi sendo compreendida no quetange ao tratamento que proporciona ao sujeito. A partir do momentoem que ocorre essa demanda institucional, na qual eu, enquantopsicanalista, sou solicitada a ocupar o espao do ambulatrio,inmeras confuses vo sendo desfeitas. verdade que a psicanlisetem pouco a oferecer a um sujeito excessivamente medicado, nocaso da internao e, nas oficinas teraputicas, no caso do CAPS. Osistema do ambulatrio acaba por reunir as melhores condies.Sistema que, a duras penas, permite ao psicanalista construir umsettingcapaz de acolher o sujeito. Atualmente, mantenho sessescom pacientes do ambulatrio e do CAPS; neste ltimo consegui,aos poucos, ter uma sala disponvel para o atendimento psicolgico,o que at ento no existia.

    Prosseguindo a reflexo, a seguir ser enfocada uma discussopeculiar, qual seja: o lugar que a psicanl ise e o psicanalista podemocupar numa instituio psiquitrica.

    O Lugar da Psicanlise e do Analista

    Ao refletir sobre o lugar que ocupa o pensamento psicanalticoe o psicanalista na instituio psiquitrica, inmeras questes seapresentam diante dos nossos olhos e ouvidos. muito comum seremencontrados psicanalistas trabalhando em hospital psiquitrico naposio de psiclogo. Quando isso ocorre, o lugar do analista estatravessado pelos sentidos que esto em torno da atuao de umpsiclogo numa instituio.

    Adriana Cajado Costa32

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    imprescindvel garantir ao paciente um espao propcio para sfala, seu discurso. Acostumado com medidas corretivas e educativae ao interrogatrio a que era submetido por quem o atendia, compor exemplo: Seu Jos, o senhor sabe que dia hoje? Em que aestamos? Voc tem visto coisas e ouvido vozes? O que o senhest sentindo com a medicao? H alguma melhora? Como esseu relacionamento com a famlia? O senhor est mais calmo, parde beber? Fez o que lhe recomendei?, minha posio foi estranhad

    recebida como algo diferente.Note-se que todas as perguntas tentam enquadr-lo, tentaadequ-lo a uma realidade na qual ele apenas um objeto.preocupao reinante se est orientado no tempo, se est mcontido. Quando finalmente surge o interesse por o que o Seu Joest sentindo, esse interesse apenas quanto a sua condio f sicEnquanto psicanalista, optei por realizar um primeiro manejcolocando-me escuta do sujeito logo no contato inicial. Deressaltar que, no primeiro contato, o anseio de alguns pacientquanto ao procedimento do tratamento era tamanho que fextremamente difcil sustentar a escuta analtica.

    A diferena entre minha prtica e a de outros profissionaera sentida logo que o paciente entrava na sala. Sempre me posiciode maneira a receb-lo cordialmente, indicando-lhe um lugar (falante) para se acomodar. Pergunto sobre os motivos que ltrouxeram e escuto. Reconheo um estranhamento por parte deleGeralmente, os pacientes contam um pouco de sua histinstitucional, ou seja, de suas internaes. Essa a nica histr

    que eles reconhecem como sua. Ficam um pouco em silncioperguntam: A senhora no vai me perguntar se sei que dia hoje(sic) ou o paciente j comea a responder s perguntas que, mesmsem que eu as faa, est treinado a oferecer. Dizem: hoje dia ttomei meu remdio direitinho, no estou vendo nada no senhoque mais, Ah! estou me comportando bem l em casa, estou aajudando na loua e assim por diante. Friso que no lhe fiz essperguntas e que podem falar sobre o que quiserem. Quando no essa resposta treinada e dirigida instituio, os pacientes pedepor ela. Certo paciente me diz: eu pensei que eu vinha aqui, sentae a senhora ia perguntando e eu ia respondendo, no sabia que tinha que falar de mim, do que eu sinto, do que eu penso, no s

    Psicanlise na Instituio Psiquitrica 3

    Aulagnier entende a potencialidade psictica17 como umconflito entre a dimenso identificada e a identificante do Eu,dimenses que deveriam formar uma unidade, contando uma histriado tempo passado (do beb que ele foi) aliada ao tempo presente.Identifiquei a escrita de quem atende o sujeito, no pronturio, comoparte de sua histria institucional. Inmeros exemplos podem serfornecidos para confirmar essa escuta. Os usurios tm acesso livreaos seus pronturios. Dependendo da pergunta que lhes faam, o

    comportamento o de buscar o pronturio e l-lo junto com oprofissional que o est acompanhando.

    Certo dia, escutando Jorge falar sobre sua histria voupegar meu pronturio para a senhora ler e saber o que aconteceucomigo, minha histria est toda l, at o que eu no lembro maist l tambm, desde quando eu tive a primeira viso (sic) , enfatizoque gostaria de ouvi-lo falar sobre sua histria como um todo, almda histria de internaes. Ele responde: a minha histria toda tl, tudo escrito pelo meu mdico e pela psicloga que eu consultava.Jorge reconhece apenas uma histria como sua, a histria de suadoena. Depois de muito tempo de sesses, algo muda: Jorge jno entende sua histria como a histria de uma doena. Ele chega,senta-se e diz: hoje tenho que te contar tudo desde o comeo,tenho que te dizer que antes de ter esse nome tive um outro nome,outros pais...(sic) e assim comeou uma nova etapa na anlise deJorge. O tema das internaes e das medicaes desapareceu. Agoraescuto o conflito e o sofrimento de Jorge para dar conta de umarealidade que ele no compreende, questionamentos quanto s suas

    sensaes.Retomo o livro de Ana Cristina Figueiredo (1997) para pensaro lugar do psicanalista. Ela expressa:

    Uma certa atopia, um estar sombra, pode ser salutar como lugar para opsicanalista no trabalho institucional.18

    Ao ser aceito numa instituio psiquitrica, o psicanalista deveassumir sua funo. No caso desta pesquisa, identifiquei como

    17Uma fundamentao mais elaborada pode ser encontrada no captulo III Aspectosda Psicopatologia.

    18FIGUEIREDO, A. C. (1997). Op. cit., p. 10.

    Adriana Cajado Costa34

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    Vrios aspectos podem ser analisados nessa primeira fala diretora do hospital. Primeiro, ressalta-se a profuso de nos qso pronunciados em to pouco tempo; depois, o cartdesqualificador do saber analtico; por fim, ela aceita e tenta apostEssa fala em muito se assemelha fala de algumas pessoas que nprocuram no consultrio, munidas de seus escudos de resistncmas almejando um lugar para se fazerem ouvir.

    No segundo contato com a instituio, os acontecimentos

    fizeram radicalmente diferentes. Fui levada diretoria do hospipor um psiquiatra que estava empenhado em fazer com que fosdesenvolvida a pesquisa na instituio20. Ao chegar, a vice-diretonos recebe. Explico o propsito de realizar atendimento com sujeitpsicticos no hospital. A acolhida rpida e, na mesma semana, me reservada uma sala. Iniciam-se os atendimentos no hospitalaps um pequeno percurso, j descrito, chego ao ambulatrio. Huma recepcionista que exerce a funo de secretria, marcandoagendando os pacientes para consulta.

    Em relao recepcionista do ambulatrio, h que se fazum parntese. O profissional que ocupa este cargo, com apenassegundo grau, responsvel por uma certa triagem dos pacientno ambulatrio. ela quem decide o encaminhamento dos pacientePelo que pude observar, essa triagem feita com os seguintcritrios: o profissional que estiver livre no momento e a solicitado paciente; nos casos duvidosos, o paciente dirigido ao servisocial. Geralmente, o servio social encaminha o paciente parapsiclogo. Aqui comea o trabalho do psicanalista. Feito es

    parntese, retorno aos primeiros contatos com a direo do hospitEm relao ao primeiro contato com a diretora, um aspec

    importante quanto noo de demanda na instituio deve sesclarecido. Quando a diretora abre um espao e me prope qconvoque os pacientes, h que se fazer uma pontuao. A atitutomada a de preferir que os pacientes tomem conhecimento

    20A partir da reforma psiquitrica, o interesse do hospital psiquitrico em recebpesquisadores credenciados por alguma instituio oficial tornou-se evidente. Tum pesquisador na casa sinal de desenvolvimento, de empenho na melhoria dservios oferecidos aos usurios. Prova disto o pedido da vice-diretora do hosppara que eu assinasse uma declarao de que estou desenvolvendo minha pesqude mestrado na instituio.

    Psicanlise na Instituio Psiquitrica 3

    no, no sei falar de mim assim no(sic). Outro paciente chega sesso, senta-se, grita muito, levanta, ameaa me bater e se cala.Durante essa cena, permaneo sentada e olhando-o nos olhos. Elese senta, fica me olhando por um bom tempo e diz rispidamente:voc no vai chamar o enfermeiro? No tem medo que te meta amo na cara dura? De repente, sorri e diz que est brincando.Pergunto se sempre brincou assim. Ele responde com um ardesolador: eu no sei brincar de carrinho, nunca tive um carrinho...

    Eu gritei porque vocs no querem me dar o remdio certo, mas asenhora ficou a me olhando, nem ficou com medo de mim, se eu tepego eu te acabo, mas fica tranqila que eu gostei da doutora (sic).

    A reao esperada por esse sujeito era que eu levantasse,mandasse ele se acalmar e, como ele no iria se acalmar, eu chamasseo enfermeiro para lhe acalmar com uma medicao de emergncia.Procedimento com o qual deve estar acostumado. Quando procedode maneira distinta, abre-se um caminho para sua singularidade. Oque pode ser observado quando fala da sua dor por no ter tido umcarrinho na infncia. A partir da ele pode falar. Falar19de sua dor, doseu sofrimento, de suas lembranas e de suas conquistas. Esse um pequeno exemplo da distncia que separa a prtica psicanalt icade outras prticas que pude observar nessa instituio. Feito esseprimeiro manejo, outros aspectos devem ser tratados.

    No caso da presente pesquisa, fui aceita na instituio comopsicanalista mesmo com a ressalva da diretora do hospital: No seise isso serve aqui, no sei se vai ter resultado, mas sei l, vamosver, isso no demora muito? Psicanlise no uma coisa longa?

    Aqui os pacientes no ficam tanto tempo. , vou arranjar uma salae voc faz o seu horrio e chama os pacientes (sic).

    Uma descrena logo no incio contorna o lugar a ser ocupadopela psicanlise e em decorrncia, pelo psicanalista. Figueiredo(1997) apontou para a fantasia que gira em torno da psicanlise eda figura do psicanalista; nesse campo que as confuses devemser desfeitas.

    19Remeto o leitor ao captulo IV no qual abro a discusso sobre a demanda deanlise na psicose e como a entrada em anlise dos sujeitos que pude escutar marcada por uma fala que denuncia uma dor profunda e que raramente pde sercomunicada pela mediao da linguagem, da palavra.

    Adriana Cajado Costa36

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    so feitas, mas podem ser consideradas normais ante a complexidade uma instituio e dos aspectos transferenciais oriundos desrelao. Cumpre destacar que, alm da transferncia do paciencom a instituio e posteriormente comigo, pude perceber umtransferncia dos profissionais a mim direcionada.

    Por vezes, esse tipo de transferncia assumiu dimensconsiderveis, a ponto de um dos profissionais solicitar-me ajuddemonstrando com isso uma explcita demanda de anlise; outr

    vezes, esse pedido de ajuda no se configurou enquanto demande anlise, sendo apenas um desejo fantasioso de experimentisso que chamam de anlise.

    Diante disso, no pude vacilar, tive que ficar atenta e impeque uma mistura entre demanda de anlise e demanda de apoio mretirasse do lugar que deveria ocupar na instituio. Minha funoa de oferecer uma escuta aos pacientes que procuram o servipblico. No caso dos profissionais que atuam no hospital, h uservio psicolgico diferenciado para eles fora da instituiooferecido pelo Estado.

    certo que a transferncia no obedece s regrinstitucionais. Ela ocorre a partir de um movimento singular entresujeito e a figura do analista. Entretanto, o psicanalista que trabalnuma instituio, mesmo ocupando um lugar sombra tem ucontrato mnimo a seguir. O que se deve fazer quandoexpressamente proibido o atendimento a funcionrios? Algumanejos podem ser adotados. A cada procura, uma escuta finuma palavra, um encaminhamento. Se esse sujeito procurou-m

    para falar de suas questes, foi porque naquele momento ocupolugar de analista; certamente, se sua demanda for de anlise, secapaz de transferncia com outro analista. Ressalto quetransferncia no se d com qualquer analista, mas pode ocorrcom alguns.

    Numa perspectiva de abertura e sem as amarras que afundao hospital psiquitrico num fosso rido e burocrtico, uma reformpsiquitrica deveria privilegiar a singularidade de todos aqueles qconvivem no espao institucional. Usurios, funcionrios, mdicopsiclogos, psicanalistas... Um espao que privilegie a vida, Erosinvestimento nas relaes, os laos. Rotelli prope que no lugar ambulatrios, laboratrios de produo de vida; no ma

    Psicanlise na Instituio Psiquitrica 3

    que h um psicanalista na instituio. No primeiro momento opaciente repete o mesmo movimento que est acostumado a realizarcom outros terapeutas. Ele quer conversar. Na maioria dos casoseles chegam sesso dizendo: doutora, eu vim aqui conversarcom a senhora para ver o que eu tenho que fazer para resolver meuproblema. A senhora precisa me ajudar que a labuta grande(sic).Figueiredo (1997) chama ateno para essa conversa:

    No caso da psicanlise, justamente essa conversa que se deve deslocar

    para dar lugar a uma fala mais monolgica, cuja contrapartida a escuta21.

    No incio do exerccio da psicanlise na instituio psiquitricatemos que lidar com uma pequena confuso quanto aosprocedimentos que adotamos e a finalidade da anlise. Osprofissionais e pacientes necessitam, para seu alvio e segurana,distinguir a funo de cada profissional. Explicar do que trata apsicanlise logo no incio dar margem para que as confuses seintensifiquem e, de certa forma, inaugurar uma distnciaintransponvel. Com o tempo e o desenvolvimento da prtica dopsicanalista, seu espao e sua funo vo sendo esclarecidos.

    Com o tempo os esclarecimentos so fornecidos, mas deforma simplificada, pois so pessoas com pouca escolaridade e, comose encontram num momento difcil de suas vidas (esto internadosou freqentando semanalmente o hospital), no se deve dar margema mal-entendidos.

    Na minha experincia, a partir do momento em que essessujeitos sabem do que se trata, procuram-me para tentar sondar

    minha posio diante deles e da instituio. Apostam num aliadopara alcanar a to almejada alta ou um porto seguro. No incio,essa expectativa se sustenta por algum tempo; mas to logo assesses se intensificam, essa esperana d lugar a outro sentimento.s vezes, um sentimento de amor; outras, de dio e raiva; massempre h a presena de um estado afetivo que conduz a relao.

    Aos poucos, fui conseguindo estabelecer meu lugar de analistana instituio, saindo do lugar da desconfiana. Os outrosprofissionais, exceto os psiquiatras, comearam a solicitar minhapresena em outros espaos da instituio. Algumas confuses ainda

    21FIGUEIREDO, A. C. Op. cit. p. 112.

    Adriana Cajado Costa38

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    Esse espao da reflexo pouco exercido at mesmo pquem o preconiza. Figueiredo (1997), em sua pesquisa, apontinmeras desculpas dos profissionais para no abrirem esse espamas o psicanalista no pode se omitir quanto a isto. A abertura novo, reflexo, a escuta discreta e atenta que faz calar e falaranalista faz parte do seu trabalho. O lugar do analista o lugar fazer viver o desejo do outro, de fazer com que o outro possa desejde fazer com que o sujeito assuma seu sintoma como uma quest

    sua, como um mal-estar seu que deve ser falado, escutado, pensae elaborado. E questionar a instituio em sua alma burocrtitambm faz parte do analtico? Acredito que sim e talvez seja, caso daquele psicanalista que est na instituio, o seu trabalmais penoso, mais desgastante e cansativo. Questionar uminstituio que procede arraigada a um paradigma biologizanterequer serenidade, muito estudo, investimento na prpria anlisesupervises, e uma escuta atenta. Na maioria dos casos,questionamento deve estar presente nos atos do analista ou no ssilncio. Buscar o confronto no produz efeitos analticos, apenencena os dilemas e contradies entre a psiquiatria e a psicanlise

    Sobre o problema atual da vertente biologizante da psiquiatrViolante salienta que o sujeito no se reduz ao seu organismo e seu bem-estar orgnico31. V nesse processo algumas divergncentre a psicanlise e a ideologia que subjaz prtica psiquitrilevada a cabo pela psiquiatria dominante, no que diz respeito:compreenso do que mental; [...] prevalncia do fatneurolgico; ao encaminhamento teraputico32.

    Considero que, ao exercer minha funo de analistexercitando minha escuta com sujeitos psicticos institucionalizadopude acompanhar uma pequena transformao em suas falas. estas falas se configuraram em um discurso sobre si, ainda n

    28TENRIO, Fernando. Desmedicalizar e subjetivar: a especificidade da clnica recepo.A Clnica da Recepo nos dispositivos de Sade Mental. Cadernos IPUvol. VI, N 17. Rio de Janeiro, IPUB/UFRJ, 2000, pp, 79-91.

    29ROUDINESCO, Elisabeth. Por que a Psicanlise?. Rio de Janeiro, Zahar, 2000.30VIOLANTE, M . Lucia V (org.). O (im)possvel dilogo psicanlise e psiquiat

    So Paulo, Via Lettera, 2002.31VIOLANTE, M . L. V. Psicanlise e psiquiatria: campos convergentes ou divergente

    In: VIOLANTE, M. Lucia. V. (Org.). op. cit.,p. 40.32Ibid., p. 42.

    Psicanlise na Instituio Psiquitrica 4

    profissionais psi, e sim artistas, homens de cultura, poetas, pintores,homens de cinema, jornalistas, inventores de vida...22. Concordocom ele na proposio, mas acredito que h espao em umlaboratrio de produo de vida para a psicanlise.

    Quanto s confuses que podem impregnar o cotidiano dopsicanalista no trato com os outros profissionais e, por que no,com os pacientes, Leite Netto23 salienta que se deve ter clara adistncia epistemolgica que existe entre psiquiatria e psicanlise

    e, mais ainda, que tipo de resposta um profissional que nos dirigedeterminada demanda espera. Ele assim se expressa

    (...) o psicanalista aceito, convidado a se manifestar, mas se espera deleuma contribuio dentro de um referencial eminentemente mdico....24

    Leite Netto ainda acrescenta que h espao e necessidade,numa instituio desse tipo, para os que tm conhecimentos eexperincia em psicanlise25. Acredito que esse espao deve serocupado sem desvirtuar a proposta psicanaltica, ou seja: o analistadeve estar atento e investir na transformao e na crtica constante,favorecendo ao sujeito psictico exercer sua fala e instituio criaruma espao de transformao para a qualidade de vida e bem-estardo sujeito que ali se encontra internado26, ou fazendo uso dos serviospor ela oferecidos. Nesta direo Tacchinardi comenta:

    O lugar de analista s me dado a ocupar a partir do momento em queposso me afastar do cotidiano totalizador e abrir um espao para a reflexo.27

    22ROTELLI apudTENRIO, Fernando. Da reforma psiquitrica clnica do sujeito.Psicanlise e Psiquiatria: controvrsias e convergncias. Rio de Janeiro, RiosAmbiciosos, 2001, p. 122.

    23LEITE NETTO, Oswaldo Ferreira. Um psicanalista na instituio (nem heri, nempicareta...). Jornal de Psicanlise. So Paulo. 30 (55/56): 205-212, jun. 1997.

    24Ibid., p. 209.25Ibid. p. 210.26Apesar das recentes conquistas, no mbito legislativo, a luta antimanicomial ainda

    no alcanou seus verdadeiros objetivos. Os hospitais psiquitricos brasileiros aindase mantm com caracterstica asilar. Pode-se pensar nas excees, como no casode Santos, cidade que eliminou todos os seus hospitais psiquitricos deenclausuramento, mas no interior e em cidades mais pobres do Brasil, a situaose mantm. Algumas modificaes so realizadas e se perpetua o tratamentoeminentemente medicamentoso e de conteno.

    27TACCHINARDI, Silvia R. Psicanlise e instituio psiquitrica: o analista dentro doJuqueri?. So Paulo, Percurso, n. 1. 2 sem. 1988.

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    Afirmou, tambm, na conferncia intitulada Transfern(1917), que os pacientes (...) paranicos, melanclicos, sofredorde demncia precoce, permaneceram, de um modo geral, intocade impenetrveis ao tratamento psicanaltico34. Freud no perceba presena do fenmeno da transferncia agindo na relao analtcom esses sujeitos, mas deixou em aberto a possibilidade de sereanalisados, ao acreditar nos avanos da pesquisa psicanaltica.

    A noo de transferncia em Freud, como considera Ma

    Cristiane Nali (2002)35

    , percorre toda sua obra, principalmente ncasos clnicos, sofrendo uma srie de reformulaes, poisretroativamente que Freud a descobre36. Neste estudo sobretransferncia no ambulatrio de um hospital, o conceito esmiuadPorm, por no figurar objeto desta pesquisa, recorro ao concede transferncia em sua forma final, apenas para fundamentar minargumentao quanto anlise de sujeitos psicticos em instituipsiquitrica.

    Contudo, antes de adentrar no universo da psicose, cadistingui-la da neurose, pois a transferncia foi descoberta por Frecomo resultante da relao estabelecida entre o mdico e o(paciente neurtico(a).

    Em A Dinmica da Transferncia (1912), Freud vai pontuque o que transferido para a situao analtica e para a figura analista so impulsos erticos reprimidos que nutrem a resistncao tratamento. O que se apreende da que, para compreenderfenmeno da transferncia na anlise, deve-se levar em contaresistncia, a represso e a repetio.

    Em Laplanche & Pontalis (1992), a noo de transfernciaconceituada como o processo pelo qual os desejos inconscientes atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tide relao estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro relao analtica. Trata-se aqui de uma repetio de prottipos infanvivida com um sentimento de atualidade acentuada37

    34FREUD, Sigmund (1917). Transferncia. Conferncia XXVII. ConferncIntrodutrias Sobre Psicanlise. ESB, 2ed., vol. XVI, 1987, p. 511.

    35NALI, Maria Cristiane. Um estudo sobre as particularidades da transferncia consultrio tornado pblico. Dissertao de Mestrado. So Paulo, PUC, 2002.

    36Ibid., p. 12.37LAPLANCHE & PONTALIS. Vocabulrio da psicanlise. So Paulo, Martins Font

    1992, p. 514.

    Psicanlise na Instituio Psiquitrica 4

    posso afirmar, mas posso registrar uma mudana lenta e gradativano contedo delas. A histria contada por alguns pacientes j no a da doena e internao, mas de seus amores, de suas lembranas,de seus delrios, alucinaes, dos seus sentimentos diante de umasociedade que os exclui, que os coloca no lugar de mortos-vivos.

    Compreendo que o lugar do analista na instituio psiquitrica o lugar de uma escuta especfica, serena, que deve abrir um espaoacolhedor a uma fala que obedece a uma lgica prpria resultado

    do trabalho de construo de uma nova realidade, de novospersonagens, expressando um vazio mortfero e assustador numencadeamento no linear, atemporal, que muitas vezes sucumbe aosilncio ou se expressa pelas vias sensoriais.

    Pude, a partir da escuta analtica, firmar uma posio atentae discreta no espao institucional. Com isso, colhi vrios frutos, dentreeles, o respeito ao momento das sesses. Numa instituiopsiquitrica comum funcionrios abrirem a porta, interromperema sesso com problemas burocrticos e tantos outros problemasque s dizem respeito s obrigaes institucionais.

    O lugar do analista no hospital, na minha experincia, umlugar diferenciado, estranho norma institucional, fazendo reviveroutros sentidos para o sofrimento. o lugar no qual o interesse dequem atende no pela doena e suas manifestaes, mas pelosujeito e sua histria. , finalmente, o lugar da escuta dos fenmenospelos quais o inconsciente encontra uma brecha para se manifestar. o lugar da anlise pela via e pelo manejo da transferncia.

    A Transferncia na Instituio

    Sigmund Freud, no textoA Histria do Movimento Psicanaltico(1914), afirmou, em relao s neuroses, que qualquer linha deinvestigao que reconhea a transferncia e a resistncia e os tomecomo ponto de partida de seu trabalho tem o direito de chamar-sepsicanlise, mesmo que chegue a resultados diferentes...33.

    33FREUD, Sigmund (1914).A Histria do Movimento Psicanaltico. ESB, 2ed., vol.XIV, 1987, p. 26.

    Adriana Cajado Costa42

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    3. Do Superego Considerada a mais obscura e menos poderosa por Fre a resistncia originada do sentimento de culpa ou da necessidade punio, opondo-se a todo movimento no sentido do xito, inclusive, portan recuperao do prprio paciente pela anlise42

    Retomando o verbete transferncia, no VocabulrioLaplanche & Pontalis, esse fenmeno compreendido em quatdimenses significativas. Salienta-se aqui, a dimenso acerca especificidade da transferncia no tratamento, pois a partir dque podemos compreender a afirmao de Freud (1914)43, na quconcentra as principais dificuldades da anlise no manetransferencial.

    O trabalho da anlise com neurticos, no seu plano descritiv o de preencher lacunas na memria do paciente sobre sua histrj no plano dinmico, configura-se por possibil itar a superao dresistncias oriundas da represso e, assim, favorecer a que umperlaborao44acontea. Com esse ltimo processo, que ocorinmeras vezes, as lacunas so preenchidas e as lembranas ganhaum novo sentido.

    A esse movimento d-se o nome de reconstruo, mas caso do sujeito psictico o movimento, segundo interpretao Violante a respeito de Aulagnier, de construode sua histidentificatria e libidinal, no lugar dos brancos, do vazidentificatrio45.

    No registro da psicose, o manejo transferencial ainda macomplexo, pois o analista pode estar sendo enquadrado pelo suje

    no centro do seu delrio, por meio de uma projeo macia, ocupano lugar do agente perseguidor (dio) fenmeno que, ao ser nie exclusivo, inviabiliza a relao analtica46- ou no lugar da ni

    42Ibid., p. 185.43FREUD, Sigmund (1914). Observaes sobre o amor transferencial. ESB, 2e

    vol. XII, 1987, p. 208.44Em Laplanche & Pontalis, no Vocabulrio da psicanlise, esse termo vem substit

    a palavra elaborao e conceituado da seguinte forma: (...) a perlaboraconstitui um fator propulsor do tratamento comparvel rememorao drecordaes recalcadas e repetio na transferncia

    45VIOLANTE, Maria Lucia V (2001). Op. cit.46AULAGNIER, P. (1984). Op. cit., p. 196.

    Psicanlise na Instituio Psiquitrica 4

    O conceito de resistncia em Freud trabalhado na confernciaintitulada Resistncia e Represso, na qual ele argumenta:

    Uma violenta oposio deve ter-se iniciado contra o acesso conscinciado processo mental censurvel, e, por este motivo, ele permaneceuinconsciente. Por constituir algo inconsciente, teve o poder de construir umsintoma. Esta mesma oposio, durante o tratamento psicanaltico, se insurge,mais uma vez, contra nosso esforo de tornar consciente aquilo que inconsciente. isto o que percebemos como resistncia. Propusemos dar aoprocesso patognico, que demonstrado pela resistncia, o nome de

    represso.38

    Posteriormente, no artigo Inibies, Sintomas e Angstia(1926), Freud salienta que a represso no ocorre apenas uma veze requer um dispndio permanente de energia para assegurar ono retorno do recalcado, pois as pulses so contnuas em suanatureza fazendo com que o ego exera constantemente sua aodefensiva. Acrescenta que essa ao empreendida para proteger arepresso observvel no tratamento analtico como resistncia39.

    Ainda nesse texto, Freud vai afirmar que a resistncia naanlise, ao ser removida, pode ativar a compulso repetio,definida como a atrao exercida pelos prottipos inconscientessobre o processo libidinal reprimido40, devendo ser superada. Aesse processo, o autor o denominou de resistncia do inconsciente.

    Freud complementa sua exposio sobre as resistnciasencontradas na anlise, dividindo-as em cinco tipos, que provm detrs direes: do ego, do id e do superego:

    1. Do ego O ego a fonte de trs, cada uma diferindo em sua natureza

    dinmica. So elas: a resistncia da represso, a resistncia da transferncia que estabelece uma relao com a situao analtica, reanimando assimuma represso que deve somente ser relembrada e a resistncia originadado ganho proveniente da doena baseada numa assimilao do sintomano ego41.

    2. Do Id Resistncia que necessita de elaborao.

    38FREUD, Sigmund (1917).Resistncia e represso. Conferncia XIX. ConfernciasIntrodutrias Sobre Psicanlise. ESB, 2ed., vol. XVI, 1987, p. 346.

    39 FREUD, Sigmund (1926). Inibies, sintomas e angstia. ESB, 2 ed., vol. XX,1987, p. 181.

    40Ibid., p. 184.41Id.

    Adriana Cajado Costa44

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    O analista s pode assumir o lugar do Outro e assim garanao sujeito a verdade de seu enunciado sobre a origem se houvuma relao transferencial. Portanto, a escuta analtica do psictitorna-se possvel, quando concebida num espao dual, no qualpaciente ir utilizar a transferncia de maneira a tender a uma espde osmose com a figura do analista, posicionando-o no lugar Outro.

    Ao salientar que a transferncia, no registro da psicose, oco

    de uma maneira mais complexa e diferenciada do que em relaao neurtico, objetiva-se compreender a qualidade desta distin

    Mergulhado numa dimenso atemporal, o psictico ao delirtenta escrever sua histria, pois para o psictico, seu presentefoi decidido pelo seu passado; tudo j foi anunciado, previsto, prediescrito51. O delrio se impe a essa escravido consentida52.

    Ento, o que se trabalha, pela via da transferncia, comsujeito psictico? De acordo com Piera Aulagnier, em primeiro lugo analista deve tornar sensvel para o sujeito o que no se repetna relao analtica, o que ela oferece de diferente, de ainda nexperimentado53.

    Por no demandar anlise, o psictico, em relaotransferncia, vai colocar o analista no lugar do sujeito-supostsaber antes ocupado pelo discurso parental que lhe proibiu acreditar que um outro pensamento alm do deles (pais) podesaber a respeito do desejo, da lei, do bem e do mal54.

    Ser por isso que, no registro do saber, o analista s ocupa

    o lugar do sujeito-suposto-saber pela via de uma projeo sebrechas que dotar esse saber projetado sobre ns de um podmortfero para o pensamento do sujeito55.

    Aulagnier ainda acrescenta que, no registro do investimeno psictico tambm estabelecer uma relao de investimenmassivo, por mais conflitiva que seja, com esses representantencarnados do poder que so seus pais56.

    51AULAGNIER, P. (1984). Op. cit., pp. 198-199.52Ibid., p. 198.53Ibid., p. 196.54Ibid., p. 199.55Ibid., pp. 199-200.56Ibid., p. 200.

    Psicanlise na Instituio Psiquitrica 4

    pessoa que o escuta (escutador-investidor47) e que lhe propemudanas (Outro em direo aos outros), uma escuta que lhepermite novamente separar o que ele pensa do que o obrigam apensar48.

    No registro psictico, a dimenso do fenmeno transferenciale de sua economia surgem de maneira distinta. Aulagnier (1975)fornece um instigante resumo da especificidade da transferncia napsicose e da viabilidade da anlise com esse sujeitos:

    Recorrer ao conceito de transferncia e fazer de sua impossibilidade nopsictico a explicao do fracasso, no nos parece satisfatrio. Esta

    impossibilidade deveria nos confrontar necessidade de redefinir o conceito,o que permitiria uma melhor compreenso de porque a transferncia, talqual o mostra a relao neurtica, exige no apenas o investimento libidinalde uma imagem projetada sobre o analista coisa em que o psictico mestre mas a transferncia para a situao experimental de uma demandafeita ao saber do Outro, demanda que tem sua fonte no encontro inauguralsujeito-discurso. Esta transferncia, o psictico vai realiz-la e,paradoxalmente, a que reside a causa fundamental do que obstaculiza oprojeto analtico. Com efeito, o psicti co vai transferir, na situao analtica,o que ele continua a repetir na sua relao ao discurso do Outro, e portanto,a nosso discurso.49

    Aps um quarto de sculo de psicanlise, a anlise depsicticos galgou espao e o pensar analtico tem podido escutardeterminadas falas que viabilizaram o tratamento desses sujeitos.

    Hoje, os estudos metapsicolgicos mostram que o psictico capaz de uma transferncia macia, mas de uma outra ordem,fantasmada, na qual o analista e o paciente esto, para este ltimo,

    numa osmose, da mesma ordem daquela vivida com a me porta-voz que est ocupando o lugar de um nico Outro. Aulagnier adverte:

    A partir do momento em que uma relao analtica se instaura, o analistaque, na cena do real, dever assumir a funo desta voz nica, que garanteao sujeito a verdade de seu enunciado sobre a origem. 50

    47Ibid., p. 201.48Id.49AULAGNIER, Piera (1975).A Violncia da interpretao: do pictograma ao enunciado.

    Rio de Janeiro, Imago, 1979, p. 18.50AULAGNIER, Piera (1975). Op. cit., p. 216.

    Adriana Cajado Costa46

  • 7/25/2019 A Anlise Do Sujeito Psictico Na Instituio Psiquitrica

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    a transferncia negativa est presente, mas uma outra qualidade transferncia, distinta daquela prpria ao neurtico, constituna instituio e nos paranicos. O problema institucional colocapor Figueiredo, distintamente de Freud, afeta o manejo dtransferncia que se diversifica e se dispersa62.

    O manejo desse processo de disperso da transferncia timportante que Figueiredo o retoma em outro texto. Nele, a autosalienta que h a existncia da transferncia em qualquer tipo

    tratamento e toma caractersticas mais pulverizadas no atendimenem instituio onde um paciente recebido por diferentprofissionais com funes diversificadas63.

    O primeiro endereo da transferncia o da instituio. Apo primeiro atendimento, seja com o assistente social, ou commdico, com o psiclogo, psicanalista ou mesmo com a recepcionis que a transferncia vai sendo endereada para outro lugar, agomais especfico. Ao chegar ao psicanalista, o sujeito j criou lacom uma gama de doutores para pedir socorro.

    Pode-se pensar que a transferncia dessa forma est diludPrefiro pensar que ela, num primeiro momento, foi partilhada64. procurar o ambulatrio de um hospital psiquitrico, geralmentesujeito psictico se defronta com sua incapacidade. Na maioria dcasos ele trazido por um familiar que pede para acompanh-lo sesso. Com os outros profissionais esta companhia vista cobons olhos, o que gera certo mal-estar quando ns, psicanalistasolicitamos o atendimento individual, singularizado. Nesse momenum dado novo apresentado para o paciente e famlia, e tamb

    para a instituio. Esta postura implica uma tomada de decisodirecionamento do tratamento, ocasionando dvidas e inseguranpara o acompanhante e para os outros profissionais.

    62Ibid., p. 74.63FIGUEIREDO, A. C. Do atendimento coletivo ao individual: um atravessamento

    transferncia.A Clnica da Recepo nos Dispositivos de Sade Mental. CaderIPUB, n 17, Rio de Janeiro, UFRJ/IPUB, 2000, p. 127.

    64A essa passagem de um profissional a outro, que o sujeito impelido a realizarinstituio, Fernando Tenrio aponta para o problema transferencial e, ao citarL. Calderoni, alerta para o fato de que nesse espao a transferncia deve acontee permanecer, transferindo-se. TENRIO, F. Op. cit, p. 88.

    Psicanlise na Instituio Psiquitrica 4

    O que corresponde afirmar que no caso da psicose o analistano pode assumir o lugar de suposto-saber, pois esse lugar estocupado por um ser idealizado. Idealizao que produz odesaparecimento do trao individual, a erradicao de todadiferena57. No caso do analista, o sujeito psictico o colocar nessaposio, mas ele no deve assumir o lugar de ideal, o queimpossibilitar a anlise e servir de objeto persecutrio para osujeito, dificultando o manejo transferencial. Pommier pontua:

    (...) um ideal to presente no deixa de tornar-se persecutrio e o sujeitodo saber assim encarnado constitui a ocasio suficiente para odesencadeamento de um delrio58.

    Fundamentada nas conceituaes acima, percebo que todoatendimento/tratamento psicanaltico que realizado numainstituio, seja ela clnica-escola, seja hospital geral, seja hospitalpsiquitrico etc., tem que se haver com um fenmeno peculiar: atransferncia estabelecida pelo sujeito com a instituio como umtodo. a ela que o sujeito procura para aliviar seu sofrimento. Nocaso