A ARQUITETURA EM MADEIRA FRENTE ÀS NOVAS … · do emprego da madeira na arquitetura do Brasil ......
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A ARQUITETURA EM MADEIRA FRENTE ÀS NOVAS
CONSTRUÇÕES E A PERCEPÇÃO DO USUÁRIO NA CIDADE
DE CURITIBA.
MARCOS, MICHELINE HELEN COT (1); CAMARGO, ARILDO (2); MIRANDA, ANTÔNIO CLARET (3)
1. Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA).Departamento de Arquitetura e Urbanismo
Rua Chile, 1678. Curitiba - Paraná [email protected]
2. Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA).Departamento de Arquitetura e Urbanismo Rua Chile, 1678. Curitiba - Paraná
3. Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA).Departamento de Arquitetura e Urbanismo Rua Chile, 1678. Curitiba - Paraná [email protected]
RESUMO
Ao longo da história, a madeira se revelou um material nobre e sua utilização como matéria-prima na construção de habitações se fez constante na arquitetura. Os primeiros exemplares do emprego da madeira na arquitetura do Brasil observam-se nas habitações indígenas que, apesar de primitivas e rústicas, atendiam às necessidades de seus usuários e às exigências climáticas. As casas de madeira, na cidade de Curitiba, ainda sobrevivem na paisagem urbana sendo consideradas elementos importantes em um cenário dominado pela alvenaria e concreto, resistindo como símbolo do modo de viver e de construir típicos da terra. Em sua curta existência, esse sistema construtivo apresenta uma diversidade de soluções e demonstra que a flexibilidade construtiva, aliada à criatividade dos construtores, possibilitou uma arquitetura de boa qualidade. Essa pesquisa analisa as casas de madeira da cidade de Curitiba, herança da imigração alemã, polonesa e italiana, sendo que muitas dessas edificações encontram-se destruídas pelo tempo o u falta de manutenção, entretanto, outras se mostram conservadas, preservando as estruturas originais. Esse artigo pretende realizar uma análise dessas casas tradicionais de madeira, denominadas de “Casas de Imigração”, na cidade de Curitiba, frente às características da paisagem urbana e da percepção do usuário. Para essa análise foi realizado como metodologia, o estudo de caso sobre casas em madeira, localizadas em bairros onde predominam as construções contemporâneas e grandes edifícios. Foram obtidos levantamentos fotográficos e entrevistas. Como resultado tem-se uma relação entre a resistência dessas casas perante a evolução das técnicas arquitetônicas, a percepção do usuário e a influência das casas de madeira na imagem da paisagem urbana. Cabe ainda salientar que este texto se mostra como parte de uma pesquisa maior, em andamento, que busca mapear as edificações em madeira em vários bairros da cidade de Curitiba.
Palavras-chave: paisagem urbana; patrimônio; arquitetura em madeira
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
1. MADEIRA E SEU USO NA ARQUITETURA: RELAÇÃO
ENTRE HISTÓRIA E ANÁLISE DA PAISAGEM.
As casas de madeira, na cidade de Curitiba, sobrevivem na paisagem urbana sendo
elementos importantes em um cenário dominado pela alvenaria e concreto, onde
sobrevivem como símbolo do modo de viver e de construir típicos da terra. Em sua
curta existência, as casas de madeira dessa região possuem uma diversidade de
soluções construtivas e demonstra que a flexibilidade técnica aliada à criatividade dos
construtores possibilitou uma arquitetura de boa qualidade (BATISTA, 2011).
De acordo com Lavalle (1981), no Paraná a existência de extensa floresta de
araucária angustifólia, permitiu que, a partir do século XIX, a exploração da madeira
fosse uma das atividades econômicas mais destacadas da região.
Ao longo da história humana, a madeira se revelou uma matéria-prima indispensável
na construção de habitações. Ao se focar especificamente no Brasil, nota-se que as
casas indígenas emergem como as primeiras edificações a empregarem a madeira
como método construtivo (Figura 1), e apesar de serem primitivas e rústicas, atendiam
às necessidades de seus usuários e às exigências climáticas da região.
Figura 1. Habitações indígenas no Brasil. Fonte:impressõesamazonicas.wordpress.com
Mendes, Veríssimo e Bittar (2011), ao discutirem a herança indígena sobre as
primeiras construções erigidas pelos colonizadores, apontam que “o processo mais
simples de assentar elementos verticais era o pau a pique, diretamente apreendido do
índio, que o utilizava em suas palhaçadas. Este consistia no fincamento de varas e
toras, muito próximas, cujas bases eram incineradas para evitar apodrecimento pela
umidade do terreno”.
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Sabe-se que a técnica do pau a pique e da taipa de pilão foram correntes na
construção brasileira até meados do século XIX, e que, em diversas regiões do país,
devido a total falta de recursos, tal método ainda se mostra como a única alternativa
possível.
A chegada dos colonizadores alterou o processo de utilização da madeira na
construção. Dessa forma, a divisão de espaços, assim como as técnicas construtivas,
passou a responder à tradições culturais diferenciadas. Na segunda metade do século
XIX, desenvolveu-se no Brasil uma política de colonização que visava incentivar a
vinda de imigrantes europeus facilitando a propriedade de terra aos estrangeiros para
ocupar os grandes vazios demográficos. Batista (2007), afirma que,
...”as transformações ocorridas no Brasil após a segunda metade do século XIX foram marcadas por um início de modernidade. O modelo urbano colonial foi sendo gradativamente substituído e a intensa imigração proveniente da Europa foi um fator determinante destas mudanças. O imigrante europeu introduziu no país novas tecnologias construtivas e o início da industrialização possibilitou a confecção de novos equipamentos e a produção de novos materiais. Surgem no cenário paranaense as construções em madeira, inicialmente executadas com pouco apuro tecnológico, construídas com troncos empilhados encaixados, sendo estas construções introduzidas pelos imigrantes poloneses. Com o surgimento das primeiras serrarias movidas por máquinas a vapor foi possível uma maior eficiência no desdobramento da madeira, surgindo, então, uma padronização de bitolas, que possibilitou uma maior eficiência construtiva.”
Assim, percebe-se que a necessidade de mão-de-obra para a agricultura - agravada
após a abolição da escravatura - aliada à semelhança climática com a terra de origem
atraiu grande contingente de imigrantes para o Paraná, em especial os alemães,
italianos e poloneses.
A diversidade cultural dessa nova população trouxe modificações nas soluções
arquitetônicas, evidenciadas pelo uso de diferentes técnicas e materiais de
construção.
Os imigrantes alemães construíram suas casas com enxaiméis (Figura 2, à esquerda)
- estrutura de madeira com peças diagonais de travamento cujos intervalos são
preenchidos por tijolos. Já os poloneses e italianos, de origem camponesa,
estabeleceram-se em colônias próximas às cidades. Porém, enquanto as casas dos
imigrantes italianos eram construídas em alvenaria de tijolos, as dos poloneses
empregavam troncos de árvores sobrepostos horizontalmente, com encaixes nos
cantos das paredes, como se pode notar na figura 2 à direita.
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Figura 2. Arquitetura Enxaimel à esquerda. Casas polonesas à direita. Fontes: www.casasenxaimel.com.br e Batista (2007).
Ao final do século XIX, a intensificação e mecanização da exploração madeireira e a
instalação de serrarias, principalmente no sul do país, onde a matéria-prima era
abundante, permitiu a padronização de elementos construtivos e a difusão da
arquitetura em madeira.
A casa de madeira tornou-se então tradicional nas paisagens paranaenses.
Construída sobre pequenos pilares para evitar a umidade, esse tipo de casa possuía
arcabouço formado por barrotes e vigas nos quais são pregadas tábuas verticais com
junções vedadas por ripas. A divisão interna original era simples, constando da sala,
quartos e uma cozinha. O sótão, visível nos exemplares da figura 3, geralmente
habitável, surgiu em função da forte inclinação dos telhados - tradição trazida dos
países europeus.
Figura 3. Casas em madeira estilo europeu em Curitiba. Fonte: Batista (2007)
Cabe ressaltar que foram três principais fatores que contribuíram para o surgimento,
desenvolvimento e reprodução das casas de madeira no Paraná. Primeiramente a
vasta reserva de araucária, madeira de qualidade, linear e com galhos. As matas de
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araucária cobriam uma boa parte do estado, sendo consideradas na época de sua
exploração como infindáveis e isto encorajou a exploração desmedida até quase sua
total extinção.
O segundo ponto importante corresponde à quantidade de mão-de-obra de qualidade
aliada a grande oferta de material. Este quadro possibilitou a aquisição destas
habitações para todas as camadas da população. Esta mão-de-obra era formada por
imigrantes provenientes de diversas localidades, com culturas construtivas distintas, o
que produziu uma arquitetura singular e própria do local. Esta simbiose construtiva
nomeada por Imaguire (1993) como “Casa de Araucária” é uma arquitetura
exclusivamente brasileira, comum ainda hoje nas paisagens urbanas e rurais do Sul
do Brasil.
Por último, o fator da industrialização da extração da madeira proveniente das
serrarias que possibilitou uma padronização construtiva, permitindo a formação de
mão de obra qualificada. O sistema construtivo era simples, porém não limitado. Há
exemplos de casas singelas com plantas simplificadas. No entanto, a técnica
construtiva, a padronização das peças e a qualidade da madeira eram as mesmas.
Além de residências com até 03 pavimentos e mais o porão em alvenaria, há muitas
variedades de edifícios, construídos com esta tecnologia, como igrejas, hospitais,
clubes, entre outros (BATISTA, 2007).
Em 1905, a prefeitura de Curitiba proibiu o uso da madeira nas construções das
principais ruas: XV de Novembro, Barão do Rio Branco e Praça Tiradentes. Um ano
depois essa lei é aplicada em todo o centro da cidade. Em 1919 os códigos de
posturas passaram a conter uma seção específica para as habitações de madeira,
como era relatado nos artigos 59 e 60:
‘’ Art. 59 – A Câmara Municipal dividirá a cidade em três zonas, podendo a
extensão das mesmas ser alterada anualmente, conforme as conveniências de ordem
geral.’’
‘’Art. 60 a – Na primeira zona, constituída pelas ruas e praças principais, só é
permitida a construção de casas cujas paredes externas sejam de alvenaria.’’
De acordo com Imaguire (1993), o uso da madeira como material construtivo possuía
um caráter discriminatório, inclusive nas posturas da prefeitura, uma vez que a
madeira se tornara barata e bastante acessível à população.
De certa forma, tais posturas passaram a impulsionar a construção de habitações em
madeira onde apenas a fachada era confeccionada em alvenaria. Assim, muitas casas
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desse tipo tiveram suas fachadas recobertas por chapas de ‘’Erkulit’’1, que é um dos
casos mais interessantes de intervenção nas casas de madeira, como mostram as
figuras 4.
Figura 4. Casa de madeira revestida com placa Erkulit: antes e depois. Fonte: Batista (2007)
Ao se comparar o antes e depois da interferência na fachada, percebem-se
nitidamente suas alterações estéticas e o sentido simbólico que assumem, onde a
casa de madeira é apontada como o elemento antigo, antiquado e interiorano,
portanto, de gosto duvidoso, enquanto a casa em Erkulit se impõe como o moderno, e
urbano, adaptável às novas edificações do entorno.
A empresa Erkulit, montada pelo austríaco Peter Petschek na década de sessenta,
apresentava seu produto com o seguinte ‘’slogan’’: “Mude sua casa sem mudar de
endereço. Com chapas Erkulit sua casa de madeira se transformará em uma linda
residência em material‘’.
Este texto traz em sua essência uma ideia depreciativa das casas de madeira: Se sua
casa foi feita em madeira, logo ela é feia! Mascare-a em alvenaria e terá uma casa
coerente com a estética contemporânea. “Linda”.
Nesse sentido, nota-se que o distanciamento das construções em madeira na cidade
de Curitiba, se deu, em partes, pelo próprio preconceito em relação ao uso desse
material. Preconceito este, incentivado pela prefeitura e propagado por empresas que
viram nesse discurso, a possibilidade de fazerem grandes negócios.
Além disso, preconceitos relacionados à construção em madeira ainda são recorrentes
na cidade de Curitiba, na medida em que contratos de compra e venda de terrenos em
condomínios fechados da cidade trazem em sua cláusula a proibição de tais
edificações.
1 ’Erkulit’’ é uma chapa composta por fibras de madeira mineralizada, que tem como função
revestir a casa para que esta fique com o aspecto de uma casa de alvenaria.
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Irã Dudeque (2001) chama a atenção para o fato de que, o próprio uso da madeira em
construções, bem como a apropriação de alguns ornatos, tem mais a ver com a
imposição do estado, do que com uma arquitetura originalmente paranaense.
...”o absoluto desconhecimento da história da legislação urbana de Curitiba fez com que, a partir da década de 60, alguns comentadores louvassem a casa de madeira como a “verdadeira” arquitetura paranaense; outros se deliciaram com a “poesia” dos lambrequins e inventariam genealogias polonesas para explica-los. mas, tanto as tipologias básicas das casas de madeira quanto os lambrequins foram impostos pela legislação. Ao louvar supostas origens culturais e étnicas, tais enganos impediram uma devastação ainda mais generalizada dessa arquitetura”.
Porém, independentemente das casas de madeira não representarem a verdadeira
arquitetura paranaense, o fato é que a falta de um debate coerente sobre sua
importância como forma de manutenção e preservação das identidades locais, só
aceleraram o processo do seu quase desaparecimento, tornando-as cada vez mais
raras na paisagem urbana curitibana. Entretanto, um olhar mais cuidadoso e curioso
sobre a cidade, pode apontar para a resistência de muitas construções tradicionais em
madeira, frente à vastidão das casas e edifícios construídos em alvenaria. Muitas
dessas casas, preservando o caráter de moradia enquanto outras são adaptadas para
funcionarem como estabelecimentos comerciais.
2. AS CASAS DE MADEIRA COMO INTERVENÇÃO NA
PAISAGEM URBANA
A partir dos anos sessenta, a ideia de espaços é ampliada com relevância, sendo que
a noção de lugar é adquirida na prática e na teoria. A interpretação e representação do
espaço ocupado na paisagem marca a transição entre a arquitetura tradicional e a
moderna.
De acordo com Montaner (2001), os conceitos de espaço e lugar podem-se definir
claramente sendo que o primeiro tem uma condição ideal, teórica, genética e
definitiva, e o segundo possui caráter concreto, empírico, existencial, articulado até os
detalhes.
Segundo a discussão de Montaner, podemos salientar a interpretação do espaço em
sua condição abstrata, lógica e científica e o espaço como lugar é definido e
condicionado pela existência concreta em função da paisagem que está inserido.
Atualmente, vários exemplares de casas de madeira exercem uma função diferente
daquela assumida originalmente, que era a de habitação unifamiliar, sendo adaptadas
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para funcionarem como estabelecimentos comerciais, tais como bares, restaurantes,
clinicas de beleza, estofarias, escritórios, entre outros, como se pode ver na figura 5.
Uma vez dotada de uma nova função, tais construções assumem também novas
configurações no espaço urbano e na paisagem local como um todo, ao mesmo tempo
em que, muitas vezes, são obrigados a se adaptarem física e estruturalmente, ao seu
novo uso, como fica claro na entrevista realizada com o arquiteto Vinícius Trevisan no
capítulo seguinte.
O arquiteto Aldo Rossi expõe uma nova proposta para se analisar a cidade. Segundo
ele, uma vez concebida uma produção arquitetônica contemporânea, que ela seja
pensada a partir do reconhecimento dos elementos urbanos do passado, identificando
estes fatos urbanos, elementos construtivos, e a preocupação com os envolvidos no
contexto da cidade, com o projeto do novo em continuidade com o espaço urbano
existente, para que haja o melhor entendimento da paisagem.
Fig. 5. Casa de madeira adaptadas para função comercial na cidade de Curitiba, sendo esta funcionando como um salão de beleza.
A história e a cultura da cidade estão diretamente ligadas à arquitetura deixada pelos
nossos antepassados, decorrentes da ocupação espacial e da evolução humana,
constituindo a cidade nos séculos passados. Algumas casas de madeira da cidade de
Curitiba, ainda resistem à especulação imobiliária por parte das grandes
incorporadoras e até mesmo do poder público, como é observado nas figuras 6.
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Fig. 6. Casas de madeira misturadas na paisagem urbana contemporânea. Bairro Alto da XV, Curitiba. Fonte: Os autores (2015)
Percebe-se que, em meio aos grandes edifícios e construções em alvenaria, algumas
casas de madeira ainda resistem ao tempo e a evolução das tecnologias construtivas.
Além disso, as casas em madeira pesquisadas para o desenvolvimento dessa
pesquisa permanecem tão conservadas quanto as demais construções em alvenarias
existentes em seu entorno.
Outro exemplo desse contraste arquitetônico são as casas localizadas em frente ao
estádio Arena da Baixada (reformado para sediar jogos da Copa de 2014), no bairro
Rebouças, em Curitiba. Apesar do entorno do estádio ter passado por mudanças
bruscas em sua paisagem, algumas casas tradicionais de madeira se mantiveram
intactas em seu lugar original, conforme figura 7.
Fig. 7. Casas de madeira misturadas na paisagem urbana contemporânea em Curitiba. Fonte: Os autores (2015)
Nesse caso, ainda que a casa perceptível do lado esquerdo da imagem assuma um
caráter comercial, não há qualquer indício de sofrer alterações estruturais ou em sua
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fachada. Já a casa do lado esquerdo da imagem ainda preserva a função de
residência.
Tais ocorrências mostram não apenas a valorização deste tipo de construção, mas
também sugere que casas de madeira tem uma interferência positiva na paisagem
urbana, permanecendo como legado dos imigrantes estrangeiros no Brasil e
principalmente no sul do país.
3. PERCEPÇÃO DO USUÁRIO E A IMAGEM POÉTICA DA
CASA DE MADEIRA.
Como já foi levantado, as casas de madeira da região de Curitiba possuem uma
arquitetura vinculada principalmente à imigração. De acordo com Batista (2007), não
há remanescentes ou documentos que comprovem a existência deste sistema
construtivo no Brasil Colonial e não há referências desta arquitetura nos países de
origem dos imigrantes. Conforme Imaguire (1993) é um sincretismo arquitetônico.
Weimer (2005) afirma que, embora muitos historiadores tenham valorizado as
construções em pedra, por manterem um vínculo com a Itália, as construções em
tábua são as mais significativas por expressarem a verdadeira dimensão da
criatividade e da capacidade de adaptação do imigrante no novo meio. Na região de
Curitiba, é muito comum vincular as construções de tábua e mata-juntas com presença
de lambrequins, aos poloneses.
O Arquiteto Abrão Assad define Lambrequim como: ‘’ Um gesto nostálgico de reviver
em nossos beirais a cristalização dos pingos de chuva de rigorosos invernos
europeus’’.
Existem exemplos de casas tradicionais em madeira que passaram por uma reforma
externa e interna para se adaptarem a novas funções de uso. Como pode ser
observado no estudo de caso realizado para essa pesquisa, junto ao arquiteto e
urbanista curitibano Vinicius Trevisan.
Trevisan concedeu a entrevista transcrita a seguir, bem como parte das imagens
apresentadas nas figuras 8 e 9. Em síntese, o arquiteto fez um retrofit de uma casa
em madeira erigida na década de 1960, para acomodar seu escritório de arquitetura, o
que gerou uma valorização desse imóvel assim como de sua carreira profissional, que
é voltada para sustentabilidade e construções em madeira.
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Fig. 8. Casa original utilizada como escritório do arquiteto Vinicius Trevisan. Rua São Pio X, 874. Bairro Ahú, Curitiba – PR.
Fig. 9. Retrofit de casa de madeira do arquiteto Vinicius Trevisan. Fonte: Os autores (2015). Acervo pessoal do arquiteto.
Em sua entrevista o arquiteto respondeu as seguintes perguntas:
a) O porquê da escolha da casa de madeira?
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‘’Foi, a princípio, por oportunidade, mas também as casas de madeira agregam
charme e história, como uma espécie de contadora de histórias – com carinho
e aconchego. ’’
b) Qual a percepção dos clientes em relação ao escritório e o retrofit executado
por você?
‘’A intervenção nesse imóvel fez com que a comunidade local percebesse o
imóvel com carinho, o que antes não era considerado. Ainda, o retrofit na casa
de madeira surpreendeu os clientes, que antes não valorizavam as edificações
com essa tipologia. Além de associar sustentabilidade à proposta.’’
c) O fato de você ter se apropriado de uma casa tradicional de madeira, trouxe
algum benefício para o seu escritório?
‘’Trouxe muitos benefícios. Passei a ser sondado como profissional que tem
como sustentabilidade o princípio de criação. Tanto que, a partir de então, fui
convidado a participar de mostras com essa proposta.’’
d) Há pontos negativos no uso de uma casa de madeira tradicional?
‘’Sim, se considerar os princípios de conforto ambiental, já que as paredes não
agregam inércia à temperatura interna. É fria no inverno e quente no verão,
além de não apresentar estrutura física para embutir equipamentos elétricos.’’
e) Quais as adaptações feitas no espaço para adequá-lo a um escritório de
arquitetura?
‘’Mudar o conceito de simplicidade e sofisticar sem descaracterizar. Ainda,
como as adaptações de lógica, telefonia, internet, TV e luminotécnica foi
intensa, precisei incorporar paredes em dry wall para garantir substrato de
embutimento. Quanto ao programa com relação ao espaço, foi muito coerente
com o que o espaço já oferecia. Os quartos se transformaram em salas e a
sala em recepção.’’
Ao analisar o discurso de Trevisan, sobre o espaço escolhido para instalar seu
escritório, fica claro entender o fascínio de muitos proprietários sobre suas edificações
em madeira.
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A imagem da casa, tais como os objetos, carregam consigo questões que vão muito
além da sua mera função. Casas são emocionais, trazem a tona lembranças, ativam
as semioses de seus usuários e admiradores.
Vinícius ilustra tudo aquilo que foi abordado nos capítulos anteriores: o uso da casa de
madeira como espaço comercial, a necessidade de adaptá-la para receber uma
clientela específica, além da opção de alterar sua fachada a fim de torná-la mais
atraente ao público externo, ainda que mantendo a configuração original da casa, sem
tentar esconder aquilo que a identifica e a torna singular, que é o fato de ser
construída em madeira.
A mudança da fachada em seu escritório, em nada tem a ver como o menosprezo pela
matéria-prima tradicional e sim com o objetivo de torná-la mais condizente com um
escritório de arquitetura.
Apesar de a fachada ser revestida em alvenaria, as laterais, assim como as paredes
internas e piso, salvo algumas alterações em dry wall, se mantiveram intactas. Além
disso, a nova fachada manteve a simplicidade típica da arquitetura original, coerente
com a proposta externa do escritório. Não há exageros!
Fig. 10. Vista lateral e detalhe interno da casa/escritório. Fonte: Os autores (2015). Acervo pessoal do arquiteto.
Entrar no escritório de Trevisan é um misto entre reviver o passado e desfrutar dos
confortos contemporâneos. Isso ocorre do ranger do piso em tábua corrida de madeira
audível na primeira pisada, às paredes em mata-juntas que insistem em se fazerem
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protagonistas. Assim, elementos da arquitetura original convivem em perfeita harmonia
com objetos e revestimentos atuais.
No dizer do profissional, a arquitetura de madeira agrega charme e história ao espaço,
mas se pode ir além, elas também possibilitam novas vivências estéticas, conforme
aponta Berriel:
A flexibilidade e facilidade construtiva soma-se a beleza gerada pelo ritmo das linhas verticais que se repetem nas superfícies, as mata-juntas que estão geralmente em primeiro plano recebem mais luz, provocando uma linha de sombra em constante transformação aso longo do dia sobre as tábuas que, associado ao ritmo dos pregos, transformam casas singelas em arranjos bem orquestrados, reproduzidas empiricamente e anonimamente por carpinteiros que já não existem. (BARRIEL, 2011, pg. 3).
As casas de madeira expostas a paisagem urbana, remetem os transeuntes aos
tempos em que a cidade era mais tranquila, mais amigável. Tempo onde a conversa
na calçada não demonstrava qualquer perigo, a não ser a inconveniência de um
vizinho chato.
Assim, tais construções encantam por sua beleza sim, mas também indicam
momentos onde a cidade era mais orgânica, tanto nas suas formas, quanto em seus
modos de usar o espaço. Um lado bucólico das “pequenas grandes cidades” difícil de
recuperar.
Avendaño (2008), ao discutir a necessidade de um olhar poético por parte dos
designers, no intuito de tornar-se um profissional mais criativo, avalia a importância de
um olhar atento sobre a cidade, sobre seus espaço e peculiaridades do entorno.
Tarefa que caberia a todos os usuários desses espaços como forma de respeitar os
elementos que constituem as identidades de cada região do país.
As casas de madeira, indiscutivelmente, traduzem parte da cultura paranaense de
forma concreta. Sua resistência, certamente não se faz por questões financeiras. Mais
que isso, elas servem como depósitos de lembranças, ainda que tentem resistir em
meio ao mar de pedras que as cidades têm se transformado.
Conforme ressalta Argan (1998), a cidade é fruto de uma história que se cristaliza e
manifesta, se caracterizando mais pelo antagonismo entre conservação e inovação, do
que propriamente por uma evolução. Certamente, aqui, não estamos tratando de um
centro histórico, mas de bairros que se unificaram ao centro, antes mesmo que as
estruturas necessárias para isso fossem instauradas.
Como as demais edificações utilizadas para ilustrar este texto, o escritório de Trevisan
está localizado em uma área próxima ao centro da cidade, para não dizer colada, local
onde ainda se vê preservado um misto de bairro e cidade grande. Indícios de que a
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arquitetura do passado pode conviver harmoniosamente com a produção arquitetônica
contemporânea.
Em seu texto Arquitetura e Cultura, Argan expõe que a cidade é o melhor aparato de
medição entre cultura de classe e a cultura de massa, sendo ela a única capaz de
garantir o caráter democrático daquilo que será a nova estrutura – de massa - da
sociedade e da cultura. Porém, deixa claro que essa missão pertence primordialmente
aos arquitetos, talvez os únicos capazes de organizar as cidades, levando em
consideração tanto a inovação necessária e indispensável, quanto seu aspecto
histórico e identitário.
REFERENCIAS
ARGAN, G. Carlo, História da arte como história da cidade. São Paulo:
Martins Fontes, 1998.
AVENDAÑO, Luis E.C. Uma visão poética do design in: Anais do 8º
Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. AEND, 2008.
BATISTA, F. A tecnologia construtiva em madeira na região de Curitiba: da
Casa Tradicional à Contemporânea. Dissertação de Mestrado. UFSC,
Florianópolis, Santa Catariana, 2007.
BERRIEL, Andréa. Tectônica e poética das casas de madeira. Curitiba:
Instituto Arquibrasil, 2011.
DUDEQUE, Irã J. T. Espirais de madeira: uma história da arquitetura
curitibana. São Paulo: Studio Nobel / FAPESP, 2001
GNOATO, S. Arquitetura do movimento moderno em Curitiba. Curitiba:
Travessa, 2009.
IMAGUIRE, K. JR. A Casa de Araucária: Arquitetura Paranista. Curitiba:
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MENDES, C; VERÍSSIMO, C; BITTAR, W. Arquitetura no Brasil: de Cabral a
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MONTANER, J. M .A. Modernidade superada. Arquitetura, arte e
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