A Arte de Falar da Morte Para Crianças

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Sumrio Dedicatria Agradecimentos 1 UM POUCO SOBRE MIM... Era uma vez... Como Surgiu a Ideia de Falar sobre a Morte com Crianas 2 VISITANDO ALGUNS AUTORES: O QUE ELES DIZEM SOBRE 1. A Morte 2. A Criana 3. A Escola 4. Literatura Infantil 5. Biblioterapia 3 BATENDO PORTA DAS ESCOLAS PARA FALAR SOBRE A MORTE 1. Apresentao da Pesquisa 2. Sobre os Livros 3. Sobre as Escolas 4. Sobre os Participantes 5. Sobre os Encontros 4 IN LOCO / ACHADOS 1. As Escolas 2. Os Livros Infantis 3. Temas Relevantes Levantados Durante os Encontros 4. A Criana e a Morte 5. Introduo do Tema da Morte no Contexto Escolar 6. A Educao para a Morte 7. O Educador e a Morte 8. Palavras-chave 9. Os Educadores Grandes Descobertas 5 MEU NOVO DESAFIO: ABRINDO NOVAS PORTAS 6 UM POUCO DE CADA UM... E viveram felizes para sempre (?) REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ANEXOS Luclia Elizabeth Paiva A arte de falar da morte para crianas A literatura infantil como recurso para abordar a morte com crianas e educadores Copyright 2011 Editora Ideias & Letras Todos os direitos reservados editora Edio Digital Aparecida-SP 2011 DIRETOR EDITORIAL Marcelo C. Arajo COORDENAO EDITORIAL Ana Lcia de Castro Leite COPIDESQUE Mnica Reis REVISO Bruna Marzullo DIAGRAMAO Juliano de Sousa Cervelin CAPA Alfredo Castillo ILUSTRAO DE MIOLO Juliana Paiva Zapparoli Giovanna Paiva ZapparoliPaiva, Luclia Elizabeth A arte de falar da morte para crianas: a literatura infant il como recurso para abordar a morte com crianas e educadores / Luclia Elizabeth Paiva. Aparecida, SP: Idias & Letras, 2011. Todos os direitos reservados Editora Idias & Letras 2011 Rua Pe. Claro Monteiro, 342 Centro 12570-000. Aparecida, SP. Tel. (12) 3104-2000 Fax (12) 3104-2036 Bibliografia. ISBN 978-85-7698-112-1 (eBook) 1. Biblioterapia 2. Crianas Desenvolvimento 3. Crianas Educao 4. Educao de crianas 5. Educao em relao morte 6. Literatura infantil Estudo e ensino 7. Luto Aspectos psicolgicos 8. Morte 9. Pedagogia 10. Professores Formao 11. Psicologia educacional 12. Psicologia infantil I. Ttulo. Palavras-chave: 1. Literatura infantil como recurso pedaggico: Educao de crianas: Ed ucao em relao morte: Psicologia escolar e desenvolvimento humano 370.158 www.ideiaseletras.com.br [email protected] Dedicatria minha querida e eterna av, madrinha de vida inteira, Maria do Carmo. A meu querido vov Manoel, com quem aprendi a falar da morte de uma forma suave, com quem compartilhei a vida e a morte. A meus queridos pais, Afonso e Anunciao, que me ampararam para que eu tivesse condies de trilhar meus caminhos. A minhas queridas filhas, Juliana e Giovanna, meus frutos, que lancei no mundo... minha eternidade! E queles que fazem parte da minha histria! Agradecimentos So muitas as pessoas que participaram da minha histria... Minha gratido, pois todos foram muito importantes, cada qual com sua passagem, contribuio, de maneira pessoa l e singular. Em especial, agradeo Prof. a Dr. a Maria Jlia Kovacs incentivar-me a ac reditar nos livros infantis e acompanhar-me nesse percurso; Prof. a Dr. a Maria Jlia Paes da Silva e Prof. a Dr.a Solange Aparecida Emlio, as crticas, as contribuies e o grande apoio; Prof. a D r. a Ana Laura Schielman e Prof. a Dr. a Nely A. Nucci as ricas reflexes e participao na Ban ca de Defesa do Doutorado. Vivo com minhas histrias, ora criana, ora mulher... ora triste, ora feliz... entre sonhos e espantos, mas vou vivendo cada canto, cada momento, muitas vezes tropeando na mor te que atravessa a vida, mas sempre com a esperana de poder compartilhar a vida que h na morte. Muito obrigada a todos que me fizeram pensar. Uma vida, uma morte: uma histria para contar!1 UM POUCO SOBRE MIM... Era uma vez... Muitas princesas entraram em meus sonhos e muitas bruxas me assustaram, mas Cind erela sempre me encantou com sua simplicidade e humildade, sonhando com a felicidade.. . Branca de Neve ensinou-me a valorizar a amizade... Bela Adormecida ensinou-me a acreditar no am or. Eu ficava muito aflita com o Lobo Mau, que sempre perseguia a Chapeuz inho Vermelho e os Trs Porquinhos, mas tive o privilgio de conhecer Rapunzel! Ah, Rapunzel! Com el a aprendi a arriscar-me, a jogar as tranas mesmo correndo riscos, apesar dos perigos... Fadas e bruxas sempre me acompanharam na vida, e as histrias fazem par te de minha vida desde minha meninice. Lembro-me de minha irm, seis anos mais velha que eu, muito estudiosa, lendo histrias da coleo O Mundo da Criana (1954) para mim. E eu... viajava em meus pensamentos e em min ha imaginao em cada histria que ela contava. Hoje, fico pensando na criana aprisionada em mim mesma, buscando uma m agia, encanto ou feitiaria que me fizesse destrancar minhas amarras. Nunca me esqueo da pacincia de minha irm (e de suas reclamaes) cada vez qu e eu pedia para contar-me a linda histria de Rapunzel, mais uma vez, como se fosse a p rimeira vez... Ela sempre me perguntava: Essa, de novo?. E eu sempre tentava convenc-la de que seria a ltima vez... Mas minha irm no foi a nica a coroar-me com histrias. Minha av materna, a minha eterna dona Maria do Carmo, apesar de analfabeta muito sbia! , sempre tinha uma hi stria para contar. Quando dormamos juntas, ela sempre me contava histrias de santos era muito catlica! ou episdios de sua vida. Cresci ouvindo suas histrias da lavoura, dos lobos que, a inda muito jovem, enfrentava quando guiava seu rebanho. Eu ficava boquiaberta ouvindo minha av, com aquele sotaque portugus que por vezes no me deixava entender alguma palavra, mas eu no a interromp ia. Eu ficava imaginando a coragem dela. Apesar de tmida, calada, tola, eu desejava um dia ser igualzinha minha av: uma mulher muito boa, cheia de vida e, por isso mesmo, cheia de histrias... Histrias encantad oras! E foi assim que eu aprendi a apreciar as histrias: contos maravilhosos e histrias de vida. Saboreava cada palavra, levando, para dentro de mim, a aventura da vida, em minha imaginao. Com isso, sempre valorizei as histrias. Acho que o fato de ouvir tantas histrias me in centivou a aprecilas e a cont-las. J bem crescidinha, durante um processo de psicoterapia pessoal (incio d a dcada de 1980), deparei-me com Soprinho (Almeida, 1971), que me soprou um desejo de adentrar a f loresta e descobrir os mistrios que nela existem. E, a partir de ento, eu percebi o quanto a histria infantil poderia ser vir como facilitadora para olhar os meus fantasmas. Apaixonei-me mais ainda pelos livros infantis e passei a olh-los com u ma curiosidade diferente: como passatempo e tambm como meio para fazer pensar, repensar, refleti r... Achei maravilhosa a experincia e, da em diante, sempre que considerava vivel, utilizava e sses livros como facilitadores (em processos teraputicos com meus pacientes, no consultrio e n o hospital). Passei tambm a us-los para abordar temas especficos com meus sobrinhos e filhas, po is a histria infantil faz parte do universo da criana, facilita sua compreenso. E assim acontec eu!Comecei a desempenhar meu papel de contadora de histrias com meu sobri nho, quando eu estava no final da faculdade. Aproveitava as histrias para falar de assuntos difce is com ele. Inclusive sobre a morte. Mas, naquela poca, eu nem imaginava que, um dia, eu estaria aqui, levando esse assunto para o mundo. Quando trabalhava no Pronto Socorro e nas Unidades de Terapia Intensi va do Instituto Central do Hospital das Clnicas/FMUSP (final da dcada de 1980), atendia a vrias cri anas, vtimas de trauma (acidentes, quedas, ferimentos por arma de fogo etc.). No era um PS inf antil e, por isso, as crianas acabavam se deparando com um ambiente ainda mais assustador. Eu oferecia livros a elas, contava-lhes histrias. Esse era, portanto, um instrumento que no s facilitava nossa relao, mas tambm possibilitava por meio das histrias falar de sua dores emocionais. Dessa maneira, acabava selecionando algumas histrias especficas que me auxiliavam em algumas ocasies. Foi a que me aproximei da coleo Estrias para Pequenos e Grandes, d Rubem Alves, descobrindo A operao de Lili. Utilizava muito esse livro para falar d as dificuldades de estar doente, internado e passar por procedimentos mdicos mais invasivos e dol orosos, como cirurgias. Fui percebendo que, em algumas ocasies, os livros de Rubem Alves cabia m para falar das dores com os adultos tambm. E foi assim! Caminhei pelas estradas das livrarias, no cantinho das crianas, princi palmente, e descobri tesouros! J com minhas filhas, Juliana e Giovanna, aprimorei-me. Elas sempre gos taram de ouvir minhas histrias, mesmo j crescidas. Era hbito, principalmente na hora de dormir, leralgumas histrias. Sempre foram estimuladas tambm com os vrios vdeos da Disney, que contavam as histrias clssicas. E, com as histrias de livros e de filmes, conversvamos muito sobr e sentimentos e dificuldades... a vida e a morte. Com elas, pude constatar que os livrinhos eram teis para enfrentar os diversos momentos da vida. Talvez eles tenham nos ajudado a enfrentar muitas de nossas dificuldade s. Minhas filhas colaboram muito para o meu trabalho, pois criaram o hbit o de ler (de tudo!) e me auxiliam encontrando histrias interessantes, tanto em livros como em filmes. So duas meninas encantadoras e muito sensveis! Claro, continuei utilizando as histrias tambm como puro passatempo, par a viajar com a imaginao. Surpreendo-me relembrando minha histria. Pois , mais uma vez constato a importncia das diversas histrias: histria de vida, histria vivida, histria inventada... histria pensada, no pensada, lembrada, relembrada... Enfim, qualquer tipo de histria que nos faa pensa r, imaginar, criar, sonhar. Certo dia, durante meu curso de Mestrado (no Hospital do Cncer), quand o tentava entender como o mdico lida com esta to instigante inimiga e traioeira, a morte, assistindo a uma aula da disciplina Psicologia da Morte, da Prof. Maria Jlia Kovcs, no Instituto de Psicolog ia da USP, tive a oportunidade de apresentar-lhe meus livros. Tantos livros infantis que falavam d e tudo: da vida e da morte, de perdas, diferenas, mudanas e sentimentos... Meus tesouros! Nessa oportunid ade, com grande entusiasmo, ela me incentivou a transformar seu uso na produo de conhecimen to. E foi assim que tudo comeou. E quero mostrar um pouco do que pude desc obrir com eles. Esses meus tesouros tm um brilho prprio, uma riqueza singular. E, por essa estrada afora, tentarei falar um pouco deste meu caminho. Um caminho que estranho, mais uma vez. Alis, eu, como Maria, personagem do livro A Corda Bamba ( Nunes, 1982), sempre resolvi espiar com muita curiosidade o que se passava em outros lugares e , assim, fui abrindo muitas portas estranhas e diferentes em minha vida. Portas de dentro e de fora, da frente e dos fundos. Sempre muito curiosa e at audaciosa. E mais uma vez sinto-me uma estrangeira em terra estranha, onde no se partilham a mesma cultura, os mesmos valores; onde no se fala a mesma lngua... Senti-me assim quando, no incio de minha vida profissional, aventureime no hospital geral: a casa do mdico! (Isso faz tempo. Na poca em que alguns poucos psiclogos tri lhavam esse mesmo caminho. E, hoje, depois de mais de 20 anos, temos a Psicologia Hospitalar como especialidade!)Lembro-me que, em 1988, ao ingressar por concurso pblico no Instituto Central do Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo, escolhi o Pronto Socorro e as UTI s para construir meu percurso profissional no contexto hospital ar. Comecei a descobrir nos pacientes e familiares/acompanhantes, o mater ial/ contedo que seria possvel desenvolver em termos de trabalho nesses espaos. No era e nunca foi u m trabalho fcil. Naquela poca, fui compreender melhor a rotina e os valores a partir da s obras de Foucault (1987, 1989). Existe uma histria, uma cultura por trs de tudo isso que vivenciamos e que assistimos no cotidiano hospitalar inclusive a forma como as relaes so estabelecidas. A partir de minha vivncia, enquanto participante desse contexto, comec ei a sentir certo incmodo ao me deparar com as crticas que se faziam aos profissionais mais diretame nte ligados aos pacientes, principalmente figura do mdico. Fala-se muito a respeito da frieza e i ndiferena do contexto hospitalar, nas relaes interpessoais, principalmente na relao que se estabe lece com o paciente. Chamo aqui de paciente no somente o paciente em si, mas seus familiare s, que tambm devem ser vistos assim, uma vez que esto passando por um processo de adoecimento, s que um adoecimento diferente, que se d pelo processo da perda real ou pela possibilidade de perda. Diante desse cenrio eu quis entender o porqu desse distanciamento, dess a indiferena na relao profissional-paciente. Podia entender claramente os mecanismos de defesa pre sentes nessa relao, mas isso no era o suficiente. Decidi, ento, tentar entender no Mestrado esses mecanismos advindos da necessidade de se defender do sofrimento vivenciado na relao mdico-paci ente. Durante o curso de Mestrado (Paiva, 2000), estudei os mdicos em sua re lao com pacientes com cncer avanado e em fase terminal. Procurei analisar, utilizando um q uestionrio e uma entrevista, as atitudes dos mdicos em relao doena, ao doente, famlia, morte e eu percurso durante sua formao acadmica e profissional. Observei que, apesar de todos os mdicos entrevistados trabalharem com pacientes com cncer avanado e em fase terminal, nem todos, na verdade, suportavam esse contato e relataram dificuldades pessoais e/ou limitaes p ara enfrentar tais situaes. Quanta dor e quanta morte encontrei em meus entrevistados. Que dificu ldade e quanto sofrimento vivenciado nessa relao! Pensei muito na formao do mdico e em seu despreparo para trabalhar com a vida e a morte, nas situaes que mobilizam tantos sentimentos, como a impotncia, por exemplo. Foi pensando na formao do mdico e, depois, ampliando esse questionamento para aformao de todos os profissionais de sade que se deparam com as vrias mortes em seu c otidiano que passei a me questionar como ns, de modo geral, lidamos com essa questo. Os profissionais so treinados/ preparados para curar e salvar curar a dor fsica de quem sofre , mas no so preparados para lidar com angstias, dores e sofrimentos emocionais advindos do sofrimento fsico. Essa relao de troca existe no prprio contato humano e, por mais que se t ente fugir dela, ela existe por si e em si. A partir dessa compreenso, fiquei imaginando quanto os profissionais d e sade so mal preparados para lidar com essas mortes, com todo esse sofrimento e essa dor e bu scam, em sua profisso, encontrar uma poo mgica. No a encontram! Apenas enfrentam mais sofrimento, muitas vezes, sentindo-se fracassados. Um sofrimento solitrio, engolido, calado, sufocado, no compartilhado... Pensei, ento, se estavam conscientes da escolha profissional que fizer am, se tinham conscincia do que iriam encontrar e com o que lidariam ao longo da trajetria e vid a profissional, e em muitos momentos pareceu-me que no! Diante disso, deduzi que a problemtica seria anterior. Acredito que a necessidade maior esteja em lidar com essas questes (dores, morte e sofrimento) ao longo da vida, p ara uma escolha profissional mais madura e mais consciente. E no s nisso, mas tambm nas nossas outr as escolhas, ao longo da vida. Pensar a morte repensar a vida! Acredito que isso sugira uma possvel mudana de cultura. Conclu, portanto, que a melhor forma de se encarar o sofrimento, a vid a e a morte, poder falar das angstias que acompanham essas questes, olh-las de frente, desvend-las e re vel-las. Mas como fazer isso, se falar desses temas proibido? Ilustrarei esse desafio com uma passagem interessante atravs do olhar de uma menina de 12 anos em relao a um livro infantil. Certa noite, em 2004, estvamos minhas filhas Juliana e Giovanna, com 1 2 e 9 anos na poca, respectivamente e eu numa grande livraria de So Paulo. Enquanto procurava al guns livros que precisava comprar, minhas filhas saboreavam alguns livros no cantinho da cria na. De repente, Juliana apareceu com um livro indito. Disse-me entusiasmad a: Mame, mame, esse livro deve te interessar... ele fala de morte!. O livro era Sadako e os Mil Pssaros de Papel (Coerr, 2004). Ela quis que eu o comprasse e o leu rapidamente, achando-o muito bonito, embora triste. A menina, personagem central, morre no final da histria. O livro baseia-se na histria verdica de Sadako, uma menina vigorosa e a tltica, nascida em Hiroshima, que contraiu leucemia, decorrente dos efeitos tardios da radiao da bomb a atmica. Aborda o diagnstico, o tratamento e a morte da menina, assim como o envolvimentode familiares e amigos durante o tratamento e aps sua morte. Com muita sensibilidade, essa histria nos traz a lenda japonesa dos pssaros de papel (tsuru), que diz que, se uma pessoa doente dobrar m il pssaros, os deuses lhe concedero a graa de ter seu desejo atendido e a tornaro saudvel novamente . O livro descreve como a menina enfrentou sua doena e tratamento at sua morte e como seus f amiliares e amigos fecharam um ciclo na elaborao do luto. Foi muito interessante o comentrio que Juliana fez ao pedir o livro em prestado para lev-lo escola e sugeri-lo aos professores. Pensou que seria um livro interessante a ser adotado pela escola, pois podia abranger vrias disciplinas (para alunos da 6 srie): Portugus/Literatura pela prpria prtica da leitura e interpretao. Histria por abordar a questo da Segunda Guerra Mundial e da bomba atmica lanada em Hiroshima, no Japo. Cincias por falar sobre leucemia (um tipo de cncer surgido, neste caso, como efeito da bomba atmica), seus sintomas, tratamento, possibilidades de cura. Filosofia pela reflexo que poderia ser feita sobre a vida e a morte, a morte de uma adolescente, a participao da famlia e dos amigos no enfrentamento e no processo de doena e morte, assim como no ps-morte. Artes pela possibilidade de se reproduzir o pssaro de papel em Origami . Enfim... essa foi a articulao espontnea de Juliana na poca. Entusiasmada, levou o livro escola e o apresentou professora de Portu gus/ Literatura. Depois de alguns dias, Juliana veio bastante desapontada com a respos ta de sua professora. Eis seu relato: A professora disse que o livro bom, bonito, mas que no poderia ser adotado, pois era muito triste. A menina morre no final. Juliana questionou-me por que as pessoas no falam das coisas que incom odam... Por que no se fala das coisas tristes, se elas existem? Ser que se falssemos dessas coisas no seria mais fcil enfrent-las, pensar em solues?. Conversamos a respeito disso, mas fiquei sem uma resposta exata para dar minha filha, uma vez que esse o panorama que encontro em meu cotidiano profissional. Esses so tambm os meus questionamentos como psicloga. Por isso, estou aqui, tecendo reflexes, estuda ndo, buscando respostas ou refletindo sobre minhas inquietaes... Mais uma vez deparei-me com a ideia de calar e ocultar o feio e o tri ste... Fazer de conta que isso no existe... Mais uma vez o fazer de conta... Logo, deduz-se que mais fci l engolir os medos e nos colocarmos debaixo das cobertas, cobrindo-nos at a cabea, deixando ape nas uma frestinha por onde espionar a invaso das bruxas... Pois bem, esse pode ser um exemplo do quanto as pessoas esto distancia das daquilo que, de to perto, nos aflige. Pergunto-me ento: Ser que as pessoas esto dispostas a encontrar caminhospara sua falta de preparo para discutir temas que consideram difceis de serem abordados com cria nas e jovens (temas esses to complexos que nos assustam ao invadirem nosso cotidiano)? De que adianta dizer que no fomos preparados para essa tarefa? Ser que, realmente, existe a disponibili dade para esse possvel preparo? Ao longo de 15 anos, deparei-me com esse questionamento enquanto perc orria os corredores dos hospitais, assistindo ao sofrimento de pessoas e ao sofrimento dos profissio nais que cuidavam desses doentes. Embora o sofrimento s se evidencie no discurso do doente afinal ao mdic o no sobra tempo para sofrer , nas entrevistas que realizei com mdicos que lidam com a morte ou sua possibilidade em seu cotidiano profissional, ficou muito claro o quanto eles acu mulam de sofrimento e justificam que se tornaram frios e distantes (como so acusados) pela f alta de preparo para lidar com doentes em situaes nas quais a morte uma possibilidade quase sempre certa (Paiva, 2000). Atualmente, j se pensa em maneiras de preparar o profissional de sade a o longo de sua formao acadmica. No entanto, ressalto que tal preparo deve acontecer ao longo da vi da inteira, uma vez que as vrias mortes fazem parte de nossa existncia enquanto seres humanos (jus tamente para que seja preservado o humano). Por isso, entro neste estudo, que busca alternativas ao preparo dos c uidadores, para que possam acolher os questionamentos advindos de seres humanos de todas as idades, inclusive de nossos pequenos, nos vrios contextos de suas vidas. Acredito que, ao se adentrar o universo infantil com abertura para es se acolhimento, poderemos repensar aspectos pertinentes morte, perdas e luto, tecendo reflexes, p artilhando experincias e sentimentos nesse exerccio de convivncia. Para isso, elegi a literatura infantil como meio de intermediar essas reflexes e compartilhamento de opinies, sentimentos e emoes. Acredito que a literatura infantil mobilize tambm vrias emoes de nossas c rianas internas, trazendo tona bruxas e fadas que habitam nosso interior. Fadas e bruxas trazem-nos, cada qual com seu potencial, encantos e fe itios que podem transformar-nos e ajudar-nos a encontrar respostas (nem sempre to mgicas) para enf rentarmos nosso universo ameaador. Contar contos de fadas, histrias de vida... de vida e de morte... Enc ontrar sempre nelas o final feliz, nem que seja a felicidade de encontrar a dor doce da saudade!1 Como Surgiu a Ideia de Falar sobre a Morte com Crianas No passado, de acordo com o livro A Histria da Morte no Ocidente (Aris, 1977), a morte era um evento pblico e social, ou seja, fazia parte da vida de todos, inclusive contava com a participao de crianas nesse evento. Atualmente, a morte colocada do lado de fora da vida, entretanto, ela est muito prxima. Basta nos depararmos com a violncia que encontramos nas metrpoles, envolvendo assa ltos, sequestros, acidentes e o anonimato. Observamos tambm o medo aterrorizador das gu erras e dos ataques terroristas em outros pases divulgados diariamente pelos meios de comunic ao. Se olharmos com ateno a questo da sade, notaremos mudanas que ocorreram com os avanos da Medicina. Hoje, os idosos tm uma sobrevida maior; os pacientes acometido s por algum tipo de doena crnica, como o cncer, por exemplo, tm uma chance de cura e/ou de viver por mais tempo. Alm disso, indivduos soropositivos para o HIV , que antes eram vistos como condenados, hoje passam a ter uma vida muito mais prxima do normal, por um tempo considervel, inclusive com chances de constituir famlia. Por outro lado, temos como consequncia muitos jovens e crianas que j perd eram algum parente prximo ou at mesmo os pais vtimas do cncer ou da AI DS. Perguntamo-nos: Como a morte trabalhada com essas crianas e com esses jovens? No caso da AI DS, h muitas crianas e jovens cujos pais so soropositivos, e em muitos casos eles prprios so soropositivos para a doena e tm que viver com essa condio, embor a ainda no estejam preparados para enfrent-la. Muitas crianas e jovens vivem e convivem com a doena, tendo sempre a morte como uma possibilidade muito presente, alm de terem que lida r com o luto de pais, amigos e parentes nessas condies. Penso nas crianas que sofrem o estigma de conviver com essa tarja preta d a orfandade da AI DS. Como constroem seu percurso e como lidam com a perda do(s) pai(s) por cau sa de uma doena que, socialmente, vista como resultado de uma vida promscua? Comecei a refletir sobre a formao do indivduo e, ento, a percorrer a segui nte linha de pensamento: seria interessante que as vrias mortes com as quais a criana se depara em seu dia a dia pudessem ser trabalhadas, para que ela fosse preparada desde cedo a enfrentar es se tema. Nesse contexto, o termo morte adquire um conceito bem mais amplo, abrangendo no s a mort e fsica como tambm as mortes simblicas, envolvendo perdas, dores e frustraes. Ao longo da infncia, a criana, muitas vezes, se depara no s com a morte de seu bichinho de estimao ou de uma pessoa importante, mas tambm com a separao dos pais (morte de um a famlia constituda), a dor da diferena (sofrimento decorrente do fato de ser diferen te) ou a impossibilidade de conseguir algo. Tais frustraes, dores, perdas e mortes provocam sofrimento e dores psquicas e, algumas vezes, levam a mudanas e reformulaes na vida da criana. Portanto, parto da premissa de que, com adultos que saibam compreender essas vriasmortes, provavelmente a criana estaria mais bem preparada para enfrentar perdas. Alm disso, poderia elaborar o processo de luto com mais facilidade e, provavelmente, tambm c onseguiria se relacionar melhor com as situaes inevitveis, sendo capaz de encarar a morte como al go que faz parte do processo do viver. Ao longo de meu percurso profissional, como psicloga hospitalar, sempr e me chamaram a ateno a questo da onipotncia mdica e a postura fria e distante que os mdicos adotam pa ra lidar com seus pacientes, mostrando-se muitas vezes apressados, sem tempo, com uma lin guagem prpria, s vezes no compreendida. No Mestrado, ao estudar como acontece a relao do mdico com situaes de mort e, constatei o sentimento de impotncia diante de um prognstico da impossibilidade de cura e a frustrao que esse paciente poderia representar para o mdico. De modo geral, esses p rofissionais demonstraram dificuldades emocionais para lidar com a finitude e com os limites da Medicina, reclamaram de uma formao acadmica voltada para a cura e o despreparo para lidar com uma gama de sentimentos e aspectos psicolgicos que esto presentes na situao de no cura (Paiva, 2000). A partir dessas constataes, em relao aos mdicos e a outros profissionais d e sade, comecei a me questionar sobre o preparo dos profissionais da rea da educao para lid ar com situaes de morte, perdas e luto, uma vez que, culturalmente, pensa-se que a morte no faz parte do contexto da educao. Durante o processo de seleo para o Doutorado, fui questionada sobre meu projeto, tendo como argumento a questo de que os profissionais da rea de educao no esto voltados para a problemtica da morte nem so preparados para lidar com o tema. Ouvi que a escola no um espao no qual se queira saber de conflitos dessa ordem. Tive a impresso de que meu proj eto no era bemvindo, embora tivesse sido aprovado, e de que seria melhor pesquisar questes mais pertinentes educao e que pudessem trazer resultados mais significativos e proveitosos. No me atre vi a discutir tal questionamento, decidi defender meu projeto. A morte faz parte do cotidiano de todos ns, inclusive de nossas crianas . Cabe aqui lembrar que, atualmente, a morte invade nossa vida repentinamente, sem nos pedir licena, sem aviso prvio, sem controle, sem formas de proteo e faz parte de nossa vida pessoal. a morte escan carada (Kovcs, 2003). Isso vivenciado por todos e cada um de ns nas ruas violncia, homicdio s, acidentes etc. , nos meios de comunicao jornais, rdios etc. e dentro de nossas casas nos noticirios da TV , nas cenas de violncia fsica e social, nas cenas de acidentes, ho micdios, guerras, atentados. E esses eventos no tm horrio certo para acontecer e/ou serem exibidos, em qualquer hora do dia ou da noite, para qualquer um, de qualquer idade. A morte invade nossos l ares, e no h reflexo a respeito. Desse modo, corremos o risco de sermos impregnados pela dor e pelo sofrimento, dando a impresso de que isso natural e faz parte da vida. Podemos encarar essa si tuao como uma banalizao da morte. E, assim, continuamos a jornada, sem falar sobre a morte, sem elaborar o tema. Parece que somos obrigados a engolir a morte sem digeri-la. A morte est presente, inclusive, nos desenhos animados dos quais as cr ianas tanto gostam. A ideia mgica da imortalidade aparece quando, por exemplo, o Pica-Pau atropelado por um trem, fica completamente estendido no cho como folha de papel e, em questo de instantes, toma sua forma original e sai por a aprontando das suas... Ou nas aventuras de Tom e Jerry , ao e xplodir uma bomba na boca do Tom, Jerry fica totalmente chamuscado e logo se recupera para n ovas investidas contra seu rival... Ou os dolos de filmes, como o James Bond ou Indiana Jones, qu e passam por tantas aventuras, enfrentando situaes de perigo inusitadas e saem ilesos, ainda fazendo a mor com lindas mulheres. A est a ideia de imortalidade. Atualmente, com os joguinhos eletrnicos, a criana enfrenta situaes e/ou b atalhas nas quais consegue driblar a morte. Ganha bnus por suas brilhantes estratgias para com bater seus inimigos e recompensada, ao passar de nvel, adquirindo vidas extras. Por um lado, vemos a banalizao da morte e, por outro, a imortalidade. A ssim fica fcil continuar negando a morte e viver a vida fazendo de conta que ela est longe de ns, que s acontece com os outros. Diante do cenrio no qual vivemos, assistindo a tantas mortes a cada d ia, em todo e qualquer lugar, esta deixa de ser uma questo isolada e individual e passa a ser c oletiva, para adultos, velhos, jovens e crianas. No resta dvida de que todos ns nos sentimos vulnerveis. No posso deixar de mencionar aqui o quanto o mundo ficou sensibilizad o quando, dia aps dia, foram veiculadas nos jornais, rdios e canais de televiso a notcia e cenas da m orte do grande dolo brasileiro da Frmula 1, Airton Senna, falecido em 1994. Ele era dolo de homens , mulheres, jovens, velhos e crianas. Morava no corao de cada um de ns. Esse dolo no era imortal. Ele morreu. Para ns, restaram as lembranas. Entre muitas outras notcias veiculadas pelos meios de comunicao esto o f amoso e fatdico 11 de setembro em 2001, que chocou o mundo e o deixou mais vulnervel, e, m ais recentemente (em 2006 e 2007), acidentes areos que deixaram muitas famlias desestr uturadas em seu sofrimento inesperado. O inesperado torna-se ento presente: cenas de destruio, morte, perdas, dor, sofrimento e desespero so vistas por todos, inclusive pelas crianas. A indignao surgiu em vrios ambientes: nas casas, no trabalho, nas escolas... Todos querem entender o porqu da necessidade de guerras e conflitos armados. Todos quer em saber sobre as falhas que provocaram os desastres areos. De quem a culpa pela morte de tantos inocentes. Todos querem falar sobre isso, pois a possibilidade de morrer tornou-se presente . Pois bem, mais uma vez questiono: Qual o espao da morte em nossa vida ? Existe um espao especfico para a morte? Quem o responsvel para trabalhar com a morte? Existe algum preparo para enfrent-la? Particularmente, acredito que a morte est na vida, em todos os lugare s, a qualquer momento, enquanto realidade ou possibilidade, ou lembrana, ou manifestao de perdas, ou ausncia, ou... ou... ou.. Enfatizo a importncia de se dar voz queles que perdem. Enfatizo a nece ssidade da escuta e do acolhimento a todos os possveis sentimentos e manifestaes relacionados s vrias mor tes. Corr, Doka e Kastenbaum (1999) valorizam a escuta ativa e a ateno espe cial como formas de acolhimento, facilitadoras no enfrentamento da morte. No entanto, reforam que o enfrentamento individual, variando de pessoa para pessoa. Por isso, um assunto que implica esf oros individuais e sociais para superar perdas e desafios arrostados durante o processo de morte. Priszkulnik (1992) afirma: A criana est disposta a saber a verdade sobr e a morte, tanto que indaga sobre ela de vrias maneiras. Muitas vezes, o adulto que teme falar sob re o assunto (p. 496). Ricardo Azevedo (2003) diz que: falar sobre a morte com crianas no significa entrar em altas especulaes ideolgi cas, abstratas e metafsicas nem em detalhes assustadores e macabros. Refiro-me a simplesmente colocar o assunto em pauta. Que ele esteja presen te, atravs de textos e imagens, simbolicamente, na vida da criana. Que no seja mais ignorado. Isso nada tem a ver com depresso, morbidez ou falta de esperana. Ao contrrio, a morte pode ser vista, e isso o que ela , como uma referncia concreta e fundamental para a construo do significado da vida (p. 58). Kovcs (2003) afirma que a morte tema para ser discutido na escola com jovens e crianas, uma vez que vivem grande parte de suas vidas nesse espao. Essa discusso po de envolver o psiclogo escolar, alm dos profissionais da rea de educao. Para isso, porm, necessrio e exista um preparo, o que certamente no foi assunto priorizado em sua formao acadmica . De que forma, ento, isso deveria ou poderia acontecer? Com este estudo espero propor uma possibilidade de se trabalhar melho r com os educadores, que tero que dar conta das vrias mortes com as quais a criana tem conta to, para que ela consiga elaborar melhor e de forma mais saudvel seus lutos. Para isso, introduzo uma reflexo a respeito da morte enquanto fato em si, concentro a ateno na observao da criana e dos profissionais da educao frente morte e discuto a viabilidade de uma seleo/estudo de literatura infantil relacionada ao tema morte. Dividirei os temas em captulos para melhor explorar os vrios tpicos relaci onados ao tema proposto: Morte Criana Escola Literatura Infantil Biblioterapia 2 VISITANDO ALGUNS AUTORES: O QUE ELES DIZEM SOBRE 1. A Morte Ser este um assunto realmente necessrio? Afinal, por que e para que falar de um tema que pode ser to triste, que traz e no s remete a tanto sofrimento? Por ter em si tanta dor, angstia e ansiedade, a morte um tema t emido e negado. Sem sombra de dvidas, um assunto difcil, que amedronta a todos ns (pais, educadores, profissionais da sade, velhos, jovens, crianas...), pois envolve no s aspectos delic ados de nossas fragilidades, mas tambm a ignorncia de como lidar com o fim da existncia, alm de evi denciar a incapacidade de controlar os acontecimentos dessa existncia e intensificar o sent imento de insegurana e vulnerabilidade que nos assola diante do desconhecido. At mesmo pelo fato de ser desconhecido e de no sabermos qual seu fim, a morte tambm um assunto atraente, fascinante e complexo, que gera curiosidade apesar do desconforto. Atrai e assusta. Agua a curiosidade e faz sofrer. Como bem diz Elias (2001), no a morte, mas o conhecimento da morte que cria problemas para os seres humanos (p. 11). A morte, bem sabemos, faz parte de nossas vidas, mas dela no queremos saber, a no ser sab-la bem longe de ns. Entretanto, ela salta aos olhos diariamente, nas notcias do s jornais, divulgando informaes e conscientizando-nos de nossa condio humana. Ao mesmo tempo qu e invade de maneira escancarada nossas vidas, sem pedir licena, interdita, pois no s e quer falar dela ou pensar nela... Nota-se, assim, a conspirao do silncio. Diante disso, questiono: Por que no falar da morte, se uma realidade q ue vivemos ao longo de nossas existncias? Ao neg-la to veementemente corremos o risco de banaliz-l a, tornando-a indiferente a ns, to presente e to ocultada. Segundo Savater (2001), a morte continua sendo o que h de mais desconh ecido. Embora se saiba quando algum est morto, ignora-se o que seja morrer. No se fala sobre morte entre os grandes, imagine pensar em falar sobre a morte com os pequenos. No que curiosidade e dvidas sobre a morte no existam nas crianas, elas esto presentes, sim. Mas a morte faz parte do rol de assuntos proibidos para crianas.Ironicamente, at alguns anos atrs, evitava-se falar sobre sexo ou como nasciam os bebs com as crianas, e hoje no se fala sobre a morte. Atualmente, a morte passou a ser tema proibido. Desapareceu de nossa vista, mas no de nossas vidas, embora, muito frequentemente, fique confinada ao ambiente assptico dos hospitais (Horta,1982; Kovcs, 1992, 2003; Maranho, 1987). Maranho (1987) diz: se oculta sistematicamente das crianas a morte e os mortos, guardando silncio dian te de suas interrogaes, da mesma maneira que se fazia antes quando perguntavam como que os bebs vinham ao mu ndo. Antigamente se dizia s crianas que elas tinham sido trazidas pelas cegonhas ou mesmo que elas hav iam nascido num p de couve, mas elas assistiam ao p da cama dos moribundos s solenes cenas de despedida s (p. 10). Horta (1982) afirma: a morte no uma doena. O nascimento e a morte fazem parte da vida princpio e fim. Em bora sejamos sempre levados a atribuir causas morte e, certamente, ela as tm, no podemos fugir a seu a bsolutismo, realidade de que a morte a condio de vida. O morrer pode, assim, assumir vrias formas de acordo com a histria do indivduo; contudo, o fenmeno da morte abarcar sempre profundas implicaes psicolgicas q ue nada tm a ver com a doena propriamente dita (p. 359). Qual a razo, ento, de excluirmos a criana dessa realidade, da qual ela fa z parte? Qual a razo de negarmos um espao para que ela possa apreender a morte e perceber que faz parte da vida? Por que falar da morte? Ouve-se muito que a nica certeza que temos, se estamos vivos, que um d ia iremos morrer... que a morte inevitvel... Maranho (1987) nos diz que a morte revela o carter absurdo da existncia h umana, j que interrompe radical e violentamente todo o projeto existencial, toda a liberdade pessoal, todo o significado da vida (p. 71). Savater (2001) afirma que a certeza pessoal da morte nos humaniza, ou seja, nos transforma em verdadeiros humanos, em mortais (p. 51). Podemos dizer, e nto, que a conscientizao de nossa finitude, de nossa condio humana, de nossa singularidade como mortais que nos abre a possibilidade de pensarmos em humanizao. Como refere Torres (1999): um homem humano porque mortal, e saber que mortal que o torna humano (p. 17). Se a morte faz parte da vida e se to corriqueira, por que somos tomado s por tanto medo? Poder falar, escutar, expor dificuldades e medos, trocar opinies pode ser til para se pensar e refletir sobre esse tema to temido. Compartilho da ideia de Kovcs (2003) que, se houver um espao de acolhimento, no qual as pessoas sintam segurana para expor opinies, ouvir, refletir, esse pode ser potencialmente gerador de transformaes e ressignificaes da vida... um espao potencialmente humanizador. Por essa razo, acredito que o tema morte deva ser valorizado e repensado no s no mbito da sade, mas tambm no da educao. O espao da morte A cada dia podemos dizer que somos sobreviventes da violncia e tambm da morte. Dela fugimos, com a certeza de que um dia vamos encontr-la. Azevedo (2003) atribui a violncia de nossos dias (o individualismo, a injustia social, o consumismo e o uso da violncia como recurso comercial de comunicao de massa) a um p rocesso de alienao e ocultao da morte. A morte, alm do mistrio, traz consigo a individualidade, a solido e o se ntimento de impotncia, no sentido de que uma experincia nica, individual, singular, da qual no t emos como fugir. possvel vencer a morte? Como? Benjamin (1987) afirma: nos ltimos sculos, pode-se observar que a ideia da morte vem perdendo, na conscincia coletiva, sua onipresena e sua fora de evocao (p. 207). Durant e o sculo XIX, a sociedade burguesa, com hospitais e sanatrios, viveu em espaos depurados de qualquer morte, permitindo aos homens que fossem poupados desse espetculo, o que antes era um episdio pblico na vida do indivduo. Hoje, a morte cada vez mais expulsa do universo dos viv os (p. 207). Philippe Aris (1977), em seus estudos sobre o homem e a morte, mencion a que a morte era um tema mais frequente nas conversas na Idade Mdia do que hoje, alm de ser mais pr esente, mais familiar e menos oculta. No que por isso fosse mais pacfica. Na poca medieval, os homens que morriam nas guerras ou por doenas conhe ciam a trajetria de sua morte. Ela era esperada no leito, numa espcie de cerimnia pblica or ganizada pelo prprio moribundo. Todos participavam do evento, inclusive as crianas. Os rituais d e morte eram cumpridos com manifestaes de tristeza e dor. O maior temor, na poca, era morrer rep entina e anonimamente, sem as homenagens cabveis. Havia uma atitude familiar e prxima com a morte, por isso chamada por ries de morte domada. A partir do sculo XX, houve uma profunda mudana na forma de lidar com a morte, que foi transferida para os hospitais e passou a ocorrer de forma mais solitria. Passou a ser encarada como fracasso, impotncia ou impercia. Deixou de ser um fenmeno natural (Aris, 1977; Elias , 2001; Kovcs, 1992, 2003). O sculo XX traz a morte que se esconde, a morte vergonhosa [...] A morte no p ertence mais pessoa, tirase sua responsabilidade e depois sua conscincia. A sociedade atual expulsou a mor te para proteger a vida. No h mais sinais de que uma morte ocorreu. O grande valor do sculo atual o de dar a i mpresso de que nada mudou, a morte no deve ser percebida. A boa morte atual a que era mais temida na A ntiguidade, a morte repentina, no percebida (Kovcs, 1992, p. 38). Hoje as coisas so diferentes. Nunca antes na histria da humanidade foram os moribundos afastados de maneira to assptica para os bastidores da vida social; nunca antes os cadveres huma nos foram enviados de maneira to inodora e com tal perfeio tcnica do leito de morte sepultura (Elias, 2001 , p. 30-31). No sculo XX h supresso do luto, escondendo-se a manifestao ou at mesmo a vivncia da dor [...] a sociedade no suporta enfrentar os sinais da morte (Kovcs, 199 2, p. 39). Creio ser importante repensar a morte na formao do indivduo. Refletindo s obre o fato de que a morte faz parte da vida, necessrio preparar o ser humano para a morte desde sua infncia. Entretanto, o que mais percebemos em nossa sociedade que no se fala de morte com as crianas. Para alguns, pode parecer um tanto mrbido ou mesmo cruel, mas no consigo imaginar um trabalho sobre a morte sem a elaborao da vida que nela se encerra. Para isso, necessrio que se pense na morte e que se fale sobre ela. Dessa forma, acredito ser possvel preparar o indivd uo para que viva a vida em sua plenitude e, assim, talvez, no sinta tanta necessidade de fugir da mo rte. Isso implica uma mudana de mentalidade. necessrio pensar qual o lugar qu e a morte ocupa na existncia humana, na sociedade atual. A morte tambm faz parte do universo infantil Atualmente, a criana no participa do processo de morte e seus rituais. A meu ver, subestima-se a criana alegando-se proteg-la. Para que a criana no sofra, ns a impedim os de olhar para a realidade da vida e suas perdas. Os ganhos so valorizados, e as perdas, mu itas vezes, negadas. E, por causa disso, reforamos a dificuldade de lidar com as vrias perdas vivenciad as ao longo da vida, com os valores mais diversos: o brinquedo quebrado, o animal de estimao que morre, o amiguinho que se mudou, a morte de algum... preciso lembrar que no podemos quantif icar a dor, pois individual, singular e subjetiva. Nunes, Carraro, Jou e Sperb (1998) afirmam que quem lida com crianas d everia ter uma preocupao em como falar de morte com elas. Mas o adulto, em geral, adota uma atitu de de negar a explicao sobre a morte e, muitas vezes, tenta afast-la magicamente, procurando mini mizar o significado que a morte pode ter como fora ativa no desenvolvimento cognitivo, em ocional e social da criana, o que acaba prejudicando seu desenvolvimento. Sobre isso, Elias (2001) fala: Nada mais caracterstico da atitude atual em relao morte que a relutncia dos ad ultos diante da familiarizao das crianas com os fatos da morte. Isso particularmente digno de nota como sintoma de seu recalcamento nos planos individual e social. Uma vaga sensao de que as crianas pode m ser prejudicadas leva a se ocultar delas os simples fatos da vida que tero que vir a conhecer e compreend er. Mas o perigo para as crianas no est em que saibam da finitude de cada vida humana, inclusive de seu pai, sua me e da prpria vida;de qualquer maneira as fantasias infantis giram em torno desse problema, e o med o e a angstia que o cercam so muitas vezes reforados pelo poder intenso de sua imaginao. A conscincia de que norma lmente tero uma longa vida pela frente pode ser, em contraste com suas perturbadoras fantasias, realmente benfica. A dificuldade est em como se fala s crianas sobre a morte, e no no que lhes dito. Os adultos que e vitam falar a seus filhos sobre a morte sentem, talvez no sem razo, que podem transmitir a eles suas prprias angstias. [...] As reaes dos filhos dependem da idade e da estrutura da personalidade, mas o efeito profundamente traumtico que tal experincia pode ter neles me faz acreditar que seria salutar par a as crianas que tivessem familiaridade com o simples fato da morte, a finitude de suas prprias vidas e a d e todos os demais. Sem dvida, a averso dos adultos de hoje em transmitir s crianas os fatos biolgicos da morte uma p eculiaridade do padro dominante da civilizao nesse estgio. Antigamente, as crianas tambm estavam presentes quando as pessoas morriam. Onde quase tudo acontece diante dos olhos dos outros, a morte tambm tem lugar diante das crianas (p. 25-26). Os adultos costumam dizer que morte no assunto para crianas, porque tri ste, como desculpa de que querem proteg-las. Mas, na verdade, ns no sabemos como abordar esse tema com as crianas. Para nos protegermos de nossa prpria ignorncia e por recear as possveis reaes das crianas, preferimos evitar o assunto, fazendo de conta que a morte no faz parte do universo infantil. A morte a nica situao que no temos como evitar em nossas vidas, um dia ac ontecer fatalmente. Portanto, no falar sobre o assunto, ou seja, proteger a criana, poder dif icultar seu entendimento sobre o ciclo da vida. Aberastury (1984) explica que as crianas expressam seu temor morte, na maior parte das vezes, atravs da linguagem no verbal. A incompreenso dessa linguagem por parte dos adultos e a falta de respostas s perguntas feitas pelas crianas provocam dor e solido. Muitas v ezes, o adulto mente para a criana por acreditar que a est protegendo do sofrimento ou por pensar que a criana seja incapaz de compreender uma explicao verbal sobre o que est ocorrendo. Muitas vezes, diante desse cenrio de desentendimento, o adulto tambm no co nsegue captar as angstias da criana que podem se manifestar por meio de sintomas ou dific uldades de conduta. Falar dessa morte no criar a dor nem aument-la; ao contrrio, a verdade alivia a criana e ajuda a elaborar a perda. H verdades muito difceis de aceitar para o adulto; por isso, ao mentir est delegando esta parte infantil na criana. Se os adultos mentem ou ocultam a verdade criana, esta deixa d e acreditar neles e pode no voltar a perguntar, circunstncia que poderia acarretar consigo uma inibio do impuls o epistemolgico. A criana sente uma terrvel confuso e um desolado sentimento de desesperana, criado porque j no tem a quem recorrer. Quando o adulto se nega a esclarecer verbalmente a morte, atravanca-se o p rimeiro momento de elaborao do luto, que a aceitao de que algum desapareceu para sempre. Verses como a do cu incr ementam o anelo de seguir o destino do objeto perdido, entravando no s a elaborao do luto, mas todo o processo de conhecimento. Crianas percebem fatos que o adulto lhes oculta. Isso ocorre com crianas mui to pequenas e com crianas maiores. Muitas vezes o adulto no percebe porque a criana nem sempre o expressa at ravs de palavras. Em troca, recorre linguagem mmica ou no verbal porque no dispe ainda de outra. Entretan to, os maiores, que em sua atividade cotidiana falam fluentemente, tambm apelam, s vezes, para jogos, desenhos ou mmica para expressar fantasias dolorosas (Aberastury, 1984, p. 129). Abramovich (1999) afirma: Tantas espcies de vida, tantas possibilidades de morte... fundamental disc utir com a criana, de modo verdadeiro, honesto, aberto, como isso acontece e como poderia no acontecer... Co mpreender a morte como um fechamento natural de um ciclo, que no exclui dor, sofrimento, saudade, sentiment o de perda... E tambm discutir a morte provocada de modo irresponsvel, leviano, segundo a lei do mais f orte, profundamente injusta, de civilizaes, de culturas, de crenas, de bichos, plantas, pessoas... De tudo e todos que fazem parte do mundo e que deixam de fazer por razes no humanas, no solidrias, nem progressistas (p. 113-11 4).Afinal, a morte faz parte da existncia humana e, a cada dia, ns nos depa ramos com essa possibilidade. 2. A Criana A criana e a experincia com a morte A criana criativa, imaginativa e tem uma curiosidade natural que a faz descobrir o mundo, a vida e seus mistrios. Para tudo busca um porqu, no havendo diferena em relao morte. Dessa forma, conforme cresce, ela adquire novos conhecimentos e aprende a travs da explorao de seu mundo. Desde cedo a criana vivencia situaes que lhe permitem criar uma noo da mor te. Percebe as coisas a sua volta, mas muitas vezes se sente confusa em suas percepes. Portanto, evitar a questo da morte com a criana negar uma realidade. Isso pode ser muito prejudicia l, uma vez que deixa a criana confusa, por no ter com quem confirmar suas percepes (Kovcs, 1992). Kastenbaum e Aisenberg (1983) citam que, de acordo com vrios psiclogos do desenvolvimento, a criana at os dois anos no tem nenhuma compreenso da morte devido a sua incapacidade de apreenso de qualquer concepo abstrata. Entretanto, sugerem que h mui tos modos pelos quais a mente, nos primeiros anos de vida, entra em contato com a morte. A firmam que crianas muito pequenas j podem ficar impressionadas ao se verem expostas morte. Embora se ja possvelainda no possuir condies cognitivas para entender a morte, as percepes relativas mesm a podem produzir forte e duradouro impacto sobre elas. Torres (1999) cita Maurer (1974) ao afirmar que antes dos dois anos a criana intui a morte por intermdio de sua experincia de dormir e acordar, o que permite a percepo do ser e do no ser (Mazorra & Tinoco, 2005a; Torres, 1999). So trs os componentes bsicos do conceito de morte: universalidade, no fun cionalidade e irreversibilidade (Kovcs, 1992; Nunes et al., 1998; Priszkulnik, 1992; Riely, 200 3; Schonfeld, 1996; Velasquez-Cordero, 1996). A universalidade tem a ver com a compreenso de que todos os seres vivo s (plantas, bichos e pessoas), sem exceo, um dia, morrero. Ou seja, a morte um evento inevitvel. A no funcionalidade caracteriza-se por compreender que, na morte, todas as funes vitais cessam: a pessoa no respira, no se mexe, no pensa, no sente absolutamente nada. No corpo, nada mais f unciona. J a irreversibilidade a capacidade de perceber que quem morre, no volta mais. A morte no temporria. No se morre s um pouquinho. No existe uma mgica que faa a pessoa desmorrer (Kovcs, 1992; Nunes et al., 1998; Schonfeld, 1996; Torres, 1999; Velasquez-Corder o, 1996). Para a criana, a morte no apenas um desafio cognitivo para seu pensamen to, mas tambm um desafio afetivo (Torres, 1999). Essa autora fez um estudo sobre a aquisio do conceito de morte pelas cr ianas, de acordo com os estgios estabelecidos por Jean Piaget (1987, 1996): Aponta as seguintes diferenas para cada estgio: 1. Perodo Sensrio-motor: crianas de 0 a 2 anos (antes da aquisio da linguagem) O conceito de morte no existe. A morte percebida como ausncia e falta. A morte corresponde experincia do dormir e acordar: percepo do ser e no ser. 2. Perodo Pr-operacional: crianas de 3 a 5 anos As crianas compreendem a morte como um fenmeno temporrio e reversvel. No entendem como uma ausncia sem retorno. Atribuem vida morte, ou seja, no separam a vida da morte. No distinguem os seres animados dos inanimados. Entendem a morte ligada imobilidade. Apresentam pensamento mgico e egocntrico. So autorreferentes, e, para ela s, tudo possvel. Compreendem a linguagem de modo literal/concreto. 3. Perodo Operacional: crianas de 6 a 9 anos Apresentam uma organizao em relao a espao e tempo. Distinguem melhor os seres animados dos inanimados. Entendem a oposio entre a vida e a morte, compreendendo a morte como um processo definitivo e permanente. Compreendem a irreversibilidade da morte. H uma diminuio do pensamento mgico, predominando o pensamento concreto. Ainda no so capazes de explicar adequadamente as causas da morte. Conseguem apreender o conceito de morte em sua totalidade: em relao no funcionalidade, irreversibilidade e inevitabilidade da morte. 4. Perodo de Operaes Formais: crianas de 10 anos at a adolescncia O conceito de morte, devido ao pensamento formal, torna-se mais abstrato . Jcompreendem a morte como inevitvel e universal, irreversvel e pessoal. As explicaes so de ordem natural, fisiolgica e teolgica (Torres, 1999). Vrios outros autores tambm descrevem a compreenso infantil da morte, base ando-se no desenvolvimento cognitivo da criana, a partir da teoria piagetiana (Bromberg, 199 7; Grollman, 1990; Kovcs, 1992, 2003; Nunes et al., 1998; Priszkulnik, 1992; Velasquez-Cordero, 1996 ). Torres (1999), assim como Bowden (1993), alerta para o fato de que a a quisio do conceito de morte pelas crianas no est somente correlacionada idade. Depende tambm de aspecto s social, psicolgico, intelectual e da experincia de vida. Portanto, pode-se afirmar que a criana percebe a morte de forma diferen te do adulto, de acordo com faixa etria e condies cognitivas. A criana tambm fica enlutada Antes de tratar do luto infantil, importante falar sobre como se esta belecem as relaes iniciais da criana. Para isso, baseio-me em referncias Teoria de Apego, de John Bo wlby (1989, 1990, 1995), amplamente apresentadas pelos estudiosos do assunto luto. Bowlby fo i um psiquiatra britnico, o primeiro pensador sobre o desenrolar do apego e das perdas, que desen volveu seus estudos a partir de observaes realizadas com crianas separadas de suas mes durante um longo tempo. A teoria do apego nos auxilia a entender a tendncia dos seres humanos de estabelecer fortes laos afetivos com outros, assim como a compreender a forte reao emocional que ocorr e quando esses laos afetivos so ameaados ou rompidos. Assim, podemos entender o impacto de u ma perda sobre a pessoa e o comportamento humano decorrente dessa perda. Para Bowlby, tais laos surgem de uma necessidade de segurana e proteo, iniciam-se cedo na vida, so dirigidos a pou cas pessoas especficas e tendem a durar por uma grande parte do ciclo vital (Worden, 1998, p. 19). Bowlby (1989, 1990, 1995) conceitua o comportamento de apego como qual quer forma de comportamento que resulta em uma pessoa alcanar e manter proximidade com algum ou tro indivduo claramente identificado, considerado mais apto para lidar com o mundo. Esse autor afirma que o apego instintivo, uma necessidade bsica do ser humano para seu desenvolvimento um a funo biolgica. Aponta para o fato de que a primeira relao humana de uma criana fundamenta l na formao de sua personalidade. O apego infantil desenvolvido no primeiro ano de vida. Aos trs meses, o beb j responde me de modo diferente: sorri, balbucia e segue-a com o olhar ou seja, apresenta um a discriminao perceptual. Mas esse comportamento ainda no a prova de comportamento de apego. O comportamento de apego observado quando a criana reage sada da me de seu ambiente e se comporta de modo a manter a proximidade com ela. A criana busca no s satisfao, mas tambm segurana. Isso acontece por volta dos seis meses. A intensidade e consistncia com que se manifesta o comportamento de ape go varivel: pode ser de origem orgnica (fome, fadiga, doena e infelicidade) e ambiental (algo que cause alarme) (Bowlby, 1990). Em seus estudos, Bowlby enumerou cinco respostas que levam ao comporta mento de apego, denominadas comportamento mediador de apego: chorar, sorrir, seguir, agarrar-se, sugar e uma sexta resposta que seria chamar sua me (mais tarde, at gritando o nome dessa me). Afirma que, a partir do terceiro ano de vida, a criana muito mais capaz de aceitar a ausncia temporria da me. Esse sentimento de segurana est condicionado a alguns fatore s: As figuras subordinadas devem ser familiarizadas (de preferncia a criana deve t-las conhecido junto com a me). A criana deve ser saudvel e no estar assustada. A criana deve saber onde est a me e confiar que pode reatar contato com el a a curto prazo (Bowlby, 1990). Bowlby (1989) refora que um trao do comportamento de apego a intensidade da emoo que o acompanha. Se tudo vai bem, h satisfao e um senso de segurana; se a relao est am aada, existe cime, ansiedade e raiva; se houver uma ruptura, pode ocorrer dor e depresso . Quanto aos distrbios emocionais, o autor enfatiza dois fatores ambienta is de maior importncia na primeira infncia. O primeiro a morte da me ou uma separao prolongada. O segundo a atitude emocional da me para com o filho: como ela lida com ele ao alim ent-lo, desmam-lo, treinar o controle dos esfncteres e outros aspectos do cuidado materno corriqueiro. Bowlby (1995) distingue trs modelos de apego: 1 . Apego Seguro: o indivduo se sente confiante de que seus pais estaro disponveis, oferecendo resposta e ajuda caso se depare com alguma situao ameaadora. Este fato o encoraja a explorar o mundo. 2 . Apego Ansioso: o indivduo se mostra incerto quanto disponibilidade de resposta ou ajuda por parte dos pais, caso necessrio, tendendo ansiedade em caso de separao, fi cando grudado e ansioso na explorao do mundo. 3 . Apego Evitativo: o indivduo no tem nenhuma confiana de que receber re sposta e ajuda quando procurar cuidado. Sente a rejeio como certa. Procura viver sem o amor e a ajuda dos outros, tentando tornar-se emocionalmente autossuficiente. A criao de um padro de apego seguro depende no somente das caractersticas pe ssoais da me, mas tambm de um contexto maior de sua famlia. Bowlby (1995) afirma que a privao prolongada dos cuidados maternos pode t razer efeitos graves e de longo alcance sobre a personalidade de uma criana pequena e, conseque ntemente, sobretoda a sua vida futura. Aponta trs tipos de experincias que podem produzir uma personalidade inca paz de afeio e delinquente em algumas crianas: 1. Falta de qualquer oportunidade para estabelecer ligao com uma figura materna nos primeiros trs anos de vida. 2. Privao por um perodo limitado (mnimo de trs e mais de seis meses) nos pr imeiros trs ou quatro anos. 3. Mudana de uma figura materna por outra durante o mesmo perodo. Sobre a questo do apego na infncia, Berthould (1998) afirma que, a part ir dos trs anos, a criana capaz de explorar melhor seu ambiente, aventurando- se a ficar por mais te mpo longe de sua figura de apego. Alm disso, relaciona-se com um maior nmero de pessoas, conhecendo -as, e passa a demonstrar maior interesse por outras crianas. Dessa forma, a ausncia da figura ma terna tolerada mais facilmente, contanto que esteja com pessoas conhecidas ou de sua confiana. D iz ainda que, por volta dos seis anos, a criana passa a demonstrar outras formas de manifestao do pad ro de apego em funo de expectativas sociais, quando incentivada a agir com mais maturidade. Ne sta fase, a criana expande seus vnculos afetivos (na escola, com professores, amiguinhos) e j no sente tanta necessidade da presena dos pais, exceto quando se encontra em situaes que envolvem mais estresse. No entanto, a criana poder sentir-se segura apenas com a certeza de que seus pais estaro acessveis no caso de ela necessitar deles. importante salientar que essas alteraes so gradativas, de acordo com o desenvolvimento da criana. Os adolescentes j se sentem capazes de ficar sozinhos, menos ansiosos na ausncia dos pais, sem necessitar da presena deles. Nessa fase, outras espcies de vnculos, que no o apego, so estabelecidas: de amizade, companheirismo, atrao sexual, paixo, amor; vnculos passageiros e duradouros, que tam bm do sentido nossa existncia. Luto infantil A criana, da mesma forma que o adulto, vai passar por processos de lut o. O processo de luto infantil tem uma durao subjetiva mais extensa, uma vez que sua noo de tempo est se organizando (Priszkulnik, 1992). Torres (1999), citando Bowlby, afirma que a criana capaz de enlutar-se tanto quanto o adulto, identificando trs etapas principais no processo natural do luto infantil: 1. Protesto: a criana no acredita que a pessoa esteja morta e luta para recuper-la; chora, agita-se e busca qualquer imagem ou som que personifique a pessoa ausente. 2. Desespero e desorganizao da personalidade: a criana comea a aceitar o fato de que a pessoa amada realmente morreu; o anseio por sua volta no diminui, mas a esperana d e sua satisfao esmorece. No grita mais, torna-se aptica e retrada, porm isso no significa qu tenha esquecido a pessoa morta.3. Esperana: a criana comea a buscar novas relaes e a organizar a vida sem a presena da pessoa morta. Priszkulnik (1992) afirma que a criana passa por uma fase mais ou menos longa de idealizao do ente querido. Chama de sobreinvestimento. Isso precede o desinvestimento, que permite:1. A introjeo do objeto perdido sob a forma de lembranas, palavras, atos , modos de ser comuns ao morto e a si mesmo. 2. O investimento afetivo de um novo objeto (desenvolvimento de um no vo amor). Essa no uma tarefa fcil, pois exige que a criana aceite que a ausncia da pessoa morta (um s er querido) ser para sempre, definitiva. Raimbault (1979) afirma que o processo de luto necessita de um perodo de tempo relativamente longo para passar da fase de sobreinvestimento (idealizao do morto) para a fase de desinvestimento (a introjeo do objeto perdido, sob a forma de lembranas, palavras, atos...) at atingir a fase de investimento afetivo em um novo objeto (a possibilidade de ace itar uma nova figura de afeto). As reaes da criana perda e separao vo depender de vrios fatores: a rela mesma tinha com a pessoa que morreu; a causa e as circunstncias da situao de perda (repentina ou no, violenta); o que contado para a criana e as oportunidades que so oferecidas par a ela falar e perguntar; relaes familiares aps a perda (mudana de padro de relacionamento e permannc ia com pai/me sobrevivente); padres de relacionamento da famlia anteriores perda (Brom berg, 1997, 1998a, 1998b). Sensao de insegurana, de abandono, medo de perder outro ente querido, raiva, c ulpa, fantasia que foi responsvel pela perda so alguns dos sentimentos, fantasias e reaes que podem estar p resentes nesta vivncia, que exige a elaborao de um processo de luto para sua significao e integrao vida (Mazo ra & Tinoco, 2005b, p. 13). Chavis e Weisberger (2003), citados por Berns (2003-2004), definem pe rda como a ausncia de algo ou algum importante dentro do universo pessoal. Quando crianas enfrentam s ituaes de perda, evidentemente experimentam medo, ansiedade e muitas outras reaes de pesar, dor e desgosto. Crianas que sofreram perdas importantes sentem medo de serem devoradas pela inten sidade de seus sentimentos. Os pais e outros adultos significativos desempenham papel important e nesse momento da vida da criana, e a forma como eles a acolhem em seu sofrimento influencia dir etamente o modo como a criana enfrenta a experincia de perda. Worden (1998) aponta para o fato de que as crianas entre cinco e sete anos so muito vulnerveis, pois atingiram um desenvolvimento cognitivo suficiente para compreend er a morte, maspossuem muito pouca capacidade de lidar com ela. Afirma que o luto de uma perda na infncia pode ser revivido em muitos momentos da vida adulta, quando este for reativado por ou tros fatos importantes da vida. Essa uma forma de elaborao da perda ocorrida na infncia. Bernstein e Rudman (1989), citados por Berns (2003-2004), referiram-s e a outros adultos significativos como adult guides, um termo aplicado a algum que oferece conselho e direo saudveis. Com certeza, a presena de uma pessoa cuidadora na forma de um adult gu ide nem sempre compensar as perdas especficas. Entretanto, isso pode diminuir o isolamento e o se ntimento de solido decorrentes das perdas. O adult guide tem a difcil tarefa de enxergar o momento favorvel para t ornar-se companheiro da criana e exercer a funo de cuidador, propiciando- lhe acolhimento pa ra enfrentar seus sentimentos, curar sua dor e renovar sua esperana no futuro. No entanto, em algumas ocasies, adultos especialmente adultos enlutado s no esto/so bem preparados para ajudar a criana porque, muitas vezes, no conseguem elabo rar suas prprias perdas. Para ajudar a criana a enfrentar adequadamente suas questes de perd as, adult guidesnecessitam de informao. Isso inclui clareza nas percepes das crianas, compreenso e entendimento de separao e perda (Berns, 2003-2004). Outro ponto importante tambm relacionado situao de luto so as reaes da cria diante de situaes de crise ao longo da vida. Para ajudar a criana no processo de luto necessrio: 1. Promover comunicao aberta e segura dentro da famlia, informando a cria na sobre o que aconteceu. 2. Garantir que ter o tempo necessrio para elaborar o luto. 3. Disponibilizar um ouvinte compreensivo toda vez que sentir saudade, tristeza, culpa e raiva. 4. Assegurar que continuar tendo proteo (Torres, 1999). Velasquez-Cordero (1996) enumera dez maneiras de ajudar a criana no enf rentamento da perda e do luto: 1. Encorajar a criana a expressar seus sentimentos. 2. Responder s perguntas com sinceridade e expressar suas emoes honestamente. 3. Discutir a morte de forma que a criana possa entender. 4. Falar com a criana de acordo com seu nvel de desenvolvimento. 5. Ser paciente. Permitir que a criana repita a mesma pergunta, expondo sua confu so e seu medo. 6. No criar expectativas. 7. Sugerir caminhos para que a criana possa lembrar-se da pessoa (desen ho, cartas...). 8. Aceitar os sentimentos, percepes e reaes da criana, bem como diferenas de opinies, dvidas e questes. 9. Indicar servios especializados, se for necessrio. 10. Preparar a criana para continuar sua vida. Reforar que ela se sentir melhor depois de um tempo (lembrando que esse tempo diferente para cada um). Worden (1998) cita quatro pontos fundamentais do luto:1. Aceitar a realidade da perda as crianas devem crer que a pessoa est morta e no voltar. Para tanto, devem ser adequadamente informadas sobre a morte numa linguag em apropriada sua idade. 2. As crianas devem reconhecer e trabalhar com a variedade de emoes asso ciadas morte. (Os sentimentos da criana incluem tristeza, raiva, culpa, ansiedade e depr esso. Se esses sentimentos no forem encarados, sero manifestados de outras formas como sintomas psicossomticos ou desajuste de comportamento.) 3. Ajustar o ambiente agora sem a presena da pessoa que morreu. 4. Recolocar a pessoa morta dentro da vida pessoal e encontrar caminh os para lembrar essa pessoa. Worden (1998) afirma que as crianas pedem no somente um entendimento pa ra a morte, mas tambm um sentido para a pessoa morta em suas vidas. Corr (2002), citado por Riely (2003), salienta a necessidade de se pe rmitir o enlutamento, estimulando a criana a falar sobre sua experincia de morte e evitar poup-la da dor. P ara isso, refora a necessidade de se oferecer educao e suporte para crianas em situaes de enluta mento.Corr, Doka e Kastenbaum (1999) valorizam a escuta ativa e a ateno espec ial como meio de facilitar o enfrentamento da morte. Em relao s indagaes da criana a respeito da morte, importante deix-la faz perguntas ou manifestar-se por meio de gestos ou brincadeiras. A criana pode expr essar sua curiosidade e seu sofrimento no s pela linguagem verbal (palavras), mas tambm por u ma linguagem no verbal (jogos, gestos, desenhos...). Para o adulto, o silncio pode se r conveniente, entretanto, para a criana, pode ser muito prejudicial na medida em que seu sofrim ento pode passar despercebido (Priszkulnik, 1992). s vezes, o adulto pode adotar uma atitude de silenciar a criana, tentan do proteg-la do desconforto que a ansiedade relacionada morte provoca. Segundo a autora, importa nte ressaltar que a mentira no consegue negar a dor ou anul-la. A verdade, ao contrrio, alivia e ajud a a aceitar o desaparecimento da pessoa que morreu, percebendo tal fato como definitivo. Domingos e Maluf (2003) alertam para o fato de que o luto uma experinc ia complexa, que atinge no s o indivduo como tambm a famlia e o sistema social. Citando Bowlby, le mbram que o vnculo tem um valor de sobrevivncia. Quando h a perda da figura de vnculo, iss o traz uma sensao de desamparo, podendo desencadear uma forte ansiedade de separao, gerando pnic o. A maior crise na vida de uma criana aquela provocada pela morte de um dos pais, pois dificilmente o mundo ser o mesmo lugar seguro de antes. No luto por causa da perda de um dos pais, a criana pode: 1. Permanecer na fantasia ligada ao progenitor morto. 2. Investir a libido em atividades. 3. Temer amar outras pessoas.4. Aceitar a perda e encontrar outra pessoa para amar (Bowlby, 1998a; Bromberg, 1997; Torres, 1999). Bromberg (1997, 1998a, 1998b) aponta para o fato de que o luto no comea a partir da morte, pois as relaes prvias existentes podem influenciar na qualidade do processo do luto. Uma interveno planejada para promover o enlutamento em crianas pode favo recer a comunicao nas famlias e ajudar na preveno de sofrimento a curto prazo subsequente per da (Bromberg, 1997). A perda na infncia pode tornar a pessoa mais vulnervel e mais propensa a distrbios afetivos. O luto infantil pode vir a provocar ou influenciar possveis distrbios ps icolgicos na vida adulta, entre eles excessiva utilizao de servios de sade (por causa da sade debilitad a) ou aumento no risco de distrbios psiquitricos (Bowlby, 1998b). Estudos realizados identificaram uma associao entre trauma na infncia e depresso na vida adulta. Entre esses traumas, encontra-se a perda de um ou ambos os pais, po r morte, separao ou abandono. No entanto, a elaborao do luto pode atenuar os efeitos deletrios decorren tes das perdas. Zavaschi, Satler, Poester, Vargas, Piazenski et al. (2002) citam estudos nos qua is foram encontrados resultados que sugerem que a ausncia da criana nos rituais de morte (do pai ou da me) acarretou maiores ndices de depresso e sentimentos de culpa. Tais achados enfatizam a importn cia de apoio e permisso para que as crianas possam falar abertamente sobre sua dor com os familia res sobreviventes. Segundo Bowlby (1998b), aqueles que sofreram perda na infncia e, quand o adultos, apresentam distrbios psiquitricos, tm maior propenso a: Manifestar ideias reais de suicdio. Mostrar alto grau de apego angustiado (ou superdependncia). Desenvolver condies depressivas graves, classificveis como psicticas. Bowlby (1998a) descreveu algumas reaes das crianas, relacionadas morte d e um dos pais, que podem manifestar-se como: Angstia persistente medo de sofrer outras perdas e medo de morrer tambm. Desejo de morrer com a esperana de se encontrar com o morto. Acusao e culpa persistentes. Hiperatividade expressa atravs de exploses agressivas e destrutivas. Compulso por cuidar e autoconfiana compulsiva. Euforia e despersonalizao. Sintomas identificadores. Predisposio a acidentes por parte de crianas infelizes e enlutadas (Bowlby, 1998a, Bromberg, 1997). Levando-se em considerao os pontos abordados, possvel afirmar que as cond ies do funcionamento familiar contribuem para a qualidade da elaborao do luto. Alm disso, fica evidente a importncia de se pensar em alternativas para que a criana possa ser amparada no enfrentamento desuas perdas pelas pessoas que dela cuidam, tanto em seu ambiente familiar, no co ntexto escolar, como tambm no ambiente da sade. Aberastury (1984) afirma que: a ocultao e a mentira do adulto dificultam o trabalho de luto da criana. Quando mor re um ser querido, sua ausncia ser definitiva. O trabalho de luto exige uma sucesso de esforos. O primeiro e fundamental aceitar que o ser querido j no est conosco. Mas se um grupo ou um familiar comea a ocultar e sse fato e recorre mentira, vai enredando-se em um emaranhado cada vez maior de ocultaes que terminam perturbando seriamente as capacidades cognitivas de todos os seus integrantes. Quando um adu lto no diz a verdade a uma criana sobre a morte, est dificultando a primeira etapa de seu trabalho de luto. A criana no conhece muito bem como o processo da morte, mas experimenta a ausncia que ela vivencia como aba ndono (p. 135). Raimbault (1979) e Grollman (1990) tambm defendem a ideia de se falar da morte com as crianas de maneira clara e sincera, respondendo s perguntas, compreendendo as emoes e dando suporte para o enfrentamento ao luto. Para auxiliar nessa difcil tarefa, Grollman (1990) elaborou um livro q ue serve de guia para que os pais possam se instrumentalizar para isso: Talking about death: a dialogu e between parent and child. Traduzido para o portugus, o ttulo do livro Voc nunca mais vai voltar? , de autoria de C. Reitmeier e W. Stubenhofer (2004), que serve para o adulto refletir sobre a mort e e o processo de luto, os sentimentos envolvidos e possveis reaes. Serve como guia orientador para conversar e auxiliar a criana no enfrentamento da morte e do luto. 3. A Escola A escola na vida da criana Podemos dizer que a escola o segundo lugar de segurana para a criana, j que o primeiro a famlia. Muitos dizem que a escola o segundo lar. Nos dias atuais, como o pai (antigo provedor das necessidades finance iras) e a me (antiga provedora das necessidades do lar) assumem um papel profissional e social atuant es fora do lar, as crianas comeam a ir ainda bebs ou com pouca idade para a escola e ficam mais tempo l do que em casa. Hoje comum as escolas oferecerem, alm do estudo regular, atividades extracu rriculares esportes, lnguas estrangeiras, informtica, bal, teatro, msica, artes e reforo escolar ... em perodo integral ou intermedirio. A criana vive na famlia e na escola, em meio a descobertas e aprendizado s. Na educao infantil os professores geralmente so mulheres, chamadas de Tia u ma maneira afetiva que aproxima a professora da criana. uma figura de segurana e afet o. Radino (2000) afirma que o professor de educao infantil representa uma f igurafundamental no processo de desenvolvimento da criana, prestando-se como modelo de identificao, dando continuidade relao estabelecida com seus pais. A criana aprende na escola a decodificar suas percepes do mundo, atravs da aprendizagem, da leitura e da escrita. Logo, desempenha o papel educacional de i nformao e tem tambm o papel de formao do indivduo para enfrentar o mundo. Desde a pr-escola, a professora explora o potencial da criana respeitand o seus limites, num processo de construo de saber. na interpretao do mundo que a criana comea a compreender e a fazer a leitura deste mundo. Para isso, fundamental oferecer-lhe condies e oportunidades, estimul-la na aprendizagem, socializao e formao, alm de propiciar-lhe autonomia para enfrentar o mundo e seu mundo, nas mais diversas situaes de conflit o. O professor passa um tempo muito grande com a criana. s vezes, um tempo at maior do que o que a criana passa com seus pais. Tem um papel fundamental como educador da criana no somente para ensin-la, mas tambm para form-la, representando, assim, um modelo de p essoa, de indivduo para a criana. Alm disso, deve desempenhar a funo de atender as necessidades da criana em sua formao enquanto indivduo. Portanto, o professor deve estar atento s necessidades cognitivas e int electivas da criana, bem como suas necessidades pessoais, emocionais e psquicas. Assim, o educador aca ba como um modelo para o processo de identificao da criana e, por isso, tem a tarefa de cuidar da integridade fsica, emocional e social dessa criana, visto que a escola no se restringe transmis so de conhecimentos (Magalhes, s.d.). Considerando-se todas as suas funes, o professor , ao mesmo tempo, educad or e formador, papel essencial na formao da criana enquanto indivduo. Assim, a escola pode ser vista como um centro de informao e formao do indi vduo no processo de transformao da sociedade, de valores e de cidadania. um agente transfo rmador que permite atitudes reflexivas e crticas sobre a realidade e a humanidade. Deve tambm valorizar os aspectos afetivos, familiares, sociais, ticos e polticos para uma formao integral. Pavoni (1989) afirma que: educar formar e informar. Isso significa que temos que habilitar as crianas a viv erem neste mundo, felizes, sem conflitos ou, melhor ainda, aptas a enfrentarem todos os conflitos de maneira a no se desestruturarem. Isso implica que a educao dever atender a criana nas suas caractersticas presentes, aprese ntando-lhe, ao mesmo tempo, contedos do mundo social que lhe sejam oportunos e adequados. Para tal pre cisamos conhec-la bem (p. 2). Coelho (2000b) afirma que a escola um espao privilegiado em que devero s er lanadas as bases para a formao do indivduo. Deve ser um espao libertrio (sem ser anrquico) e o rientador (sem ser dogmtico), para permitir que o ser em formao chegue a seu autoconhecimento e tenha acesso ao mundo da cultura, que caracteriza a sociedade qual pertence.Por causa da importncia que a escola exerce na formao do indivduo, necessri o que seus profissionais estejam preparados para trabalhar com as necessidades que pos sam surgir. Com essa afirmao no se pretende negar a responsabilidade da famlia no proc esso de formao da criana. Famlia e escola devem caminhar juntas para melhor formar a criana. A escola pode auxiliar tambm as famlias em suas dificuldades, e o agente desse trabalho o p rofessor, que exerce dupla tarefa: de educador e formador. Rubem Alves (1984) faz uma reflexo diferenciando o professor do educado r. Ele diz que professor profisso, no algo que se define por dentro, por amor. Educador, ao contrri o, no profisso; vocao. E toda vocao nasce de um grande amor, de uma esperana (p. 11). Ainda falando dos educadores, ele diz: [...] os educadores so como as velhas rvores. Possuem uma face, um nome, uma estria a ser contada. Habitam um mundo em que o que vale a relao que os liga aos alunos, sendo que cada aluno uma entidade sui generis, portador de um nome, tambm de uma estria, sofrendo tristezas e alimenta ndo esperanas. E a educao algo para acontecer neste espao invisvel e denso, que se estabelece a dois. E spao artesanal (op. cit., p. 13). Para realizar bem tal trabalho, Pavoni (1989) refora a importncia de se conhecer b em a criana. O primeiro passo nossa postura em relao criana: temos que ouvila, observ-la, e squecendo-nos de todos os conceitos e preconceitos. Costumo dizer que observo crianas como observo plantas. Fico longo tempo diante de um vaso, olhando as folhas, as flores, os galhos, a umidade da terra. Se tudo parece saudvel, continuo o tratamento que venho dando. Se, no entanto, aparecem folhas secas, galhos apod recidos, bichos, sinal de que algo deve ser mudado (op. cit., p. 2). A questo da morte na escola A escola o segundo ambiente de socializao da criana e, como a famlia, tem o papel de educar a criana. Quando se fala em educar, deve-se pensar na difcil tarefa de se e ducar para a vida. Para isso, a escola deve apresentar versatilidade e conviver com a diversidade n um trabalho cooperativo, de aprendizagem contnua. Torres (1999) afirma que a escola no somente um lugar de aprendizagem a cadmica, ela o maior centro de intercmbio social para o desenvolvimento da criana. um lugar de desafios, mas tambm de apoio (p. 139). Ao ampliar-se o conceito de escola, alm de ser um espao de aprendizagem , ela torna-se um espao de convivncia, onde o aluno vai tanto estabelecer relaes com os colegas qua nto com os educadores. Tais relaes remetem, consequentemente, formao e rompimentos de vnculos ao longo da convivncia. Partindo do pressuposto de que a escola um espao de formao de cidados con scientes,crticos e preparados para a vida, no deveria tambm ser um espao em que se repensasse m todos os aspectos constitutivos da vida e da morte, inclusive? Se a escola um espao onde se discutem tanto as questes cotidianas da tic a e cidadania, questionando a violncia... no seria esse um espao tambm para se falar da morte? Por que manter o silncio diante da morte se ela est presente em nosso dia a dia? Pode-se fundamentar tais questes nas palavras de Maranho (1987): Atualmente, existe a preocupao de iniciar as crianas desde muito cedo nos mistri os da vida: mecanismo do sexo, concepo, nascimento e de contracepo. Porm se oculta sistematicamen te das crianas a morte e os mortos, guardando silncio diante de suas interrogaes, da mesma maneira q ue se fazia antes quando perguntavam como que os bebs vinham ao mundo (p. 10). Embora se evite tratar do tema morte na escola, a morte simblica est pr esente em vrias situaes dentro do contexto escolar. Podem ser vistas como mortes simblicas as situaes de mudana de srie, de classe, de professores, de amiguinhos, processos de separao, perd as financeiras... Ainda que tais situaes no envolvam uma morte concreta, elas represen tam perdas que podem eliciar sentimentos semelhantes. So as elaboraes dessas pequenas perdas mortes simblicas que vo colaborar ara elaborao de perdas maiores a morte concreta. No entanto, elas so pouco valorizadas ou levadas em conta. Falar das vrias mortes simblicas ou concretas envolve troca de informaes, bem como um compartilhar experincias, opinies, sentimentos, reflexes, dificuldades e me dos... Esse compartilhar poderia proporcionar um acolhimento, o que seria altamente positivo porque o indivduo pode sentir-se com o outro em seus sentimentos, bem como identificar-se no senti mento do outro, ou seja, no se sentir to sozinho em sua dor. A escola deveria, portanto, ser concebida como um espao de convivncia e de compartilhamento de aprendizagem e de experincias de vida, representando, assim, um espao de fortalecimento e proteo que propiciasse um ambiente favorvel para romper-se o silnci o, o sofrimento calado, a solido. Toda essa atmosfera envolveria a criana e lhe propici aria o suporte necessrio para que ela elaborasse seus lutos, resultantes de suas experincias de p erda. Entretanto, a escola, em seu comprometimento com a educao, questiona, m uitas vezes, assumir tarefas e papis que antes no eram de sua competncia, mas sim da famlia. No e ntanto, nos dias atuais, a criana vai mais nova para a escola e passa, praticamente, a maior parte de seu tempo l. Consequentemente, os profissionais de educao se deparam com tarefas para as quais no se sentem preparados, enquanto as famlias, muitas vezes, omitem-se, deixando essa responsab ilidade a cargodos educadores. No se deve esquecer a responsabilidade da famlia na formao integral da criana. Por isso, escola e famlia devem caminhar juntas para melhor desempenharem seus pa pis. A sociedade exclui as crianas do assunto morte com a inteno de proteg-las , justificando que falar sobre a morte mrbido e no deve fazer parte do mundo infantil. Assim, par ece ser errado falar da morte. No entanto, quando a criana enfrenta uma morte, ela tem dificulda de em falar sobre ela. Afinal, falar do feio e do proibido (Riely, 2003). Do mesmo modo como os profissionais de sade, os educadores dizem no est ar preparados para a tarefa de acolhimento e reflexo sobre a morte, uma vez que tal tema cultur almente considerado tabu e, consequentemente, abolido e ocultado do cotidiano das crianas (bem como dos jovens e adultos), com o falso propsito de proteg-las. Mas ser que, ao proteger a criana, no se observa a inteno primeira de prot eger-se? Afinal, a morte carrega em si o mistrio da existncia, da condio humana, ou seja, cer ta e inevitvel para todo e qualquer ser humano. Por ser certa e inevitvel, alm de univer sal, deveria haver uma maior aproximao dela para melhor conhec-la. Tal aproximao deveria ser feita por meio da reflexo sobre a questo. A morte, por ser desconhecida e considerada um tabu, suscita medos: m edo de sentir dor, do sofrimento, da separao das pessoas queridas... Entretanto, o maior medo o prprio me do. Por causa da falta de familiaridade com a ideia da morte, tenta-se fugir do medo dela. Mas , quanto mais se foge, mais o medo cresce. O medo da morte configura-se em uma angstia humana que tanto pode para lisar o indivduo diante da vida como alavanc-lo em projetos de vida. Portanto, falar da mo rte falar da vida. a conscincia da morte que traz sentido vida. Azevedo (2003) enfatiza a necessidade de crianas e jovens aprenderem a lidar com a vida, pois a morte parte inseparvel. No adianta querer camufl-la ou escond-la, pois isso s eria umdesrespeito inteligncia e capacidade de observao de qualquer ser humano, alm de int Kbler-Ross (1996) afirma que normalmente evitamos que as crianas participem da morte e do morrer, julgando que as estamos protegendo desse mal. Mas claro que as estamos prejudicando ao priv-las dessa experincia. Ao fazer da morte e do morrer um tabu e ao afastar as crianas das pessoas que esto morrendo ou j morreram, estamo s incutindo nelas um medo desnecessrio (p. 33). Savater (2001) sustenta que a conscincia da morte nos faz amadurecer pes soalmente: todas as crianas se acham imortais (p. 15). Portanto, falar sobre a morte com a cr iana pode favorecer seu crescimento e amadurecimento, enquanto ser humano, em sua condio hum ana. Mas isso deve acontecer respeitando o desenvolvimento cognitivo e afetivo da criana.Torres (1999) defende que a compreenso de morte pela criana no se faz isoladamente de outros desenvolvimentos que ocorrem em sua vida cognitiva geral. Assim, razovel supor qu e a conceitualizao da morte na criana vai variar de acordo com seu nvel de desenvolvimen to global (p. 40). Falando da morte na escola Atualmente, constatam-se vrias mudanas no ambiente familiar, porque as mes, que anteriormente se dedicavam mais ao lar e aos filhos, esto atuantes no mercado de trabalho, delegando a difcil tarefa de educar quase que totalmente escola. Consequentemente, surge um a necessidade cada vez maior de se ampliar a comunicao entre a escola e a famlia, com o objetivo de compartilhar dificuldades e conflitos, para que se possa dar um acolhimento s cri anas em suas dificuldades pessoais. As fronteiras entre a escola e a famlia, antes separadas, hoje se conf undem. A realidade imps uma unio mais do que necessria entre pais e professores. Educar as novas geraes funo conjunta da famlia e da escola.2 Para que isso possa de fato acontecer, necessrio que os educadores est ejam devidamente preparados. Isso implica conscientizar-se e lidar com suas inseguranas pessoais e possveis medos, para que possam abordar com seus alunos os assuntos considerados difceis, entre e les a morte, de forma natural e mais segura, acolhendo as necessidades desses alunos. Kovcs (2003) afirma que no existe uma resposta para como estar totalmen te preparado para lidar com o tema da morte. necessrio que exista a possibilidade de questiona mento, autoconhecimento e contato com os prprios sentimentos. Pode-se dizer, ento, que es sa preparao implica um aprendizado e desenvolvimento contnuos. Para Kovcs, a educao um espao de desenvolvimento pessoal. A autora refora no s a importncia como tambm a necessidade de se propiciar espaos de reflexo e discusso sobr e o tema da morte. Destaca a importncia de incluir-se reflexo sobre temas relacionados mort e no espao da escola, desde a educao infantil at a formao profissional (Kovcs, 2003). Enfatiza que o processo reflexivo deve envolver aspectos cognitivos e afetivos, estimulando questionamen tos e discusses acerca de experincias vividas, prticas profissionais e abordagens tericas sobre o t ema. Kovcs (1992) diz: entrelaamos vida e morte durante todo o processo de de senvolvimento vital. Engana-se quem acredita que a morte s um problema no final da vida, e que s ento dever pensar nela (p. 2). necessrio que os educadores se preparem para acolher as perguntas e co nstantes dvidas das crianas. Torres (1999) afirma que uma resposta inadequada ou uma ausncia de res posta frente a uma indagao sobre a morte pode, muitas vezes, fragilizar ou at mesmo romper a integridadepsquica de uma criana (p. 140). Priszkulnik (1992) diz: A ausncia de respostas s indagaes infantis a respeito da morte (tanto quanto da sexu alidade, do nascimento) pode sufocar o movimento exploratrio necessrio a todo processo de conhecimento e d esenvolvimento e, como consequncia, prejudicar suas aquisies, quer na tarefa intelectual, quer na afetiva e at na motora. Pode, tambm, conduzir a distrbios psicoafetivos, como da fala, anorexia, fobias, tiques, agitao geral muito acentuada, atraso escolar etc. (p. 492). Rosemberg (1985) fala da importncia de se conversar sobre a morte com as crianas, j que se trata da nica situao que no se tem como evitar na vida. Afirma que no falar sobre esse assunto, na tentativa de proteger a criana, poder dificultar seu entendimento sobre o ciclo d a vida. Sugere que esse assunto seja abordado mas no de forma dramtica, catastrfica e deprimente. Acredita que deve ser tratado de maneira espontnea, cotidiana e at com certo humor. Pior ainda negar s crianas certas informaes e curiosidades, certos porqus [so] o itidos e apagados. Certa ordem natural nas coisas, nos seres, nas aes dos homens aparece, ento, quase qu e como resultante de um acordo entre atores: eu fao de conta que isso no me interessa e voc faz de conta que isso no lhe interessa. Desse modo, problemas existenciais fundamentais como a vida e a morte no so discut idos (Rosemberg, 1985, p. 64-65). Domingos e Maluf (2003) afirmam que o luto tem implicaes no processo ens inoaprendizagem e interfere tanto nos correlatos pedaggicos dficit de ateno e concentrao devido ansiedade como na afetividade nos processos de escolarizao. Enfatizam que a escola deve preocupar-se no s em transmitir conhecimento, mas tambm em cuidar das necessid ades emocionais de seus alunos, uma vez que a cognio e as emoes so inseparveis no desenvolvimento psicolgico. Em seu estudo sobre experincias de perdas e luto em es colares adolescentes, os autores afirmam que, quanto percepo sobre as necessidades dos ado lescentes, a comunidade escolar mostrou-se pouco eficaz e, por vezes, ausente no suporte para seus lutos. Embora os adolescentes identificassem apoio de colegas e professores manifestados como ajuda de ordem prtica e encorajamento, esse suporte no foi suficiente para suprir as necess