A associação brasileira de medicina do trabalho

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A Associação Brasileira de Medicina do Trabalho: locus do processo de constituição da especialidade medicina do trabalho no Brasil na década de 1940 * The Brazilian Association of Workers’ Medicine: a space for the constitution of occupational health as a medical specialty in Brazil in the 1940s Anna Beatriz de Sá Almeida 1 * Trabalho apresentado no simpósio “História dos trabalhadores da saúde em uma perspectiva comparada”, 02 a 05 de abril de 2006. 1 Departamento de Pesquisa em História das Ciências e da Saúde, Fiocruz. Av. Brasil 4036/400, Manguinhos. 21040-361 Rio de Janeiro RJ. [email protected] 869 ARTIGO ARTICLE Abstract This article analyzes the Brazilian As- sociation of Workers’ Medicine, created in the end of 1944 as a space for consolidating occupational health as a medical specialty in Brazil. The Asso- ciation was founded by the first group of specialists in the field of occupational hygiene and medicine with seat at the facilities of the proper Ministry of Work, Industry and Commerce, where the founders were working. Counting on an initial core group of 35 physicians and five engineers, all of them coming from the Ministry, the main objective of the Association was to study, discuss and promote the issues related to workers’ medicine. Among the most relevant activities promoted by the Associa- tion were the monthly scientific meetings (with lectures held by invited physicians and physicians and engineers of the Ministry itself), the organi- zation of scientific events and the publication of a specialized periodical. In 1945, only one year after its foundation, the Association passed to make part of the International Bureau of Safety at Work, with seat in Montreal, Canada, and the International Bureau of Work of the International Labor Orga- nization. In December 1945, on occasion of the election of the new board of directors, the Associa- tion created the Journal of Workers’ Medicine, whose first issue was published in 1946. Key words History of occupational physicians, History of the specialty occupational health, His- tory of health at work Resumo O artigo analisa a Associação Brasilei- ra de Medicina do Trabalho (ABMT), criada em fins de 1944 como lócus de consolidação do campo da medicina do trabalho no Brasil. O grupo dos primeiros especialistas no campo da higiene e me- dicina do trabalho que trabalhavam no Ministé- rio do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC) foi o responsável pela fundação da ABMT, nas próprias dependências do Ministério. Contando com um núcleo inicial de 35 médicos e cinco en- genheiros, todos oriundos do MTIC, a ABMT des- tacava como seu objetivo primordial, o estudo, a discussão e a divulgação dos assuntos referentes à medicina do trabalho. Entre as principais ativi- dades promovidas pela ABMT, destacavam-se as reuniões científicas mensais (palestras de médi- cos convidados e de médicos e engenheiros do pró- prio MTIC), a organização de eventos científicos e a publicação de um periódico especializado. Logo após a sua criação, já em 1945, a ABMT passou a integrar o Bureau Internacional de Segurança do Trabalho, com sede em Montreal, Canadá e o Bureau Internacional do Trabalho, da Organi- zação Internacional do Trabalho. Em dezembro de 1945, no momento da eleição da nova direto- ria, criou-se a Revista Médica do Trabalho, cuja primeira publicação foi em 1946. Palavras-chave História dos médicos do traba- lho, História da especialidade medicina do tra- balho, História da saúde do trabalho

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A Associação Brasileira de Medicina do Trabalho:locus do processo de constituição da especialidade medicinado trabalho no Brasil na década de 1940 *

The Brazilian Association of Workers’ Medicine:a space for the constitution of occupational healthas a medical specialty in Brazil in the 1940s

Anna Beatriz de Sá Almeida 1

* Trabalho apresentado nosimpósio “História dostrabalhadores da saúde emuma perspectivacomparada”, 02 a 05 de abrilde 2006.1 Departamento de Pesquisaem História das Ciências eda Saúde, Fiocruz. Av. Brasil4036/400, Manguinhos.21040-361 Rio de JaneiroRJ. [email protected]

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Abstract This article analyzes the Brazilian As-sociation of Workers’ Medicine, created in the endof 1944 as a space for consolidating occupationalhealth as a medical specialty in Brazil. The Asso-ciation was founded by the first group of specialistsin the field of occupational hygiene and medicinewith seat at the facilities of the proper Ministry ofWork, Industry and Commerce, where the founderswere working. Counting on an initial core groupof 35 physicians and five engineers, all of themcoming from the Ministry, the main objective ofthe Association was to study, discuss and promotethe issues related to workers’ medicine. Among themost relevant activities promoted by the Associa-tion were the monthly scientific meetings (withlectures held by invited physicians and physiciansand engineers of the Ministry itself), the organi-zation of scientific events and the publication of aspecialized periodical. In 1945, only one year afterits foundation, the Association passed to make partof the International Bureau of Safety at Work, withseat in Montreal, Canada, and the InternationalBureau of Work of the International Labor Orga-nization. In December 1945, on occasion of theelection of the new board of directors, the Associa-tion created the Journal of Workers’ Medicine,whose first issue was published in 1946.Key words History of occupational physicians,History of the specialty occupational health, His-tory of health at work

Resumo O artigo analisa a Associação Brasilei-ra de Medicina do Trabalho (ABMT), criada emfins de 1944 como lócus de consolidação do campoda medicina do trabalho no Brasil. O grupo dosprimeiros especialistas no campo da higiene e me-dicina do trabalho que trabalhavam no Ministé-rio do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC)foi o responsável pela fundação da ABMT, naspróprias dependências do Ministério. Contandocom um núcleo inicial de 35 médicos e cinco en-genheiros, todos oriundos do MTIC, a ABMT des-tacava como seu objetivo primordial, o estudo, adiscussão e a divulgação dos assuntos referentes àmedicina do trabalho. Entre as principais ativi-dades promovidas pela ABMT, destacavam-se asreuniões científicas mensais (palestras de médi-cos convidados e de médicos e engenheiros do pró-prio MTIC), a organização de eventos científicose a publicação de um periódico especializado. Logoapós a sua criação, já em 1945, a ABMT passou aintegrar o Bureau Internacional de Segurança doTrabalho, com sede em Montreal, Canadá e oBureau Internacional do Trabalho, da Organi-zação Internacional do Trabalho. Em dezembrode 1945, no momento da eleição da nova direto-ria, criou-se a Revista Médica do Trabalho, cujaprimeira publicação foi em 1946.Palavras-chave História dos médicos do traba-lho, História da especialidade medicina do tra-balho, História da saúde do trabalho

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Introdução

Tecer a trama que envolve a construção de umcampo de saber e de práticas específicas, inserin-do-o em seus diferentes contextos históricos, é oprincipal objetivo deste artigo. Desenredar as inú-meras condições que tornaram possível que seconstituísse a especialidade medicina do traba-lho, quais os grupos envolvidos e suas táticas,quais as disputas e projetos em jogo, de que for-ma tais grupos se inseriam nos contextos sociais,políticos e econômicos da sociedade, que veícu-los e espaços criaram e utilizaram para tanto,são algumas das questões enfrentadas1. Nessesentido, analisar a Associação Brasileira de Me-dicina do Trabalho (ABMT) torna-se um cami-nho para analisar a própria constituição do cam-po da medicina do trabalho no Brasil.

Ao trabalhar com a consolidação de uma es-pecialidade dentro do campo da medicina - amedicina do trabalho - estamos dialogando mui-to proximamente com o trabalho de Sérgio Car-rara2 sobre a constituição da especialidade da sifi-lografia. Analisar o processo de constituição docampo da medicina do trabalho enfocando o pa-pel dos médicos do trabalho nos aproxima dosmúltiplos planos destacados pelo autor no seuestudo sobre a sifilografia: estabelecimento de umacomunidade científica (congressos, sociedades,centros de pesquisa, periódicos e fontes de finan-ciamento); a instituição do ensino especializado(cátedras, concursos, teses) e a abertura e expan-são de um mercado de novos serviços.

A ABMT está sendo considerada como umimportante espaço no processo de constituiçãoda especialidade, em especial, pela aglutinação dosespecialistas, através dos seus eventos e publica-ções. Ao analisarmos o campo da medicina e hi-giene do trabalho, buscaremos compreender asdiversas injunções e interações que o instituíram,considerando de fundamental importância deli-mitarmos os atores/agentes e os locus desta“luta”3. Dessa forma, os campos sociais funcio-nam na medida em que existam agentes compe-tentes, comprometidos e interessados nessa luta,tanto no sentido de conservá-los, como no sen-tido de transformá-los. A realidade das institui-ções não pode ser compreendida tomando porbase unicamente as vontades de indivíduos nemde grupos, devendo ser considerado o campo deforças no qual a instituição se encontrava inseri-da: Governo Vargas, Ministério do Trabalho,Indústria e Comércio, contexto de 2ª GuerraMundial, movimento de partidos de esquerda...

Assim, trabalharemos tendo como questão

de fundo o processo histórico de formação deuma tecnocracia de Estado no Brasil, buscandoperceber seus ‘habitus’, seus grupos, suas dife-renças, inserindo-o no conjunto das políticaspúblicas, sociais e econômicas ao longo das dé-cadas de 1940 e 1950. Desta forma, estaremosenfocando de que forma estes atores-médicos dotrabalho atuaram na constituição de um campoespecífico da medicina, organizando-o cultural-mente e participando da construção dos seussaberes, ao mesmo tempo em que estavam seespecializando no mesmo.

Eram determinados atores, emitindo, de de-terminados lugares, as suas opiniões e concep-ções, dando corpo a uma nova especialidade dosaber médico. Sendo um campo em construção,era ainda palco de incertezas, imprecisões, espa-ço privilegiado para disputas por reconhecimen-to e poder em diferentes níveis: entre indivíduos,grupos e/ou instituições. Autoridade científicadisputada pelos médicos do trabalho, autorida-de política disputada pelas agências públicas paraa formulação e implementação das ações no cam-po da medicina do trabalho no Brasil.

As décadas de 30, 40 e 50 do século XX foram,no entender da literatura que trata do assunto,fundamentais para a formulação de políticaspúblicas voltadas para o trabalhador, das quaisdestacamos as relativas à saúde do trabalho/tra-balhador. No conjunto maior da obra de cons-trução do trabalhador nacional e de “revisãomoralizadora” do conceito de trabalho, tem es-paço e vai sendo construído o campo da medici-na do trabalho. Cuidar da saúde do trabalhadornacional, e por extensão de sua família, era cui-dar da nação, do conjunto da nacionalidade4.

Cabe destacar o papel relevante das agênciasdo Ministério do Trabalho, Indústria e Comér-cio (MTIC), criado em 1931, através do Decretono 19.443, de 26 de novembro, com papel de des-taque na agenda do então instalado GovernoVargas e considerado como ator e locus funda-mental neste campo, quer por sua atuação maisdireta na regulamentação das condições de tra-balho de forma geral, quer por seu poder nor-mativo no que se refere à higiene, medicina e se-gurança do trabalho, de forma específica. Em1932, foi organizado o Departamento Nacionaldo Trabalho (DNT), criando-se uma seção vol-tada à organização, higiene e segurança do tra-balho, que no ano seguinte resultaria na Inspe-toria do Trabalho. Porém, somente após a pro-mulgação do Regulamento do DNT, em meadosde 1934, começou o funcionamento normal daInspetoria como órgão de fiscalização das leis

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trabalhistas5. Neste momento, foram nomeadosos três primeiros médicos do trabalho com afunção de inspecionar as fábricas, fazer inquéri-tos sobre condições de trabalho e pesquisas so-bre moléstias profissionais.

Em 1938, foi criado o Serviço de Higiene In-dustrial junto à Inspetoria do Trabalho, demons-trando, de certa forma, a necessidade de amplia-ção das ações no campo da higiene e da medicinado trabalho. Com a reforma do DNT, em 1942,reforçava-se o espaço e a importância do campoda higiene do trabalho, criando-se a Divisão deHigiene e Segurança do Trabalho (DHST), emsubstituição ao Serviço de Higiene Industrial6.Nesse sentido, consideramos a criação da Divi-são um momento importante do processo deconsolidação do campo da medicina do traba-lho no Brasil, através da complexificação das suasações e do maior número de profissionais traba-lhando diretamente nas suas atividades. É im-portante ressaltar o contexto de criação da mes-ma, ao longo da 2ª Guerra Mundial, e o papelque estas políticas voltadas para o trabalho/tra-balhador exerciam como respostas tanto a de-mandas internas (movimento dos trabalhado-res e de redemocratização do país) como a pres-sões internacionais (temor ao comunismo, deli-berações da Organização Internacional do Tra-balho, etc.).

A história da atuação dos médicos do traba-lho no Brasil ao longo dos anos 30, 40 e 50 doséculo XX está, por um lado, diretamente inseri-da no conjunto da tecnoburocracia do pós-30,portadora de um discurso de competência técni-ca, fundamental à nova relação que se estabeleciaentre o Estado e a sociedade e, ao mesmo tempo,diretamente vinculada à constituição do campoda medicina do trabalho. Consideramos os mes-mos como agentes constituintes primordiais des-te novo campo de saber e que, para tanto, cons-truíram sua competência/capacidade/ legitimida-de atuando em diversas instituições e utilizando-se de diversos veículos: atividades profissionais;publicações; eventos científicos; associações; ins-tituições de ensino, entre outros. Passaremosagora a analisar um espaço de construção destanova especialidade: a Associação Brasileira deMedicina do Trabalho.

A criação da Associação Brasileirade Medicina do Trabalho

A Associação Brasileira de Medicina do Traba-lho (ABMT) foi criada em fins de 1944, tendo

tido seu estatuto elaborado em janeiro de 1945.O grupo dos primeiros especialistas em medici-na do trabalho trabalhava no MTIC e foi o res-ponsável pela fundação da ABMT, nas depen-dências do Ministério. Quer dizer, eram funcio-nários do MTIC, utilizavam o prédio do próprioMinistério e criavam uma entidade que, por umlado, estava relacionada e, por outro, os afastavada sua rotina de trabalho, dando-lhes a oportu-nidade de desenvolver e promover atividadesmais voltadas à pesquisa e à divulgação.

Seria um sinal de que não tinham espaço den-tro do Ministério para desenvolver e publicar seustrabalhos e suas pesquisas, para trazer especia-listas renomados, para buscar apoio para a rea-lização de eventos e publicações? Ou seria, na ver-dade, a busca de uma certa autonomia e espaçocientífico, de maior liberdade de expressão doconhecimento, em detrimento do exclusivo cum-primento de tarefas rotineiras? Julgamos queambas tenham sido razões e motivos para o en-volvimento destes profissionais na criação daABMT, mas ao mesmo tempo não podemos dei-xar de reconhecer o apoio direto do Ministério àiniciativa, seja ao ceder espaço, seja ao patrocinare apoiar os eventos realizados, por exemplo. Destaforma, no nosso entender, o próprio Ministérioconsiderava a ABMT como uma espécie de ex-tensão da já referida DHST.

Contando com um núcleo inicial de 35 médi-cos e cinco engenheiros, todos oriundos da DHST,a Associação destacava como seu objetivo pri-mordial, o estudo, a discussão e a divulgação dosassuntos referentes à medicina do trabalho. Deacordo com a Ata de fundação da AssociaçãoBrasileira de Medicina do Trabalho, estavam pre-sentes no dia 14 de dezembro de 1944, no Auditó-rio do MTIC, à sessão para discussão e aprova-ção do Estatuto e Regimento Interino, eleições daDiretoria e diversas Comissões da ABMT, os se-guintes médicos e engenheiros: Décio Parreiras,Adele Nascimento, Abelardo B Tavares, VitorHugo Mendes da Costa, Hugo Alqueres, LiraCavalcanti, Mariana de Brito, Thalita do CarmoTudor, entre outros7. Uma das mais envolvidasparticipantes da ABMT, Thalita do Carmo Tu-dor - médica formada pela Faculdade Nacionalde Medicina em 1937 que participou dos primei-ros cursos de medicina do trabalho oferecidos nopaís: Medicina e Trabalho nas Indústrias de Guer-ra, em 1943 e Toxicologia e Higiene Industrial, em1946, tendo ingressado no MTIC em 1944, parti-cipando ativamente das atividades da Associação8

- ressaltou que a grande finalidade da Associação,no momento da sua criação, fora difundir, entre

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os médicos e engenheiros, recém-admitidos naDHST do MTIC, os conhecimentos da nova es-pecialidade, a Medicina do Trabalho.

Entre as inúmeras atividades promovidas pelaABMT, destacaram-se a publicação de uma re-vista especializada, a Revista Médica do Trabalho,e a promoção de reuniões científicas e de eventoscientíficos. Logo após a sua criação, já em 1945, aABMT passou a integrar o Bureau Internacionalde Segurança do Trabalho, com sede em Montre-al, Canadá e o Bureau Internacional do Trabalho,da Organização Internacional do Trabalho. Ten-do sido criada de dentro da DHST, a Associaçãode alguma forma buscava fazer um trabalhomuitas vezes complementar ao do Ministério, fa-zendo-se presente em organizações internacionais,organizando eventos científicos, trazendo convi-dados de renome para palestras e conferências.Assim, agia a ABMT no sentido de criar compe-tência e de legitimar este novo campo de sabercientífico e a sua comunidade.

A Revista Médica do Trabalho

Em dezembro de 1945, no momento da eleiçãoda nova diretoria, foi criada a Revista Médica doTrabalho, cuja publicação só foi iniciada no anoseguinte. De acordo com o primeiro editorial:

A Revista Médica do Trabalho, órgão da ABMTtraz como lema o de bem servir de intérprete atodos os que se dedicam à nobre ciência do traba-lho, a todos os que desejarem colaborar com os ele-vados propósitos na valorização do nosso proleta-riado, contribuindo para a grandeza e supremaciado Brasil no vasto setor industrial9.

Interessante neste mesmo editorial a noçãode que o próprio indivíduo deveria ser o respon-sável pelo seu bem-estar, enfocando para alémda sua saúde individual, o bem da nação: O indi-víduo deve trabalhar com a noção de que está pro-curando tanto o seu bem estar como o progresso e agrandeza de sua pátria, convencido de que não émais um número perdido naquela massa anônimae suarenta de tempos idos, sem expressão e famintode justiça. Deve trabalhar sabendo que está agindoem benefício próprio, no de seu país e no da huma-nidade9.

A revista possuía seções dedicadas a artigosem Patologia do Trabalho (com destaque paraassuntos relativos a doenças profissionais), Hi-giene do Trabalho e Segurança do Trabalho. Pos-suía ainda as seções Variedades, Legislação eNoticiário, que não apareciam obrigatoriamen-te em todos os números. Parece-nos que a circu-

lação da revista foi curta, só tendo sido localiza-dos exemplares durante os anos de 1946 a 1951,não acompanhando, de certa forma, a atuaçãoda Associação, que prossegue com suas ativida-des até os dias de hoje. Tudo indica ter sido umapublicação com bom nível de circulação, pois eraalvo de citações em outros trabalhos e de co-mentários nos eventos científicos. Em nota pu-blicada em 1948, quando do aniversário de maisum ano da publicação, reforçou-se o seu objeti-vo como órgão de divulgação: Ao se instalar noRio de Janeiro a Associação Brasileira de Medici-na do Trabalho, foi juntamente com ela criado umórgão de publicidade que divulgasse no nosso meio,em linguagem acessível a empregados e emprega-dores, as noções essenciais de higiene e segurançado trabalho, bem como difundisse, no país e noestrangeiro, os trabalhos técnicos dos estudiosos damedicina do trabalho no Brasil10.

Optamos em apresentar no quadro 1 dadosbiográficos do médico do trabalho Zey Bueno,cuja história profissional e intelectual em muitonos demonstra a articulação entre o MTIC, aspolíticas públicas do momento e a atuação daABMT:

BUENO, ZeyNascimento: 19/04/1904Formação: medicinaCargos:. Médico nomeado da Inspetoria do Trabalho(1934). Médico do DNT (1937). Inspetor Médico (Higiene Trabalho) doDepartamento Nacional do Trabalho (1935). Chefe da Seção de Higiene do Trabalho da Divisãode Higiene e Segurança do Trabalho do MTIC(1942 e 1944). Membro fundador da Associação Brasileira deMedicina do Trabalho (1944). Membro da Comissão Organizadora do IICongresso Americano de Medicina do Trabalho.Rio, 1952. Membro da Sociedade Brasileira de MedicinaSocial e do Trabalho e representante da mesmano II Congresso Americano de medicina doTrabalho em 1952, como colaborador no Rio dejaneiro, dirigindo a Seção de Medicina e Higienedo trabalho..Diretor do Serviço de Medicina Social (1951). Professor de Assistência Médica e higieneIndustrial do curso de Saúde pública do DNS(década de 1950)

continua

Quadro 1. Dados biográficos do médico dotrabalho Zey Bueno.

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Como podemos observar, Dr. Zey Bueno,membro do grupo dos primeiros médicos da Ins-petoria do Trabalho do MTIC, sócio-fundadorda ABMT, autor de vários artigos publicados naRevista do Trabalho e em outros periódicos e or-ganizador de eventos científicos, é um bom exem-plo para visualizarmos a articulação entre estasorganizações e iniciativas constituintes da especi-alidade medicina do trabalho no Brasil ao longodos anos de 1940 e 1950.

Entre os autores com maior número de arti-gos, destacavam-se os médicos do MTIC. Osartigos sobre medicina do trabalho, acidentes dotrabalho e doenças do trabalho apareceram emmaior número, conforme o gráfico 1.

Destaca-se, entre os principais temas trabalha-dos: condições de trabalho, alimentação dos ope-rários, ensino e formação em medicina do traba-lho, seleção e readaptação profissional, acidentesdo trabalho e doenças profissionais e do trabalho.

Um número expressivo de artigos estava re-lacionado com a análise das condições de traba-lho nos estabelecimentos industriais, fosse atra-vés de inquéritos ou de pareceres e relatórios deinspeção. Eram os inspetores médicos do MTICque produziam tais trabalhos, relatando os am-bientes de trabalho vistoriados e por muitas ve-zes indicando medidas preventivas e/ou correti-vas aos problemas encontrados, demonstrandodesta forma conhecimento e competência técni-ca no campo da medicina e da higiene do traba-

lho. A revista funcionava neste sentido como es-paço para a divulgação das ações do MTIC e dasatividades realizadas por seus especialistas (Fi-gura 1).

Para além de ser um espaço de divulgação dasações do MTIC, a revista também abria espaçopara os serviços de empresas e fábricas. Na análi-se dos exemplares da revista, localizamos um gran-de número de propagandas de várias fábricas,entre as quais podemos destacar a América Fa-bril, a Companhia de Fiação do Rio de Janeiro, aFábrica Beija Flor e a Fábrica Distincta e Sanis.

continuação

. Membro da Comissão de Medicina do Trabalhoda ABMT (1955)Publicações:. “O homem e a máquina”. Boletim MTIC 1936;2(18).. “Codificação das normas de higiene do trabalho”.Revista do Trabalho 1941..”Prevenção dos acidentes de trabalho”. BoletimBMTIC 31:266.. “Pneumonia e Trabalho”. Revista do Trabalho1941.. “As Doenças Profissionais e Legislação no Brasil”.Separata dos Anais do I Congresso Brasileiro deHigiene do Trabalho. Rio, 28/11 a 03/12 de 1949.Rio de Janeiro, 1951.. “A Indústria Poligráfica”. Revista do Trabalho 1941.. “Indústria do Cimento”. Revista do Trabalho 1941.. “O olho e as doenças profissionais. Estudo Médico-Legal”. Revista do Trabalho 1941.. co-autor com Cavalcanti EP. Indústria do vidro.Boletim BMTIC 1935.

Figura 1. Capa da Revista Médica do Trabalho, ano1, nº2, dezembro, 1946 (Acervo da Biblioteca doInstituto de Estudos em Saúde Coletiva daUniversidade Federal do Rio de Janeiro, IESC/UFRJ).

Gráfico 1. Distribuição dos temas de trabalhos publicados na

Revista Médica do Trabalho entre 1945 e 1951.

12345671234567123456712345671234123412341234

37% - medicina do trabalho

26% - acidentes do trabalho

14% doenças do trabalho

10% condições de trabalho

8% higiene do trabalho

5% orientação profissional

Revista Médica do Trabalho (1945 - 1951)

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O tema dos acidentes do trabalho estava pre-sente direta e indiretamente em grande parte dosartigos que discutiam as condições de trabalhode determinados ramos de atividades, bem comoaqueles que apresentavam os princípios da me-dicina do trabalho, mas também foi objeto deartigos específicos, como, por exemplo, o traba-lho do Dr. Zey Bueno11. O objetivo principal doartigo era a defesa das políticas de prevenção dosacidentes. O autor criticava diretamente as com-panhias de seguro pela ausência de um trabalhopreventivo, limitando-se as mesmas ao pagamen-to de indenizações e à prestação de uma incipien-te assistência médica.

O artigo do Dr. Paulo Motta Filho, da DHSTdo MTIC, enfocava o tema dos acidentes do tra-balho e a responsabilidade das indústrias frenteaos mesmos. Destacava a importância da atua-ção da DHST, do médico da fábrica, do enge-nheiro, da comissão interna de prevenção de aci-dentes, do inspetor de segurança e dos mestres econtramestres nas campanhas de prevenção. So-bre as atividades do Ministério, faz o seguintecomentário: Por mais que se esforce o Ministériodo trabalho, pela Divisão de Higiene e Segurançado Trabalho, na propaganda em jornais e revistas,cartazes, preleções e projeções educativas, semprevê, no decurso de um ano, grande número de aci-dentes catalogados uns por imprudência de operá-rios e outros por displicência de empregadores12.

Com o objetivo de divulgar a importância damedicina do trabalho, a DHST organizou, emmeados dos anos 40, uma Campanha de Irradi-ação Nacional sobre o tema, na qual médicos daDivisão fariam palestras em diferentes estadossobre diversos aspectos da especialidade, váriasdestas foram publicadas na Revista Médica doTrabalho. A médica Adele Nascimento realizoupalestra na Rádio de Salvador, na qual destacouque “a referida Divisão acaba de empreender pa-triótica campanha com irradiação nacional, nosentido de se aumentar a produção pela maiorsegurança do trabalho, garantida pelo combatesistemático dos acidentes e infortúnios”13.

A questão de fundo da palestra estava, nonosso entender, embebida da mais pura ideologiacorporativa, na medida em que afirmava ser aprincipal finalidade do Ministério do Trabalho,no que tangia à medicina do trabalho, buscar operfeito equilíbrio do trabalhador, possibilitandoa ampla colaboração com os patrões e a maiorprodução com o menor desgaste possível, visan-do, sobretudo, ao crescimento da pátria/nação.

A referência ao aumento da produção é umargumento constante ao longo dos artigos ana-

lisados, muitas vezes com o objetivo de valorizara importância das atividades desempenhadas pelamedicina do trabalho e por seus profissionais etambém como forma de buscar a adesão dosempresários a tais ações que na maioria das ve-zes implicavam em gastos e investimentos porparte dos mesmos. Em editorial dedicado a estatemática, Hugo Firmeza enfatizava o maior ren-dimento econômico decorrente de tais iniciativasno campo da medicina do trabalho:

Interessando-se pela higiene da sua indústria,observando de perto as condições sanitárias do am-biente de trabalho, verificando a sua influência so-bre a saúde do trabalhador, instituindo normas dehigiene industrial, tudo isso através do médico espe-cializado em medicina do trabalho, o empregadorestará adotando meios seguros de proteção; prote-ção para o operário, que terá, assim, saúde e produzi-rá mais; proteção para a sua indústria que, produ-zindo, aumentará o seu rendimento econômico14.

Em um outro editorial da Revista Médica doTrabalho, Hugo Firmeza voltava a enfatizar osprejuízos que a fadiga do trabalhador acarretavana produção. Apontava como uma das princi-pais causas de tal estado o trabalho irracional,que não levava em conta as características orgâ-nicas de cada operário e defendia que para solu-cionar tais problemas era fundamental a atua-ção do médico especializado: Para sanar as conse-qüências da fadiga sobre o operário e sobre o tra-balho em si, isto é, para evitar as doenças, os aci-dentes e o decréscimo de produção que o cansaçoacarreta, a melhor solução é cada estabelecimentoindustrial ter um médico especializado em higienedo trabalho15.

Dessa forma, o grande objeto da medicinado trabalho não seria somente a saúde dos tra-balhadores, mas também o patrimônio dos em-presários e a riqueza da nação. Assim, inseridoneste contexto de desenvolvimento e crescimen-to das “riquezas da nação”, os médicos do traba-lho acabavam por participar diretamente desteprocesso na medida em que estavam, de um cer-to modo, cuidando do capital humano das in-dústrias e das atividades comerciais. Este objeti-vo da medicina do trabalho foi alvo de um dis-curso do Dr. Abelardo Tavares, em 1951, ao en-tregar a presidência da ABMT para o presidenteeleito, Dr. Zey Bueno: Lamentavelmente, a Medi-cina do Trabalho, entre nós, ainda ensaia os pri-meiros passos, porque só tardiamente foi que nosapercebemos da sua existência e das suas extraor-dinárias vantagens. Iniciada, porém, a tarefa, urgenão abandoná-la, nem descurá-la, mas, antes, in-centivá-la e prestigiá-la, para que a semente lan-

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çada, em terreno fértil, germine e frutifique, parahonra dos seus pioneiros e para a grandeza da nos-sa Pátria16.

Esta não era uma visão uniforme entre osgrupos empresariais, mas já demonstrava umcerto apoio de algumas categorias que passavama perceber o quanto as precárias condições detrabalho, os acidentes e as doenças resultantesdos mesmos podiam interferir negativamente nosíndices de produtividade dos negócios. Assim, aocuidar da saúde do trabalhador, não o deixandoadoecer nem tampouco se acidentar, os médicosdo trabalho estariam protegendo peças funda-mentais do processo de produção econômica.Neste contexto, ganham destaque e importânciaos serviços médicos nas indústrias, tema que ire-mos trabalhar a seguir.

Rubens Bastos, médico da DHST, destacavaem seu artigo que os médicos do trabalho pos-suíam uma visão mais ampla do que a do médi-co clínico, em função do seu olhar de sanitarista,atento às questões da prevenção e da melhoriadas condições de trabalho. Afirmava o autor queo médico de empresa deveria conhecer com deta-lhes as indicações e contra-indicações dos ofíciosexistentes e as patologias profissionais decorren-tes dos mesmos, devendo sempre agir no sentidoda prevenção. Destaca a importância de estesmédicos desenvolverem programas de educaçãono ambiente de trabalho e de manterem contatocom a DHST.

De qualquer maneira, porém, esses serviçosdevem estar obrigados a trabalhar em contatocom a DHST que no futuro, ao lado dos serviçosmédicos, viria a funcionar exclusivamente comoum supervisor e órgão de consulta. Quando atin-gíssemos essa fase, a equipe médica da DHST selibertaria da rotina, que ficaria entregue àquelesserviços e que praticamente seria muito mais pro-veitosa para a massa operária, que estaria cons-tantemente assistida, dedicando-se a um progra-ma de cunho eminentemente científico, com es-tudos dos nossos múltiplos problemas de medi-cina industrial. Transformar-se-ia num verda-deiro Instituto Nacional do Trabalho17.

Uma massa operária constantemente assisti-da por profissionais especializados em promo-ver a saúde e o bem-estar dos trabalhadores: tra-balhadores sãos. Este era o ideal proposto e de-sejado pelo médico do MTIC que tinha tambémoutros planos para os técnicos da DHST: a cria-ção de um instituto de pesquisas em medicina dotrabalho, deixando transparecer que as ativida-des rotineiras desenvolvidas pela Divisão esta-riam afastando os médicos deste ideal.

A ABMT e os eventos científicos

Outro importante espaço de atuação da ABMTfoi a organização e promoção de congressos eeventos científicos que reuniam os especialistasnos temas da medicina, higiene e segurança dotrabalho, espaços privilegiados da divulgação eatualização do conhecimento científico. A Asso-ciação realizava também as já mencionadas reu-niões científicas mensais, que eram palestras con-feridas por médicos convidados e por médicos eengenheiros do próprio MTIC.

Em 1949, por iniciativa da Associação Brasi-leira de Medicina do Trabalho, realizou-se o ICongresso Brasileiro de Higiene e Segurança doTrabalho, no Rio de Janeiro, de 28 de novembroa 03 de dezembro, com patrocínio da Confede-ração Nacional das Indústrias, o qual foi obtidoatravés do Presidente de Honra do congresso, oDeputado Euvaldo Lodi, responsável pelo apoioda referida confederação à publicação dos anaisdo evento (Figura 2).

Figura 2. Capa dos Anais do I Congresso Brasileirode Higiene e Segurança do Trabalho. Rio de Janeiro,1949 (Acervo da Biblioteca do Instituto de Estudosem Saúde Coletiva da Universidade Federal do Riode Janeiro, IESC/UFRJ).

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No discurso de abertura do congresso, Dr.Rubens Bastos, presidente da Comissão Execu-tiva, destacava o papel e a importância dos pri-meiros médicos voltados ao campo da medicinae higiene do trabalho e do evento na organizaçãoda especialidade: Pela primeira vez se reúnem ostécnicos em higiene e segurança do trabalho doBrasil para estudar e debater as múltiplas e impor-tantes questões que dizem respeito à sua especiali-dade. [...] É uma grande fortuna que aqueles mes-mos idealistas de quinze anos atrás - Edison Ca-valcanti, Zey Bueno, Hugo Alqueres e a pessoa quevos fala - que constituíram o núcleo de pioneirosda medicina do trabalho aplicada em nosso país,[...] estejam no pórtico deste Congresso para dar asboas vindas18.

Os trabalhos apresentados foram divididosnos temas Assistência Social, Alimentação doTrabalhador, Trabalho de Menores, Segurançado Trabalho e Higiene do Trabalho. Entre os as-suntos do tema Higiene do Trabalho, destaca-vam-se os relativos às doenças profissionais, aoconceito de higiene do trabalho, ao papel do ser-viço médico industrial, à importância dos exa-mes médicos e da proteção ao trabalho do me-nor e da mulher.

O Dr. Raimundo Estrela apresentou um inte-ressante trabalho discutindo o conceito brasilei-ro de higiene do trabalho, no qual enfatizava quea indefinição do conceito era uma questão paravários países, havendo grupos que não distin-guiam a higiene da medicina do trabalho, outrosque viam na higiene, além do aspecto preventivo,o aspecto clínico-curativo e outros que os consi-deravam campos distintos.

Esses desentendimentos naturalmente atingi-ram também as atribuições dos médicos que ser-vem no setor trabalhista. Médicos do trabalho,médicos de fábrica, médicos da indústria? Higie-nistas industriais, sanitaristas do trabalho ou daindústria; inspetores médicos do trabalho? Comodenominá-los? A denominação apropriada está,porém, na dependência do critério com que seencara a higiene e a medicina do trabalho19.

O autor declarava sua opção em seguir a “ori-entação doutrinária” do MTIC, que exerce fun-ções da higiene do trabalho, de caráter preventi-vo, tais como a fiscalização dos ambientes e aproteção sanitária dos trabalhadores e da medi-cina do trabalho. Segundo Estrela, os médicosdo ministério seriam mais verdadeiramente “hi-gienistas do trabalho”, achando assim que seriauma certa incongruência do mesmo denominá-los “médicos do trabalho”. Esta era uma discus-são importante entre os que atuavam no campo

da higiene e medicina do trabalho, havendo adefesa de diversas denominações e espaços deatuação por parte de diferentes grupos e institui-ções. O próprio congresso era denominado Con-gresso de Higiene e Segurança do Trabalho, en-quanto a entidade promotora do mesmo era aAssociação Brasileira de Medicina do Trabalho,cujos principais integrantes eram inspetores mé-dicos do trabalho da Divisão de Higiene e Segu-rança do Trabalho do MTIC.

Entre as resoluções aprovadas no I Congres-so Brasileiro de Higiene e Segurança do Trabalhoestava a recomendação de rever o Capítulo V daConsolidação das Leis Trabalhistas (CLT) dedi-cado ao tema da Higiene do Trabalho. Além dis-so, foi proposta a criação de uma cadeira demedicina do trabalho no currículo das faculda-des de medicina por considerar-se a especialida-de como de fundamental importância ao ensinomédico no país. Consideramos não ser um fatosem importância estarem reivindicando o statusde uma cadeira própria, na medida em que talreconhecimento seria, na verdade, também o re-conhecimento da existência e da relevância da es-pecialidade e dos seus profissionais.

Outra iniciativa da ABMT foi a realização daII Semana Brasileira de Prevenção de Acidentes eHigiene do Trabalho, ocorrida no Rio de Janeiro,em agosto de 1949, contando com patrocínio daPrefeitura do Distrito Federal e da Divisão deHigiene e Segurança do Trabalho do MTIC. Esti-veram presentes na solenidade de abertura, oentão Ministro do Trabalho, Indústria e Comér-cio, Dr. Honório Monteiro, o prefeito do Distri-to Federal, General Ângelo Mendes de Morais, orepresentante da Organização Internacional doTrabalho no país, Dr. Afonso Bandeira de Melloe vários industriais. O evento contou com expo-sições, concursos de cartazes e uma série de pa-lestras sobre o tema nas mais diferentes rádiosdo país, muitas das quais foram publicadas naRevista Médica do Trabalho.

Considerações finais

O conjunto das publicações apresentadas, os te-mas trabalhados, o nível de conhecimentos es-pecíficos que os mesmos deixam transparecer, asconstantes referências às publicações internacio-nais contemporâneas e o fato de membros daAssociação terem destaque como especialistas docampo, nos permitem afirmar o papel de desta-que da ABMT, através especialmente da RevistaMédica do Trabalho e da promoção dos seus

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congressos e eventos científicos, no processo deconsolidação do campo da medicina do traba-lho ao longo das décadas de 40 e 50 do século XX.

Neste sentido, analisar as primeiras décadasde atuação da Associação Brasileira de Medicinado Trabalho nos permitiu indicar o papel dosmédicos do trabalho como agentes primordiaisdo processo de construção e consolidação destanova especialidade médica, a medicina do traba-lho. Para tanto, estavam construindo competên-cia e adquirindo legitimidade e autoridade, tra-balhando em agências do Estado (em especial,do Ministério do Trabalho, Indústria e Comér-cio), criando e participando de organizações ci-entíficas, com destaque para a Associação Brasi-

leira de Medicina do Trabalho, e utilizando-se dediferentes meios para divulgar seu conhecimen-to, através da apresentação de trabalhos em con-gressos e da publicação em periódicos, entre ou-tras tantas atividades.

Analisando o papel dos especialistas médicosdo trabalho na constituição e consolidação deuma especialidade, tal como estudado por SérgioCarrara2, podemos ressaltar a importância daABMT ao longo do processo de construção damedicina do trabalho no Brasil e a importânciada sua relação direta e indireta com o MTIC,fornecendo pistas e indícios para a análise daspolíticas públicas em saúde e trabalho no Brasilao longo dos anos de 1940 e 1950.

Referências

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Artigo apresentado em 17/12/2006Aprovado em 14/05/2007Versão final apresentada em 06/06/2007

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