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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL A ATIVIDADE DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES E O SISTEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO Roberta Madeira Quaranta Fortaleza - CE Agosto, 2009

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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL

A ATIVIDADE DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES E O SISTEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO

BRASILEIRO

Roberta Madeira Quaranta

Fortaleza - CE Agosto, 2009

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ROBERTA MADEIRA QUARANTA

A ATIVIDADE DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES E O SISTEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO

BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito Constitucional, sob a orientação da Profa. Dra. Joyceane Bezerra de Menezes.

Fortaleza - Ceará 2009

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___________________________________________________________________________

Q1a Quaranta, Roberta Madeira.

A atividade dos notários e registradores e o sistema de responsabilidade

civil no direito brasileiro / Roberta Madeira Quaranta. - 2009.

197 f.

Dissertação (mestrado) – Universidade de Fortaleza, 2009.

“Orientação: Profa. Dra. Joyceane Bezerra de Menezes.”

1. Notários e registradores – Brasil. 2. Registros públicos. 3. Serviço

público.

4. Responsabilidade civil. I. Título.

CDU 347.961(81)

___________________________________________________________________________

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3

ROBERTA MADEIRA QUARANTA

A ATIVIDADE DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES E O SISTEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO

BRASILEIRO

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________

Profa. Dra. Joyceane Bezerra de Menezes

UNIFOR

_____________________________________________

Profa. Dra. Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça

UNIFOR

_____________________________________________

Prof. Dr. Juvencio Vasconcelos Viana

UFC

Dissertação aprovada em: 31/08/2009

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À minha mãe, pelo exemplo que sempre foi em minha vida e por ser o alicerce de tudo que sou e acredito.

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AGRADECIMENTOS

À memória de meus avós, Afonso dos Santos Madeira e Conceny Hemerly

Madeira, que permanecem vivos em meu coração, por todo o amor e carinho que

sempre me dedicaram.

Ao meu marido, Mozart Gomes de Lima Neto, por seu amor, por sua amizade e

por tudo que ainda iremos construir juntos.

Aos meus filhos, Pedro e Laura, pela coragem, força e perseverança que suas

existências despertam em mim e pelo amor incondicional que nutro por cada um deles.

Às minhas irmãs, porque, apesar das diferenças, nós nos entendemos e

sempre estamos dispostas a lutar pela felicidade umas das outras.

À minha companheira de mestrado, Cecília Barroso de Oliveira, pelas aulas

compartilhadas e pelas várias noites em claro estudando juntas para realização

deste sonho.

À Defensoria Pública do Estado do Ceará, pelo apoio financeiro na

concretização deste trabalho.

À Universidade de Fortaleza, pela oportunidade que me deu de desenvolver

este estudo, bem como de exercer a atividade de ensino jurídico.

À minha orientadora, Professora Doutora Joyceane Bezerra de Menezes, cujo

destaque no meio acadêmico apenas reflete sua dedicação, esforço e amor pelo

estudo do Direito.

À minha amiga Paula Campos Fiúza, pela fidelidade e companheirismo

demonstrados durante tantos anos de amizade.

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Aos professores integrantes da banca examinadora, Profa. Dra. Joyceane

Bezerra de Menezes, Profa. Dra. Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça e Prof.

Dr. Juvencio Vasconcelos Viana, pela atenção em compor a banca examinadora.

À Professora Núbia Maria Garcia Bastos, pela criteriosa revisão metodológica e

pela cordialidade.

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RESUMO

A presente pesquisa analisa a atividade dos notários e registradores em correlação com o sistema de responsabilidade civil no direito brasileiro, sob a perspectiva do direito constitucional das obrigações. A Constituição de 1988, ao explicitar a natureza privada em que se exercem as atividades notariais e de registro e ao exigir o concurso público para que nelas se possa ingressar, deflagrou um processo de incremento de tais atividades, iniciando a modificação da percepção social a respeito de sua importância e incentivando o aprimoramento das habilidades técnicas que envolvem esta profissão. Entretanto, ainda assim, observa-se que muitos particulares se veem experimentando prejuízos em decorrência de atos praticados pelos oficiais das serventias extrajudiciais não-oficializadas, bem como por seus prepostos. Para a resolução desses problemas, deverão estes agentes delegados de serviço público responder de maneira direta e subjetiva, como se denota da interpretação sistemática do art. 22 da Lei nº 8.935/94, tomando-se como base o disposto no § 1º do art. 236 da CF. Outro fator a justificar tal entendimento é que o desempenho autônomo dessas atividades só se justifica se a atuação se der por conta própria e pela assunção de riscos do delegado. Por outro lado, caso seja este insolvente, haverá a responsabilidade do Poder Público, em decorrência do equívoco na delegação ou omissão na exigência de caução. Responderá o ente estatal pela falha originária, ocorrida quando do exercício do poder delegante, mas não pelo erro causador do dano. Dessa forma, o ente estatal responderá de maneira subsidiária, ainda que objetivamente, em face da incidência da regra insculpida no § 6º do art. 37 da mesma Carta Política.

Palavras-chave: Atividade notarial e de registro. Delegação. Serviço Público. Responsabilidade Civil. Sistemas de aferição.

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ABSTRACT

This research analyzes the activity of notaries and registrars in correlation with the system of civil liability under Brazilian law, from the perspective of constitutional obligations. The 1988 Constitution, in explaining the private nature in which they carry out activities notary and registration and to require a public tender that it can join them, unleashed a process of increase of such activities, initiating change in social perceptions regarding the importance of such activities and encouraging the improvement of technical skills involved in this profession. However, still, it is observed that many individuals find themselves experiencing losses due to acts committed by officers of the court serventias not made official, as well as their agents. To solve these problems, these agents should be delegated public service to respond directly and subjective, as it denotes the systematic interpretation of art. 22 of Law No. 8935/94, taking as basis the provisions of § 1 of Art. 236 CF. Another factor to justify such an understanding is autonomous performance of these activities is justified only if the action is der own account and risk taking by the delegate. Moreover, this case is insolvent, there will be the responsibility of the Government, due to misunderstanding in the delegation or omission in the requirement of collateral. Respond to state entity for failure originates, which occurred when the exercise of delegating, but not by mistake that caused the damage. Thus, the state entity will respond subsidiary, even though objectively, given the impact of the rule inscribe in § 6 of art. 37 of the Charter Policy.

Keywords: Activity notarial and registration. Delegation. Public Service. Liability. Benchmarking systems.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 11

1 A ATIVIDADE NOTARIAL E DE REGISTRO NO BRASIL ............................................ 15

1.1 A evolução histórica do sistema registral e do notariado ........................................... 17

1.1.1 Origens do notariado ....................................................................................... 18

1.1.2 Evolução do sistema registral .......................................................................... 24

1.2 A disciplina do sistema notarial e de registro na Constituição Federal e nos demais

diplomas legais pátrios............................................................................................... 28

1.3 A atividade notarial e de registro como serviço público ............................................ 36

1.4 A função notarial e registral como método eficiente e adequado de prevenção de

litígios – exercício da jurisdição voluntária ............................................................. 44

1.5 Princípios informativos da atividade notarial e de registro ........................................ 51

1.5.1 Princípio da publicidade .................................................................................. 55

1.5.2 Princípio da fé pública ..................................................................................... 57

1.5.3 Princípio da segurança jurídica........................................................................ 58

1.5.4 Princípio da imparcialidade ............................................................................. 60

1.5.5 Princípio da cautelaridade ............................................................................... 63

1.5.6 Princípio da tecnicidade................................................................................... 65

1.5.7 Princípio rogatório ........................................................................................... 67

1.5.8 Princípio da autonomia funcional .................................................................... 68

2 NUANCES DO SISTEMA NOTARIAL E DE REGISTRO NO DIREITO BRASILEIRO .... 70

2.1 Natureza jurídica da atividade notarial e de registro e de seus delegados titulares do

serviço ......................................................................................................................... 70

2.2 O entendimento dos Tribunais acerca das leis de organização judiciária estaduais e

os serviços notariais e de registro .............................................................................. 83

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2.3 A contraprestação referente à prática de atos de competência das serventias

extrajudiciais e sua respectiva natureza jurídica ................................................ 89

2.4 Possibilidade de redução ou isenção legal dos emolumentos devidos às serventias

extrajudiciais .............................................................................................................. 97

3 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES NO

ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO .......................................................... 105

3.1 A responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro ......................................... 105

3.1.1 Elementos constitutivos ................................................................................. 112

3.1.2 Modalidades de responsabilidade civil .......................................................... 120

3.2 Teorias que fundamentam a responsabilidade civil .................................................. 122

3.2.1 Teoria subjetiva ............................................................................................. 122

3.2.2 Teoria objetiva sem culpa (teoria do risco) ................................................... 127

3.3 A responsabilidade civil do Estado .......................................................................... 133

3.3.1 Antecedentes históricos ................................................................................. 134

3.3.2 A responsabilidade civil do Estado na CF de 1988 ....................................... 140

3.4 Sistema de responsabilidade civil dos notários e registradores ....................................... 145

3.4.1 Critérios para aferição da responsabilidade civil dos notários e

registradores: uma análise fundamentada dos artigos 37, § 6º, e 236, §1°,

da CF e o respectivo regramento infraconstitucional conferido à matéria .... 147

3.4.2 O Código de Defesa do Consumidor e sua inaplicabilidade no sistema de

responsabilidade civil dos notários e registradores ....................................... 166

3.4.3 A responsabilização subsidiária do Estado pelos danos decorrentes dos

atos notariais e de registro praticados nas serventias não-oficializadas ........ 171

CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 182

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 189

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INTRODUÇÃO

As funções inerentes à dinâmica diária das atividades notariais e de registro,

embora pouco conhecidas, mesmo entre os operadores do direito, revestem-se de

imensa importância, especialmente no tocante às relações negociais, eis que se

voltam para a garantia de autenticidade, segurança, publicidade e eficácia dos

negócios jurídicos.1

A previsão constitucional de tais serviços só corrobora a importância que

ostentam na sociedade, dispondo o art. 236 da Constituição Federal de 1988 que

serão exercidos em caráter privado, por intermédio de delegação do Poder Público,

a qual se operará dentre pessoas previamente aprovadas em concurso público de

provas e títulos. Contudo, o texto constitucional remeteu para as vias ordinárias

diversas questões de fundamental importância no trato da matéria, como será

oportunamente pontuado.

Restam, por parte da doutrina e jurisprudência pátrias, dúvidas das mais

variadas, ainda mais se forem levados em consideração os contornos atípicos de

que se revestem tais atividades. O principal embróglio verificado diz respeito ao

regime jurídico ao qual estão submetidos os titulares delegados das serventias

extrajudiciais (notários e registradores), especialmente no que tange ao sistema de

responsabilidade civil respectivo.

O interesse pela presente temática surgiu tendo em vista a escassez

doutrinária acerca dos pontos que serão objeto de análise, bem como devido à

inconstância dos posicionamentos jurisprudenciais existentes sobre questões

correlatas às atividades notariais e de registro e o sistema de responsabilidade civil

no ordenamento jurídico brasileiro.

Dentro desse contexto, busca-se mostrar que as atividades notariais e de

registro encontram-se regidas por um sistema jurídico híbrido, possuindo diversos

_______________ 1 Modalidade de ato jurídico que tem por escopo a modificação, aquisição, resguardo, transmissão ou

extinção de direitos. (STOLZE et al., 2008, p. 296-298).

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institutos com características peculiares, não se coadunando, portanto, às regras

gerais que regulamentam o ordenamento pátrio.

A pesquisa enquadra-se em área relativa ao Direito Público, haja vista que a

responsabilização do Estado e de seus agentes delegados é estudo afeto à area de

direito público. Ademais, notários e registradores, conforme será observado, devem

ser considerados como agentes delegados prestadores de serviços públicos.2 Os

principais pontos objetos de análise na presente dissertação têm como fonte as

disposições contidas no art. 236 da Constituição de 1988, que, juntamente com a Lei

nº 8.935/94 (a qual, além de regulamentar o mencionado art. 236 da Constituição

Federal, estabelece o estatuto dos notários e registradores), formam o arcabouço

legislativo dos oficiais de registros públicos.

Objetivou-se, especificamente, encontrar respostas para os seguintes

questionamentos: São os notários e registradores considerados servidores públicos?

Qual o regime jurídico a que se submetem esses profissionais? Como será aferida a

responsabilidade civil em caso de danos sofridos pelos utentes dos serviços

notariais e de registros, ocasionado pelos delegados titulares das serventias

extrajudiciais ou seus respectivos prepostos? Nesse caso, de que modo responderá

o Estado, diante da delegação que concedeu, nos termos do art. 236, caput, da CF

de 1988?

Para a realização do presente trabalho, utilizou-se como metodologia

pesquisas bibliográfica e documental. A pesquisa bibliográfica foi realizada com base

em livros e artigos científicos constantes de revistas especializadas e publicações

avulsas sobre os temas referentes às Atividades Notariais e de Registros, ao

Regime Jurídico aplicável às mesmas, à Responsabilidade Civil dos Notários e

Registradores, e também à Responsabilidade Civil do Estado, frente aos atos

praticados pelos delegatários de serviços públicos. A pesquisa documental deu-se

mediante a análise da legislação que trata da atividade notarial e de registro e da

responsabilidade civil, bem como das decisões proferidas pelos tribunais pátrios,

dando-se maior ênfase aos acórdãos proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça e

_______________ 2 É assim que dispõe o caput do art. 236 da Constituição Federal de 1988 e o art. 3º da Lei 8.935/94,

no sentido de que os notários (ou tabeliães) e os registradores (ou oficiais de registro) são profissionais do direito, dotados de fé pública, que exercem em caráter privado os serviços notariais e de registro, por delegação do poder público.

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Supremo Tribunal Federal, que tratam do regime jurídico atinente aos oficiais de

registros públicos, máxime no que tange à responsabilização civil respectiva.

Procurou-se seguir uma sequência lógica na estruturação deste trabalho, que

foi dividido em três capítulos. Para tanto, foram esclarecidos alguns pontos, sem os

quais a compreensão do estudo restaria prejudicada.

Assim, no primeiro capítulo, buscou-se, inicialmente, explicitar a relevância

sociojurídica dos serviços notariais e de registro, perfazendo-se, para tanto, breve

digressão histórica acerca de sua evolução. Nesse capítulo, busca-se esclarecer

noções essenciais para a compreensão do tema deste trabalho, tais como em que

consistem as atividades de registros públicos, se são elas consideradas serviços

públicos e quais os princípios pelos quais se regem.

No segundo capítulo, buscou-se definir o regime jurídico em que estão

inseridos os oficiais de notas e registros. Procurou-se mostrar as nuances que

envolvem a presente temática, bem como a dificuldade enfrentada pelos estudiosos

do tema e Tribunais em enquadrar esses profissionais em uma categoria jurídica

específica. Também nesse capítulo apresentou-se o entendimento dos Tribunais

acerca das leis de organização judiciária estaduais e os serviços notariais e de

registro, a natureza jurídica da contraprestação referente à prática de atos de

competência das serventias extrajudiciais, bem como a possibilidade (ou não) de lei

reduzir ou isentar a cobrança dos emolumentos devidos às serventias extrajudiciais.

No terceiro capítulo, procurou-se perquirir acerca das noções gerais de

responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente no tocante a

certos pontos que se reputam de inquestionável importância, tais como: seus

elementos constitutivos, as modalidades de responsabilidade civil, as teorias que

fundamentam o sistema, bem como a responsabilidade civil do Estado, passando

pela sua evolução histórica e desaguando no modo como a mesma encontra-se

positivada na Constituição Federal de 1988.

Nesse último capítulo, ainda, demonstrou-se especificamente o sitema de

responsabilidade civil do Estado e dos titulares das delegações notariais e de

registro, em face de prejuízos ocasionados por estes – e seus respectivos prepostos

- no desempenho das atividades funcionais que lhe são atribuídas. Fez-se uma

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análise fundamentada dos artigos 37, § 6º, e 236, §1°, da CF/1988, bem como do

respectivo regramento infraconstitucional conferido à matéria. Ainda buscou-se

demonstrar o pensamento dos adeptos de ambas teorias (subjetiva e objetiva) para

aferição da responsabilização civil dos notários e registradores. Finalmente, esse

capítulo terceiro debruçou-se sobre alguns temas que vêm recebendo destaque no

trato das matérias, tais como, a impossibilidade de imputação de responsabilidade

ao notário ou registrador por ato praticado antes de sua investidura na delegação

estatal (sucessão nos ofícios), a inaplicabilidade da legislação consumerista às

atividades notariais e de registro (inclusive no que diz respeito à responsabilidade

civil dos notários e registradores), bem como a responsabilização subsidiária (e não

direta) do Estado pelos danos decorrentes dos atos notariais e de registro praticados

nas serventias não-oficializadas.

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1 A ATIVIDADE NOTARIAL E DE REGISTRO NO BRASIL

As funções inerentes à dinâmica diária das atividades notariais e de registro

são pouco conhecidas, mesmo entre os operadores do direito. Consistem em

serviços organizados de forma técnica e administrativa, voltados para a garantia de

autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Ademais, a publicidade

advinda de tais atividades gera, inegavelmente, a preservação da ordem social.

Dentro do ramo de serviços de notas e registros, observam-se várias espécies

de profissionais, consoante leitura do art. 5º da Lei nº 8.935/94 (Lei dos Notários e

Registradores), a saber: tabeliães de notas; tabeliães e oficiais de registro de

contratos marítimos; tabeliães de protesto de títulos; oficiais de registro de imóveis;

oficiais de registro de títulos e documentos e civis das pessoas juridicas; oficiais de

registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas; e oficiais de registro de

distribuição.

Em que pese a similaridade no desempenho de suas respectivas funções, cada

profissional possui atividades que lhe são peculiares e exclusivas, as quais se

revestem dos atributos necessários para as especificidades de cada ramo.

Justamente pela importância que ostentam na sociedade é que os serviços

notariais e de registro possuem previsão constitucional, estando regulamentados no

art. 236 da CF de 1988, que estabelece que serão prestados em caráter privado, por

intermédio de delegação do Poder Público. Prevê o texto constitucional, outrossim, o

modo de ingresso nessas atividades, bem como remete para a lei ordinária várias

questões de fundamental importância no trato da matéria, como será oportunamente

pontuado.

Nesse sentido, devem as serventias extrajudiciais se organizar de modo a

utilizar todo o aparato técnico e científico para a realização de suas funções,

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objetivando a eficiência na administração dos serviços oferecidos à população, cujo

rol encontra-se expresso no ordenamento jurídico.

No que tange, especificamente, à relevância social de tais serviços, notários e

registradores desempenham atividade potencialmente inibidora de litigiosidade,

evitando que muitos conflitos cheguem às portas do Judiciário, minorando, assim, os

problemas relativos ao acesso à já assoberbada justiça. A recente edição da Lei nº.

11.441, de 4 de janeiro de 2007 (que alterou dispositivos do Código de Processo

Civil Brasileiro), possibilitando a realização de inventário, partilha, separação

consensual e divórcio consensual por via administrativa) é prova bastante e

suficiente do que ora se afirma.

A essa intervenção do Estado nos negócios jurídicos celebrados entre os

particulares dá-se o nome de administração pública de interesses privados, o que,

irrefutavelmente, constitui uma das grandes atribuições dos notários e registradores.1

Outro exemplo da função social de tais atividades diz respeito ao papel social e

político dos registradores de imóveis, conforme preleciona Ricardo Dip (2005,

p.139), com bastante propriedade:

Nessa linha de consideração, dizer, como se afirmou no já referido Encontro de Morélia, que o registrador de imóveis é, pela razão primeiríssima de seu ofício – tal a aferível da própria história da publicidade imobiliária -, um garante direto da propriedade predial particular e, bem por isso, um garante mediato das liberdades concretas do povo, é, de fato, reconhecer que sua missão política essencial se remete fundamentalmente à função plenária- pessoal e social – do domínio privado. Em outros termos, a função de garantia direta da propriedade imobiliária particular e de garantia mediata das liberdades concretas assina ao registrador predial um específico papel político, que é indissociável da teleologia da instituição registraria, ainda que a secundar a função política ou social do domínio privado. [...] Essas referidas funções instrumentais de garantia, tendo por objeto material a propriedade privada, devem reconduzir-se, no plano de sua justificação, ao conceito de licitude e de função social do domínio particular, de tal modo que a função política dos registradores esteja em garantir, juridicamente, na normalidade da vida social, o exercício pleno da propriedade privada, tanto, de um lado, nos marcos de uma dimensão pessoal naturalmente lícita – pois não se ordenam os homens para a polis, tal que fosses apenas partes da cidade -, quando, de outro lado, nos lindes do uso da propriedade retamente ordenada ao prius do bem comum político.

_______________ 1 Na esteira desse pensamento, Antônio Carlos de Araújo Cintra e outros (2000, p.106) asseveram que ―existem atos jurídicos da vida dos particulares que se revestem de importância que transcende os limites da esfera de interesse das pessoas diretamente empenhadas, passando a interessar também à própria coletividade‖. Devido a isso, por mais que pareçam pertencer à esfera particular do indivíduo, necessitam da participação, direta ou indireta, do Estado para que sejam aptos à produção de efeitos jurídicos.

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O serviço notarial, consoante ensina Walter Ceneviva (2002, p. 22), constitui-se

como a atividade de agente público, autorizado legalmente, de redigir, formalizar e

autenticar instrumentos que corporificam atos jurídicos extrajudiciais do interesse

dos solicitantes, com fé pública, sendo tais funções também permitidas às

autoridades consulares brasileiras, na forma da legislação especial.

Defende que as atribuições dos notários decorrem da crescente necessidade

de investir uma pessoa de fé pública, para que os seus atos conduzam as

características essenciais à produção dos efeitos jurídicos, provando de maneira

segura e clara a existência do direito neles contantes. Devido a isso, afirma que o

notário constitui ―a ponte entre a lei e a declaração‖.

Os registros, por sua vez, dedicam-se, como regra, ao assentamento de títulos

de interesse privado ou público, para garantir a oponibilidade a todos os terceiros

com a publicidade que lhes é inerente, garantindo, por consequência, a

autenticidade, a eficácia e a segurança dos atos da vida civil a que se referem.

1.1 A evolução histórica do sistema registral e do notariado

A história do sistema registral e do notariado confunde-se com a própria

história do Direito e da vida em sociedade, uma vez que tais atividades

―representam fundamental elemento de conservação da memória de um povo‖

(BENÍCIO, 2005, p.15), relatando, através dos tempos, a evolução do direito e da

própria humanidade.

Os aspectos históricos que fazem referência ao surgimento das atividades

notariais e de registro são bastante antigos, remontando aos primórdios da

civilização. Fabrício Andrade Ferreira Girardin Pimentel (2008, p. 57) assevera que:

[...] na Mesopotâmia há indícios de procedimentos voltados para a publicidade registral, bem como antes do Código de Hamurábi (c. 1700 a.C). Há informações acerca de contratos de transmissão imobiliária lavrados por escribas (notários) em tabuletas de argila, entregues aos compradores em um recipiente contendo a inscrição da tampa; muitas vezes, cópias dessas tabuletas eram guardadas por autoridades públicas (registros públicos).

2

_______________ 2 O autor segue fazendo uma exposição acerca da evolução da atividade notarial e de registro no Antigo Egito, Grécia, Idade Média, até chegar a Carlos Magno, no século VIII.

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À época da Antiguidade as relações negociais eram decididas em festas

públicas que, dado o seu caráter publicista, faziam com que a feitura dos contratos e

demais negócios jurídicos se tornasse conhecida por todos. Com o passar do tempo e

a crescente evolução e complexidade dos indivíduos, tais fatos passaram a reclamar

outros instrumentos para que fosse obtida a sua ―perpetuação no tempo‖, mormente

após o surgimento do papel e da escrita. (ALMEIDA JÚNIOR, 1963, p. 2-3).

Destes anseios é que surgiram os serviços ―registrais‖, popularmente

conhecidos no Brasil como ―cartórios‖, instituições responsáveis pelo registro,

manutenção e conservação dos acontecimentos e documentos.

Constituídos pelo Estado de modo a assegurar e transmitir a verdade da

existência de certos fatos e atos jurídicos, lavrar instrumentos de negócios jurídicos,

atestar a identidade dos indivíduos, das firmas e assinaturas, bem como registrar os

diversos títulos de direitos, conservando-os e perpetuando seus respectivos efeitos

no tempo, os tabelionatos de notas e as serventias registrais sofreram grandes

mudanças em sua estrutura técnica e organizacional ao longo dos anos.3

1.1.1 Origens do notariado

A função notarial surgiu com a necessidade de criar meios para fixar e

perpetuar os convênios e de redigir os atos jurídicos que as partes queriam celebrar.

Leonardo Brandelli (2007, p. 3) relata ser a atividade notarial anterior ao surgimento

do próprio Direito, ou seja, assim como o próprio, ―egressa das necessidades

sociais‖.4

Cláudio Martins (1974, p.47-48) salienta que bem cedo, ante a necessidade

cada vez maior, tornou-se necessário disciplinar os relacionamentos sociais das

pessoas, bem como as relações decorrentes dos direitos destas sobre os bens,

_______________ 3 No prefácio do livro ―Órgãos de Fé Pública‖ de João Mendes de Almeida Júnior (1963), João Mendes de Almeida Neto faz uma verdadeira síntese da evolução dessas atividades no Brasil.

4 Para Brandelli (2007, p. 3), através dos tempos, os notários têm relatado, por intermédio da documentação de atos, a evolução tanto da humanidade, quanto do direito, registrando na história os grandes acontecimentos. Afirma que ―a atividade notarial é atividade pré-jurídica, egressa das necessidades sociais‖. Acredita-se que esta afirmação é digna de contradita, uma vez que se a função notarial e de registro visa à redação de atos jurídicos, tal já pressupõe a existência do direito. No mesmo sentido, vide Décio Antônio Erpen (2006, p. 48).

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tendo isso sido efetuado por intermédio de interpostas pessoas que, em razão da

confiança que inspiravam no povo, gozavam de prestígio e credibilidade.5

Nos primórdios da sociedade, antes mesmo do surgimento da escrita, referidos

negócios - realizados entre os indivíduos - se constituíam através dos símbolos e

eram eternizados na memória pelos sacerdotes (sacerdotes memoristas)6, pessoas

dotadas de integridade e respeito, cujo prestígio era a garantia maior das relações

negociais. Após essa fase surgiu o ―reinado da palavra‖, como a mais imponente

forma de declaração de vontade.

Com o passar dos anos e o crescente desenvolvimento da sociedade e das

relações negociais, aflorou a necessidade de provarem-se as convenções através de

meios mais eficazes, ou seja, menos vulneráveis que meras palavras, de modo a

imprimir maior segurança jurídica aos partícipes. Surgiram os documentos escritos

por particulares que possuíam conhecimento da caligrafia. Mais tarde, esta atividade

de escrita se profissionalizaria e personificaria o papel dos servidores oficiais.

Cabe ressaltar que a atividade notarial, até meados do século treze,

aproximadamente, mantinha forte raízes com a atividade jurisdicional, haja vista que

as autoridades judiciais haviam de participar do ato notarial, a fim de conferir-lhe o

caráter público.7

Ocorre que, pela quantidade de atribuições, as autoridades do Poder Judiciário

foram, pouco a pouco, delegando tais funções, surgindo uma classe autônoma,

formada por oficiais públicos. Daí por diante, estes passaram a agir de modo

independente na prestação dos serviços notariais e de registro, tornando-se

delegados imediatos do Estado, no que tange às funções de notas e registros

públicos.

_______________ 5 Foi Justiniano I, imperador bizantino, também unificador do Império Romano cristão, o responsável pela promoção da transformação da atividade notarial em profissão regulamentada. (MARTINS, 1974, p. 7).

6 Nesse sentido, podemos afirmar que o memorista, segundo lição de Cláudio Martins (1974, p. 47), foi o primeiro indivíduo a exercer, embora de forma rudimentar, a função notarial, tendo sido mantida essa intervenção sacerdotal até o advento da escrita, que trouxe para os negócios jurídicos importantíssimas modificações.

7 Mais uma razão para refutarmos o argumento de Brandelli (2007, p. 03), no sentido de ser a atividade notarial pré-jurídica.

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No Brasil, a atividade notarial surgiu e se desenvolveu graças ao período das

grandes navegações, quando o tabelião fazia parte da tripulação das expedições,

sendo encarregado de registrar e formalizar todos os acontecimentos havidos durante

as longas viagens, desde os mais relevantes, até os pertencentes ao cotidiano das

embarcações. Pero Vaz de Caminha foi o primeiro tabelião a chegar ao Brasil, a quem

coube redigir o único documento oficial do qual se tem conhecimento acerca da posse

de terras no momento do descobrimento do país. (BRANDELLI, 2007, p. 22-24).8

As Ordenações Filipinas vigoraram no país até o início do século XX, diante da

situação de colônia ostentada pelo Brasil. O direito português era, portanto, aplicado

em solo brasileiro da mesma forma que o era em Portugal, inclusive no que dizia

respeito ao notariado. Em que pese essas circunstâncias, as normas que formavam

os sistemas jurídicos dos serviços judiciais e extrajudiciais no Império possuíam

características próprias, vez que ―não se acomodaram jamais, às ordenações

reinícolas, como é comum se ouvir.‖ (MELO JÚNIOR, 1998, p. 250).

Nesse sentido, o autor acima citado ensina que é preciso refletir acerca do

entendimento comumente propalado de que o notariado brasileiro teve as mesmas

características do português. A par da influência inicial que o modelo do notariado

em Portugal teve sobre o brasileiro, a evolução da atividade notarial no Brasil seguiu

rumos próprios, que distanciaram-na dos seus ancestrais, como demonstra:

[...] o nosso notariado em 497 anos de história nacional desviou-se muito dos seus ancestrais portugueses. A par disso, nula foi a sua evolução. De um lado, numa perspectiva imediata, o notariado estava submetido à crescente teia normativa local, que, dia após dia, agigantava-se, confundindo o próprio poder julgador. Do outro lado, mediatamente, o notariado via-se tolhido pelas ordenações reinóis, que, ligadas às surgentes normações da Colônia, inviabilizavam o desenvolvimento autônomo da administração desses serviços. (MELO JÚNIOR, 1998, p.177-179).

Entretanto, cabe observar que a construção de um sistema jurídico que

regulamentasse essas atividades não seguia uma ordem lógica e razoável. Nesse

sentido, havia normas de inferior hierarquia que revogavam outras, de etiologia

superior, bem como normas locais que dispunham sobre o múnus notarial de forma

concomitante (e diversa) às do Reino. Dessa forma, não era do conhecimento de

ninguém o sistema que regia ―aqueles homens dos cartórios de tabelião‖. Havia um

_______________ 8 Leonardo Brandelli (2007, p. 23-34), em nota de rodapé, transcreve ipsi litteris a carta de Pero Vaz Caminha, a qual denomina de ―certidão de nascimento do Brasil.‖

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verdadeiro caos institucional a respeito das atividades notariais, o qual somente não

se deixava transparecer por serem estas inexpressivas dentro do contexto social da

época. (MELO JÚNIOR, 1998, p. 179).

Na fase inicial da atividade no Brasil, os recursos humanos não anunciavam

melhorias na qualidade e na prestação dos serviços, seja no campo notarial, seja em

outras áreas de interesse coletivo. (MELO JÚNIOR, 1998, p. 181). Desta feita, os

tabeliães eram nomeados pelo Rei, como bem denota Brandelli (2007, p.35):

[...] o provimento dos cargos de tabelião dava-se por meio de doações, sendo o donatário investido de um direito vitalício, ou até mesmo por compra e venda ou sucessão causa mortis, o que não é de se estranhar, haja vista que esta era a forma de provimento de todos os cargos públicos na América colonial e também na Espanha. Dessa forma, por óbvio, não havia como exigir preparo e aptidão tão necessários para o exercício da função, sendo ela entregue, não raras vezes, a pessoas que não lhe eram merecedoras, juntando-se ao notariado uma série de cargos públicos de menor expressão.

Não havia a cultura da importância dos notários para a redação dos

documentos oficiais dos países, até o momento em que se iniciaram as grandes

disputas pela posse de terras pelos grandes países colonizadores, tais como

Portugal, Espanha, Inglaterra, dentre outros. Tanto é verdade o ora afirmado, que

não existiam maiores preocupações acerca da qualificação técnica desses

profissionais.

Melo Junior (1998, p.185-186), citando Isidoro Martins Júnior (1979, p.104-

105), exemplifica tal situação dando conta de que o provimento do cargo de tabelião

dava-se por mera liberalidade dos donatários das quinze capitanias existentes,

mediante o pagamento de pensão de quinhentos réis por ano. Os donatários eram

soberanos, nos termos das Cartas de Doações. Após realizada a dotação da

capitania respectiva, ao agraciado incidia a responsabilidade exclusiva sobre ―tudo o

mais‖. Isso acabava por gerar uma forte concentração de poder - o que acarretava

arbitrariedades na concessão de funções tão importantes a pessoas não tão

merecedoras -, bem como a inércia absoluta das atividades notariais.

Prossegue o autor ressaltando a influência exercida pela Igreja na estrutura

das instituições coloniais, com nítidos relexos na ―praxe tabelional‖, tudo com os

beneplácitos da Corte Portuguesa. Assim, diante de tanta má influência, como bem

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ressalta, o notariado no Brasil não teve a mesma evolução experimentada na

Europa e em outros países sul-americanos, embora no Brasil Império a instituição

notarial caminhasse para a construção equilibrada de uma estrutura saudável e

evoluída do notariado. (MELO JUNIOR,1998, p.190).

Foi a partir de dois grandes marcos, quais sejam, a Constituição de 1824 e o

surgimento do sistema legiferante brasileiro, com o advento dos Códigos Comercial

e Criminal, que o notariado local iniciou o processo de independência funcional,

―quebrando as amarras‖ que até então o prendia ao sistema português. Foi

justamente a partir da proclamação da República, especialmente após o ano de

1930, que o notariado brasileiro iniciou seu processo de completa desestruturação,

em face do espírito iconoclasta que dominou a nação a partir de então. (MELO

JÚNIOR, 1998, p. 250).

Em 11 de outubro de 1827 foi editada, no Brasil, uma lei regulando o

provimento dos Ofícios da Justiça e da Fazenda. Por esse regulamento, passou-se a

proibir a transmissão dos ofícios notariais como se propriedade fossem, exigindo-se,

outrossim, a transmissão destes a pessoas dotadas de idoneidade, a título de

serventia vitalícia. Ainda que a situação do notariado tenha observado alguma

melhora em razão da citada inovação legal, não se exigiu qualquer qualificação para

o preenchimento das vagas, sequer, experiência no ofício notarial, o que,

indubitavelmente, fez com que o Brasil se mantivesse alheio aos avanços

experimentados por outros países. Observou-se, outrossim, que não houve

preocupação em se instituir nenhuma organização profissional corporativa.9

(BRANDELLI, 2007, p. 38)

Com o advento do Código Civil Brasileiro de 1916, diversos atos passaram a

exigir a forma pública do instrumento contratual para a sua validade plena. Tal

tendência foi acompanhada por outros regramentos legais pátrios (inclusive mantida

com o novel CCB), embora somente com a Constituição Federal de 1988 tenha sido

estabelecido um divisor de águas para a atividade dos notários, consoante será

_______________ 9 A propósito, Mello Júnior (1998, p. 253), ressalta que a formação de uma autarquia e a inauguração de escolas, visando à formação e o aperfeiçoamento técnico e jurídico dos notários (e seus auxiliares) seriam soluções a serem adotadas urgentemente para a institucionalização efetiva do notariado brasileiro, contribuindo para que este consiga de desprender de forma definitiva do Poder Judiciário, bem como da mistura indevida que se costuma fazer entre as funções desse Poder e a atividade dos registradores.

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abordado oportunamente. Sintetizando a evolução histórica desse sistema,

Regnoberto Marques de Melo Júnior (1998, p.255) afirma:

O notariado brasileiro contemporâneo é herança da forma de governo republicana, que, interrompendo a construção de um direito nacional levado a efeito com o Império, nos impingiu abruptamente um modelo importado de regime federalista centralizado, outorgando aos Estados-Membros a regularização dos notariados, como se estes fossem órgãos do Judiciário. Especialmente após Getúlio Vargas,os notários brasileiros descaracterizaram-se completamente, regendo a instituição uma confusa estratificação de normas administrativas, exaradas pelo Poder Judiciário dos Estados. A recente Lei federal n° 8.935, de 1994, nada mais fez do que ratificar essa situação, de vez que manteve o notariado numa humilhante situação de subserviência institucional e funcional em relação ao mesmo Poder Judiciário.

Desta feita, ressalta o autor (1998, p. 195-196) que, desde a proclamação da

República até o surgimento da Lei 8.935/94, o sistema notarial brasileiro sofreu

diversas modificações e incertezas de sua manutenção, eis que sempre esteve

entregue às leis estaduais de organização judiciária que, sendo formuladas pelos

detentores do poder da situação, ofereciam toda série de irregularidades,

desmandos e benefícios aos ―amigos e familiares‖. Dessa forma, contribuiu-se para

a cultura do nepotismo, que há muito tempo predominou nessa área de atuação,

chegando muitos a afirmar não haver um modelo de instituição notarial brasileira, e

sim uma cópia mal feita do notariado europeu medieval.10

Cláudio Martins (1974, p.50), sintetizando estudo acerca da origem e evolução

histórica do notariado, assevera que a história desse instituto assinala períodos de

declínio, como ocorre nos Estados anglo-saxões, que lhe não reconhecem a

autonomia. Não obstante, a função notarial nunca decaiu de seu altíssimo sentido de

imprescindibilidade social, seja de qual forma for: sob o domínio da autoridade

religiosa – como ocorreu na Idade Média – ou sob a influência de sua configuração

secular, tal como chegou até o Brasil.11 Para o autor, os percalços pelos quais

_______________ 10

Assevera Melo Júnior (1998, p. 251), que ―os concursos públicos presididos pelos Tribunais de Justiça, pelo menos no Estado do Ceará, são eivados de pública suspeita. Nos últimos três concursos para ‗rendosas‘ serventias da Capital e interior, somente foram aprovados em primeiro lugar, e portanto providos nos cargos, filhos de desembargadores que exerciam comando nos órgãos administrativos do Judiciários (como Presidência, Corregedoria, Diretorias dos Fóruns, etc.)‖.

11 Hércules Alexandre da Costa Benício (2005, p. 46-47), citando o constitucionalista Pinto Ferreira (1995, p. 467-469) certifica que a evolução do notariado no direito luso brasileiro apresenta a existência de três etapas históricas, quais sejam: ―O primeiro período foi aquele em que o titular do ofício de justiça era o proprietário (muito embora o escrivão não pudesse vender, renunciar nem transpassar o ofício sem licença especial do Rei), prolongando-se o direito costumeiro de sucessão dos cartórios. O tabelião recebia a serventia a título de doação, era vitalício e não poderia ser

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atravessa dita atividade em alguns países, não lhe estorvam o prestígio ascendente,

como fator da mais alta valia no universo das relações consensuais.

Por sua vez, Melo Júnior (1998, p.253) demonstra preocupação com o

desconhecimento que possui o Brasil acerca das funções notariais, vez que

―ninguém ama o que não conhece.‖ Prossegue afirmando que não lhe causará

admiração a exclusão do notariado em uma próxima Constituição, ante a

degeneração ética e cultural do país. Nesse sentido, o processo evolutivo da

atividade notarial confunde-se com o da própria sociedade onde encontra-se

inserida.

1.1.2 Evolução do sistema registral

O modelo primitivo do que atualmente denomina-se de registros públicos

remonta à época da pré-história, onde as gravuras confeccionadas nas cavernas

representavam o cotidiano. Desde aqueles tempos, havia pinturas rupestres que

pareciam indicar atividade registral, deixando a sensação de que contava o número

de habitantes de determinado aglomerado social.

Com a invenção do calendário pelos egípcios, bem como da escrita pelos

fenícios, durante a era da antiguidade oriental, avistou-se um novo rumo para a

evolução da atividade registral, mormente no que concerne às atividades comerciais

da época.

Com a Idade Média e o consequente declínio das atividades comerciais, o

hábito do registro comercial tornou-se esquecido, relegado ao tempo. Com o fim

desse período de trevas, deu-se o renascimento das relações comerciais entre as

grandes nações e o surgimento das corporações de ofício e das ligas de

afastado senão por meio de sentença judicial confirmada pela Relação. Na segunda etapa, aboliu-se toda vinculação do direito de propriedade às serventias, com a Lei de 11 de outubro de 1827, que ‗determina a fôrma por que devem ser providos os officios de Justiça e Fazenda‘. Com a edição desta lei, ficou determinado que: ―Art. 1º Nenhum officio de Justiça, ou Fazenda, seja qual for a sua qualidade, e denominação, será conferido a título de propriedade. Art. 2º Todos os officios de Justiça, ou Fazenda, serão conferidos, por títulos de serventias vitalicias, ás pessoas, que para elles tenham a necessaria idoneidade, e que os sirvam pessoalmente; salvo o accesso regular, que lhes competir por escala nas repartições, em que o houver‖. O terceiro período caracteriza-se pela constitucionalização da vitaliciedade dos aludidos titulares, consagrada pela Constituição de 1946 que, em seu art. 187, determinou serem ―vitalícios somente os magistrados, os ministros do Tribunal de Contas, os titulares de ofício de justiça e os professores catedráticos.‖

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comerciantes – a denominada burguesia. Nesse sentido, os denominados ―registros

de comércio‖ voltaram a ter utilidade.

No Brasil, o registro comercial oficial, instituído por ocasião do 2o Império,

precedeu o surgimento do registro civil oficial, que somente foi criado após a

Proclamação da República. Isso ocorreu porque, após a consolidação dos Estados

Nacionais, percebeu-se a necessidade de haver uma disciplina da atividade

comercial pelo Estado, advindo daí a criação de órgãos próprios para o registro dos

comerciantes e das respectivas atividades comerciais.

Dessa forma, as pessoas jurídicas organizadas sob a forma de sociedades

comerciais possuíam um sistema próprio de registro, que lhes era peculiar. No que

diz respeito às fundações privadas, sociedades não empresárias e associações,

caberia o respectivo registro ao ofício de registro civil das pessoas jurídicas, que

somente logrou regulamentação por ocasião do Código de Beviláqua, conforme

ensinamento de Walter Ceneviva (1999, p. 224):

Diversamente do registro do comércio o registro civil de pessoa jurídica veio regulado no Código Civil (art. 18 e 19), em parte revogado. Começa a existência da pessoa jurídica de direito privado com a inscrição de seu contrato, ato constitutivo, estatuto ou compromisso, no registro regulado pela Lei n. 6.015. Sendo necessária autorização ou aprovação por autoridade governamental, precederá qualquer registro, a cuja margem serão averbadas as alterações pelas quais passe a pessoa jurídica.

Já com relação à prática registral de pessoas naturais, aduz-se que o primeiro

registro de que se tem notícia ocorreu na Roma Antiga, a partir da experiência dos

censos demográficos, usualmente realizados à época. Essa modalidade registral

viria a ser tratada de forma mais cautelosa pela Igreja durante toda a Idade Média,

adentrando a era Moderna. Nesse tempo, o sacramento do batismo era considerado

como sendo ―o registro da pessoa natural.‖

No Brasil, foi no segundo Império, com a separação do Estado da Igreja, que

observou-se a perda, por parte desta, do monopólio do registro civil das pessoas

naturais, atribuição que passaria a pertencer ao Estado, tornando-se, portanto,

oficial. A partir da Proclamação da República, poucas foram as alterações dos

serviços confiados ao registro civil. (BENÍCIO, 2005, p. 47). No tocante à evolução

do registro imobiliário, Maria Helena Diniz (2000, p. 15) esclarece que:

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[...] na Antiguidade não se falava em propriedade individual de imóveis, pois homens, que viviam em grupos, ocupando, em comum, as casas, apenas individualizavam os bens de consumo, como roupas, armas etc. Somente quando a terra passou a ser explorada para fins comerciais, aquele que a tornava produtiva ficou sendo não só seu dono, como também de seus frutos e produtos, mas essa ocupação não recebia proteção jurídica, por não haver ainda uma sociedade politicamente organizada.

Pontua a autora que, com o descobrimento do Brasil, deu-se início à história da

propriedade imobiliária, uma vez que todas as terras passaram para o dominio

público. A Coroa Portuguesa instituiu a propriedade privada através de doações por

ela feitas, de modo a estimular a ocupação e desbravamento das terras tupiniquins

por aqueles que aqui aportavam.

Como bem salienta Benício (2005, p. 48), o direito de conceder sesmarias

(terras consideradas incultas ou abandonadas, que o Rei português cedia a

particulares em condições econômicas de cultivá-las) cabia aos delegados

designados pelo Rei, que ficavam na Colônia (Brasil). Os capitães donatários

poderiam doar essas terras a quem pretendesse cultivá-las, sob pena de vê-las

retornar à Coroa.12

Prossegue o autor apontando que o sistema de concessão de terras através de

sesmarias foi suspenso por intermédio da Resolução datada de 17 de julho de 1822.

Com o advento da Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, denominada de Lei da

Terra, criou-se a categoria de terras devolutas representando os imóveis públicos e

não comprometidos no domínio privado. Com o fim das sesmarias e a criação da Lei

da Terra, em 1850, surgiram os registradores imobiliários, responsáveis pelos

registros de atos e vontades das partes interessadas na transferência da

propriedade imóvel. (BENÍCIO, 2005, p. 48). A Lei da Terra também instituiu, em seu

artigo 13, o registro paroquial, feito pelos vigários, dentro das respectivas paróquias,

assentos estes que ostentavam valor probante para fins jurídicos e possuíam

finalidade declaratória.13 (BENÍCIO, 2005, p. 47).

_______________ 12

Em 1530, por meio de Carta Régia, foi nomeado o primeiro desses delegados, Martim Afonso de Souza, com competência para distribuir terras que fosse descobrindo. Com a implantação das Capitanias Hereditárias, a tarefa de delegado sesmeiro passou a ser exercida pelos donatários e, posteriormente, aos Governadores-Gerais do Brasil.

13 Benício (2005, p. 47) esclarece, citando José Renato Nalini (1998, p. 45) que ―O Brasil Colônia e Império viveu a experiência do Estado confessional. E por isso o registro paroquial – o chamado registro do vigário – sempre foi aceito e ostentou valor probante para fins jurídicos.‖

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Os registros de títulos, documentos e outros papéis, segundo ensina Paulo

Roberto de Carvalho Rêgo (2002, on line), alcançaram a condição de serviços

sistematizados no Brasil por intermédio da regulação disposta nos títulos 78 e 80, do

Livro I das Ordenações Filipinas. Tais serviços eram atribuídos, à época, aos

Tabeliães de Notas. O autor enfatiza que:

Com o desenvolvimento da sociedade, os serviços de registros públicos, pouco a pouco, foram especializando-se e, em razão de suas finalidades específicas, foram segmentados por naturezas (Registro de Hipotecas, posteriormente Registro de Imóveis; Registro de Títulos, Documentos e outros Papéis e Civil de Pessoas Jurídicas, etc.). Assim, no ano de 1903, pelo Decreto Federal n° 973, foi criado, na cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, o serviço público correspondente ao ‗primeiro ofício privativo e vitalício do registro facultativo de títulos, documentos e outros papéis, para autenticidade, conservação e perpetuidade dos mesmos e para os efeitos previstos no artigo 3° da Lei 79, de 1892’.

Posteriormente, face ao sucesso da medida e à necessidade de sua implantação, outras unidades foram criadas nos demais Estados Federados. Em 28 de setembro de 1906, foi instalado em São Paulo o primeiro ofício de registro de títulos e documentos e civil das pessoas jurídicas. Em 1° de janeiro de 1916, revogando as Ordenações, Alvarás, Leis e outras normas, foi sancionada a Lei n° 3071, consolidando o Código Civil brasileiro, que,

em seu Livro III, Título I, Capítulo IV (arts. 129 e seguintes), disciplinou os meios de prova dos atos jurídicos, regulando os institutos. Sucederam-se

as normas, até que, em 31/12/1973, foi sancionada a Lei n° 6.015, que vige até o momento, disciplinando, nos seus arts. 127 e ss. o registro de títulos e documentos. (grifo intencional).

Pimentel (2008, p.61-63), em apertada síntese acerca do histórico do Registro

de Títulos e Documentos, diz que a história dessa espécie registral no Brasil nasceu

da necessidade de se abarcar - de maneira fácil e rápida - na mesma esfera de força

probante pertencente aos documentos públicos, os documentos particulares que

atendessem a certos requisitos mínimos e que, uma vez registrados, passariam

igualmente a ter força erga omnes.

Finalmente, no que diz respeito ao registro de protesto de títulos cambiais,

José de Mello Junqueira (2002, on line) dá conta que não havia nenhuma norma a

respeito do protesto no Brasil, até o advento do Código Comercial de 1850 e do

Regulamento nº 737. Segundo o autor, ―vigia o alvará de 1789, que regulava a

denúncia dos protestos, preponderando os usos e costumes do Comércio.‖ A

verdade é que a origem mais remota da evolução do protesto deu-se a partir da

evolução das cambiais, iniciada em 1300.

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O Código Comercial Brasileiro fez, então, referência a essa espécie de serviço

extrajudicial, qual seja, o protesto de títulos cambiais, considerando este ato

necessário para os casos de recusa de aceite e recusa de pagamento. O ato de

protesto teve outras normas regulamentadoras, a saber: Lei Uniforme de Genebra,

de 1930; Leis especiais das duplicatas (Lei n° 5.474/68); Lei do cheque (Lei n°

7.357/85) e Lei de Falências (Decreto-Lei n° 7.661/45). Em todas as legislações

disciplinadoras do protesto, sempre houve referência aos títulos de crédito.

Diante disso, afirma-se que o legislador pátrio, sempre quando se referiu ao

protesto, o fez com base nos títulos cambiais ou a eles similares, salvo raras

exceções, dentre as quais pode-se citar: admissão do protesto do Contrato de

Câmbio (art. 75 da Lei n° 4.728/65) na falência, de outros títulos, conforme dispõe o

artigo10 do Decreto-lei 7.661/45, do contrato de alienação fiduciária (art. 2°, § 2°,

Decreto-lei 911/69) e, também, dos contratos de Compra e Venda com Reserva de

Domínio (art. 1.071 do CPC). Fora desses casos, o ato de protesto sempre ficou

restrito aos títulos cambiariformes.

Ademais, por oportuno, vale salientar que o Decreto nº 135, de 10 de janeiro de

1890, criou o primeiro ―lugar oficial privativo dos protestos de letras na capital

federal.‖ (BENÍCIO, 2007, p. 49).

1.2 A disciplina do sistema notarial e de registro na Constituição Federal e nos demais diplomas legais pátrios

A promulgação da Constituição Federal Brasileira, ocorrida em 5 de outrubro

de 1988, trouxe profundas alterações para a disciplina dos registros públicos no

país, tendo sido fixadas as diretrizes básicas, bem como os princípios fundamentais

da matéria no ordenamento jurídico pátrio.

Tais atividades possuem expressa previsão na Carta Magna de 1988, que, no

caput do art. 236, prevê que ―os serviços notariais e de registro são exercidos em

caráter privado, por delegação do Poder Público.‖

Os notários e registradores são profissionais do direito que prestam serviço

público, por delegação do Poder Estatal, consoante preleciona o dispositivo legal

acima transcrito. Desta forma, cabe consignar que, a partir da Carta Magna de 1988,

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optou o constituinte originário brasileiro, de forma bastante clara, pelo regime privado

para o exercício das atividades cartorárias. Desta feita, tolheu a oficialização dos

tabelionatos e dos cartórios registrais, em contraste com a estatização estabelecida

pelo art. 31 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para as serventias

do foro judicial, a saber: ―Serão estatizadas as serventias do foro judicial, assim

definidas em lei, respeitados os direitos dos atuais titulares.‖ Flauzilino Araújo dos

Santos (1997, on line), ao dissertar acerca do tema, observa que:

[...] a atual Carta Maior efetivamente elevou ao patamar constitucional a atividade notarial e registral– mas que, a rigor, preexistia – e a fez desprender do Poder Judiciário. Consagrou-se, todavia, o óbvio, ao se proclamar que a atividade tinha o caráter privado, exercida ‗por delegação do Poder Público‘ como que se o Constituinte estivesse promovendo a delegação naquele momento. Ela, repito, já se inserira na interação social, uma vez que se cuidava de verdadeira instituição da comunidade, verdadeiro corpo social, não efêmero, advindo, não de ato administrativo ou da vontade política do governante, mas sim de um fenômeno sócio-jurídico, institucionalizado pela interação social, objetivando a segurança nas relações dos indivíduos em sociedade.

No mesmo sentido, Décio Antônio Erpen (2006, p. 48-49) prescreve que a atual

Carta Maior, de forma efetiva, elevou ao patamar constitucional a autonomia das

atividades notarial e de registro, embora essa independência já existisse no plano

legal, retirando as amarras que as ligavam ao Poder Judiciário. Quando o

constituinte originário proclamou que tais atividades tinham caráter privado, sendo

exercidas por ―delegação do Poder Público‖, diz o autor que, na verdade, em nada

inovou. Com efeito, a delegação já existia, estando inserida no ―tecido jurídico-

social‖, haja vista que se cuidava de verdadeira instituição da comunidade,

verdadeiro corpo social permanente, advindo de um fenômeno sociojurídico, e não

de um ato administrativo ou da vontade política isolada de um governante.

Mais de seis anos após o advento da ―Carta Cidadã‖, foi editada a Lei nº

8.935/94 (Lei Orgânica dos Notários e Registradores), que veio regulamentar o art.

236 do texto constitucional, inaugurando uma nova fase para as atividades notariais

e de registro no Brasil, tirando-as do obscurantismo, verdadeira ―zona cinzenta‖, que

pairou sobre elas durante anos, inclusive dentre os próprios operadores do direito,

tornando-as mais conhecidas por todos.

Somente a título ilustrativo, antes da edição da Lei dos Notários e

Registradores sequer a nomenclatura dos ocupantes dessas atividades era

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conhecida pela maioria dos brasileiros, inclusive por aqueles que faziam parte do

mundo jurídico. Brandelli (2007, p.47), ao comentar a situação dos notários, destaca

as inovações trazidas pelo já mencionado estatuto legal:

A citada lei orgânica e o art. 236 da Constituição trouxeram profundas e importantíssimas inovações. A primeira delas, embora pouco significativa do ponto de vista material, parece ser de grande importância para uma função calejada pelo desconhecimento a respeito de sua estrutura. Trata-se da designação técnica do titular da função notarial, definida pela Lei nº 8.935/94: tabelião ou notário. Para que um profissional possa ser valorizado e valorizar-se é preciso, antes de mais nada, que tenha uma designação. É fato pitoresco, mas até hoje muitas pessoas não sabem quem é o titular da função notarial.: chegam ao tabelionato reclamando pelo escrivão, pelo oficial, pelo oficial maior, pelo dono, mas raramente pelo tabelião ou pelo notário. O que era grave, porém, é que no mundo jurídico havia desconhecimento acerca do titular da função notarial, existindo normas que a ele se referiam como escrivão ou oficial, e, neste ponto, a nova lei deu o norte correto: o profissional delegado da função notarial é o notário ou tabelião.

As atividades notariais e as registrárias não se confundem, tal como explicita a

Lei nº 8.935/94, que em seu art. 3º dispõe: ―Notário, ou tabelião, e oficial de registro,

ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado

o exercício da atividade notarial e de registro.‖ O artigo 5º enquadra na expressão

―notários‖ os tabeliães de notas, tabeliães de registro de contratos marítimos e

tabeliães de protesto de títulos, definindo como ―oficiais de registro‖ os titulares das

serventias de registro de imóveis, registro de títulos e documentos e civis das

pessoas jurídicas, registro das pessoas naturais e de interdições e tutelas e,

finalmente, registro de distribuição.

Hércules Benício (2005, p. 19) informa que muitos autores defendem a tese de

que houve atecnia no tocante aos oficiais de protesto de títulos, uma vez que a lei

deveria ter tratado os mesmos como registradores e não propriamente como

tabeliães, sob o argumento de que o protesto de um título aproxima-se mais do

registro de documento com subsequente notificação (publicidade) da dívida.

Argumenta-se que é justamente por isso que a Lei nº 9.492/97, muito embora

se refira constantemente à figura do ―tabelião de protesto‖, determina, no parágrafo

único do art. 9º, que ―qualquer irregularidade formal observada pelo tabelião obstará

o registro do protesto.‖

Por outro lado, para os defensores da natureza ―notarial‖ da atividade de

protesto, o Min. Ilmar Galvão, quando do julgamento da Medida Cautelar em Ação

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Direta de Inconstitucionalidade (ADInMC) nº 2.415/SP, em seu voto, ao transcrever

passagem da petição do Colégio Notarial (figurante como amicus curiae), consignou

que:

A atividade do tabelião de protesto de letras e títulos não é, porém, uma atividade de registro; ela não retrata, pura e simplesmente, uma realidade já existente, como é próprio aos atos registrais, mas, pelo contrário, perfaz a criação de algo novo, um instrumento, a partir da consecução de um ato jurídico ‗stricto sensu‘ de natureza notarial, considerado o adjetivo em sentido amplo.

Outra inovação da lei foi o esclarecimento de diversos pontos controversos,

que há muito norteavam os debates acerca da natureza jurídica das atividades

notariais e de registro.

Consoante já afirmara a Constituição Federal de 1988, a Lei nº 8.935/94

esclareceu não serem os notários e registradores funcionários públicos, mas sim

agentes delegados do Poder Público, uma vez que encarregados de exercer função

tipicamente pública, qual seja, a atividade notarial e de registro. Reflexo do não

enquadramento dos titulares das serventias na categoria de servidores públicos, era

a previsão de que exerceriam tais atividades na condição de particulares,

executando serviço público em nome próprio, por sua conta e risco, não havendo

qualquer relação de hierarquia ou subordinação com relação ao Estado, e sim uma

atividade de fiscalização e regulamentação deste com relação àqueles.

A propósito, a independência funcional dos titulares dos serviços notariais e

registrais, após o advento da Constituição Federal de 1988 e da Lei nº 8.935/94,

restou patente. Ricardo Dip (1997, p.48-49) leciona que ―o registrador não é mero

executor de ordens superiores concretas a respeito de um registro; é, ao invés, o juiz

de sua efetivação‖.

José Renato Nalini (1997, p. 82-89) ressalta que, ainda que exerçam função

pública, os notários e registradores não se econtram subordinados ao Estado

através de uma relação hierarquizada: ―Ora, o delegado não tem subordinação

hierárquica em relação ao Estado. Exerce as suas funções com liberdade e

autonomia.‖ Mais adiante, comparando tais atividades com a de magistrado, observa

não ser verdade que o delegado de serviços extrajudiciais seja desprovido de

discricionariedade.

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Assinala o autor que, dentre os operadores do Direito, o delegado é um dos

mais categorizados, possuindo incumbências bastante aproximadas às dos juízes,

uma vez que, em sendo notário, possui várias funções, dentre as quais a de

aconselhar juridicamente as partes, de modo a encontrar no ordenamento a forma

mais adequada de instrumentalizar suas vontades. Nesse sentido, ―a qualificação

dos títulos, conferida ao registrador, não prescinde do exercício de autoridade

jurídica, exingindo-se-lhe trabalho interpretativo em tudo semelhante ao do julgador

quando faz incidir a vontade da lei ao caso concreto.‖ (NALINI, 1997, p. 89).

Muito embora sejam exercidos em caráter privado, através de delegação do

Poder Público, os serviços notariais e de registro possuem nítidas características de

serviço público, consoante será demonstrado no decorrer do presente estudo.

Os serviços prestados pelas serventias são remunerados, pelos usuários, com

o pagamento dos respectivos emolumentos, cuja individualização e cobrança,

previstas no art. 236, § 2o da CF/1988, foram regulamentadas pela Lei no

10.169/2000, que dispôs sobre as normas gerais para a fixação dos emolumentos

no âmbito dos Estados-membros.

A utilização dos emolumentos como contraprestação por um serviço público

prestado por tais delegatários, além do alicerce constitucional, pode ser vislumbrada

através da sistemática estabelecida pela Lei nº. 8.935/1994 que, dentre outras

coisas, veda a imposição de novas despesas ao usuário em decorrência da

realização das diligências necessárias ao preparo dos atos notariais e de registro.

A Constituição Federal, ainda, dispôs no § 3º do art. 236 que o ingresso nas

atividades notariais e de registro depende de concurso público de provas e títulos,

não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de

provimento ou remoção, por mais de seis meses.

Referida previsão, além de garantir a observância do princípio da isonomia, pôs

fim aos antigos apadrinhamentos concedidos às famílias abastadas de exercerem a

prestação dos serviços dessa natureza, tão somente pelo fato de manterem bom

relacionamento com os detentores do poder. Os abusos eram tão grandes que os

privilégios concedidos às referidas famílias permaneciam mesmo após o óbito dos

titulares, haja vista que a família permanecia prestando tais serviços, ou seja, havia

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uma espécie de ―hereditariedade‖ na transmissão dos direitos, como se a serventia

notarial ou de registro fizesse parte do acervo patrimonial deixado pelo de cujus.

É claramente perceptível que se deve exigir um mínimo de condições

específicas (qualificação) àqueles que exercerão uma função de tamanha importância

para a administração dos interesses dos particulares e para a preservação da ordem

na feitura e aperfeiçoamento dos negócios jurídicos, sendo correto, sim, o emprego de

um critério que discrimine (selecione), objetivando atingir esta segurança.

Por derradeiro, é importante mencionar que incumbe ao Poder Judiciário a

realização dos concursos públicos para preenchimento das serventias notariais e de

registro, cabendo a este poder, inclusive, a outorga das delegações aos aprovados

no certame, bem como a fiscalização do exercício destes nas atividades em

comento. O concurso terá que contar, ainda, em todas as suas fases de execução,

com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, de um

notário e de um registrador.14

Desta forma, há de se observar a existência de um serviço público essencial,

que é prestado por particulares por intermédio de delegação do Poder Público.

Ocorre que tal delegação se dá de forma sui generis, ou seja, por meio de concurso

público e não de licitação. O art. 236 da CF/88, por mais que determine a outorga da

delegação pelo Poder Público, não esclarece a qual dos Poderes (cuja divisão é

feita somente a título acadêmico, eis que o Poder Estatal é uno e soberano)

pertence a respectiva incumbência.

Tal lacuna, até a regulamentação do retroenfocado dispositivo constitucional,

ocorrida por ocasião da edição da Lei dos Notários e Registradores (Lei nº

8.935/94), ensejou diversos e acirrados debates doutrinários e jurisprudenciais, em

razão de uns entenderem ser de competência do Poder Executivo outorgar a

delegação; outros defenderem competir tal atribuição ao Poder Judiciário.

Atualmente tal questão encontra-se superada e pacificado restou o

entendimento de que a incumbência para processamento das outorgas de delegação

_______________ 14

A disposição contida no §3º do art. 236 da CF, exigindo concurso público para ingresso nas funções notariais e de registro, foi regulamentada pelos artigos 14 a 19 da Lei 8.935/94 (Lei dos Notários e Registradores).

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compete ao Poder Judiciário.15 A doutrina pátria aponta diversos artigos da Lei nº

8.935/94 que levam a esta sistemática conclusão. Isso pode ser demonstrado através

do entendimento esposado por Celso Antônio Bandeira de Mello, em trechos de

parecer formulado a pedido da ANOREG (Associação dos Notários e Registradores

do Brasil), citado em artigo de autoria de Ivana H. Ueda Resende (2003, on line):

A teor da Lei 8.935, compete ao Poder Judiciário realizar os concursos públicos para provimento de tais serviços (art. 15) e, através do Juízo competente, fixar os dias e horários em que serão prestados os serviços notariais e de registro (art. 4°); receber o encaminhamento feito pelo titular dos nomes de seus substitutos (art. 20,§2°); resolver as dúvidas levantadas pelos interessados e que lhe serão encaminhadas pelos notários e registradores (art. 30, XIII); fixar as normas técnicas de obrigatória observância naqueles serviços (art. 30, XIV); aplicar aos notários e oficiais de registro, em caso de infrações disciplinares, assegurada ampla defesa, as penalidades previstas de repreensão, multa, suspensão e perda da delegação (art. 34 c/c 31, 32 e 33), dependendo esta última de sentença transitada em julgado ou de processo administrativo, assegurado amplo direito de defesa (art. 35), bem como, designar interventor para responder pela serventia (arts. 35,§1° e §1° do 36) quando suspendê-lo preventivamente (art. 36 e §1° do art. 36); exercer, através do juízo competente, como tal considerado aquele assim definido na órbita estadual ou distrital, a fiscalização dos atos notariais e de registro, sempre que necessário ou quando da inobservância de obrigação legal destes agentes ou seus prepostos (art. 37); remeter ao Ministério Público cópias e documentos necessários à denúncia, quando em autos ou papéis que conhecer, verificar a existência de crimes de ação pública (parágrafo único do art. 37); zelar para que os serviços notariais ou de registro sejam prestados com rapidez, qualidade satisfatória e de modo eficiente, podendo sugerir à autoridade competente planos de adequada e melhor prestação deles (art. 38); propor à autoridade competente a extinção do serviço notarial ou de registro e anexação de suas atribuições a outro da mesma natureza, quando verificada a absoluta impossibilidade de se prover por concurso público a titularidade dele, por desinteresse ou inexistência de candidatos (art. 44).

_______________ 15

Nesse sentido manifestou-se o C. Supremo Tribunal Federal: ―EMENTA:- Recurso extraordinário. Mandado de segurança. Provimento n.º 8/95, de 24 de março de 1995, do Desembargador Corregedor-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. 2. Alegação de que o ato impugnado contraria a Lei n.º 8.935, ao declarar que este diploma atribuía 'a fiscalização dos serviços notariais' ao Poder Judiciário, quando a competência a ele reservada restringe-se exclusivamente aos atos não ao serviço, enquanto estrutura administrativa e organizacional. 3. Sustentação da necessidade da distinção entre fiscalização dos atos notariais, que constitui atribuição natural do poder concedente, exercida por intermédio do Poder Judiciário, e a fiscalização administrativa, interna. 4. Transformação constitucional do sistema, no que concerne à execução dos serviços públicos notariais e de registro, não alcançou a extensão inicialmente pretendida, mantendo-se, em conseqüência, o Poder Judiciário no controle do sistema. A execução, modo privato, de serviço público não lhe retira essa conotação específica. 5. Não há de se ter como ofendido o art. 236 da Lei Maior, que se compõe também de parágrafos a integrarem o conjunto das normas notariais e de registro, estando consignada no § 1º, in fine, do art. 236, a fiscalização pelo Poder Judiciário dos atos dos notários e titulares de registro. 6. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 255124, Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno, julgado em 11/04/2002, DJ 08-11-2002 PP-00026 EMENT VOL-02090-05 PP-00887, 2009, on line).‖

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Embora a competência delegante, no que diz respeito às serventias notariais e

de registro, seja do Poder Judiciário, responsável pela instauração do concurso

público constitucionalmente exigido, bem como pela respectiva fiscalização da

prestação de tais serviços, não é certo afirmar que notários e registradores

pertençam a este poder.

Exemplo disso é que a disposição constitucional reguladora das atividades

notariais e de registro (art. 236 da CF de 1988) localiza-se, topograficamente,

afastada das Seções referentes à organização do Poder Judiciário (arts. 92 a 126),

demonstrando, assim, que os serviços notariais e de registro não compõem a

estrutura orgânica do Poder Judiciário, bem como que seus titulares (notários e

registradores) gozam de independência no desempenho de suas atribuições.

(BENÍCIO, 2005, p. 54).

Para Décio Antônio Erpen (1999, p.103-104), quando os juristas enfrentaram o

tema da localização de tais funções, ainda na fase pré-constituinte, já vislumbravam

que os serviços notariais e de registro não integravam o Poder Judiciário, bem como

que não pertenciam a nenhum outro Poder. Na visão desse autor, a subtração de tal

atividade da esfera do Poder Judiciário, sem o deslocamento para outro poder, dá a

clara ideia de que passaram os Serviços Notariais e Registrais a serem tratados como

Instituições da Comunidade, e não mais como órgãos do Poder, em qualquer de suas

modalidades. A omissão, pois, de sua existência, em qualquer órgão da

Administração Pública, não constitui desaviso do Constituinte, mas, antes, consciente

e oportuno posicionamento científico, consagrando a autonomia da atividade.

Não obstante, o Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado do

Ceará, editado pela Lei n° 12.342/94, prevê os serviços notariais e de registro no

Livro II, que dispõe sobre a Organização Judiciária, especificamente no Título V,

denominado ―Da organização, classificação, atribuição e disciplina dos serviços

auxiliares do Poder Judiciário‖, e mais precisamente nos Subtítulos III, que dispõem

acerca ―Dos Serviços Notariais e de Registros da Comarca de Fortaleza, exercidos

em caráter privado por delegação do Poder Judiciário do Estado do Ceará e sob sua

fiscalização‖; Subtítulo V, ―Dos Serviços Notariais e de Registros dos Termos

Judiciários‖; e Subtítulo VI, ―Dos Serviços de Registros dos Distritos Judiciários.‖ A

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análise dessa lei estadual demonstra que o legislador considerou os notários e

registradores insertos na estrutura organizacional do Poder Judiciário.

Como se verá, a Constituição Federal deixou à legislação ordinária, bem como

aos intérpretes, difíceis questões a respeito do regime jurídico aplicável a tabeliães e

registradores titulares de serventias não-oficializadas. Dentre essas questões está o

problema central do presente trabalho, qual seja, a discussão sobre a

responsabilidade civil do Estado e dos titulares de cartórios não-oficializados

(notários e registradores), decorrente de prejuízos causados por estes agentes

públicos (e seus prepostos) no desempenho de suas atividades funcionais, bem

como diversas outras problemáticas que se seguem no segundo e terceiro capítulos.

1.3 A atividade notarial e de registro como serviço público

Antes de iniciar-se a abordagem do tema proposto no presente tópico, cabe

ponderar – ainda que de modo perfunctório - sobre o conceito de serviço público.

Afinal, o que é serviço público?

A primeira dificuldade que enfrentam os que tentam definir serviço público diz

respeito à ―propalada oscilação história‖ de seu conceito. (AGUILLAR, 1999, p. 112).

Tendo-se em vista que os conceitos existentes acerca de serviço público oscilam

historicamente (assim como – igualmente - oscilam em virtude de serem

provenientes desta ou daquela escola do pensamento jurídico), conforme seja

adotada esta ou aquela postura sobre o tema, adotar-se-á um ou outro conceito,

mais restrito ou mais abrangente, levando-se em consideração – ainda – diversos e

diferentes elementos definitórios. Devido a isso, procuram os autores fornecer uma

noção estável de serviço público, menos sujeita às alterações verificadas no

contéudo concreto dessas atividades.16

Ocorre que, a despeito dos esforços empreendidos, segundo pontua Fernando

Herren Aguillar (1999, p. 114), os próprios conceitos tido como estáveis parecem

defasar com o passar do tempo, seja pela alteração dos fatores que num dado

momento haviam conduzido os juristas a optar neste ou naquele sentido, seja pelo

_______________ 16

Exemplo disso seria um conceito que considera como serviço público as ―atividades de interesse da coletividade‖.

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falseamento de sua concepção, produzido por eventuais teorias concorrentes (e

discordantes).

Joyceane Bezerra de Menezes (2004, p. 109) aduz que o serviço público retira

sua razão de ser da noção de interesse público, ou seja, do interesse da

coletividade. Sendo assim, assevera que, da mesma forma pela qual os interesses

da coletividade se transformam no tempo, em função das especificidades de cada

sociedade, não se faz possível enumerar de modo genérico e universal o que se

considera por serviço público.

Odete Medauar (2003, p. 215-217) aponta a França como berço da noção de

serviço público, asseverando que, no início do século XX, com Duguit e Jèze, deu-se

início à chamada Escola do Serviço Público, resultando no enraizamento desse

conceito no ordenamento francês, fenômeno este que logo depois se expandiria

para o mundo ocidental.17 Citando a clássica conceituação de Duguit (Traité de droit

constitutionnel, ed. 1927), pontua que o serviço público é toda atividade que tem sua

realização assegurada, disciplinada e controlada pelos governantes, vez que seu

exercício mostra-se imprescindível à efetivação e ao desenvolvimento da

interdependência social, não podendo se concretizar a não ser com a intervenção da

força governamental.

A doutrina portuguesa, por sua vez, na voz de Rodrigo Gouveia (2001, p. 20),

distingue serviço público de ―serviços de interesse geral‖, categoria esta em que

melhor se enquadrariam, para o caso específico de Portugual, os serviços notariais e

de registro. O doutrinador, citando Pedro Gonçalves (1999, p. 25), define serviço

público com sendo ―uma actividade de que a administração é titular e por cujo

exercício é responsável (responsabilidade de execução).‖

Por outro lado, os serviços de interesse geral, na visão de Gouveia (2001, p. 17),

são aqueles que satisfazem necessidades básicas da generalidade dos cidadãos,

quer sejam elas de ordem sociocultural ou econômica, cuja existência se mostre

essencial à vida, à saúde ou à participação social dos indivíduos. Prossegue

_______________ 17

Agustín Gordillo (2003, p. VI – 1) também aponta a França como local de nascimento da noção de serviço público: ―La noción de servicio público nació y floreció en Francia caracterizada como actividad de determinado tipo realizada por la administración en forma directa, o indirectamente a través de concesionarios y fue el concepto que sirvió para la construcción del viejo derecho administrativo‖.

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ressaltando que a qualificação de um serviço como sendo de interesse geral não é

estanque, devendo ser aferida de conformidade com um determinado nível de

desenvolvimento da sociedade, ou seja, o conceito irá evoluir e tornar-se mais

abrangente de acordo com o que seja considerado, em uma determinada sociedade,

como imprescindível à vida, à saúde ou à participação social.

Assim, ao contrário do que ocorre com o serviço público em sentido restrito, os

serviços de interesse geral não são tarefas por cujo o exercício seja responsável a

administração. Muito pelo contrário. Podem estes ser prestados por entidades

privadas. É justamente esse o ponto nodal que faz surgir referido conceito, uma vez

que se considera que a administração deixou de ser responsável pela execução de

tais serviços (o que excluiria seu enquadramento da categoria de serviços públicos

propriamente ditos).

No Brasil, diferentemente do que ocorre em Portugal, o termo serviço público

não é tomado em sentido estrito, sendo considerado como toda atividade material de

titularidade do Estado, podendo o mesmo, entretanto, exercê-la de maneira direta ou

indireta (hipótese que se verifica pela via da delegação lato sensu). A vigente

Constituição Federal Brasileira dispõe no art. 175 ser de incumbência do Poder

Público, na forma da lei, a prestação de serviço público, diretamente ou por

intermédio de particulares (sob o regime de concessão ou permissão, sempre

através de licitação). Com relação às atividades econômicas, estas também poderão

ser exercidas diretamente pelo Estado, nos limites estabelecidos pelo texto

constitucional.18

A propósito, Joyceane Bezerra de Menezes (2004, p. 107) esclarece que no

Brasil, assim como em outros Estados de cunho capitalista, ―o serviço público é

compreendido, tradicionalmente, em oposição às atividades econômicas, como

função estatal típica, embora a sua prestação possa ser realizada por particulares.‖19

_______________ 18

Art. 175 da CF/88: ―Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividades econômicas pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.‖

19 A realização de funções públicas por particulares não é algo novo, vez que estes sempre assumiram um múnus público. Desde à época Colonial já se observava, dentro do sistema de Capitanias Hereditárias, a delegação de atribuições essencialmente públicas à iniciativa privada. (AGUILLAR, 1999, p. 118).

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Considera-se de grande valia para a temática sob enfoque, as ponderações

formuladas por Cristiane Derani (2002, p. 70), as quais traz-se à baila:

Serviço Público é atividade de interesse coletivo, de natureza econômica ou não, decorre do exercício do Poder Público, funda-se na solidariedade social e objetiva coesão social. Quando de natureza econômica, retira a atividade econômica, total ou parcialmente, do mercado e passa a ser uma atividade econômica em regime diferenciado.

Hely Lopes Meirelles (1994, p.432) fornece uma conceituação bastante

esclarecedora acerca do que realmente representa o serviço público:

Serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado. [...] O que prevalece é a vontade soberana do Estado, qualificando o serviço como público ou de utilidade pública, para sua prestação direta ou indireta, pois serviços há que, por natureza, são privativos do Poder Público e só por seus órgãos devem ser executados, e outros são comuns ao Estado e aos particulares, podendo ser realizados por aquele e estes. Daí essa gama infindável de serviços que ora estão exclusivamente com o Estado, ora com o Estado e particulares e ora unicamente com particulares.

Para Medauar (2002, p.264), os serviços públicos se constitutem como

atividades que propiciam – de maneira direta – bens e benefícios aos administrados,

excluindo da abrangência do termo aquelas funções de preparação de

infraestruturas (arquivo, arrecadação de tributos). Abrangem prestações específicas

para determinados indivíduos, tais como luz, água e telefone, bem como prestações

genéricas, como são exemplos os serviços de iluminação pública e de limpeza de

ruas. Dessa forma, no momento em que a atividade de prestação recebe a

qualificação de serviço público, consequências advêm, em especial quanto ao

regime jurídico, mesmo que fornecida por particulares.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2004, p. 99), após tecer apontamentos acerca

da evolução do serviço público no tempo, tanto no que tange à sua abrangência

quanto no que diz respeito à sua natureza jurídica, termina por considerá-lo como

sendo toda atividade material que a lei atribui ao Estado, devendo o mesmo exercê-

lo de forma direta ou indireta, por meio de seus delegados, com o intuito de

satisfazer concretamente as necessidades coletivas, sob o regime jurídico total ou

parcialmente público.

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Apesar da existência de uma infinidade de conceitos oferecidos para serviço

público, denota-se um elemento comum em todos eles – o atendimento das

necessidades coletivas. (MENEZES, 2004, p. 109). Assim, percebe-se que o serviço

público não pode ser definido, senão em virtude do interesse coletivo. É desta noção

que ele tira o seu fundamento, a sua razão de existir. (DERANI, 2002, p. 55).

É justamente nesse sentido que Bandeira de Mello (2009, p.668-669) conceitua

o serviço público, a partir da análise de seu substrato material. Segundo o autor, a

atividade estatal denominada de serviço público consiste em prestações - de

utilidade ou comodidade material, fruíveis de modo singular - oferecidas aos

administrados em geral, ―que o Estado assume como próprias, por serem reputadas

imprescindíveis, necessárias, ou apenas correspondentes às conveniências básicas

da Sociedade, em dado tempo histórico.‖

Traçadas essas considerações acerca do conceito de serviço público, que –

como ressaltado – não encontra uniformidade doutrinária, especialmente no tocante à

respectiva classificação, passa-se a analisar o papel da atividade notarial e registral e

sua localização no grande universo de serviços públicos, prestados pelo Estado de

forma direta ou conjuntamente com os particulares. A CF/88, em seu art. 236, dispõe:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. §1

o Lei regulará as atividades,

disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. §2

o Lei Federal estabelecerá normas gerais para a fixação

de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.§3

o O ingresso na atividade notarial e de registro depende de

concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses. (Grifou-se)

Dessa forma, a Carta Magna de 1988 expressamente atribuiu à atividade

notarial e de registro um certo aspecto privatístico, especialmente quando

determinou que estas seriam exercidas em caráter privado; por outro lado,

asseverou que o exercício destas atividades dar-se-á por delegação do Poder

Público.

Entende-se que o fato de a atividade notarial e registral ser exercida em caráter

privado, não significa que encontra-se desvinculada das atividades estatais. Muito

pelo contrário, trata-se de intervenção do Estado nos negócios jurídicos celebrados

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no âmbito privado que, devido à tamanha importância, reveste-se do caráter de

estatalidade. Ora, o texto constitucional apenas fez com que a delegação restasse

explicitada, já que notários e registradores continuam exercendo função pública. Se

assim não fosse, não haveria a necessidade de delegação. (ALVES, 2002, p. 94).

Outro não é o entendimento de José Cretella Júnior (1993, p. 4.611):

Relembre-se que o serviço público tem esse caráter, não em si e por si, em essência – serviço público material – mas ‗em razão de quem o fornece‘. Se o Estado titulariza certo serviço – ensino, transporte, a atividade é, formalmente, serviço público. Os serviços notariais e de registro cabem, por sua relevância, ao Estado, mas os Poderes Públicos, por delegação, permitem que sejam exercidos em caráter privado.

Na seara jurisprudencial, o C. Supremo Tribunal Federal,20 na pessoa do

Ministro Djaci Falcão, em seu voto condutor, já assentou entendimento de que ―entre

nós, não se pode negar o caráter de serviço público dos ofícios de justiça e de

notas‖, pontuando que estes ―quer no foro judicial, seja no chamado foro

extrajudicial, desempenham uma função eminentemente pública.‖

Não há dúvida quanto à natureza jurídica da função notarial e de registro: trata-

se de função estatal. O Estado, usando de seu poder de descentralização

administrativa, preferiu repassar a execução de tais atividades a particulares, através

de delegação que observará a norma constitucional pregadora da obrigatoriedade

de concurso público para ingresso ou remoção. Vale salientar que os particulares,

aos quais forem delegadas tais atividades, as exercerão em caráter privado, ou seja,

como um verdadeiro ―negócio‖, expressão esta que, apesar de não ser

recomendada pelo Supremo Tribunal Federal - STF, é a que melhor se coaduna com

a realidade das serventias.

Por oportuno, destaca-se que as atividades notariais e de registro constituem-

se como serviços públicos próprios, uma vez que atendem às necessidades

coletivas e são executadas indiretamente pelo Estado, o qual as delega – pela via do

concurso público – aos particulares. (DI PIETRO, 2004, p. 103).21 (Grifo intencional).

_______________ 20

Vide: Rp 891, RTJ 68/295. 21

Na mesma classificação de serviço público operada por Meirelles (1996, p. 297 e segs.), serviço público impróprio são aqueles que ―não afetam substancialmente as necessidades da comunidade, mas satisfazem a interesses comuns de seus membros e por isso a Administração os presta remuneradamente, por seus órgãos, ou entidades descentralizadas (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações governamentais) ou delega a sua prestação a

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A respeito, Ceneviva (2002, p. 23-24), dissertando sobre a discussão que se

instalou no Brasil e no exterior acerca da qualificação jurídica das funções do

tabelião, ressalta que ―a Lei n. 8.935/94 resolveu o problema, afirmando que notários

e registradores são profissionais do direito, mas praticantes de serviço do interesse

público.‖ Acresce que o serviço notarial e de registros confere garantia às pessoas

naturais ou jurídicas, bem como ao direito que lhes corresponde, ressaltando que ―a

garantia referida é, ainda, própria do serviço público. Gera responsabilidades para o

Estado e para os titulares dos respectivos serviços em caso de danos aos terceiros

que nelas confiarem.‖

Neste diapasão, faz-se necessário transcrever trecho do Informativo nº 5 do

Supremo Tribunal Federal, que mostra com clareza a natureza de serviço público da

atividade notarial e de registro:

Por maioria, o Tribunal indeferiu medida cautelar em ação direta ajuizada pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil - ANOREG-BR, contra os arts 1º, 3º e 5º da Lei nº 9.534/97, que prevêem a gratuidade do registro civil de nascimento, do assento de óbito, bem como da primeira certidão respectiva. Considerou-se não caracterizada a relevância jurídica da tese de ofensa ao art. 5º, LXXVI, da CF (‗são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei: a) o registro civil de nascimento; b) a certidão de óbito;‘) uma vez que este dispositivo constitucional reflete o mínimo a ser observado pela lei, não impedindo que esta garantia seja ampliada, indistintamente. Considerou-se, também, que a União Federal poderia ter isentado a cobrança de emolumentos sobre os mencionados serviços uma vez que se trata de um serviço público, ainda que prestado pelos cartórios mediante delegação. Vencidos os Ministros Maurício Corrêa e Marco Aurélio, que deferiam a cautelar, por entenderem configurada a violação do princípio da razoabilidade ao fundamento de que as normas impugnadas inviabilizariam o funcionamento dos cartórios de notas e registros civis. (ADInMC 1.800-UF, rel. Min. Nelson Jobim, 6.4.98). (grifou-se)

Outra não poderia ser a conclusão. No instante em que determinada atividade

passa a ser qualificada como serviço público, passa a reger-se por regime jurídico

específico, demarcado por normas de observância cogente. (MENEZES, 2004, p.

139). Embora sejam as atividades notariais e de registro exercidas em caráter

privado, possuem nítida feição publicista, razão pela qual submetem-se a regime

jurídico híbrido, não se aplicando, em sua inteireza, o direito comum, tal qual

aplicado às empresas privadas.

concessionários, permissionários ou autorizatários.‖ A conceituação de Hely Lopes Meirelles confere, quanto ao conteúdo, com a de Di Pietro (2004, p.103), se diferenciando da mesma tão-somente no tocante à nomenclatura.

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Nesse sentido, sendo prestadores de função pública, não podem os notários e

registradores exercê-la de forma indiscriminada e desprovida de controle. Ao

contrário, submetem-se esses profissionais à supervisão, orientação e fiscalização

de órgãos do Poder Judiciário, especialmente designados para tanto, a fim de que

sejam avaliados no cumprimento de suas funções, como forma de averiguação da

qualidade dos serviços, condizente com o merecimento das delegações às quais

lhes foram conferidas.

A todos os argumentos até então expendidos, no sentido de demonstrar o

enquadramento dos serviços de registros públicos na categoria de ―serviços

públicos‖, acrescente-se o fato de que a Lei nº 8.935/94, em seu art. 30, elenca

como um dos deveres dos notários e dos registradores, dentre outros, o de atender

às partes com eficiência, urbanidade e presteza, princípios estes inerentes aos

serviços públicos.

Ademais, o próprio art. 236, §3o, da CF/88, quando veda que as serventias

notariais e de registro fiquem vagas por mais de seis meses sem a abertura de

concurso público para ingresso ou remoção nessas atividades, não quer dizer outra

coisa, senão proclamar o princípio da continuidade dos serviços públicos, outra viga

mestra no trato dessa matéria na Administração Pública. Transcreve-se trecho de

um acórdão de julgamento do Pleno do Supremo Tribunal Federal22 nesse sentido:

EMENTA:- Recurso extraordinário. Mandado de segurança. Provimento n.º 8/95, de 24 de março de 1995, do Desembargador Corregedor-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. 2. Alegação de que o ato impugnado contraria a Lei n.º 8.935, ao declarar que este diploma atribuía 'a fiscalização dos serviços notariais' ao Poder Judiciário, quando a competência a ele reservada restringe-se exclusivamente aos atos não ao serviço, enquanto estrutura administrativa e organizacional. 3. Sustentação da necessidade da distinção entre fiscalização dos atos notariais, que constitui atribuição natural do poder concedente, exercida por intermédio do Poder Judiciário, e a fiscalização administrativa, interna. 4. Transformação constitucional do sistema, no que concerne à execução dos serviços públicos notariais e de registro, não alcançou a extensão inicialmente pretendida, mantendo-se, em conseqüência, o Poder Judiciário no controle do sistema. A execução, modo privato, de serviço público não lhe retira essa conotação específica. 5. Não há de se ter como ofendido o art. 236 da Lei

_______________ 22

Contrariamente, o Min. Carlos Britto, no julgamento da ADI 302/ RN, cuja relatoria coube ao Min. Marco Aurélio Mello, posicionou-se no sentido de que ―os serviços notariais e de registro são típicas atividades estatais, mas não são serviços públicos.‖ Asseverou que, não obstante a jurisprudência da Corte seja no sentido de que tais atividades são serviços públicos, ela vem admitindo a incidência de taxa sobre as atividades notariais e de registro, tendo por base de cálculo os emolumentos que são cobrados pelos titulares das serventias como pagamento do trabalho que eles prestam aos tomadores dos serviços cartorários.

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Maior, que se compõe também de parágrafos a integrarem o conjunto das normas notariais e de registro, estando consignada no § 1º, in fine, do art. 236, a fiscalização pelo Poder Judiciário dos atos dos notários e titulares de registro. 6. Recurso extraordinário não conhecido.(RE 255124/RS. Rel. Min. Néri da Silveira. Publicação: DJ 8.11.2002. Julgamento 11.4.2002. Tribunal Pleno). (Grifou-se)

Conclui-se ser incontestável a natureza pública do serviço prestado pelos

notários e registradores, tanto é que, mesmo tal prestação tendo caráter

essencialmente privado, recebe estrita fiscalização do Poder que a delega – o

Judiciário – o que consiste em uma derivação lógica de sua natureza e da

importância que ostenta perante o organismo social. Some-se a tudo isso o fato de

que, após o advento da Constituição Federal de 1988, os serviços notariais e de

registro afirmaram-se como funções da soberania política, ou, como ali se aduz,

como serviços públicos, razão pela qual desempenham suas funções na condição

de delegados.23

Cabe consignar, por derradeiro, que, embora sejam as atividades notariais e de

registro consideradas como serviços públicos, não se enquadram na categoria de

―serviço público de ordem material da Administração Pública (direta ou indireta)‖.

Trata-se de atividade atípica, com regramento próprio e específico, razão pela qual,

consoante será demonstrado, o preceito contido no § 6º do art. 37 da CF não se aplica

aos notários e registradores, vez que o texto constitucional, em seu art. 236, § 1º,

remeteu para a via ordinária o trato de referida questão. (ERPEN, 2006, p. 50-52).

1.4 A função notarial e registral como método eficiente e adequado de prevenção de litígios – exercício da jurisdição voluntária

Já foi dito que a atividade notarial e de registro, ainda que exercida em caráter

privado, se constitui como serviço público. Em verdade, esta consubstancia-se como

espécie de intervenção do Estado nos negócios jurídicos celebrados no âmbito

privado, revestindo-os do manto de estatalidade em função da importância que

ostentam. Assim se pronunciou o Ministro Garcia Vieira, do Superior Tribunal de

Justiça, em despacho proferido no Agravo de Instrumento 63.723 – MG (DJU de

5.4.1995, p. 8.498), cujo trecho transcreve-se:

_______________ 23

Esta conclusão decorre do texto constitucional (art. 236, caput) de da Lei dos Notários e Registradores (Lei 8.935/94, art 3º).

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As serventias notariais ou registrárias, previstas na Lei de Registros Públicos, são exercidas em caráter privado, porque recebem retribuição não oficial, mas sim oriunda de pagamento pelas partes interessadas. Mas isto não desnatura a natureza dos serviços, sabidamente públicos. Ditos serviços se inserem na administração pública de interesses privados, como ocorre com as escrituras públicas, o casamento, o protesto, o registro de imóveis, etc. Nestes atos há intervenção do Estado, porque sua importância ultrapassa os limites da esfera dos interesses individuais, atingindo seara na qual prepondera o interesse social da própia coletividade.

Pensar dessa forma faz com que seja dada oportunidade às instituições

notariais e de registro para demonstrar o seu amplo papel social e a gama de

atribuições que lhes são inerentes, uma vez que podem agir como verdadeiros

órgãos de pacificação social, sempre que não haja conflito de interesses

propriamente dito. Tal postura acarretará uma desoneração do já tão moroso e

atribulado Judiciário Brasileiro, a quem cabe, atualmente, uma grande parcela

desses afazeres de índole meramente administrativa (inseridos no âmbito da função

jurisdicional voluntária, ou graciosa), e não jurisdicional propriamente dita.

A dicotomia existente na doutrina do direito processual civil com relação aos

tipos de jurisdição - contenciosa e voluntária - é clássica e vem desde há muito

tempo sendo estudada.

A jurisdição contenciosa é atividade inerente ao Poder Judiciário, com o

Estado-juiz atuando substitutivamente às partes na solução dos conflitos, mediante o

proferimento de sentença de mérito que aplique o direito ao caso concreto.

Já a jurisdição voluntária, não é, para grande parte da doutrina, considerada

jurisdição na específica acepção do termo, correspondendo mais à uma

administração pública de interesses privados, quando exercida no âmbito judicial.

Consoante ensinamentos,24 a jurisdição voluntária não é jurisdição e nem é

voluntária. Explicaca-se: a uma, porque sua índole não é jurisdicional, a duas,

porque, em muitos casos, a intervenção dos juízes é imposta pela lei, sob pena de

sanções pecuniárias ou privação do fim esperado.

Desta forma, o que se pode concluir é que a denominada ―jurisdição voluntária‖

deve ser entendida como exercício de função jurisdicional em um sentido mais

_______________ 24

Dentre os quais podemos citar o pensamento de José Eduardo Carreira Alvin (2006, p. 55-66), Ovídio A. Baptista da Silva (2006, p. 29), dentre outros.

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amplo desse vocábulo.25 Ora, a administração pública de interesses privados, nesse

sentido, não é atribuição exclusiva de órgãos pertencentes ao Poder Judiciário.

Nesse sentido, vê-se que os atos notariais e registrais constituem espécie desta

categoria de atuação pública.

A atividade notarial e de registro caracteriza-se por sua natureza cautelar, ou

seja, preventiva de litígios, situando-se na área de realização espontânea do Direito.

Vários são os atos dessa natureza que são praticados nas serventias extrajudiciais.

A esse propósito, alerta Moacyr Amaral Santos (2008, p. 78):

A fim de assegurar a ordem jurídica, intervém o Estado até mesmo na administração dos mais diversos interesses privados, pelos mais diferentes órgãos. Por outras palavras, considerando a significação que têm para o Estado determinadas categorias de interesses privados, a lei lhe confere o poder de intervir na sua administração, conquanto com isso venha a limitar a autonomia da vontade dos respectivos titulares. Essa intervenção, de natureza administrativa, faz o Estado e pelos mais diferentes órgãos, diversos dos órgãos jurisdicionais, em numerosas espécies de interesses. Assim, no que concerne às pessoas físicas, a lei tutela o fato do nascimento, ou do óbito, pelo termo respectivo em registro próprio; o reconhecimento de filho, ou no próprio termo de nascimento, ou por escritura pública, ou por testamento etc. No que concerne à formação das pessoas jurídicas, a tutela do Estado se faz pela exigência do registro do ato constitutivo, estatuto ou contrato no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, tratando-se de sociedade ou associações civil, ou arquivamento dos estatutos ou outro ato constitutivo na Junta Comercial, tratando-se de sociedade comercial; prescreve as cautelas para a formação das fundações e atribui ao Ministério Público a fiscalização dos seus atos. A propriedade é tutelada pela inscrição no Registro Imobiliário não só dos atos respeitantes à sua alienação, como das restrições que a onerem; numerosos atos jurídicos somente têm validade quando formados por escritura pública etc. Em todos esses exemplos, estamos a ver o Estado, por diferentes órgãos, que não só órgãos jurisdicionais, a administrar interesses privados, de certo modo, limitando, assim, a autonomia da vontade dos respectivos titulares. Nesses casos dá-se administração de interesses privados por órgãos públicos. (Grifou-se).

Outra acepção acerca da matéria ora enfocada é dada por Mírian Saccol

Comassetto (2002, p.114-119) para quem o notário ou tabelião é um agente delegado,

dotado de fé pública, responsável pela prática de atos que se filiam à administração

pública de interesses privados, estando suas funções, portanto, intimamente ligadas

com a designação de jurisdição voluntária. A atividade notarial é desenvolvida com

vistas a prevenir litígios, buscando a realização do direito dos particulares de forma

pacífica, ou seja, espontânea. A designação ―administração pública de interesses

privados‖, atividade exercida pelo Estado para com a sociedade, se configura como

_______________ 25

Tal pensamento é compartilhado por Cassio Scarpinella Bueno (2008, p. 17).

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categoria genérica de tutela administrativa, onde pode-se encontrar a jurisdição

voluntária e a atividade notarial como espécies desse gênero, sendo certo ressaltar

que esta última sempre será realizada pela via extrajudicial. (grifo intencional).

Brandelli (2007, p. 159-161), assevera que deve haver a possibilidade de

realização espontânea do direito subjetivo pela adesão dos indivíduos, de forma livre

e voluntária, às normas de conduta ditadas pela atividade legiferante. Para fazer tal

assertiva, parte da premissa de que o ordenamento jurídico é instrumento de

pacificação e equilíbrio social, que torna viável a vida em sociedade, ressaltando,

ainda, que o exercício de direito subjetivo mediante a imposição direta do ente

estatal, por intermédio do juiz, se constitui como exceção. O normal é que os

indivíduos componentes de uma sociedade organizada cumpram normalmente os

preceitos normativos.

Prossegue, explanando que se a forma normal de realização do direito fosse

por meio da via judicial, restaria inviável ou, no mínimo, caótica a vida no seio social.

Caso o ordenamento jurídico fosse concebido como um direito universalmente

desobedecido e, por via de consequência, universalmente aplicado pelos órgãos

jurisdicionais, restaria, ele próprio, carente de sentido, uma vez que a aplicação

judicial não é fundamento da validade jurídica, e sim sinal dela.

A norma jurídica, sendo uma previsão, pertence ao mundo ético e, portanto, é um

dever-ser. Existe a opção de cumprí-la ou não. Partindo dessa ―possibilidade‖, torna-se

oportuno lembrar que o campo da licitude, o qual faz parte do Direito, é terreno para o

qual não se cogita a coação. Cite-se, por exemplo, um exemplo corriqueiramente citado

pelo Prof. Arnaldo Vasconcelos em suas aulas de Epistemologia Jurídica: um

passageiro pára um taxista e pede para ser levado a determinado lugar. Tão logo o

serviço é prestado, o taxista recebe o preço da avença verbal, ou seja, a quantia

correspondente ao valor da corrida. Houve nesse caso, inequivocamente, relação

jurídica (contrato), portanto existiu o Direito (que também é fato).

O lugar da coação, no exemplo acima citado, seria observado somente caso

um dos contratantes optasse para o campo da ilicitude (falta de pagamento por parte

do passageiro, desvio injustificado de caminho para que o taxímetro registrasse valor

mais alto, algum outro tipo qualquer de fraude, etc), podendo ensejar imputações de

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ordem civil e penal. Só então se forcejaria por cogitar que a coação pudesse – não

necessariamente o fosse – em algum momento ser exercida pelo Estado. Logo,

tendo a coação caráter aleatório e acidental, não pode constituir essência do Direito.

Nesse sentido, Arnaldo Vasconcelos (1996, p.75) cita Eugen Ehrlich,

lembrando sua advertência no sentido de que:

[...] a função principal do Direito não consiste, absolutamente, em resolver conflitos, e sim em assegurar as condições de manutenção e de desenvolvimento pacífico da sociedade. Nem tampouco a sanção, condição exclusiva do exercício da coação, apresenta as virtudes que se chega a atribuir-lhe. Ela não é senão o ‗remédio heróico‘ a que se refere Haesaert (1948, p. 98), apenas ministrado excepcionalmente, ‗quando o Direito se encontra doente, ou seja, no caso em que sua função normal, que consiste em realizar sua ordem característica, está perturbada‘. (Aditou-se)

Na esteira do que foi propalado até o presente momento, afirma-se que no

ordenamento jurídico brasileiro encontram-se vários exemplos de atos próprios de

―administração pública de interesses privados‖, que, por não demandarem

homologação judicial para a produção dos respectivos efeitos, demonstram

nitidamente a importância da atuação de notários e registradores no exercício desse

mister. Dentre eles pode-se citar, com base nos ensinamentos de Moacy Amaral

Santos (2008, p. 80), a constituição de associações ou sociedades, que não

reclamam a intervenção dos órgãos jurisdicionais, a emancipação, separação

consensual, as partilhas amigáveis, etc.

A propósito desses atos, importante fazer alusão à Lei n° 11.441, de 04 de

janeiro de 2007, que, alterou dispositivos do Código de Processo Civil, possibilitando

a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por

via administrativa, desde que todas as partes envolvidas sejam capazes e não exista

testamento. A lei em alusão foi regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça

(CNJ), por intermédio da Resolução n° 35, de 24 de abril de 2007.

Pelo interesse que a matéria traz, merecem ser transcritos os dispositivos

alterados no Código de Processo Civil Brasileiro pelo supramencionado diploma legal:

Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário. Parágrafo único. O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou

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advogados de cada uma delas, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. Art. 983. O processo de inventário e partilha deve ser aberto dentro de 60 (sessenta) dias a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze) meses subseqüentes, podendo o juiz prorrogar tais prazos, de ofício ou a requerimento de parte. [...] Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. § 1o A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis. § 2o O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. § 3o A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.

Há ainda, em fase de tramitação, um Projeto de Lei, apresentado pela

Secretaria de Reforma do Judiciário – SRJ, que pretende conferir nova redação ao

artigo 1.526 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil. A

alteração proposta visa permitir que a habilitação para o casamento seja realizada

pessoalmente perante o oficial de registro, após audiência do Ministério Público,

sendo os autos submetidos ao Poder Judiciário somente em caso de impugnação do

pedido ou da documentação pelo próprio oficial de registro, do Parquet ou de

terceiros, buscando-se, assim, a desoneração da estrutura do Judiciário, permitindo

que a realização do respectivo ato ocorra diretamente nos cartórios de registro civil,

sem a necessidade de intervenção judicial.

Maria Berenice Dias (2008, p. 151) fala da desnecessidade de chancela judicial

no caso de habilitação de casamento onde não haja qualquer empecilho formal para

o ato. Segundo ela, a exigência mantida no Código Civil de 2002 mostra-se de todo

descabida, sendo de ordem meramente burocrática, não se justificando em face das

providências acautelatórias exercidas pela atividade fiscalizatória do Ministério

Público e do oficial de registro civil. Ademais, aduz que a falta de clareza legal

acerca da autoridade competente para a homologação da habilitação do casamento

faz com que seja possível que as justiças estaduais, por meio de provimento

administrativo, atribuam a função de homologação à autoridade que celebra o

casamento, ou seja, ao juiz de paz, havendo necessidade de pronunciamento

judicial somente nos casos de oposição de impedimentos ou impugnação.

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Comentando sobre a separação e os divórcios efetuados pela via extrajudicial,

a autora acima citada menciona que alguns doutrinadores sustentam a tese de que,

mesmo tendo a Lei n° 11.441 mencionado que tais atos ―poderão ser realizados por

escritura pública‖, quando as partes cumprirem todos os requisitos legais para a

formalização da separação ou do divórcio, o uso desse instrumento será obrigatório,

não podendo haver recurso à via judicial. A alegação para tanto, consoante essa

parte da doutrina, consiste no fato de inexistir interesse de agir, condição essencial

da ação, que, não estando presente, gera a carência da demanda, com base no art.

267, VI, do Código de Processo Civil Brasileiro. (DIAS, 2008, p. 559).

Não se partilha deste entendimento, haja vista que a Constituição Federal

dispõe em seu art. 5º, inc. XXXV, que ―a lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito.‖ Dessa forma, a categorização de atos notariais

e registrais como atos de administração pública de interesses privados, não deverá

excluir a opção da via judicial (jurisdição voluntária) para se obter o mesmo efeito.

A própria resolução n° 35, já citada, oriunda do Conselho Nacional de Justiça,

ao disciplinar a aplicação da Lei n° 11.441/07 pelos serviços notariais e de registro,

prevê na redação de seu artigo 2º a faculdade que têm os interessados na opção

pela via judicial ou extrajudicial, podendo ser solicitada, a qualquer momento, a

suspensão, pelo prazo de 30 dias, ou a desistência da via judicial, para promoção da

via extrajudicial.

Afirma-se que é perceptível uma tendência em se criar mecanismos para

desoprimir ao máximo o Judiciário, excessivamente sobrecarregado. A Lei

11.441/2007 é certamente uma destas medidas, mas outros dispositivos também

visam minimizar a problemática da ―superdemanda‖ que dificulta a fluência da

prestação jurisdicional no país. Atendo-se à matéria objeto do presente trabalho,

pode-se citar aqui, a Lei 10.931/2004, que trouxe em seu art. 213 o seguinte texto:

Art. 213. O oficial retificará o registro ou a averbação: II - a requerimento do interessado, no caso de inserção ou alteração de medida perimetral de que resulte, ou não, alteração de área, instruído com planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no competente Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura - CREA, bem assim pelos confrontantes.

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Com a redação do artigo, denota-se um fator importantíssimo no que tange à

contribuição para o desacúmulo de processos junto ao Judiciário: questões

administrativas provenientes dos cartórios extrajudiciais passaram a não mais serem

resolvidas por este Poder e sim pelo próprio ofício extrajudicial. Isso representou um

avanço enorme para as pessoas que se deparavam com quaisquer dos problemas

cadastrados no art. 213, posto que sempre tinham que ser submetidos ao Juízo, a

fim de que o mesmo dissesse sobre a solução. Percebeu-se que esses assuntos

levados à apreciação do Poder Judiciário poderiam ser fácil e rapidamente

resolvidos pelo oficial registrador. Ao revés andava a lei, que determinava o trâmite

judicial para tanto, fazendo com que problemas de menor complexidade se

amontoassem a outros tantos processos nas varas designadas e ali permanecessem

por meses, ou mesmo anos, até sua completa solução.

Tal situação feria de morte o princípio da celeridade processual, principalmente

a administrativa, já que não deixava fluir o trâmite no cartório extrajudicial. Assim,

com o advento da Lei 10.931/2004, este quadro melhorou significativamente e hoje,

pelo menos no que tange aos assuntos elencados no art. 213, não há mais

necessidade de intervenção judicial para a respectiva resolução. Deve-se lembrar,

contudo, que ainda há assuntos emanados dos cartórios extrajudiciais que

necessitam da intervenção do Poder Judiciário, tais quais cancelamento de

matrícula, problemas de identificação de área, divergências entre matrículas ou

transcrições, enfim, temas que geralmente são levados a juízo por meio de

suscitação de dúvida para que o magistrado decida.

1.5 Princípios informativos da atividade notarial e de registro

A palavra princípio, filosoficamente, significa origem, que tanto pode ser a de

um ser ou coisa, como a origem, o começo de um determinado conhecimento. Para

Ferreira (1999, p. 529), ―princípio é o momento ou local ou trecho em que algo tem

origem, começo; causa primária.‖ No Direito, os princípios desenvolveram três

funções básicas, a saber: 1) função fundamentadora: os princípios atuariam como

ideias básicas de fundamento para o direito positivo; 2) função orientadora da

interpretação: os princípios agiriam como vetores na busca do sentido e alcance das

normas; 3) função de fonte subsidiária: ao ocorrerem lacunas na lei, os princípios

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serviriam como elementos integradores do direito. Porém, como afirmado por José

de Albuquerque Rocha (2003, p. 43):

[...] a mais essencial função dos princípios é qualificar a realidade, ou seja, é valorar a realidade, é atribuir-lhe um valor, ao indicar ao interprete ou ao legislador que a realidade deve ser tratada normativamente de acordo com o valor que o princípio lhe confere. Isso significa que as funções dos princípios, em relação às normas jurídicas, são uma derivação lógica de sua função essencial de qualificação da realidade. Ou seja, os princípios têm função de fundamentação das normas justamente porque elas não podem contrariar o valor por eles proclamado; têm função supletiva porque a norma do caso concreto deve ser formulada em atenção aos valores neles fixados.

Nesse sentido, princípios de uma ciência são as proposições básicas,

fundamentais, típicas, que condicionam todas as estruturações subsequentes.

Situam-se entre os valores e as normas, isto é, representam o marco inicial na

escala de concreção do direito. Por isso eles são munidos do mais alto grau de

abstração, o que lhes confere maior campo de abrangência. (CRETELLA JÚNIOR,

2003, p. 03). Daí por que os princípios atuam como diretrizes na elaboração de

normas jurídicas, fazendo o papel de coordenadores de regras jurídicas. No

entendimento de Miguel Reale (1998, p.305-322):

Princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem pratica de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da praxis.

Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos (2006, p. 337) ressaltam que o

estabelecimento de força normativa aos princípios denota-se como fenômeno

recente. Os princípios tiveram que conquistar o status de norma jurídica, superando

o antigo entendimento de que teriam uma dimensão puramente axiológica, ética,

sem eficácia jurídica ou aplicabilidade (direta e imediata).

Compartilhando desse entendimento, Humberto Ávila (2004, p.70-72) assevera

que os princípios são normas imediatamente finalísticas, que exigem a delimitação

de um estado ideal de coisas a ser buscado, por meio de comportamentos

necessários a essa realização. Aduz, ainda, que embora sejam os princípios

relacionados a valores, não se confundem com estes.26 Enquanto aqueles se situam

_______________ 26

Paulo Bonavides (1994, p.251-252), discorrendo sobre a colisão de princípios, afirma que essa se resolve na dimensão do valor, a saber: ―Mas onde a distinção entre regras e princípios desponta com mais nitidez, no dizer de Alexy, é ao redor da colisão de princípios e do conflito de regras. Comum a colisões e conflitos é que duas normas, cada qual aplicada de per si, conduzem a

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no plano deontológico (e por isso estabelecem a obrigatoriedade de adoção de

condutas necessárias à promoção gradual de um estado de coisas), os valores

situam-se no plano axiológico e, em decorrência disso, somente atribuem uma

qualidade positiva a determinado elemento.

Robert Alexy (2008, p.85-103), ressalvando a longevidade e frequente

utilização desta temática, destaca alguns (dentre os diversos) critérios utilizados

para se distinguir regras de princípios. Segundo ele, o mais utilizado seria o da

generalidade, segundo o qual, os princípios são normas com alto grau de

generalidade, o que não se verifica com relação às regras. Ademais, enquanto os

princípios se ―constituem como normas que ordenam que algo seja realizado na

maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes‖,

estabelecendo, portanto, ―mandamentos de otimização‖, as regras se apresentam

como normas que são satisfeitas ou não satisfeitas, ou seja, ―contêm [...]

determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível.‖

Barcellos e Barroso (2006, p.338-339) são bem elucidativos quando abordam o

tema. Entendem que regras são, em geral, relatos objetivos, descritivos de

determinadas condutas, aplicando-se a um conjunto delimitado de situações.

Ocorrendo a hipótese cuja previsão encontra-se nela descrita, a regra deverá incidir,

por meio do tradicional mecanismo da subsunção. ―A aplicação de uma regra se

opera na modalidade tudo ou nada: ou ela regula a matéria em sua inteireza ou é

descumprida.‖27 Sendo assim, na hipótese de conflito entre duas regras, somente

uma poderá ser considerada válida, de modo a prevalecer sobre a outra.

Por outro lado, os princípios, por conterem um maior grau de abstração,

poderão se aplicar a um conjunto mais amplo, por vezes indeterminado, de

situações. Desta forma, sua aplicabilidade deverá ser aferida mediante o uso da

resultados entre si incompatíveis, a saber, a dois juízos concretos e contraditórios de dever-ser jurídico. Distinguem-se, por conseguinte, no modo de solução do conflito. Afirma Alexy: ‗Um conflito entre regras somente pode ser resolvido se uma cláusula de exceção, que remova o conflito, for introduzida numa regra ou pelo menos se uma das regras for declarada nula (ungültig)‘. Juridicamente, segundo ele, uma norma vale ou não vale, e quando vale, e é aplicável a um caso, isto significa que suas conseqüências jurídicas também valem. Com a colisão de princípios, tudo se passa de modo inteiramente distinto, conforme adverte Alexy. ―A colisão ocorre, p.ex., se algo é vedado por um princípio, mas permitido por outro, hipótese em que um dos princípios deve recuar. Isto, porém, não significa que o princípio do qual se abdica seja declarado nulo, nem que uma cláusula de exceção nele se introduza.‖

27 Nesse sentido, vide Dworkin (2002, p.43).

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ponderação, ou seja, ―à vista do caso concreto, o intérprete irá aferir o peso que

cada princípio deverá desempenhar na hipótese, mediante concessões recíprocas, e

preservando o máximo de cada um, na medida do possível.‖28 Ana Paula de

Barcellos (2006, p. 55), dissertando sobre o uso da ponderação dentro do texto

constitucional, aduz que:

De forma muito geral, a ponderação pode ser descrita como uma técnica de decisão própria dos casos difíceis (do inglês ‗hard cases‘), em relação aos quais o raciocínio tradicional da subsunção não é adequado. [...] A subsunção não tem instrumentos para produzir uma conclusão que seja capaz de considerar todos os elementos normativos pertinentes; sua lógica tentará isolar uma única norma para o caso. Quando se trabalha com a Constituição, no entanto, não é possível simplesmente escolher uma norma em detrimento das demais: o princípio da unidade, pelo qual todas as disposições constitucionais têm a mesma hierarquia e devem ser interpretadas de forma harmônica, não admite essa solução.

Álvaro Melo Filho (1986, p.12), por sua vez, afirma que ―nenhuma interpretação

será havida por jurídica e, portanto, por boa, se ela direta ou indiretamente

desconsiderar um princípio‖. Na análise de qualquer embróglio jurídico, por mais

simplório que possa parecer, deve o hermeneuta se socorrer dos princípios, a fim de

verificar para qual sentido eles apontam. Ressalta o autor (1986, p. 26) que:

O princípio possui uma função especificadora dentro do ordenamento jurídico: ele é de grande valia para a exegese e perfeita aplicação, assim dos simples atos normativos que dos próprios mandamentos constitucionais. O menoscabo por um princípio importa na quebra de todo o sistema jurídico. É que o direito forma um sistema, é um axioma que nem sequer precisa ser demonstrado, já porque axioma (de universal acatamento, diga – se de passagem), já pela proibição lógica do regressum ad infinitum (da infinita reciclagem das premissas eleitas).

A violação de um princípio mostra-se como ato de gravidade ímpar, haja vista

que implica ofensa a todo um sistema de comandos, globalmente considerado, e

não apenas a um determinado mandamento obrigatório (tomado isoladamente).

Conforme já aduzido, os princípios jurídicos, em geral, têm aplicabilidade em

quaisquer circunstâncias (levando-se em conta critérios temporais e locais), não

aludindo de forma específica a nenhuma hipótese em concreto. Possuem uma

acepção bastante ampla e generalizada, situando-se na base de toda disciplina e

_______________ 28

Acerca do assunto, Willis Santiago Guerra Filho (2006, p. 519) adverte que um dos traços distintivos entre regras e princípios aponta para uma característica de destaque desses últimos, qual seja, sua relatividade. Assim, não há princípio do qual se possa pretender seja adotado de forma absoluta, em todas e quaisquer hipóteses. Para o autor, a obediência unilateral e irrestrita a uma ―determinada pauta valorativa‖ acaba por infringir outra. Desta feita, há necessidade lógica e axiológica de se postular um princípio da proporcionalidade, para que as normas tendenciosas a sofrer colisão, como é o caso dos princípios, possam ser respeitadas.

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ocupando posição de preeminência nos vastos campos de atuação do Direito.

Justamente por isso, vinculam, de maneira inexorável, a interpretação e a aplicação

das normas jurídicas.

Feita essa breve introdução acerca do conceito de princípio, faz-se necessário

reconhecer sua imensa importância, não só para o ramo do Direito Notarial e

Registral, como para o ordenamento jurídico com um todo.

Não se deve perder de vista que, embora as atividades notariais e de registro

sejam exercidas em caráter privado, são elas conferidas aos titulares através de

delegação do Poder Público. Em razão disso, hão de ser obedecidos, quando no

exercício de tais atribuições, os princípios do Direito Administrativo. Alerta-se para o

fato de que os princípios norteadores da atividade notarial e registral não se limitam

aos que serão elencados neste trabalho, uma vez que não há consenso doutrinário

acerca do rol em questão. Entretanto, para o objetivo proposto, serão abordados

aqueles considerados mais importantes pela doutrina pátria.

Por fim, serão traçadas considerações somente acerca dos princípios

aplicáveis a ambos os ramos das atividades estudadas no presente trabalho, sem

levar em conta os que se mostram específicos a um ou ao outro ramo dessas

funções.

1.5.1 Princípio da publicidade

O caráter de publicidade das atividades notariais e de registro justifica-se pela

própria natureza de suas funções, as quais, como já explanado em momento

anterior, revestem-se de caráter eminentemente público. Por revestirem-se tais

serviços de funções públicas, próprias e características do Estado, demandam um

maior interesse da comunidade no controle de sua execução e organização, bem

como no cumprimento regular e contínuo das atividades.

Assim, José Afonso da Silva (2000, p.653) aduz que a publicidade, desde

sempre, foi tida como um princípio inerente à Administração, uma vez que o Poder

Público, justamente por ser ―público‖, deve pautar sua atuação com a maior

transparência possível, de modo que os administrados possam ter conhecimento do

que os administradores estão fazendo.

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Nesse sentido, o princípio da publicidade denota-se em norma de observância

básica por todos os serviços notariais e de registro. A realização de um ato de tal

natureza, por si só, gera publicidade e, em consequência disso, presume-se que, a

partir daí, passa a ser de conhecimento de todos. Isso se dá com a matrícula do

imóvel, com seu respectivo registro ou averbação, com a ata notarial, com o registro

de casamento, interdição, registro de pessoas jurídicas, dentre outros. Walter

Ceneviva (2002, p. 24-26), ao discorrer sobre o princípio em estudo, assevera:

[...] O vocábulo publicidade compreende realidades jurídicas diversas, tanto no direito público quando no direito privado, podendo ser obrigatória ou facultativa. [...] Publicar, enquanto serviço público, é ação de lançar, para fins de divulgação geral, ato ou fato juridicamente relevante em livro ou papel oficial, indicando o agente que neles interfira (ou agentes que interfiram), com referência o direito ou ao bem da vida mencionado. [...] A publicidade legal própria da escritura notarial registrada é, em regra, passiva, estando aberta aos interessados em conhecê-la, mas obrigatória para todos, ante a oponibilidade afirmada em lei. As exceções confirmam a regra. Assim é com a publicidade do loteamento, prevista na Lei n. 6.766/79 - Lei do Parcelamento do Solo Urbano, cujo art. 19 impõe a divulgação ativa do empreendimento, para assegurar aos terceiros o direito de impugnarem o pedido de registro. No mesmo sentido, a incorporação condominial.

A publicidade, portanto, é a regra. Quaisquer que sejam os atos característicos

ou o fim dos assentamentos constantes nas principais leis que formam o arcabouço

jurídico dos atos notariais e registrais no país, a saber, Lei nº 6.015/1973 (Lei dos

Registros Públicos), Lei n] 8.935/94 (Lei dos Notários e Registradores), Lei nº

8.934/94 (Lei de Registro Mercantil) e Lei nº 9.492/95 (Lei de Protesto), devem estar

abertos de maneira permanente ao conhecimento de todos que assim o desejarem,

salvo pouquíssimas exceções. Ceneviva (1999, p.36-37) observa, ainda, que:

A publicidade registrária se destina ao cumprimento de tríplice missão: a) transmite ao conhecimento de terceiros interessados ou não interessados a informação do direito correspondente ao conteúdo do registro. b) sacrifica parcialmente a privacidade e a intimidade das pessoas, informando sobre bens e direitos seus ou que lhes sejam referentes, a benefício das garantias advindas do registro; c) serve para fins estatísticos, de interesse nacional ou de fiscalização pública.

Embora esse princípio encontre previsão constitucional, como já citado, e seja

de extrema importância para assegurar, dentre outras coisas, a própria moralidade

da execução dos serviços, somente passou a ter previsão expressa, no que tange à

matéria registral e notarial, com a edição das Leis nº 8.934 e nº 8.935, ambas

editadas em 1994, o que, diga-se de passagem, causava imensa estranheza aos

doutrinadores.

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Antes disso, a publicidade era exigida pela Lei de Registros Públicos (Lei nº

6.015/73) de forma tímida, mormente pela leitura dos artigos 16 a 21, que compõem

o Capítulo IV do Título I da citada lei, denominado ―Da Publicidade.‖29

Desta feita, quaisquer que sejam os casos e as características dos atos

praticados em razão da função notarial ou registral, devem estes revestir-se, com

poucas exceções (ex. registros ligados à filiação e à adoção só podem ser

certificados a requerimento da parte ou mediante autorização judicial), ao integral

conhecimento de todos, devendo permanecer os registros e assentamentos

permanentemente abertos, independentemente de maiores exigências formais.

1.5.2 Princípio da fé pública

A fé pública, conforme Walter Ceneviva (2008, p. 14), corresponde à especial

confiança atribuída por lei ao que o oficial declare ou faça no exercício de sua

função, com presunção de verdade, bem como afirma a eficácia de negócio jurídico

ajustado com base no declarado ou praticado pelo registrador e pelo notário. Silvio

Rodrigues (2004, p.268) assevera que ―como goza ele de fé pública, presume-se

que o conteúdo do documento seja verdadeiro, até prova em contrário.‖

Nesse sentido, a atividade notarial e de registro constitui-se como um

verdadeiro exemplo de serviço público, o que já foi tratado anteriormente, prestado

através de atos complexos dotados de fé pública.

João Mendes de Almeida Junior (1963, p. V), dissertando sobre os órgãos

notariais e de registro, acentua que ―a idéia de fé tem como notas características a

sinceridade de quem afirma e a adesão confiante do espírito de quem recebe a

afirmação.‖ Continua seu pensamento afirmando que:

como instituição de direito público, esses órgãos estão investidos da função necessária para transmitir aos cidadãos aquela sinceridade indispensável

_______________ 29

Conforme observa Walter Ceneviva (1999, p. 36-37), ―A publicidade está no rol dos instrumentos legais de garantia dos atos jurídicos submetidos a registro. Em estranhável omissão, o legislador só passou a referir a publicidade como elemento essencial dos registros públicos, nas Leis n. 8.934 e 8.935, dispondo sobre o assentamento de pessoas jurídicas de direito mercantil e sobre a atividade profissional dos notários e registradores. A publicidade registraria se destina ao cumprimento da tríplice missão: a) transmite ao conhecimento de terceiros interessados ou não interessados a informação do direito correspondente ao conteúdo do registro; b) sacrifica parcialmente a privacidade e a intimidade das pessoas, informando sobre bens e direitos seus ou que lhes sejam referentes, a benefício das garantias advindas do registro; c) serve para fins estatísticos, de interesse nacional ou de fiscalização pública.‖

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para o equilíbrio social. Por isso, nenhum Estado organizado prescinde deles embora os organize de maneira diversa, quanto à forma e o exercício.

O art. 3º da Lei dos Notários e Registradores prevê que ―notário, ou tabelião, e

oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública,

a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.‖ A fé pública é

característica essencial ao serviço realizado pelos notários e registradores, pois

confere aos assentamentos praticados e às certidões lavradas as qualidades de

certeza e veracidade de seus conteúdos.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AGRAG-146785 / DF, que teve

como relator o Ministro Celso de Mello, proferiu entendimento no sentido de que a

função certificante, enquanto prerrogativa institucional, constitui-se como emanação

da própria autoridade estatal, destinando-se a gerar situação de certeza jurídica,

desde que exercida por determinados agentes a quem se outorgou, ministerio legis,

o privilégio da fé pública.

Também já decidiu o pleno do Pretório Excelso, refletindo em seu magistério

jurisprudencial, que os notários públicos e os oficiais registradores são ―órgãos da fé

pública instituídos pelo Estado‖ e desempenham, nesse contexto, ―função

eminentemente pública‖, o que, inclusive, já foi debatido em momento anterior deste

trabalho.30

1.5.3 Princípio da segurança jurídica

A Lei dos Notários e Registradores, já em seu art. 1º, enfatiza que as

serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder Público para o desempenho de

funções técnico-administrativas, destinam-se a garantir a publicidade, autenticidade,

segurança e eficácia dos atos jurídicos.

Dúvida não se tem de que a segurança jurídica é a razão existencial do

sistema registral e notarial. Referidas atividades surgiram na história dos povos,

justamente a fim de garantir segurança aos negócios travados pelos particulares

entre si e entre estes e o Poder Público. A tão propalada segurança jurídica, antes

de ser um fato no mundo jurídico, é um fato no mundo dos próprios fatos, a legitimar

_______________ 30

(RTJ 67/327), Rel. Ministro Djaci Falcão.

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e a exigir a existência dos serviços notariais e de registro. Leonardo Brandelli (2007,

p.3-6) afirma ser a atividade notarial algo pré-jurídico, ou seja, egresso das

necessidades sociais. Nesse sentido:

A necessidade humana de segurança e certeza, caracterizada pela necessidade de estabilidade nas relações, sejam estas jurídicas ou não, amparou esse requerimento social pelo surgimento de um agente que pudesse perpetuar no tempo os negócios privados, assegurando os direitos deles derivados. A atividade notarial não é, assim, uma criação acadêmica, fenômeno comum no nascimento dos institutos jurídicos do direito romano-germânico, tampouco uma criação legislativa. É, sim, uma criação social, nascida no seio da sociedade, a fim de atender ás necessidades desta diante do andar do desenvolvimento voluntário das normas jurídicas. O embrião da atividade notarial, ou seja, o embrião do tabelião, nasceu do clamor social, para que, num mundo massivamente iletrado, houvesse um agente confiável que pudesse instrumentaziar, redigir o que fosse manifestado pelas partes contratantes, a fim de perpetuar o negócio jurídico, tornando menos penosa a sua prova, uma vez que as palavras voam ao vento.

Ricardo Dip (2002, p.82-83), por sua vez, afirma que:

[...] as notas e os registros públicos, no aspecto funcional, apresentam-se, com efeito, na tradição jurídico-política, tanto comparatística, quanto brasileira, como serviços de soberania política e não meramente de soberania social – na distinção feliz de Vásquez de Mella. Equivale a dizer que, tradicionalmente, se afirmaram entre nós, como funções valiosíssimas para a segurança jurídica e que convinha integrar, de algum modo, no complexo de atividades do Poder Político. [...] Por certo, pode-se afirmar que as funções das notas e dos registros, tal como indica a Constituição Federal de 1988, se remetem necessariamente a órgãos privados e que se vocacionam a exercitar serviços públicos. Não seria, ainda, demasiado acrescentar que seu fim genérico é a segurança jurídica – embora isso já não coubesse inferir exclusivamente da dogmática de estrito nível constitucional, mas, sim, da conjunção dessa normativa com um dado supraconstitucional chamado a justificar a previsão e a existência das funções notariais e registrais.

Almeida Júnior (1963, p. XXI) informa que, dentre as funções dos

serventuários, as de notários ressaltam pelo caráter preventivo de segurança jurídica

que conferem aos atos nos quais há intervenção desses órgãos da fé pública. Dessa

forma, vinculando-se ao negócio jurídico realizado pelos interessados, o tabelião de

notas, sob sua responsabilidade e através de sua intervenção, autoriza o Estado a

agir, quer na identificação das partes, quer pela presunção da licitude do negócio

jurídico, tudo de maneira segura.

Continua o autor a refletir que, por meio da fé pública que conferem aos atos,

esses profissionais do Direito revestem as relações jurídicas da certeza e

estabilidade necessárias à realidade cotidiana dos seres humanos, pessoal e

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socialmente considerados.31 Se a busca por segurança é comum a toda forma de

vida e, portanto, também para o homem; se a sociabilidade é inerente à natureza

humana; se os pactos (negócios jurídicos), em seu sentido amplo, são manifestação

de sociabilidade, o notário, ao conferir certeza aos contratos, harmoniza essas duas

dimensões características de todo ser humano: a sociabilidade e a segurança.

(ALMEIDA JÚNIOR, 1963, p. XXI).

O Estado moderno consagra o princípio constitucional da segurança jurídica. O

grande volume de tráfego negocial exige que o ordenamento jurídico esteja investido

de mecanismos que permitam aos cidadãos adotar suas decisões em um marco de

juridicidade plena. Desta forma, as atividades desenvolvidas através do sistema

notarial e de registro visam a resguardar e a assegurar não somente a segurança

jurídica das pessoas que diretamente participam do ato jurídico, mas também de

todos os terceiros de boa fé, ou seja, da sociedade como um todo.

1.5.4 Princípio da imparcialidade

A imparcialidade traduz-se em princípio dos mais importantes da Administração

Pública, tendo referido princípio recebido tal denominação, pela primeira vez, no art.

37 da Constituição Federal de 1988.32

Consoante já explorado em momento anterior, historicamente, os notários e

registradores têm exercido suas funções de modo bastante símile e conexo com os

órgãos de Administração da Justiça, tanto é que em vários ordenamentos jurídicos

são estes profissionais assim considerados.

Os serviços notariais e de registro, portanto, atuam (pelo menos devem atuar)

de forma imparcial, objetivando a prevenção de litígios que possam surgir através

das relações negociais. Devem os titulares das delegações manter uma postura

acima dos interesses pertencentes às partes, agindo com absoluta independência

funcional e imparcialidade. Possuem a obrigação de tratar as partes com igualdade,

esclarecendo as dúvidas que se fizerem presentes e prestando-lhes todas as

_______________ 31

Ver Gattari (1992, p.5-18) que discorre com bastante propriedade acerca da segurança jurídica dentro do direito notarial.

32 A respeito do assunto, ver Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2004, p. 71).

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informações necessárias. A almejada igualdade no tratamento deve ser aquela do

ponto de vista material, ou seja, no sentido da isonomia.

Perceba-se que a aplicação deste princípio não significa igualdade absoluta

entre todos, mas sim um tratamento igualitário àqueles que se encontrem em

situações idênticas. Assim, haverá ofensa a esse preceito constitucional se o

tratamento desigual não levar ao nivelamento de condições. Nesse sentido, quando

a relação posta sob a apreciação de um notário ou de um registrador se mostrar

eminentemente díspar, deverão estes empreender esforços no sentido de ―proteger‖

a hipossuficiência do polo mais fraco, de modo a adequar as desigualdades

existentes e garantir que este, verdadeiramente, tenha sua vontade preservada na

realização do negócio jurídico.

Pode-se aferir a necessidade da observância do princípio da imparcialidade (ou

impessoalidade) através de alguns dispositivos legais, tais como o art. 27 da Lei dos

Notários e Registradores, que assim dispõe:

Art. 27. No serviço de que é titular, o notário e o registrador não poderão praticar, pessoalmente, qualquer ato de seu interesse ou de interesse de seu cônjuge ou de parentes, na linha reta, ou na colateral, consangüíneos ou afins, até o terceiro grau.

Outra, também, não é a razão de ser do previsto no art. 30, inciso VI, da

mesma legislação, ao determinar o dever de sigilo profissional dos notários e oficiais

de registro com relação à documentação e aos assuntos de natureza reservada dos

quais tenham conhecimento em razão do exercício da função. Brandelli (2007, p.

133), ao discorrer acerca da necessária e cogente imparcialidade que deve nortear

as atividades notariais, aduz:

O tabelião deve estar acima dos interesses envolvidos, sendo obrigação sua proteger as partes com igualdade, dando-lhes todas as explicações necessárias e oportunas, e livrando-as com imparcialidade dos enganos que podem engendrar sua ignorância ou até mesmo uma possível presença de má-fé. Ele deve, em igual medida e com a mesma lealdade, tratar com esmero tanto o cliente habitual como o acidental; o que o elege como o que o aceita; o que o paga como o que se beneficia de sua atividade sem despesa alguma. É notário das partes e de nenhuma em particular: preside as relações dos particulares, e sua posição eqüidista dos diversos interessados.

Através da equidistância que manterão com relação aos que os procuram, é

que os notários e registradores exercerão uma verdadeira função acautelatória de

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interesses, prevenindo os leigos e ―desavisados‖ dos enganos que podem ludibriar a

vontade na feitura dos negócios e atos jurídicos, bem como livrá-los, até mesmo, da

presença da má-fé.

Antonio Fernandéz De Buján (2007, p. 345) traduz com bastante propriedade a

situação espanhola no que tange à imparcialidade que deve pautar a atuação

desses profissionais, bem como o papel de assessoramento das partes, próprio da

natureza de suas funções. Transcreve-se, pois, suas palavras:

La configuración institucional de los Notarios como agentes de La JV, y por ende la posibilidad que se reconoce a los justiciables para acudir de forma opcional a La actuación notarial, entre uno de los vários operadores jurídicos posibles, em determinadas matérias, constituye por todo ello uno de los núcleos esenciales del texto prelegislativo, lo que supone, por outra parte, no sólo devolver a estos funcionários públicos, al propio tiempo que profesionales del derecho, un protagonismo en esta materia que ya les había sido atribuido por la historia, sino también el reconocimiento de uma titularidad que les corresponde por su propia naturaleza, en atención al desempeño de funciones de autenticación, notificación, documentacíon y garantía de derechos, lo que hace que el notário actual, em palabras de Rodríguez Adrados, no sea un mero fedatario público, sino que ejerce un oficio público en cuanto a su función certificante y autorizante, al próprio tiempo que realiza un juicio de legalidad del acto en que interviene y de asesoramiento de los intervinientes, com sometimiento al control o revisión judicial.

A propósito, tendo em vista o fato de o notariado europeu se portar de forma

imparcial na conexão de interesses públicos e privados, tudo aliado ao respeito e

prestígio de que gozam no seio da comunidade, bem como por garantirem

segurança e estabilidade jurídica aos atos por eles praticados, é que os mesmos

vêm recebendo grande destaque na mídia internacional, decorrente da projeção

político-jurídico-institucional surgida com a União Europeia, onde se comportam

como verdadeiros agentes de viabilização e harmonização dos procedimentos e

regras jurídicas transnacionais que estão sendo criadas.

A imparcialidade deve ser entendida como a não sujeição ou vinculação aos

interesses das partes e a independência como a não sujeição a ditames de superior

hierárquico ou qualquer terceiro que afete a livre decisão no âmbito de suas

atividades. Necessário se faz, pois, que o ordenamento jurídico garanta aos notários

e registradores meios para que exerçam o mister que lhes foi delegado com

imparcialidade, impedindo as situações de conflito de interesses.

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1.5.5 Princípio da cautelaridade

Quando foi abordada a atuação da função notarial e registral na seara da

jurisdição voluntária, mencionou-se que esta se caracteriza por sua natureza

cautelar (preventiva de conflitos), situando-se na área de realização espontânea do

Direito.

A função dos notários e registradores é a de prevenir e precaver os riscos

futuros que a incerteza jurídica possa trazer. Devem agir com prudência,

combatendo incertezas e prevenindo os seus destinatários de riscos. Já foi tratado

neste trabalho que a cautela gerada pelos serviços notariais e de registro não atinge

somente as partes figurantes nos negócios jurídicos, mas também a terceiros e,

consequentemente, a toda a sociedade.

Referido princípio apresenta-se no direito notarial por seu caráter jurídico-

cautelar, haja vista a função dos notários de orientar as partes – de modo imparcial -

na realização de suas respectivas vontades, atribuindo-lhes forma e documentando

os instrumentos do ato jurídico, com a finalidade primordial de constituição de prova.

Essa prévia orientação é a marca registrada da cautelaridade inerente a esta função.

Leonardo Brandelli (2007, p.131) assevera que o munus notarial opera dentro

da esfera de realização voluntária do direito, sem que haja necessidade de ingresso

na via judicial. Nesse sentido, o notário ajusta juridicamente os negócios privados,

de modo que estes venham a se enquadrar no ordenamento jurídico vigente,

prevenindo que vícios futuros sejam apontados, bem como evitando, ao máximo, a

instauração de lides sobre referida questão. O autor ressalta o mister de prudência

inerente à função dos notários, asseverando que esta é observada mais nele do que

na maioria dos profissionais do direito, justamente pelo sentido cautelar que rege tais

atividades.

É certo que, antes da prática do ato, os notários e registradores terão que

considerar todos os elementos componentes dos atos jurídicos que estão sendo

submetidos à sua apreciação, procurando na qualificação que é inerente ao

exercício de suas funções, bem como na prática diária, as cautelas necessárias a

manter a regularidade e evitar as nulidades capazes de prejudicar a intenção das

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partes. João Mendes de Almeida Júnior (1963, p. XXII), acerca de tais cautelas,

leciona que:

As cautelas dividem-se em cautelas necessárias, cautelas abundantes e cautelas legais. Cautelas necessárias são aquelas que promovem o cômodo e evitam o dano; cautelas abundantes são aquelas que, conquanto dispensáveis, não deixam de contribuir para maior clareza do direito; cautelas legais são as expressamente recomendadas com decreto irritante, isto é, sob pena de nulidade, costumam ser denominadas – cautelas de rigor. A jurisprudência euremática divide-se em euremática geral e euremática especial. A euremática geral trata das cautelas relativas a todos os atos e fatos jurídicos; a euremática especial trata das cautelas relativas a uma certa e determinada espécie de atos ou fatos jurídicos, a um certo e determinado título de direito. Neste último sentido se diz, por exemplo, a euremática da compra e venda, a euremática da hipoteca, a euremática do processo criminal, a euremática da falência, etc.

Ressalta-se ser tão flagrante a importância da atuação da instituição notarial na

realização do Direito, a ponto de ser possível afirmar que uma sociedade evoluída e

bem organizada não pode subsistir sem tal instituição.

No que diz respeito ao direito registral, além do efeito constitutivo que possui o

registro público, acautela a situação jurídica dos que ali figuram, bem como de

terceiros que pretendem realizar e/ou fazer perpetuar os mais diversos atos/fatos

ocorridos na órbita jurídica, tanto de natureza negocial, tal como a compra e venda

de um imóvel, por exemplo, como de natureza pessoal, tal qual o casamento,

nascimento e óbito de um índivíduo.

Desta feita, tanto a função notarial, quanto a registral caracterizam-se por sua

natureza cautelar, preventiva de conflitos, devendo as respectivas instituições ser

mais utilizadas nos atos de jurisdição voluntária, tendo em vista o assoberbamento

de ações impetradas perante o Poder Judiciário. Melhor seria que muitas dessas

atribuições inerentes aos atos acautelatórios, próprios da jurisdição voluntária,

fossem transferidos para esses agentes delegados do Poder Público, dotados de fé

pública.

Ricardo Dip (2005, p. 18), com relação à atividade de registro, acentua que tão

relevante são tais funções, que se pode estender aos registradores o que

Monasterio Galli, citado por Castán Tobeñas (1946, p.31), disse com relação aos

notários, ou seja, que constituem uma verdadeira ―Magistratura da paz jurídica.‖ No

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mesmo sentido, De Buján (2007, p.345), ao discorrer sobre o tema referente ao

notariado e à jurisdição voluntária, assevera:

Notarios y a Registradores de La Propiedad y Mercantiles, em atención a su especialización, a su considerción de relevantes operadores jurídicos el orden extraprocesal, y a la paz social y seguridad jurídica preventiva que supone su intervención como garantes de la legalidad.

Notários e registradores, exercendo suas atribuições de maneira proba e

qualificada, como verdadeiros profissionais do direito que são, revestem os atos

inerentes às suas funções de segurança jurídica, de forma a conferir-lhes a máxima

eficácia de que são merecedores, alcançando, com isso, o interesse e a satisfação

das partes. Em consequência, as partes deixam de recorrer a outras medidas para

resguardar os seus direitos subjetivos privados, podendo-se citar, dentre elas, os

processos judiciais. Com isso pode-se afirmar que tais profissionais exercem uma

espécie de magistratura precautória.

1.5.6 Princípio da tecnicidade

As atividades inerentes aos registros públicos, sejam elas exercidas pelos

notários ou pelos registradores propriamente ditos, requerem cautela e técnica, de

modo que possam, efetivamente, assegurar a vontade jurídica das partes,

acautelando e pacificando socialmente. Técnica é entendida como o lado material de

uma arte ou ciência; conjunto de processos de uma arte; prática; norma;

especialização. Por outro lado, técnico é aquele que é perito numa arte ou ciência;

pessoa especializada. (BUENO, 2000, p. 746).

O notário e o registrador são técnicos, técnicos jurídicos, haja vista que,

segundo consta da própria Lei nº 8.935/94, ―notário, ou tabelião, e oficial de registro,

ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado

o exercício da atividade notarial e de registro.‖33 Por outro lado, a mesma lei define a

natureza do serviço como técnico, ao dispor que ―serviços notariais e de registro são

os de organização técnica e administrativa, destinados a garantir a publicidade,

autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.‖34

_______________ 33

Art. 3º da Lei n° 8.935/94. 34

Art.1º da Lei n° 8.935/94.

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Como profissionais do direito que são, faz-se necessário que notários e

registradores possuam conhecimentos satisfatórios e complexos da ciência jurídica.

O lastro jurídico há de ser compatível com a relevância das funções exercidas.

Leonardo Brandelli (2007, p.137) apregoa que o despreparo técnico que

durante muito tempo funcionou como uma ―mancha‖ no currículo das atividades

notariais e de registro, decorrente do ranço de privilégios e apadrinhamentos com

relação à distribuição das titularidades dessas funções, encontra-se sendo

contornado, dia após dia, desde o advento da Carta Magna de 1988, que passou a

exigir concurso público para ingresso nas funções e, consequentemente, para

outorga das delegações. A propósito do tema, observa:

A função a cargo do notário tem acentuado caráter técnico. É evidente que grande parte da atuação notarial depende de perfeição do tecnicismo, isto é, depende do conhecimento por parte do notário dos institutos jurídicos e dos modos de realização do direito, por meio de suas formas, fórmulas, conceitos e categorias. Deve o notário ser um profundo conhecedor dos meios de realização prática do direito, especialmente o notarial. Daí se depreende que a técnica que deve ter o tabelião não é uma técnica qualquer, mas a técnica jurídica, conseqüência direta da sua condição de profisisonal do direito e do caráter jurídico da função notarial. A atuação notarial hodierna consiste, primordialmente, em assessorar juridicamente as partes do negócio jurídico, qualificando juridicamente tal negócio e instrumentalizando-o. É evidente que para lograr tal intento, não bastará que o notário seja somente um conhecedor dos institutos jurídicos (o que deverá ser), necessitando que seja ainda um hábil manejador da arte de implementação na práxis destes institutos; precisará conhecer os meandros da materialização dos institutos jurídicos.

Mais uma vez, de forma bem oportuna, Ricardo Dip (2005, p.13-34), ao

discorrer sobre o chamado ―saber registral‖, acentua que:

Operável é tanto o fazer, quanto o agir. Aquele, o facere, dirigido pela arte, é uma atividade que se exercita sobre matéria pertencente ao mundo exterior; o agere, dirigido pela prudência, é uma atividade que se executa dentro do homem mesmo. Por isso, o saber operável do direito não é, própria e primeiramente, um saber artístico ou técnico, em que se exerça uma atividade peiética, de fazer alguma coisa sobre matéria no mundo exterior. Antes, o saber jurídico propriamente operável é um saber prudencial, porque se volta à consecução do bem, não do apenas útil, não do somente eficaz.

Na esteira do pensamento esposado, afirma que o saber do registrador visa a

decidir, hic et nunc, se um determinado título há ou não de ser registrado, conforme

requerido. Ademais, objetiva saber se o registro, ou a respectiva irresignação a este,

é ou não um ato adequado à preservação da segurança jurídica, concluindo que o

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saber prático do registrador não seja um simples saber técnico ou artístico, mas que

antes de qualquer coisa é um saber de prudência.

Cláudio Martins (1974, p.16) chega mesmo a afirmar que, em virtude do

verdadeiro assessoramento jurídico, muitos consideram o notário, por exemplo,

como um verdadeiro ―arquiteto do Direito‖. Na apresentação da obra ora reportada, o

estudioso faz um desabafo, observando que a profissão notarial (e entende-se que

isso serve também para a registral) somente terá seu estatuto justo, capaz de

integrar o oficial público a um elevado patamar que lhe cabe no processo de

desenvolvimento do país, no dia em que for compreendido que ―cartório não é

prebenda e que o notário tem que ser, necessariamente, um profissional do Direito,

portador de formação jurídica adequada.‖

1.5.7 Princípio rogatório

O princípio rogatório encontra contornos bem explícitos e é de fácil

entendimento, tanto na área notarial, quanto registral. Relativamente ao ato registral,

este é, como regra, de iniciativa exclusiva do interessado, sendo vedado que o ato

seja praticado ex officio pelo registrador. Isto pode ser bem explicitado através da

própria Lei de Registros Públicos ao determinar que, salvo as anotações e as

averbações obrigatórias, os atos de registro serão praticados por ordem judicial, a

requerimento verbal ou escrito dos interessados ou a requerimento do Ministério

Público, quando a lei autorizar.35

Tal regra, como quase todas as outras, comporta exceções. Desta forma, no

registro de imóveis, a título exemplificativo, será feita, ex officio, a averbação dos

nomes dos logradouros decretados pelo Poder Público.36 Ceneviva (2008, p.32), ao

comentar o retromencionado art. 13 da LRP, assevera que:

[...] o inciso II do art. 13 tem o maior elastério: ao menos para a manifestação da vontade de obter um registro, não estabelece a lei qualquer formalidade. Basta que se manifeste a vontade ainda que verbalmente, dela não restando sinal outro senão o registro feito e a satisfação das custas correspondestes. Cabem duas ponderações: interessado no inciso II é o detentor de interesse juridicamente protegido; nada obstante seu significado econômico ou de outra natureza; o requerimento verbal é admitido salvo se a forma escrita, pública ou

_______________ 35

Lei de Registros Públicos (L. 6015/73), art. 13, I, II e III. 36

Lei de Registros Públicos (L. 6015/73), art. 167, II, item 13.

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particular, tiver previsão legal, como acontece com a emancipação (CC/02, art 5°, parágrafo único, I) e com o reconhecimento de filho (CC/02, art. 1.609).

Dessa forma, o registro poderá ser provocado por qualquer pessoa, cabendo-

lhe, entretanto, o pagamento das despesas respectivas.37 Com relação aos atos

notariais, outro não é o entendimento, ou seja, até mesmo para que se faça garantir

a imparcialidade, é necessário que os notários ajam sempre sob provocação das

partes interessadas.

Da mesma maneira que no caso dos registradores, o requerimento, para pôr

em prática a feitura dos atos notariais, prescinde de maiores formalidades, podendo

ser expresso de maneira tácita, verbal ou escrita, sendo corriqueiramente utilizada a

forma verbal (expressa).

1.5.8 Princípio da autonomia funcional

O princípio da autonomia funcional, denominado por muitos de princípio da

independência,38 preconiza que a atuação dos notários e registradores haverá de ser

feita de modo independente, desvinculado de qualquer subordinação hierárquica.

O caráter privatístico conferido às atividades notariais e de registro a partir da

promulgação do texto constitucional de 1988 só veio a reforçar a autonomia desses

serviços com relação ao Poder Judiciário, nada obstante a previsão do § 1° do art.

236 da CF, no sentido de que a orientação e a fiscalização dos atos continuem

sendo competência deste Poder. Consoante o texto do Estatuto dos Notários e

Registradores, Lei nº 8.935/94, referidos profissionais gozam de independência

quando no exercício de suas atribuições, percebendo emolumentos integrais pelos

atos praticados em suas respectivas serventias, só havendo possibilidade de perda

da delegação nos casos previstos legalmente.39

Ademais, cumpre ressaltar que os notários e os oficiais de registro podem, para

o desempenho de suas funções, contratar escrevente, dentre eles escolhendo os

_______________ 37

Lei de Registros Públicos (L. 6015/73), art. 217. 38

Como exemplo disso, vide Juliana Follmer (2004, p. 94). 39

Art. 28 da Lei 8.935/94.

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substitutos, e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e

sob o regime da legislação trabalhista.40

Outro exemplo claro da aplicação do princípio em tela encontra-se no fato de

ser de responsabilidade exclusiva do respectivo titular o gerenciamento

administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro, inclusive no que

tange às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer

normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração

de seus prepostos, de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços.41

Finalmente, é da incumbência dos notários e registradores praticar,

independentemente de autorização, todos os atos previstos em lei necessários à

organização e execução dos serviços,42 sendo facultado aos mesmos realizar todas

as gestões e diligências necessárias ou convenientes para o preparo dos atos a si

atribuídos.43 Dessa forma, pode-se afirmar que, indubitavelmente, a partir da

promulgação da Constituição Federal de 1988, houve significativo acréscimo da

responsabilidade conferida aos titulares das serventias extrajudiciais não-

oficializadas, como consectário lógico do aumento da independência de suas

funções.

_______________ 40

Art. 20, caput, da Lei 8.935/94. 41

Art. 21 da Lei 8.935/94. 42

Art. 41 da Lei 8.935/94. 43

Art. 7°, parágrafo único e art. 41, ambos da Lei 8.935/94.

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2 NUANCES DO SISTEMA NOTARIAL E DE REGISTRO NO DIREITO BRASILEIRO

Após o advento da Constituição Federal de 1988 não restam quaisquer dúvidas

de que notários e registradores enquadram-se na categoria de agentes públicos que,

por delegação do poder público, exercem atividade estatal em regime privado,

categorizando, portanto, uma classe submetida a regime jurídico especial e

anômalo.

Ainda é tímida a doutrina a respeito do regime jurídico ao qual estão

submetidos notários e registradores no Brasil. Os Tribunais, por seu turno, ao longo

dos tempos e, principalmente, a partir da promulgação da atual Carta da República,

têm se mostrado vacilantes no entendimento acerca do assunto, ou seja, as

matérias relacionadas a estas atividades muitas vezes são objeto de verdadeiras

―montanhas-russas jurisprudenciais.‖

É que, pelo fato de as atividades notariais e de registro situarem-se na

chamada ―zona fronteiriça entre o público e o privado‖, os entraves observados pelos

que pretendem realizar uma categorização de seu regime jurídico se potencializam.

É neste panorama de escassez doutrinária e divergências jurisprudenciais que

serão analisadas as particularidades que devem ser compreendidas acerca da

matéria, a fim de possibilitar uma compreensão sistêmica dessa categoria de

serviços públicos, de maneira que, ao final, fique claro qual é o regime de

responsabilidade civil ao qual estão submetidos notários e registradores e o porquê

dessa conclusão.

2.1 Natureza jurídica da atividade notarial e de registro e de seus delegados titulares do serviço

Como dito, compreender a natureza jurídica do vínculo existente entre o Estado

e as atividades notariais e de registro faz-se imprescindível para se chegar a

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qualquer conclusão acerca da responsabilidade civil dos delegados das respectivas

serventias.

Tal ocorre porque a maior parte da doutrina considera a natureza jurídica da

atividade notarial e de registro e, consequentemente, de seus delegados titulares

dos serviços, ponto primordial para a caracterização da responsabilidade civil.

Dentro desse contexto, existem duas correntes que denotam maior importância no

trato do assunto em questão,1 a saber:

Os adeptos da doutrina majoritária entendem estar os notários e registradores

inseridos dentro da categoria de servidores públicos. Ocorre que, mesmo no bojo da

presente corrente, ainda existem divergências, vez que alguns poucos doutrinadores

sustentam serem tais profissionais enquadrados como servidores públicos stricto

sensu, enquanto outros – com maior razão - entendem serem os notários e

registradores agentes delegados de um serviço público, ou seja, inseridos dentro da

categoria de servidores públicos lato sensu.2

Por outro lado, a corrente minoritária sustenta que os delegados das serventias

notariais e de registro apresentam uma natureza jurídica atípica, diante das diversas

peculiaridades que os caracterizam. Esta vertente tem como um de seus maiores

defensores Décio Antônio Erpen.

Por oportuno, traz-se à colação trechos do acórdão do Supremo Tribunal

Federal, proferido por ocasião do julgamento do RE n°.178.236/RJ, datado de

07.03.1996, cuja relatoria coube ao Ministro Otávio Gallotti. No caso posto sob

apreciação do Judiciário, o titular do 15° Tabelionato de Notas da cidade do Rio de

Janeiro – RJ propôs ação, em junho de 1989, visando a que o Poder Público se

_______________ 1 Há, ainda, uma terceira corrente, de menor expressão doutrinária, que sustenta serem notários e registradores agentes que desempenham serviço eminentemente privado, assemelhando-se aos denominados ―profissionais liberais‖. Esta corrente, cuja expressão maior no Brasil é a figura de Cláudio Martins (1974, p.70-71) — critica o fato de que ―muitos entendem que a fé pública é emanação do poder certificante do Estado e só por delegação deste o notário a exerceria‖. Diante desta perspectiva, o notário seria considerado mero funcionário público, pois estaria exercendo, pela via da delegação, uma função pública. Ocorre que também o corretor oficial, o tradutor público, o leiloeiro e o médico certificam com fé de ofício, e nem por isso são tais profissionais considerados funcionários públicos. A tese esposada por Cláudio Martins não parece ser a mais compatível com o texto constitucional assinalado no art. 236, donde se retira que certificar ou dar fé é poder do Estado que, em face da atipicidade da função, a delega a outros agentes públicos.

2 Tese atualmente dominante junto ao C. Supremo Tribunal Federal, como será demonstrado no decorrer dessa exposição. Vale ressaltar, por oportuno, que mesmo antes da mudança de entendimento do Pretório Excelso, Ricardo Dip já defendia esse entendimento.

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abstivesse de decretar sua aposentadoria compulsória, posto que atingiria os

setenta anos naquele mesmo mês.

A ação foi julgada improcedente, tanto pelo juízo monocrático, quanto pela 4ª

Câmara Criminal do TJRJ, sob o fundamento de que, sendo os notários e

registradores servidores públicos, estariam enquadrados no comando normativo

inserido no art. 40, II, da CF/88,3 submetidos, portanto, à aposentadoria compulsória

por implemento de idade.

A questão chegou ao Pretório Excelso, em grau de Recurso Extraordinário,

sendo aduzido o inconformismo do sucumbente com base na equivocada

interpretação feita pelos órgãos judiciários do art. 236 da Carta Magna. Aduzia o

recorrente que a partir do advento da nova ordem constitucional, a atividade notarial

e de registro teria sido ―privatizada‖, bem como que, mesmo ante a natureza pública

de tais serviços, teriam os respectivos titulares deixado de ser considerados como

servidores públicos. Argumentou-se, ainda, que tais atividades, embora fossem

delegadas pelo Poder Público, não teriam o caráter de publicização, como no caso

das concessões e permissões.

Ao final, após ardentes debates, foram vencidos os Ministros Marco Aurélio,

Francisco Rezek e Sepúlveda Pertence (à época Presidente da Corte), tendo o STF

considerado que os serventuários de notas e de registro estariam sujeitos à

aposentadoria por implemento de idade, nos termos dos artigos 40, II, e 236, e seus

respectivos parágrafos, todos da Constituição Federal de 1988. Para tanto, levou-se

em consideração, primordialmente, o fato de serem tais profissionais ocupantes de

cargos púbicos criados por lei, submetidos à permanente fiscalização do Estado e

diretamente remunerados à conta de receita pública (custas e emolumentos fixados

por lei), bem como providos por concurso público.

Esse entendimento prevaleceu durante algum tempo, ainda após a

promulgação da Emenda Constitucional de n° 20, ocorrida no ano de 1998, que

alterou a redação do mencionado art. 40 da CF. Tanto é verdade que, já no ano de

1999, o Tribunal continuava a julgar no mesmo sentido, como se denota da análise

_______________ 3 O comando constitucional vigente àquela época – antes da promulgação da emenda constitucional nº 20/98 - dispunha da seguinte redação: ―Art. 40. O servidor será aposentado: [...] II – compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de serviço.‖

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do RE n° 234.935/SP, que teve como relator o Ministro Celso de Mello, ausente

justificadamente no julgamento relatado no parágrafo anterior:

Serventuário extrajudicial (Oficial Registrador/Tabelião de Notas). Sua qualificação como servidor público. Atividade estatal. Função pública. Sujeição à mesma disciplina constitucional aplicável aos demais servidores públicos, em tema de aposentadoria compulsória (70 anos de idade). Precedentes do Supremo Tribunal Federal. RE não conhecido. - Os Oficiais Registradores e os Tabeliães de Notas - que são órgãos da fé pública e que desempenham atividade de caráter eminentemente estatal - qualificam-se, no plano jurídico--administrativo, como servidores públicos, sujeitando-se, em conseqüência, ao mesmo regime constitucional de aposentação compulsória, por implemento de idade (70 anos), aplicável aos demais agentes públicos. - O regime instituído pela vigente Constituição Federal (art. 236) não afetou a condição jurídico--administrativa dos Serventuários extrajudiciais, cuja qualificação, como servidores públicos, foi preservada, em seus aspectos essenciais, pela Lei Fundamental promulgada em 1988.

Havia uma resistência da Corte Suprema em alterar o entendimento outrora

fixado, mesmo diante das modificações verificadas no enquadramento jurídico da

categoria dos delegados de serventias extrajudiciais com a promulgação da EC nº

45/2004, mormente no aspecto referente à submissão destes à aposentadoria

compulsória, bem como também em outros fatores intimamente ligados à natureza

jurídica desses profissionais.

Assim, o termo ―servidor‖, constante do caput do art. 40 do texto constitucional,

foi susbstituído pela expressão ―servidores titulares de cargos efetivos‖. Quando a

nomenclatura usada referia-se somente a ―servidor‖, dava-se azo para uma

interpretação extensiva, de modo a enquadrar algumas categorias de agentes

públicos. Com a promulgação da emenda, o dispositivo constitucional

retromencionado passou a vigorar com o seguinte texto:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. § 1º - Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma do § 3º: [...] II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição; [...]

4

_______________ 4 Atualmente, esse mesmo dispositivo constitucional já sofreu outras mudanças, passando a ter a seguinte redação: ―Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito

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Dessa forma, o equívoco ora relatado restou sanado quando da decisão

proferida no julgamento da ADIn 2.602/MG, ocorrido na sessão plenária de 3 de abril

de 2003, sob a relatoria do Min. Moreira Alves. Durante vários anos, o STF

praticamente ignorou a inovação constitucional ao examinar casos concretos

levados pela via do Recurso Extraordinário. Ocorre que, com o exame abstrato da

constitucionalidade de um provimento baixado pelo Tribunal de Justiça de Minas

Gerais, não houve outra saída, senão a análise de tal vexata quaestio frente ao art.

40, II, da Carta Constitucional, já alterado pela EC n° 20.

Nesta ocasião, o Supremo Tribunal Federal deferiu, à unanimidade de votos, o

pedido liminar deduzido pela Associação de Notários e Registradores do Brasil –

ANOREG/BR, no sentido de declarar a inconstitucionalidade do Provimento nº 55,

de 5 de julho de 2001, da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Referido ato normativo determinava que os juízes diretores do foro das comarcas

mineiras exercessem rigorosa fiscalização quanto ao implemento da idade de 70

(setenta) anos pelos oficiais de registro e tabeliães e que exarassem o ato de

declaração de vacância do serviço notarial ou de registro, bem como que

designassem, por meio de portaria, o substituto mais antigo que estivesse em

exercício legal, a fim de responder pelo expediente do respectivo serviço.

Posteriormente, no mesmo STF, na sessão plenária de julgamento da

Reclamaçao n° 3.966 MC/SP, em 16 de fevereiro de 2006, cuja relatoria coube ao

próprio Ministro Celso de Mello, tal entendimento foi reiterado. Na fundamentação do

acórdão proferido, o relator proclamou o seguinte:

[...] o Supremo Tribunal Federal – em face de suas decisões plenárias proferidas na ADI 2.891/RJ e na ADI 2.602/MG – tem concedido liminares, em ordem a suspender a eficácia de atos que, indevidamente, reconheceram a submissão de Oficiais Registradores e Notários Públicos à cláusula de aposentadoria compulsória, por implemento de idade, não obstante a substancial modificação que, na disciplinação desse tema, a EC nº 20/98, em inovador tratamento da matéria ora em exame, introduziu na regra inscrita no

Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. § 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17: [...] II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição‖. Ainda assim, as alterações ocorridas em seu texto, por ocasião da promulgação da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, não exerceram influência no que diz respeito à exclusão dos notários e registradores do seu âmbito de abrangência.

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art. 40, II, da Constituição da República (Rcl 2.399-MC/RJ, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - Rcl 2.714- -MC/SC, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - Rcl 2.837-MC/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – Rcl 2.898-MC/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO - Rcl 3.027-MC/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO - Rcl 3.123-MC/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – Rcl 3.640-MC/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.). Inegável reconhecer, pois, que o tema versado na presente sede processual reveste-se de expressiva significação jurídica, eis que - não obstante anterior jurisprudência firmada por esta Suprema Corte (RTJ 162/772-773, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI - RTJ 167/329- -330, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - RE 234.935/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) - sobreveio, como precedentemente acentuado, importante modificação introduzida pela EC nº 20/98, que representa, na perspectiva da matéria em análise (pretendida inaplicabilidade, aos Oficiais Registradores e aos Notários Públicos, da cláusula pertinente à aposentadoria compulsória, por implemento de idade), o próprio fundamento em que se apóia a pretensão deduzida pela parte ora reclamante‘. Impende destacar, bem por isso, neste ponto, ante a extrema idoneidade de seu autor, a autorizada lição de WALTER CENEVIVA (‗Lei dos Notários e dos Registradores Comentada‘, p. 231/232, 3ª ed., 2000, Saraiva), para quem o delegado incumbido da atividade notarial ou de registro - precisamente por não se qualificar como servidor titular de cargo efetivo - acha-se excluído do regime jurídico-constitucional da aposentadoria compulsória por implemento de idade, notadamente em face das substanciais inovações resultantes da promulgação da EC nº 20/98. Esse entendimento - fundado no que hoje dispõe a Carta Política, em texto que traduz ‗jus novum‘ resultante da superveniente promulgação da EC nº 20/98 - encontra apoio no autorizado magistério de DÉCIO ANTÔNIO ERPEN (‗Da Responsabilidade Civil e do Limite de Idade para Aposentadoria Compulsória dos Notários e Registradores‘, ‗in‘ Revista de Direito Imobiliário, vol. 47/103-115), refletindo-se, por igual, na valiosa lição de JOSÉ TARCÍZIO DE ALMEIDA MELO (‗Reformas‘, p. 263 e 268/269, 2000, Del Rey), que assim examinou o tema: ‗A Constituição Federal, em seu art. 236, transformou os notários e registradores em agentes delegados do Poder Público, em caráter privado. A Lei n. 8.935, de 19 de novembro de 1994, regulamentou a matéria. Em sua jurisprudência, o STF considerou notários e registradores como servidores públicos, lato sensu, e mandou aplicar-lhes o regime previdenciário e a aposentadoria, na forma da redação original do art. 40 da Constituição. Com a alteração do art. 40, pela Emenda n. 20, a atuação do regime previdenciário daquele artigo foi restringida aos titulares de cargos de provimento efetivo, servidores públicos em sentido estrito. [...] Com a Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a norma restritiva de direito teve o seu reduto diminuído, com destinação aos servidores, stricto sensu, titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações. Tal superveniência constitucional consolidou o art. 39 da Lei n. 8.935/94 que, ao tratar da extinção da delegação e, particularmente, da aposentadoria do notário e do registrador, contemplou a aposentadoria facultativa e excluiu a aposentadoria compulsória. O § 1º, inciso II, do mencionado artigo, com a redação da Emenda n. 20, e berço constitucional da aposentadoria compulsória, menciona os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata o artigo, os quais, conforme o caput, são os servidores titulares de cargos efetivos. Pode-se argumentar que antigos serventuários sejam abrangidos pelo mesmo regime previdenciário, por força de norma anterior. Sob o aspecto previdenciário, estariam equiparados aos titulares de cargos efetivos. Entretanto, a aposentadoria compulsória não se destinou mais a eles, uma vez que a norma restritiva referiu-se apenas aos que, encontrando-se naquele regime previdenciário, sejam titulares de cargos efetivos.‘ (Grifou-se).

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Ao final, a medida cautelar foi negada não pelo mérito em si, mas por ter o

relator vislumbrado não incorrer a situação configuradora do requisito do periculum

in mora, pressuposto indispensável para ocorrência da necessidade de tal decisão.

Assim, atualmente, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal

Federal e da doutrina majoritária - que consideram os notários e registradores como

agentes públicos - superado está o entendimento de que seriam estes passíveis de

aposentadoria compulsória por implemento de idade. São os mesmos considerados

agentes delegados de serviço público, ou seja, particulares em colaboração com o

Poder Público. Ademais, cumpre ressaltar que notários e registradores não se

sujeitam, outrossim, ao ―teto do funcionalismo público‖, cuja limitação encontra-se

prevista no inciso XI, art. 37, da CF de 1988.

Ricardo Dip (2002, p.87-88), antes mesmo da mudança interpretativa ocorrida

no âmago do Pleno do Supremo Tribunal Federal, proclamava a inserção de notários

e registradores na categoria de agentes em colaboração com o Poder Público,

rechaçando a tese de que seriam os mesmos servidores públicos. Vale a transcrição

de seus dizeres:

Repito: por mais se queira reinstalar essa discussão sobre o molde orgânico privatístico dos registros e das notas, discussão em que se vêem insinuados o gosto pelo autoritarismo ou, em só aparente oposto, a conspiração pela anomia, o fato é que a Constituição Federal de 1988 acolheu, entre nós, a gestão privada dos serviços notariais e registrários (art. 236, caput) e, ao fazê-lo, abdicou de incluir notários e registradores no quadro tanto dos (a) agentes políticos – porque, em síntese, não se dirigem a formar a superior vontade estatal –, seja dos (b) servidores públicos – porque, em resumo, não são pagos pelos cofres públicos –, contando-os, isto sim, entre os (c) particulares colaboradores do Poder Público, a exemplo dos tradutores e intérpretes públicos, dos leiloeiros, dos reitores de universidades privadas etc., pessoas que exercitam função Pública em nome próprio, ainda que sob a fiscalização do Poder Público. Dessa maneira, consagrou-se constitucionalmente o que já era indicação de parte valiosa da doutrina pátria (brevitatis causa: Hely Lopes Meirelles, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Celso Antônio Bandeira de Mello, Pinto Ferreira, Maria Sylvia Zanella Di Pietro).

Traz-se à colação, por oportuno, decisão deveras recente acerca do assunto

em comento, a saber:

O artigo 40, § 1º, inciso II, da Constituição do Brasil, na redação que lhe foi conferida pela EC 20/98, está restrito aos cargos efetivos da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios – incluídas as autarquias e fundações. Os serviços de registros públicos, cartorários e notariais são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público

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– serviço público não-privativo. Os notários e os registradores exercem atividade estatal, entretanto não são titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público. Não são servidores públicos, não lhes alcançando a compulsoriedade imposta pelo mencionado artigo 40 da CB/88 – aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade. (ADI 2.602, Rel. p/ o ac. Min. Eros Grau, julgamento em 24-11-05, DJ de 31-3-06) Recurso que não demonstra o desacerto da decisão agravada. Servidores de notários e registradores das serventias extrajudiciais. Não são servidores públicos. Aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade. Art. 40 da Constituição Federal. Inaplicabilidade. Precedentes. (AI 655.378-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 26-2-08, DJE de 28-3-08).

Di Pietro (2004, p. 437), ao tratar dos particulares em colaboração com o Poder

Público, assevera que dentro desta categoria estão inseridas as pessoas físicas que

prestam serviços ao Estado, sem vínculo empregatício, com ou sem remuneração.

Ressalta, ainda, que podem fazê-lo sob diversos títulos, inclusive, sob delegação do

Poder Público, ―como se dá com os empregados das empresas concessionárias e

permissionárias de serviços públicos, os que exercem serviços notariais e de registro

(art. 236 da Constituição), os leiloeiros, tradutores, intérpretes públicos‖. Tais

profissionais exercem função pública, em nome próprio, sem a existência de vínculo

empregatício, porém, sob fiscalização do Poder Público (no caso de notários e

registradores tal fiscalização dá-se por intermédio do Poder Judiciário). Ademais, a

remuneração que recebem não é paga pelos cofres públicos, mas pelos terceiros

usuários de tal serviço.

Outro não é o entendimento de Diógenes Gasparini (2007, p.166-168), que,

dissertanto sobre o que chama de ―agentes de colaboração‖, classifica-os como

sendo de várias espécies, apontando que a doutrina vem indicando serem estes

enquadrados da seguinte forma: os que colaboram por vontade própria; os que

colaboram compulsoriamente; e os que colaboram com a concordância da

Administração Pública, estando os notários e registradores, segundo o autor,

inseridos nessa última categoria.

Tratando especificamente do tema, assevera o doutrinador que ―os últimos,

colaboradores com a concordância da Administração Pública, são os que lhe

prestam serviços ante sua expressa aquiescência. São os contratados e os

delegados de função, ofício ou serviço público‖, complementando que:

[...] nesse último caso são chamados de concessionários, permissionários ou autorizatários. Entre os delegados de função ou ofício público, estão os tabeliães, juízes de paz, os titulares de serventias públicas não

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oficializadas, os diretores de faculdades particulares, os leiloeiros, os

comissários de menores, os despachantes policiais e aduaneiros. (Grifou-se).

Verifica-se, portanto, que não se pode negar o caráter privado das atividades

desenvolvidas pelos titulares dos ―Órgãos da Fé Pública.‖5 Nesse contexto, não se

admite, igualmente, enquadrar essa categoria como servidores públicos (na acepção

estrita do termo), haja vista que, embora exerçam relevante serviço público, o fazem

por delegação em serventias extrajudiciais, à sua conta e risco, com remuneração

paga, inclusive, pelos particulares. Ademais, submetem-se ao Regime Geral da

Previdência Social – RGPS.6

Acrescente-se que, recentemente, o STF entendeu que incide o Imposto sobre

Serviços de Qualquer Natureza – ISS (ou ISSQN) sobre os serviços de registros

públicos, cartorários e notariais, declarando a constitucionalidade dos itens 21 e 21.1

da Lista Anexa à Lei Complementar nº 116/2003 (que permitem a tributação dos

serviços de registros públicos, cartorários e notariais pelo ISSQN). Para o Tribunal,

as pessoas exercentes da atividade notarial e registral não estão imunes à

tributação, eis que desenvolvem os respectivos serviços com intuito de obtenção de

lucros. Com efeito, segundo o Ministro Joaquim Barbosa, relator da ADI n° 3.089;

[...] a imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados. Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas. (ADI 3.089, Rel. p/ o ac. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 13-2-08, DJE de 1º-8-08).

7

Ainda tratando das correntes doutrinárias ora estudadas, impende-se afirmar

que a posição minoritária sustenta que tais serviços possuem natureza atípica,

diante das diversas peculiaridades que os caracterizam.

Referida corrente, como já ressaltado, é capitaneada por Décio Antônio Erpen8

(2006, p. 49). Sustenta o autor que os atos praticados pelos notários e registradores

são atos típicos de direito material, de cidadania e não de ordem administrativa.

_______________ 5 Cfr. ALMEIDA JÚNIOR (1963).

6 Lei dos Notários e Registradores (L.8935/94), art. 50.

7 No mesmo sentido: RE 557.643-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 10-2-09, 2ª Turma, DJE de 13-3-09.

8 Décio Antônio Erpen é reconhecido na doutrina pátria como o maior defensor desse entendimento.

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Ademais, acrescenta que o ingresso em tais atividades se dá pela via do concurso

público, bem como que estas são fiscalizadas pelo Estado, através do Poder

Judiciário. Afirma que tais serviços revestem-se de verdadeiras instituições da

comunidade, estando inseridos dentro do corpo jurídico-social, advindo, não de ato

administrativo ou de vontade política isolada, mas sim de um fenômeno sociojurídico

institucionalizado pela convivência, objetivando a segurança nas relações dos

indivíduos em sociedade.

Assim, faz-se necessário observar que a expressão ―caráter privado‖ conduz à

transposição dos serviços notariais e de registro da seara do direito público para o

direito privado, já que tais profissionais atuam em recinto particular, contratam seus

empregados pelo regime da CLT (Consolidação das Leis de Trabalho), bem como

contribuem para o RGPS (Regime Geral da Previdência Social).

Por outro lado, existem algumas peculiaridades, próprias da categoria, cuja

abordagem faz-se necessária, vez que preceitos administrativos aplicáveis, em tese,

somente aos servidores públicos foram mantidos. O maior exemplo desse fato é o

meio pelo qual se dá o ingresso em tais atividades, qual seja, o concurso público.

Com efeito, a delegação de um serviço público, em regra, não é deferida a

alguém através de concurso, e sim por meio de licitação. Vê-se, pois, que a forma

pela qual os notários e registradores exercem tais atividades possui nítidas

características privatísticas, mas o modo pelo qual ingressam assume contornos

idênticos aos dos servidores públicos.

Visando a regulamentar a interpretação da norma que dispõe a respeito da

necessidade de concurso público para outorga das Delegações de Notas e de

Registro (art. 236, §3º da CF), o Conselho Nacional de Justiça – CNJ9 veio a editar a

_______________ 9 Após o advento da promulgação da Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, foi criado o Conselho Nacional de Justiça – CNJ. O inciso III do §4º do art. 103-B prevê o seguinte: ―Art. 103-B [...] §4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: [...] III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa.‖ (grifo intencional).

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Resolução n° 81, datada de 9 de junho de 2009, que, outrossim, estabeleceu uma

minuta de edital, a servir de modelo para os certames futuros.

Com efeito, as circunstâncias que nortearam a presente iniciativa foram muitas,

a saber: 1) a já proclamada necessidade de concurso público para ingresso na

atividade notarial e de registro, nos termos do § 3º do artigo 236 da Constituição

Federal, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de

concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses; 2) a falta de Lei

Complementar Federal que delegue a Estados ou ao Distrito Federal poderes para

legislar sobre ingresso, por provimento ou remoção, no serviço de notas ou de

registro (artigo 22, XV e parágrafo único, da Constituição Federal de 1988); 3) o

necessário cumprimento da norma do art. 37 da CF; 4) o fato de que os concursos

públicos para outorga de delegação de serviços notariais e de registro não vinham

observando um padrão uniforme, sendo, por consequência, objeto de inúmeros

procedimentos administrativos junto ao CNJ e de inúmeras medidas judiciais junto

aos Tribunais Superiores e, finalmente; 5) a existência de grande número de

unidades de serviços extrajudiciais, a natureza multitudinária das controvérsias

sobre o tema e o interesse público de que o entendimento amplamente

predominante passe a ser aplicado de maneira uniforme para todas as questões

envolvendo a mesma matéria, dando-se ao tema a natureza de processo objetivo e

evitando-se contradições geradoras de insegurança jurídica.

Dentre os pontos mais importantes da Resolução em comento, destacam-se os

seguintes comandos: a necessidade de que os concursos deverão ser realizados

semestralmente, ou em prazo inferior, caso estejam vagas ao menos três

delegações de qualquer natureza; que sejam ultimados impreterivelmente em 12

(doze) meses, a contar da primeira publicação do respectivo edital de abertura do

concurso, sob pena de apuração de responsabilidade funcional; o Tribunal de

Justiça disponibilizará para todos os candidatos os dados disponíveis sobre a

receita, despesas, encargos e dívidas das serventias colocadas em concurso.

Sem embargo do que já foi explanado, outra Resolução do CNJ, editada na

mesma data, a de n° 80, declarou a vacância dos serviços notariais e de registro

ocupados em desacordo com as normas constitucionais pertinentes à matéria,

estabelecendo regras para a preservação da ampla defesa dos interessados, para o

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período de transição e para a organização das vagas do serviço de notas e registro

que serão submetidas a concurso público.

Alegou-se, para tanto, que para fins de delegação de serviço notarial e de

registro inexiste a figura da remoção por permuta; a possibilidade de se tornar

―estável‖ o delegado; bem como que não há Lei Complementar Federal delegando a

Estados ou ao Distrito Federal poderes para legislar sobre ingresso por provimento

(ingresso inicial) ou remoção no serviço de notas ou de registro (artigo 22, XXV, e

parágrafo único da Constituição Federal).

Outro fator que justificou a medida foi a existência de inúmeros precedentes

jurisprudenciais - monocráticos e colegiados – do STF, no sentido de que a atual

ordem constitucional estabeleceu que a investidura na titularidade de unidade do

serviço, cuja vacância tenha ocorrido após a promulgação da Constituição Federal

de 1988, depende da realização de concurso público para fins específicos de

delegação, inexistindo direito adquirido ao que dispunha o artigo 208 da Constituição

Federal de 1967, na redação da EC 22/1982, quando a vaga ocorreu já na vigência

da Constituição Federal de 1988.

Diante de tudo o que foi exposto, faz-se necessário reconhecer a natureza

híbrida de tais atividades, a fim de que não se caia na contradição de se afirmar

terem os notários e registradores natureza jurídica de servidor público – de forma

pura e simples -, ainda mais se for levado em consideração o fato de que, por outro

lado, a delegação por eles titularizada se dá de modo especial, diferentemente do

que ocorre nos casos de delegação de um serviço público por concessão ou

permissão.10

Para tanto, deve ser levado em conta o reiterado entendimento do Supremo

Tribunal Federal, no sentido de incluir os notários e registradores na categoria de

agentes públicos (servidores públicos em sentido amplo - particulares em

colaboração com o poder público), que agem em colaboração com o Poder Público

_______________ 10

Enquanto a concessão e a permissão, delegações por excelência, são formas de o Estado repassar ao particular a prestação de determinados serviços (através de contrato, com prévio procedimento licitatório), a delegação havida no âmbito das atividades notariais e de registro se faz mediante concurso público de provas e títulos (CF, art. 236, § 3º), o que só corrobora, como já explanado, a natureza jurídica híbrida destas atividades. Some-se a isso o fato de que a Lei 8.935/94, em seu art. 25, determina a proibição de acumulação do exercício da atividade notarial ou de registro com a de qualquer outro cargo público.

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através do instituto da delegação (que se opera pela via do concurso público para

ingresso e remoção). Tal acepção faz com que o Estado seja responsabilizado de

forma direta e solidária pelos prejuízos advindos do desempenho funcional de tais

agentes (conforme estabelecido no § 6º, do art. 37, da Constituição Federal).

Outro ponto a ser levado em consideração diz respeito à natureza jurídica

híbrida de que são detentores esses profissionais – de categorização atípica –

necessitando, em virtude disso, de um sistema próprio de responsabilidade civil.

Estes pontos serão analisados no último capítulo do presente estudo.

Cabe destacar ainda, por oportuno, que o entendimento dominante firmado

pela doutrina e jurisprudência pátria é no sentido de que as serventias extrajudiciais

(denominadas popularmente como cartórios) não possuem personalidade jurídica,

constituindo unidades de serviços que, como dito, pela via do concurso público, são

atribuídas a determinadas pessoas, a fim de que estas, titularizando o cartório, por

delegação do Poder Público, desempenhem suas atividades funcionais, nos termos

do artigo 22 da Lei nº 8.935/94. As serventias extrajudiciais somente possuem

inscrição no CNPJ/MJ (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas) para efeitos fiscais.

Ainda assim, mesmo para efeitos tributários, faz-se certo afirmar que os

haveres auferidos por atos praticados nas serventias devem ser contabilizados como

receita da pessoa física do delegado extrajudicial, devendo este recolher o IRPF –

Imposto sobre a Renda de Pessoa Física, o que só reforça a tese sustentada de que

os cartórios não têm personalidade de pessoa jurídica.

Esse vem sendo, inclusive, o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado

de São Paulo - TJSP em diversos julgados, sempre no sentido de ser o cartório

extrajudicial parte ilegítima para figurar no polo passivo de ação de indenização

(ressarcitória), uma vez que se trata de ente despersonalizado, uma organização

técnica e administrativa que se atribui função pública, não dentendo, portanto,

capacidade de ser parte em Juízo.11

_______________ 11

Vide os julgamentos proferidos no Agravo de Instrumento n° 8513455300 e n° 6073555300; Apelação n°7187331100; Apelação com revisão n°5411484500, nº 6039574800 e n° 3438075300, dentre outros.

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O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, vem adotando posicionamento no

sentido de permitir o ajuizamento de ações contra as serventias extrajudiciais,12

equiparando-as às pessoas formais, que, embora não detentoras de personalidade

jurídica, possuem a denominada ―personalidade judiciária‖, a exemplo do espólio, da

massa falida, do condomínio etc.

2.2 O entendimento dos Tribunais acerca das leis de organização judiciária estaduais e os serviços notariais e de registro

Tema já debatido nos Tribunais e que, invarialvelmente, tende a voltar a ser

foco de debates doutrinários e jurisprudenciais, é o que diz respeito à criação,

desmembramento, desdobramento, organização territorial e extinção das serventias

extrajudiciais.

O Pretório Excelso vem entendendo que, com base na interpretação dos

dispositivos do art. 96, incisos I, alínea ―b‖, e II, alíneas ―b‖ e ―d‖, a propositura de

projetos legislativos atinentes a estas matérias compete, privativamente, aos

Tribunais de Justiça Estaduais.

Somente a título ilustrativo, faz-se oportuno transcrever dois artigos do Código

de Organização Judiciária do Estado do Ceará, Lei Estadual n° 12.342, de 28 de

julho de 1994, que tratam, especificamente, da criação de ―cargos‖ de notários e

registradores nas Comarcas da Capital e do interior do Estado, a saber:

Art. 524. São criados na Comarca da Capital, não remunerados pelos cofres públicos: I – dois (02) cargos de Notários (9° e 10° Notários de Fortaleza); II – dois (02) cargos de Oficial de Registro de Imóveis (5° e 6° Oficiais de Registro de Imóveis de Fortaleza); III – um (01) cargo de Oficial de Oficial do Registro Civil do Distrito do Mucuripe. [...] Art. 526 – Ficam criados os seguintes cargos, não remunerados pelos cofres públicos, e sem a acumulação da função de escrivão, a serem preenchidos por concurso público de provas e títulos: I – Cargos de Primeiro Notário: a) vinte e quatro (24) nas comarcas definidas no art. 513; b) um (01) na Comarca de Maracanaú; II – Cargos de Segundo Notário: a) vinte e quatro (24) nas comarcas definidas no art. 513; b) um (01) na Comarca de Maracanaú; III – Cargo de Terceiro Notário: Um (01) na Comarca de Juazeiro do Norte; IV – Cargo de Quarto Notário: Um (01) na Comarca de Sobral.

Já foi dito o bastante, e assim preleciona o próprio texto constitucional, que a

atividade notarial e de registro é delegada pelo Poder Público, não compondo a

_______________ 12

REsp 476.531 – RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma do STJ.

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Administração autárquica (indireta), sendo seu exercício efetuado de maneira

privada, à conta e risco do delegado titular da serventia. Devido a isso, a norma

aplicável ao caso – de fato - é a do artigo 96, I, ―b‖ e ―d‖, que aduz competir aos

tribunais organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes

forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva, bem

como propor a criação de novas varas judiciárias.

A iniciativa de lei referente à criação, desmembramento, desdobramento,

organização territorial e extinção das serventias extrajudiciais será feita pelos

respectivos Tribunais de Justiça Estaduais, atendendo-se a critérios de

discricionariedade administrativa, ou seja, competindo ao órgão judiciário averiguar

acerca da conveniência e oportunidade de tais medidas, uma vez que há presunção

de legitimidade e veracidade do ato administrativo e do ato legislativo, concorrentes

para a edição da lei para tais fins.

Dito isso, revela-se oportuno mencionar que, ainda hoje, em alguns Estados da

Federação, como é o caso de Santa Catarina, existe lei que estabelece ser de

competência dos governadores a outorga da delegação dos serviços notariais e de

registro. Também no Piauí (Constituição Estadual, art. 75, §2º, inc. II, alínea ―a‖),

compete privativamente ao governador deflagrar processo legislativo tendente a criar

ou extinguir os serviços notariais e registrais.

O Supremo Tribunal Federal já se viu instado a exarar decisão a esse respeito,

por ocasião do julgamento das ADIns 865/MA, que teve como relator o Ministro

Celso de Melo (Plenário de 7/10/1993, acórdão publicado no DJU de 8/4/1994) e

1935/RO, cuja relatoria coube ao Ministro Carlos Velloso (Plenário de 29/8/2002,

Informativos STF nº 279).

Referido tribunal, em ambos os julgamentos, firmou entendimento unânime de

que os serviços notariais e de registro são considerados serviços auxiliares da

justiça para os efeitos de que trata a alínea ―b‖, do inc. II, do art. 96, da Constituição

Federal. Dessa feita, houve por bem em externar que a criação, o provimento e a

instalação das serventias extrajudiciais pelos Estados-membros não implicam

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usurpação da matéria reservada à lei nacional pelo art. 236 da Carta Federal.13 Traz-

se à colação, por oportuno, transcrição do dispositivo constitucional em tela:

Art. 96. Compete privativamente: [...] II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169: [...] b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver;

Noticia o Informativo 279, sob o título Criação de Cartórios e Competência, que:

[...] o Tribunal afastou a alegada inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, porquanto a norma impugnada [Lei nº 769/97 do Estado de Rondônia, criando os 3º e 4º Ofício de Protestos de Títulos da Comarca de Porto Velho] trata de matéria de organização judiciária, cuja iniciativa legislativa pertence aos tribunais de justiça, consoante dispõe o art. 96, II, alíneas b e d, da CF/88 – que outorgam competência privativa aos tribunais para propor ao Poder Legislativo a criação de cargos dos serviços auxiliares dos juízes de direito que lhe forem vinculados, bem como a alteração da organização e divisão judiciárias.

Diante de tudo o que foi exposto, vê-se que no caso de criação de cargos de

notários e registradores, não será aplicado o art. 61, §1°, II, ―a‖ da Constituição

Federal, que dispõe ser de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que

disponham sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos na

administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração.

Cumpre-se perquirir, antes de se encerrar a abordagem realizada no presente

tópico, acerca da necessidade (ou não) de lei formal para a criação de serventias

notariais e de registro. Referida questão, também, já foi objeto de análise por parte

da Corte Suprema Constitucional, quando do julgamento da ADInMC 1583/RJ, que

teve como relator o Ministro Néri da Silveira, hoje aposentado.

A retromencionada Adin foi perpetrada pela Associação dos Notários e

Registradores do Brasil — ANOREG/BR, objetivando a declaração de

inconstitucionalidade de dois provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do

_______________ 13

Os Ministros do STF referiam-se ao disposto no art. 236, §2° do texto constitucional: ―Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.‖

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Estado do Rio de Janeiro, cujo objeto de atuação era a transformação de algumas

sucursais de cartórios em novas serventias extrajudiciais.

O Corregedor-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em sua

manifestação acerca do pleito declaratório, alegou, em síntese, que com a

proclamação do novo regime constitucional reservado aos notários e registradores,

estes perderam a característica de funcionários públicos, passando a ser

considerados como delegatários de função pública, em regime privado. Ressalvou,

ainda, que os conceitos doutrinários de delegação afastam entendimento que

pretenda atribuir caráter de órgão administrativo aos ofícios de notas e de registro,

que, por essa razão, prescindiriam da intervenção legislativa para a sua criação,

ainda que se admita a elaboração de lei como procedimento preferencial.

Assim, o Plenário do Supremo Tribunal Federal deferiu a medida através de

sua composição unânime, entendendo que tal matéria estaria dentro do rol da

reserva legal. Destaca-se trecho do voto proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence:

Não posso negar a relevância da argüição de inconstitucionalidade. Os ofícios do notariado e dos registros públicos são órgãos do Estado, na medida em que instrumentos do desempenho de funções públicas: organismos dotados de fé pública, está dito, hão de ser serviços estatais. Não importa que por essa sobrevivência inqualificável no setor dos tempos de patrimonialização do Estado, como preceitua este melancólico art. 236 da Constituição, se cuide de funções públicas ‗exercidas em caráter privado por delegação do Poder Público‘. Por que são públicos, é que, para exercê-los em caráter privado, dependem os titulares cartorários, da delegação do Estado. São, pois, órgãos da administração. E assim, à primeira vista, a mim me parece que a instituição dos ofícios é objeto de reserva de lei no art. 48, inciso XI, da Constituição: trata-se de criar órgãos públicos.

Ainda que, à primeira vista, tenha o tribunal esposado entendimento nesse

sentido, posteriormente, no julgamento da ADIn 2415/SP, tal questão sofreu uma

reviravolta, tendo o STF entendido que os Tribunais de Justiça dos Estados, por

mero ato administrativo normativo, têm competência para criar e extinguir serviços

notariais, prescindindo de lei em sentido estrito para tanto. Foram vencidos os

ministros Marco Aurélio, Maurício Corrêa e Néri da Silveira.

A mudança radical no entendimento da maioria dos ministros deu-se com a

prolação do entendimento do Ministro Ilmar Galvão, relator da mencionada Ação

Declaratória de Inconstitucionalidade. Vejam-se, pois, alguns trechos da citada

decisão:

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O ingresso no exercício das referidas funções opera por meio da delegação conferida a quem se houver habilitado para o mister, por meio de concurso público de provas e títulos, instituto que, no caso, faz as vezes da licitação exigida pelo art. 175 da Carta, para a concessão de serviços públicos. [...] é fora de dúvida que a sua instituição independerá de ato do Poder Legislativo, estando condicionada tão-somente à investidura de um titular, mediante delegação, depois de devidamente aprovado em concurso público de provas e títulos, realizado pelo Poder Judiciário (art. 15 da Lei nº 8.935/94) ou de ato de remoção praticado na conformidade da lei estadual (art. 18 da mesma Lei nº 8.935/94). O mesmo se dá com outros serviços públicos, como, v. g., o de transporte coletivo ou o de energia elétrica, que independem de lei, encontrando-se a sua execução na dependência tão-somente do ato concessório, que é formalizado em favor do vencedor da respectiva licitação. [...] Não está prevista na Constituição nenhuma competência específica para medidas dessa natureza [criação de serviços notariais e de registro por lei], que não se confundem, em absoluto, com a criação de cargo público, inexistindo dúvida de que se trata de atribuições a cargo dos próprios tribunais que se acham, hoje, constitucionalmente investidos do poder de organizar os serviços dos juízos que lhes forem vinculados (art. 96, I, b), parecendo, por isso, verdadeiro despropósito afirmar que lhes falece competência para delegar, acumular e desmembrar serviços que outra coisa não são senão serviços auxiliares dos juízos, conquanto prestados por particulares.

Cumpre-se ressaltar que, nesse novo julgamento, o próprio Ministro Sepúlveda

Pertence, cujas palavras proferidas no julgamento anterior seguem transcritas no

presente tópico, teria voltado atrás do entendimento por ele expendido no voto

proferido por ocasião do julgamento da ADInMC 1583/RJ, dispondo, no que diz

respeito à natureza dos serviços notariais e de registro, tratar-se de exercício em

caráter privado por delegação do Poder Público, nos moldes estabelecidos pelo

texto consitucional. Afirmou que, sendo unidades de um serviço público, cuja divisão,

subdivisão, acumulação ou desacumulação jamais se consideraram sujeitas à

reserva de lei, os serviços notariais e de registro não podem ser confundidos com

cargos públicos.

A decisão proferida em sede de medida cautelar em ação direta de

inconstitucionalidade (ADInMC) nº 2415/SP, tamanha sua repercussão e

importância, foi noticiada no Informativo STF nº 254, estando ali consignado o

entendimento do Supremo Tribunal Federal, no sentido de ser constitucional a

expedição de ato administrativo por Tribunal (no caso concreto o Tribunal de Justiça

de São Paulo), com vistas a reorganizar as delegações notariais e de registros,

criando e extinguindo unidades, bem como acumulando e desacumulando serviços

por elas prestados. Decidiu-se, ainda, que os serviços notariais e de registro não são

cargos públicos, afastando, à primeira vista, a tese de inconstitucionalidade por

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ofensa ao princípio da reserva legal, que deve ser, simetricamente, observado nos

Estados-membros e municípios, insculpido nos incs. X e XI, do art. 48, da

Constituição Federal.

Discorda-se do entendimento de que as serventias extrajudiciais, não sendo

órgãos públicos, podem ser criadas, modificadas e extintas por atos administrativos.

Melhor razão entende-se haver nos votos vencidos deste julgamento, que noticiam

terem os cartórios natureza semelhante a de órgãos públicos, uma vez que

constituem entrelaçamentos, ou seja, ramificações de competências administrativas

públicas, cujas atribuições deverão advir da lei.

O Min. Marco Aurélio, em seu voto dissidente, argumentou de forma bastante

coerente no sentido de que não é possível chegar-se à definição de competências

jurídicas mediante simples ato administrativo, citando vários atos definidos pela Lei

n° 8.935/94 como sendo de competência do Poder Judiciário, asseverando que,

dentre estes, não se encontram as atribuições de criar, organizar, agrupar e extinguir

serventias. Afirmou que o ato de criar novas serventias, bem como extinguir as já

existentes, dada a importância e envergadura desses serviços, (serviços públicos,

competências públicas) não pode dispensar o instrumento legal.

O próprio Min. Marco Aurélio, ainda por ocasião do julgamento da Medida

Cautelar na referida ADIn 1583/RJ, lembrou que desmembrar e extinguir serventias,

bem como tratar da acumulação e desacumulação de seus serviços, são atos que

envolvem muito poder, ou seja, trata-se de função deveras importante a ser exercida

na organização do Estado por um único homem, qual seja, o Corregedor Geral de

Justiça, por mero ato administrativo.

Ora, a tese levantada pelo douto ministro mostra-se mais passível de

concordância, uma vez que, caso seja admitido que os Corregedores-Gerais das

Justiças dos respectivos Estados federados e do Distrito Federal tenham tamanho

poder, sob o fundamento de que os cartórios não são órgãos públicos, mas sim

meras delegações do Poder Público, implantar-se-á no Brasil uma onda de

instabilidade na organização de tais serviços, de cunho essencial, ainda mais se for

considerada a efemeridade do mandato dessas autoridades.

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Haja vista terem os serviços notariais e de registro natureza jurídica de

unidades de atribuições para o desempenho de serviço público, sob o regime

especial (híbrido) de delegação – que não se enquadra em categoria ordinária de

concessão de serviços públicos – afigura-se prudente que sejam interpretadas as

regras que dispõem sobre as serventias extrajudiciais como se fossem órgãos

públicos, exigindo-se, assim, prestígio ao princípio da reserva de lei insculpida nos

incs. X e XI, do art. 48 da Constituição Federal, princípio este a ser observado, por

simetria, nos Estados-membros e Municípios.

Por fim, alerta-se no sentido de ressaltar a falta de nitidez com que a matéria

relativa à delegação das atividades notariais e de registro está tratada na

Constituição Federal (art. 236), sendo tal erro acompanhado pela lei que

regulamentou o dispositivo constitucional supra, Lei nº 8.935/94. Disso resulta a

impossibilidade de se chegar a um entendimento claro e reiterado de alocação das

serventias extrajudiciais na esfera pública ou privada, gerando, por conseguinte,

inúmeros entraves de ordem doutrinária e jurisprudencial no trato da matéria.

2.3 A contraprestação referente à prática de atos de competência das serventias extrajudiciais e sua respectiva natureza jurídica

É bem sabido que a questão referente à contraprestação paga pelos usuários

dos serviços notariais e de registro apresenta-se como fonte inesgotável de polêmica

e preocupação para toda a sociedade. Com efeito, existem várias questões a serem

levantadas quando se fala na chamada ―elite dos marajás do carimbo‖ (BENÍCIO,

2007, p. 110) ou, utilizando-se da expressão mencionada na obra de Mello Júnior

(1998, p. 197), dos ―gigolôs de carimbo‖.

Importa, contudo, considerar que existe uma grande discrepância

remuneratória dentro do próprio universo dos notários e registradores, com algumas

serventias percebendo remuneração de forma excessiva e fora da realidade e a

grande maioria desempenhando suas funções em troca de parcos rendimentos.

(MELO JÚNIOR, 1998, p. 253).

A ideia geral repassada à sociedade é a de que os delegados dos serviços

notariais e de registro são remunerados em demasia, de forma desproporcional à

realidade do país. Essa impressão, somada ao desconhecimento quanto à matéria

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e, ainda, considerando a importância social dos serviços notariais e de registro, tem

justificado a apresentação de diversas Propostas de Emenda Constitucional, visando

à devolução de sua execução ao Estado. (BENÍCIO, 2007, p. 110).14

Entende-se que a oficialização estatal não é a melhor maneira de lidar com a

questão. O que se faz premente é a intensificação da fiscalização junto às serventias

e a maior capacitação dos oficiais notariais e de registro, a fim de que os serviços

por eles prestados possam ser otimizados, gerando, por conseguinte, um padrão de

excelência no atendimento.

Por outro lado, procede a observação de Regnoberto Marques de Melo Júnior

(1998, p. 252), para quem ―os emolumentos são caros e não obedecem a qualquer

critério de razoabilidade na relação natureza do serviço prestado pelo notário e a

sua remuneração.‖

Os serviços prestados pelas serventias são remunerados, pelos usuários, com

o pagamento dos respectivos emolumentos, cuja individualização e cobrança,

previstas no art. 236, § 2o da CF/1988, foram regulamentadas pela Lei no

10.169/2000, que dispôs sobre as normas gerais para a fixação dos emolumentos

no âmbito dos Estados-membros.

A utilização dos emolumentos como contraprestação por um serviço público

prestado por tais delegatários, além do alicerce constitucional, pode ser vislumbrada

através da sistemática estabelecida pela Lei nº. 8.935/1994, que dentre outras

coisas, veda a imposição de novas despesas ao usuário em decorrência da

realização das diligências necessárias ao preparo dos atos notariais; impõe aos

notários e oficiais do registro o dever de observar os emolumentos fixados para a

prática dos atos do seu ofício; bem como veda a cobrança de emolumentos aos

reconhecidamente pobres por todas as certidões por eles requeridas.

Em face da própria natureza da atividade remunerada - serviço público

específico e divisível - que alcança a todos os membros do organismo social, sua

_______________ 14

Dentre os exemplos que podemos citar, ressaltamos a PEC 292/00 (de autoria do Dep. Ricardo Ferraço e Outros), as PEC 447/01 e 529/02 (ambas de autoria do Dep. João Sampaio e outros) e a PEC 25/01 (de autoria do Sen. Roberto Freire e outros).

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utilização mostra-se inevitável15 e, consequentemente, o seu pagamento cogente.

Essas características permitem categorizar os emolumentos sob a epígrafe tributária

(mais especificamente como pertencentes à categoria das taxas), incidindo, em

razão disso, todas as limitações constitucionais ao poder de tributar, tais como a

legalidade, anterioridade, isonomia, dentre outros. Some-se a estes fatores o fato de

que a relação jurídica entre os titulares dos cartórios e os utentes dos serviços

respectivos decorre diretamente da lei.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, já possui entendimento reiterado, e

até mesmo antigo nesse sentido, de que as custas e os emolumentos das serventias

judiciais e extrajudiciais (estas últimas de interesse para o presente estudo) têm

caráter tributário de taxa, sendo, mais especificamente, ―taxas remuneratórias de

serviços públicos‖, estando, portanto, sujeitos ao regime jurídico-constitucional

pertinente a essa modalidade de tributo vinculado, ou seja, devendo obedecer aos

princípios da reserva de competência impositiva, da legalidade, da isonomia, da

anterioridade, dentre outros, sendo certo afirmar que a instituição dos emolumentos

cartorários pelos Tribunais de Justiça locais afronta o princípio da reserva legal, uma

vez que somente a lei pode criar, majorar ou reduzir os valores das taxas judiciárias.16

Para o STF, aplica-se a notários e registradores o regime publicista tributário

na fixação dos emolumentos pagos a profissionais do direito (nos termos do art. 3º

da Lei nº 8.935/94) que desempenham suas atribuições (serviços públicos notariais

e de registro – eminentemente públicos) em caráter privado.

Referido entendimento, válido relembrar, deu-se antes mesmo do advento da

Lei nº 10.169/00, norma editada com vistas a regulamentar o § 2º, do art. 236, da

Constituição Federal, mediante o estabelecimento de normas gerais para a fixação

de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

O diploma legal supranominado estabeleceu, por sua vez, o princípio da

reserva legal, na redação do caput do art. 2º, que dispõe: ―Para a fixação do valor

_______________ 15

Entende-se que nem sempre os atos praticados nas serventias extrajudiciais são compulsórios aos cidadãos. Exemplo disso é o registro de uma poesia, para mera conservação, no Ofício de Registro de Títulos e Documentos. A dita ―compulsoriedade da utilização‖ refere-se ao fato de que o uso dessas atividades se mostra como a única opção para a satisfação de certas solenidades exigidas em lei.

16 ADI 1.378-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-11-95, DJ de 30-5-97.

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dos emolumentos, a Lei dos Estados e do Distrito Federal levará em conta a

natureza pública e o caráter social dos serviços notariais e de registro [...]‖. Joyceane

Bezerra de Menezes (2004, p. 118-119) aduz que os serviços públicos de interesse

geral são aqueles que satisfazem as necessidades da generalidade dos cidadãos,

sejam elas sociais, econômicas ou culturais, cuja existência seja imprescindível à

vida, à saúde ou à participação social.

No que tange ao princípio da anterioridade, o art. 5º da mencionada lei federal

reza: ―Quando for o caso, o valor dos emolumentos poderá sofrer reajuste,

publicando-se as respectivas tabelas, até o último dia do ano, observado o princípio

da anterioridade.‖ Levando-se em conta o disposto no art. 79 do Código Tributário

Nacional (Lei nº 5.172/66), que estabelece a competência dos entes federados para

instituição e cobrança de taxas, vê-se que o art. 2° da Lei 10.169/00 não olvidou em

ir ao encontro do regramento nacional.

Ademais, a Corte Suprema, no julgamento da ADIn 865/MA, sob a relatoria do

Min. Celso de Mello, firmou entendimento no sentido de que:

A ausência de lei nacional [...] não impede o Estado-membro, sob pena da paralisação dos seus serviços notariais e registrais, de dispor sobre a execução dessas atividades, que se inserem, por sua natureza mesma, na esfera de competência autônoma dessa unidade federada. A criação, o provimento e a instalação das Serventias extrajudiciais pelos Estados-membros não implicam usurpação da matéria reservada à lei nacional pelo art. 236 da Carta Federal.

17

Outro aspecto importante, no que tange aos emolumentos, diz respeito ao fato

de estes serem taxas remuneratórias de serviços públicos efetivamente usufruídos

(e não somente postos à disposição), não havendo decorrência de sua cobrança

com o chamado ―poder de polícia estatal‖, também fato gerador da espécie tributária

taxa. A propósito, Hugo de Brito Machado (2009, p. 428) conceitua taxa como sendo

―espécie de tributo cujo fato gerador é o exercício regular do poder de polícia, ou o

serviço público, prestado ou posto à disposição do contribuinte‖.

Na esteira do pensamento esposado, já foi ressaltado o fato de que não há

compulsoriedade na utilização dos serviços notariais e de registro, situação que

_______________ 17

Tratou-se de votação unânime, cujos temas centrais, objetos do acórdão, foram as questões referentes à iniciativa reservada de lei e os limites de atuação parlamentar, no sentido de apresentar emendas aos projetos de lei em tema de organização judiciária e a questão do art. 236 da Constituição Federal e sua conseqüente regulamentação no que tange à questão tributária.

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impõe o pagamento dos emolumentos somente se atos forem praticados, ou seja, se

houver utilização efetiva - e não apenas potencial - dessas atividades.

Ainda que o ente estatal seja o responsável pela edição de vários regramentos

que exijam atividades ―cartorárias‖ para a formalização de certos atos jurídicos, a

atuação de notário ou registrador, em nome da segurança jurídica, nem sempre é

compulsória, como se dá, por exemplo, com a formalização de escritura pública de

reconhecimento de paternidade, prevista no art. 1609, II, do Código Civil Brasileiro

vigente (BENÍCIO, 2005, p.114). Luciano Amaro (2007, p.34-35) argumenta que:

[...] ao prever as taxas de serviço, o Código Tributário Nacional levou em conta a alternativa dada pela Constituição de tributar tanto a fruição efetiva como a fruição potencial de serviços. Porém, é impreciso o critério legal distintivo dessas modalidades de fruição. O Código Tributário Nacional procurou segregar serviços ditos de utilização compulsória (art. 79, I, b), a que se oporiam, a contrario sensu, os de utilização não compulsória (art. 79, I, a). Estes seriam taxáveis somente quando efetivamente fruídos pelo indivíduo; já os serviços de utilização compulsória poderiam ser taxados à vista de sua mera colocação à disposição, que se traduz na existência de uma atividade administrativa em efetivo funcionamento.

Observa o doutrinador, e em seus pensamentos ratica-se o entendimento de

que os emolumentos são tributos da espécie taxa (e não preços públicos), que a

taxa possui natureza jurídica de tributo, sendo, desta feita, obrigação instituída por

lei. Por outro lado, o preço público consiste em obrigação assumida voluntariamente,

ao contrário da taxa de serviço, que é imposta pela lei a todas as pessoas que se

encontrem na situação de usuários - efetivos ou potenciais - de determinado serviço

estatal.

Leandro Paulsen (2006, p. 52-53), ao discorrer sobre a natureza jurídica dos

emolumentos, cita dois importantíssimos precedentes jurisprudenciais exarados pela

Corte Maior, quais sejam, o julgamento da ADI 1778 MC/ES, cuja relatoria coube ao

ministro Celso de Mello, e da ADI 1444/PR, que teve como relator o Ministro Sydney

Sanches. Transcrevem-se passagens de ambos os julgamentos, na ordem em que

aqui foram apresentados:

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em conseqüência, quer no que concerne à sua instituição e majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios

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fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade. Precedentes. Doutrina. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. - A atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime estrito de direito público. A possibilidade constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada ‗em caráter privado, por delegação do poder público‘ (CF, art. 236), não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa. [...] Qualificando-se as custas judiciais e os emolumentos extrajudiciais como taxas (RTJ 141/430), nada pode justificar seja o produto de sua arrecadação afetado ao custeio de serviços públicos diversos daqueles a cuja remuneração tais valores se destinam especificamente (pois, nessa hipótese, a função constitucional da taxa - que é tributo vinculado - restaria descaracterizada) ou, então, à satisfação das necessidades financeiras ou à realização dos objetivos sociais de entidades meramente privadas. É que, em tal situação, subverter-se-ia a própria finalidade institucional do tributo [...] 1. A Ação Direta de Inconstitucionalidade, como proposta, pode ser examinada, ainda que impugnando apenas a última Resolução do Tribunal de Justiça do Paraná, que é a de nº 07/95, pois o ataque se faz em face da Constituição Federal de 1988. 2. A Resolução regula as custas e emolumentos nas serventias judiciais e extrajudiciais, que são tributos, mais precisamente taxas, e que só podem ser regulados por Lei formal, excetuada, apenas, a correção monetária dos valores, que não é o de que aqui se trata. 3. A relevância jurídica dos fundamentos da ação (plausibilidade jurídica) (‗fumus boni iuris‘) está evidenciada, sobretudo diante dos precedentes do S.T.F., que só admitem Lei a respeito da matéria, não outra espécie de ato normativo. 4. Presente, também, o requisito do ‗periculum in mora‘, pois, durante o curso do processo, os que têm de pagar custas e emolumentos, nas serventias judiciais e extrajudiciais do Paraná, terão de fazê-lo no montante fixado na Resolução impugnada, quando só estariam sujeitos ao previsto em Lei. 5. Medida cautelar deferida, para suspensão, ‗ex nunc‘, da eficácia da Resolução impugnada, até o julgamento final da ação. 6. Plenário. Decisão unânime.

Neste diapasão, pode-se afirmar que, ainda que os emolumentos pagos

diretamente aos titulares de cartórios não-oficializados estejam fixados em lei e

obedeçam ao princípio da anterioridade,18 não devem ser enquadrados como taxa

em sentido estrito, muito menos como receita pública, haja vista o fato de serem

destinados e pagos integralmente a entes particulares.19

A par do que foi dito, menciona Melo Júnior (2005, on line) que os emolumentos

devidos pelos atos praticados por notários e registradores, ao longo da história,

sempre foram definidos e tratados como meio de remuneração desses profissionais, _______________ 18

Vide artigos 2° e 5° da Lei n° 10.169/2000. 19

A propósito, o art. 28 da lei 8.935/94 estabelece que a percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia se perfaz como direito subjetivo dos titulares da delegação notarial e de registro. Acrescente-se que o parágrafo único do art. 1º da Lei 10.169/00 preconiza que o valor fixado para os emolumentos deverá corresponder à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados, além de representar o efetivo custo correspondente aos atos praticados. (grifo intencional).

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pagos diretamente pelos utentes de referidos serviços. Menciona, ainda, não haver

registro de pagamento, pelo erário, de salários a estes profissionais, exceto no caso

de serem tais serviços estatizados (categoria que, atualmente, existe apenas

temporariamente, à vista do estabelecido no art. 50 da Lei nº 8.935/94).

O C. Supremo Tribunal Federal já se manifestou a esse respeito,

reconhecendo que, embora as custas e emolumentos possuam natureza tributária,

estes últimos, direcionados às serventias extrajudiciais, assumem contornos

atípicos, vez que são pagos a particulares que prestam serviço público facultativo:

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CUSTAS E EMOLUMENTOS: SERVENTIAS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO Nº 7, DE 30 DE JUNHO DE 1995, DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ: ATO NORMATIVO. 1. Já ao tempo da Emenda Constitucional nº 1/69, julgando a Representação nº 1.094-SP, o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que ‗as custas e os emolumentos judiciais ou extrajudiciais‘, por não serem preços públicos, ‗mas, sim, taxas, não podem ter seus valores fixados por decreto, sujeitos que estão ao princípio constitucional da legalidade (parágrafo 29 do artigo 153 da Emenda Constitucional nº 1/69), garantia essa que não pode ser ladeada mediante delegação legislativa‘ (RTJ 141/430, julgamento ocorrido a 08/08/1984). 2. Orientação que reiterou, a 20/04/1990, no julgamento do RE nº 116.208-MG. 3. Esse entendimento persiste, sob a vigência da Constituição atual (de 1988), cujo art. 24 estabelece a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, para legislar sobre custas dos serviços forenses (inciso IV) e cujo art. 150, no inciso I, veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios, a exigência ou aumento de tributo, sem lei que o estabeleça. 4. O art. 145 admite a cobrança de ‗taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição‘. Tal conceito abrange não só as custas judiciais, mas, também, as extrajudiciais (emolumentos), pois estas resultam, igualmente, de serviço público, ainda que prestado em caráter particular (art. 236). Mas sempre fixadas por lei. No caso presente, a majoração de custas judiciais e extrajudiciais resultou de Resolução - do T ribunal de Justiça - e não de Lei formal, como exigido pela Constituição Federal. 5. Aqui não se trata de ‗simples correção monetária dos valores anteriormente fixados‘, mas de aumento do valor de custas judiciais e extrajudiciais, sem lei a respeito. 6. Ação Direta julgada procedente, para declaração de inconstitucionalidade da Resolução nº 07, de 30 de junho de 1995, do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. (ADI 1444, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2003, DJ 11-04-2003 PP-00025 EMENT VOL-02106-01 PP-00046, on line).

Assim, embora o serviço público prestado indiretamente pelo Poder Público ao

usuário seja remunerado através de tarifa (ou preço), bem como que esta seja a

forma remuneratória para os serviços públicos facultativos, o que desde já permitiria

o enquadramento dos emolumentos nessa categoria contraprestacional, o legislador,

por opção legal e conveniência legislativa, determinou a aplicação do regime

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publicista (tributário) para o trato da matéria relativa aos emolumentos pagos aos

titulares de delegação das serventias extrajudiciais. (COÊLHO, 1995, p. 52-53).

Ademais, ainda que o pretório excelso tenha entendido, quando do julgamento

da ADI 2415 MC/SP, que os serviços notariais e de registro equiparam-se a serviços

prestados sob o regime de concessão, que independem de lei e que são concedidos

por licitação, ou, no caso em comento, por concurso público, houve por bem em

anunciar que o regime legal imposto aos emolumentos é de taxa sui generis, por

opção do próprio legislador, exigindo-se respeito aos princípios da legalidade e da

anterioridade, destinando-se, contudo, a integralidade de arrecadação a pessoas

físicas que exercem a atividade em caráter privado, não se confundindo, portanto,

com a figura jurídica do ―preço público‖.20 (Grifo intencional)

Some-se a tudo o que foi dito até então o fato de que, caso fossem os

emolumentos considerados taxas em sentido estrito, verificaria-se um grande

contrassenso dentro do ordenamento jurídico pátrio, uma vez que este não admite a

instituição de tributos de ordem privada, e – muito menos – que o governo venha a

criar tributos e, posteriormente, cedê-los a uma instituição privada, que poderia

exercer a cobrança respectiva diretamente em seu próprio benefício.

Regnoberto Marques de Melo Júnior (2005, on line) fornece ensinamento

sintetizador a respeito da natureza jurídica dos emolumentos notariais e registrais:

Estudar a natureza jurídica de qualquer instituto jurídico significa analisar sua a essência e fim último. O emolumento do notário e do registrador, enquanto contraprestação desses serviços é entendido por certa jurisprudência e doutrina como tributo. E isto fundalmentamente por quatro razões: (1) Os notários e registradores são, formalmente, servidores públicos, — funcionários públicos em sentido lato —, e órgãos do Estado, porque (a) só podem exercer as funções por delegação do Poder Público (CF, art. 236, caput); (b) estão sujeitos à permanente fiscalização do Poder Judiciário (CF, art. 236, § 1º); e (c) ingressam nas atividades mediante concurso público de provas e títulos (CF, art. 236, § 3º). [...].

(3) A

_______________ 20

Anote-se a observação feita por Benício (2005, p. 117): ―O fato é que, levando-se em conta o entendimento jurisprudencial firmado na ADInMC 2.415/SP, no sentido de que os serviços notariais e de registro equiparam-se a serviços prestados sob o regime de concessão, tais como: o de transporte coletivo ou o de energia elétrica, que independem de lei e que são concedidos por licitação (ou concurso público, no caso de outorga da delegação para cartórios extrajudiciais), poder-se-ia afirmar que, de lege ferenda, o regime remuneratório deveria ser o de tarifa ou preço público, tal como disposto nos arts. 173 e 175, parágrafo único, inc. III, da Constituição Federal. Assim, utilizar-se-ia o mesmo critério de remuneração dos demais concessionários de serviços públicos e oportunizar-se-ia, por ato administrativo, a revisão das tabelas de emolumentos, mantendo-se o equilíbrio econômico-financeiro, nos termos do art. 9º da Lei nº 8.987/94.‖

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jurisprudência do STF acolhe a doutrina de que os emolumentos são considerados taxas e não preços públicos [...].

Outra forte razão que leva à conclusão nesse sentido consiste no fato de que

eventuais irregularidades nas contas das serventias extrajudiciais, a princípio, não

resultarão prejuízo direto ao erário que justifique a intervenção da apreciação do

Tribunal de Contas. A fiscalização das condições dos serviços notariais e de registro

está a cargo dos respectivos juízes corregedores.21

2.4 Possibilidade de redução ou isenção legal dos emolumentos devidos às serventias extrajudiciais

Tendo os emolumentos natureza tributária de taxa, submetem-se aos princípios

da legalidade e da anterioridade. Sendo assim, quanto à forma, resta claro que poderá

haver redução ou isenção de emolumentos devidos pelas práticas de atos realizados

pelas serventias extrajudiciais, desde que sejam estas determinadas por lei.

O ponto nodal da questão, entretanto, é no sentido de perquerir acerca da

constitucionalidade (ou não) das leis que estabelecem redução ou isenção de

emolumentos (portanto, de ordem material), uma vez que as atividades notariais e

de registro são exercidas em caráter privado, ainda que por delegação do Poder

Público. O Supremo Tribunal Federal vem se posicionando a favor da

constitucionalidade de tais leis, consoante será abordado a seguir.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, incisos LXXVI e LXXVII, dispõe,

respectivamente, que ―são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da

lei: a) o registro civil de nascimento; b) a certidão de óbito‖, bem como que ―são

gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos

necessários ao exercício da cidadania.‖

A Lei nº. 9.534, de 10 de dezembro de 1997, deu nova redação ao art. 30 da

Lei nº. 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), acrescentando inciso ao art. 1º da Lei

nº. 9.265/96 e alterando os artigos 30 e 45 da Lei nº. 8.935/94 (Lei dos Notários e

Registradores). O caput do art. 30 da Lei nº 6.015/73, segundo o art. 1º da Lei nº

_______________ 21

Como já dito anteriormente, embora a competência delegante, no que diz respeito às serventias notariais e de registro, seja do Poder Judiciário, responsável pela instauração do concurso público constitucionalmente exigido, bem como pela respectiva fiscalização da prestação de tais serviços, não é certo afirmar que notários e registradores pertençam a este poder. (grifo intencional).

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9.534/97, passou a prescrever que ―não serão cobrados emolumentos pelo registro

civil de nascimento e pelo assento de óbito, bem como pela primeira certidão

respectiva.‖

Os respectivos parágrafos do art. 30 supracitado, resumidamente,

preconizaram que os reconhecidamente pobres estariam isentos de pagamento de

emolumento pelas demais certidões extraídas pelo cartório de registro civil, bem

como que o estado de pobreza em questão precisaria ser comprovado mediante

simples declaração do próprio interessado, ou a rogo, tratando-se de analfabeto,

nesse caso, acompanhada da assinatura de duas testemunhas. Por fim, fez-se a

previsão de que a falsidade da declaração estaria apta a ensejar a responsabilidade

civil e criminal do interessado.

Ademais, o art. 3º da Lei nº. 9.534/97 acrescentou o inciso VI ao art. 1º da Lei

nº. 9.265/96, que regulamentou o inciso LXXVII do art. 5º da Constituição, dispondo

sobre a gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania, no sentido de

reconhecer o registro civil de nascimento e o assento de óbito, bem como a primeira

certidão respectiva, como sendo atos de tal natureza jurídica.

Finalmente, em seu art. 5º, a Lei nº. 9.534/97 modificou a redação do art. 45 da

Lei nº. 8.935/94, que regulamentou o art. 236 da CF/88, dispondo sobre serviços

notariais e de registro, tendo sido assegurada a gratuidade do registro civil de

nascimento e do assento de óbito, bem como da primeira certidão, tendo o parágrafo

único do mencionado dispositivo legal previsto ainda que ―para os reconhecidamente

pobres não serão cobrados emolumentos pelas certidões a que se refere este artigo.‖

O Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965), até hoje em vigor, no

caput do art. 47, dispõe que as certidões de nascimento ou de casamento, quando

direcionadas para fins de alistamento eleitoral, serão fornecidas gratuitamente,

observada a ordem dos pedidos apresentados em cartório pelos alistandos ou

delegados de partido. Por seu turno, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº

8.069, de 13 de julho de 1990), em seu art. 102 e respectivos parágrafos, estabelece

que, tratando-se de menores em situação de risco social, o Estado deverá providenciar,

dentre outras medidas cabíveis, a abertura e a regularização do registro civil.

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Do outro lado, a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu um novo

Código Civil para o país, trouxe disposição semelhante, ao estabelecer no caput do

art. 1.512, ser o casamento civil e gratuita sua celebração. Na redação do respectivo

parágrafo único, estendeu o benefício para a habilitação do casamento, o registro e

a primeira certidão, no que tange às pessoas cuja pobreza for declarada, sob as

penas da lei.

Esses são apenas alguns exemplos, dentre os vários que poderiam ser citados,

de normas que estabelecem a gratuidade ou redução de atos registrais e notariais

sem, no entanto, prescrever qualquer forma de compensação ao registrador ou

tabelião. Para o objetivo do presente tópico, será analisada, de forma pontual, uma

das questões levadas a cabo em julgamento perante o plenário do STF.

Tendo em vista a edição da Lei nº. 9.534/97 que, consoante previsão de seu

art. 8º, entrou em vigor noventa dias após a data de sua publicação, ocorrida no

DOU de 11.12.1997, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil

(ANOREG/BR) interpôs pedido de Medida Cautelar em Ação Direta de

Inconstitucionalidade (MC/ADI n° 1.800-1/Distrito Federal) perante o Supremo

Tribunal Federal, atacando os dispositivos relativos à gratuidade, quais sejam,

artigos 1º, 3º e 5º da Lei 9.534/97.

Nas passagens extraídas da peça inicial, pelo Ministro Relator da demanda, as

principais objeções se referiam: 1) ao caráter privado do funcionamento dos

cartórios, que dependem exclusivamente do recebimento dos emolumentos para

atender aos custos operacionais; b) à necessidade de o legislador dar contornos

mais determinados à expressão ―reconhecidamente pobres‖; c) à previsão legislativa

ingressa no terreno da ilegitimidade constitucional, seja porque desmente o

conteúdo da norma, seja porque excede os limites da atividade legislativa; d) à

criação de hipóteses de requisição de serviços públicos, fora das permitidas

constitucionalmente; e e) à aniquilação do direito do serventuário à percepção de

emolumentos, previsto no art. 236, §2º, da CF/88.

O Supremo Tribunal Federal, através de sua composição plenária, conheceu

da ação, apreciando o mérito, tendo o acórdão a seguinte ementa:

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EMENTA: Constitucional. Argüida a inconstitucionalidade de arts. Da Lei 9.534/97. Registros Públicos. Gratuidade pelo registro civil de nascimento, assento de óbito, pela primeira certidão desses atos e por todas as certidões aos ‗reconhecidamente pobres‘. Não há plausibilidade do direito alegado. Os atos relativos ao nascimento e ao óbito relacionam-se com a cidadania e com o seu exercício e são gratuitos na forma de Lei – Art. 5º, LXXVII. Portanto, não há direito constitucional à percepção de emolumentos por todos os atos que delegado do Poder Público pratica; Não há obrigação constitucional do Estado de instituir emolumentos para todos esses serviços; os serventuários têm direito de perceber, de forma integral, a totalidade dos emolumentos relativos aos serviços para os quais tenham sido fixados. Ação conhecida. Liminar Indeferida. (Supremo Tribunal Federal. ADI/MC 1800-1/DF, Relator Min. NELSON JOBIM, Julgamento: 06/04/1998, Tribunal Pleno, Publicação no DJ: 03/10/2003, p.10, on line).

No caso em análise, o ponto central da discussão teve seu foco voltado para a

questão da cidadania, haja vista ser o registro de nascimento e o assento de óbito,

bem como suas respectivas primeiras certidões, atos que se relacionam íntima e

diretamente com o exercício desta. No caso do registro e da certidão de nascimento,

foi dada relevância ao fato de esta ser a ―mãe de todos‖ os documentos necessários

para efeito de trânsito social do indivíduo, tais como carteira de identidade, CTPS,

título de eleitor, carteira de motorista, dentre outros. Ora, se não há registro e

certidão de nascimento donde se possam extrair as informações a serem contidas

nestes documentos, não se poderá obtê-los.

Já o registro de óbito, consoante prescreve o art. 77 da Lei de Registros

Públicos (Lei nº 6015/73), é documento necessário para que se possa autorizar o

sepultamento da pessoa natural. São estes, portanto, atos necessários para que se

possa certificar o início e o fim da pessoa natural no mundo jurídico.

Vizualize-se um exemplo bem claro: uma pessoa que nasce e passa vinte anos

de sua vida sem sequer ter sido registrada civilmente, fatalmente será um indivíduo

à margem da sociedade, eis que não poderá adquirir qualquer documento

indispensável ao trânsito social, uma vez que a certidão de nascimento é a fonte

fornecedora das informações que estarão contidas nos mesmos. Dessa forma será

excluído do ensino, do exercício dos direitos políticos, do acesso ao judiciário, da

proteção jurídica dada ao nome da pessoa, do mercado formal de trabalho, dos

sistema de assistência e previdência social, enfim, do ―acesso à justiça‖ em sua mais

moderna interpretação, entendido, assim, como o acesso à uma ordem jurídica justa.

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Com efeito, não há liberdade, muito menos justiça, na indigência, na miséria,

na ignorância e na doença, mas sim sujeição ao subemprego, à mendicância, à

exploração sexual, à violência policial e a todas as mazelas que a ausência de

condições econômicas mínimas de uma existência digna acarretam.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, elaborada logo após o

fim da 2a. Guerra Mundial, elenca em seu bojo tanto os direitos civis e políticos

quanto os direitos sociais, econômicos e culturais. Embora não consista num tratado,

havendo sido adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas sob a forma de

resolução (que não possui força de lei), tem sido considerada a interpretação

autorizada da expressão ―direitos humanos‖ constante da Carta das Nações Unidas,

apresentando, destarte, força jurídica vinculante. (PIOVESAN, 2006, p.151-153)

A ideia da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, portanto,

embasa a exegese que inclui os direitos fundamentais sociais, assim como os

políticos e de nacionalidade na expressão ―direitos e garantias individuais‖ do inciso

IV do §4o. do art. 60 da Constituição Federal. Dessa forma, todos seriam

considerados cláusulas pétreas. Assim, a cidadania e a gratuidade do registro

estariam perfeitamente rotulados no alcance da expressão ―direitos individuais‖.

Nesse diapasão, analisando detidamente a matéria, o relator da ADI chegou a

duas conclusões importantes: a) o particular não é cliente; b) o serventuário não é

empresário. Com relação aos emolumentos, reconheceu serem os mesmos tributos

da espécie taxa, o que se coaduna com a orientação adotada até os dias atuais pela

jurisprudência pátria, inclusive, pelo próprio Supremo Tribunal Federal.

Nessa linha de raciocínio, reformulou a premissa principal do questionamento,

passando a fazê-la da seguinte maneira: Há obrigação constitucional do Estado na

instituição de taxas pela prestação dos serviços públicos? Ato contínuo, responde à

pergunta de forma negativa, concluindo que os notários e registradores não têm

direito constitucional à instituição de emolumentos para todos e quaisquer atos de

competência de suas serventias; entretanto, fixados os emolumentos através de lei,

têm eles o direito à sua percepção, de maneira integral e no valor estabelecido no

diploma legal.

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Lembrou voto proferido pelo ministro Moreira Alves, com relação ao exame da

constitucionalidade do provimento do TJSP que autorizava seu Presidente, quando

da inexistência de RCPN, firmar convênio com os Municípios, com a finalidade de

assegurar a manutenção desses serviços, tendo o respectivo relator, naquela

ocasião, ressaltado que, tratando-se de serviço público essencial, eram relevantes

as ponderações das informações no sentido de demonstrar que não há violação do

art. 236 da Constituição, visto como não se pretende excluir o exercício dessa

atividade em caráter privado.

Como ponto que, embora de suma relevância, não mereceu o devido destaque

pelo relator, pode-se citar o fato de que a indiscutível relevância dos serviços

cartorários exige esforços redobrados na compreensão do delineamento jurídico e do

papel a ser desempenhado pelos emolumentos. Como contraprestação pecuniária

pela prestação de um serviço público, devem ser fixados de modo a não obstar o

acesso da população. Como espécie tributária, devem estar em harmonia com as

regras e princípios relativos à temática, mais especificamente, às limitações

constitucionais ao poder de tributar. Como meio indispensável ao funcionamento do

serviço, sua integridade deve ser necessariamente preservada, o que, por outro lado,

não gera nenhum tipo de imunidade em relação à competência tributária do Estado.

Os emolumentos, assim, não podem ser compreendidos como um ―ponto

perdido‖, indiferente à integração com o seu entorno. Pelo contrário, devem ser

interpretados e compatibilizados com o sistema jurídico, de modo a preservar um

padrão mínimo de justiça - individual e social – na sua utilização.

Não há dúvida de que os atos relativos ao nascimento e ao óbito relacionam-se

com a cidadania e o seu respectivo exercício, e está previsto no rol dos direitos e

garantias individuais, inserto no art. 5º da Carta Magna, que tais atos serão gratuitos.

Por outro lado, não é de clientela, como bem ressaltou o relator, a relação entre o

serventuário e o particular, pois a atividade notarial e registral, embora exercida em

caráter privado, se sujeita a um regime de direito público, sendo devidos

emolumentos como contraprestação de serviços públicos que o Estado, por

intermédio de seus delegatários, presta aos particulares.

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Ao final, o relator reconheceu os problemas que a gratuidade causa e causará

à prestação desses serviços, mas, ato contínuo, revelou não ser a via da declaração

de inconstitucionalidade ou da interpretação conforme a adequada para resolução

do problema.

Já o Ministro Maurício Corrêa, quando da prolação de seu voto, embora

reconheça a importância de se assegurar aos particulares o acesso aos atos

necessários ao exercício da cidadania, observou o fato da necessidade da

recomposição dos gastos para as serventias extrajudiciais, sob pena de estar-se

promovendo enriquecimento ilícito à custa do trabalho alheio, ou seja, do exercício

profissional lícito, tanto que criado pelo próprio Estado. Ressaltou, ainda, que:

[...] o fenômeno que se dá com relação à inexistência da plena realização dos direitos da cidadania também se relaciona com o panorama social do Brasil, com as insuficiências de recursos de toda ordem, enfim, com a ausência do Estado para suprir todas essas necessidades.

Por fim, acolheu o disposto na peça inaugural da Medida Cautelar em sede de

Ação Direta de Inconstitucionalidade, votando pela concessão da medida liminar,

sem antes deixar consignada uma importante observação:

Data vênia, creio tratar-se de um absurdo. Se o Estado quiser descobrir solução para que a cidadania seja exercida na sua plenitude, faça como fez em outras áreas: crie defensorias públicas e encontre recursos para que os que executam tarefas do Estado, no campo da cidadania, não sofram as conseqüências de uma determinação imperativa, evitando que os atingidos pratiquem atos gratuitamente, sem nada receber.

Afora o Ministro Maurício Corrêa, somente o Ministro Marco Aurélio mostrou-se

dissidente com os demais, não acompanhando o voto do relator. Ressaltou em seu

voto que, embora seja o registro de nascimento indispensável ao exercício da

cidadania, o legislador fez inserir na Carta Magna sua gratuidade somente com

relação aos ―reconhecidamente pobres‖, sendo, por tal razão, inadmissível que uma

lei, de modo a inviabilizar o próprio serviço, estendesse a gratuidade a todos em geral,

independentemente da situação socioeconômica do beneficiário pela dita gratuidade.

Por fim, válido ressaltar que o mérito da ADI 1.800 foi definitivamente julgado

em 11 de junho de 2007, ocasião em que o Tribunal confirmou a tese expendida por

ocasião da análise da medida cautelar, ora relatada, propugnando o entendimento

observado através da respectiva ementa:

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EMENTA: CONSTITUCIONAL. ATIVIDADE NOTARIAL. NATUREZA. LEI 9.534/97. REGISTROS PÚBLICOS. ATOS RELACIONADOS AO EXERCÍCIO DA CIDADANIA. GRATUIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. VIOLAÇÃO NÃO OBSERVADA. PRECEDENTES. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. I - A atividade desenvolvida pelos titulares das serventias de notas e registros, embora seja análoga à atividade empresarial, sujeita-se a um regime de direito público. II - Não ofende o princípio da proporcionalidade lei que isenta os ‗reconhecidamente pobres‘ do pagamento dos emolumentos devidos pela expedição de registro civil de nascimento e de óbito, bem como a primeira certidão respectiva. III - Precedentes. IV - Ação julgada improcedente. (ADI 1800, Relator (a): Min. NELSON JOBIM, Relator(a) p/ Acórdão: Min. RICARDO LEWANDOWSKI (ART.38,IV,b,DO RISTF), Tribunal Pleno, julgado em 11/06/2007, DJe-112 DIVULG 27-09-2007 PUBLIC 28-09-2007 DJ 28-09-2007 PP-00026 EMENT VOL-02291-01 PP-00113, 2009, on line)

Desta feita, vê-se que os precedentes jurisprudenciais do Supremo Tribunal

Federal, em controle concentrado, têm admitido a constitucionalidade de regras

instituidoras de gratuidades e reduções desse jaez.

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3 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Neste terceiro capítulo, o que se pretende é revisitar as noções atinentes às

atividades notariais e de registro até aqui explicitadas, coadunando-as com a teoria

da responsabilidade civil e, especialmente, repensando as modalidades aplicáveis à

espécie.

O que se fará, então, é, a partir das divergências doutrinárias e jurisprudenciais

existentes, bem como partindo das especificidades que circundam o estudo dessa

categoria de serviço público delegado, analisar a incidência da espécie mais

adequada de responsabilidade civil para o caso concreto dos delegados titulares.

Ainda, no mesmo diapasão, procurar-se-á estabelecer se há ou não

responsabilidade estatal e, existindo, como esta se apresenta no ordenamento

jurídico pátrio.

Convém esclarecer, desde já que, por opção metodológica, tendo em vista as

limitações impostas pelo objetivo proposto no presente trabalho, não serão

analisadas as responsabilidades penal e administrativa de notários e registradores,

as quais constituem categorias jurídicas distintas com tipos e sanções específicos

previstos em lei.

3.1 A responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro

As questões sobre responsabilidade civil vêm sobrecarregando os tribunais

pátrios, haja vista o sentimento de ―não se deixar irressarcida a vítima de atos

ilícitos.‖ (GONÇALVES, 2003, p. 1-3). Inclusive, crescem os pleitos por reparação do

dano injusto.1 Devido a isso, o tema tem ganho cada vez mais destaque no cenário

_______________ 1 Na concepção de Silvio de Salvo Venosa (2003, p. 28), ―somente haverá possibilidade de indenização se o ato ilícito ocasionar dano. Cuida-se, portanto, do dano injusto. Em concepção

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jurídico nacional, mostrando-se como fonte inesgotável de polêmicas e divergências

entre os estudiosos.

Consoante aduz Rui Stoco (2004, p.118), a ideia do que seja responsabilidade

é aurível da própria origem etmológica da palavra, que vem do latim respondere,

responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar

alguém por seus atos danosos. O objetivo maior do ato de responsabilizar alguém

por danos causados a outrem é o restabelecimento da paz, preservando a ordem

jurídica e o convívio social, ou, como bem acentua Aguiar Dias (1997, p.42), ―o

interesse em restabelecer o equilíbrio econômico-jurídico alterado pelo dano é a

causa geradora da responsabilidade civil.‖

A responsabilidade de cunho civil difere-se da penal, embora, ontologicamente,

ambas possuam a mesma essência. As principais distinções residem no tratamento

que é dado à lei aos bens jurídicos por ela tutelados, sendo certo afirmar - para que

o assunto não se alongue, dado o objetivo do presente trabalho – que os bens

protegidos pela esfera civil possuem cunho eminentemente disponível (em sua

maioria),2 sendo o direito de reparação uma mera faculdade. Por outro lado, na

mais moderna, pode-se entender que a expressão dano injusto traduz a mesma noção de lesão a um interesse, expressão que se torna mais própria modernamente, tendo em vista ao vulto que tomou a responsabilidade civil. [...] Trata-se, em última análise, de interesse que são atingidos injustamente. O dano ou interesse deve ser atual e certo; não sendo indenizáveis, a princípio, danos hipotéticos. Sem dano ou sem interesse violado, patrimonial ou moral, não se corporifica a indenização. A materialização do dano acorre com a definição do efetivo prejuízo suportado pela vítima.‖ Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 10-13), classifica o ato ilícito em sentido estrito e amplo. Segundo o doutrinador, ―em sentido estrito, o ato ilícito é o conjunto de pressupostos da responsabilidade – ou, se preferirmos, da obrigação de indenizar. Na verdade, a responsabilidade civil é um fenômeno complexo, oriundo de requisitos diversos intimamente unidos; surge e se caracteriza uma vez que seus elementos se integram. [...] Em sentido amplo, o ato ilícito indica apenas a ilicitude do ato, a conduta humana jurídica, contrária ao Direito, sem qualquer referência ao elemento subjetivo ou psicológico. Tal como o ato lícito, é também uma manifestação de vontade, uma conduta humana voluntária, que só contraria à ordem jurídica.‖

2 A propósito, válido ressaltar que os direitos de personalidade, embora tenham natureza indisponível, porque ínsitos à própria condição de pessoa humana, encontram disponibilidade no que tange ao direito à respectiva reparação do dano, quando violados. Nesse sentido Elimar Szaniawski (2005, p. 251) esclarece que ―nos casos em que a execução do atentado tenha sido instantânea, ou que já tenha produzido os efeitos danosos, a tutela do direito de personalidade violado será realizada por intermédio da indenização de dano moral, independentemente da reparação de dano patrimonial, quando este coexistir. A responsabilidade civil tem por objetivo tutelar os interesses personalíssimos e patrimoniais da pessoa humana. Conseqüentemente, a dignidade da pessoa encontra sua proteção final através da responsabilidade civil quando for impossível evitar-se a ocorrência de danos. Quando a personalidade humana for violada, o mecanismo jurídico e legal para a recomposição do equilíbrio individual e social dar-se-á através da responsabilidade civil, que reparará as lesões extra-patrimoniais e patrimoniais sofridas.‖

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esfera penal observa-se o oposto, uma vez que os bens resguardados são de

interesse eminentemente público, portanto, indisponíveis por natureza.

Os ensinamentos de José de Aguiar Dias (1997, p.8-9) corroboram o acima

esposado. Mas, para esse autor, o fundamento desses dois tipos de

responsabilidade jurídica é quase o mesmo. As condições de surgimento é que são

diferentes, uma vez que uma é mais exigente do que a outra no que diz respeito ao

aperfeiçoamento dos requisitos que devem existir para se efetivar, especialmente

porque, tratando-se de pena, atender-se-á ao princípio nulla poena sine lege.

Ademais, no ilícito penal e no ilícito civil, há uma característica essencial que lhes é

comum: a observância de um fato contrário ao direito, ou seja, a violação de uma

norma jurídica. A diferença reside muito mais nas consequências que tais violações

acarretam, a saber: do ilícito civil deriva ou a execução forçada, ou a obrigação de

indenização, ou de restituição, ou a declaração de nulidade do ato; do ilícito penal,

por sua vez, podem advir todos esses resultados, acrescentados de um que lhe é

peculiar, a pena. Em outras palavras, o ilícito civil acarreta coação patrimonial,

enquanto o ilícito penal ocasiona coação pessoal.

Neste diapasão, ainda que não haja consenso doutrinário acerca do conceito

da expressão ―responsabilidade civil‖, esta é matéria integrante do direito

obrigacional, uma vez que a principal consequência pela prática de um ato ilícito é a

corrrespondente obrigação que acarreta ao autor do dano causado de reparar tal

prejuízo, ou seja, o que se pretende é a efetivação da reparabilidade do dano em

relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma, embora, muitas vezes,

como bem salienta J.R. Vieira Netto (1989, p.116):

[...] a compensação de prejuízos à saúde, à integridade física, o ‗preço da dor‘ são parciais porque nenhum valor substitui o membro lesado, a função perdida; a pecúnia não compõe as angústias morais, o sacrifício estético, o atentado aos sentimentos de estima, que não tem equivalência em cifras, mas a sua aferição é produto de um arbitrário em que se leva em conta, ainda, a situação econômica das partes em litígio

Aguiar Dias (1997, p.1-3), ao lecionar acerca do fundamento da

responsabilidade, aduz o seguinte:

Toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade. Isso talvez dificulte o problema de fixar o seu conceito, que varia tanto como os aspectos que pode abranger, conforme as teorias filosófico-jurídicas. Várias são, pois, as significações. Os que se fundam na

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doutrina do livre-arbítrio, pondera o eminente Pontes de Miranda, sustentam uma acepção que repugna à ciência. Outros se baseiam na distinção, aliás bem vaga e imprecisa, entre psicologia normal e patológica. Resta, rigorosamente sociológica, a noção de responsabilidade civil como aspecto da realidade social. Decorre dos fatos sociais, é o fato social. Os julgamentos de responsabilidade (por exemplo: a condenação do assassino ou do ladrão, do membro da família que a desonrou) ‗são reflexos individuais, psicológicos, do fato exterior social, objetivo, que é a relação de responsabilidade. Das relações de responsabilidade, a investigação científica chega ao conceito de personalidade. Com efeito, não se concebem nem a sanção, nem a indenização, nem a recompensa, sem o indivíduo que as deva receber, como seu ponto de aplicação, ou seja, o sujeito passivo, ou paciente‘. [...] Digamos, então, que responsável, responsabilidade, assim como, enfim, todos os vocábulos cognatos, exprimem idéia de equivalência, de contraprestação, de correspondência. É possível, diante disso, fixar uma noção, sem dúvida ainda mais imperfeita, de responsabilidade, no sentido de repercussão obrigacional (não interessa investigar a repercussão inócua) a atividade do homem. Como esta varia até o infinito, é lógico concluir que são também inúmeras as espécies de responsabilidade, conforme o campo em que se apresenta o problema: na moral, nas relações jurídicas, de direito público ou privado. [...] A responsabilidade é, portanto, resultado da ação pela qual o homem expressa o seu comportamento, em face desse dever ou obrigação.

Continuando, em espetacular síntese doutrinária, assevera ser a

responsabilidade civil a ―repercussão do dano privado.‖ (DIAS, 1997, p. 06). Por sua

vez, a doutrina costuma conceituar o termo ―obrigação‖ como sendo o ―vínculo

jurídico que confere ao credor o direito de exigir do devedor o cumprimento da

prestação‖.

Considerando-se que as obrigações derivam da vontade humana ou da vontade

estatal, caso surjam estas em decorrência da prática de ilícitos (elemento volitivo

humano) constituídos por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente

– que infringe um dever de conduta, resultando em dano para terceiro – pode-se

afirmar que, havendo tais pressupostos, surgirá o dever de indenizar. Este é

consequência da violação do dever jurídico de não lesar outrem, ―neminem laedere”.3

Assim, certo faz-se afirmar que a responsabilidade civil, em grande parte, dá-se

em decorrência da prática de um ato ilícito, embora, excepcionalmente, possa advir

até mesmo de condutas tidas como lícitas.4 Calixto (2008, p. 168) assevera que o

_______________ 3 Tal dever nos é imposto através do dispositivo constante no art. 186 do CCB, que preconiza a teoria da responsabilidade civil subjetiva.

4 O art. 188 do CCB assegura não se constituírem como atos ilícitos os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; bem como a deterioração ou destruição de coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Analisando perfunctoriamente o dispositivo ora transcrito, poderíamos – precipitadamente – concluir que, havendo tais excludentes, não haveria o dever de indenizar. Ocorre que não é o que ocorre na regra, só havendo excludente

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novel Código Civil traz uma cláusula geral de responsabilidade civil que independe

do ato ilícito, qual seja, a prevista no art. 927, parágrafo único. Tal dispositivo dispõe

que haverá obrigação ressarcitória do dano, independentemente de culpa, nos

casos especificados em lei, ou quando a atividade usualmente desenvolvida pelo

autor do dano implicar, por sua própria natureza, risco para os direitos de terceiros.

No que tange aos atos ilícitos, estes podem ser decorrentes de dois tipos de

deveres jurídicos violados. O primeiro, já comentado, encontra previsão no art. 186

do CCB, constituindo-se em regra geral do dever de indenizar. Trata-se do ato ilícito

praticado em detrimento do dever geral de não lesar outrem, sendo pressuposto

para sua configuração a ocorrência de dano para a vítima.

O outro tipo de ato ilícito, introduzido na legislação pátria pelo Código Civil de

2002, é o ato ilícito consubstanciado no abuso de direito, previsto no art. 187 do

diploma legal acima referido. O enunciado inserto nesse dispositivo prevê que

―também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede

manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou

pelos bons costumes.‖ É a consagração da teoria do abuso de direito, sendo válido

mencionar que, em tais casos, o dano não é pressuposto para configuração do

ilícito, sendo, entretanto, necessário para que surja o direito à indenização.5 A partir

daí pode-se afirmar que nem todo ato ilícito gera o dever de indenizar.

Foi o Direito francês que influenciou no Brasil a disseminação da teoria do

inadimplemento e os aspectos de responsabilidade civil dela decorrentes. O Código

napoleônico adotou, em 1804, a teoria subjetiva da culpa, aludindo à faute como

fundamento do dever de reparar o dano. Entretanto, em razão de sua ambiguidade,

a expressão faute (falta ou erro) gerou intensos debates entre os franceses.

(PEREIRA, 2001, p. 6-7).

absoluta na legítima defesa quando o ato foi praticado contra o próprio agressor e, no caso do estado de necessidade, se a pessoa lesada ou o dono da coisa não forem os culpados pela situação de perigo gerada. Nos demais casos, embora seja lícita a conduta praticada mediante a legítima defesa ou o estado de necessidade, haverá o dever de indenizar. Nesses casos o agente possuirá ação regressiva contra o agressor e o causador da situação de perigo, assim como contra aquele em defesa de quem se causou o dano no estado de necessidade. É nesse contexto que se afirma que também os atos lícitos podem gerar o dever de indenizar, fazendo surgir a responsabilidade civil. (CALIXTO, 2008, p. 162-168).

5 Sobre a obrigação de indenizar em decorrência de atos abusivos, ver Fernando Augusto Cunha de Sá (2005, p. 637-646).

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A legislação pátria, de modo a contornar todos os entraves gerados em torno

da já citada ambiguidade do vocábulo faute, optou por utilizar a noção de ato ilícito

como fonte da responsabilidade civil, ou seja, preconizando que o dever de reparar

deve se subordinar – via de regra – à existência de culpa. Ainda asssim, como será

verificado mais adiante, com o advento do CCB de 2002, muito embora a teoria

subjetiva continue sendo amplamente utilizada, não se pode olvidar a crescente

introdução da responsabilidade objetiva no direito pátrio.6

O Código Civil brasileiro de 2002, espelhando-se em tradição já observada

desde a época do Codex de Beviláqua, dispensou poucos artigos para tratar da

responsabilidade civil, apenas consignando na Parte Geral a regra da

responsabilidade extracontratual7 e suas respectivas excludentes. Já na parte

especial, foi estabelecido sob o título ―Da Responsabilidade Civil‖ a regra básica da

responsabilidade contratual, bem como dedicados dois capítulos ao temas

referentes à obrigação de indenizar e à indenização propriamente dita.

Embora o CC de 2002 tenha tratado da matéria de forma mais sistemática,

haja vista ter dedicado um título especial e independente somente para ela, ainda

assim deixou a desejar no que tange ao trato de várias questões prementes, tais

como o dano moral e sua respectiva extensão, dentre outras. O grande avanço

ocorrido no direito brasileiro no que diz respeito à matéria deu-se mesmo através da

legislação esparsa.

Aguiar Dias (1997, p. 12) atribui este fato à impossibilidade de o legislador ter

previsto um desenvolvimento tão espantoso da matéria, tendo, desta feita, limitado-

se a editar normas de cunho geral. Ressalta que, ainda assim, tais normas são

merecedoras de admiração, uma vez que é através delas que se resolvem as mais

modernas questões, observando, por sua vez, que este fato revela a pobreza de

técnica legislativa em face da crescente evolução da sociedade, o que exige

constante readaptação das normas jurídicas às situações novas.

_______________ 6 ―Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.‖

7 Também conhecida como responsabilidade aquiliana.

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Neste diapasão, o autor pondera que, filosoficamente, não é possível conceder

responsabilidade sem culpa e que a obrigação civil decorrente da responsabilidade

só pode ser entendida como consequência da junção dos elementos imputabilidade

mais capacidade. Entretanto, ainda que os adeptos da teoria clássica (fundada na

culpa) se valham desse argumento, assevera o doutrinador que já não é de

responsabilidade civil propriamente dita que se trata, ainda que haja conveniência na

conservação do nomen juris, mas sim de um problema que há muito transbordou

desses limites, ou seja, trata-se da própria reparação do dano.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2002, p. 9-10), a responsabilidade civil foi

o ramo do direito civil pátrio que teve o maior índice de desenvolvimento no último

século, fazendo com que conceitos até pouco tempo perpetuados no tempo

houvessem, necessariamente, de ser repensados.

Assim, o entendimento de que não poderia haver responsabilidade sem culpa

vê-se hoje superado por normas que claramente preveem sanção ao causador de

danos, independentemente de sua conduta culposa, consoante será abordado mais

adiante. O Brasil acompanhou a evolução do instituto, passando a prever no bojo de

seu ordenamento jurídico normas bastante inovadoras no campo da

responsabilidade civil.

Acerca do instituto em comento, ainda, Maria Celina Bodin de Moraes (2007, p.

445) assevera que, após o advento da Constituição de 1988, a inspiração que

acompanhou a promulgação da nova Lei Maior fez com que vários princípios,

normalmente alheios ao surgimento da obrigação de indenizar, fossem incorporados

à sistemática da reparação civil. Ao passo que antigamente a responsabilidade civil

tradicional baseava-se, de forma exclusiva, na tutela da propriedade e dos demais

direitos subjetivos de ordem patrimonial, atualmente, a dignidade da pessoa

humana, a justiça distributiva, bem como a solidariedade exercem influência

profunda sobre todo o regime jurídico do dever de ressarcir.

Nesse sentido, ―a constitucionalização dos danos impôs, como se viu, a

releitura da própria função primordial da responsabilidade civil. O foco [...] deslocou-

se no sentido da tutela especial garantida à vítima do dano injusto, que merece ser

reparada.‖ (MORAES, 2007, p.445).

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3.1.1 Elementos constitutivos

Feitas algumas observações introdutórias acerca do conteúdo do instituto da

responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro, convém explanar-se acerca

dos elementos constitutivos desta.

O rol dos pressupostos geradores da obrigação de reparar o dano não é

uníssono na doutrina. Contudo, concorda-se com o posicionamento que prescreve

conter o art. 186 do Código Civil8 uma regra universalmente aceita, evidenciado os

elementos essenciais da responsabilidade civil, a saber: ação ou omissão, culpa ou

dolo do agente (somente aplicável à teoria subjetiva), relação de causalidade, e o

dano experimentado pelo terceiro (vítima).9 (GONÇALVES, 2008, p. 31-34).

Optou-se por tratar – primeiramente - somente dos pressupostos aplicáveis a

ambas teorias, para, em seguida, seguir-se com a explicação tradicional da

responsabilidade civil subjetiva, que valora o ato do agente com culpa (que em seu

sentido amplo engloba a culpa stricto sensu e o dolo), bem como a modalidade

objetiva, que dispensa o elemento subjetivo da culpa.10

3.1.1.1 Verificação de dano

Em relação ao dano, afirma-se, seguindo as lições de Rui Stoco (2004, p. 129),

que não há o que se falar em responsabilidade sem prejuízo. Nesse sentido, o

prejuízo causado pelo agente é o ―dano‖. A verificação do dano é, pois, elemento

essencial para ensejar a responsabilidade do agente, seja essa obrigação oriunda

de ato ilícito; de ato lícito – nas hipóteses legalmente previstas – ou, ainda de

descumprimento contratual. A fonte amiúde citada complementa que a

_______________ 8 ―Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.‖

9 No mesmo sentido, Calixto (2008, p. 177-178) aduz que o art. 186 do CC de 2002 ―é a afirmação de uma cláusula geral de responsabilidade subjetiva, o que demonstra a atualidade desse instituto‖. Observa que tal fato é comprovado através dos inúmeros dispositivos da parte especial do Código que exigem a verificação do requisito da culpa, embora nem sempre de forma explícita e clara. Para ele, ―além de atual, pode-se igualmente afirmar a universalidade do instituto, bastando recordar os dispositivos dos Códigos Civis europeus já referidos.‖

10 Segundo Gonçalves (2008, p. 35), ―para obter a reparação do dano, a vítima geralmente tem de provar o dolo ou culpa stricto sensu do agente, segundo a teoria subjetiva adotada em nosso diploma civil. Entretanto, como essa prova muitas vezes se torna difícil de ser conseguida, o nosso direito positivo admite, em hipóteses específicas, alguns casos de responsabilidade sem culpa: a responsabilidade objetiva, com base especialmente na teoria do risco, abrangendo também casos de culpa presumida.‖

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caracterização do dano faz-se necessária independentemente de se tratar de

responsabilidade objetiva ou subjetiva.

João de Matos Antunes Varela (2008, p.597) afirma que é essencial para a

caracterização da obrigação de indenizar que haja a ocorrência do dano, ou seja,

―que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém‖. O autor português

observa que:

Se o vigilante não cumpriu o seu dever, mas o incapaz não agrediu quem quer que fosse; se o automobilista transgrediu as regras do trânsito, mas não atropelou ninguém nem danificou coisa alheia; se o proprietário não observou as precauções devidas na conservação do prédio e este ruiu, mas não atingiu nenhuma pessoa nem outros bens, não chega a pôr-se nenhum problema de responsabilidade. Este surge apenas quando ao facto ilícito sobrevém um dano.

Sérgio Cavalieri Filho (2008, p.71) observa que o dano é o maior vilão da

matéria referente à responsabilidade civil, ponderando que ―não haveria que se falar

em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse dano. Pode haver

responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano.‖

Diante disso, pode-se afirmar que o dano é elemento indispensável para que

seja verificada a responsabilidade civil, sendo necessária sua prova, ainda que, por

vezes, sua ocorrência se dê através de presunção, como ocorre por exemplo em

relação ao dano moral decorrente de determinados fatos, quando infere a doutrina

que o mesmo está in re ipsa.11 Este entendimento é confirmado por Sílvio de Salvo

Venosa (2003, p.28), para quem:

Somente haverá possibilidade de indenização se o ato ilícito ocasionar dano. Cuida-se, portanto, de dano injusto. Em concepção mais moderna, pode-se entender que a expressão dano injusto traduz a mesma noção de lesão a um interesse, expressão que se torna mais própria modernamente, tendo em vista ao vulto que tomou a responsabilidade civil. [...] O dano ou interesse deve ser atual e certo; não sendo indenizáveis, a princípio, danos hipotéticos. Sem dano ou sem interesse violado, patrimonial ou moral, não se corporifica a indenização. A materialização do dano ocorre com a definição do efetivo prejuízo suportado pela vítima.

_______________ 11

O mesmo Cavalieri Filho (2008, p.86) defende a posição doutrinária que entende estar o dano moral ínsito na própria ofensa, ou seja, decorre da gravidade do ilícito em si. Para o autor, se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica e chancela a concessão de uma indenização de ordem pecuniária á vítima, senão vejamos: ―Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum.‖

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Sendo o dano uma lesão a um bem jurídico, este pode ser apresentado

mediante duas vertentes, a moral e a material. A questão acerca do que venha a ser

o dano moral trata-se de um dos mais tormentosos imbróglios jurídicos da

atualidade. Sem pretender alongar referido assunto, tem-se que o dano moral é

aquele que atinge bens ou valores de ordem imaterial na pessoa, causando-lhe

reação psíquica de dor, vexame, sofrimento, constrangimento (dano moral subjetivo)

etc. Há quem sustente que o dano moral não se restringe mais à tristeza e

sofrimento, estendendo seu campo de atuação a todos os bens personalíssimos

(dano moral objetivo), denominados de complexos de ordem ética, razão pela qual,

na conjuntura constitucional atual (em que o dano moral corresponde à uma violação

ao direito de dignidade) revela-se mais apropriado conceituá-lo como dano imaterial

ou não patrimonial.

A indenização proveniente dessa espécie de dano, segundo sustenta a maior

parte da doutrina, não tem caráter ressarcitório propriamente dito, mas cumpre duas

funções fundamentais, a saber: a punitiva, cujo ideal é causar uma reprimenda ao

ofensor, no sentido de coibi-lo a praticar a conduta geradora do dano novamente e

servir de exemplo para a sociedade; a compensatória, segundo a qual a indenização

deve servir como uma espécie de compensação para a vítima, diante do sofrimento

sofrido, ou seja, tem caráter de recompensa. O quantum debeatur se dará por

arbitramento, devendo haver proporcionalidade entre a gravidade do ato ilícito e a

punição do violador.

Varela (2008, p. 603), dissertanto acerca do que denomina de ―ressarcibilidade

dos danos não patrimonais‖, aduz que estes danos possuem natureza irreparável.

Argumenta que o dinheiro, de um lado, em contraposição às dores físicas ou morais,

inibições, vexames, e outros sentimentos similares, de outro, são ―grandezas

heterogêneas.‖ O dinheiro, nesse sentido, não seria passível de apagar todos os

malefícios decorrentes dessa espécie de dano. O dano de cálculo, segundo o autor,

não teria cabimento nesta área.

O dano material, em outra senda, é aquele que atinge diretamente o patrimônio

da vítima, ou seja, afeta as relações jurídicas suscetíveis de serem apreciadas

pecuniariamente, incluindo nesse contexto as expectativas de lucro, materializadas

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115

nas figuras do lucro cessante e do dano emergente, ambas com previsão legal no

art. 402 do CCB.12 (VENOSA, 2003, p. 198).

Em regra, somente são passíveis de indenização os danos diretos, sendo que

os de índole indireta, também nominados de reflexos ou ricochetes, somente

excepcionalmente serão ressarcidos13 (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 74), como se

denota pela leitura do art. 403 do Código Civil: ―Ainda que a inexecução resulte de

dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros

cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei

processual.‖14

No que diz respeito à compensação do dano de caráter patrimonial, esta deve

ser equacionada tendo em vista a extensão do prejuízo causado, facultando o

Código Civil que a autoridade judiciária a reduza equitativamente se houver

desproporcionalidade excessiva entre a gravidade da culpa e o dano ocorrido,

segundo previsão inserta no art. 944.

3.1.1.2 Ação ou omissão

Como primeiro elemento constitutivo da responsabilidade civil, cita-se a ação

ou omissão, ou seja, o ato de agente (conduta comissiva ou omissiva de pessoa

física ou jurídica). Ora, como bem ressalta Stoco (2004, p. 131), ―o elemento

primário de todo ilícito é uma conduta humana e voluntária no mundo exterior.‖

Nesse sentido, a conduta é entendida como o comportamento humano

voluntário que se externa por intermédio de uma ação ou omissão, produzindo, por

conseguinte, consequências jurídicas. A ação ou omissão é o aspecto físico,

objetivo, da conduta, sendo a vontade o seu aspecto psicológico ou subjetivo.

(CAVALIERI FILHO, 2008, p.24).

Desta feita, analisando detidamente o art. 186 do Código Civil, vê-se que logo

no início o legislador cogita do dolo, quando se refere à ―ação ou omissão

_______________ 12

―Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.‖

13 Esta espécie de dano, o indireto, somente será indenizada em situações específicas, desde que tenha sido conseqüência direta e imediata da conduta ilícita, afastando-se aquele que se apresenta como conseqüência remota.

14 Sobre o assunto, ver Rui Belfort Dias (2006, p.372-381).

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voluntária‖, passando, logo após, a tratar da conduta culposa ao referir-se à

―negligência ou imprudência.‖ O dolo reverte-se em má-fé, astúcia, em algo que é

enganoso. Carlos Roberto Gonçalves (2008, p.35), citando Savigny (1873, p.82),

assevera que ―o dolo consiste na vontade de cometer uma violação de direito, e a

culpa, na falta de diligência‖, concluindo ser o dolo a ―violação deliberada,

consciente, intencional, do dever jurídico.‖

Como visto anteriormente, para que haja a reparação do dano no direito

brasileiro, segundo a teoria subjetiva, adotada como regra no ordenamento brasileiro,

faz-se necessário provar o dolo (culpa lato sensu) ou a culpa stricto sensu do agente.

Entretanto, para abrandar os efeitos maléficos de algumas situações em que tais

provas tornarm-se deveras penosas, o direito positivo admite, em casos específicos e

pontuais, casos de responsabilização sem prova de culpa ou dolo. Trata-se da teoria

da responsabilidade objetiva. Ambas serão estudadas mais adiante.

A respeito disso, José de Aguiar Dias (1997, p. 43) lembra que a teoria da

culpa, que foi resumida por Von Ihering na fórmula ―sem culpa, nenhuma reparação‖,

por muitos anos satisfez a consciência jurídica, sendo - até os diais atuais - influente

ao ponto de inspirar os opositores da doutrina proclamadora do modelo objetivo de

imputação de responsabilidade, em face das necessidades da vida moderna.

Aceitando a convivência harmônica de ambas as teorias, Augusto Lermen

Kindel (2006, p. 50) ensina que a ação deverá ser decorrente do fato de alguém, que

cause dano a outrem, pratique um ato ilícito, consoante a teoria subjetiva, ou esteja

no exercício de um atividade lícita, segundo preleciona a teoria objetiva. Nesse

sentido, oportunas as palavras de Hercules Benício (2002, p. 185):

[...] no sistema subjetivo de aferição de responsabilidade, a ação ou omissão deverá ser acompanhada de um dos elementos subjetivos da culpa lato sensu (que representa a violação do dever de cuidado, ofensa ao modelo ideal de conduta ou a não previsão de um evento que é perfeitamente previsível no instante em que o agente manifesta a sua vontade — culpa stricto sensu —; a intenção, o propósito deliberado, de causar o prejuízo — dolo direito — ou, então, a consciência do resultado — dolo eventual) e da imputabilidade do responsável pelo dano (que, por envolver a idéia de capacidade de discernimento, torna-se elemento inseparável da culpa).

A conduta (comissiva ou omissiva) de agente, para caracterização da

responsabilidade civil, pressupõe necessariamente que este seja dotado de

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capacidade para poder responder pelas consequências de um ato contrário ao dever,

ou seja, depende ―da capacidade psíquica de entendimento e autodeterminação do

agente, o que nos leva à imputabilidade.‖ Dois são, portanto, os elementos da

imputabilidade, quais sejam: a maturidade (desenvolvimento mental) e a sanidade

mental (hijidez). Imputável é, pois, aquele que podia e devia ter agido de outro modo,

ou seja, aquele que possuía imputablidade, ou seja ―o conjunto de condições pessoais

que dão ao agente capacidade para poder responder pelas consequências de uma

conduta contrária ao dever. (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 25-26).

É bom observar-se, contudo, que nos termos do art. 928 do CC, o incapaz

responde pelos prejuízos que vier a causar, na hipótese de as pessoas por ele

responsáveis não terem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios

suficientes. Nesse caso, a indenização prevista no artigo retromencionado será

equitativa e não terá lugar caso venha a privar o incapaz ou as pessoas que dele

dependem do necessário para a subsistência.

Assim, no entender de Álvaro Villaça de Azevedo (2008, p.262-264), o incapaz,

no caso de as pessoas responsáveis por ele não terem obrigação ou não puderem

satisfazer o dano, deverá responder pelos prejuízos que causar com o seu patrimônio.

O Código Civil atual não distingue entre o grau da incapacidade, se relativa ou

absoluta, demonstrando a forte presença do instituto do favor debitoris, ou seja, em

que o devedor fraco economicamente faz merecer o favor e a proteção do legislador.

Por outro lado, para que possa existir a responsabilidade civil em decorrência

de atos omissivos, faz-se necessário que exista o dever jurídico de praticar

determinado ato. Referido dever pode ser decorrente da lei, da convenção das

partes e, até mesmo, gerado pelo fato de o agente criar alguma situação de perigo,

omitindo-se em seguida.

Esta omissão pode apresentar caráter doloso ou culposo, sendo, neste último

caso, caracterizada pelo fenômeno jurídico da negligência que, nos dizeres de

Cavalieri Filho (2008, p.36), é a mesma falta de cuidado ocorrida na imprudência,

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com a diferença de que esta decorre de conduta comissiva, positiva, ação, enquanto

a negligência é decorrente de falta de cuidado por conduta omissiva.15

3.1.1.3 Nexo causal

O nexo causal é o liame que une o fato ao dano. Sem ele não há como imputar

qualquer espécie de responsabilidade ao agente, seja na modalidade subjetiva ou

objetiva. Antes mesmo de perquirir-se acerca da existência de culpa ou dolo por

parte do agente, faz-se necessária uma apuração se ele deu causa ao resultado.

(AZEVEDO, 2008, p. 253).

Se for verificada a ocorrência do dano mas sua causa16 não estiver relacionada

ao comportamento do agente, inexistirá relação de causalidade e, por consequência,

a obrigação de indenizar. Tal se dá pelo fato de o ordenamento jurídico pátrio ter

adotado a teoria dos danos diretos e imediatos, consoante sustenta boa parte da

doutrina e da jurisprudência, também denominada de teoria da relação causal

imediata, como consta expresso no art. 403 do CCB.17 Embora referido dispositivo

legal mencione o vocábulo ―inexecução‖, que é próprio da responsabilidade do tipo

contratual, consolidou-se o entendimento de que também se aplica à

responsabilidade extracontratual. (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 50).

Segundo referida corrente, faz-se necessário que haja entre a inexecução de

uma obrigação e o dano, uma relação de causa e efeito direta e imediata. Nesse

sentido, será indenizável todo dano que se filie a uma causa, mesmo que remota,

desde que se consubstancie como causa necessária à ocorrência do dano, por não

existir outra que o explique. Assim, quer a lei que o dano seja o efeito direto e

_______________ 15

A propósito, é o mesmo Cavalieri (2008, p. 36) que nos fornece exemplo bastante elucidativo acerca da diferença entre imprudência e negligência. Aduz que ―a imprudência é falta de cautela ou cuidado por conduta comissiva, positiva, por ação. Age com imprudência o motorista que dirige em excesso de velocidade, ou que avança o sinal. Negligência é a mesma falta de cuidado por conduta omissiva. Haverá negligência se o veículo não estiver em condições de trafegar, por deficiência de freios, pneus, etc.‖

16 Gonçalves (2003, p. 520), citando Agostinho Alvim (1965, p. 324) remete a questão da ―causa‖ na responsabilidade civil à uma citação de Savatier, no sentido de que ―um dano só produz responsabilidade, quando ele tem por causa uma falta cometida ou um risco legalmente sancionado (Traité, cit. v. 2, n. 456)‖. Nesse sentido, para Alvim, dentre as várias teorias sobre o nexo de causalidade, a adotada pelo Código Civil Brasileiro foi a do ―dano direto e imediato‖, no sentido de que há o rompimento do nexo causal não só quando o credor ou terceiro é autor da causa próxima do novo dano, mas, ainda, quando a causa próxima é fato natural.

17 ―Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.‖

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imediato da inexecução, não sendo indenizável o denominado ―dano remoto‖,18 que,

segundo Carlos Roberto Gonçalves (2003, p.524) – citando Caio Mario da Silva

Pereira (p. 237) – seria uma consequência indireta do inadimplemento obrigacional,

―envolvendo lucros cessantes para cuja efetiva configuração tivessem de concorrer

outros fatores que não fosse apenas a execução a que o devedor faltou, ainda que

doloso o seu procedimento.‖

Outras teorias existem, embora tenham sido rechaçadas pela doutrina ante o

extremismo de suas concepções, a saber: A teoria da equivalência das condições

preconiza que toda e qualquer circunstância que haja concorrido para produzir o

evento danoso pode ser considerada como causa para o mesmo.

Por outro lado, a teoria da causalidade adequada considera como condição

apta a causar o dano aquela que por si só estava apta a gerá-lo. Cavalieri Filho

(2008, p. 49) sustenta que, diante do evento danoso, levando-se em consideração

esta teoria (que, segundo ele, foi acolhida no ordenamento jurídico brasileiro),

deverá ser formulada a seguinte indagação: ―a ação ou omissão do presumivelmente

responsável era, por si mesma, capaz de normalmente causar o dano?‖. Ressalta

que para que se possa estabelecer a causa de um dano, é necessário que seja feito

um juízo de probabilidades. Referido juízo é feito pelo juiz, levando-se em conta,

mediante um raciocínio jurídico retrospectivo, o que era cognoscível pelo agente,

como exemplo de homem médio. Na verdade, mais do que se perquirir quem teve a

última chance, deve-se apurar quem teve a melhor ou mais eficiente oportunidade

para evitar a ocorrência do dano.

Mesmo tendo ocorrido o dano, existem certos fatos que interferem nos eventos

ilícitos, rompendo o nexo causal ensejador da responsabilidade do agente e,

portanto, excluindo-a.

_______________ 18

A respeito do dano remoto, Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 51) menciona exemplo de Aguiar Dias (1997, p. 270-272) para que, ―o condutor de um automóvel que feriu uma pessoa não é responsável pela morte dela, se essa morte resulta da falta do médico que lhe assiste.‖ O mesmo ocorre quando cita exemplo de Agostinho Alvim (1965, p. 371-372), para quem o locatário que é injustamente forçado a se mudar e, durante o ato da mudança, ocorre uma tempestade que lhe danifica todos os móveis, não terá de quem reaver o prejuízo, uma vez que o legislador civil não desejou que o autor do dano ―respondesse senão pelas conseqüências diretas, imediatas, derivadas necessariamente do inadimplemento.‖

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Nesse sentido, as excludentes da responsabilidade civil tem o condão de

romper o nexo causal, elidindo a responsabilidade civil. Estas se traduzem como

casos de impossibilidade superveniente do cumprimento da obrigação, causas estas

que não podem ser imputadas ao devedor ou agente. A doutrina majoritária elenca

como hipóteses de excludentes o caso fortuito, a força maior e o fato exclusivo da

vítima ou de terceiro, a legítima defesa, o estado de necessidade, bem como a

cláusula de não indenizar. (CAVALIERI FILHO, 2008, p.64).

3.1.2 Modalidades de responsabilidade civil

Visando a dar maior organicidade à análise do instituto da responsabilidade

civil, afigura-se conveniente o estudo das modalidades existentes no ordenamento

jurídico brasileiro.

Com efeito, aplica-se no Brasil a teoria dualista, ou seja, existem duas espécies

de responsabilidade, a contratual e a extracontratual, esta última também

denominada de aquiliana. As duas teorias diferem basicamente em três pontos

cruciais, a saber: a necessária preexistência de uma relação jurídica entre o ofensor

e a vítima; o ônus da prova quanto à culpa; e, finalmente, a diferença no tocante à

capacidade.

A respeito do tema, Álvaro Villaça Azevedo (2008, p.244) assevera que a

primeira, encontra-se situada no âmbito da inexecução obrigacional do contrato,

enquanto a segunda se posiciona na seara do inadimplemento obrigacional

normativo. Segundo o autor:

Se A e B realizam um contrato qualquer, por este aqueles regulamentam seus interesses particulares, de tal forma que fazem do contrato verdadeira lei entre eles. As cláusulas contratuais devem ser, por eles, observadas, rigorosamente, sob pena de responsabilidade do que as descumprir (responsabilidade contratual). Por outro lado, todos devemos respeitar o direito alheio, obedecer as normas que regram nossa conduta. Qualquer inobservância de um preceito legal, por exemplo, acarreta responsabilidade ao transgressor. Aqui, a responsabilidade não se situa no âmbito contratual, daí chamar-se, como referido, responsabilidade extracontratual. Imaginemos que alguém quebre o vidro de uma vitrina; nenhum contrato preexistiu, senão uma obrigação de não lesar o próximo, contida na lei. Ante esse ato ilícito, a responsabilidade emerge.

Dessa forma, a responsabilidade civil da espécie contratual é aquela que

decorre da violação de um dever jurídico, cuja emanação deu-se em decorrênica de

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um acordo de vontades entre as partes, uma convenção. A culpa, nessa modalidade

de responsabilidade, é presumida e encontra fundamento no próprio inadimplemento

ou na mora, por exemplo. Havendo inexecução do negócio jurídico, presume-se a

culpa, cabendo ao devedor ilidi-la, mediante prova de que a mesma não existiu ou

demonstrando a presença de qualquer excludente da obrigação indenizatória, cujo

rol encontra-se descrito nos artigos 389 e 393 do Código Civil brasileiro.

Por sua vez, a responsabilidade civil extracontratual, cognominada de

aquiliana, é decorrente da inobservância do dever jurídico de não lesar outrem, ou

seja, resulta da prática de um ato ilícito. Não se pode esquecer, contudo, que além

do ato ilícito stricto sensu (art. 186 do CC/02), que continua embasando a teoria da

responsabilidade subjetiva, existe o ato ilícito entendido em seu sentido amplo, ou

seja, tomado ―como a mera contrariedade entre a conduta e a ordem jurícia,

decorrente da violação de dever jurídico preexistente‖. Nesse sentido, o ato ilícito,

em sua ampla acepção, constitui-se como fato gerador da responsabilidade objetiva

e ―tem por campo de incidência as relações entre o indivíduo e o grupo.‖

(CAVALIERI FILHO, 2008, p. 11).19

A fonte dessa espécie de responsabilidade é a inobservância da lei ou, como

diz a mencionada autora, a lesão a um direito, sem que entre o ofensor e a vítima

preexista qualquer relação jurídica. (DINIZ, 2007, p. 127).

Essa também é a visão de Rui Stoco (2006, p.136-137) para quem o Código

Civil brasileiro distinguiu entre responsabilidade contratual, quando passou a

disciplinar os defeitos do negócio jurídico, e extracontratual, ao conceituar ato ilícito.

Entende o doutrinador que a culpa contratual é estabelecida em terreno mais

bem definido e limitado, consistindo na inexecução previsível e evitável, pela parte

ou seus sucessores, de obrigação originada com base em contrato prejudicial à

outra parte e seus respectivos sucessores. Na culpa contratual, portanto, existe um _______________ 19

Contrariamente ao pensamento esposado por Cavalieri, Tepedino e outros (2007, p. 337) entendem que se mostra equivocada a tentativa de ampliar a noção de ato ilícito, ―a despeito de seus elementos essenciais, em detrimento da segurança jurídica.‖ Entende que a tese que pretende bipartir a noção de ato ilícito em seu amplo e estrito sentido mostra-se totalmente desprovida de base doutrinária, revelando-se falsamente progressista, como se propalasse um desprendimento da noção de culpa. Acredita que, entretanto, acaba por ampliar a noção do ilícito, exacerbando a visão do direito como instrumento repressivo (e não de promoção), ―voltado exclusivamente para o momento patológico das relações sociais‖. Conclui, ao final, que o ato ilícito constitui-se em fonte das obrigações e que o aumento desregrado de sua amplitude não traz benefício algum às relações privadas.

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dever positivo de adimplir o que foi objeto da convenção estipulada. Já na culpa

aquiliana, faz-se necessário invocar o dever de não lesar outrem, ou seja, uma

conduta negativa. Ficando evidenciado o comportamento antijurídico, evidenciada

restará a repercussão na órbita jurídica do paciente, causando-lhe dano.

Ao contrário do que ocorre na responsabilidade contratual, na responsabilidade

extracontratual o ônus da prova compete à vítima, que deverá provar a culpa

(entendida em seu sentido amplo) do agente, salvo nos casos em que esta será

presumida com base na teoria do risco20; nos casos de ser admitida a figura da culpa

presumida, de modo a faciliar o onus probandi com relação ao ofendido; ou, ainda,

nas hipóteses de responsabilidade objetiva, em que faz-se possível a inversão do

onus probandi em face do princípio da solidariedade, como se dá no exemplo do art.

6º, VIII, do CDC (Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90).21

3.2 Teorias que fundamentam a responsabilidade civil

Existem dois tipos de teorias que fundamentam a responsabilidade civil. A

depender da teoria explicativa adotada, a obrigação reparatória existirá levando-se

em conta as modalidades de conduta do lesante ou dando especial atenção à

situação da vítima e aos prejuízos por ela suportados.

3.2.1 Teoria subjetiva

Na teoria subjetiva, consubstanciada no art. 186 e no caput do art 927, ambos

do CCB, o fundamento da responsabilidade é a culpa (em sentido amplo) do agente

na prática de ato ilícito (incluindo-se aqui, também, o abuso de direito). Na aplicação

dessa teoria, faz-se imprescindível a prova do dolo ou da culpa em sentido estrito

por parte do agente, de modo a surgir o dever de reparação do dano causado.

Ainda que tradicionalmente o sistema da responsabilidade civil tenha se

embasado na doutrina da culpa, incorporada desde o advento do diploma civil de

_______________ 20

Referida teoria é corporificada através do enunciado legal constante no parágrafo único do art. 927 do CCB.

21 ―Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; [...].‖

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1916, a insatisfação com a teoria subjetiva, a partir do final do século XIX, tomou vulto,

evidenciando sua incompatibilidade e insuficiência, diante da tendência

desenvolvimentista, decorrente de práticas industriais e do progressivo aumento dos

riscos de acidentes de todos os tipos. Em obra intitulada Les accidents su travail et la

responsabilité civile, Raymond Saleilles (1897) alertava que em certos casos, como no

dos acidentes de trabalho, o fato de exigir-se da vítima a prova da culpa equivalia a

não responsabilizar o causador do dano. (TEPEDINO et al. 2007, v.2, p. 927).

Segundo o doutrinador acima citado, a propagação da responsabilidade

objetiva durante o século XX, mediante a adoção da teoria do risco, corrobora a

derrocada do individualismo jurídico como método de regulação dos problemas

sociais. Caio Mário da Silva Pereira (2001, p. 263) atribui esta maior sensibilidade a

respeito do problema da repartição dos danos às seguintes causas: crescimento da

população; aumento da ocorrência de eventos danosos e de acidentes, gerando, por

conseguinte, multiplicação nas ações indenizatórias; a imobilidade e regidez do

sistema jurídico positivado, dentre outros fatores.

Diante disso, ou seja, da crescente ascenção da teoria da responsabilidade

objetiva, observada, atualmente, por meio de diversas leis especiais e até mesmo no

texto do novel diploma civil, alguns autores passaram a afirmar a existência de um

sistema dúplice de responsabilidade civil, afirmando não ser mais a modalidade

subjetiva tida como regra no direito brasileiro.

Nesse sentido, Cavalieri (2008, p. 11) adverte que, diferentemente do diploma

civilista de 1916, que consagrou na cláusula geral do seu art. 159 apenas o sistema

subjetivo de aferição de responsabilidade (admitindo o critério objetivo apenas

casuisticamente, em alguns artigos para casos específicos), o Código de 2002, ao

contrário, contém cláusulas gerais tanto para a responsabilidade subjetiva, quanto

para a objetiva, cada uma delas atingindo determinadas áres da atividade humana.

O autor (2008, p. 140) ainda aduz que a novel legislação ―embora tenha mantido a

responsabilidade subjetiva, optou pela responsabilidade objetiva, tão extensas e

profundas as cláusulas gerais que a consagraram no parágrafo único do art. 927 e

no art. 931.‖

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124

A mesma opinião é partilhada por Gustavo Tepedino (2001, p.175-176), para

quem o critério objetivo tem por base os princípios de solidariedade social e da

justiça distributiva,22 que não podem deixar de moldar os novos delineamentos do

sistema de responsabilidade civil. Para o autor, ―impõem, como linha de tendência, o

caminho da intensificação dos critérios objetivos de reparação e do desenvolvimento

de novos mecanismos de seguro social.‖23

Há, contudo, quem advogue a tese de que a responsabilidade subjetiva

continua a ser a regra, como Carlos Roberto Gonçalves (2008, p.32), para quem o

Código Civil brasileiro, embora faça previsão de um número expressivo de casos de

responsabilidade objetiva, filiou-se como regra à teoria subjetiva, o que se extrai da

leitura do art. 186 do novo diploma. Venosa (2003, p.15-16) também partilha dessa

opinião:

Reiteramos, contudo, que o princípio gravitador da responsabilidade extracontratual no Código Civil é o da responsabilidade subjetiva, ou seja, responsabilidade com culpa, pois esta também é a regra geral traduzida no novo Código, no caput do art. 927. Não nos parece, como apregoam alguns, que o novo estatuto fará desaparecer a responsabilidade com culpa em nosso sistema. A responsabilidade objetiva, ou responsabilidade sem culpa, somente pode ser aplicada quando existe lei expressa que a autorize. Portanto, na ausência de lei expressa, a responsabilidade pelo ato ilícito será subjetiva, pois esta é a regra geral no direito brasileiro. Em casos excepcionais, levando em conta os aspectos da nova lei, o juiz poderá concluir pela responsabilidade objetiva no caso que examina. No entanto, advirta-se, o dispositivo questionado explicita que somente pode ser definida como objetiva a responsabilidade do causador do dano quando este decorrer de ‗atividade normalmente desenvolvida‘ por ele. O juiz deve avaliar, no caso concreto, a atividade costumeira do ofensor e não uma atividade esporádica ou eventual, qual seja, aquela que, por um momento ou por uma circunstância possa ser um ato de risco. Não sendo levado em conta esse aspecto, poder-se-á transformar em regar o que o legislador colocou como exceção.

No sistema de responsabilidade subjetiva, exige-se que o sujeito, no momento

em que praticou o ato, tenha tido a intenção deliberada de causar dano (dolo) ou o

tenha feito por falta de cautela (culpa stricto sensu), levando-se em consideração o

cuidado esperado do homem médio. Gustavo Tepedino (2007, p. 337) assevera que

a verificação da culpa ou dolo, noções reunidas sob a denominação de ―culpa lato

_______________ 22

Princípios esses previstos no artigo 3º do texto constitucional como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

23 No mesmo sentido, Marcelo Junqueira Calixto (2008, p. 168) aduz que a inserção de uma cláusula geral de responsabilidade objetiva, constante no art. 927, parágrafo único do CC de 2002, veio a consolidar o modelo dualista que já se delineava no sistema anterior.

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sensu‖, depende da valoração feita acerca da conduta do agente, daí chamar-se de

responsabilidade subjetiva aquela responsabilidade fundada na culpa, considerada

em seu amplo sentido. Caso não haja prova da culpa, não haverá que se falar em

responsabilidade.

Consigna-se, por oportuno, que o sistema jurídico, levando em consideração as

dificuldades observadas para que o ofendido produzisse provas aptas a comprovar a

culpa (stricto sensu) ou o dolo do ofensor, passou a admitir a figura da culpa

presumida. Nesse caso haverá uma verdadeira inversão do ônus da prova com

relação à vítima. Com efeito, esta ficará liberada do ônus de provar a culpa (lato

sensu) do ofensor, cabendo a este provar que não praticou a conduta com culpa

(stricto sensu) ou dolo, caso queira ilidir seu dever de indenizar.

Lição bastante elucidativa é dada por Cavalieri Filho (2008, p. 39-40), para

quem a aceitação da culpa presumida não se afastou do sistema da

responsabilidade subjetiva,24 uma vez que permite de maneira ampla a discussão

acerca do causador do dano. Ocorre que, nesse caso, cabe a este afastar a

presunção de culpa contra si existente, ilidindo, dessa forma, o dever de indenizar. O

autor exemplifica a situação da seguinte maneira:

Assim, por exemplo, se o animal causar dano a outrem, o dono terá que provar que não faltou com o dever de guarda e vigilância, que o animal foi provocado por outrem ou pela imprudência do ofendido, ou, ainda, que houve caso fortuito ou força maior (Código Civil, art. 936: ‗O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar a culpa da vítima ou força maior‘). Assim não o fazendo, estará obrigado a indenizar.

Diante do exposto, a culpa presumida surgiu como uma tentativa de amenizar a

situação das vítimas de danos, uma vez que colocaram-nas em situação

privilegiada, sem que tenham que exercer o ônus probatório a seu favor. Observa-se

também a situação de culpa presumida na ocorrência da responsabilidade civil

indireta, ocasião em que o ordenamento jurídico atribui a responsabilidade ciivl a

_______________ 24

Há quem diga que somente remanesce a culpa presumida na responsabilidade dos pais pelos atos de filhos menores. Ainda assim, outra corrente diz tratar-se referida hipótese de responsabilidade objetiva, e não de culpa presumida. (GONÇALVES, 2008, p.98). Paulo Lôbo (2000, on line), defendendo a permanência da culpa presumida no ordenamento jurídico pátrio, aduz que esta ―constitui um avanço na tendência evolutiva que aponta para a necessidade de não se deixar o dano sem reparação, interessando menos a culpa de quem o causou e mais a imputar a alguém a responsabilidade pela indenização. Por isso, cresceram as hipóteses em que a lei, ou a jurisprudência, consideram que a culpa é presumida, cabendo ao imputável contraditá-la.‖

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alguém que não foi o causador do dano de forma indireta, mas que possuía o dever

geral de vigilância sobre o terceiro que o causou.

A aferição de culpa presumida representa uma maneira de conciliar a teoria

subjetiva com as dificuldades de se provar a culpa (lato sensu), sendo, portanto,

considerada como fonte de transição para que se chegasse à teoria objetiva da

responsabilidade civil.

Nesse sentido, Venosa (2003, p. 27), corroborando a afirmação de que na

hipótese de culpa presumida, haverá a inversão do ônus da prova, cabendo ao réu

provar que não agiu com culpa, chama a atenção para o fato de que a culpa

presumida não pode ser confundida com a responsabilidade objetiva, uma vez que,

para ocorrência desta, não há necessidade de culpa.

Por fim, vê-se que, para a maioria da doutrina, não representa mais a ―culpa

presumida‖ instituto de relevância no ordenamento jurídico. Nesse sentido, Marcelo

Junqueira Calixto (2008, p.198-199), ao dissertar sobre a diferenciação entre

obrigação de meio e de resultado, aduz que:

Sobre tal distinção é tradicionalmente afirmado que, na obrigação de resultado, a culpa do agente estaria evidenciada pela não obtenção deste resultado. Em outras palavras, a não ocorrência deste faria presumir a culpa daquele, que, em sua defesa, deveria demonstrar a ausência de culpa ou que a impossibilidade decorreu de fatores externos à sua vontade, tais como o fortuito e o fato de terceiro, que são, propriamente, excludentes do nexo causal. Já na obrigação de meio, incumbe à vítima demonstrar que houve uma conduta culposa no próprio desempenho da atividade, não podendo argumentar com a simples não ocorrência do resultado, uma vez que este não é assegurado pelo agente. Tem-se, em outras palavras, a necessidade da demonstração efetiva da culpa do agente, não se podendo falar, ordinariamente, em presunção desta.

A propósito disso, Calixto (2008, p. 199-200) afirma que, hoje, tal diferenciação

mostra-se evidentemente artificial, assim entendendo-se a crítica segundo a qual,

mesmo nas obrigações de resultado, não há que se falar que a culpa advenha pela

não ocorrência deste. Da mesma forma, assevera que, na obrigação de meio, não

poderá o agente ser exonerado de qualquer responsabilização pelo fato de não ter

garantido o resultado. Estende o que chama de ―artificialidade‖ às construções

jurisprudenciais acerca da matéria, ponderando que estas têm reconhecido como

obrigação de resultado a cirurgia plástica ou embelezadora (bem como outros

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procedimentos), talvez como forma de garantir a efetiva reparação dos danos

causados ao consumidor.

Na mesma esteira de pensamento, Carlos Roberto Gonçalves (2008, p.98)

assevera que a solução mais consentânea com o ideal de justiça só será encontrada

na teoria do risco. Para o autor, a solução por meio da qual se permitia deixar ao

lesado o prejuízo por ele experimentado, tão somente porque aquele que deveria

responder pelo evento danoso conseguira provar que havia usado de todos os

recursos possíveis no sentido de evitar o resultado lesivo, ―estaria longe de

corresponder ao senso de justiça‖. Assim, a ideia de risco, indubitavelmente, mostra-

se como a que mais se aproxima da realidade.

3.2.2 Teoria objetiva sem culpa (teoria do risco)

No sistema da responsabilidade objetiva, é desnecessário se perquirir sobre a

existência ou não de culpa por parte do ofensor, pois o dever de indenizar tem por

principal referência a situação da vítima e do prejuízo por ela experimentado.

J. R. Vieira Netto (1989, p.113), desde o final da década de 80, já asseverava

que a legislação brasileira, de maneira indiscutível, demonstrava uma forte tendência

para o âmbito dessa espécie de responsabilidade. Lembra, ainda, que o princípio

legislativo mais antigo acerca da responsabilização objetiva é a Lei nº 2.681, de

1912, que regulou a responsabilidade de Estradas de Ferro, estabelecendo a

presunção de culpa pelas perdas, furtos de mercadorias, avarias, isso sem levar em

conta a responsabilidade decorrente dos desastres ocorridos em suas linhas,

ocasionando aos viajantes ferimentos, lesões corporais e, às vezes, até mesmo,

mortes.

Como se observa, a teoria da responsabilidade objetiva, no direito brasileiro,

segundo a doutrina majoritária, encontra o seu fundamento geralmente no risco, em

que impera o princípio do controle e prevenção do perigo, tornando desnecessária a

questão em torno da presença da culpa (lato sensu) e do ônus da prova com relação

a ela, dentre outras questões.

O risco, entretanto, como fundamento da responsabilidade, sempre foi objeto

de diversas críticas e questionamentos, uma vez que é noção de alcance vago e

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contornos indenfinidos. Pode-se dizer que toda atividade humana, ainda que de

forma singela, envolve uma parcela de risco. Entretanto, o risco para ter relevância

jurídica necessita estar inserido dentro do exercício de uma atividade lícita, ou seja,

derivar de uma atividade tida como normal. Na verdade, há de ser observada a

relação custo-benefício que advenha de sua existência, de modo a evitar o

surgimento de situações demasiadamente onerosas aos que são obrigados a

indenizar. No intuito de amenizar tais distorções, vem-se admitindo limitação

quantitativa da indenização e adotando-se o seguro, na forma de socialização dos

riscos. Disso decorre a forte tendência atual de ampliar a figura do seguro

obrigatório. (VIEIRA NETTO, 1989, p. 84-86).

Como já abordado no tópico anterior, ainda que a teoria da responsabilidade

subjetiva tenha, durante sua evolução, passado a admitir a figura jurídica da culpa

presumida, com vistas a facilitar a reparação do dano sofrido pela vítima em

ocasiões em que a prova da culpa do ofensor mostrava-se deveras penosa, esta

não foi suficiente para dirimir todos os imbróglios e situações em que a aplicação da

teoria subjetiva não se denotava justa nem tampouco adequada.

Surgiu, assim, a teoria objetiva, cujo dever de indenizar prescinde da verificação

da culpa (lato sensu), bastanto que restem demonstrados o dano e o nexo causal

entre este e a conduta do agente, sendo irrelevante cogitar-se de atitude culposa ou

dolosa. Nesse sentido, ao afirmar que a teoria objetiva não se confunde com a figura

jurídica da culpa presumida, alerta Aguiar Dias (1997, p. 84):

Não confundimos, pelo menos propositadamente, os casos de responsabilidade objetiva com os de presunção de culpa. Na realidade, como já tivemos ocasião de dizer, o expediente da presunção de culpa é, embora o não confessem os subjetivistas, mero reconhecimento da necessidade de admitir o critério objetivo. Teoricamente, porém, observa-se a distinção, motivo por que só incluímos como casos de responsabilidade objetiva os que são confessadamente filiados a esse sistema. Assim, não quisemos aludir ao Decreto n° 2.681, regulador da responsabilidade das estradas de ferro, que se funda, por declarações reiteradas de seus textos, em presunção de culpa, nem a outros dispositivos de lei, onde houve o propósito de conservar a culpa como base da responsabilidade. Exemplo frisante disso tinha no antigo Código Brasileiro do Ar, conforme se tratasse de responsabilidade perante passageiros ou perante terceiros. Em essência, repetimos, a assimilação entre um e outro sistema é perfeita, significando o abandono disfarçado ou ostensivo, conforme o caso, do princípio da culpa como fundamento único da responsabilidade. Em teoria, a distinção subsiste, ilustrada por exemplo prático: no sistema da culpa, sem ela, real ou artificialmente criada, não há responsabilidade; no sistema objetivo, responde-se sem culpa, ou melhor, esta indagação não tem lugar.

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Aliás, há quem sustente a impropriedade da expressão ‗responsabilidade objetiva‘, oposta a ‗responsabilidade subjetiva‘, partindo da consideração de que o critério que informa a responsabilidade de acordo com o padrão do bom pai de família é objetivo (o que não importa tornar objetivo o sistema), ao passo que na chamada responsabilidade objetiva encontram-se aspectos pessoais, que excluem a simples causalidade, princípio sobre que se teria edificado o sistema objetivo.

Em vez de exigir que a responsabilidade civil resulte dos elementos tradicionais

atinentes à espécie – culpa (em sentido amplo), dano e vínculo de causalidade entre

uma e outro -, a doutrina objetiva assenta na equação binária cujos polos são o dano

e a autoria do evento danoso. Nesse sentido, não há o que se cogitar acerca da

imputabilidade ou de se perquirir a antijuridicidade do fato danoso.25

O fator predominante para que o ressarcimento reste assegurado é a

verificação se ocorreu o evento, bem como se dele emanou o prejuízo. Observados

esses requisitos, o autor do fato causador do dano é o responsável. Com a teoria do

risco não há necessidade de o órgão julgador examinar o caráter lícito ou ilícito26 do

ato imputado ao pretenso responsável, vez que as questões de responsabilidade

transformam-se em simples problemas objetivos que se reduzem à pesquisa de uma

relação de causalidade. (PEREIRA, 2001, p. 269).

Assim, referida corrente baseia-se na teoria do risco, cuja previsão genérica

encontra-se consubstanciada no parágrafo único do art. 927 do CC. Sua aplicação é

prevista de maneira excepcional, decorrendo somente de situações legalmente

previstas ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo causador do dano

_______________ 25

A obrigação de ressarcir surge da prática do delito civil. Este, por sua vez, é derivado de um ato que viola direito protegido por lei, implicando, por conseqüência, a antijuridicidade, considerada esta como a contrariedade ao direito. Orlando Gomes (1999, p. 253-254), por sua vez, aduz que a antijuridicidade - entendida como pressuposto da responsabilidade - poderá assumir cunho objetivo ou subjetivo. No sentido objetivo, equivalerá ao comportamento em desconformidade com o ordenamento jurídico ou ao negócio lícito avençado. Na acepção subjetiva, assumirá contornos de ―comportamento desconforme‖, donde a imputação do evento danoso será verificada em face da consciência do agente ofensor, ou seja, culpa ou dolo por parte deste. Segundo o autor, a ilicitude advém, justamente, da antijuridicidade subjetiva.

26 Já foi dito acima que a antijuridicidade corresponde ao ato contrário ao direito. Nesse diapasão, Marcelo Junqueira Calixto (2008, p. 163-166), considera que se pode afirmar que o art. 186 do CC de 2002, que enuncia a regra geral acerca da responsabilidade subjetiva do direito brasileiro, a ele se refere, quando afirma que comete ato ilícito aquele que ―violar direito‖. Para o autor, é justamente nesse ponto que se observa a possível distinção entre os termos ―ilicitude‖ e ―antijuridicidade‖. Consoante afirma, o próprio art. 186 do CCB deixa claro que a licitude é mais ampla do que a antijuridicidade, vez que, além desta, exige para a configuração do ilícito a presença do requisito subjetivo da culpa ou do dolo. Assim, entende-se ―a razão pela qual referido dispositivo exige, além do ato contrário a direito, a negligência ou imprudência para a configuração do ato ilícito. Também faz referência à ação ou omissão voluntária, que só pode significar o comportamento doloso, sob pena de repetição das modalidades da culpa, sempre voluntárias.‖

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implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, como se denota pela

leitura do próprio dispositivo legal acima mencionado.

Consoante já explicitado no tópico anterior, o surgimento da ideia de risco,

como fundamento da responsabilidade civil, deu-se a partir da segunda metade do

século XIX,27 colocando sempre em foco a insuficiência do clássico conceito de

culpa, considerada esta em seu amplo sentido. Sem dúvida, a novel teoria surgiu

diante do desejo do restabelecimento de um equilíbrio social, do reforço das boas

regras em sociedade, enfim, da premente necessidade de conservação da paz

social.

Como ocorre comumente quando do surgimento de uma nova doutrina, logo

houve uma desenfreada proliferação de extremos com relação à teoria objetiva.

Dentro desse contexto, apareceram várias acepções que se identificaram como

modalidades ou especializações dessa ideia mais ampla, todas girando em torno da

ideia central do risco.

Calixto (2008, p.160), citando Patrícia Ribeiro Serra Vieira (2005, p.88-89),

identifica as diversas teorias reunidas sob a expressão genérica ―Teoria do Risco‖. A

autora faz uma sumária apresentação de cada uma delas, a seguir: Para os adeptos

da teoria do risco-benefício (ou risco-proveito), o agente responsável seria aquele

que retira vantagem econômica com a execução da atividade por si desempenhada.

Em outras palavras, aquele que, com sua atividade de risco, obtém vantagens e

benefícios, deve arcar com os prejuízos que desta atividade resultar. Ocorre que a

lei não precisou quais atividades naturalmente desenvolvidas impliquem na

assunção de riscos, restando patente a necessidade de maior debate doutrinário e

jurisprudencial acerca do tema.

Existe, outrossim, corrente semelhante à anterior, embora de maior amplitude,

denominada de teoria do risco-criado. Para os adeptos dessa concepção, levando-

se em consideração que o homem, pelo próprio fato de agir, aufere e usufrui todas

as vantagens de sua atividade, criando riscos de prejuízos para os outros, deve este

deter a obrigação reparatória de eventuais ressarcimentos que se façam

_______________ 27

A respeito da teoria do risco, recomenda-se a leitura de vários artigos constantes no livro de DIAS, José de Aguiar. Responsabilidade civil: estudos e depoimentos no centenário do nascimento de José de Aguiar Dias (1906-2006). Rio de Janeiro: Forense, 2006.

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necessários, ficando isento somente por ocasião da prova de que tomou todas as

cautelas necessárias para evitá-lo. Caio Mário da Silva Pereira (2001, p. 284), ao

dissertar sobre a teoria do risco-criado, assim assevera:

Das modalidades de risco, eu me inclino pela subespécie que deu origem à teoria do risco criado. Como já mencionei, ao elaborar o Projeto de Código de Obrigações de 1965, defini-me por ela, no que fui seguido pelo Projeto de Código Civil de 1975 (Projeto 634-B). Depois de haver o art. 929 deste Projeto enunciado o dever ressarcitório fundado no conceito subjetivo, seu parágrafo único esposa a doutrina do risco criado, a dizer que, independentemente da culpa, e dos casos especificados em lei, haverá obrigação de reparar o dano ‗quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem‘.

Consoante a teoria do risco profissional, o dever de indenizar origina-se da

atividade ou profissão exercida regularmente pelo autor. Em outra senda, a teoria do

risco excepcional se verifica em consequência de uma situação excepcional de risco,

gravosa à coletividade, decorrente da exploração de atividades de alta

periculosidade.

Finalmente, ainda na mesma seara das teorias do risco, surge a teoria do risco

integral (espécie mais radical dentre todas), diferenciando-se das demais por não

admitir o rompimento do nexo causal, ou seja, refuta a oposição das excludentes do

dever de indenizar. Desta feita, para essa espécie de responsabilidade, basta a

ocorrência do dano para que exsurja a responsabilidade civil. Pouco importa se

houve culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, de força maior ou fato de terceiro.

No entendimento de Hely Lopes Meirelles (1994, p.557-558), a teoria do risco

compreende somente duas modalidades, quais sejam: a do risco administrativo e a

do risco integral. Enquanto a segunda não admite nenhuma das causas excludentes

da responsabilidade do Estado, como já explicitado acima, a primeira exonera o ente

estatal de qualquer ressarcimento no caso de culpa da vítima, culpa de terceiros e

força maior.

Vale ressaltar, contudo, que a maior parte da doutrina não faz tal distinção,

considerando as duas expressões – risco integral e risco administrativo – como

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sinônimas ou falando em risco administrativo como correspondendo ao acidente

administrativo.28

Prova disso é que mesmo dentre os autores que mencionam a teoria do risco

integral, admite-se a ocorrência de causas excludentes da responsabilidade.29

Yussef Said Cahali (2007, p. 40), apesar de explanar acerca das ideias defendidas

por Meirelles, critica a diferenciação feita por ele, sustentando que:

[...] a distinção entre risco administrativo e risco integral não é ali estabelecida em função de uma distinção conceitual ou ontológica entre as duas modalidades de risco pretendidas, mas simplesmente em função das conseqüências irrogadas a uma outra modalidade: o risco administrativo é qualificado pelo seu efeito de permitir contraprova de excludente de responsabilidade, efeito que seria inadmissível se qualificado como risco integral, sem que nada seja enunciado quanto à base ou natureza da distinção. [...] Deslocada a questão para o plano da causalidade, qualquer que seja a qualificação atribuída ao risco – risco integral, risco administrativo, risco proveito – aos tribunais se permite exclusão ou atenuação daquela responsabilidade do Estado quando fatores outros, voluntários ou não, tiverem prevalecido ou concorrido como causa da verificação do dano injusto.

De qualquer forma, vigora no país a teoria do risco administrativo, nos

seguintes moldes, bem explicitados por Cahali (2007, p. 42-43), a saber:

[...] a) se o dano é injusto, e, como tal, sujeito ao ressarcimento pela Fazenda Pública, se tem como causa exclusiva a atividade, ainda que regular, ou irregular da Administração; b) o dano deixa de qualificar-se juridicamente como injusto, e, como tal, não autoriza a indenização, se tem como causa exclusiva o fato da natureza, do próprio prejudicado ou de terceiro; c) o dano é injusto, mas sujeito à responsabilidade ressarcitória atenuada, se concorre com a atividade regular ou irregular da Administração, como causa, fato da natureza, do próprio prejudicado ou de terceiro.

Desta feita, conclui o autor afirmando que será no exame das causas do dano

injusto que se determinarão os casos de exclusão ou atenuação da responsabilidade

do ente estatal, sempre quando houver ausência de nexo de causalidade ou

causalidade concorrente na verificação do dano injusto passível de indenização. Isso

tende a amenizar a inconsistência da generalização irrefletida da teoria do risco

_______________ 28

Também conhecida como teoria da culpa do serviço ou da culpa administrativa, a qual procurava desvincular a responsabilidade do Estado da idéia de culpa do agente público. Passou-se a falar em culpa anônima do serviço público, quando não era possível a identificação da culpa individual do funcionário, que, caso fosse individualizada, faria com que ele próprio respondesse pelo dano gerado.

29 Vide Di Pietro (2004, p. 550-552).

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fundada na ocorrência de nexo de causalidade entre conduta estatal e prejuízo do

cidadão.

Com efeito, os Tribunais Pátrios vêm dando um tratamento equivocado à

configuração do nexo de causalidade, reconhecendo, com extrema facilidade, hipóteses

discutíveis de existência de nexo causal. Tal fator, somado ao imenso volume de

processos judiciais em curso, faz com que o Estado seja responsabilizado

indevidamente. Nesse sentido, adverte Gilmar Ferreira Mendes (2000, on line):

O Direito brasileiro, como é sabido por todos, aceita a teoria da responsabilidade objetiva do Estado. Mas será que isso quer dizer a responsabilidade do Poder Público por qualquer fato ou ato, comissivo ou omissivo no qual esteja envolvido, direta ou indiretamente? Qualquer acadêmico de Direito que tenha uma mínima noção dos requisitos para a configuração dessa responsabilidade civil sabe que não. Porém, alguns de nossos juristas e magistrados têm-se servido de um conceito amplíssimo de responsabilidade objetiva, levando às raias do esoterismo a exegese para a definição do nexo causal. [...] O cortejo de aberrações não termina, e esses pleitos, pulverizados dentro da brutal massa de processos judiciais em curso, passam despercebidos, arrimados freqüentemente em laudos e pareceres técnicos de duvidosa idoneidade.

Diante do exposto, afirma-se que a doutrina do risco administrativo, no afã de

buscar um fundamento para a responsabilidade do Estado, terminou, muitas vezes,

procedendo com generalizações descabidas, conduzindo a situações também

injustas e irrazoáveis, tudo no intuito de afastar a possibilidade de pesquisa sobre a

culpa, até mesmo porque este afastamento se impunha em muitos casos.

3.3 A responsabilidade civil do Estado

A responsabilidade civil do ente estatal pode ser de natureza contratual ou

extracontratual. Quando a responsabilidade civil do Estado for derivada de um

contrato, o dever de indenizar do Estado é imputado pela teoria da responsabilidade

subjetiva, ou seja, dependerá da verificação de dolo ou culpa (stricto sensu), nos

termos que dispõe a Lei de Licitações e Contratos da Administração (Lei n°

8.666/93). Referida matéria, pertencente à disciplina do Direito Administrativo, por se

tratar de contrato da administração, foge à seara da abordagem deste estudo.

A responsabilidade extracontratual interessará mais amiúde a este trabalho.

Importa no dever que tem o Estado de reparar os prejuízos causados aos

administrados, seja em razão de conduta comissiva, seja por conduta omissiva

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perpetrada no exercício das atividades públicas. Verificada a conduta de qualquer

pessoa jurídica de direito público ou de pessoa jurídica de direito privado no

exercício de funções ou atividades estatais, o dano ao particular, bem como o nexo

causal entre ambos, caberá ao Estado responder pelos danos causados.

Ressalte-se que o tema relativo à responsabilidade do Estado e de seus

agentes, conforme se verificará, encerra um amontoado de problemas, cujo trato, em

diversos casos, já foi objeto de ferrenhas discussões doutrinárias. Desde já, alerta-

se que o foco do trabalho voltou-se, mais especificamente, para a configuração dos

principais pontos da reparação dos prejuízos ocasionados pela conduta dos notários

e registradores (e seus prepostos), cuja análise mostra-se necessária para a

compreensão do regime jurídico respectivo.

3.3.1 Antecedentes históricos

A matéria da responsabilidade civil do Estado não é questão nova no Direito.

Mas é cediço que somente a partir de meados do século XIX tal questão passou a

ocupar local de destaque nas pautas dos grandes juristas.

Antes de proceder à análise da responsabilidade civil do Estado nos termos da

Consituição Federal de 1988, importa realizar uma digressão histórica acerca de sua

evolução e desenvolvimento ao longo dos tempos. Para esse fim, observam-se três

marcos históricos na evolução doutrinária, legal e jurisprudencial do instituto, todos

representativos de concepções distintas acerca da matéria.

Inicialmente, defendia-se o princípio da irresponsabilidade total. Yussef Said

Cahali (2007, p. 20-21) apresenta os principais postulados que se firmaram para

embasar a teoria da irresponsabilidade do Estado, a saber:

1) na soberania do Estado, que, por natureza irredutível, proíbe ou nega sua igualdade ao súdito, em qualquer nível de relação; a responsabilidade do soberano perante o súdito é impossível de ser reconhecida, pois envolveria uma contradição nos termos da equação; 2) segue-se que, representando o Estado soberano o direito organizado, não pode aquele aparecer como violador desse mesmo direito; 3) daí, os atos contrários à lei praticados pelos funcionários jamais podem ser considerados atos do Estado, devendo ser atribuídos pessoalmente àqueles, como praticados nomine proprio.

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Ora, tendo a teoria da irresponsabilidade do Estado se firmado na época dos

governos absolutistas,30 incabível seria a ideia de indenização de prejuízos causados

pelo ente estatal, uma vez que este era caracterizado por deter autoridade

incontestável perante seus súditos. A célebre frase The king can do no wrong ilustra

com sucesso esse período ao qual se reporta, segundo a qual o Rei não erra, não

faz o mal ou, ainda, o que agrada ao Príncipe tem valor de lei.

Não é demasiado lembrar que países como os Estados Unidos e a Inglaterra,

últimos países a sustentarem a teoria da irresponsabilidade estatal, acabaram por

abandoná-la, respectivamente, por meio do Federal Tort Claim Act (de 1946) e do

Crown Proceeding Act (de 1947), restando tal conceito totalmente superado.

Com a queda do Absolutismo,31 esse posicionamento evoluiu e passou-se a

entender que o Estado seria responsável pelos danos causados a terceiros pela

prática dos chamados atos de gestão, em contraponto com os atos de império. A

questão passou a ser posta sobre o terreno civilístico.32 (CAHALI, 2007, p. 22).

Di Pietro (2004, p.549-550) acentua que, numa primeira fase da teoria civilista,

distinguiam-se os atos de império dos atos de gestão. Com efeito, ao praticar atos

de império, gozaria a Administração de todas as prerrogativas e privilégios de

autoridade, uma vez que tais atos estariam estreitamente vinculados à soberania

estatal, razão pela qual aplicar-se-ia um direito especial, ficando o Estado, por

conseguinte, isento de responsabilidade. Por outro lado, no que diz respeito aos atos

de gestão, estes seriam praticados pela Administração em situação de igualdade

com os particulares (administrados). Como para os particulares vigorava a regra da

responsabilidade, nesse plano, onde vigorava o direito comum, o ente estatal seria

responsabilizado desde que houvesse culpa de seu agente.

_______________ 30

Até o século dezoito, o Estado não apresentava as mesmas características do Estado Moderno, cabendo ao Rei ou Imperador dirigir o ente estatal à moda absolutista. Somente eles podiam asseverar o que fosse bom para os súditos e estes se sujeitavam a todos os comandos dos soberanos, cujo poder absoluto fundamentava-se na teoria do Direito Divino, ou seja, os reis eram considerados representantes de Deus na Terra.

31 Os Estados Unidos, entretanto, não viveram o período absolutista, vez que já se organizaram com propostas liberal-democráticas.

32 Bandeira de Mello (2008, p. 992) lembra que o reconhecimento da responsabilidade do Estado, à margem de qualquer texto legislativo, teve como marco fundamental o famoso aresto Blanco, do Tribunal de Conflitos, proferido em 1° de fevereiro de 1873, ainda que nele tenha ficado fixado que a responsabilidade do Estado não é geral, nem absoluta, bem como que se regula através de regras especiais.

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136

A teoria civilista inicialmente proposta, embora tenha se consagrado por

representar o fim da irresponsabilidade estatal, acabou sendo superada em razão da

fragilidade de seus enunciados. Com efeito, seus opositores argumentavam que,

sendo o Estado uno e soberano, não se podia operar tal separação, uma vez que

mesmo ao praticar atos de gestão, agia o Poder Público, não na situação de

particular, mas sim objetivando a consecução dos fins que lhe eram próprios.

A partir de então, em um segundo momento da fase civilista de

responsabilidade estatal, passou-se a apregoar que o Estado deveria responder

pelos atos culposos ou dolosos de seus agentes. Era a teoria da culpa civil ou da

responsabilidade subjetiva.

Finalmente, em um terceiro momento dessa evolução histórica, a questão da

responsabilidade civil do Estado passou a ser encarada sob o prisma do direito

público, surgindo, assim, as teorias publicistas da responsabilidade do Estado. A

maneira como se estabeleceu essa publicização do instituto da responsabilidade civil

do Estado não apresenta contornos definidos. Acredita-se que, provavelmente, o

fenômeno tenha ocorrido em virtude da despersonalização da culpa, vez que, ante o

anonimato do agente, passou esta a ser considerada falha da máquina

administrativa. (CAHALI, 2007, p. 24-25).

Na tentativa de resolver a questão da responsabilidade civil do Estado,

surgiram três teorias distintas: a) a da culpa administrativa; b) a do risco

administrativo; e c) a do risco integral, todas elas provenientes de um único tronco

que lhe é comum – o da responsabilidade objetiva da Administração Pública –

embora apresentem variáveis concernentes ao seu fundamento e hipóteses de

aplicação. (STOCO, 2006, p. 958).

A teoria da culpa administrativa, culpa anônima ou da falha na Administração,

possui contornos civilistas, sendo, entretanto, mais abrangente, uma vez que não

demanda a identificação de uma culpa individual para deflagração da

responsabilidade civil do Estado. Nesse sentido, a ideia de culpa do agente estatal

é ultrapassada pela noção do que se denominava de faute du service, ou seja, culpa

ou falta do serviço. Dentro dessa concepção, o Estado repararia o dano sempre que

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fosse comprovado o mau funcionamento do serviço, bem como sua falta de

funcionamento ou funcionamento tardio.33

Todavia, essa teoria não possuía critérios objetivos, como apregoavam

alguns,34 sendo de cunho eminentemente subjetivista, conforme ressalta Celso

Antônio Bandeira de Mello (2008, p.993-994). Para o autor, faz-se mister ressaltar

que a responsabilidade por falta, falha ou culpa do serviço não se confunde com

nenhuma das modalidades de responsabilidade objetiva. Trata-se de

responsabilidade subjetiva porque baseada na noção de culpa (em sentido amplo),

uma vez que, para sua deflagração não basta a mera objetividade de um dano

relacionado com um serviço prestado pelo Estado, sendo, ao contrário, necessário

que exista o elemento da ―culpa‖, tipificador da responsabilidade subjetiva.

Já no final do século XIX, foi constatado que a exigência da prova da culpa por

parte da vítima da conduta danosa ocasionava sérios problemas, não garantindo a

reparação do prejuízo suportado. Em consequencia disso, esforços passaram a ser

concentrados no sentido de amenizar o ônus probatório imposto ao lesado, sem,

contudo, abolir formalmente tal instituto. Surgiam, assim, as primeiras teorias

preconizadoras de presunção de culpa por parte do ofensor pelos danos que sua

conduta viesse a ocasionar. Outra saída, consoante já explanado, foi operar a

transformação da culpa extracontratual em espécie contratual, de modo que certos

contratos fossem obrigados a gerar um resultado, bem como a consagração de uma

concepção objetiva de culpa (o que importou em revisão do próprio conceito primário

desta). (CALIXTO, 2008, p. 150-152).

Dessa forma, com relação ao ente estatal, assim como em outras áreas nas

quais o número de vítimas era imenso (mostrando-se evidente a dificuldade em

provar a culpa por parte do ofensor), o pressuposto da culpa, como condição da

responsabilidade civil, findou se demostrando como injustificável pela melhor

doutrina, mormente nos casos em que o conceito de culpa civilística, por si ambíguo,

_______________ 33

Nesse sentido, vide Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p.992). 34

Dentre eles o próprio Rui Stoco (2008, p. 958), como observado acima. Para referido doutrinador, a teoria da culpa administrativa representou um primeiro estágio de transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a tese objetiva do risco administrativo que a sucedeu. Segundo esta doutrina, não há de se indagar acerca da culpa do agente administrativo, mas tão-somente se houve falta objetiva do serviço em si mesmo, capaz de causar dano a outrem e gerar a obrigação de indenizar.

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já não restava suficiente para explicitar o dano que teria resultado de falha da

máquina administrativa, de culpa anônima da Administração. Em decorrência disso,

buscou-se suprir sua ineficiência através da concepção de uma culpa publicística.

(CAHALI, 2007, p.24).

Ainda que o conceito de culpa houvesse sofrido objetivação em seu conteúdo,

esta continuava a ser vista como elemento de responsabilidade civil, por isso

nomeada de subjetiva. Faltava, então, proclamar-lhe a extinção. Referida tarefa foi

abraçada pelo legislador, que passou a elaborar leis especiais que negavam o

elemento da ―culpa‖ como pressuposto da responsabilidade civil. Com o passar do

tempo, estas leis especiais tornaram-se numerosas, de modo que a

responsabilidade civil sem culpa, no século XX, veio a ser consagrada em alguns

Códigos Civis. Isso ocorreu com o Código Civil português de 1967, que serviu, em

muitos aspectos, de fonte inspiradora do Código Civil brasileiro, em vigência desde

11 de janeiro de 2003. (CALIXTO, 2008, p. 155-156).

Sendo assim, diante de tantos inconvenientes, foi proclamada a

responsabilidade objetiva do Estado, ou seja, independentemente da demonstração

de falta, culpa ou falha no serviço. Tal avanço se deu com base nos princípios da

equidade e da igualdade de ônus e encargos sociais, uma vez que ―se a atividade

administrativa do Estado é exercida em prol da coletividade, se traz benefícios para

todos, justo é, também, que todos respondam pelos seus ônus, a serem custeados

pelos impostos.‖ (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 231).

Nessa mesma linha de raciocínio, Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p.

1.108) observa que ―esta é a maneira de a comunidade absorver os prejuízos que

incidiram apenas sobre alguns, os lesados, mas que foram propiciados por

organizações constituídas em prol de todos‖. Na visão do doutrinador, muitas vezes,

os prejuízos decorrentes da ação estatal resultam de comportamentos produzidos no

intuito de desempenhar missões no interesse de toda a Sociedade, não se figurando

justo, portanto, que apenas um administrado, ou pequena parte deles, suporte sozinho

os danos suscitados em decorrência de atividades exercidas em proveito de todos.

Dentro do rol das teorias publicísticas, inseridas no campo da responsabilidade

objetiva, a do ―risco integral‖ apregoa que a Administração Pública estará obrigada a

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indenizar todo e qualquer dano, não sendo admitida a oposição de nenhuma das

excludentes de ilicitude, tais como culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força

maior. Trata-se de posição extremada e radical dentro da doutrina do risco

administrativo, tendo merecido repúdio da maioria dos estudiosos da matéria por

considerá-la inadmissível dentro de um Estado Democrático de Direito, haja vista o

excesso e a injustiça social que seu enunciado conduz.

Diante disso, consoante será visto adiante, na fase mais recente da evolução

havida nas teorias que dizem respeito à responsabilidade do Estado, formulou-se a

teoria do risco administrativo, baseada na teoria do risco, como já explanado neste

estudo, que a atividade pública, em suas multifacetadas atribuições, gera para os

administrados e na possibilidade de lhes causar danos. Ainda que caiba ao Estado

atuar em prol de toda a coletividade, é possível que alguns particulares sofram

danos excepcionais, ou seja, que excedam os meros incômodos provenientes da

vida em sociedade, por conta da conduta de agentes estatais.

O ordenamento jurídico pátrio optou pela adoção dessa teoria - a do risco

administrativo. Essa espécie de teoria objetiva, embora dispense a prova da culpa

do agente administrativo, condiciona a responsabilidade civil do Estado à ocorrência

de alguma falha ou ao funcionamento defeituoso do serviço público, que o faça

situar como causa objetiva da lesão suportada pelo administrado (particular).

(CAHALI, 2007, p. 54).

Nesse sentido, como pondera Cahali (2007, p.54), embora não se mostre

necessária a demonstração de culpa ou dolo do agente público, há que se observar

o nexo de causalidade entre a conduta estatal e o dano suportado pelo particular.

Ademais, ―a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da

Administração, permite-lhe demonstrar a culpa da vítima, para excluir ou atenuar a

indenização.‖35

A discussão acerca do assunto será retomada por ocasião da análise

específica acerca do regime de responsabilidade civil a que estão adstritos os

titulares das serventias extrajudiciais não-oficializadas e o Estado, em virtude de

_______________ 35

SÃO PAULO. TJSP, 5ª Câmara, AC 75.017-1, rel. Octávio Stucchi, 26.08.1986. 5ª. CC: Responsabilidade civil da Fazenda Pública – Morte – Estrito cumprimento do dever legal pelo militar – Ação improcedente (28.02.1985, RJTJSP 95/119).

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prejuízos causados por aqueles (e seus prepostos), em decorrência de sua condição

de prestadores de serviços públicos.

3.3.2 A responsabilidade civil do Estado na CF de 1988

A primeira aparição da figura jurídica da responsabilidade civil do Estado de

que se tem notícia no Direito Pátrio ocorreu por ocasião do advento do Código Civil

de 1916,36 que assim prescrevia:

Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo conta os causadores do dano.

A responsabilidade estatal, àquela época, consoante se denota pela leitura do

dispositivo legal supracitado, baseava-se na teoria civilista, que exigia a presença do

elemento ―culpa‖ por parte do agente público que o representava, a fim de que

emergisse o dever de ressarcir.

A fase publicista da responsabilidade do ente estatal no Direito brasileiro se inicia

com a promulgação da Constituição Federal de 1946,37 uma vez que suas duas

antecessoras, promulgadas após o Código de Beviláqua (Constituição Federal de 1934

e 1937), mantiveram o critério subjetivo para aferição da responsabilidade do Estado.

Nesse sentido, após a instauração de uma nova ordem jurídica, em 1946, passou-

se a adotar a teoria do risco administrativo, cuja responsabilidade passava a ser

imputada por critérios objetivos, havendo para o ente estatal, entretanto, a possibilidade

de propor ação regressiva contra o agente público causador do dano, no caso de este

_______________ 36

Yussef Said Cahali (2007, p. 30) nos dá conta que ―embora omissa a respeito da responsabilidade civil do Estado, dispunha a Constituição Republicana de 1891, em seu art. 82, que ‗os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrerem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente os seus subalternos‘.‖

37 A Constituição Federal de 1946 previa a responsabilidade civil do Estado no art. 194: ―Art 194 - As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único - Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.‖

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ter agido com culpa em sentido estrito, bem como a possibilidade de exclusão da

responsabilidade em caso de culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior.38

Posteriormente, com a Carta magna de 1967, foi acrescentado o elemento

―dolo‖, que passou a constar expressamente na redação do art. 105 como apto a

ensejar o direito de regresso do Estado contra seu respectivo agente.

A Constituição brasileira, promulgada em 5 de outubro de 1988, denominada

de ―Constituição Cidadã‖, manteve a teoria do risco administrativo, inovando,

contudo, no sentido de prever expressamente a responsabilização objetiva também

das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público (fossem elas

permissionárias, concessionárias ou integrantes da Administração Pública indireta),

e não mais somente das pessoas jurídicas de direito público. Assim, o texto

constitucional atual preceitua, em seu art. 37, §6º, o seguinte:

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Mesmo no caso de o dano causado ao particular decorrer da atuação de

agentes pertencentes à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços

públicos, ainda assim, poderá o Estado ser responsabilizado.

A respeito disso, Gonçalves (2003, p. 176-177) aduz que tem sido decidido que

a pessoa jurídica de direito privado, na qualidade de concessionária de serviço

público, responderá de maneira direta e imediata pelos danos que as empresas

contratadas causarem aos particulares, não havendo necessidade de indagação

acerca da culpa ou do dolo, haja vista a respectiva responsabilidade estar ancorada

na culpa objetiva, surgindo pela simples ocorrência do fato lesivo, consoante

disposto no art. 37, § 6º da CF de 1988. Parece que o autor, ao concordar com a

tendência jurisprudencial, aceita que a responsabilidade da concessionária será

_______________ 38

A adoção dessa teoria tem prevalecido até hoje, como podemos observar através do entendimento reiterado do C. Supremo Tribunal Federal, propalado nos seguintes julgamentos: RE 318.725-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 16-12-08, 2ª Turma, DJE de 27-2-09; RE 238.453, voto do Min. Moreira Alves, julgamento em 12-11-02, DJ de 19-12-02); RE 109.615, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 28-5-96, DJ de 2-8-96; AI 636.814-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 22-5-07, DJ de 15-6-07.

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direta e imediata, sem, no entanto, opinar acerca da responsabilização subsidiária

do Estado em caso de insolvência daquela.

Cahali (2007, p. 124), por sua vez, entende que diante da prescrição contida no

art. 37, § 6º, da atual Constituição, o Poder Público responde objetivamente pelos

danos ocasionados pelas empresas concessionárias, em razão de ter havido,

presumivelmente, falha por parte da Administração na escolha da concessionária,

ou, ainda, na fiscalização de suas atividades (desde que o objeto da concessão

sejam atividades diretamente constitutivas do desempenho do serviço público).

Em sua explanação, Cahali (2007, p. 122) cita o entedimento discordante de

Celso Antônio Bandeira de Mello (1979, p. 57-58), para quem o Estado responderá

de maneira subsidiária, uma vez que foi ele quem procedeu com a transferência da

execução da atividade lesiva. Ora, segundo Bandeira de Mello, tendo tais atividades

natureza de serviço público, acarretam ao Estado o ônus de arcar com os prejuízos

delas advindos, nos casos de insolvência do concessionário, sob pena de ser a

vítima do dano obrigada a suportá-lo individualmente, o que seria um verdadeiro

retrocesso jurídico dentro do sistema de responsabilidade civil. Acerca da

subsidiariedade da responsabilidade estatal para o caso, exprime o seguinte:

Neste caso parece indubitável que o Estado terá que arcar com os ônus daí provenientes. Pode-se, então, falar em responsabilidade subsidiária (não solidária) existente em certos casos, isto é, naqueles em que os gravames suportados por terceiros hajam procedido do exercício, pelo concessionário, de uma atividade que envolveu poderes especificamente do Estado. É razoável, então, concluir que os danos resultantes de atividade diretamente constitutiva do desempenho do serviço, ainda que realizado de modo faltoso, acarretam, no caso de insolvência do concessionário, responsabilidade subsidiária do poder concedente. O fundamento dela está em que o dano foi efetuado por quem agia em nome do Estado e só pôde ocorrer em virtude de estar o concessionário no exercício de atividade e poderes incumbentes ao cedente. (Itálico original).

Ainda analisando o dispositivo constitucional em questão, embora alguns

doutrinadores sustentem serem ambas as modalidades de conduta (omissiva e

comissiva) aptas a ensejar a responsabilização objetiva do Estado, discorda-se desse

ponto de vista, acatando a orientação perfilhada pela corrente captaneada pelo

professor Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (2007, p. 487), para quem, nos casos de

atos omissivos, a imputação deverá fazer-se pela responsabilidade subjetiva.

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143

A esse respeito, Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p.1.004-1.007)

entende que se o Estado, devendo agir por imposição de lei, não o faz ou executa

de forma deficitária e ineficiente os serviços, adotando postura abaixo dos padrões

legais que normalmente deveriam caracterizá-lo, responderá pela negligência,

ineficiência ou incúria. Reversamente, não haveria que se falar em

responsabilização se, ainda que a atuação estatal tenha sido compatível com as

possibilidades de um serviço prestado de forma organizada e eficiente, não lhe seja

possível impedir o dano gerado por força alheia.39

O doutrinador mencionado no parágrafo anterior (2008, p.1.006), reportando-se

ao acima citado O. A. Bandeira de Mello (2007, p.487), defende que a responsabilidade

do Estado será objetiva no caso de comportamento danoso comissivo e subjetivo, caso

haja comportamente omissivo. Exemplifica que, ao contrário do que se observa com a

responsabilidade do Estado por comportamentos comissivos, no caso de omissão, a

questão não será decidida ou examinada pelo ângulo passivo da relação, mas sim pelo

polo ativo, sendo os caracteres da omissão estatal os indicadores se haverá (ou não)

responsabilidade. Desta feita, a responsabilidade estatal por atos omissivos só poderá

ocorrer na hipótese de culpa anônima, da organização e funcionamento do serviço, que

não funciona ou funciona de maneira errada ou em atraso, e atinge os usuários do

serviço ou terceiros nele interesados. O Supremo Tribunal Federal, mais de uma vez,

proferiu decisões nesse sentido:

Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, em sentido estrito, esta numa de suas três vertentes -- a negligência, a imperícia ou a imprudência -- não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. - A falta do serviço -- faute du service dos franceses -- não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. III. - Detento ferido por outro detento: responsabilidade civil do Estado: ocorrência da falta do serviço, com a culpa genérica do serviço público, por isso que o Estado deve zelar pela integridade física do preso. IV. - RE conhecido e provido. (RE 382054, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 03/08/2004, DJ 01-10-2004 PP-00037 EMENT VOL-02166-02 PP-00330 RT v. 94, n. 832, 2005, p. 157-164 RJADCOAS v. 62, 2005, p. 38-44 RTJ VOL 00192-01 PP-00356) Caso em que resultaram configurados não apenas a culpa dos agentes públicos na custódia do preso -- posto que, além de o terem recolhido à cela com excesso de lotação, não evitaram a introdução de arma no recinto -- mas também o nexo de causalidade entre a omissão culposa e o dano. Descabida a alegação de ofensa ao art. 37, § 6º, da CF. Recurso não

_______________ 39

No mesmo sentido, vide Maria Helena Diniz (2007, p.621-627).

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conhecido. (RE 170014, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 31/10/1997, DJ 13-02-1998 PP-00012 EMENT VOL-01898-03 PP-00633). Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, esta numa de suas três vertentes, a negligência, a imperícia ou a imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. A falta do serviço – faute du service dos franceses – não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. Latrocínio praticado por quadrilha da qual participava um apenado que fugira da prisão tempos antes: neste caso, não há falar em nexo de causalidade entre a fuga do apenado e o latrocínio. (RE 369.820, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 4-11-03, DJ de 27-2-04). No mesmo sentido: RE 395.942-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 16-12-08, 2ª Turma, DJE de 27-2-09.

Embora o entendimento no sentido de conferir responsabilidade subjetiva ao

Estado na hipótese de ressarcimento de danos ocasionados em virtude de

comportamento omissivo não esteja pacificado no âmbito da Corte Constitucional

brasileira, para Rui Stoco (2006, p. 961-962) esta é – de fato – a solução mais

adequada. Pondera que, embora a teoria objetiva venha se mostrando como uma

forte tendência no Direito brasileiro, o ordenamento jurídico local optou pela adoção

da culpa como fundamento e pressuposto da responsabilidade. Nesse sentido, o

critério objetivo de responsabilização, por ser medida excepcional, só poderá

preponderar quando houver previsão legal expressa ou, ainda, na condição de

exceção, no caso prescrito no parágrafo único do art. 927 do CC, qual seja: ―[...]

quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua

natureza, risco para os direitos de outrem.‖

Por outro lado, Carlos Roberto Gonçalves (2003, p.182) proporciona uma

solução intermediária, no sentido de qua a atividade administrativa aludida no art.

37, §6º, da Constituição Federal, abrange tanto a conduta comissiva quanto a

omissiva. No último caso, contudo, desde que a omissão se configure como causa

direta e imediata do dano. Tal entendimento se coaduna com vários julgados do

STF.40

_______________ 40

Nesse sentido: AI 577.908-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 30-9-08, DJE de 21-11-08; AI 718.202-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 28-4-09, 1ª Turma, DJE de 22-5-09;RE 573.595-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 24-6-08, DJE de 15-8-08;. RE 272.839, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 1º-2-05, DJ de 8-4-05; AI 512.698-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 13-12-05, DJ de 24-2-06; RE 283.989, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 28-5-02, DJ de 13-9-02; RE 237.561, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 18-11-01, DJ de 5-4-02.

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145

Finalmente, retomando o enfoque acerca da regra geral sobre a

responsabilidade do Estado, inserta no art. 37, §6º, da CF, existem outros exemplos

de diplomas legais que contêm previsão expressa de responsabilidade objetiva, tais

como a Lei do Meio Ambiente, a Lei dos Danos Nucleares, o Código de Defesa do

Consumidor, a Lei do Acidente de Trabalho, o Código Brasileiro de Aeronáutica,

dentre outros.

À guisa de confirmação do que foi explicitado no decorrer deste tópico, o Código

Civil de 2002 estabeleceu expressamente, na redação de seu art. 43, a

responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público, prescrevendo que:

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

Embora de grande valia a prescrição ali contida, tal não poderia ser diferente,

haja vista que o legislador ordinário não tinha como ir de encontro ao disposto no

texto constitucional, a quem deve obediência. Há quem sustente, como Di Pietro

(2004, p.553), que a norma civilista estaria defasada em relação à previsão

constitucional, uma vez que não fez referência às pessoas jurídicas de direito

privado prestadoras de serviço público.

Concluindo, não se pode deixar de abordar que a orientação do STF é no

sentido de ser possível à vítima acionar o agente público de maneira direta e

exclusiva, independentemente de se acionar o ente estatal, isoladamente ou em

litisconsórcio com aquele.41 Por outro lado, no que diz respeito aos atos judiciais ou

de outros agentes políticos, contudo, entende o Tribunal que a ação deverá ser

deduzida exclusivamente contra o Estado, e não contra o agente político.42

3.4 Sistema de responsabilidade civil dos notários e registradores

Em passagem anterior, já se afirmou que a prestação de serviço notarial e de

registro pode suscitar uma responsabilidade extracontratual, uma vez que o utente

_______________ 41

Em sentido contrário, ver Stoco (2006, p. 50-51), bem como acórdão proferido no RE 344.133, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 9-9-08, DJE de 14-11-08 (STF).

42 Vide: informativo do STF n° 263.

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não é parte de relação de contrato.43 Com efeito, ao dirigir-se a uma serventia

extrajudicial, o particular-usuário solicita a prática de determinado ato, visando ao

preenchimento de formalidades jurídicas e sociais, cabendo ao notário ou registrador

observar e cumprir o regramento legal e administrativo aplicável à espécie. Desta

maneira, não há liame obrigacional que vincule o tabelião ou registrador ao usuário

do serviço, tanto é que compete ao tabelião, por exemplo, no momento da feitura de

uma escritura pública, alertar ambas as partes sobre as consequências jurídicas de

seus atos, bem como prestar informações de maneira imparcial às mesmas.

Esse é o entendimento defendido por Caio Mário da Silva Pereira (2001, p.170-

171), para quem não há acordo de vontades na prestação de serviços notariais e de

registro. Sustenta o doutrinador que o que se pode vislumbrar, na verdade, é a

realização de um ato em decorrência da atribuição funcional destes profissionais, e

não o aperfeiçoamento de relação contratual entre o delegado da serventia notarial e

as partes envolvidas no negócio jurídico, como argumentam alguns.

Em sentido contrário, José de Aguiar Dias (1997, p. 303-304) advoga a tese de

que o fato de ser o notário um oficial público não afeta o lado contratual da questão,

embora reconheça que o caráter contratual da responsabilidade de notários e

registradores seja altamente contestado na doutrina pátria.44 Segue argumentando

que o notário deve agir no papel peculiar às suas funções, não podendo ser tomado

senão na qualidade de oficial público. Sendo assim, certo faz-se asseverar que as

partes firmam com o tabelião um contrato, cujo objeto é precisamente o exato

exercício de suas atribuições.

_______________ 43

No sentido de não serem os usuários dos serviços notariais e de registros vinculados aos delegatários das serventias por instrumento contratual, e sim em decorrência da lei, Hércules Benício (2005, p.119-122) assevera que se pode observar a íntima relação entre a natureza jurídica dos emolumentos cartorários e a característica extracontratual da responsabilidade civil dos tabeliães e registradores. Dá conta que, segundo dispõe o art. 8º da Lei nº 8.935/94: ―É livre a escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar de situação dos bens objeto do ato ou negócio‖. Assevera que a expressão ‗livre escolha de tabeliães de notas‘, a princípio, não sugere a existência de vínculo negocial entre o tabelião e o interessado pelo respectivo serviço, vez que aquele não tem autonomia para se recusar a praticar ato notarial solicitado pelo interessado, vez que deve agir com imparcialidade, bem como submete-se ―a um regime especial de remuneração (emolumentos fixados por lei, com obediência ao princípio da anterioridade)‖. (Grifo intencional). Cita, ao final, precedente jurisprudencial da lavra do Ministro Octávio Galloti, em voto relator do Recurso Extraordinário 178.236/RJ, ―[...] Não é de clientela — a relação entre o serventuário e o particular — [...] mas informada pelo caráter de autoridade, revestida pelo Estado de fé pública. Nem é de livre escolha a suposta freguesia, mas sempre cativa nos cartórios de registro e, freqüentemente, no de notas [...]‖.

44No mesmo sentido, defendendo a tese de que a relação existente entre notários e registradores é de cliente/prestador de serviços, vide Maria Helena Diniz (2007, p.288).

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Reputam-se certos os ensinamentos de Walter Ceneviva (2002, p.195), para

quem a relação havida entre os notários e registradores e seus respectivos clientes

não é de caráter contratual, mas decorrente da lei.

Mesmo na hipótese em que o usuário possa escolher livremente o profissional,

como é o caso dos tabeliães de notas, ainda assim não haverá contrato, uma vez

que somente eles e seus prepostos são autorizados a praticar os atos que a lei

atribui aos serviços de que são titulares.

Caio Mário da Silva Pereira (2001, p.251), já tantas vezes citado, demonstra

que existe uma tendência moderna em se criar uma categoria especial na qual

estaria inserida a responsabilidade decorrente da relação jurídica firmada entre os

titulares das serventias não-oficializadas e os cidadãos.

Tratar-se-ia de responsabilidade profissional, um tertium genus que assumiria

condições de um tipo especial de responsabilidade legal, vez que regida por

legislação especial.

Estando verificados os pontos básicos do sistema de responsabilidade civil, tais

como os pressupostos para sua existência, seus respectivos métodos de aferição

(subjetivo e objetivo), isso sem esquecer dos pontos cruciais acerca da

responsabilidade estatal decorrente de atos de seus agentes que, nessa qualidade,

causam prejuízos a terceiros, passa-se, pois, à análise de tais questões dentro do

arcabouço jurídico aplicável aos notários e registradores.

Considera-se que esta temática não vem sendo tratada com a devida atenção

pela doutrina e jurisprudência, razão pela qual objetiva-se contribuir com o

enriquecimento dos debates, bem como oferecer mais argumentos para reflexão dos

estudiosos da matéria.

3.4.1 Critérios para aferição da responsabilidade civil dos notários e registradores: uma análise fundamentada dos artigos 37, § 6º, e 236, §1°, da CF e o respectivo regramento infraconstitucional conferido à matéria

Sabendo-se que notários e registradores são profissionais do direito que

prestam serviço público, por delegação do Poder Estatal, consoante preleciona o art.

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236 da Constituição Federal, bem como que tais atividades consistem em serviços

colocados à disposição de toda a comunidade, organizados de forma técnica e

administrativa, cujo objetivo principal é garantir a eficácia e segurança das relações

negociais (e jurídicas como um todo), é induvidosa a possibilidade de indenização

dos usuários de tais serviços por danos sofridos em vista de sua execução.45

Não é demasiado ressaltar que a extensão da responsabilidade conferida aos

delegados de serventias extrajudicias não-oficializadas é proporcionalmente

compatível com a importância das atribuições jurídicas aos mesmos atribuídas. Após

a promulgação do texto constitucional de 1988, os serviços notariais e de registro se

afirmaram como funções de soberania política, ou seja, como verdadeiros serviços

públicos. (DIP, 2002, p. 81-82).

Nesse sentido, conclui-se que a falta praticada por um oficial de registros

públicos não se limitará a causar dano pessoal somente ao usuário do serviço. Ao

contrário, o fato irá repercurtir dentro da sociedade como um todo, causando o

desprestígio de todo o serviço delegado, bem como o alastramento da insegurança

no trabalho desses profissionais.

Este é o ponto nodal do presente estudo, a denominada ―responsabilidade civil

dos notários e registradores‖, cujo trato a Constituição Federal de 1988, no § 1° do

seu art. 236, remeteu para as vias ordinárias: ―§ 1º - Lei regulará as atividades,

disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e

de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.‖

Desta feita, em 18 de novembro de 1994, foi editada a Lei nº 8.935/94, com o

intuito de regulamentar o dispositivo constitucional acima transcrito. O respectivo art.

22 previu o seguinte:

Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos.

_______________ 45

O ressarcimento em comento envolve, inclusive, o dano moral, ocasionado em virtude de ato de tabelionato. Nesse sentido, julgamento do STF no AI 522.832-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 26-2-08, DJE de 28-3-08.

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A doutrina pátria, contudo, faz coro em afirmar que, com relação à

responsabilidade civil, bem como no que tange a outros pontos relevantes, referido

diploma legal não obteve êxito em seu primordial objetivo, qual seja, o de

estabelecer um sistema claro e seguro para ―regulamentar o art. 236 da Constituição

Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro‖, como consta da ementa

legislativa. Com efeito, apenas um artigo (art. 22) tratou de assunto imensamente

importante, como a responsabilidade civil.

Ademais, a redação defeituosa e truncada do texto legislativo deixou à mercê

de divergências doutrinárias diversas questões de primordial importância para o trato

da matéria. De fato, a partir de uma análise, ainda que perfunctória, dos precedentes

jurisprudenciais, vislumbra-se que a presente temática ainda se encontra distante de

ser pacificada.

A Lei n° 9.492/97 (Lei de Protestos) e o Código de Defesa do Consumidor, por

sua vez, trazem outros pontos polêmicos acerca do sistema de responsabilização

dos notários e registradores, notadamente este último diploma legal, no que se

refere à possibilidade ou não de sua aplicação para a atividade notarial e registral.

São essas vias que se pretende percorrer durante esta intervenção.

Desta feita, considerando que notários e registradores são profissionais do

direito que exercem função pública, ainda que em caráter privado, por intermédio da

delegação que lhes é conferida pelo ente estatal, resta indagar se deverão ser

considerados, para efeito de incidência do art. 37, §6°, da CF/88, como delegados

ou como agentes públicos, ou, ainda, se estariam submetidos a regramento

especial, haja vista o seu regime jurídico diferenciado e anômalo.

No primeiro caso, a responsabilidade dos mesmos seria direta, exclusiva (a

priori) e objetiva, tal como concessionários e permissionários de serviços públicos. A

responsabilidade do Estado somente apareceria em um segundo momento, em

caráter subsidiário, caso fosse demonstrada a insolvência do causador do dano. Ao

revés, sendo referidos profissionais encarados na condição de agentes públicos, a

responsabilidade seria subjetiva, perquirindo-se acerca da existência de dolo ou

culpa na conduta danosa, sendo a responsabilidade estatal solidária, com base no

dispositivo constitucional retroenfocado. Por outro lado, levando-se em consideração

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o caráter híbrido do regime jurídico no qual encontram-se inseridos os notários e

registradores públicos, aduz-se ser aplicável aos mesmos um regramento especial, o

qual pretende-se elucidar de maneira fundamentada nesta exposição.

É fundamental, porém, para a compreensão do sistema de responsabilidade

civil dos notários e registradores, quando do exercício de suas atribuições

funcionais, analisar a teoria que melhor se coaduna com as especificidades do

regime jurídico ao qual estão submetidos.

Desde o advento do texto constitucional, existem intensas discussões acerca

da natureza dessa responsabilidade, se objetiva ou subjetiva, havendo, por

conseguinte, posições doutrinárias e jurisprudenciais nos dois sentidos, ambas

sustentadas por renomados juristas e magistrados.

3.4.1.1 Adeptos da teoria objetiva para aferição da responsabilização civil dos notários e registradores

Para a corrente que defende a aplicação da teoria objetiva da responsabilidade

civil aos notários e registradores, esses profissionais responderão,

independentemente da demonstração de dolo ou culpa, pelo dano sofrido pelo

usuário, sendo suficiente apenas a prova, pela parte lesada, do liame causal entre a

conduta voluntária (comissiva ou omissiva) do delegado do serviço público (ou de

seus prepostos) e o resultado danoso. Não deverá existir, ainda, qualquer causa

excludente do nexo causal ou da conduta.

Os adeptos dessa posição fundamentam sua razão de ser com base na

semelhança existente entre a redação do art. 22 da Lei nº 8.935/94 e a do § 6°, art.

37, da Constituição Federal de 1988. Segundo atestam, em ambos os dispositivos

legais não há menção expressa de aplicação da responsabilidade objetiva. Devido a

isso, se a interpretação da previsão constitucional é no sentido de prevalecer a

teoria objetiva, outro não poderia ser o raciocínio no que tange ao artigo 22 da Lei

dos Notários e Registradores.

Tais fundamentos não parecem razoáveis, tanto é verdade que a Constituição

Federal, na redação do art. 236, § 1°, remeteu para a via ordinária a regulamentação

da disciplina da responsabilidade civil e criminal dos notários e registradores,

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demonstrando, claramente, ser diferente o regime jurídico desta categoria

profissional do que se aplica às pessoas jurídicas de direito público ou privado o

que, inclusive, já foi tema debatido no presente trabalho.

Acresce-se, ainda, que a responsabilidade civil objetiva não se presume. Dessa

forma, sua imputação não deverá ser efetivada através de emprego de analogia,

seja interpretativa ou integrativa, mas, ao revés, deverá decorrer expressamente de

lei ou da natureza da atividade, nos termos do art. 927, parágrafo único, do CCB (o

qual não se amolda aos serviços notariais e de registro).

Outrossim, é oportuno destacar que não se pode pretender equiparar o Estado,

detentor de poder e privilégios administrativos, ao agente público que o representa,

de modo que o método de extensão analógica46 não se aplicaria à presente hipótese,

devido à ausência do pressuposto primordial para sua efetivação, qual seja, a

existência de semelhança relevante entre os dois casos, ou seja, seria necessário

que existisse uma qualidade comum a ambos e que, como tal, se constituísse como

razão suficiente (ratio legis) para que fossem atribuídas aquelas e não outras

consequências ao caso objeto de regulamentação. (BOBBIO, 1999, p. 147-156).

Ademais, sustentam que a interpretação gramatical do art. 22 da LNR leva à

conclusão de que os elementos ―culpa e dolo‖ estariam presentes somente no final

do artigo. Tal situação corresponderia à faculdade de ação regressiva do titular da

delegação de registros públicos contra o preposto que houvesse agido com culpa

(em sentido amplo), demonstrando, portanto, a desnecessidade deste elemento na

responsabilização do titular da serventia, notário ou registrador.47

Argumentam que, em última análise, havendo lacuna no texto da Lei nº

8.935/94 que – como já abordado - não deixa claro qual o tipo de responsabilidade

aplicável aos notários e registradores, seria aplicável de maneira subsidiária o

_______________ 46

Norberto Bobbio (1999, p.147-156) ainda complementa seu pensamento no sentido de elucidar que o método da extensão analógica consiste na integração cumprida por meio da atribuição, ao caso não-regulamentado, das mesmas conseqüências jurídicas atribuídas ao caso regulamentado semelhante.

47 Compartilhando desse entendimento, Ivan Ricardo Sartori (2002, p.105), adverte que ―a responsabilidade funcional envolve tudo quanto a cargo do titular, salvo se afastado ou impedido [...]. E, não mencionado o art. 22, dolo ou culpa, somente o fazendo em relação aos prepostos, tem-se que reforçada a objetividade da responsabilidade dos notários e registradores, em consonância com o art. 37, § 6º, da CF.‖

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parágrafo único do art. 927 do CCB, que traz em seu bojo a proclamada teoria do

risco.48

Assim, defendem que o tabelião ou registrador, no desempenho de suas

atividades, criam risco de dano aos utentes de seus serviços, razão pela qual

entendem ser de bom alvitre enquadrá-los dentro da teoria do risco, consagrada no

dispositivo acima citado, constante do CCB, aplicando-se a teoria da

responsabilidade objetiva.

Com efeito, caso se concorde com o fato de ser a Lei dos Notários e

Registradores omissa a respeito do critério de aferição da responsabilidade desses

profissionais (hipótese que é cogitada apenas por amor ao argumento), ainda assim

cabe fazer algumas ponderações: Primeiramente, acredita-se que as atividades

notariais e registrais não encerram o perigo excepcional contido no comando

normativo ensejador da responsabilidade objetiva; inscreve-se como outro ponto de

relevância para o assunto, o fato de o Código Civil ser lei geral e, nesse sentido, não

ter o condão de revogar as normas específicas sobre a matéria (Lei nº 6.015/73,

arts. 28 e 157, e Lei nº 9.492/97, art. 38).49

Ainda tratando dos argumentos utilizados em prol da aplicação da teoria

objetiva, seus seguidores complementam a tese levantada comparando a redação

do art. 22 da Lei nº 8.935/94 com a do art. 28 da Lei nº 6.015/73, afirmando que

caso o legislador quisesse conferir o modelo subjetivo para aferição da

responsabilidade civil dos notários e registradores, teria mantido a forma prescrita

nesta última, Lei de Registros Públicos:

Lei. 9835/94 - Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos. Lei. 6015/73 - Art.28. Além dos casos expressamente consignados, os oficiais são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que, pessoalmente, ou pelos prepostos ou substitutos que indicarem, causarem, por culpa ou dolo, aos interessados no registro.

_______________ 48

―Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.‖

49 Tais dispositivos legais prevêem expressamente a responsabilidade subjetiva, fundada na culpa lato sensu.

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Décio Antônio Erpen (1999, p.103-115), rebatendo os argumentos, por ele

julgados inconsistentes, declara que:

O fato de não haver sido reiterada a redação na Lei 8.935/94, em absoluto, faz crer que houvesse sido alterado o regime jurídico da responsabilidade. O novo regramento constitucional não veio para agravar a posição dos titulares dos ofícios, nem para o Estado se desonerar dela, transferindo-a para o delegado. Para haver a responsabilidade civil, há que haver o dano, o nexo causal e o ato falho consistente no dolo ou na culpa do Notário ou Registrador.

Aduz que tal premissa não se mostra válida porque o art. 22 da LNR prevê que

―os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus

prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado

aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos‖. Dessa

forma, iguala-os, fato que não se observa na redação do art. 37, § 6º, da CF.

Consigna, outrossim, que quando se refere à ―prática de atos próprios da serventia‖,

pressupõe, necessariamente, atos equivocados, seja por ação ou omissão,

concluindo que a previsão do direito de regresso seria perfeitamente descartável, eis

que já adviria da regra geral do regime de responsabilidade adotado pelo sistema

jurídico pátrio.50

Rui Stoco (2006, p.576-578), ferrenho defensor da responsabilização subjetiva

dos notários e registradores, aduz que, pensar em sentido contrário, redundaria em

ofensa ao princípio da isonomia, uma vez que se todos os servidores públicos ou

agentes públicos típicos, por equiparação, ou particulares que exercem atividade

pública por delegação do Estado, só respondem em face da culpa aquiliana, não há

como se justificar a imposição do modo objetivo de aferição de responsabilidade

apenas a um segmento da atividade administrativa do Estado, ou seja, aos notários

e registradores.

_______________ 50

Ricardo Dip (2002, p. 90-91), seguindo a mesma linha de raciocínio, assevera que o art. 22 da Lei nº 8.935/94 não conflita com a norma inserida no art. 28 da Lei 6.015/73, que proclama a teoria da responsabilidade subjetiva de notários e registradores, uma vez que não indica a espécie fundacional da responsabilização objeto, apenas preconizando a responsabilidade direta desses profissionais, pelos atos próprios e de seus prepostos, contra esses assegurado o direito de regresso no caso de dolo ou culpa. Desta forma, o que o artigo da Lei dos Notários e Registradores traria de novo com relação à Lei de Registros Públicos seria, tão-somente, a opção legislativa em responsabilizar diretamente o titular da delegação (sem cabimento de responsabilidade solidária do Estado, salvo a subsidiária no caso de insolvência do tabelião ou registrador).

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Lembra, ainda, que a redação do art. 22 da LNR não conflitua com o prescrito

no § 6º, art. 37, da CF, na medida em que de sua exegese não se conclui a adoção

da teoria da responsabilidade objetiva desses agentes delegados do serviço público,

asseverando que ―um texto de lei ordinária não pode ser interpretado pelo que nele

não se contém, se dessa exegese decorre situação gravosa.‖

Em sentido contrário, Yussef Said Cahali (2007, p.263-264) evidencia a

questão sintetizando que, a teor da novel sistematização constitucional e legal,

notários e registradores não mais se enquadram como simples agentes do Poder

Público, que responderiam pelos danos causados apenas se tivessem procedido

com culpa ou dolo.51 Segundo ele, a teor do art. 37, § 6º, da CF e da legislação

infraconstitucional ajustada aos seus enunciados, a responsabilidade civil dos

notários e registradores define-se como sendo igualmente objetiva, a prescindir de

qualquer perquirição acerca do elemento subjetivo do dolo ou culpa, sua ou de seus

prepostos, bastando para sua configuração a prova do nexo causal entre a conduta

do oficial e o dano experimentado pelo usuário do serviço ou terceiros.

Na mesma esteira de pensamento, Maria Helena Diniz (2007, p.294) defende

que o art. 236, § 1º, por ser norma especial, prevalecerá diante do art. 37, § 6º,

ambos do texto constitucional, podendo, por conseguinte, haver responsabilização

do oficial de registros públicos por atos por ele praticados ou pelos escreventes

autorizados, com seu próprio patrimônio, nos termos do art. 942, parágrafo único do

CCB c/c art. 22 da Lei 8.935/94.

Referida teoria, embora ainda minoritária, vem crescendo em demasia nos

Tribunais pátrios, havendo decisão nesse sentido até mesmo no âmbito do Supremo

Tribunal Federal:

RESPONSABILIDADE OBJETIVA - ESTADO - RECONHECIMENTO DE FIRMA - CARTÓRIO OFICIALIZADO. Responde o Estado pelos danos causados em razão de reconhecimento de firma considerada assinatura falsa. Em se tratando de atividade cartorária exercida à luz do artigo 236 da Constituição Federal, a responsabilidade objetiva é do notário, no que

_______________ 51

Nesse sentido, Ivan Ricardo Garisio Sartori (2002, p.104) defende que, com a delegação que lhes é outorgada, tabeliães e oficiais de registro passam a fazer a vez do próprio Estado, haja vista que, embora de titularidade do Poder Público, ante o comando constitucional inserido no art. 236, não pode este explorar tais atividades de maneira direta. Nesse contexto, estabelece que notários e registradores enquadram-se na primeira parte do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, ou seja, na categoria de ―prestadoras de serviço público‖, tendo, portanto, que responder objetivamente pelos danos causados aos particulares usuários dos serviços delegados.

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assume posição semelhante à das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos - § 6º do artigo 37 também da Carta da República. (RE 201595, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 28/11/2000, DJ 20-04-2001 PP-00138 EMENT VOL-02027-09 PP-01896) (Grifo intencional).

Opina-se no sentido de que tais fundamentos não devem prosperar, haja vista

estarem embasados em equivocada interpretação dos dispositivos constitucionais

em análise. Como já demonstrado, existe dispositivo constitucional específico a

respeito dos delegados titulares de serventias extrajudiciais não oficializadas, qual

seja, art. 236, § 1º, da CF de 1988. É justamente nessa previsão, e não em qualquer

outra, que se encontra a base legal esclarecedora da responsabilidade civil dos

oficiais de registros públicos.

Observa-se, ainda, que tal regra perfaz-se em dispositivo constitucional de

eficácia limitada, tendo o constituinte originário conferido ampla margem de atuação

ao legislador ordinário federal, nos termos estabelecidos pela lei. Desta forma, ante

o comando constitucional, poderia ter sido a responsabilidade dos notários e

registradores fixada em parâmetros objetivos ou subjetivos, desde que houvesse

razoabilidade normativa para tanto. A escolha do legislador dependeria, nesse

diapasão, de uma conjuntura política e social, existente no momento da aprovação

do diploma legal.

Será abordado no tópico seguinte que, diante do regime jurídico híbrido a que

estão submetidos os notários e registradores, bem como tendo em vista a natureza

das atividades notariais e registrais exercidas nas serventias extrajudiciais, a

responsabilidade desses profissionais do direito deverá ser aferida com base em

critérios subjetivos. Posteriormente, será analisada a responsabilidade do ente

estatal, bem como a temática acerca do dever de esse responder (ou não)

diretamente por atos praticados em cartórios não-oficializados (pelos notários e

registradores ou por prepostos por eles contratados), nunca perdendo de vista as

especificidades que circundam a disciplina legal relativa a esta categoria profissional.

3.4.1.2 Adeptos da teoria subjetiva para aferição da responsabilização civil dos notários e registradores

Em sentido contrário ao disposto no tópico anterior, existe forte corrente

doutrinária e jurisprudencial que defende a aplicação da teoria da responsabilidade

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civil subjetiva aos tabeliães e oficiais de registro. Para os seguidores dessa

tendência, a responsabilização civil destes profissionais estaria a depender da

demonstração da culpa do agente e/ou de seus prepostos, afora todos os requisitos

observados no caso do critério objetivo (conduta voluntária - comissiva ou omissiva -

do delegado do serviço público ou de seus prepostos; resultado danoso e o liame

causal entre o dano experimentado e a conduta perpetrada.

Reitera-se que o principal fundamento utilizado pela maioria dos adeptos deste

entendimento surge da análise hermenêutica do art. 22 da Lei dos Notários e

Registradores. Segundo eles, o real sentido do referido dispositivo legal só poderia

ser alcançado caso fosse ele interpretado em consonância com o art. 37, § 6º , da

CF/88. Afirmam que a conjugação interpretativa de tais artigos estabeleceu uma

cadeia de direito de regresso. Desta feita, o Estado responderia objetivamente frente

ao lesado e, em momento posterior, teria direito de regresso frente ao notário ou

registrador em caso de dolo ou culpa de seu agente que, por sua vez, poderia se

voltar contra seu funcionário, também em caso de comprovação de conduta dolosa

ou culposa deste, a fim de ver ressarcido seu prejuízo.

Rui Stoco (2006, p.577) não hesita em afirmar que, nos termos extraídos pela

análise do art. 22 da Lei nº 8.935/94, do art. 38 da Lei nº 9.492/97 e do § 6º do art.

37 da Constituição Federal, os notários e registadores responderão, na via

regressiva, perante o Poder Público, pelos danos que seus prepostos – culposa ou

dolosamente - causem a terceiros, tendo os mesmos o direito de propor ação

regressiva em face do funcionário que ocasionou diretamente o prejuízo. Pondera

ainda que não há óbice para que o lesado ajuize ação diretamente contra o titular da

serventia, desde que esteja disposto a provar-lhe a culpa (em sentido amplo), uma

vez que contra o Estado estaria dispensado desse ônus probatório.

Nesse sentido, vem sendo o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, ou

seja, reconhecendo a ―cadeia de direito de regresso‖, bem como a responsabilidade

subjetiva dos notários e oficiais de registro. Transcreve-se trecho do acórdão

proferido naquela Corte:

Ao apreciar o recurso, proferi a seguinte decisão: ―DECISÃO: [...] Nesses termos é oportuno lembrar que os tabeliães são pessoas físicas, são Agentes Públicos, e como tal, prestam serviços para o Estado, sob a fiscalização deste, portanto é o Estado que deverá responder pelos

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danos que esses Agentes causarem a terceiros.' A Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Cureau, em parecer de fls. 294-296, citando precedentes desta Corte, manifestou-se pelo provimento do recurso nos seguintes termos: 'RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INDENIZAÇÃO. ATO NOTARIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. I - O PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA PREVISTO NO ART. 37, § 6o, DA CF APLICA-SE TAMBÉM AOS AGENTES PÚBLICOS DELEGADOS. OS TITULARES DAS SERVENTIAS DE NOTAS E REGISTROS SÃO SERVIDORES PÚBLICOS EM SENTIDO AMPLO. PRECEDENTES. II - PARECER PELO PROVIMENTO.' O acórdão recorrido extraordinariamente divergiu da jurisprudência desta Corte no sentido da responsabilidade civil do Estado por dano causado por tabeliães. Nesse sentido, o AgRRE 209.354, 2a T., Rel. Carlos Velloso, DJ 16.04.99, assim ementado: 'EMENTA: - CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. TABELIÃO. TITULARES DE OFÍCIO DE JUSTIÇA: RESPONSABILIDADE CIVIL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. C.F. , art. 37, § 6º. I. - Natureza estatal das atividades exercidas pelos serventuários titulares de cartórios e registros extrajudiciais, exercidas em caráter privado, por delegação do Poder Público. Responsabilidade objetiva do Estado pelos danos praticados a terceiros por esses servidores no exercício de tais funções, assegurado o direito de regresso contra o notário, nos casos de dolo ou culpa (C.F., art. 37, § 6º). II. - Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido.' No mesmo sentido, o RE 201.595, 2a T., Rel. Marco Aurélio, DJ 20.04.01, o RE 175.739, 2a T., Rel. Marco Aurélio, 26.02.99, o RE 116.662, 1a T., Rel. Moreira Alves, DJ 16.10.98 e o RE 187.753, 1a T., Rel. Ilmar Galvão, DJ 13.08.99. E, monocraticamente, o RE 229.974, Rel. Néri da Silveira, DJ 12.11.01. Assim, conheço e dou provimento ao recurso extraordinário (art. 557, § 1º-A, do CPC). Restabeleço os ônus da sucumbência fixados na sentença.‖ [...] Com o provimento do recurso extraordinário na decisão agravada, concluiu-se pela legitimidade do Estado para a causa. Sendo assim, reconsidero a decisão agravada e, desde logo, mantenho o provimento do recurso e determino o retorno dos autos ao Tribunal de origem para o prosseguimento do julgamento. Publique-se. Brasília, 18 de fevereiro de

2008. Ministro GILMAR MENDES Relator Documento assinado digitalmente. (RE 330395 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 18/02/2008, publicado em DJe-043 DIVULG 10/03/2008 PUBLIC 11/03/2008). (Grifo intencional).

Assim, na esteira desse pensamento, continua-se a citar Décio Antônio Erpen

(2006, p. 50-52), para quem o preceito contido no § 6º do art. 37 da CF não se aplica

aos notários e registradores, uma vez que não se cuida de serviço público de ordem

material da Administração Pública (direta ou indireta), mas sim de atividade atípica,

com regramento próprio e específico, uma vez que o texto constitucional, em seu art.

236, § 1º, remeteu para a via ordinária o trato de referida questão. Ademais, caso o

constituinte pretendesse situar tais atividades como serviços públicos, enquadraria as

mesmas no Capítulo próprio, qual seja, o ―Da Administração Pública.‖

Nesse sentido, o autor sintetiza as razões pelas quais, segundo ele, mostra-se

inconcebível a adoção do critério objetivo para aferição da responsabilidade civil dos

notários e registradores, embora advogue a tese de responsabilidade direta e

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exclusiva desses profissionais, devendo o Estado responder apenas de maneira

subsidiária, em casos de insolvência daqueles. Vale a transcrição:

Não consigo encontrar supedâneo jurídico para responsabilizar o Notário ou o Registrador que agiu, rigorosamente, dentro do estrito dever legal, e se seu ato vier a causar prejuízo a outrem. Ele não responde pelas falhas do sistema que ele não erigiu. Quando ele assumiu sua função, prestou juramento de cumprir a lei e as normas. Paga pelos atos posteriores, sem compromisso com o passado. Não existe, nesta área, a figura da sucessão. Pelo seu fiel cumprimento não pode responder. A prevalecer a tese da responsabilidade objetiva da atividade, chegaríamos a este extremo. Deve-se perquirir, caso a caso, se a falha adveio em razão do mau desempenho ou da falta de cuidados. Isso importa em presumir o dolo ou a culpa (imperícia, imprudência ou negligência). E quando se aplica a responsabilidade objetiva, tal exame inexiste. [...] Como na responsabilidade objetiva não se analisa, para fins de incidência, se houve má programação ou má execução dos serviços, os Notários e Registradores, no caso de ausência do elemento subjetivo na fase de execução, seriam responsabilizados pela má programação dos serviços, e na qual não intervieram. E para qualificar os serviços, o único vetor é a lei (por extensão os atos normativos que se inspiram nela). Se proclamarmos que inexiste responsabilidade pelas falhas do sistema, mas somente pela má execução da atividade, estaremos afastando a teoria objetiva.

A este propósito, Sonia Marilda Péres Alves (2002, p.96-97) sustenta que o art.

22 da Lei nº 8.935/94 disciplinou a responsabilidade civil dos notários e

registradores, levando o Estado a responder civilmente pelos danos que notários,

oficiais de registro e seus prepostos, nessa qualidade, causarem a terceiros.

Referida previsão legal inova, tão somente, no sentido de atribuir legitimação

extraordinária a esses profissionais, a fim de que possam figurar diretamente no polo

passivo de demandas ressarcitórias, em virtude de danos ocasionados por atos

praticados no exercício das atribuições dos serviços notariais e de registro, não só

por atos próprios, como também em virtude de conduta de seus prepostos. Nesse

caso, bem como na hipótese de a ação se voltar contra a pessoa física do

serventuário em decorrência do exercício do direito de regresso pela Fazenda

Pública, só por dolo ou culpa poderão os oficiais de registro serem

responsabilizados.

Ressalta a autora acima citada que os notários e registradores, bem como seus

prepostos, ainda que venham a causar dano a outrem, deverão ser isentos de

qualquer responsabilidade caso estejam agindo em rigorosa conformidade com o

sistema normativo, uma vez que não podem responder pelas falhas do sistema que

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lhes é imposto52, sustentando, ainda, que o art. 37, §6º, da Constituição Federal

somente se aplica às pessoas jurídicas e não às pessoas físicas, como de fato são

os notários e registradores.53 Oportunas as palavras da autora:

O § 6.º do art. 37 da CF direciona-se, tão-somente, às pessoas jurídicas, de direito público ou privado. Ora, Serventia não é pessoa jurídica – não é empresa. A afirmação torna-se inequívoca pela análise da relação jurídica existente entre o titular da Serventia e o Estado ou mesmo porque a organização é regulada por lei e os serviços prestados ficam sujeitos ao controle e fiscalização do Poder Judiciário. Ainda, Serventia não tem capacidade processual, não tem patrimônio, não tem personalidade jurídica, a qual só se adquire com o registro dos atos constitutivos na Junta Comercial ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, de acordo com o Código Civil em vigor (arts. 16 e 18) e com o novo (arts. 44 e 45). A esse propósito, salienta-se: na letra h, item 1, da Guia do Contribuinte – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ, consta: serviços notariais e registrais não são caracterizados como pessoa jurídica. A Serventia, como o Espólio, o Condomínio e a Massa Falida constituem ficção jurídica. (ALVES, 2002, p.97).

Ricardo Dip (2002, p. 89-91), emérito defensor da aplicação da teoria subjetiva

para definição da responsabilidade civil dos tabeliães e oficiais de registro, também

sustenta ser a delegação referível à pessoa física, não sendo atividade própria de

pessoa coletiva. Para o doutrinador, compete ao notário, e não propriamente ao

tabelionato de notas, ―formalizar juridicamente a vontade das partes‖, bem como

―autenticar fatos‖. Com efeito, é do registrador, e não do Ofício de Registros, a

competência para ―a prática dos atos relacionados na legislação petinente aos

registros públicos.‖54

Afirma tratar-se o registrador de uma pessoa física privada, um profissional do

direito que exerce, em nome próprio, o serviço registrário que lhe é delegado pelo

Poder Público, desde que – previamente – tenha obtido êxito em prévio concurso

_______________ 52

Esse é o pensamento também de Erpen (2006, p.53-54) para quem, notários e registradores, caso estejam fiéis ao cumprimento da lei e das normas superiores e, ainda assim, venham a causar dano a uma pessoa, estarão isentos de sua responsabilização. Neste caso, a responsabilidade, decorrente do sistema, será direta e exclusiva do Estado-legislador ou do Estado-corregedor. Argumenta, ainda, que em se tratando de má-execução nos serviços notariais e de registro, não haverá dificuldade alguma na identificação do agente causador do dano, a fim de que se possa lhe atribuir responsabilidade, caso fique provado o dolo ou a culpa, uma vez ser da natureza de tais serviços certificar a data em que se pratica o ato, bem como identificar o agente que praticou o ato. Dessa forma, refutável é a tese dos que argumentam a necessidade de utilização da teoria da culpa anônima como modo de aplicação da teoria da responsabilidade objetiva.

53 Em sentido contrário, Ana Cristina de Souza Maia (2002, on line) afirma que ―é importante notar que não só as pessoas jurídicas de direito privado, mas também as pessoas físicas estão sujeitas à incidência da responsabilidade objetiva. Para isso basta que estejam exercendo função de natureza pública delegada pelo Estado‖, complementando que é justamente aí que se enquadram os notários e registradores.

54 Vide artigos 6° e 12° da Lei 8.935/94.

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público. Sendo assim, conclui, igualmente, pela não aplicabilidade da norma contida

no § 6º, art. 37, da Constituição Federal, uma vez que o dispositivo constitucional em

exame refere-se às pessoas jurídicas, quer sejam elas de direito público ou privado.

Por sua vez, Walter Ceneviva (2008, p. 60), também em defesa da tese de

aplicabilidade da teoria subjetiva, observa que seja qual for o nome dado à serventia

extrajudicial (tais como cartório, ofício, dentre outros), esta não é pessoa jurídica,

como, inclusive, já abordado em momento pretérito, não tendo personalidade jurídica

– sendo tal atributo do ente estatal - embora possa tê-la tributária ou judiciária.

Para o doutrinador, entretanto, ao contrário do que defendem alguns, o

legislador constituinte, ao proclamar a regra da responsabilidade do Estado no art.

37, §6º, da CF, estendeu o adjetivo ―jurídicas‖ às pessoas de direito privado, sem, no

entanto, excluir desta última categoria as pessoas físicas. Adverte que caso a

intenção legislativa fosse o de englobar apenas as pessoas jurídicas de direito

privado, não haveria necessidade da construção gramatical adotada, pois indicaria

pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado prestadoras de serviços

públicos, usando a conjunção alternativa e não a aditiva.

Outra acepção é fornecida por Regnoberto Marques de Melo Júnior (1998, p.

172-173) que, ao proclamar sua filiação à teoria subjetiva, sintetiza seu pensamento

ao concluir que sendo o notário agente e não Estado, não responderá objetivamente

pelos danos causados aos usuários dos serviços e terceiros:

[...] a responsabilidade OBJETIVA, decorrente da Lei, é incompatível com a ‗personalização‘ da culpabilidade. Em outras palavras, a responsabilidade notarial só nasce havendo a relação de causalidade entre o dano e a ação ou omissão POR ELE (ou representante) DADO CAUSA. Ora, não pode haver sanção sem ato ou fato normado, nem norma sem fim (finalidade protetiva de determinado bem (valor) jurídico). Se a responsabilidade depende de causa, e a causa depende da prova da ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente, é óbvia a conclusão que só há falar em responder quem desencadeou o prejuízo. Em prejuízo que não há autor, como se responsabilizar? Esse raciocínio encaixar-se-ia ao art. 22, da nossa Lei nº 8.935/94. Por que o discrímine de o preposto, porventura causador do gravame que enseja a responsabilidade, responder somente em caso de dolo ou culpa, e o notário, ao contrário, responder, sic et simpliciter, objetivamente, pela só condição de deter a titulatura da delegação. Por fim, porque desceremos a detalhes um pouco mais extensos, o notário não é Estado, é agente, e, como tal, não responde objetivamente por danos.

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Com relação ao comando legal inserto no parágrafo único do art. 927 do CCB,

que traz em seu bojo a proclamada teoria do risco, entende-se que não se enquadra

ao caso dos serviços notariais e de registros. Pelo contrário, argumentar que se

aplicaria o dispositivo acima pelo fato de ser tais atividades, por sua natureza e

desenvolvimento regular, causadoras de riscos, seria negar a própria razão de

existência das mesmas, bem como desprezar seus princípios basilares.55

Com efeito, os atos praticados pelos tabeliães e registradores, na condição de

profissionais do direito que são, almejam justamente o contrário, ou seja, visam a

proporcionar segurança, eficácia, autenticidade, publicidade e fé pública aos fatos,

atos e negócios jurídicos. Dessa forma, a prestação de tais serviços, por si só, não

constitui atividade perigosa, a justificar a aplicação do dispositivo supra.

Ademais, mister se faz ressaltar que a Lei nº 8.935/94 foi editada justamente

com vistas a cumprir o comando constitucional inserido na redação do art. 236, § 1º,

da CF de 1988, devendo, pois, ser ela a aplicável para a disciplina da

responsabilidade civil dos notários e oficiais de registro, e não o novel Código Civil,

para fins de buscar a melhor hermenêutica pela via do critério da especialidade.

Por derradeiro, crumpre destacar outra questão de fundamental relevância para

o debate do presente tema e que acaba por fulminar a pretensão de fazer incidir o

art. 37, § 6º, da Constituição Federal ao caso dos notários e registradores, no

sentido de lhes aplicar o critério objetivo para aferição da responsabilidade civil:

trata-se da análise acerca da responsabilidade civil dos tabeliães de protestos de

títulos e outros documentos de dívidas.

O art. 38 da Lei 9.492/97 possui a seguinte redação: ―Os Tabeliães de Protesto

de Títulos são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem, por

culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou Escreventes que

autorizarem, assegurado o direito de regresso‖. Dúvidas não pairam diante da

_______________ 55

Embora a teoria da imputação objetiva e a teoria da responsabilidade objetiva tenham âmbitos de atuação distintos, vez que a primeira está ligada ao Direito Penal, mais especificamente à Teoria do Delito, enquanto a segunda encontra guarida no Direito Civil e outros ramos não criminais (tais como Direito Ambiental, Responsabilidade Civil da Administração Pública etc.), ambas derivam seus conceitos básicos acerca do que seja ―risco‖ de uma fonte que lhes é comum, ―de natureza sócio – econômico – cultural, qual seja, a constatação de que se vive modernamente numa chamada ‗Sociedade de Riscos‘, cabendo ao mundo jurídico enfrentar os novos desafios dessa realidade.‖ (CABETTE, 2006, on line).

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clareza com a qual se reveste a redação do mencionado artigo, no sentido de

atribuir responsabilidade subjetiva aos tabeliães de protesto de títulos. Vale

ressaltar, por oportuno, que esta lei é posterior à Lei nº 8.935/94.

Dessa forma, se o fundamento dos que entendem ser objetiva a

responsabilidade civil dos oficiais de registros públicos estiver baseado no art. 37, §

6º da CF, tem-se que não se poderia admitir exceção infraconstitucional com relação

– somente – aos tabeliães de protesto de títulos e outros documentos de dívida,

posto que, nesse caso, o princípio da isonomia restaria ferido de morte, resultanto,

pois, na inconstitucionalidade da norma inserida na Lei nº 9.492/97, tese esta –

inclusive – levantada por Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 247-249):

Ora, se os concessionários e permissionários de serviços públicos, por serem prestadores de serviços públicos, respondem objetivamente, tal como o Estado, pelos danos causados no exercício de suas atividades, por que não responderiam também os delegatários de serviço público, em tudo e por tudo a eles semelhantes? [...] Ainda em nosso entender, o art. 38 da Lei n° 9.942/1997 é flagrantemente inconstitucional. Na medida em que estabeleceu responsabilidade subjetiva para os tabeliães de protestos e títulos, colocou-se em linha de colisão com o § 6.º do art. 37 da Constituição Federal.

Na esteira do já esposado, são oportunas as conclusões de Ricardo Dip (2002,

p. 86), para quem ―se a ultima ratio da afirmada responsabilidade objetiva dos

registradores e notários era a norma inscrita no § 6º, art. 37, da CF/88, não era

possível admitir exceção infraconstitucional que beneficiasse os tabeliães de

protestos.‖ Pensar em sentido contrário, segundo ele, resultaria em iniciar um debate

acerca da constitucionalidade do art. 38 da Lei nº 9.492/97, uma vez que estaria o

legislador ordinário estabelecendo desarrazoado critério discriminatório entre o

critério de responsabilidade dos tabeliães de protesto e o dos demais oficiais de

registros públicos.

Acredita-se não ser o caso pois, como restou elucidado, na hipótese particular

dos agentes notariais e de registro, o comando constitucional, no que tange à

responsabilidade civil, está focado no § 1º do art. 236, e não consbustanciado no §

6º do art. 37.

Assim, sob o primado do princípio da igualdade, levando-se em conta que todos

os serviços notariais e de registro revestem-se da mesma essência e que, portanto,

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não poderá haver distinções entre eles a pretexto de qualquer argumentação, bem

como partindo de uma análise sistemática dos dispositivos constitucionais e legais

atinentes à espécie – conclui-se pela subjetividade do critério para aferição da

responsabilidade civil dos titulares das serventias extrajudiciais não-oficializadas.

3.4.1.3 Sucessão nos ofícios: Irresponsabilidade do notário ou registrador por ato praticado antes de sua investidura na delegação estatal

A mudança no regime jurídico ao qual estão submetidos os serviços notariais e

de registro, bem como os respectivos delegados titulares das serventias, ocorrida

por ocasião da promulgação da Constituição Federal de 1988, também impôs

alterações no entendimento referente à sucessão nos Ofícios Registrais.

Anteriormente, quando se considerava o serventuário como ―proprietário‖ do cartório,

seus substitutos, por morte ou em decorrência de qualquer outra causa, tornavam-se

sucessores do titular, herdando toda série de problemas advindos da administração

das serventias.

Com a proclamação da necessidade de concurso público para ingresso na

atividade notarial e de registro, o novo titular sucede seu antecessor no tempo, mas

não nas responsabiliades pregressas, salvo se persistir nos mesmos atos que lhes

deram causa. (CENEVIVA, 2008, p.63).

Desta feita, a cada nova delegação ou mesmo substituição, instalar-se-á novo

regime jurídico. Como bem ressalta Erpen (2006, p. 51-52), os atos equivocados do

passado deverão ser imputados ao antigo responsável pelos serviços ou, em última

análise, no caso de insolvência ou morte deste, ao próprio Estado, pela falha na

delegação (culpa in eligendo, ou in vigilando, a depender do caso concreto).56 Para

ele, não há como se operacionalizar, em face do interesse público que permeia o

caso, a sucessão, seja em matéria tributária ou trabalhista, salvo, neste último caso,

se ocorrer prorrogação do contrato de trabalho.

_______________ 56

Segundo Luiz Cláudio Silva (2005, p. 13-14), a culpa ―in eligendo‖ decorre pela péssima escolha do preposto, respondendo, assim, pelos danos causados a terceiros por este último, nada obstando que o experimentador do dano ingresse também contra o causador direto do dano. ―A culpa in vigilando‖, por sua vez, configura-se pela falta de atenção ou dos cuidados necessários para com o comportamento daqueles que estão sob sua guarda e responsabilidade. Assim, dos danos que estes vierem a causar a terceiros, a responsabilidade civil de ressarcir passa a ser do responsável, por não ter exercido a vigilância de forma cautelosa, dispensando os cuidados necessários.

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Flauzilino Araújo dos Santos (1997, on line), ao refletir sobre a

responsabilidade do notário ou registrador pelo passivo trabalhista e tributário

deixado pelo antigo titular, observa que, em face do caráter personalíssimo da

delegação, a responsabilidade pelos encargos sociais e fiscais pretéritos permanece

no passivo da pessoa física que, ao tempo da prática de tais atos, exercia o

comando da serventia. Adverte, ainda, que:

[...] se a Administração escolheu mal aquele a quem cometeu a execução de seus serviços – provisória ou em caráter efetivo, ou não fiscalizou devidamente o cumprimento dos encargos, deve o Estado responder diretamente pela satisfação dos encargos trabalhistas e fiscais, valendo-se ao depois do direito de regresso para o ressarcimento do erário público. Ademais, repita-se, foi uma opção do Poder Público delegante não ter exigido do delegado do serviço notarial ou registral a prestação de uma caução, ou a aquisição de uma apólice de seguro, preferindo o risco.

O autor apregoa, com propriedade, que os prepostos contratados pelo notário

ou registrador para auxiliá-lo no desempenho de suas funções, devem ser

desligados da serventia por ocasião da extinção da delegação. O fundamento disso

está no fato de estes terem sido contratados, na forma do art. 20 da Lei nº 8.935/94,

para servirem àquele titular, o qual, ressalte-se, poderia prestar os serviços que lhe

foram delegados de maneira direta, sem utilizar-se do emprego de auxiliares ou

prepostos, concluindo que ―a contratação de prepostos é inerente ao caráter

personalíssimo da delegação, devendo, por isso, ser pessoalment, cumprida até final

pelo delegado ou seus herdeiros.‖

Este tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo

Tribunal Federal. Vários são os julgados encontrados, mas digno de registro são as

ementas que ora são trazidas à colação:

PROCESSO CIVIL. CARTÓRIO DE NOTAS. PESSOA FORMAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RECONHECIMENTO DE FIRMA FALSIFICADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. O tabelionato não detém personalidade jurídica ou judiciária, sendo a responsabilidade pessoal do titular da serventia. No caso de dano decorrente de má prestação de serviços notariais, somente o tabelião à época dos fatos e o Estado possuem legitimidade passiva. Recurso conhecido e provido. (REsp 545.613/MG, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 08/05/2007, DJ 29/06/2007 p. 630). 1. O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná negou provimento à apelação contra sentença que extinguiu a ação de indenização, proposta contra a pessoa do atual titular do cartório, por ilegitimidade passiva, ao concluir que a alegada responsabilidade pelo ato ilícito é pessoal, ou seja, terceiro só responde por atos de outrem nos casos expressamente previstos em lei, em acórdão assim ementado: ‗RESPONSABILIDADE CIVIL – OFICIAL DO

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REGISTRO DE IMÓVEIS – DUPLICIDADE DE REGISTRO – ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM – OUTRO TITULAR NA ÉPOCA DO FATO DANOSO – RESPONSABILIDADE É PESSOAL – EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO – RECURSO IMPROVIDO‘. A responsabilidade civil por ato ilícito praticado pelo Oficial de Registro de Imóveis é pessoal. Não pode o sucessor (atual titular da serventia) responder por ato ilícito praticado pelo sucedido (anterior titular).‖ (Fls. 241-245) 2. Daí o recurso extraordinário sustentando, em síntese (fls. 296-320), ofensa ao art. 236, § 1º, da Constituição Federal, ao argumento de que a negligência constatada é imputável ao cartório, não importando a mudança em sua titularidade em irresponsabilidade. 3. Inadmitido o recurso (fls. 340-343), subiram os autos em virtude do AI 605.526/PR (fl. 440). 4. A Procuradoria-Geral da República opinou pelo desprovimento do recurso, cujo parecer contém a seguinte ementa: ‗Recurso Extraordinário. Responsabilidade civil subjetiva. Serventuário de cartório. Registro de imóvel. Ilegitimidade passiva. Acerto da decisão. Pelo desprovimento do recurso.‘ (Fls. 448-450) 5. O apelo extremo, portanto, não merece prosperar, pois, o Tribunal a quo, a partir do exame de fatos e de provas, entendeu pela impossibilidade de responsabilizar o notário porquanto o recorrido não era titular da serventia na ocasião da ocorrência dos fatos alegados como ensejadores do direito de reparação. Afastar tal conclusão, como quer os recorrentes, exige o revolvimento dessa matéria fático-probatória, procedimento vedado nesta fase pela Súmula STF 279. 6. Ademais, contra o acórdão ora impugnado, os autores interpuseram, concomitantemente, recurso especial (fls. 250-275) o qual, em acórdão transitado em julgado, não foi conhecido pelo Superior Tribunal de Justiça, sob entendimento de que o atual titular da serventia não pode responder por ato ilícito praticado pelo antigo, nos seguintes termos: ‗EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM‘. Assentada a premissa da responsabilização individual e pessoal do titular do cartório, é de se reconhecer que só poderia mesmo responder aquele que efetivamente ocupava o cargo à época da prática do fato reputado como lesivo aos interesses do autor, razão pela qual não poderia tal responsabilidade ser transferida ao agente público que o sucedeu, afigurando-se escorreita, portanto, a conclusão em que assentado o aresto embargado. Embargos de declaração rejeitados. (REsp 443.467-ED/PR, rel. Min. Castro Filho, 3ª Turma, DJ 21.11.2005 – fls. 385-417). Esse fundamento, per se, é suficiente para manter o acórdão recorrido, que se tornou definitivo, obstando a impugnação, mediante apelo extremo, com base na aludida norma constitucional (Súmula STF 283). Nesse sentido, dentre outros o RE 545.161/DF, rel. Min. Celso de Mello, DJ 28.06.2007. 7. Ante o exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário (CPC, art. 557, caput). Publique-se. (RE 557080, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, julgado em 14/04/2009, publicado em DJe-081 DIVULG 04/05/2009 PUBLIC 05/05/2009). (Grifou-se).

Em sentido contrário, Yussef Said Cahali (2007, p.268-269) acredita que, a

partir da implantação do sistema de responsabilidade civil objetiva aos notários e

registradores, desenvolvendo-se uma interpretação mais rigorosa do art. 22 da LNR,

faz-se possível afirmar que a indenização poderá ser reclamada da entidade

cartorária, entendida como sendo o notário ou o oficial de registro que estiver no

exercício atual de sua titularidade, ainda que o dano tenha sido causado pelo

antecessor, pelo interino ou, até mesmo, pelo substituto por ele não indicado.

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Entende que esta seria a interpretação mais apta a preservação do direito do

particular lesado, tendo como pressuposto básico a equiparação dos cartórios às

entidades públicas, pelo menos em sede de responsabilidade civil, embora

reconheça que esse entendimento nem sempre vem sendo acolhido pelos Tribunais.

Não devem prosperar as objeções de Cahali, porque a orientação do STF é no

sentido de ser a responsabilidade dos notários e registradores de ordem subjetiva,

posição esta que se mostra mais acertada (devido a razões já expostas). Neste

diapasão, havendo necessidade de comprovação de dolo ou culpa para a

responsabilização, não há o que se cogitar de transferência de responsabilidde, uma

vez que a culpa (em sentido amplo) é pessoal, não se admitindo que o sucessor

(atual titular da serventia) responda pela prática de ilícitos perpetrados pelo sucedido

(anterior titular).

Diante do exposto, entende-se que caberá ao novo titular da serventia

extrajudicial não-oficializada manter os contratos de trabalho já existente, de modo a

operacionalizar a necessária continuidade do serviço e proteger a situação dos

empregados, partes hipossuficientes.

Há de se ter em mente, entretanto, que não serão admitidos casos extremos e

desarrazoados, tais como, por exemplo, a hipótese de um antigo titular que, agindo

de má-fé, pouco tempo antes de se afastar da serventia – seja por qual motivo for -,

tome medidas drásticas e sem plausibilidade logico-jurídica, tais como deferir

aumentos exorbitantes para seus funcionários ou ampliar – sem que haja

necessidade – a folha de pessoal da serventia, tudo no deliberado intuito de

prejudicar seu sucessor.

3.4.2 O Código de Defesa do Consumidor e sua inaplicabilidade no sistema de responsabilidade civil dos notários e registradores

A Lei n° 8.078/90, denominada de Código de Defesa do Consumidor – CDC, foi

editada em 11 de setembro de 1990, a fim de promover a consolidação da política

nacional das relações de consumo. Com o objetivo de tornar mais fácil a

compreensão do tema objeto do tópico em questão, necessário se faz retroceder

alguns aspectos básicos no que tange ao regime jurídico no qual encontram-se

inseridos os serviços notariais e de registro. Dessa forma, será perquirida a

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possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor a essas atividades,

bem como estabelecido se a legislação consumerista é passível de interferir no

sistema de responsabilidade civil ao qual encontram-se submetidos esses

profissionais.

No que diz respeito à aplicabilidade do CDC aos serviços de notas, protestos e

registros públicos, acredita-se que estes (como serviços públicos que são), pela sua

própria razão de existir, não se encontram submetidos às regras dispostas na

legislação consumerista. O próprio Superior Tribunal de Justiça – STJ, assim já se

manifestou, a saber:

PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TABELIONATO DE NOTAS. FORO COMPETENTE. SERVIÇOS NOTARIAIS. - A atividade notarial não é regida pelo CDC. (Vencidos a Ministra Nancy Andrighi e o Ministro Castro Filho). - O foro competente a ser aplicado em ação de reparação de danos, em que figure no pólo passivo da demanda pessoa jurídica que presta serviço notarial é o do domicílio do autor. - Tal conclusão é possível seja pelo art. 101, I, do CDC, ou pelo art. 100, parágrafo único do CPC, bem como segundo a regra geral de competência prevista no CPC. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 625.144/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/03/2006, DJ 29/05/2006 p. 232, on line)

Com efeito, Sonia Marilda Péres Alves (2002, p. 99) fundamenta esse

pensamento – no sentido de que o CDC não se aplica às relações jurídicas

derivadas dos serviços notariais e de registro - na própria ―essência‖ dessas

atividades, haja vista que são reconhecidas como ―o poder certificante dos órgãos

da fé pública‖, estando diretamente ligadas à Administração Pública. Desta feita, a

natureza pública dos atos notariais e registrais impõe permanente fiscalização pelo

Poder Judiciário Estadual e subordinação à disciplina e instruções da Corregedoria

de Justiça respectiva. Argumenta a autora que estas atividades já se encontram

regulamentadas por disposição especial, não podendo coexistir com o CDC, em face

da incompatibilidade de seus preceitos. Explica-se:

Um dos maiores embróglios doutrinários e jurisprudencias no que diz respeito às atividades notarias e de registro - após o advento da Constituição Federal de 1988 - referia-se à sua respectiva natureza jurídica. O Colendo Supremo Tribunal Federal, como abordado, prescreveu que os os titulares das serventias extrajudiciais são típicos servidores públicos (em sentido amplo), com funções revestidas de estatalidade, submetendo-se, por consegüinte, a um regime de direito público.

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Sabe-se que somente sujeitam-se às regras do Código de Defesa do

Consumidor as relações jurídicas consideradas de consumo, ou seja, aquelas que

perfazem os quesitos dos artigos 1º a 3º da Lei nº 8.078/90. O conceito de

fornecedor, para efeitos de aplicação do citado diploma legal, é fornecido pelo art. 3º

e seus respectivos parágrafos, que preveem:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (Grifo intencional).

Como se vê, o §2º acima transcrito se refere a serviço como sendo ―qualquer

atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração [...]‖. Desta

feita, há que se rememorar alguns aspectos básico sobre os emolumentos, devidos

como contraprestação à efetiva utilização de atividades notariais e de registro. Já foi

dito que o Pretório Excelso firmou entendimento pacífico no sentido de que os

emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza

tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos.57 É

justamente esse caráter contraprestacional que confere contornos atípicos à

natureza jurídica dos emolumentos, considerados pelos Tribunais pátrios como

pertencente à categoria de taxa sui generis.

De outra senda, faz-se oportuno colacionar entendimento de Ada Pellegrini

Grinover et al. (2004, p. 49), no sentido de que o termo ―remuneração‖, constante no

§2º do artigo 3º do CDC, não abrange os tributos em geral, que se enquadram no

âmbito das relações de natureza tributária. Portanto, não há que se confundir

contribuinte com consumidor, já que ―no primeiro caso o que subsiste é uma relação

_______________ 57

―CONSTITUCIONAL – REGISTROS PÚBLICOS – COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE A MATÉRIA – GRATUIDADE CONSTITUCIONALMENTE GARANTIDA. Inexistência de óbice a que o Estado preste serviço público a título gratuito. A atividade que desenvolvem os titulares das serventias, mediante delegação, e a relação que estabelecem com o particular são de ordem pública. Os emolumentos são taxas remuneratórias de serviços públicos. [...] O direito do serventuário é o de perceber integralmente, os emolumentos relativos aos serviços para os quais tenham sido fixados. Plausibilidade jurídica dos arts. 1º, 3º e 5º da Lei 9534/97. Liminar Deferida‖. (ADC 5 MC, Relator(a): Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 17/11/1999, DJ 19-09-2003 PP-00013 EMENT VOL-02124-01 PP-00016, on line). No mesmo sentido, ver decisão exarada nos autos da ADIN 1.378-5 – Espírito Santo - Rel. Min. Celso de Mello – DJ 30.05.1997.

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de Direito Tributário.‖ Logo, partindo do fato de que os emolumentos constituem-se

como taxas remuneratórias de serviço público, há de se concluir que a relação

jurídica estabelecida entre o delegado da serventia notarial e de registro e os

usuários dos serviços é de natureza tributária, logo, de Direito Público. Assim,

aquele que utiliza os serviços de registros públicos não é enquadrado na categoria

de consumidor, mas sim de contribuinte.58

Afora isso, cumpre asseverar não ser de clientela esta relação, uma vez que a

prestação de serviço público típico (ainda que com regime jurídico atípico), não constitui

relação de consumo. Walter Ceneviva (2008, p.60) partilha da mesma opinião:

Apesar do amplo espectro abarcado pela lei do consumo, o entendimento defendido é o de não se aplicar aos registradores. Sendo embora delegados do Poder Público e prestadores de serviço, sua relação não os vincula ao ‘mercado de consumo’ ao qual se destinam os serviços definidos pelo Código do Consumidor (art. 3º, §2º). Mercado de consumo é o complexo de negócios realizados no País com vistas ao fornecimento de produtos e serviços adquiridos voluntariamente por quem os considere úteis ou necessários. O serviço registrário, sendo em maior parte compulsório e sempre de predominante interesse geral, de toda sociedade, não se confunde com as condições próprias do contrato de consumo e a natureza do mercado que lhe corresponde. (Itálico original).

Por outro lado, o art. 175 da CF de 1988 preceitua que ―Incumbe ao Poder

Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,

sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos‖. Complementa, na

redação do parágrafo único, que a lei disporá sobre os direitos dos usuários (inciso

II) e acerca da obrigação de manter serviço adequado (inciso IV). O caput do art. 22

da Lei n° 8.078/90 (CDC) aduz que:

Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Este fato faz com que vários doutrinadores se posicionem a favor da

aplicabilidade da legislação consumerista ao caso específico dos notários e

registradores. Para Ivan Ricardo Garisio Sartori (2002, p.108), existe entre o

particular e o delegado dos serviços um autêntico contrato de resultado, o que os

enquadraria perfeitamente no disposto no CDC. Alega não ser por outro motivo

_______________ 58

Cf. ADIn 1.378.

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caber ao delegado não só prestar o serviço em si com todas as qualidades que lhe

são inerentes – vale dizer, qualidade, adequação, segurança, durabilidade,

desempenho, plena informação, mas também orientar o usuário sobre qual o melhor

e mais eficaz caminho tendente a assegurar a validade e segurança do ato que

pretende formalizar. H. A. da Costa Benício (2005, p.123) aduz que:

[...] o vínculo jurídico entre o ‗fornecedor de serviços notariais e de registro‘ e o usuário (destinatário final) de tais serviços configura, sim, relação de consumo. Por mais que a fé pública imprimida aos atos e documentos expedidos, pelo tabelião ou registrador, seja voltada a produzir prova e efeitos contra terceiros, garantindo publicidade, autenticidade, segurança e eficácia de atos jurídicos, não se pode negar que o interessado pelos serviços cartoriais apresenta-se como autêntico destinatário final, para os fins do art. 2º da Lei nº 8.078/90 (‗Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único – Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.‘).

Entende-se não se enquadrarem os notários e registradores na condição de

―fornecedores‖, para fins de aplicação do CDC e atribuição de responsabilidade civil.

Segundo o melhor entendimento, as atribuições dos delegados titulares dos serviços

extrajudiciais não decorrem de contrato, e sim da lei, que estabelece as funções que

lhes são inerentes. São estes profissionais do Direito, a quem o Estado, por meio de

concurso público, delegou a prestação dos serviços notariais e de registro,

conferindo-os a fé pública necessária para representarem a vontade Estatal.

Por outro lado, acredita-se que, muito embora seja plenamente aplicável o

caput do art. 22 do Código de Defesa do Consumidor aos serviços notariais e de

registro (uma vez que a autonomia administrativa e funcional desses profissionais

possibilita o incremento na qualidade do serviço prestado), no sentido de ser

possível a exigência de prestação de serviço adequado, eficiente, contínuo e

seguro59, o mesmo não se pode dizer com relação ao enquadramento de tais

_______________ 59

Em sentido contrário, Gilherme Fanti (2006, on line), entende não se aplicar o Código de Defesa do Consumidor à atividade notarial e de registro, refutando, igualmente, a possibilidade de enquadramento dessa atividade no comando legal inserto no caput do art. 22 do CDC: ―[...] conclui-se que a relação jurídica existente entre os cartórios extrajudiciais e os usuários-contribuintes do serviço é de ordem pública, de Direito Público e de interesse coletivo ―uti universi”, não havendo qualquer possibilidade de aplicação das normas gerais contidas no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Além disso, corroborando com tal entendimento, verifica-se que o serviço prestado pelo titular da serventia notarial e registral não gera nenhum vínculo contratual entre ele e o usuário. Com efeito, entende-se não estar incluso no parágrafo único, do art. 22 do CDC, o serviço público delegado pelo Estado à pessoa física do notário ou registrador. Ocorre que o dito dispositivo legal abrange, exclusivamente, as empresas públicas, dotadas de personalidade jurídica própria, tais como as concessionárias e permissionárias de serviços públicos. Por fim, verifica-se

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atividades – essenciais do Estado – como produto ou serviço, nos moldes

ensejadores de uma relação consumerista.

Dessa forma, impende-se interpretar sistematicamente o art. 22 da Lei

Consumerista, de modo a permitir que incidam nos serviços notariais e de registro os

princípios nela preconizados, rechaçando, por outro lado, a caracterização de uma

relação de consumo entre o titular da serventia extrajudicial não-oficializada e o

usuário dos serviços.

Alerta-se, ainda, para o fato de que a Constituição Federal, ao tratar das

atividades de registros públicos, houve por bem em discipliná-las de modo especial,

o que decorre do disposto no § 1º do art. 236 da CF, que exigiu a edição de lei

ordinária para a regulamentação das atividades; disciplina da responsabilidade civil

e criminal dos notários e registradores (e de seus prepostos), bem como definição da

fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

3.4.3 A responsabilização subsidiária do Estado pelos danos decorrentes dos atos notariais e de registro praticados nas serventias não-oficializadas

Quanto à responsabilidade do ente estatal diante dos atos praticados em

cartórios não-oficializados, é pacífico o entedimento de que este deve indenizar os

usuários dos serviços, bem como terceiros, que sejam prejudicados em decorrência

de danos dele advindos. O ponto central em torno do qual giram as discussões

doutrinárias e os debates jurisprudenciais consiste, mais precisamente, em saber se

há ou não benefício de ordem neste dever ressarcitório, ou seja, se a

responsabilidade do Estado seria subsidiária (supletiva) ou solidária (direta).

O Supremo Tribunal Federal, em reiterados julgamentos acerca da matéria em

foco60, vem se posicionando no sentido de serem os notários e registradores agentes

que a responsabilidade do titular do serviço notarial e de registro é regulada por legislação especial, dotada de normas ―específicas‖, nos termos das Leis 8.935/94, 6.015/73 e 9.492/97.‖

60 Cfr. RE 330395 AgR / SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática exarada em 18/02/2008 (DJ 11/03/2008); RE 330395 / SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática exarada em 09/10/2006 (DJ 17/11/2006); RE 229.974/PR, Rel. Min. Néri da Silveira, decisão monocrática exarada em 28/9/2001 (DJ 12/11/2001); RE 212.724/MG, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgado em 30/3/1999 (DJ 6/8/1999); RE 209.354 AgR/PR, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 2/3/1999 (DJ de 16/4/1999); RE 187.753/PR, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgado em 26/3/1999 (DJ de 13/8/1999); RE 175.739/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 26/10/1998 (DJ de 26/2/1999) e RE 116.662/PR, Rel. Min. Moreira

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públicos e, em decorrência disso, entendendo que aos mesmos se aplica a norma

contida no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, no sentido de o Estado responder

de maneira direta (sem benefício de ordem) e objetiva pelos danos causados aos

administrados por tais agentes, cabendo ação de regresso destes contra os titulares

dos serviços notariais e de registro no caso de comprovação da culpa ou dolo (dos

mesmos ou de seus prepostos).61

Atribui-se tal entedimento, que entende-se equivocado, ao fato de o C.

Supremo Tribunal Federal não ter, ainda, se debruçado de maneira mais profunda e

acurada sobre as questões que envolvem o tortuoso tema, de modo a analisar de

modo harmônico e sistematizado os preceitos contidos nos artigos 22 da Lei nº

8.935/94, 38 da Lei nº 9.492/97 e do § 6º, art. 37, da CF.

No mesmo sentido do que vem sendo proclamado pelo Pretório Excelso,

diversos doutrinadores pátrios entendem que a responsabilidade do ente estatal é

solidária, e que a conjugação hermenêutica de tais artigos estabeleceu uma cadeia

de direito de regresso. Assim, como visto, o Estado responderia objetiva e

solidariamente frente ao lesado e, caso fosse acionado sozinho, teria, a posteriori,

direito de regresso frente ao notário ou registrador em caso de dolo ou culpa deste e

de seus prepostos. (GONÇALVES, 2008, p. 290). Os delegados de serviço público,

por sua vez, poderiam – após ressarcimento ao Erário – voltar-se contra o

funcionário causador direto do dano, também em caso de comprovação de conduta

dolosa ou culposa deste, de modo a ter o prejuízo compensado.62

Alves, julgado em 16/6/1998 (DJ de 16/10/1998). Precedentes: STF – Pleno – Embargos em Recurso Extraordinário, Rel. Carlos Madeira, julgado em 6/3/1986, RTJ 118/1097, e RE 77.169-SP, Rel. Min. Antonio Neder, julgado em 4/12/1979, public. DJ de 21/12/1979.

61 Cabe consignar, ainda, que – na visão do STF – nada impede o lesado de demandar tão-somente contra o notário ou registrador, uma vez que a responsabilidade objetiva do ente estatal foi proclamada no sentido de ajudar o lesado na composição do dano, cabendo-lhe, entretanto, escolher contra quem ajuizará a ação ressarcitória, suportando o onus probandi na hipótese de optar por dirigir a demanda contra o agente público. Segundo Hugo de Brito Machado (2002, on line) este entendimento – majoritário também na doutrina – acaba por aumentar o senso de responsabilidade dos agentes públicos.

62 ―Tabelião. Titulares de Ofício de Justiça. Responsabilidade civil. Responsabilidade do Estado. CF, art. 37, § 6º. Natureza estatal das atividades exercidas pelos serventuários titulares de cartórios e registros extrajudiciais, exercidas em caráter privado, por delegação do Poder Público. Responsabilidade objetiva do Estado pelos danos praticados a terceiros por esses servidores no exercício de tais funções, assegurado o direito de regresso contra o notário, nos casos de dolo ou culpa.‖ RE 209.354-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 2-3-99, DJ de 16-4-99. No mesmo sentido: RE 551.156-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 10-3-09, 2ª Turma, DJE de 3-4-09;RE 212.724, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 30-3-99, DJ de 6-8-99.

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Walter Ceneviva (2002, p.154-158) adverte que o verbo ―responder‖, utilizado

na redação do caput do art. 22 da Lei nº 8.935/94, denuncia transparentemente a

possibilidade de o ofendido ajuizar a ação indenizatória de maneira direta contra o

titular da serventia que prestou os serviços notariais ou de registro. Ato contínuo,

ressalta a existência da cadeia de direitos de regresso, surgida da interpretação

lógico-sistemática entre o art. 22 da Lei nº 8.935/94 e o § 6º, art. 37, da CF, quando

destaca as opções dadas pelo ordenamento jurídico ao lesado, ressaltando que, ao

escolher demandar diretamente contra o Estado, valer-se-á a vítima da

responsabilidade objetiva, podendo o ente estatal – regressivamente – buscar o

ressarcimento do titular da serventia, no caso de comprovação de dolo ou culpa. Ao

contrário, se o ofendido optar por direcionar o notário ou registrador no polo passivo

da lide indenizatória, imprescendível será a demonstração de sua culpa ou dolo:

A vítima pode assestar a pretensão reparadora diretamente contra o titular, pois para tanto a autoriza o uso do verbo ‗responder‘. A responsabilização civil se concretiza através da imposição de pena pecuniária ao agente do ato ilícito, pelas conseqüências materiais ou morais resultantes. Corresponde a uma garantia da paz social. Como ficou dito na abertura do Capítulo e à vista do que determina o art. 37, § 6º, da Constituição e da interpretação dada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal quanto à natureza da relação entre o delegado notarial ou registrário e o Estado, este responde, nos termos da responsabilidade objetiva, tendo direito regressivo contra o titular do serviço em caso de dolo ou culpa. Assestado o pedido diretamente contra o oficial, incumbe ao autor comprovar-lhe a culpa. [...] A ação reparatória proposta contra o Estado, dada sua responsabilidade objetiva, é campo impróprio para discussão da culpa ou do dolo. Na ação contra o tabelião ou o registrador, todavia, tal discussão é imprescindível.

Rui Stoco (2006, p. 572-576), por sua vez, esclarece que o reconhecimento da

responsabilidade direta da pessoa jurídica de direito público decorre,

primordialmente, da teoria orgância, segundo a qual o dano causado ao particular é

imputável de forma direta à pessoa jurídica de cuja organização faz parte o

funcionário causador do prejuízo, uma vez que a atividade deste se configura como

atividade própria daquela. Leciona, ainda, que o art. 37, § 6º, da CF proclamou o

princípio da responsabilização direta e objetiva do Estado, pelos danos que seus

agentes causarem a terceiros. Dessa forma, não poderá ser modificado,

desmembrado ou ignorado por lei de nível infraconstitucional.

Defendendo também a legitimidade passiva do ente estatal, Sônia Marilda

Peres Alves (2002, p.95) alerta para o fato de o Estado perceber parcela

considerável dos emolumentos pagos pelos usuários dos serviços, afirmando que tal

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circunstância soma-se às demais no sentido de não permitir a desoneração da

responsabilidade objetiva do poder delegante simultaneamente à do delegado.

Também se posiciona a favor da responsabilidade solidária do Estado, embora

com argumentação diversa, Yussef Cahali (2007, p.266), entendendo que

independentemente da qualificação jurídica que se queira atribuir aos notários e

oficiais de registro, tem-se como induvidoso que a atividade notarial e de registro é

exercida mediante prévia delegação do Estado, donde se conclui a necessária

corresponsabilidade do órgão delegante pelos atos danosos praticados pelo seu

delegatário.63 Dessa forma, tanto o Estado quanto os delegados titulares

responderão de forma objetiva e solidária pelos danos que estes vierem a causar em

decorrência de suas atividades. Segundo atesta Cahali (2007, p.270-271), a

diferença consistirá no método processual a ser utilizado, caso haja (ou não)

comprovação de culpa ou dolo do cartorário:

[...] desde que o prejuízo de que reclama o autor tenha sido causado por ato doloso ou culposo de cartorário, há de se permitir a denunciação da lide pela Fazenda do Estado ao causador direto do dano, nas condições do art. 70, III, do CPC, de modo a possibilitar à demandada o exercício do direito de regresso nos próprios autos da ação indenizatória, na lide secundária. [...] Questão nova diz respeito à eventual possibilidade que teria a Fazenda do Estado demandada pelo particular com fundamento na responsabilidade objetiva pelos atos do ente delegado de denunciar à lide o notário ou oficial de registro que praticou os atos danosos, sem culpa ou dolo, e cuja responsabilidade é, agora, também objetiva. Na ambígua disciplina de intervenção de terceiros, a que se propôs o CPC, parece-nos que o instituto que melhor se ajusta à hipótese seria o chamamento ao processo, admitido nos termos do art. 70, III, na consideração de que haveria uma co-responsabilidade, ou responsabilidade solidária, entre o Estado (órgão delegante) e o serventuário (ente delegado), resolvendo-se o caso nos termos do art. 80 do mesmo Código de Processo, combinado com o arts. 283-285 do CC.

A propósito, Gustavo Tepedino (1999, p. 197), tomando como base o Código

de Defesa do Consumidor – CDC, sustenta que a prestação de serviços constitui,

antes de mais nada, relação de consumo, o que atrai para a hipótese das

prestadoras de serviço público a solidariedade dos diversos entes públicos e

privados que se apresentem na condição de fornecedores dos respectivos serviços,

prestados de maneira direta ou indireta pela atividade estatal. Tais objeções não

_______________ 63

Afirmando que há co-responsabilidade do Estado, embora defenda que a responsabilidade dos notários e registradores será subjetiva, vide Sonia Marilda Péres Alves (2002, p.96-97).

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devem prosperar já que, conforme abordado, acredita-se não haver incidência do

Código de Defesa do Consumidor nas atividades notariais e de registros.

Em sentido diametralmente oposto, sustentam alguns renomados juristas que a

responsabilidade do ente estatal em face dos serviços notariais e de registro

reveste-se de caráter subsidiário, ou seja, segundo eles, a ação indenizatória teria

que se voltar primeiramente contra o titular da serventia extrajudicial não-oficializada

para, somente após, no caso destes primeiros não possuírem lastro patrimonial

suficiente para a recomposição do dano, ser a demanda ressarcitória direcionada

contra o Estado.

Referida corrente é captaneada no Brasil por Décio Antônio Erpen (2006, p.52)

que, como demonstrado, defende a aplicação da teoria subjetiva para a

responsabilização dos oficiais de registros públicos, sustentando, outrossim, que tal

responsabilidade será direta, ou seja, primeiro deverá ser demandado o delegatário

do serviço. Para ele, a responsabilidade direta dos notários e registradores está

disposta no art. 22 da Lei nº 8.935/94, não havendo espaço para se exigir ação

contra o Poder Público, com a denunciação à lide do chamado agente delegado, daí

porque acredita não incidir o preceito constitucional que regulamenta, de forma

específica, a responsabilidade da Administração Pública.

Acresce que o notário ou registrador deverá responder de maneira direta,

afastando-se o princípio norteador adotado pelo Constituinte e que, caso estes

sejam insolventes, haverá a responsabilidade do Poder Público, em decorrência do

equívoco na delegação ou omissão na exigência de caução. Responderá o ente

estatal pela falha originária, ocorrida quando do exercício do poder delegante, mas

não pelo erro causador do dano.

No mesmo sentido, Ricardo Dip (2002, p.90), outro defensor da teoria

subjetiva, explicando que não há conflito de normas entre as redações do art. 28 da

Lei nº 6.015/73 e a do art. 22 da Lei nº 8.935/94, ressalta que a primeira parte deste

dispositivo - ―Os notários e oficiais de registro responderção pelos danos que eles e

seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia [...]‖ -

não indica a espécie fundacional da responsabilização objeto, mas apenas

determina ser direta a responsabilidade civil do registrador e tabelião pelos atos

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próprios e de seus prepostos, contra esses últimos assegurado o direito de regresso

(por parte do titular delegado) no caso de dolo ou culpa.

Explica Dip (2002, p.90), por fim, que imputar a responsabilidade de forma

direta equivale a dizer que não haverá espaço para convocação solidária ou

secundária (salvo nas hipóteses de insolvência do agente público, haja vista o erro

in vigilando – consoante obervou Décio Erpen), não implicando isso na imputação

objetiva.

Por seu turno, Ivan Ricardo Garisio Sartori (2002, p.106-108), embora adepto

da corrente que sustenta ser objetiva a responsabilidade civil dos notários e

registradores, também faz coro em afirmar que a responsabilidade do Estado,

nesses casos, será direta. Argumenta que o fato de os delegados auferirem todas as

vantagens da atividade mitiga a responsabilidade do Poder Público, que só poderá

ser invocada supletiva ou subsidiariamente. Reforça sua tese afirmando que, caso

não houvesse essa supletividade na responsabilidade do ente estatal, não existiria

razão de ser para a delegação constitucional.

Continua aduzindo que, pensar em sentido diverso contraria o interesse

público, em benefício do privado, minimizando a responsabilidade dos agentes

delegados, ainda que estes aufiram todas as vantagens e utilidades da atividade.

Complementa que caso o notário ou o registrador seja insolvente, aí sim deverá

responder o Estado (de maneira subsidiária), alertando para o fato de que se houver

a recomposição econômica do oficial após o pagamento da indenização pelo

Estado, evidente se mostrará a possibilidade de regresso do ente estatal, persistindo

a responsabilidade objetiva do acionado, eis que devedor principal.

Como visto, o constituinte originário de 1988 privatizou o modus operandi das

atividades notariais e de registro, rechaçando a oficialização dos tabelionatos e

ofícios de registro.64 Em virtudo disso, observou-se uma significativa mudança no

regime jurídico das serventias extrajudiciais não-oficializadas, com o aumento da

_______________ 64

A respeito do tema, vejamos trecho de decisão do C. Supremo Tribunal Federal: ―Entendeu a maioria deste Tribunal, em síntese, que o sentido do artigo 236 da Carta Magna foi o de tolher, sem mesmo reverter, a oficialização dos cartórios de notas e registros, em contraste com a estatização estabelecida para as serventias do foro judicial pelo art. 31 do ADCT [...]‖. (RE 189.736, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 26-3-96, DJ de 27-9-96). No mesmo sentido: RE 191.030-AgR, Rel. Min. Octávio Gallotti, julgamento em 5-12-97, DJ de 27-3-98 e RE 191.030-AgR-ED, Rel. Min. Octávio Gallotti, julgamento em 22-6-99, DJ de 7-4-00.

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independência funcional refletindo – de forma evidente – no sistema de

responsabilidade atribuída a seus respectivos titulares. Nesse sentido, a maior

autonomia atribuída aos notários e registradores trouxe consigo um significativo

acréscimo de responsabilidade, consubstanciado a partir da redação do art. 22 do

Estatuto dos Notários e Registradores (Lei n° 8.935/94), que, entende-se, preleciona a

responsabilização exclusiva desses agentes delegados de serviços públicos.

Levando-se em consideração que a delegação implica, naturalmente, em

atribuição de responsabilidade ao delegado, advoga-se a tese de que, caso o Estado

continuasse a responder diretamente pelos danos causados por notários e

registradores, restaria sem razão a inovação constitucional, no sentido de atribuir

caráter privado ao modo de exercício dessas atividades. Dessa forma, considerando

que tais profissionais possuem autonomia administrativa e financeira, percebendo

integralmente os emolumentos pagos como contraprestação dos serviços, não há o

que se falar em responsabilização direta do ente estatal. Sintentizando o pensamento,

lúcidas são as palavras de H. A. da Costa Benício (2005, p. 49), para quem:

É incontestável a natureza pública do serviço prestado pelos tabelionatos e cartórios de registros, uma vez que a segurança jurídica e a garantia de eficácia contra terceiros interessa a toda a sociedade. Todavia, notários e registradores exercem suas atividades por suas próprias contas e riscos e não em nome do Estado, contratando o seu pessoal e remunerando-o de forma autônoma, sendo certo que os titulares recebem emolumentos condizentes com tais responsabilidades. A responsabilidade apenas subsidiária do ente estatal (oportunizada somente após a comprovação de insolvência do titular do cartório) decorre não somente do fato de os emolumentos serem pagos diretamente por interessados pelos serviços, mas, principalmente, pela independência de gerenciamento administrativo e financeiro (Lei nº 8.935/94, art. 21) que caracteriza os serviços notariais e registrais.

Alerta-se, desde logo, que, embora defenda-se que a responsabilidade do

Estado seja subsidiária - e não solidária como pretende convencer a doutrina e

jurisprudência majoritária – o ente estatal não poderá se esquivar de ressarcir os

prejuízos suportados pelo administrado, caso este não consiga obter a satisfação do

crédito junto ao delegado titular da serventia notarial e de registro, posto que

insolvente.

Ora, tendo tais atividades natureza de serviço público, acarretam ao Estado o

ônus de arcar com os prejuízos delas advindos, sob pena de ser a vítima do dano

obrigada a suportá-lo individualmente, o que seria um verdadeiro retrocesso jurídico

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dentro do sistema de responsabilidade civil. Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira

de Mello (2009, p.998-999) assevera que:

Para fins de responsabilidade subsidiária do Estado, incluem-se, também, as demais pessoas jurídicas de Direito Público auxiliares do Estado, bem como quaisquer outras, inclusive de Direito Privado, que, inobstante alheias à sua estrutura orgânica central, desempenham cometimentos estatais sob concessão ou delegação explícitas (concessionárias de serviço público e delegados de função pública) ou implícitas (sociedades mistas e empresas do Estado em geral, quando no desempenho de serviço público propriamente dito). Isto porque não faria sentido que o Estado se esquivasse a responder subsidiariamente – ou seja, depois de exaustas as forças da pessoa alheia à sua intimidade estrutural – se a atividade lesiva só foi possível porque o Estado lhe colocou em mãos o desempenho da atividade exclusivamente pública geradora do dano.

Da análise dos sistemas de responsabilidade previstos nos diferentes

comandos constitucionais, conclui-se que, ante a redação do § 6º, in fine, do art. 37,

a responsabilidade civil dos notários e registradores deverá ser aferida pelo critério

subjetivo (com perquirição acerca da existência do elemento culpa, em seu sentido

amplo), sendo estes considerados, para os efeitos de configuração do dever de

ressarcir, como agentes públicos (o que, inclusive, é a leitura que faz o Supremo

Tribunal Federal).

Por seu turno, o regime estabelecido em decorrência do comando inserto no §

1º do art. 236 da CF, ao ser regulamentado através da Lei nº 8.935/94, cujo art. 22

tratou especificamente da responsabilidade civil dos notários e registradores, fez

com que os mais precipitados sugerissem a adoção da responsabilidade objetiva em

face do resultado danoso perpetrado pelo tabelião ou oficial de registro.

Cabe consignar, ainda, que mesmo que notários e registradores sejam

considerados pessoas físicas que exercem serviços públicos por delegação, caso se

lhes aplique o § 6º do art. 37 da Constituição Federal, outra conclusão não haverá

senão a de que, do mesmo modo que os permissionários e concessionários de

serviços públicos, responderão objetivamente pelos prejuízos causados em

decorrência de atos cartorários.

Nessa linha de raciocínio, os menos avisados podem sustentar que há, na

hipótese, duas regras de nível constitucional direcionadas aos órgãos judiciários.

Diante disso, instalada está uma antinomia jurídica, que, nos dizeres de Norberto

Bobbio (1999, p. 88-89), se traduz como uma ―situação que se verifica entre duas

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normas incompatíveis, pertencentes ao mesmo ordenamento e tendo o mesmo

âmbito de validade (temporal, espacial, pessoal e material).‖ Dentre os métodos

comumente utilizados para a solução das antinomias, destacam-se o cronológico, o

hierárquico e o da especialidade.

Observa o mesmo Bobbio (1999, p.96-97), acerca do critério da especialidade,

que a lei especial consiste naquela que anula outra de âmbito mais amplo, geral, ou

que subtrai de uma norma uma parte da sua matéria para submetê-la a uma

regulamentação diferente (contrária ou incompatível). O afunilamento da extensão

da abrangência das normas constitui-se como exigência fundamental da justiça,

compreendida no sentido de conferir tratamento igual das pessoas que pertencem à

mesma categoria. Havendo diferenciação entre as categorias de indivíduos, persistir

na aplicação da regra geral importaria em tratamento igual de pessoas com

características desiguais, portanto, em injustiça.

Conclui o doutrinador afirmando que quando se aplica o critério da lex

specialis não acontece a subtração total de uma das duas normas incompatíveis,

mas tão-somente daquela parte da lei geral que se mostra incompatível com a lei

especial. A fim de se adequar à lei especial, a lei geral seria parcialmente

desprezada. Sendo assim, aduz-se que a partir do critério da especialidade, mostra-

se possível a superação da incompatibilidade entre os dispositivos constitucionais

adrede citados, uma vez que a antinomia entre tais regras é meramente aparente,

derivando de uma interpretação incompleta do sistema de responsabilidade civil no

qual estão inseridos os notários e registradores.

Na análise empreendida no segundo capítulo, acerca das especificidades que

envolvem a temática da atividade notarial e de registro, observou-se que, em seu

regramento, existe uma série de combinações entre elementos próprios de um

regime jurídico de direito privado, com outros tantos, aplicáveis ao direito público.

Afirmou-se, naquela ocasião, que notários e registradores estão submetidos a um

regime jurídico híbrido, de contornos anômalos. Assim sendo, a temática referente à

responsabilidade civil dessa categoria profissional encontra-se – igualmente –

disciplinada de modo especial, o que decorre da interpretação sistemática a ser

dada ao art. 22 da Lei nº 8.935/94, tomando-se como base o disposto no § 1º do art.

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180

236 da CF (ante o critério da especialidade), não se aplicando, portanto, a regra

insculpida no § 6º do art. 37 da mesma Carta Política.

Desta forma, referidos titulares de delegação pública não se confundem, para

efeito de responsabilização civil, com os demais agentes públicos, havendo

dispositivo constitucional específico, art. 236, §1º, que dispõe acerca de sua

responsabilidade, comando este que, em face da limitação de sua eficácia, foi

prontamente regulamentado pela legislação infraconstitucional (Lei n° 8.935/94, art.

22). Assim, embora sejam os notários e registradores ―prestadores de serviços

públicos‖, o que, comumente, ensejaria a responsabilização objetiva dos mesmos -

caso utilizado o preceito da primeira parte do § 6º, art. 37, da CF – entende-se que a

eles se aplica o comando específico do art. 236, §1º, da CF, que constitui exceção à

regra geral, disposta no art. 37, § 6º.

De qualquer sorte, no que tange à responsabilidade do Estado, denota-se

correta a utilização do disposto no referido § 6º do art. 37. Todavia, notários e

registradores devem ser tratados como prestadores de serviços públicos por

delegação (conforme dispõe o início do § 6º), implicando responsabilidade apenas

subsidiária do Estado, incidindo somente na hipótese de insolvência do titular da

delegação, e não como agentes públicos (§ 6º, in fine), a ensejar a responsabilidade

direta do ente estatal a que está vinculado.

Acresce-se aos motivos acima colacionados, no sentido de ser supletiva a

responsabilidade do Estado em decorrência de dano causado por titulares de

serventias extrajudiciais não oficializadas, a inovação ocorrida por ocasião do art. 22

da Lei dos Notários e Registradores - que preconiza a responsabilização direta

desses profissionais – bem como a existência de regime jurídico de delegação sui

generis ao qual estão submetidos estes profissionais.

Seja como for, mostra-se claro que, ao ampliar a autonomia financeira e

administrativa dos notários e registradores, o Estado reduziu sua margem de poder

sobre tais atividades, havendo, como consectário-lógico, uma diminuição do risco

assumido pelo ente estatal, fator este a justificar a subsidiariedade de sua

responsabilidade.

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Cabe alertar, desde já, que no caso de serventia extrajudicial oficializada, ainda

presentes em decorrência da previsão constante no art. 32 do ADCT da Constituição

de 1988, na qual o notário ou registrador é considerado como servidor público no

sentido estrito da palavra - posto que ocupante de cargo público e remunerado

diretamente pelo Estado - a responsabilidade do Estado será, indicutivelmente,

solidária e direta, aplicando-se o disposto no § 6º do art. 37 da Constituição Federal.

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CONCLUSÃO

Buscando a compreensão dos contornos jurídicos que receberam as atividades

notariais e de registros no ordenamento jurídico brasileiro, descobrimos que, a par

da estagnação experimentada ao longo da história, a nova ordem constitucional

estabelecida a partir de 1988 inaugurou uma ―nova era‖, ao estabelecer que seriam

estas exercidas em caráter privado, por delegação do Poder Público.

Com efeito, somente com o advento da Constituição Federal de 1988 - cujo art.

236 foi regulamentado pela Lei nº 8.935/94 – é que foram verificadas mudanças

positivas para a disciplina dos registros públicos no país, tendo sido fixadas as

diretrizes básicas, bem como os princípios fundamentais da matéria no ordenamento

jurídico pátrio.1 Dessa forma, a partir de então, optou o constituinte originário

brasileiro, de forma bastante clara, pelo regime privado para o exercício das

atividades cartorárias, tolhendo, por conseguinte, a oficialização dos tabelionatos e

dos cartórios registrais, em contraste com a estatização estabelecida pelo art. 31 do

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para as serventias do foro judicial.

Através do estudo, restou estabelecido para nós que as atividades notariais e de

registro não integram a estrutura do Poder Judiciário, embora seja este o competente

para instauração do concurso público constitucionalmente exigido, bem como para

proceder à respectiva outorga da delegação das serventias aos aprovados no concurso,

isso sem esquecer de mencionar a fiscalização da prestação de tais serviços.

Observamos, ainda, que os serviços de registros públicos revestem-se de

inquestionável natureza pública, eis que tidos como o poder certificante do órgãos

da fé pública, cujo exercício envolve parcela da autoridade estatal. Entretanto, em

_______________ 1 Desde a proclamação da República, o sistema de registros públicos no Brasil sofreu sérias

oscilações, vez que entregue completamente às leis estaduais de organização judiciária. Isso acabou por contribuir com o nepotismo, reinante por muito tempo nessa área de atuação, em detrimento da qualificação dos profissionais exercentes de tais atividades.

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que pese o enquadramento na categoria de ―serviços públicos‖, tratam-se de

atividades atípicas, com regramento próprio e específico.

No que se refere à relevância social dessas atividades, demonstramos que

notários e registradores possuem aptidão para o exercício de uma gama de atos de

administração pública de interesses privados, praticando atos inibidores de

litigiosidade e evitando, desta feita, que muitos conflitos venham a adentrar na

esfera judicial, já tão sobrecarregada. Com efeito, uma máxima que se aprendeu é

que o Direito acompanha a sociedade, a qual move as transformações ao ritmo de

seu dinamismo. E a sociedade, cada vez mais, está ansiando por rapidez na

resolução das questões cotidianas. Assim, podem os cidadãos realizar

espontaneamente seus direitos, onerando menos o Judiciário, utilizando-se da

qualificação técnica e ética dos notários e registradores, pessoas profissionalmente

vocacionadas para tal mister, uma vez que são dotados de fé-pública estatal.

Percebemos, outrossim, a partir do que foi pesquisado, que os titulares das

serventias extrajudiciais, como delegados instituídos pelo Estado, desempenhando

função de inquestionável natureza pública, enquadram-se na categoria de agentes

públicos (servidores públicos em sentido amplo), que agem em colaboração com o

Poder Público através do instituto da delegação (que se opera pela via do concurso

público para ingresso e remoção). Tal delegação, por seu turno, se opera de

maneira sui generis, ou seja, através de concurso público e não de licitação, como

comumente é de se observar.

Destacamos, ainda, que o entendimento dominante - firmado pela doutrina e

jurisprudência pátria - é no sentido de que as serventias extrajudiciais (denominadas

popularmente de cartórios) não possuem personalidade jurídica, constituindo-se como

unidades de serviços. Com efeito, estas somente possuem inscrição no CNPJ/MJ

(Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas) para efeitos fiscais e, no que tange ao

aspecto tributário, faz-se certo afirmar que os haveres auferidos por atos praticados nas

serventias devem ser contabilizados como receita da pessoa física do delegado

extrajudicial, devendo este recolher o IRPF – Imposto sobre a Renda de Pessoa Física.

Assim, para se conhecer e definir o regime jurídico dos notários e

registradores, não basta a referência das normas que o regulam e o limitam. É

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necessário, ainda, esclarecer as nuances que informam tal regime, no sentido de

conformar sua natureza e estrutura lógico-jurídica. Nesse sentido, acreditamos ser

tarefa deveras complicada a de determinar uma identificação absoluta entre as

atividades notariais e de registro e qualquer outra determinada função estatal.

Entendemos que o meio mais apropriado para a compreensão da mencionada

função é a enumeração de suas características, como acreditamos ter sido feito a

contento atra´ves deste trabalho, problematizando temas de grande repercussão no

cenário jurídico nacional, tais como: a não identidade entre emolumentos e as taxas

endereçadas aos cofres públicos, a constitucionalidade das leis que concedem a

gratuidade ou redução dos emolumentos cartorários, dentre outros.

Quanto à responsabilização civil dos notários e registradores pelos prejuízos

decorrentes de atos praticados nas serventias, entendemos que, a par das

divergências doutrinárias e jurisprudenciais, deve prevalecer o critério subjetivo para

aferição do dever ressarcitório. Nesse contexto, a complexidade do tema decorre,

não apenas do ecletismo que caracteriza o regime jurídico desses profissionais, mas

também da abertura da norma contida no parágrafo único do art. 927 do novo

Código Civil.

Mesmo que o Código Civil de 2002 tenha inovado no sentido de prever no

parágrafo único de seu art. 927 uma cláusula geral de responsabilidade objetiva –

demonstrando a tendência atual de ampliação das hipóteses de responsabilização

independente de demonstração de culpa – esse fato não foi o bastante para alterar a

disciplina de responsabilização dos notários e registradores. A uma, porque trata-se

o Código Civil de lei geral e, nesse sentido, não tem o condão de revogar as normas

específicas sobre a matéria (Lei nº 6.015/73, arts. 28 e 157, e Lei nº 9.492/97, art.

38);2 a duas, porque as atividades notariais e registrais não encerram o perigo

excepcional contido no comando normativo ensejador da responsabilidade objetiva,

vez que os atos praticados pelos tabeliães e registradores, na condição de

profissionais do direito que são, almejam justamente o contrário, ou seja, visam a

proporcionar segurança, eficácia, autenticidade, publicidade e fé pública aos fatos,

atos e negócios jurídicos.

_______________ 2 Tais dispositivos legais prevêem expressamente a responsabilidade subjetiva, fundada na culpa lato

sensu.

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Acrescemtamos, ainda, que a responsabilidade civil objetiva não se presume,

não podendo sua imputação verificar-se através de emprego de analogia, seja

interpretativa ou integrativa, mas, ao revés, deverá decorrer expressamente de lei ou

da natureza da atividade, nos termos do art. 927, parágrafo único, do CCB (o qual

não se amolda aos serviços notariais e de registro).

Quanto ao fato de a lei não ter expressado o que se pode entender por

―atividade normalmente desenvolvida que implique, por sua natureza, risco para os

direitos de outrem‖, podemos inferir através do presente estudo, que cumpre à

doutrina e à jurisprudência, casuisticamente, estabelecer em que situações

determinadas condutas lícitas e arriscadas, que possam ensejar prejuízo especial e

anormal a alguém, devam implicar a responsabilidade objetiva do autor de tais

condutas. Nas hipóteses em que se configurar, numa relação civil, responsabilidade

objetiva pelo resultado danoso, tal fato deverá ser tratado como exceção, cuidando o

intérprete para analisar a causalidade normativa em toda a sua complexidade,

buscando sempre revelar o sentido apropriado para a vida real, conducente a uma

decisão reta.

Entendemos que existe dispositivo constitucional específico a respeito dos

delegados titulares de serventias extrajudiciais não oficializadas, qual seja, art. 236,

§ 1º, da CF de 1988. É justamente nessa previsão, e não em qualquer outra, que se

encontra a base legal esclarecedora da responsabilidade civil dos oficiais de

registros públicos. Observamos, outrossim, que tal regra perfaz-se em dispositivo

constitucional de eficácia limitada, tendo o constituinte originário conferido ampla

margem de atuação ao legislador ordinário federal, nos termos estabelecidos pela

lei. Nesse contexto, a Lei nº 8.935/94 foi editada justamente com vistas a cumprir o

comando constitucional inserido no dispositivo constitucional retro, devendo, pois,

ser ela a aplicável para a disciplina da responsabilidade civil dos notários e oficiais

de registro, e não o novel Código Civil, para fins de buscar a melhor hermenêutica

pela via do critério da especialidade.

Ante o comando constitucional, poderia ter sido a responsabilidade dos

notários e registradores fixada em parâmetros objetivos ou subjetivos, desde que

houvesse razoabilidade normativa para tanto. A escolha do legislador dependeria,

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nesse diapasão, de uma conjuntura política e social, existente no momento da

aprovação do diploma legal.

Some-se a tudo isso o fato de que, caso fosse correta a aplicação da

disposição contida no art. 37, § 6º da CF – para o caso dos oficiais de registros

públicos – não se poderia admitir exceção infraconstitucional com relação – somente

– aos tabeliães de protesto de títulos e outros documentos de dívida, posto que,

nesse caso, o princípio da isonomia restaria ferido de morte, resultanto, pois, na

inconstitucionalidade da norma inserida na Lei nº 9.492/97.

Na análise empreendida no segundo capítulo do trabalho, acerca das

especificidades que envolvem a temática da atividade notarial e de registro,

observamos que, em seu regramento, existe uma série de combinações entre

elementos próprios de um regime jurídico de direito privado, com outros tantos,

aplicáveis ao direito público. Afirmamos, naquela ocasião, que notários e

registradores estão submetidos a um regime jurídico híbrido, de contornos

anômalos.

Assim sendo, a temática referente à responsabilidade civil dessa categoria

profissional encontra-se – igualmente – disciplinada de modo especial, o que

decorre da interpretação sistemática a ser dada ao art. 22 da Lei nº 8.935/94,

tomando-se como base o disposto no § 1º do art. 236 da CF (ante o critério da

especialidade), não se aplicando, portanto, a regra insculpida no § 6º do art. 37 da

mesma Carta Política. Desta forma, referidos titulares de delegação pública não se

confundem, para efeito de responsabilização civil, com os demais agentes públicos,

havendo dispositivo constitucional específico, art. 236, §1º, que dispõe acerca de

sua responsabilidade.

Com relação à responsabilidade civil do Estado em decorrência das atividades

notariais e de registro, advogamos a tese de que esta será subsidiária, e não direta,

conforme entendimento majoritário.3 A posição que assumimos, conforme abordado,

_______________ 3 Consoante abordado no decorrer do trabalho, o C. Supremo Tribunal Federal, em reiterados julgamentos

acerca da matéria em foco, vem se posicionando no sentido de serem os notários e registradores agentes

públicos e, em decorrência disso, entendendo que aos mesmos se aplica a norma contida no art. 37, § 6º, da

Constituição Federal, no sentido de o Estado responder de maneira direta (sem benefício de ordem) e objetiva

pelos danos causados aos administrados por tais agentes, cabendo ação de regresso deste contra os titulares

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pretende deixar evidenciada uma clara valoração da assunção de riscos próprios por

parte do titular da serventia não-oficializada. Entendemos que isso justifica o

recebimento integral dos emolumentos por parte dos nótarios e registradores, como

forma de remuneração. Ademais, levando-se em consideração que a delegação

implica, naturalmente, em atribuição de responsabilidade ao delegado, concluímos

que, caso o Estado continuasse a responder diretamente pelos danos causados por

notários e registradores, restaria sem sentido a inovação constitucional, quando

atribui caráter privado ao modo de exercício dessas atividades.

Nesse sentido, a maior autonomia atribuída a estes profissionais trouxe

consigo um significativo acréscimo de responsabilidade, consubstanciado a partir da

redação do art. 22 do Estatuto dos Notários e Registradores (Lei n° 8.935/94), que

preleciona a responsabilização exclusiva desses agentes delegados de serviços

públicos.

Ora, não se deve conceber a figura da delegação sem riscos. Caso sejam os

notários e os registradores (delegados prestadores de serviços públicos)

equiparados à condição de subordinação que caracteriza os servidores públicos em

geral, aplicar-se-á aos mesmos, por conseguinte, a figura do cargo público e não da

delegação. Isso porque a primeira representa vinculação por dependência e a

segunda constitui-se no desempenho autônomo de atividade, o qual só se justifica

se a atuação se der por conta própria e pela assunção de riscos do delegado.

Dessa forma, o notário ou registrador deverá responder de maneira direta pelos

prejuízos que eles, ou seus prepostos, vierem a causar no exercício das atividades

próprias das serventias. Caso estes sejam insolventes, haverá a responsabilidade do

Poder Público, em decorrência do equívoco na delegação ou omissão na exigência

de caução. Responderá o ente estatal pela falha originária, ocorrida quando do

exercício do poder delegante, mas não pelo erro causador do dano.

Nesse sentido, o ente estatal não poderá se esquivar de ressarcir os prejuízos

suportados pelo administrado, caso este não consiga obter a satisfação do crédito

junto ao delegado titular da serventia notarial e de registro, posto que insolvente.

dos serviços notarias e de registro no caso de comprovação da culpa ou dolo (dos mesmos ou de seus

prepostos).

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Nada mais lógico.Tendo tais atividades natureza de serviço público, acarretam ao

Estado o ônus de arcar com os prejuízos delas advindos, sob pena de ser a vítima

do dano obrigada a suportá-lo individualmente, o que seria um verdadeiro retrocesso

jurídico dentro do sistema de responsabilidade civil.

De qualquer sorte, no que tange à responsabilidade do Estado, acreditamos

ser correta a utilização do disposto no referido § 6º do art. 37. Todavia, notários e

registradores devem ser tratados como prestadores de serviços públicos por

delegação (conforme dispõe o início do § 6º), implicando responsabilidade apenas

subsidiária do Estado, incidindo somente na hipótese de insolvência do titular da

delegação, mas não como agentes públicos (§ 6º, in fine), a ensejar a

responsabilidade direta do ente estatal a que está vinculado.

Acrescentamos aos motivos acima colacionados, no sentido de ser supletiva a

responsabilidade do Estado em decorrência de dano causado por titulares de

serventias extrajudiciais não oficializadas, a inovação ocorrida por ocasião do art. 22

da Lei dos Notários e Registradores - que preconiza a responsabilização direta

desses profissionais – bem como a existência de regime jurídico de delegação sui

generis ao qual estão submetidos. Seja como for, mostra-se claro que, ao ampliar a

autonomia financeira e administrativa dos notários e registradores, o Estado reduziu

sua margem de poder sobre tais atividades, havendo, como consectário-lógico, uma

diminuição do risco assumido pelo ente estatal, fator este a justificar a

subsidiariedade de sua responsabilidade.

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