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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL PRATICADO POR ADOLESCENTES ELISABETH ENDERLE DECLARAÇÃO “DECLARO QUE A MONOGRAFIA ESTÁ APTA PARA DEFESA EM BANCA PUBLICA EXAMINADORA”. ITAJAÍ (SC), 08 de novembro de 2010. ___________________________________________ Professor Orientador: MSc. Patrícia Elias Vieira. UNIVALI Campus Itajaí-SC

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL PRATICADO POR ADOLESCENTES

ELISABETH ENDERLE

DECLARAÇÃO

“DECLARO QUE A MONOGRAFIA ESTÁ APTA PARA DEFESA EM BANCA PUBLICA EXAMINADORA”.

ITAJAÍ (SC), 08 de novembro de 2010.

___________________________________________ Professor Orientador: MSc. Patrícia Elias Vieira.

UNIVALI – Campus Itajaí-SC

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL PRATICADO POR ADOLESCENTES

ELISABETH ENDERLE

Itajaí (SC), novembro de 2010.

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL PRATICADO POR ADOLESCENTES

ELISABETH ENDERLE

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel

em Direito. Orientador: Professora MSc. Patrícia Elias Vieira

Itajaí, 08 de novembro de 2010

AGRADECIMENTO

A Deus, pelas oportunidades e proteção a mim

dedicadas.

A minha família, pela confiança depositada, e que

mesmo distante estiveram sempre presentes

nesta empreitada da minha vida.

Aos amigos, que me apoiaram e demonstraram a

importância da verdadeira amizade.

A minha orientadora, Patrícia Elias Vieira, pela

dedicação, incentivo e colaboração na realização

deste trabalho.

Aos mestres, que durante este percurso

souberam transmitir o conhecimento e a

experiência que possuem.

Aos colegas de faculdade, de quem sentirei muita

falta.

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a meus pais, Wilson e

Domingas, e aos meus irmãos Fernando e Heloísa,

amores da minha vida.

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de

toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, 08 de novembro de 2010.

Elisabeth Enderle Graduando

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Elisabeth Enderle, sob o título A

Atuação do Ministério Público na Apuração de Ato Infracional praticado por

adolescentes, foi submetida em 23 de novembro de 2010 à banca examinadora

composta pelos seguintes professores: Patrícia Elias Vieira, MSc., presidente da

Banca; Leôncio Paulo da Costa Neto, MSc., membro da Banca, e aprovada com a

nota [Nota] ([nota Extenso]).

Itajaí, 23 de novembro de 2010.

Patrícia Elias Vieira Orientador e Presidente da Banca

Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

art. Artigo arts. Artigos B.O. Boletim de Ocorrência br. Brasil CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CC Código Civil de 2002 CEJURPS Centro de Ciências Sociais e Jurídicas CPP Código de Processo Penal ECA Estatuto da Criança e do Adolescente ed. Edição gov. Governo In Em MSc. Master of Sciencie - Mestre em Ciências orgs. Organizadores p. Página SC Santa Catarina SP São Paulo UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí www. World Wide Web – rede mundial de computadores § Parágrafo

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Adolescente

É aquele “(...) entre doze e dezoito anos de idade”.1

Apuração de Ato Infracional

É o procedimento pelo qual será apurado o ato infracional, respeitando ao princípio

de devido processo legal.2

Apuração de Ato Infracional na fase policial

É a “(...) realizada pela Polícia Judiciária, quando o apreende e ao produto e os

instrumentos da infração e determina diligências investigatórias (...)”. 3

Apuração de Ato Infracional na fase ministerial

É a “(...) ocasião em que o infrator será apresentado ao promotor de justiça, em

audiência informal, com os seus pais ou responsáveis, testemunhas e vítimas (...)”. 4

Apuração de Ato Infracional na fase judicial

É “(...) quando o adolescente será ouvido pelo juiz, na presença de seus pais ou

responsáveis e de seu advogado (...)”. 5

Arquivamento da Notícia de Ato Infracional

1 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.10.2010.

2 Conceito operacional elaborado pela autora da pesquisa com base na bibliografia e citações identificadas no item 3.1 desta monografia.

3 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p. 170.

4 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p. 170.

5 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p. 170.

10

É o cumprimento da sentença judicial que acolhe o requerimento do Promotor de

Justiça que requer a extinção do procedimento, ante estar provada a inexistência do

fato, não haver prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional, ante a

existência de excludente de antijuridicidade ou culpabilidade, ou de outras situações

que o Promotor de Justiça julgar cabível.6

Ato Infracional

É “(...) a conduta descrita como crime ou contravenção penal”. 7

Criança

É “(...) a pessoa até doze anos de idade incompletos (...)”. 8

Direito da infância e Juventude

Disciplina jurídica que garante a criança e ao adolescente proteção especial por

parte da família, da sociedade e do Estado.9

Direitos Individuais

“(...) são bens e vantagens conferidas pela norma”. 10

Doutrina da Proteção Integral

“Quer dizer amparo completo, não só da criança e do adolescente, sob o ponto de

vista material e espiritual, como também a sua salvaguarda desde o momento da

concepção, zelando pela assistência à saúde e bem-estar da gestante e da família,

natural ou substituta da qual irá fazer parte”. 11

6 Conceito operacional elaborado pela autora da pesquisa com base na bibliografia e citações identificadas no item 3.3.1 desta monografia.

7 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.10.2010.

8 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.10.2010.

9 Conceito operacional elaborado pela autora da pesquisa com base na bibliografia e citações identificadas no item 1.1 desta monografia.

10 Apud PRADE, Péricles. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 351.

11 CHAVES, Antônio. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. 2 ed. São Paulo: LTr, 1997. p. 51.

11

Garantias Processuais

“(...) as garantias são meios destinados a fazer valer esses direitos” individuais,

“instrumentos pelos quais se asseguram o exercício e gozo daqueles bens e

vantagens”. 12

Medida Sócio-educativa

“As medidas sócio-educativas são aquelas atividades impostas aos adolescentes

quando considerados autores de ato infracional. Destinam-se elas à formação do

tratamento tutelar empreendido a fim de reestruturar o adolescente para atingir a

normalidade da integração social”. 13

Ministério Público

“O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do

Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos

interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127)”.14

Remissão Ministerial

“(...) o perdão feito pelo Promotor de Justiça ao adolescente infrator de natureza

administrativa. Trata referida norma de verdadeira manifestação da soberania do

Ministério Público, pois pode o Parquet decidir pela aplicação da medida (...). É

forma de exclusão do processo”. 15

12

Apud PRADE, Péricles. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 351.

13 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 1997. p. 80 e 81.

14 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Rideel, 2009. p.136

15 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 243.

SUMÁRIO

RESUMO..........................................................................................XIII

INTRODUÇÃO .................................................................................. 14

CAPÍTULO 1 ..................................................................................... 17

O DIREITO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE NO BRASIL .................. 17

1.1 A HISTÓRIA DO DIREITO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE NO BRASIL.......17 1.1.1 A LEI DO VENTRE LIVRE E A INFÂNCIA COMO QUESTÃO SOCIAL...........................18 1.1.2 O CÓDIGO DE MENORES...................................................................................24

1.1.3 O NOVO CÓDIGO DE MENORES..........................................................................28 1.2 DA DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL E AS POLÍTICAS DE ATENDIMENTO......................................................................................................32 1.3 DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO APLICADAS ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES...................................................................................................39

CAPÍTULO 2 ..................................................................................... 49

A PRÁTICA DO ATO INFRACIONAL ............................................... 49

2.1 O ATO INFRACIONAL E A INIMPUTABILIDADE PENAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE..............................................................................................49 2.2 OS DIREITOS INDIVIDUAIS DOS ADOLESCENTES QUE PRATICAM ATOS INFRACIONAIS...........................................................................................56

2.3 AS GARANTIAS PROCESSUAIS CONFERIDAS AOS ADOLESCENTES QUE PRATICAM ATOS INFRACIONAIS..............................................................64 2.4 AS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS APLICÁVEIS AOS ADOLESCENTES QUE COMETEM ATOS INFRACIONAIS...............................................................74

CAPÍTULO 3 ..................................................................................... 85

AS FASES PROCESSUAIS DA APURAÇÃO DO ATO INFRACIO- NAL E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ............................ 85

3.1 AS CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES DA APURAÇÃO DO ATO INFRACIONAL........................................................................................................85 3.2 A APURAÇÃO DO ATO INFRACIONAL NA FASE POLICIAL.......................86 3.3 A APURAÇÃO DO ATO INFRACIONAL NA FASE MINISTERIAL.................93

3.3.1 O ARQUIVAMENTO DA NOTÍCIA DO ATO INFRACIONAL...........................................97 3.3.2 A REMISSÃO MINISTERIAL...............................................................................100 3.3.3 A REPRESENTAÇÃO À AUTORIDADE JUDICIÁRIA.................................................105

3.4 A APURAÇÃO DO ATO INFRACIONAL NA FASE JUDICIAL.....................111

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................ 121

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ......................................... 126

RESUMO

A presente monografia trata da atuação do Ministério Público na apuração de ato infracional praticado por adolescentes. Inicialmente, estuda-se a evolução histórica do Direito da Infância e Juventude no Brasil, chegando-se na doutrina da proteção integral, instituída no ordenamento jurídico pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente de 1991, enfatizando as medidas protetivas elencadas no artigo 101 do mencionado Estatuto. Num segundo momento, aborda-se a questão da inimputabilidade penal dos adolescentes, os direitos individuais e garantias processuais assegurados aos adolescentes que praticam atos infracionais, tratando também das medidas sócio-educativas estabelecidas no artigo 112 do ECA. Passo seguinte é feito um estudo acerca da conceituação de ato infracional, das fases processuais da apuração do ato infracional, destacando-se detalhadamente a atuação do Ministério Público nestas fases, quais sejam: a fase policial, a fase ministerial e a fase judicial. O relato da pesquisa se dá pelo método indutivo. Palavras chave: Ato infracional – Ministério Público - Adolescente

INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto a atuação do

Ministério Público na apuração de ato infracional praticado por adolescentes.

O seu objetivo institucional é produzir uma monografia jurídica

para obtenção do grau de bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI.

O seu objetivo geral é investigar a atuação do Ministério

Público no procedimento de apuração do ato infracional, investigar as medidas

sócio-educativas que podem ser aplicadas aos adolescentes que praticam ato

infracional e o procedimento para que sejam elas aplicadas, conforme a legislação e

a doutrina pátrias.

Para alcançar tal desiderato foram traçados os seguintes

objetivos específicos:

a) Observar se existem diferenças entre direitos individuais dos

adolescentes que praticam ato infracional e garantias processuais conferidas ao

adolescente que praticam ato infracional.

b) Catalogar quais as fases de apuração do ato infracional

praticado por adolescente.

O interesse pelo tema abordado deu-se em razão de um

estímulo pessoal à causa da criança e do adolescente, pois durante a faculdade a

autora realizou estágio na Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de

Balneário Camboriú - Santa Catarina, tendo contato com processos de ato

infracional e de execução de medida sócio-educativa.

Para a presente monografia foram levantados os seguintes

problemas:

15

Qual a diferença entre direitos individuais dos adolescentes

que praticam atos infracionais e garantias processuais conferidas aos adolescentes

que praticam atos infracionais?

Quais as fases de apuração do ato infracional praticado por

adolescente?

Quais as formas de atuação do Ministério Público na apuração

do ato infracional e quando utilizá-las?

E, as respectivas hipóteses:

Hipótese 1: Os direitos individuais são vantagens conferidas

aos adolescentes pela norma jurídica. As garantias processuais são os meios para

fazer tais direitos.

Hipótese 2: O procedimento de apuração do ato infracional é

composto por três fases: fase policial, fase ministerial e fase judicial.

Hipótese 3: O Ministério Público atua na fase ministerial e

judicial da apuração do ato infracional. Na fase ministerial o representante do

Ministério Público poderá arquivar os autos, conceder remissão ou oferecer

representação. Na fase judicial o representante do Ministério Público atua como

autor da ação, visando a alcançar os objetivos de ressocialização e reeducação do

adolescente.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando do histórico do

Direito da Infância e Juventude no Brasil, com ênfase à fase da proteção integral,

adotada pelo sistema legal do nosso País e às medidas de proteção aplicadas às

crianças e aos adolescentes.

No Capítulo 2, tratando do ato infracional, conceituação e

aspectos gerais, os direitos individuais e as garantias processuais dos adolescentes

que cometem atos infracionais, bem como as medidas sócio-educativas a eles

passíveis de serem ajustadas, tratando, também, acerca da inimputabilidade penal

da criança e do adolescente.

16

No Capítulo 3, tratando do procedimento da apuração de ato

infracional, das fases deste procedimento, a fase policial, ministerial e judicial,

enfatizando a atuação do Ministério Público em todos os momentos.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,

seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a

atuação do Ministério Público na apuração de ato infracional praticado por

adolescentes.

Quanto à Metodologia empregada foi utilizado o Método

Indutivo16. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do

Referente17, da Categoria18, do Conceito Operacional19 e da Pesquisa

Bibliográfica20.

Após a exposição dos capítulos, passam-se às considerações

finais, em que serão apresentadas as sínteses de cada capítulo e as demonstrações

sobre as hipóteses básicas da pesquisa, e se foram ou não confirmadas.

16

“[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 86.

17 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 54.

18 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 25.

19 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 37.

20 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 209.

CAPÍTULO 1

O DIREITO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE NO BRASIL

1.1 A HISTÓRIA DO DIREITO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE NO BRASIL

O direito da infância e juventude em vigor apresenta como

diretriz a doutrina de proteção integral, instituída pela Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988.

Cury21 relata que:

A inspiração de reconhecer proteção especial para a criança e o adolescente não é nova. Já a Declaração de Genebra de 1924 determinava “a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial”; da mesma forma que a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (Paris, 1948) apelava ao “direito a cuidados assistência especiais”; na mesma orientação, a Convenção Americana sobre os Direitos humanos (Pacto de São José, 1969) alinhavava, em seu art. 19: “Toda criança tem direito às medidas de proteção que na sua condição de menor requer, por parte da família, da sociedade e do Estado”.

Em que pese a legislação internacional ser ampla em tratar

sobre os direitos das crianças há anos, a história do Direito da Criança no Brasil é

recente, haja vista que antes da instituição da doutrina de proteção integral no Brasil,

existiram algumas leis que versavam sobre elas, porém nem sempre seus direitos

individuais, por si só, eram garantidos.

Observa Veronese22, que as primeiras leis nacionais a se

preocuparem com a criança e o adolescente, ainda que de forma precária, estavam

ligadas ao regime escravista brasileiro. Na Constituinte de 1823, José Bonifácio

apresentou um projeto com vistas na proteção da criança escrava. Entretanto, tal

projeto tinha como escopo a preservação da mão-de-obra e não os direitos humanos

21

CURY, Munir (coordenador). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 16.

22 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos das Crianças e dos Adolescentes. São Paulo: LTr,

1999.

18

dessas crianças. Salienta-se que este trabalho foi vetado por D. Pedro I ao outorgar

a Constituição Imperialista de 1824.

Por sua vez, a Constituição do Império de 1824 se mostrou

totalmente omissa em relação aos direitos das crianças, ao passo que o Código

Criminal fez as primeiras referências sobre a responsabilização penal dos menores.

Liberati23 assinala que:

Pelo Código Criminal do Império, os menores de 14 anos estavam isentos da punibilidade pelos atos considerados criminosos por eles praticados. Os infratores que tinham menos de 14 anos e que apresentassem discernimento sobre o ato cometido eram recolhidos às Casas de Correção, até que completassem 17 anos. Entre 14 e 17 anos, estariam os menores sujeitos à pena de cumplicidade (2/3 do que cabia ao adulto infrator) e os maiores de 17 e menores de 21 anos gozavam de atenuantes de menoridade.

De outro norte, a questão da escravidão no Brasil teve

repercussão nacional em meados dos anos de 1860, fazendo com que o Senado,

por meio dos movimentos abolicionistas, conseguisse aprovar a lei de autoria de

Silveira da Mota que estabelecia “a proibição de venda de escravos sob pregão e

exposição pública, bem como a proibição de, em qualquer venda, separar o filho do

pai e o marido da mulher”, conforme asseverou Macedo24.

1.1.1 A Lei do Ventre Livre e a Infância como questão social

A partir de então, notadamente em 1871, tem-se o marco

histórico da primeira lei nacional de proteção à infância, a Lei nº 2.040, conhecida

como a Lei do Ventre Livre ou Lei Rio Branco, a qual concebia liberdade para as

crianças nascidas de mães escravas, visando impedir a continuidade da escravidão

por meio dos filhos dos escravos. Contudo, a Lei apresentava cláusulas restritivas,

escritas de forma clara por Veronese25:

23 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adolescente e Ato Infracional. São Paulo: editora Juarez de Oliveira,

2002. p. 28.

24 Apud VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos das Crianças e dos Adolescentes. São Paulo: LTr, 1999, p. 11.

25 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos das Crianças e dos Adolescentes. São Paulo: LTr, 1999, p. 12.

19

A Lei estipulava, por exemplo, que o menor deveria permanecer sob a autoridade do senhor (proprietário de escravos) e de sua mãe, que juntos deveriam educá-lo até a idade de 8 anos. Atingida esta idade, o proprietário da mãe escrava teria duas opções: poderia receber do Estado uma indenização de 600 mil-réis pagos em títulos de Estado, a 6%, no prazo de trinta anos ou se utilizar dos serviços do menor até que este completasse 21 anos. Quase sempre, o senhor preferia ficar com a criança negra, uma vez que a Lei não determinava o número de horas de trabalho, o regime sanitário ou a alimentação que deveriam receber estes “escravos livres”. Na realidade, isto constituía uma nova modalidade de escravidão.

Embora a Lei do Ventre Livre não salvaguardasse todos os

direitos das crianças livres, causando mais prejuízos do que benefícios, nota-se que

sua principal importância foi iniciar um processo de libertação.

Conrad26 esclarece que a situação de servidão permaneceu,

haja vista que a Lei do Ventre Livre não conseguiu diferenciar e garantir uma vida

diversa da dos escravos às crianças. Entretanto, desde a proibição do tráfico de

escravos para o Brasil, em 1850, até 1888, paulatinamente o regime escravocrata foi

desaparecendo, surgindo a idéia favorável à imigração.

Martins27 elucida que:

Em meados do século XIX, fatores como a imigração, a abolição da escravatura, a construção de vias férreas, os melhoramentos urbanos e o início da industrialização introduzem algumas modificações na estrutura econômica e social do país, contribuindo para o desenvolvimento relativo do mercado interno e estimulando o processo de urbanização.

Para Alves28 esse período provocou “uma mudança de

mentalidade: o conceito de infância passou a ser também uma questão social,

competência do Estado”.

Pontua Martins29, que o sistema familiar passa a adotar o

modelo burguês de habitação, as pessoas se retiram das ruas para suas casas,

26

Apud VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos das Crianças e dos Adolescentes. São Paulo: LTr, 1999.

27 MARTINS, Daniele Comin. Estatuto da Criança e do Adolescente & Políticas de Atendimento.

Curitiba: Juruá, 2003. p. 22.

28 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 03.

29 MARTINS, Daniele Comin. Estatuto da Criança e do Adolescente & Políticas de Atendimento.

20

inventando a vida privada e novos hábitos domésticos. Agora a família e a escola

assumem o papel de socialização, antes atribuído à rua. Nasce também, com a

criação do Estado Nacional Brasileiro, a normalização médica difundida em todas as

classes sociais e surgimento de práticas filantrópicas, assistencialistas e medicinais

para controle das instituições familiares das classes baixas da população.

Escreve Veronese30, que as instituições assistencialistas

começam a atuar, ajudando apenas na caridade, não havendo uma preocupação

direcionada para o ser criança, sendo tais instituições ligadas às associações civis e

religiosas.

Destaca a mencionada autora, Veronese31, que inicialmente é

a Igreja Católica que aparece como fonte, por meio de ordens religiosas, fornecendo

assistência aos órfãos, abandonados e pervertidos. Bastava dar-lhes casa e comida,

limitando-se o aprendizado às atividades domésticas e educação familiar, sempre

baseada na autoridade e obediência. Assim também, descreve que o tipo de

assistência filantrópica era realizada por associações privadas ou particulares,

sendo prestada assistência médica ou educacional ou alimentar, de forma

alternativa.

Segundo Martins32, é inevitável que a família e a escola

viessem a sofrer uma forte crise em razão da responsabilidade exercida para

sociabilização da criança e do adolescente, tornando-se evidente o retorno dos

mesmos ao espaço público, a rua, destacando que esse retorno se deu:

“pela porta dos fundos”, é a volta a um espaço já incapaz de sociabilizar e nutrir essas crianças e adolescentes com todos os instrumentos necessário para mantê-los em correspondência aos anseios da sociedade capitalista, surgindo então aquelas figuras conhecidas do “menor abandonado”, do “menor de rua”, do “menor na rua”, do “menor infrator” (...).

Curitiba: Juruá, 2003.

30 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos das Crianças e dos Adolescentes. São Paulo: LTr,

1999. p. 18.

31 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos das Crianças e dos Adolescentes. São Paulo: LTr, 1999. p. 18 e 19.

32 MARTINS, Daniele Comin. Estatuto da Criança e do Adolescente & Políticas de Atendimento.

Curitiba: Juruá, 2003. p. 25.

21

Outrossim, como marco histórico relevante, salienta-se que,

também no período do Brasil Colônia e Império, houve a instituição da Roda dos

Expostos nas Santas Casas de Misericórdia, seguindo a tradição portuguesa,

inicialmente instaladas no Brasil em Salvador e no Rio de Janeiro, no século XVIII,

posteriormente instituída em São Paulo, ressalva feita por Martins33.

Para Melo34 tratava-se de “uma roda giratória para recolher

crianças abandonadas que para aí podiam ser levadas, sem precisarem os pais

aparecer e se expor”, ou seja, havia a garantia do anonimato dos genitores.

Os motivos que levavam ao abandono dos filhos são de difícil

definição, conforme Souza Neto35, que dispõe:

(...) mas tudo faz crer que as razões eram principalmente de ordem econômica e social. Entre as motivações de ordem religiosa e moral para o abandono, convém recordar que a doutrina cristã, no decorrer da história, consolidou o valor ético da família e condenou severamente o adultério, a ponto de o Direito Canônico não admitir a ordenação sacerdotal de um filho bastardo.

Assim, o confinamento em instituições de caridade eram

práticas comum e que ofereciam assistência precária, razão pela qual foi criada a

Roda dos Expostos, que visava a proteção das crianças, afastando-as da

prostituição e vadiagem.

Porém, estabelece Veronese36 que “na casa dos expostos,

devido a escassez de recursos materiais e humanos, era grande o número de

crianças que não resistiam às precárias condições a que eram submetidas”.

Com o advento da República, a assistência fornecida pela

Igreja e também de iniciativas filantrópicas no século XIX, demonstraram-se

insuficientes às necessidades da época.

33

MARTINS, Daniele Comin. Estatuto da Criança e do Adolescente & Políticas de Atendimento. Curitiba: Juruá, 2003. p. 25 e 26.

34 Apud LIBERATI, Wilson Donizeti. Adolescente e Ato Infracional. São Paulo: editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 28

35 SOUZA NETO, João Clemente de; NASCIMENTO, Maria Letícia (orgs.). Infancia, violência, instituições e políticas públicas. São Paulo: Expressão e Arte, 2006. p. 20.

36 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos das Crianças e dos Adolescentes. São Paulo: LTr,

1999. p.16.

22

Pontua Veronese37 que “fazia-se necessário que as instituições

formassem o indivíduo na moral, bons costumes, educação elementar e que lhe

fornecessem ainda uma capacitação profissional”, o que “mais tarde lhe permitiria o

seu próprio sustento”.

Levando-se em conta as necessidades da época, por volta do

século XX, surge a participação do Estado no que tange à assistência à infância,

afirmando Rizzini38 que agora está voltada a reeducação, ligadas não somente aos

ensinamentos da fé, mas também à ciência, no âmbito jurídico e pedagógico.

Assim, o século XX começou sob a égide do Código Penal da

República de 1890, o qual, segundo Liberati39, declarou a irresponsabilidade de

pleno direito dos menores de 9 anos de idade, como também dos que possuíam de

9 a 14 anos, desde que tivesse agido sem discernimento. Já os que demonstravam

ter discernimento do ato praticado, eram recolhidos em estabelecimentos

disciplinares industriais, de acordo com o tempo que o juiz julgasse necessário,

entretanto sem exceder a idade limite de 17 anos de idade, mantendo-se aqui a

imposição da pena de cumplicidade ao maior de 14 e menor de 17, bem como a

atenuante de menoridade, estabelecidas no Código Penal do Império.

De acordo com o mesmo autor, Liberati40, essa teoria do

discernimento sofreu diversas críticas em razão dos estabelecimentos industriais

não terem sido organizados, fato que fez com que as crianças e adolescentes

fossem lançados às prisões comuns.

Coaduna Neves de Jesus41, sustentando que em sinal de

protesto à omissão estatal, no ano de 1899, por meio de esforços particulares, foi

37

VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos das Crianças e dos Adolescentes. São Paulo: LTr,

1999. p 21.

38 Apud VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos das Crianças e dos Adolescentes. São Paulo:

LTr, 1999. p 22.

39 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adolescente e Ato Infracional. São Paulo: editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 28.

40 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adolescente e Ato Infracional. São Paulo: editora Juarez de Oliveira, 2002

41 JESUS, Maurício Neves. Adolescente em conflito com a lei: prevenção e proteção integral.

Campinas/SP: Servanda Editora, 2006. p. 41.

23

criado no Rio de Janeiro o Instituto de Proteção e Assistência à Infância, sendo que

“pouco depois, em 2 de março de 1903, o decreto estadual 4.780 instituiu a Escola

Correcional XV de Novembro, dedicada a internar menores abandonados para

prevenir a delinqüência infanto juvenil”.

Já em 1921, surge a Lei orçamentária sob o número 4.242, de

5 de janeiro, que além de eliminar o critério de discernimento, fixando a idade de

responsabilização penal em 14 anos, também “autorizava o governo a organizar o

serviço de assistência e proteção à infância abandonada e delinqüente e abria

oportunidade para a criação dos Juízos de Menores”42.

Discorre Saraiva43, que “contemporaneamente a isso, o

Decreto nº 16.272, de 20 de dezembro de 1923, criava as primeiras normas de

Assistência Social visando a “proteger os menores abandonados e delinqüentes”.

Assim, Neves de Jesus44 relata que:

Em 1924 surgiu o primeiro Juizado de Menores do Brasil, no Distrito Federal, tendo como seu titular o magistrado José Cândido Mello Mattos. Para funcionar junto ao juizado criou-se um abrigo destinado a recolher e educar os infratores e os abandonados, ou preservar estes e reformar aqueles, que ficavam em ambientes separados.

Entretanto, para o mesmo autor, Neves de Jesus45, “não seria

a criação de um ou dois abrigos que atenderia a demanda”, acrescentando que

“jamais se encontrou uma solução que permitisse a execução das medidas previstas

para a delinqüência infanto-juvenil”.

Complementa Veronese46 que para alguns, o Juízo de

Menores, criado em 1924, “foi mais um erro do que um acerto em favor da criança,

42

ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p.04.

43 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. 3. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 41.

44 JESUS, Maurício Neves. Adolescente em conflito com a lei: prevenção e proteção integral. Campinas/SP: Servanda Editora, 2006. p. 41.

45 JESUS, Maurício Neves. Adolescente em conflito com a lei: prevenção e proteção integral. Campinas/SP: Servanda Editora, 2006. p. 42.

46 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos das Crianças e dos Adolescentes. São Paulo: LTr,

1999. p. 24.

24

pois lhe faltava uma organização técnico-administrativa, que lhe desse a

credibilidade necessária”.

1.1.2 O Código de Menores

Mais tarde, em 12 de outubro de 1927, por meio do Decreto n.

17.943-A, é aprovado o primeiro Código de Menores, criado pelo jurista José

Candido Albuquerque Mello de Matos, também conhecido como “Código Mello

Matos”, cujo objetivo era desenhar uma política de responsabilidade do Estado,

assistencialista, "em que o Poder Judiciário tornou-se ente hegemônico no trato das

questões sociais referentes à criança e ao adolescente, de modo a garantir o

controle social ao Estado”, esclarece Martins47.

Contempla Liberati48, que:

A nova postura legislativa classificou os menores de 18 anos em abandonados e delinqüentes; os delinqüentes, com idade superior a 14 anos, não eram submetidos a processo penal, mas a um processo especial de apuração de sua infração; a “Teoria do discernimento” foi abolida e a medida de internação ao delinqüente era imposta por todo o tempo necessário à sua educação entre 3 e 7 anos; os abandonados eram recolhidos e encaminhados a um lar, fosse dos pais, fosse de pessoa responsabilizada por sua guarda; aos menores de 2 anos, determinava sua entrega, para serem criados “fora da casa dos pais”. Previu, também, aquele Código o aconselhamento das mães, para evitar-se o abandono dos filhos; o sigilo dos atos processuais foi instituído nos casos de acolhimento do menor por outra família; o trabalho do menor foi limitado à idade de 12 anos e o trabalho noturno foi proibido aos menores de 18 anos.

Acrescenta Alves49 sobre a medida de internação, que “aos

delinqüentes abandonados a lei reservava internação de um a cinco anos; e aos

pervertidos, internação de três a sete anos”, sendo que o internamento seria em

estabelecimento de reeducação ou profissional, aplicando-se as medidas de

assistência e proteção aos menores de 14 anos.

47

MARTINS, Daniele Comin. Estatuto da Criança e do Adolescente & Políticas de Atendimento.

Curitiba: Juruá, 2003. p. 32.

48 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adolescente e Ato Infracional. São Paulo: editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 30.

49 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 5.

25

Para o mesmo autor, Alves50, o Código de Menores de 1927 foi

se tornando obsoleto, sendo que:

A doutrina entendia necessário rejeitar as designações menor delinqüente e menor abandonado, e propunha a criação de fórmulas gerais dentro das quais o menor deveria ser assistido. (...) Por outro lado, faltava ao Código estabelecer a possibilidade de uma assistência educativa, quer pela família do menor, quer por instituições especializadas.

Do mesmo modo, extrai-se dos ensinamentos de Silva51 que:

O Código Mello Matos refletia a elite moralista de sua época, os “menores” objeto da Lei encontravam-se à margem do sistema econômico-social e, em consequência, eram alvo de discriminação e condenação moral da mesma forma como ocorria com outros excluídos sociais.

Visando solucionar tal impasse, é criado em 1942, o Serviço de

Assistência aos Menores, o SAM, segundo Saraiva52:

(...) um órgão de Ministério da Justiça que funcionava como um equivalente do Sistema Penitenciário para a população menor de idade. A orientação do SAM é, antes de tudo, correcional-repressiva, e seu sistema baseava-se em internatos (...) para adolescentes autores de infração penal e de patronatos agrícolas em escolas de aprendizagem de ofícios urbanos para os menores carentes e abandonados.

Argumenta Liberati53, que “o SAM foi criado, para cumprir as

medidas aplicadas aos infratores pelo Juiz, tornando-se mais uma administradora de

instituições do que, de fato, uma política de atendimento ao infrator”.

Arremata Veronese54 afirmando que “o SAM não conseguiu

cumprir suas finalidades, sobretudo devido à sua estrutura emperrada, sem

50

ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 5

51 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude.

Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p.20.

52 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. 3. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 44 e 45.

53 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adolescente e Ato Infracional. São Paulo: editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 60.

54 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos das Crianças e dos Adolescentes. São Paulo: LTr, 1999. p. 32.

26

autonomia e sem flexibilidade e a métodos inadequados de atendimento”, o que

gerava “revoltas naqueles que deveriam ser amparados e orientados”.

Salienta-se Liberati55 que:

O indicador da institucionalização estava na classe social, na pobreza, na miséria, na falta de condições psicológicas e da carência assistencial dos pais. O abandono, a vadiagem, a mendicância eram motivos suficientes para a intervenção judicial, que determinava a internação como forma de “ressocialização” ou de “recuperação” da criança e do adolescente.

Em razão da ineficácia do Serviço de Assistência ao Menor e

também das demais medidas até então adotadas em face das crianças e

adolescentes, Neves de Jesus56 relata que:

A década de 50 foi marcada pelos debates que visavam a reformulação da legislação infanto-juvenil”, acrescentando que “o desejo de normas mais democráticas cresceu com a Declaração Universal dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, a 20 de novembro de 1959 (...).

Complementa Saraiva57, que com o advento da Constituição

Federal de 1946 e findada a Ditadura Vargas, “o país viveu um período de

inspiração liberal. Em 1964, todavia, estabeleceu-se uma ruptura, com a instalação

da Ditadura Militar”.

Firma-se, agora, segundo Liberati58, em substituição do Serviço

de Assistência a Menores – o SAM, a Fundação nacional do Bem-Estar do Menor –

a FUNABEM ou FNBEM, instituída pela Lei 4.513, de 1º de dezembro de 1964.

Sustenta Veronese59 que o Governo Militar se sensibilizou com

o drama da criança brasileira, adquirindo a infância um status de problema social,

55

LIBERATI, Wilson Donizeti. Adolescente e Ato Infracional. São Paulo: editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 62 e 63.

56 JESUS, Maurício Neves. Adolescente em conflito com a lei: prevenção e proteção integral. Campinas/SP: Servanda Editora, 2006. p. 53.

57 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. 3. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 49.

58 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adolescente e Ato Infracional. São Paulo: editora Juarez de Oliveira,

2002. p.67 e 68.

27

sobre o qual recaiu os preceitos da ideologia de segurança nacional, que eram

repassados pela política nacional do bem estar do menor, sob a responsabilidade da

FUNABEM.

Martins60, por sua vez, acrescenta que a atuação da

FUNABEM estava ligada ao processo de marginalização, “voltava-se ao

afastamento da criança do meio em que vivia, classificado como à margem da lei e

dos bons costumes”, sendo que tal situação tinha responsabilidade atribuída à

família.

Destaca-se que a FUNABEM foi instituída na esfera nacional,

mais tarde surgindo as FEBEMs como sucessoras nos âmbitos estaduais.

No entanto, destaca Silva61 que:

(...) esses dois instrumentos de controle social não foram eficientes, haja vista o crescente número de crianças marginalizadas e a incapacidade de proporcionar qualquer espécie de reeducação. A metodologia aplicada pelas instituições de educação e reclusão, em vez de socializar a criança e o adolescente, massificava-os e, dessa forma, em vez de criar estruturas sólidas nos planos psicológicos, biológicos e social, afastava esse chamado “menor em situação irregular” definitivamente da vida comunitária.

Liberati62 acrescenta que:

As medidas aplicadas aos menores, fossem eles carentes ou delinqüentes, tinham natureza punitiva, revestida de proteção assistencial. O menor abandonado era internado, porque seus pais não tinham condições financeiras; o órfão era internado, porque não tinha responsáveis; o infrator era internado, porque, agora, estava em situação irregular, por conduta desviante, proporcionada por ele próprio.

Assim, bem pontua Silva63 ao descrever que:

59

VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos das Crianças e dos Adolescentes. São Paulo: LTr,

1999. p. 33.

60 MARTINS, Daniele Comin. Estatuto da Criança e do Adolescente & Políticas de Atendimento. Curitiba: Juruá, 2003. p. 33.

61 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 22.

62 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adolescente e Ato Infracional. São Paulo: editora Juarez de Oliveira,

2002. p. 73.

28

A situação da infância e juventude brasileira, assim como de toda a sociedade brasileira, não foi em nada melhorada com o golpe militar de 1964. A Constituição da República Federativa outorgada em 1967, não trouxe qualquer colaboração para a proteção de crianças e adolescentes.

Dentro deste panorama, surge a necessidade de uma nova Lei

para tratar dos direitos dos menores.

1.1.3 O novo Código de Menores

Veronese64 enfatiza que surge em 1979, por meio da Lei

6.697, de 10 de outubro, o novo Código de Menores, no qual se estabeleceu um

novo termo “menor em situação irregular”, o qual se referia ao menor de 18 anos de

idade “que se encontrava abandonado materialmente, vítima de maus-tratos, em

perigo moral, desassistido juridicamente, com desvio de conduta e ainda o autor de

infração penal”.

Leciona Alves65 que:

O Código de Menores de 1979 dispunha sobre assistência, vigilância e proteção aos menores de 18 anos, que se encontrassem em situação irregular, ou entre 18 e 21 anos, nos casos expressos em lei (art. 1º). Eram previstas seis situações irregulares – que determinavam a competência da Justiça de Menores - , graduadas desde o abandona até a infração penal (art. 2º). O Código propunha para elas seis diferentes medidas de assistência e proteção, desde a advertência ou entrega do menor a seus pais até a internação (art.14). Não havia proporcionalidade entre as situações irregulares e as medidas, de modo que a aplicação destas dependia de um exame socioeconômico e cultural do menor e de sua família. Com isso, as medidas detentivas de segurança podiam ser aplicadas independentemente da prática de um fato delitivo. O juiz e o promotor não eram sujeitos neutros: assumiam uma função tuitiva, e não integravam uma tríplice relação processual. Aliás, as medidas podiam ser aplicadas mediante procedimentos administrativos ou contraditórios, de iniciativa oficial ou provocados pelo Ministério Público ou por quem tivesse legítimo interesse (art. 86).

Neste diapasão, Veronese66 aduz que:

63

SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude.

Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 23.

64 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos das Crianças e dos Adolescentes. São Paulo: LTr, 1999. p. 35.

65 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 6 e 7.

29

O processo em que o “menor” se submetia era inquisitorial, isto significa que a verdade material se sobrepunha aos direitos da pessoa humana, colocando a criança como mero objeto da análise investigatória. Em tais processos, não obrigava a lei menorista à participação do advogado. A intimidade dessa criança ou adolescente era desregradamente vasculhada, sendo que as medidas legais chegavam a intervir na família e no meio em que o mesmo vivia.

Importante frisar, as palavras de Neves de Jesus67 ao comentar

o art. 2º e 3º daquele Código, quando se verifica que faltando estabelecimentos

adequados, o adolescente poderia ser internado em locais destinados a maiores,

“garantida a incomunicabilidade”. Assim também, ressalta que o adolescente ao

“completar vinte e um anos sem que houvesse se declarado o fim da medida

passaria ao juiz da execução penal que, por seu turno, decretaria o fim da medida se

julgasse cessada a causa que motivou a internação do infrator (...)”.

Ao discorrer sobre o tema, o mesmo autor citado no parágrafo

acima, Neves de Jesus68, comenta que:

Os critérios incertos de aplicação da lei do Código de menores de 1979 não foram hábeis a prevenir e tratar o abandono e o desvio social da infância e da juventude no Brasil. Além disso, os primeiros anos de sua aplicação foram os últimos anos do regime militar no país, uma época de transição, abertura política e restabelecimento do estado de direito. A sociedade civil, novamente com voz ativa, reclamava por novos conceitos, políticas sociais e participação.

Neto e Nascimento69 descrevem que é diante deste cenário

que “na década de oitenta, as Igrejas iniciaram um processo de articulação das

forças da sociedade civil em defesa dos menores”, sendo que:

Em meados dos anos oitenta, organizou-se o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), com o objetivo de ser um grupo de articulações e pressão para a transformação social. Empenhava-se no envolvimento dos meninos e meninas como

66

VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos das Crianças e dos Adolescentes. São Paulo: LTr,

1999. p. 38.

67 JESUS, Maurício Neves de. Adolescente em conflito com a lei: prevenção e proteção integral. Campinas/SP: Servanda Editora, 2006. p. 62.

68 JESUS, Maurício Neves de. Adolescente em conflito com a lei: prevenção e proteção integral. Campinas/SP: Servanda Editora, 2006. p. 62.

69 SOUZA NETO, João Clemente de; NASCIMENTO, Maria Letícia (orgs.). Infancia, violência, instituições e políticas públicas. São Paulo: Expressão e Arte, 2006. p. 28.

30

protagonistas da história e na articulação dos diferentes grupos da sociedade, em prol dos direitos da criança e do adolescente. Tinha consciência de que esta era uma luta comum dos segmentos que tinham seus direitos negados, para forçar o Estado a implementar políticas sociais e assumir uma postura pedagógica que facilitasse às crianças e adolescentes uma leitura crítica da realidade e a nela interferir, dentro do possível.

Segundo Neves de Jesus70, foi a partir deste movimento

nacional, que “deu-se a reunião de esforços de setores especializados do poder

público federal e organismos da sociedade civil”, interação que tornou possível

“transformar em norma constitucional as concepções norteadores da Convenção

Internacional dos Direitos da Criança, mesmo antes da aprovação desta, que se

daria em 1989”.

Conforme Alves71 é a partir de três documentos internacionais

que surge uma mudança na legislação brasileira referente aos menores, sendo eles:

(...) as Regras Mínimas para a Administração da Justiça de Menores (Regras de Beijing, Res. 40/33, de 29-11-1985, da Assembléia Geral das Nações Unidas); a Convenção sobre os Direitos da Criança (Res. 1.386, de 20-11-1989, da Assembléia Geral da ONU); e as Diretrizes para a Prevenção da Delinqüência Juvenil (Diretrizes de Riad, Res. 45/112, de 14-12-1990, da Assembléia Geral da ONU).

Acrescenta ainda, o mesmo autor, Alves72, que “a eles se

uniram as regras Mínimas das Nações Unidas para Proteção dos Jovens privados

de Liberdade”.

Já Neto e Nascimento73 destacam outras legislações

internacionais que teriam sido incorporadas pela sociedade brasileira para a

transformação, sendo elas: “a Declaração dos Direitos Humanos de 1948, a

Declaração de Genebra, de 1923, a Declaração dos Direitos da criança e do

Adolescente, de 1959 e as Convenções e Recomendações da OIT, de 1955”,

70

JESUS, Maurício Neves de. Adolescente em conflito com a lei: prevenção e proteção integral. Campinas/SP: Servanda Editora, 2006. p. 64.

71 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 7.

72 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 7.

73 SOUZA NETO, João Clemente de; NASCIMENTO, Maria Letícia (orgs.). Infância, violência, instituições e políticas públicas. São Paulo: Expressão e Arte, 2006. p. 29 e 30.

31

acrescentando também o Ano Internacional da Pessoa Portadora de Deficiência em

1981.

Para Saraiva74, “este conjunto normativo revogou a antiga

concepção tutelar, trazendo a criança e o adolescente para uma condição de sujeito

de direito”, conferindo a eles “direitos e obrigações próprios de sua peculiar condição

de pessoa em desenvolvimentos”.

Assim, “a redemocratização do País e a promulgação da nova

Constituição da República Federativa do Brasil suprimiram a doutrina da situação

irregular e introduziram a doutrina da proteção integral, afirmada no art. 227” 75.

O artigo 22776, da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, prevê, por sua vez, que:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

De acordo com Silva77, “o legislador, motivado pela

necessidade de criar instrumentos à nova Carta Política, promulgou a inovadora Lei

nº 8.069/1990, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente”, o qual

concebeu a estes sujeitos “direitos específicos para lhes assegurar o

desenvolvimento, o crescimento e o cumprimento de suas potencialidades”.

A Doutrina da Proteção Integral e o Estatuto da Criança e do

Adolescente de 1990 serão abordados no próximo item, tocando seus aspectos

relevantes, suas características e aplicação no Brasil.

74

SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. 3. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 60.

75 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 25.

76 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/> Acesso em: 30 de maio de 2010.

77 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude.

Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 25.

32

1.2 DA DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL E AS POLÍTICAS DE

ATENDIMENTO

Como já visto o surgimento e a adoção da doutrina de proteção

integral no Brasil, resta caracterizá-la, apresentar seus princípios norteadores, as

diferenças dela advindas e demais aspectos relevantes, a exemplo as políticas

adotadas para seu atendimento.

Liberati78 aduz que:

Essa doutrina tem como referência a proteção de todos os direitos infanto-juvenis, que compreendem, ainda, um conjunto de instrumentos jurídicos de caráter nacional e internacional, colocados à disposição de crianças e adolescentes para a proteção de todos os seus direitos.

Leciona também Liberati79 que tal doutrina assegura um direito

universal às crianças e adolescentes, sem distinção entre abandonados, carentes e

infratores.

É visível que a partir da adoção da doutrina de proteção

integral “a legislação específica não seria mais um instrumento de controle e

repressão dos jovens em situação irregular, mas um conjunto de direitos a ser

assegurados com absoluta prioridade (...) sem discriminação ou privilégios”, de

acordo com os ensinamentos de Neves de Jesus 80.

É neste ângulo que complementa Tavares81, afirmando que “o

regime anterior circunscrevia-se aos menores em situação irregular”, destacando

que “o atual se estende a toda criança e a todo adolescente em qualquer situação

jurídica”.

78

LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p.

13.

79 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p. 14.

80 JESUS, Maurício Neves de. Adolescente em conflito com a lei: prevenção e proteção integral. Campinas/SP: Servanda Editora, 2006. p. 65 e 66.

81 TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 3 ed. Rio de

Janeiro: Forense, 1999. p. 07.

33

Em busca de um significado à “proteção integral”, Chaves82

salienta que:

Quer dizer amparo completo, não só da criança e do adolescente, sob o ponto de vista material e espiritual, como também a sua salvaguarda desde o momento da concepção, zelando pela assistência à saúde e bem-estar da gestante e da família, natural ou substituta da qual irá fazer parte.

Já Liberati83 explica o sentido da expressão “integral”,

asseverando que:

É integral, primeiro, porque assim diz a CF em seu art. 227, quando determina e assegura os direitos fundamentais de todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de qualquer tipo, segundo, porque se contrapõe à teoria do “Direito tutelar do menor”, adotada pelo Código de Menores revogado (Lei 6.697/79), que considerava as crianças e os adolescentes como objetos de medidas judiciais, quando evidenciada a situação irregular, disciplinada no art. 2 da antiga lei.

Por sua vez, Cury84 trata do fundamento da doutrina da

proteção integral, pronunciando que:

A proteção integral tem como fundamento a concepção de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, frente à família, à sociedade e ao Estado. Rompe com a idéia de que sejam simples objetos de intervenção do mundo adulto, colocando-os como titulares de direitos comuns a toda e qualquer pessoa, bem como de direitos especiais decorrentes da condição peculiar de pessoa em processo de desenvolvimento.

É, portanto, com o surgimento do Estatuto “que o menor torna-

se sujeito de muitos direitos que não lhe eram conferidos por nosso ordenamento

jurídico”, o que foi ressaltado por Elias85.

82

CHAVES, Antônio. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. 2 ed. São Paulo: LTr, 1997. p. 51.

83 LIBERATI. Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 13.

84 CURY, Munir; PAULA, Paulo Afonso Garrido de; MARÇURA, Jurandir Norberto. Estatuto da Criança e do Adolescente anotado. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 21.

85 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei n. 8.069, de 13

de julho de 1990. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 02.

34

Deste modo, com a doutrina protetiva várias mudanças são

introduzidas, destacando Silva86 as seguintes alterações pilares:

- A criança e o adolescente deixam a categoria de objeto de tutela estatal e passam a sujeitos de direitos, sendo-lhes conferidas todas as garantias fundamentais a essa condição (art. 3º do Estatuto).

- A criança e adolescente tornam-se prioridades absolutas, tendo seus reflexos indicados no art. 4 do Estatuto, a saber: “a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; a precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; a preferência na formulação e na execução das políticas sociais; a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude”.

- A criança e o adolescente são reconhecidamente pessoas em desenvolvimento, devendo a família, a sociedade e o Estado respeitarem essa condição (art. 6º do Estatuto).

Também Silva87, traz três importantes princípios norteadores

da doutrina de proteção integral, o da prioridade absoluta, o do melhor interesse e o

da municipalização. Tais princípios são salientados dentre os demais.

Acerca da prioridade absoluta, Liberati88 diz que:

Por absoluta prioridade devemos entender que a criança e o adolescente deverão estar em primeiro lugar na escala de preocupação dos governantes; devemos entender que, primeiro, devem ser atendidas todas as necessidades das crianças e adolescentes, pois “o maior patrimônio de uma nação é o seu povo, e o maior patrimônio de um povo são suas crianças e jovens”.

Acrescenta Silva89, que é necessária a prioridade absoluta

“porque a criança e o adolescente são seres em desenvolvimento e, considerando a

fragilidade natural decorrente dessa condição peculiar, carecem de proteção

especializada, diferenciada e integral”.

86

SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude.

Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 26.

87 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 27.

88 LIBERATI. Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 16.

89 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 28.

35

Sobre o princípio do melhor interesse, Silva90 adverte que este

“desponta como um princípio hermenêutico, à medida que orienta, tanto o jurista

quanto o legislador, a optar pela decisão que melhor atende aos interesses da

criança e do adolescente”, classificando-o como um “princípio orientador”.

Relacionado ao princípio da municipalização, entende-se dos

ensinamentos de Silva91, que este está ligado às políticas de atendimento e a

descentralização dos atendimentos. Assim, dispõe que:

(...) municipalizar significa que os demais entes federativos transferiram atribuições, antes somente suas, aos Municípios, ente mais próximo da realidade das crianças e dos adolescentes cidadãos. A municipalização incorpora desde a iniciativa para formular programas direcionados ao atendimento dos direitos da criança e do adolescente até a execução desses mesmos programas.

Neste panorama, estamos diante da política de atendimento,

regulada pelos artigos 86 a 89 do Estatuto da criança e do Adolescente.

Para Liberati92, podemos entendê-la como:

(...) o conjunto de medidas, ações, normas, instituições e programas criados e desenvolvidos pelo Poder Público destinados ao atendimento de crianças e adolescentes, visando à promoção e garantia dos direitos fundamentais. Essas ações e programas devem suprir as necessidades básicas de todas as pessoas e, em especial, de crianças e adolescentes.

O próprio texto do artigo 86 do ECA prevê que tais ações serão

governamentais e não-governamentais, ou seja, “as primeiras criadas e mantidas

pelo Poder Público e, as segundas, por particulares, ainda que subvencionadas pelo

estado”93.

90

SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude.

Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 30.

91 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 32 e 33.

92 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p. 82.

93 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 4 ed. São

Paulo: Atlas, 2003. p. 150.

36

Seguindo, verifica-se que o artigo 8794 do mencionado

dispositivo legal, estabelece as linhas de ações da política de atendimento, sendo

elas:

I - políticas sociais básicas;

II - políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que deles necessitem;

III - serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão;

IV - serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos;

V - proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente.

VI - políticas e programas destinados a prevenir ou abreviar o período de afastamento do convívio familiar e a garantir o efetivo exercício do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes;

VII - campanhas de estímulo ao acolhimento sob forma de guarda de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e à adoção, especificamente inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos.

Como políticas sociais básicas, Elias95 destaca que “devem ter

por finalidade a defesa dos direitos fundamentais de que trata o art. 227 da

Constituição Federal”, que são segundo Liberati96, “o trabalho, a educação, a saúde,

a habitação, o abastecimento, o transporte, o esporte, o meio ambiente e o lazer”.

94

BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.10.2010.

95 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 62.

96 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p.

82.

37

Acercas das políticas e programas de assistência social, em

caráter supletivo, assevera Liberati97 que estão “ligadas à existência de

desigualdades sociais, que são incapazes de desaparecer, espontaneamente, pela

atuação dos mecanismos postos pela política social básica”, o que caracteriza “a

situação de risco, sugerindo a necessidade de aplicar a ação compensatória”.

De maneira sucinta, o mesmo autor, Liberati98, trata os incisos

III a V do artigo 87, do ECA, como “política de proteção especial”, destinada aos

casos de “crianças e adolescentes considerados em situação de risco pessoal e

social”, quando “ultrapassam o âmbito das políticas sociais básicas e assistenciais,

exigindo esquema especial de abordagem e tratamento”.

No que tange às diretrizes da política de atendimento, estas

estão traçadas no artigo 88 do ECA, que para Alves99 são:

a) municipalização do atendimento; b) criação de conselhos municipais, estaduais e nacionais dos direitos da criança e do adolescente; c) a criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização político-administrativa; d) manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente; e) integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional; f) mobilização da opinião pública no sentido da indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade.

Também no entendimento de Alves100, as inovações mais

relevantes do ECA “foi a municipalização do atendimento, notadamente com a

criação dos Conselhos Municipais e Tutelares, e ainda, dos Fundos Municipais dos

Direitos da Criança e do Adolescente”.

97

LIBERATI. Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 51 e 52.

98 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p.

84.

99 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 34.

100 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 34.

38

Em suma, Ishida101 destaca como objetivo do Conselho de

Direito da Criança e do Adolescente “estabelecer prioridades e definir políticas de

atendimento dos direitos da criança e do adolescente no município”, acrescentando

Alves102 que “cada um dos conselhos deve gerir um fundo dos direitos da criança e

do adolescente, também criado por lei, destinado ao financiamento das políticas de

atendimento”.

Contribui Liberati103, afirmando que estes conselhos

“serão órgãos deliberativos (...) e controladores das ações governamentais nos

respectivos níveis, em todas as questões relativas ao atendimento dos direitos da

criança e do adolescente (...)”.

Destacam-se, também, as palavras de Neves de Jesus104, ao

fazer menção sobre a criação do “Conselho Nacional dos Direitos da Criança –

CONANDA”, ao qual compete “elaborar as normas gerais da política nacional de

atendimento dos direitos da criança e do adolescente, além de zelar pela sua

aplicação”.

Já o Conselho Tutelar “é órgão permanente e autônomo, não

jurisdicional, responsável direto pela primeira atenção à criança e ao adolescente em

situação de risco pessoal e social” 105.

Novamente Alves106, atenta que:

O Conselho Tutelar está habilitado a promover a execução de suas decisões, podendo para tanto requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança, expedir notificações e requisitar certidões de nascimento e óbito de crianças e adolescentes.

101

ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 4 ed. São

Paulo: Atlas, 2003. p. 149.

102 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 35.

103 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p.

85.

104 JESUS, Maurício Neves de. Adolescente em conflito com a lei: prevenção e proteção integral.

Campinas/SP: Servanda Editora, 2006. p. 70.

105 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 35.

106 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 37.

39

Outrossim, é importante comentar brevemente o artigo 90107 do

ECA, que prevê:

Art. 90. As entidades de atendimento são responsáveis pela manutenção das próprias unidades, assim como pelo planejamento e execução de programas de proteção e sócio-educativos destinados a crianças e adolescentes, em regime de:

I - orientação e apoio sócio-familiar;

II - apoio sócio-educativo em meio aberto;

III - colocação familiar;

IV - acolhimento institucional;

V - liberdade assistida;

VI - semi-liberdade;

VII - internação.

Assim, verifica-se que “também integram a rede de

atendimento as entidades a quem se atribui o planejamento e execução de

programas de proteção e de cumprimento de medidas socioeducativas”108, as quais

“estão sujeitas à fiscalização do Judiciário, do Ministério Público e dos Conselhos

Tutelares”.

1.3 DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO APLICADAS ÀS CRIANÇAS E

ADOLESCENTES

Denota-se do artigo 227 da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, que as crianças e adolescentes receberão tratamento

especial e que contemple os direitos fundamentais, sendo-lhes garantido “o direito à

107

BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.10.2010.

108 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 37.

40

vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” 109.

Ao passo que tais direitos são ameaçados ou violados, afirma

Liberati110 que as medidas de proteção surgem “proporcionando o restabelecimento

da situação anterior de regularidade”.

As medidas de proteção são reguladas pelos artigos 98 a 102

do Estatuto da Criança e do Adolescente, subdividindo-se em disposições gerais e

medidas de proteção específicas.

Nesta ordem, Nogueira111 classifica as medidas de proteção

em genéricas e específicas. A modalidade genérica “decorrem da ação ou omissão

da sociedade ou do Estado, da falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis, e

da conduta do menor, mas visam protegê-lo”. As especificas, por sua vez, “são as

previstas no art. 101, incisos I a VIII, e serão determinadas pela autoridade

competente”.

Assim, como genérico, analisa-se primeiro o artigo 98112 que

dispõe:

Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:

I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;

III - em razão de sua conduta.

109

BRASIL. Constituição Federal da República Brasileira de 1988. Art. 227.

110 LIBERATI. Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. São

Paulo: Malheiros, 1997, p. 63.

111 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 4 ed. rev., aum., e

atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 146.

112 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do

Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.10.2010.

41

Sobre este dispositivo, Chaves113 ressalta que “tais medidas

escalonam os menores em três categorias: os carentes, ou em situação irregular, os

menores vítimas e os que praticaram atos infracionais”.

Neste norte, como situação irregular das crianças e

adolescentes, Ishida114 esclarece que será identificada “sempre que se constatar

situação de abandono ou de risco envolvendo os mesmos”, isso em decorrência das

hipóteses descritas no artigo acima citado.

Já Liberati115 prefere considerar os incisos do artigo 98 como

“base de verificação da real situação de risco pessoal e social em que se encontram

as crianças e adolescentes”.

Seguindo nos comentários do artigo mencionado, Elias116 trata

o inciso I como “uma série de situações advindas de falhas da sociedade ou do

Estado”.

Liberati117, por sua vez, exemplifica a omissão da sociedade e

do Estado, dizendo que isso ocorrerá “quando crianças estiverem vivendo na rua,

sofrendo maus-tratos em entidade de atendimento à criança, seja governamental ou

não-governamental, não sendo atendidas por escolas ou hospitais (...)”.

Adentrando nos comentários do inciso II, Elias118, de maneira

sucinta assoalha que:

Se a sociedade e o Estado devem ser cobrados, muito mais deve-se exigir dos pais ou responsáveis, por força dos direitos inerentes ao pátrio poder ou outro liame legal. Atente-se, por exemplo, ao que

113

CHAVES, Antônio. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. 2 ed. São Paulo: LTr, 1997. p. 455.

114 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 4 ed. São

Paulo: Atlas, 2003. p. 157.

115 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p.

88.

116 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei n. 8.069, de 13

de julho de 1990. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 76.

117LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p.

88.

118 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei n. 8.069, de 13

de julho de 1990. São Paulo: Saraiva, 1994. p.77.

42

dispõe o art. 122 do Estatuto, que se refere aos deveres dos pais com relação ao sustento, guarda e educação dos filhos menores. Assim, também, quanto à obrigação de matricular os filhos na rede regular de ensino (art. 55), bem como a obrigatoriedade de cumprir medidas determinadas pelo Juiz da Infância e da Juventude (art. 129, I a VI).

De maneira diversa, Liberati119 contempla as categorias

omissão, abandono, negligência e abuso, afirmando que:

Por omissão entende-se a ausência de ação ou inércia dos pais ou responsável; por abandono, tanto material quanto o jurídico, identifica-se o desamparo daquele ser desprotegido; por negligência supõe-se o desleixo, o descuido, a incúria, a desatenção, o menosprezo, a preguiça e a indolência dos pais ou do responsável. (...) o abuso é a exorbitância das atribuições do poder familiar.

Já em relação ao inciso III, aponta Ishida120 que “referem-se à

própria conduta do menor”, apresentando Liberati121 como exemplo, a prática de ato

infracional, “dando origem à ação judiciária, que resultará na imposição de medida

socioeducativa e/ ou protetiva mais adequada para o caso”.

No tocante à aplicação das medidas protetivas, Nogueira122

afirma que podem ser ajustadas “isolada ou cumulativamente, bem como

substituídas a qualquer tempo, tendo em vista sempre o interesse da criança ou do

adolescente”, acrescentando que “deve-se levar em conta preferencialmente

aquelas que visem fortalecer os vínculos familiares e comunitários”.

De acordo com o parágrafo único do artigo 100123 do ECA, auto

explicativo, a aplicação das medidas específicas de proteção será regida pelos

seguintes princípios:

119

LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p.

89.

120 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 4 ed. São

Paulo: Atlas, 2003. p.164.

121 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p.

89.

122 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 4 ed. rev., aum., e

atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 146.

123 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do

Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.05.2010.

43

I - condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos: crianças e adolescentes são os titulares dos direitos previstos nesta e em outras Leis, bem como na Constituição Federal;

II - proteção integral e prioritária: a interpretação e aplicação de toda e qualquer norma contida nesta Lei deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos direitos de que crianças e adolescentes são titulares;

III - responsabilidade primária e solidária do poder público: a plena efetivação dos direitos assegurados a crianças e a adolescentes por esta Lei e pela Constituição Federal, salvo nos casos por esta expressamente ressalvados, é de responsabilidade primária e solidária das 3 (três) esferas de governo, sem prejuízo da municipalização do atendimento e da possibilidade da execução de programas por entidades não governamentais;

IV - interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;

V - privacidade: a promoção dos direitos e proteção da criança e do adolescente deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;

VI - intervenção precoce: a intervenção das autoridades competentes deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida;

VII - intervenção mínima: a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas autoridades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do adolescente;

VIII - proporcionalidade e atualidade: a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o adolescente se encontram no momento em que a decisão é tomada;

IX - responsabilidade parental: a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o adolescente;

X - prevalência da família: na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se isto não for possível, que promovam a sua integração em família substituta;

XI - obrigatoriedade da informação: a criança e o adolescente, respeitado seu estágio de desenvolvimento e capacidade de

44

compreensão, seus pais ou responsável devem ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa;

XII - oitiva obrigatória e participação: a criança e o adolescente, em separado ou na companhia dos pais, de responsável ou de pessoa por si indicada, bem como os seus pais ou responsável, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção, sendo sua opinião devidamente considerada pela autoridade judiciária competente, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 28 desta Lei.

Seguindo as disposições pertinentes à aplicação das medidas

de proteção, estabelece o artigo 101124 do ECA que ocorrendo as hipóteses contidas

no artigo 98 da mencionada legislação, a autoridade competente poderá determinar

medidas específicas, quais sejam:

I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;

II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;

IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;

V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;

VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

VII - acolhimento institucional;

VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar;

IX - colocação em família substituta.

124

BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do

Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.05.2010.

45

Para Liberati125, a primeira medida prevista no artigo supra

mencionado, ou seja, seu inciso I, “deve ter preferência às outras, pois permite que a

criança ou o adolescente permaneça em seu meio natural, junto à família e à

comunidade”.

Em comento ao inciso II, também do artigo citado,

correspondente a medida de orientação, apoio e acompanhamento temporários,

Elias126 aduz que “concernem ao adolescente cuja conduta não é adequada, ou

seja, aquele que age em desacordo com os bons costumes, e, no caso de criança

(que não pode sofrer medidas sócio-educativas), a que comete ato infracional (...)”.

No tocante a matrícula e freqüência obrigatória em

estabelecimento oficial de ensino fundamental (inciso III, art. 101, do ECA), o mesmo

autor, Elias127, discorre que “pode ser colocado em prática, quer pela negligência

dos responsáveis, quer por omissão do Estado, ou, ainda, quando o menor se

recusa a ir à escola”.

Sobre o inciso IV do artigo 101 do ECA, Albergaria128 comenta

que “o programa comunitário é um dos instrumentos da comunidade, por meio do

qual se efetua a participação ativa da sociedade com o Estado na execução da

política social de proteção à infância e à adolescência”, acrescentando Liberati129

que poderá “o Conselho Tutelar ou a autoridade judiciária orientar os pais ou

responsáveis a procurarem na comunidade os recursos que lhe possam ajudar na

solução dos problemas (...)”.

Para Elias130, no que tange aos incisos V e VI, relata que;

125

LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p. 90.

126 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei n. 8.069, de 13

de julho de 1990. São Paulo: Saraiva, 1994. p.79.

127 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei n. 8.069, de 13

de julho de 1990. São Paulo: Saraiva, 1994. p.79.

128 Apud LIBERATI. Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed.

São Paulo: Malheiros, 1997, p. 67.

129 LIBERATI. Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. São

Paulo: Malheiros, 1997, p. 67 e 68.

130 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei n. 8.069, de 13

46

(...) será necessário que o menor seja examinado por equipe especializada, que indicará a medida adequada a que deve ser submetido, como, por exemplo, no caso de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico ou inclusão em programa oficial ou comunitário de auxilio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos (...).

Com relação aos incisos que versam sobre o acolhimento

institucional e a inclusão em programa de acolhimento familiar, o parágrafo primeiro

do artigo 101131 elucida que “são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis

como forma de transição para reintegração familiar ou, não sendo esta possível,

para colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade”.

Já a colocação em família substituta, de acordo com o artigo

28132 do ECA “far-se-á mediante guarda, tutela, ou adoção”, acrescentando o

parágrafo quinto do mesmo artigo que tal providência será precedida da preparação

da criança ou do adolescente de forma gradativa e com acompanhamento posterior,

“realizados pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da

Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução

da política municipal de garantia do direito à convivência familiar”.

Concluída a análise dos incisos do artigo 101 do ECA, é

importante destacar as palavras de Ishida133 quando menciona que tais providências

“direcionam-se à criança ou adolescente em situação irregular do art. 98 do ECA e

também à criança que cometa ato infracional (art. 105)”.

Sobre a autoridade competente para aplicar as medidas de

proteção específicas, Liberati134 aduz que poderão ser ajustadas por membros do

de julho de 1990. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 79.

131 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do

Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.05.2010.

132 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do

Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.10.2010.

133 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 4 ed. São

Paulo: Atlas, 2003. p.164.

134 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p.

92.

47

Conselho Tutelar, com exceção da colocação em família substituta que “é aplicada

somente pela autoridade judiciária”.

O mesmo autor, Liberati135, afirma que a aplicação de medidas

protetivas às crianças que praticarem ato infracional, “são medidas de natureza

administrativa e não necessitam da autorização do juiz para serem aplicadas pelo

Conselho Tutelar”.

Ao contrário das palavras de Liberati, Alves136 aduz que pelo

fato das medidas de proteção não constituírem “restrição ou privação de direitos”

poderão ser impostas independentemente da formação de processo “exceto quando

sejam decorrentes da prática de ato infracional por crianças”, entendendo neste

caso, embora só possam ser aplicadas medidas de proteção às crianças, ser

“necessário que o juiz cuide para que haja possibilidade de defesa e contradição”.

No entanto, corroborando o entendimento de Liberati,

Nogueira137 afirma que “quando a criança pratica ato infracional, deve ser

apresentada ao Conselho Tutelar, se estiver funcionando, ou ao Juiz da Infância e

da Juventude, que o substitui (...)”, asseverando que “será ela encaminhada aos

pais ou responsáveis mediante termo de responsabilidade. Isso pressupõe a

existência de advertência verbal a eles (...)”, sendo também os pais ou responsáveis

intimados “para que apresentem a criança perante os órgãos competentes (...)”.

Verifica-se, assim, que tais divergências decorrem da

interpretação do artigo 105 do ECA, o qual estabelece que para as crianças que

praticarem ato infracional serão aplicadas as medidas de proteção.

Por fim, faz-se importante diferenciar criança de adolescente, o

que facilmente pode ser visto pelo disposto no artigo 2º138 do ECA, que considera

135

LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p.

92.

136 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 39 e

40.

137 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 4 ed. rev., aum., e

atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 148.

138 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do

Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.05.2010.

48

criança “a pessoa até doze anos de idade incompletos” e adolescente “aquele entre

doze e dezoito anos de idade”.

A seguir, no Capítulo 2, tratar-se-á sobre a prática do ato

infracional, questão abordado no Título III do Livro II do ECA, parte especial,

compreendendo os artigos 103 a 128.

CAPÍTULO 2

A PRÁTICA DO ATO INFRACIONAL

2.1 O ATO INFRACIONAL E A INIMPUTABILIDADE PENAL DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE

O artigo 103139 do Estatuto da Criança e do Adolescente

considera ser o ato infracional “a conduta descrita como crime ou contravenção

penal”.

Para Tavares140, o mencionado artigo “adota o conceito de

delito – crime ou contravenção - , figura típica do ato punível, cometido por pessoa

imputável para considerar a aplicação ao agente inimputável, que é o adolescente”.

Sobre a definição de delito, Alves141 afirma que:

A formulação de um conceito formal de delito vem, historicamente, provocando discussões doutrinárias. A definição mais corrente parte da idéia de que o delito é toda conduta que o legislador sanciona com uma pena. Mais isso não basta: o delito depende de um juízo de desvalor sobre uma conduta humana e de um juízo de desvalor sobre o autor dessa conduta. Assim, a descrição legal concreta de uma conduta é a tipicidade, que, além disso, pode indicar um juízo de contrariedade ao direito. Esta contrariedade, ou a desaprovação do ato, é a antijuridicidade. Por último, a atribuição da conduta a seu autor é a culpabilidade (...). O delito é, portanto, a conduta típica, antijurídica e culpável.

Liberati142 aduz que “na verdade, não existe diferença entre os

conceitos de ato infracional e crime, pois, de qualquer forma, ambos são condutas

contrárias ao Direito, situando-se na categoria de ato ilícito”.

139

BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.07.2010.

140 TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. rev. amp.e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 110.

141 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 67.

50

Já Cury143, relata se tratarem de realidades diversas,

asseverando que:

A infração penal, como gênero, no sistema jurídico nacional, das espécies crime ou delito e contravenção, só pode ser atribuída, para efeito da respectiva pena, às pessoas imputáveis, que são, em regra, no Brasil, os maiores de 18 anos. A estes, quando incidirem em determinado preceito criminal ou contravencional, tem cabimento a respectiva sanção. Abaixo daquela idade, a conduta descrita como crime ou contravenção constitui ato infracional. Significa dizer que o fato atribuído à criança ou ao adolescente, embora enquadrável como crime ou contravenção, só pela circunstância de sua idade, não constitui crime ou contravenção, mas, na linguagem do legislador, simples ato infracional. O desajuste existente, mas, na acepção técnico-jurídica, a conduta do seu agente não configura uma ou outra daquelas modalidades de infração, por se tratar simplesmente de uma realidade diversa. Não se cuida de uma ficção, mas de uma entidade jurídica a encerrar a idéia de que também o tratamento a ser deferido ao seu agente é próprio e específico.

Por sua vez, Maciel144 expressa que o ato infracional é

“a ação violadora das normas que definem os crimes ou as contravenções. É o

comportamento típico, previamente descrito na lei penal, quando praticado por

crianças ou adolescentes”. Maciel145, também afirma que:

A definição acima decorre do princípio constitucional da legalidade. É preciso, portanto, para a caracterização do ato infracional, que este seja típico, antijurídico e culpável, garantindo ao adolescente, por um lado, um sistema compatível com o seu grau de responsabilização, e por outro, a coerência com os requisitos normativos provenientes da seara criminal.

O princípio constitucional da legalidade vem disciplinado no

artigo 5º, inciso II, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o qual

estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

senão em virtude de lei”.

142

LIBERATI. Wilson Donizeti. Comentários as Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 1997. p. 70.

143 CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 340.

144 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 3 ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 747.

145 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 3 ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 747.

51

Neste sentido, Lenza146 aduz que “pode-se fazer o que a lei

não proíbe, vigorando o princípio da autonomia da vontade, lembrando a

possibilidade de ponderação deste valor com o da dignidade da pessoa humana”.

Quanto à inimputabilidade penal da criança e do adolescente, a

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabeleceu em seu artigo

228147, que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às

normas da legislação especial”.

Neste sentido, porém anterior ao ordenamento constitucional,

já previa o Código Penal em seu artigo 27148 que “os menores de 18 (dezoito) anos

são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na

legislação especial”.

Importante frisar neste comento, quanto à exposição de

motivos da Lei 7.209, de 11 de julho de 1984, a qual, de acordo com Cury149,

manteve a inimputabilidade penal pela seguinte justificativa:

Manteve o Projeto a inimputabilidade penal ao menor de 18 anos. Trata-se de opção apoiada em critérios de política Criminal. Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não apenas a pena criminal. De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o Estatuto dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinqüente, menor de 18 anos, do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do delinqüente adulto, expondo-o a contaminação carcerária.

Prosseguindo no estudo, sintetiza Silva150 que

“o legislador conferiu tratamento diferenciado do imposto ao adulto por entender que

146

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 684.

147 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/> Acesso em: 30.07.2010.

148 BRASIL. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del2848.htm.> Acesso em 30.07.2010.

149 CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 344.

52

o adolescente é pessoa ainda em desenvolvimento, é um ser humano em veloz

processo de formação”, acrescentando que:

A questão da inimputabilidade não se limita à capacidade de discernimento do adolescente, ainda que muitos defensores da diminuição da menoridade penal tendam a fixar aí a defesa de seu ponto de vista. Ao contrário, o tratamento diferenciado é fruto da evolução histórica dos direitos humanos.

Sobre a discussão da redução da inimputabilidade penal para

16 anos de idade, descreve Maciel151 que:

A questão suscita intensas controvérsias em todos os ângulos sob os quais é vista. O direito de votar e a aceleração do desenvolvimento psíquico da população infanto-juvenil nos dias atuais são argumentos rotineiros no debate, que gradativamente se robustece.

Reale152 manifesta de forma favorável a redução da

inimputabilidade penal, enfatizando que:

Tendo o agente ciência de sua imputabilidade, está dando justo motivo à imperiosa mudança na idade limite da imputabilidade penal, que deve efetivamente começar aos dezesseis anos, inclusive devido à precocidade da consciência delitual resultante dos acelerados processos de comunicação que caracterizam nosso tempo. No Brasil, especialmente, há um outro motivo determinante, que é a extensão do direito de voto, embora facultativo aos menores entre dezesseis e dezoito anos (...).

Aliás, não se compreende que possa exercer o direito de voto quem, nos termos da lei vigente, não seria imputável pela prática de delito eleitoral.

Silva153, por sua vez, manifesta de maneira contrária sobre tal

questão, baseando seu entendimento na nota pública expedida pelo CONANDA154 –

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – afirmando que:

150

SILVA. Marcelo Gomes (coord.). Manual do promotor de Justiça da Infância e da Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 223.

151 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 3 ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 749 e 750.

152 Apud TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. rev. amp.e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 111.

153 SILVA. Marcelo Gomes (coord.). Manual do promotor de Justiça da Infância e da Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 225.

53

(...) em razão da etapa da vida em que o adolescente se encontra, são maiores as suas chances de recuperação, e, conseqüentemente, mais provável o sucesso de sua reintrodução à sociedade.

Desta forma, sendo inegável a falência do cárcere, especialmente se considerado o sistema prisional brasileiro, o legislador optou por “responsabilizar o adolescente” em vez de apenas “puni-lo”, opção que implica medidas de caráter pedagógico e de resgate da cidadania (...).

Acrescenta, Carneiro155 que:

Portanto, se o sistema está enfraquecido, o que cabe é não só uma análise sobre a necessidade de reformulação legislativa, mas também um reordenamento dos investimentos públicos nas políticas de atenção à proteção especial; a efetiva aplicação do ECA (inclusive afastando-se interpretações pautadas exclusivamente em teoria estéril), simultaneamente ao efetivo cumprimento dos princípios da municipalização do atendimento e da prioridade absoluta dos direitos das crianças e dos adolescentes em todos os setores.

Verifica-se, portanto, que há posicionamentos favoráveis e

contrários à redução da menoridade penal, o que certamente robustece a discussão.

Prosseguindo o objetivo deste tópico, o parágrafo único do

artigo 104156 do ECA prevê que:

Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.

Deste dispositivo observa Ishida157 que “para se aferir a

imputabilidade, leva-se em conta a idade do fato”, citando como exemplo:

154

Disponível em: <http://www.crianca.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=338> Acesso em 17/10/2010.

155 CARNEIRO, Rosa Maria Xavier Gomes (coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 3 ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 751.

156 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.07.2010.

157 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 159.

54

(...) se o adolescente comete delito de homicídio aos 17 anos, 11 meses e 29 dias e seu delito vem a ser descoberto quando com 18 anos, não responde criminalmente, apenas no que relaciona à sindicância por ato infracional. Utiliza-se a teoria da atividade prevista no art. 4 do Código Penal.

O artigo 4º158 do Código Penal, por sua vez, dispõe que

“considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro

seja o momento do resultado”.

Ainda citando Ishida159, este em seu comentário ao artigo

supramencionado, preconiza que:

Esse entendimento foi ratificado pela nossa Corte Maior:

“Na aplicação de medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, leva-se em consideração a idade do menor ao tempo da prática do fato, sendo irrelevante, para efeito de cumprimento da sanção, a circunstância de atingir o agente a maioridade”(STJ, RHC 7.308/98-SP, DJU 27-4-98. p. 217).

Alves160, embora tenha se manifestado de maneira firme

perante a relação da idade do adolescente à data do fato, fez menção aos 21 anos

de idade cessar a responsabilidade diante do ECA, realizando objeção em relação

ao artigo 5º do Código Civil:

Permite-se a imposição de medida socioeducativa a delinqüentes maiores de 18 anos, desde que hajam incidido no preceito típico antes do décimo oitavo aniversário. Aos 21 anos, em qualquer caso, cessa a responsabilidade perante o ECA (art. 2, parágrafo único, do ECA).

Neste aspecto, há uma objeção a ser enfrentada. De fato, reformada a legislação civil brasileira pela vigência do novo CC, instituído pela Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, era esperada a profusão e iniciativas, originadas nos mais diferentes setores da sociedade brasileira, tendentes a interpretar recentes codificações. Uma das mais eloqüentes alterações introduzidas pela reforma, a redução da plena capacidade civil dos 21 anos para os 18 anos de idade (art. 5), não poderia passar incólume a esse processo. A abolição do limite

158

BRASIL. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del2848.htm.> Acesso em 30.07.2010.

159 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 159.

160 ALVES. Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 62 e 63.

55

de 21 anos, e a conseqüente equiparação do marco da responsabilidade civil ao da penal, poderá seduzir algum intérprete a encontrar uma interferência do novo CC nas regras do processo por ato infracional previstas no ECA, impedindo-se, pelo caminho do novo sistema civil, a aplicação de qualquer medida àquela pessoa que, tendo delinqüido antes dos 18 anos, viesse a completar aquela idade. Isso significa dizer, por exemplo, que ficaria impune aquele sujeito que, na véspera do 18 aniversário, se animasse a eliminar todos os seus desafetos.

Parece-me não ser esta a melhor interpretação. Estabelecida uma regra particular de responsabilidade para o adolescente, pode-se então contestar qualquer intromissão do CC no processo de apuração de ato infracional cometido por adolescente. A nova legislação não pretendeu introduzir nenhuma mudança. A histórica separação entre as hipóteses de responsabilidade penal e civil não mudou: enquanto a pena criminal tem uma orientação retributiva e uma face preventiva, a maioridade civil serve a conferir ao indivíduo plena aptidão para o exercício de seus direitos.

Oportuno frisar agora, acerca da prescrição do ato infracional,

em que o Superior Tribunal de Justiça – STJ editou a súmula 338161, a qual

estabelece que “a prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-educativas”.

Por fim, o artigo 105 do ECA, último item das disposições

gerais do título correspondente à prática do ato infracional, assoalha que “ao ato

infracional praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art. 101”,

ou seja, as medidas de proteção já pesquisadas no Capítulo I deste trabalho.

Neste sentido, Alves162 pondera que:

Os menores de 12 anos de idade estão efetivamente fora do direito penal, porque deles nunca se poderá exigir responsabilidade. Praticado por criança um fato definido como crime ou contravenção, só se indagará da necessidade de proteção, aplicando-se, eventualmente, medidas previstas no próprio ECA (art. 101) e na legislação civil.

Verificadas as questões pertinentes às disposições gerais,

necessárias à compreensão inicial do tema, oportuno, agora, o estudo dos direitos

individuais dos adolescentes que praticam atos infracionais.

161

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmulas. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/docs_internet/VerbetesSTJ.txt.> Acesso em: 05.07.2010.

162 ALVES. Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 62.

56

2.2 OS DIREITOS INDIVIDUAIS DOS ADOLESCENTES QUE PRATICAM ATOS

INFRACIONAIS

Cuida o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus artigos

106 a 109, dos direitos individuais conferidos aos adolescentes que praticam atos

infracionais.

Os direitos individuais se distinguem das garantias

processuais, “os direitos são bens e vantagens conferidas pela norma, enquanto as

garantias são meios destinados a fazer valer esses direitos, instrumentos pelos

quais se asseguram o exercício e gozo daqueles bens e vantagens”, conforme

assoalha Silva163.

Os primeiros direitos individuais do adolescente estão

dispostos no artigo 106164 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê:

Art. 106. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.

Parágrafo único. O adolescente tem direito à identificação dos responsáveis pela sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus direitos.

Da dicção do caput do mencionado artigo, é possível

compreender que em primeiro lugar foi “assegurado ao adolescente que este só

pode ser privado de sua liberdade em duas hipóteses: mediante ordem escrita e

fundamentada, emanada de autoridade judiciária competente”, ou então “na

ocorrência de flagrante ato infracional”, conforme anotou Veronese165,

acrescentando Moraes e Ramos166 que esta norma “está em simetria com os direitos

de ir e vir, a liberdade individual e a legalidade da prisão (...)”.

163

Apud PRADE, Péricles. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 351.

164 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.07.2010.

165 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da Criança e do Adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006. 5 volume. p. 79.

166 MORAES, Bianca Mota de; RAMOS, Helane Vieira. In MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo

57

Em comento ao dispositivo legal, Ishida167 menciona as

hipóteses de prisão em flagrante, aludindo o artigo 302168 do Código de Processo

Penal:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Prade169, por sua vez, salienta a consonância do artigo 106

com o inciso LXI do artigo 5º170 da Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, que dispõe:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

De certa forma, o mencionado autor, Prade171, frisa as

adaptações sofridas pelo artigo 106, notadamente nas expressões utilizadas,

Andrade (coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 3 ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 754.

167 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 163.

168 BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm.> Acesso em 30.07.2010.

169 PRADE, Péricles. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 352.

170 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/> Acesso em: 30.07.2010.

171 PRADE, Péricles. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 352 e 353.

58

destacando-se dentre elas, o termo “preso” e “apreendido” e, em suas palavras, “não

são os adolescentes equiparados aos réus, adultos e imputáveis, sofrendo medidas

sócio-educativas (ECA, art.112), isso é, sem caráter de apenação”.

Quanto ao disposto no parágrafo único do artigo 106 do ECA,

outra espécie de direito individual, é cediço que o adolescente tem direito à

identificação dos responsáveis pela sua apreensão, bem como de lhe ser informado

acerca de seus direitos, enfatizando Veronese172 que “ainda na fase cognitiva, o

adolescente tem direito a ser informado de seus direitos, à identificação dos

responsáveis e à comunicação à autoridade judiciária competente (...)”.

Sobre este segundo direito individual, Prade173 atenta para a

correspondência deste com o inciso LXIV do artigo 5º da Constituição Federal,

discorrendo que:

A segunda garantia-direito (identificação dos responsáveis pela apreensão), de perfil preventivo e sob o pálio da legalidade, está consagrada na primeira parte do artigo 106 e corresponde ao inc. LXIV do art. 5 da CF (cc os inc. LV e LXIII), dispondo que “o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial” (grifamos). Vê-se que o Estatuto da criança e do Adolescente, ao transladar o dispositivo constitucional, adaptando-o à realidade menorista, mudou a palavra “preso” por “adolescente” (a criança sequer é aprendida, daí a exclusão) e “prisão” por “apreensão” (ele é apreendido), cortando, por inteiro, a frase “ou por seu interrogatório policial”. A inadaptação, quanto essa última situação, não tem pertinência. A eliminação pura e simples não foi conveniente, dando a impressão da desnecessidade de identificação do responsável pela ouvida do adolescente. É que, sendo a apreensão proveniente de ordem judicial, encaminha-se o adolescente, desde logo, à autoridade judiciária (ECA, art. 171) ou à entidade constante no mandado, diretamente, mas, quando apreendido em flagrante de ato infracional, remetido é à autoridade policial competente (ECA, art. 172), e, se, houver violência ou grave ameaça à pessoa, além da lavratura do auto, o alegado infrator será ouvido (ECA, art. 173) na oportunidade da oitiva das testemunhas. Ocorrendo essa hipótese, a autoridade policial que ouve deve ser identificada, quando não se confunda com a responsável pela apreensão, sendo irrelevante tratar-se de interrogatório formal (ou informal) ou mera coleta simplificada de informações, tratando-se de sindicato, e não indiciado.

172

VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da Criança e do Adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006. 5 volume. p. 80.

173 PRADE, Péricles. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 354.

59

Seguindo, o artigo 107174 do mesmo diploma legal se

encarrega de estabelecer o terceiro direito individual do adolescente, dispondo que:

Art. 107. A apreensão de qualquer adolescente e o local onde se encontra recolhido serão incontinenti comunicados à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada.

Parágrafo único. Examinar-se-á, desde logo e sob pena de responsabilidade, a possibilidade de liberação imediata.

Ao comentar o mencionado artigo, Veronese175 novamente

remete à Constituição Federal, argumentando que:

À semelhança do artigo 106, o artigo 107 repete previsão assecuratória constitucional, adaptando-a, contudo, às peculiaridades do direito da criança e do adolescente, cujos titulares são sujeitos em desenvolvimento, possuindo, portanto, características próprias e diferentes.

É neste aspecto que Prade176 justifica tais adaptações, frisando

que:

O art. 107, em seu caput, ao convalidar a garantia-direito da comunicabilidade (de natureza criminal preventiva), ou seja, pertinente à comunicação da constrição da liberdade física e do local onde se encontra o constrito, virtualiza uma réplica do inc. LXIII do art. 5º da CF, mas não se limita a substituir os termos “prisão” por apreensão, “qualquer pessoa” por qualquer adolescente, “preso” por apreendido, em atenção à tecnicidade afeiçoada ao singular ramo do Direito que trata dos interesses das pessoas de idade inferior a 18 anos. Foi além, dando ao advérbio de modo “imediatamente” um sentido temporal ainda mais restrito, ao se utilizar da expressão incontinenti no que se refere à obrigação do autor da apreensão de comunicá-la (bem assim o local do recolhimento) à autoridade judiciária competente.

Sobre o caput do artigo em estudo, Moraes e Ramos177

salientam dois aspectos importantes, um deles a comunicação do flagrante de ato

174

BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.07.2010.

175 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da Criança e do Adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006. 5 volume. p. 80.

176 PRADE, Péricles. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 357.

60

infracional “ao Juiz de Plantão, nos finais de semana e feriados, sob pena de ser

considerada ilegal a prisão”, sendo o outro aspecto relacionado à configuração de

crime, apontando que “a falta de comunicação imediata da apreensão do

adolescente (...) configura o crime previsto no art. 231 do ECA, punido com

detenção de seis meses a dois anos de prisão”.

No que tange ao parágrafo único do art. 107 do ECA, Prade178

remete ao inciso LXV do art. 5º da CF, o qual, por sua vez, estabelece que “a prisão

ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”, esclarecendo que:

Tanto a prisão (abrangendo quaisquer modalidades), no caso de imputáveis, quanto a apreensão, em relação aos inimputáveis, para o efeito do relaxamento ou da liberação, têm como pressuposto a ocorrência de ilegalidade, consistente esta na desobediência dos requisitos legais autorizadores daquelas constrições à liberdade, constantes do Código de Processo Penal (art. 674) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 103, 106, 112, VI, entre outros). Em ambas as circunstâncias, como se trata de constrangimento ilegal, se inocorrentes relaxamento e/ou liberação caberá habeas corpus para fazer cessar a violência/ coação à liberdade de locomoção.

Ainda sobre a disposição do parágrafo único, o mesmo autor,

Prade179, se preocupa em estabelecer quem será a autoridade competente para

verificar a possibilidade de liberação do adolescente apreendido em flagrante ato

infracional, indicando que:

Três são as situações, a saber: a) primeiro, o destinatário da norma é a autoridade policial competente, ocorrendo quando o adolescente é apreendido em flagrante de ato infracional (ECA, arts. 172 e 174), sendo este cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa (art. 173), justificando internação, comparecendo qualquer dos pais ou responsável; b) segundo, a liberação é examinada pelo Ministério Público, que, aliás, tem como competência precípua conceder remissão como forma de exclusão do adolescente do processo e promover o arquivamento (ECA, arts. 126, 180, I e II, e 201, II); c) terceiro, a autoridade judiciária competente (CF, art. 5º, LXV; ECA, arts. 107 e 189, parágrafo único), que deverá agir no momento exato em que é cientificada da apreensão e do local.

177

MORAES, Bianca Mota de; RAMOS, Helane Vieira. In MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 3 ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 755.

178 PRADE, Péricles. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 358.

179 PRADE, Péricles. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 359.

61

Complementa o estudo do artigo em comento, Prade180,

apontando à configuração de crime quando a autoridade competente, tendo

conhecimento da ilegalidade da prisão, deixa de analisá-la, sustentando que:

Tão impositiva é a obrigação do exame dessa possibilidade – se ilegal a apreensão – que as autoridades competentes (juiz, promotor de justiça e delegado de polícia) serão responsabilizados, criminalmente, a teor do art. 234 do Estatuto, se, sem justa causa, não ordenarem a imediata liberação da criança ou adolescente, tão logo tenham conhecimento da ilegalidade, podendo, via de conseqüência, ser punidas com pena de detenção de seis meses a dois anos, a par da responsabilidade pessoal e do Estado na órbita civil.

Cuida o artigo 108181 do Estatuto da criança e do Adolescente,

de outro direito individual dos autores de ato infracional, dispondo da seguinte forma:

Art. 108. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias.

Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida.

Ishida182 comenta o artigo supracitado, argumentando que

“o ECA, ao estipular o prazo máximo de quarenta e cinco dias para a internação

provisória, dimensionou o prazo de finalização do procedimento (sindicância) para

aplicação da medida socioeducativa”.

Assoalha Prade183 que “o prazo máximo de 45 dias e vinculado

à condição de improrrogabilidade tem como dies a quo a data da apreensão do

adolescente” e, acrescenta, que “a relevância proporcionada à matéria é tamanha

que, no art. 235, o Estatuto da criança e do Adolescente considera crime

descumprir, injustificadamente, o prazo fixado nessa lei (...)”.

180

PRADE, Péricles. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 359.

181 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.07.2010.

182 ISHIDA. Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 200.

183 PRADE, Péricles. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 361.

62

De outro norte, Liberati184 assinala que:

(...) o juiz, ao receber a representação, onde conste requerimento de medida segregativa, devera, incontinenti, decidir sobre a internação, em decisão fundamentada (art. 184). Se o juiz não apreciar a medida, o adolescente estará privado de sua liberdade ilegalmente, sendo-lhe facultada a utilização do remédio heróico do habeas corpus, nos termos do inc. LXVIII do art. 5º da CF.

Neste sentido, Elias185 afirma que “a internação poderá ser

determinada de ofício ou a requerimento do Ministério Público. O Magistrado, é

óbvio, não é obrigado a atender o pedido, e somente o fará se julgar necessário”.

Liberati186 ao discorrer sobre o tema comenta que:

Tratando-se, pois, de medida excepcional, a autoridade judiciária competente deverá, ao decidir sobre ela, construir sua fundamentação em indícios suficientes e materialidade. Deve, também, ser aplicada quando sua necessidade for imperiosa e não restarem dúvidas quanto a aplicação.

Complementa Elias187, quanto à expressão disposta no texto

do artigo 108 que diz “necessidade imperiosa da medida”, justificando que:

Pela expressão “necessidade imperiosa da medida” há de se entender aqueles casos em que, não só a sociedade, mas também o próprio adolescente estarão correndo perigo se a internação não for determinada. Cada caso deve ser examinado com muito cuidado, pois não se deve determiná-la sem que seja de utilidade.

Nessa senda, comentando o parágrafo único do art. 108,

merece ser trazida a destaque a lição de Prade188:

(...) canaliza a fundamentação (a) nos indícios suficientes de autoria, indicando o nome do adolescente e arrolando os dados probatórios considerados suficientes para a descrição da conduta tida, em tese,

184

LIBERATI. Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 1997. p. 76.

185 ELIAS. Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 86.

186 LIBERATI. Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 1997. p. 76.

187 ELIAS. Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 86.

188 PRADE, Péricles. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 362.

63

como crime ou contravenção; (b) na materialidade do ato infracional; (c) na demonstração da necessidade da internação provisória, que não pode ser relativa, vaga, duvidosa, questionável, mas imperiosa, vale dizer, inarredável e absolutamente vital, para neutralizar a gravidade do fato (v.g., violência ou grave ameaça à pessoa), por tratar-se, afinal, de medida privativa da liberdade, nada obstante submissa aos princípios (art. 121) de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar do adolescente.

Assim, “a internação de adolescente acusado de ato infracional

mesmo antes de definida a sentença é uma medida, de certo modo, preventiva, pois

visa a assegurar a integridade física e moral do acusado”, conforme Volpi189.

O último direito individual concedido ao adolescente autor de

ato infracional, vem disposto no artigo 109190 do ECA, o qual contempla que

“o adolescente civilmente identificado não será submetido a identificação

compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de

confrontação, havendo dúvida fundada”.

Sobre tal dispositivo, Liberati191 enfatiza que “trata-se de

garantia constitucional dos direitos individuais de todo cidadão, mormente da criança

e do adolescente, nos termos do inc. LVIII do art. 5º da CF”.

Nogueira192 arremata frisando que:

Só poderá ser exigida a identificação datiloscópica quando houver dúvida a respeito da identidade apresentada, ou quando houver rasura, ou ainda várias identidades; enfim, quando houver séria dúvida a respeito da autenticidade do documento exibido.

Prade193 coaduna, sustentando que:

189

VOLPI, Mário. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 362.

190 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.07.2010.

191 LIBERATI. Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 1997. p. 76.

192 NOGUEIRA. Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 4 ed. rev. aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 158.

193 PRADE, Péricles. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 365.

64

(...) se houver identificação criminal, mesmo no caso de identificação civil anterior, ou, então, se ocorrer aquela compulsoriamente, sob o argumento de existência de dúvida fundada, para efeito de confrontação, sem que tais hipóteses tenham ocorrido, configurar-se-á o crime tipificado pelo art. 232 (ECA), punindo-se com detenção de seis meses a dois anos aqueles que submeterem adolescentes (ou crianças) sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento, como violadores do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade (v. arts. 15 e 18) dessas criaturas merecedoras de especial atenção.

Vistos os direitos individuais conferidos aos autores de ato

infracional, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, e, para melhor

compreendê-los, passar-se-á ao estudo das garantias processuais.

2.3 AS GARANTIAS PROCESSUAIS CONFERIDAS AOS ADOLESCENTES QUE

PRATICAM ATOS INFRACIONAIS

Os artigos 110 e 111 do Estatuto da Criança e do Adolescente

tratam das garantias processuais dadas aos adolescentes que praticam algum tipo

de ato infracional.

É previsto no artigo 110194, do mesmo diploma legal, que

“nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal”.

Ao tratar sobre o tema do devido processo legal, Liberati195

abordou que:

O devido processo legal é a garantia com a qual se pretende evitar a imposição de uma sanção sem antes haver sido ouvido e vencido em juízo o imputado, com o cumprimento prévio de um procedimento em que se respeitem todos os seus direitos, vigentes num regime democrático.

O mencionado autor, Liberati196, também acentua que

“o devido processo legal reclama a existência da ampla defesa e do contraditório

194

BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.07.2010.

195 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Rideel, 2009. p. 184.

196 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Rideel, 2009. p. 184.

65

destinados aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados,

como meios e recursos a ele inerentes”.

Para o mesmo Liberati197, “a garantia da ampla defesa

proporciona ao infrator a possibilidade de trazer para o processo todas as provas

que entender serem necessárias para o esclarecimento da verdade”. No que tange

ao contraditório, Liberati198 afirma que:

O contraditório, por sua vez, reflete a materialização ou a exteriorização da ampla defesa, instaurando, entre as partes, a par conditio, ou seja, a paridade de armas ou de condições na busca da verdade dos fatos, ou na expressão de Alexandre de Moraes, a “condução dialética do processo, pois a todo ato produzido caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquele feita pelo autor”.

Também sobre o tema do devido processo legal, de maneira

resumida Saraiva199 complementa que:

Nesta garantia ao devido processo legal constitui-se, em resumo, o direito a todas as prerrogativas processuais asseguradas pela própria ordem constitucional e pela lei, notadamente aqueles mandamentos constitucionais relativos ao princípio do juiz natural, pois não haverá juízo ou tribunal de exceção, devendo cada um responder perante o juiz competente (art. 5o, XXXVII e LII), além da garantia aos privados de liberdade do respeito à integridade física e moral (art. 5o, XLIX); o asseguramento aos acusados em geral do contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5o, LV); o princípio da presunção de inocência (art. 5o, LVII); a obrigatoriedade do relaxamento da prisão ilegal (art. 5o, LXV), enfim, todos os direitos decorrentes da ordem constitucional, tendo-se presente que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”(art. 5o, LXXVII e § 1o).

Veronese200, por sua vez, expõe acerca da finalidade da

garantia do devido processo legal, argüindo que “tem por fim a proteção dos

197

LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Rideel, 2009. p. 185.

198 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Rideel, 2009. p. 185.

199 SARAIVA, João Batista Costa. In ILANUD; ABMP; SEDH; UNFPA (org.). Justiça, Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006. p. 188 e 189.

200 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da Criança e do Adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006. 5 volume. p. 82.

66

cidadãos contra possíveis arbitrariedades do Estado, constituindo, assim, uma

garantia essencial ao pleno desenvolvimento do Estado Democrático de Direito”.

Já Prade201, elucida que “o princípio do devido processo legal

constitui literal reprodução do inciso LIV do art. 5º da Constituição Federal, limitando-

se, contudo, apenas à privação da liberdade”. Tal inciso da Constituição federal

prevê que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido

processo legal”.

Quanto à exclusão à privação dos bens, o mencionado autor,

Prade202 aduz que:

Justifica-se a exclusão quanto à privação dos bens porque, via de regra, o adolescente não os possui. Além do mais, quando os possua, o fato de o Estatuto não se referir a eles é irrelevante se o preceito constitucional, como sabido, também o alcança. A respeito desse tópico, aliás, sobra razão a Nagib Slaibi Filho ao alertar que “o princípio do devido processo legal, formal e material, é imperativo constitucional para qualquer processo, judicial ou administrativo, inclusive aqueles referentes a atos infracionais praticados por menores”.

Desta forma, Saraiva203 sintetiza que:

O Estatuto da Criança e do Adolescente reafirma a condição de sujeito de direitos do adolescente a que se atribui a prática de uma conduta infracional quando arrola um conjunto de garantias processuais em favor do adolescente, garantias estas que não excluem outras decorrentes do Estado Democrático de Direito. O faz na linha da Normativa Internacional, incorporando preceitos universalmente reconhecidos expressos na Convenção das Nações Unidas de Direitos da Criança e nas Regras de Beijing, em especial no art. 40 daquela e 7.1 desta.

É também neste sentido que atenta Prade204, sustentando que:

201

PRADE, Péricles. Direitos e Garantias Individuais da Criança e do Adolescente. Florianópolis: Obra Jurídica, 1995. p. 49.

202 PRADE, Péricles. Direitos e Garantias Individuais da Criança e do Adolescente. Florianópolis: Obra Jurídica, 1995. p. 49 e 50.

203 SARAIVA, João Batista Costa. In ILANUD; ABMP; SEDH; UNFPA (org.). Justiça, Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006. p. 187.

204 PRADE, Péricles. Direitos e Garantias Individuais da Criança e do Adolescente. Florianópolis: Obra Jurídica, 1995. p. 53 e 54.

67

O art. 110, enfim, não só se funda na Constituição, tendo em mira a adoção dessa cláusula também no plano do direito internacional, pois a regra mínima 14.1 de Beijing assevera que “todo menor infrator cujo caso não tenha sido objeto de remissão (de acordo com a regra 11), será apresentado à autoridade competente (Juizados, Tribunais, Junta, Conselho, etc.), que decidirá de acordo com os princípios de um processo imparcial e justo” (grifamos).

Por fim, cabe destacar o entendimento de Liberati205, o qual

ensina que:

Sob este prisma, as garantias processuais penais gerais, estabelecidas na Constituição Federal e nas leis processuais, deverão ser utilizadas, subsidiariamente, na apuração do ato infracional, no processo de conhecimento e na execução das medidas aplicadas, naquilo que couber, for possível e adequado. Vale dizer que o infrator menor de 18 anos tem todos os direitos dos adultos, que sejam compatíveis com a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento que ostentam.

Seguindo-se no estudo, cabe ao artigo 111206 do Estatuto da

Criança e do Adolescente, também elencar garantias processuais a serem

conferidas aos adolescentes que praticam atos infracionais. Por seu turno, prevê

que:

Art. 111. São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias:

I - pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente;

II - igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa;

III - defesa técnica por advogado;

IV - assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei;

V - direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente;

205

LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Rideel, 2009. p. 185.

206 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.07.2010.

68

VI - direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.

Sobre o artigo supracitado, comenta Prade207 que:

Nos incisos do art. 111 do ECA são relacionadas seis garantias processuais especiais, representando projeções do abrangente princípio do devido processo legal, amarradas à técnica do direito tutelar, sendo as quatro primeiras de natureza entranhadamente constitucional e as demais constantes de textos extravagantes de expressão internacional e abrangidas pela Constituição de forma oblíqua.

Tais garantias, por não serem numerus clausus, são exemplificativas e põem ênfase no sistema processual protetor do adolescente, o que possibilita, sempre que necessário, a aplicação de outras admitidas pelo nosso ordenamento jurídico ou adotadas por declarações, pactos, convenções ou tratados cujos textos foram aprovados internamente pelo Brasil. Garantias que, quase sempre, de forma simultânea integram diplomas distintos.

No que tange ao inciso I do artigo em estudo, o qual dispõe

que será assegurado ao adolescente o “pleno e formal conhecimento da atribuição

de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente”, Veronese208 aduz que:

Tal garantia decorre do art. 227, § 3º, IV da Constituição, sendo reforçado pelo art. 184, § 1º do Estatuto, o qual dispõe que: “o adolescente e seus pais ou responsáveis serão cientificados sobre o teor da representação, e notificados a comparecer à audiência, acompanhados de advogados”. A citação é o instrumento processual através do qual se dá conhecimento a alguém da instauração do processo, sendo somente a partir dela que a relação processual pode ser estabelecida.

Liberati209 aponta para o fato de o Estatuto não ter utilizado a

expressão “citação” e ter preferido, todavia, utilizar as expressões “cientificados do

teor da representação” e “notificados a comparecer à audiência”. Atenta, no entanto,

que “o sentido é o mesmo: dar conhecimento ao infrator que contra ele está em

207

PRADE, Péricles. Direitos e Garantias Individuais da Criança e do Adolescente. Florianópolis: Obra Jurídica, 1995. p. 55 e 56.

208 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da Criança e do Adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006. 5 volume. p. 84.

209 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Rideel, 2009. p. 186.

69

curso uma ação, de natureza penal e o seu chamamento para comparecer à

audiência designada”.

Neste diapasão, o mesmo autor, Liberati210, discorre que:

O adolescente deverá ser pessoalmente citado do teor da representação e notificado a comparecer à audiência prevista no art. 184 do ECA. Se ele for regularmente citado e não atender ao chamado judicial poderá ser conduzido coercitivamente, nos termos do art. 187 da mesma lei e, mesmo ausente, não poderá ser processado sem defensor, nos termos do art. 207 do ECA.

Em vista da pessoalidade da citação, não haverá citação por edital e, tampouco, com hora certa.

O inciso II, também do artigo 111 do ECA, estabelece que será

assegurado ao adolescente a “igualdade na relação processual, podendo confrontar-

se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua

defesa”. Sobre tal garantia, Veronese211 expressa que esta é:

Decorrente dos arts. 5º, LV (garante o contraditório e a ampla defesa) e 227, § 3º, IV (proteção especial) da Constituição, este inciso implica na garantia de que as partes terão, frente ao judiciário, as mesmas possibilidades de alegações e de produção de provas. O art. 5º caput, da Carta Magna, expressa a igualdade de todos perante a lei, não permitindo que se façam diferenciações entre os cidadãos. É a chamada igualdade formal.

Liberati212, por sua vez, preconiza que por meio da

“igualdade na relação processual, desvendou, o Estatuto, a possibilidade de o

adolescente produzir todas as provas necessárias à sua defesa, confrontando-se

com vítimas e testemunhas, indicar peritos etc.”. E, mais, discorre Liberati213 que:

O conteúdo da igualdade processual pode ser dividido em dois aspectos: a) a exigência de igual tratamento aos que se encontram na mesma posição jurídica no processo, como, por exemplo, tratamento igualitário a todos os que estejam na posição de

210

LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Rideel, 2009. p. 187.

211 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da Criança e do Adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006. 5 volume. p. 84.

212 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Rideel, 2009. p. 188.

213 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Rideel, 2009. p. 188.

70

testemunha, só sendo admitida qualquer desigualdade em virtude de situações pessoais inteiramente injustificáveis, e que não representem prerrogativas inaceitáveis (como a proteção conferida a algumas testemunhas, dependendo do crime investigado e da situação de perigo a que estiverem expostas); b) igualdade de armas no processo para as partes ou par conditio, para que se assegure às partes equilíbrio de forças.

Assim, o mesmo autor, Liberati214, de maneira conclusiva

sintetiza que:

O desequilíbrio não pode prevalecer, entre as partes, diante das garantias processuais penais constitucionais da par conditio de adolescentes em conflito com a lei. A produção de todos os meios de prova e a confrontação com vítimas e testemunhas estão, intrinsecamente, ligadas à regra de existência de um processo penal justo, paritário e igualitário para as partes envolvidas. Fora disso, haverá a preponderância do desequilíbrio, a usurpação do poder acusatório, o desvirtuamento da busca da verdade, e, especialmente, o perdimento do bem jurídico maior tutelado, a liberdade.

No que tange ao disposto no inciso III do art. 111 do ECA, a

garantia de “defesa técnica por advogado”, Veronese215 faz um paralelo com o

revogado Código de Menores, consagrando que:

Com vistas a possibilitar uma igualdade na relação processual, o Estatuto estabelece a obrigatoriedade da presença do advogado para os adolescentes, fato este inovador, haja vista que, no revogado Código de Menores essa presença era facultativa, prejudicando, principalmente, aquela parcela da população sem recursos para contratar um profissional da área (notadamente, essa é a grande parte dos atingidos pelo sistema). O Direito da Criança e do Adolescente incorpora o art. 133 da Constituição, considerando o advogado como instrumento essencial à administração da justiça, sendo o mesmo o agente capaz de proporcionar ao adolescente o gozo de sua garantia à ampla defesa.

Sobre a atuação do defensor, ressalta Ishida216 que este

“por mais que entenda a aplicação de medida mais grave, deve sempre procurar

contraditar os fatos imputados ao adolescente, sob pena de admitir que o

adolescente encontra-se sem defesa técnica”. 214

LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Rideel, 2009. p. 189.

215 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da Criança e do Adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006. 5 volume. p. 85.

216 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 209.

71

Na mesma linha de pensamento, Saraiva217 aponta que:

O atuar desse defensor deve ser energético e técnico, não se conformando com um agir “figurativo”. O defensor tem de estar comprometido com o supremo valor que defende, a liberdade. Deve se contrapor aos argumentos do Ministério Público na pretensão socioeducativa deduzida na Representação, assim como na vigilância da composição do acordo que resulta no concerto da remissão na fase pré-processual (...).

Ishida218 acrescenta que mesmo que haja a renúncia

“do adolescente e de seu representante legal em recorrer, prevalece a vontade de

seu advogado em recorrer, pois este possui a defesa técnica a que alude o art. 111,

III, do ECA”.

Liberati219, por sua vez, contribui no estudo pronunciando que:

A falta de recursos financeiros não será motivo para que o infrator fique sem a defesa por advogado. Ao notar que o autor do ato infracional ou seus responsáveis não têm recursos financeiros suficientes para suportar o andamento do processo, o juiz nomear-lhe-á defensor e lhe dará os benefícios da assistência judiciária.

Com relação ao inciso IV do art. 111, que assegura ao

adolescente a “assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma

da lei”, Prade220 alude que:

A assistência, aqui, é proporcionada àqueles que, desprovidos de recursos materiais, não podem suportar o pagamento dos honorários advocatícios e os ônus do processo. Por isso, junge-se o dispositivo ao inciso LXXIV do art. 5º da CF, impondo que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

Como fundamento à garantia em estudo, o mesmo autor,

Prade221, assoalha que:

217

SARAIVA, João Batista Costa. In ILANUD; ABMP; SEDH; UNFPA (org.). Justiça, Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006. p. 192.

218 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 211.

219 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Rideel, 2009. p. 190.

220 PRADE, Péricles. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 373.

72

O fundamento é a necessidade de justiça. Se, por ser pobre, ficasse o adolescente sem assistência técnica, o julgamento não seria justo nem imparcial, havendo um estridente desequilíbrio entre as partes. Melhor dizendo: emergeria ofensa ao princípio da igualdade de todos perante a lei.

Ainda Prade222, no que se direciona às características da

assistência jurídica, ensina que esta “é plena, sem restrições (...), que é grátis, sem

gravame pecuniário, isto é, sem desembolso de dinheiro para tal mister (não há

despesas)”.

É neste sentido, que mister se faz a distinção entre assistência

judiciária e justiça gratuita, nas palavras de Miranda223:

Assistência judiciária e benefício de justiça gratuita não são a mesma coisa. O benefício da justiça gratuita é direito de dispensa provisório de despesas, exercível em relação jurídica processual, perante o Juiz que promete a prestação jurisdicional. A assistência judiciária é a organização estatal, ou paraestatal, que tem por fim, ao lado da dispensa provisória das despesas, a indicação de advogado. É instituto de direito administrativo.

Portanto, de acordo com o que disserta Veronese224,

“seria uma afronta ao princípio da isonomia impedir alguns cidadãos de pleitear seus

direitos em juízo, pelo fato de não terem condições de arcar com os honorários

advocatícios e demais custas processuais”.

Outra garantia concedida aos adolescentes está prevista no

inciso V do art. 111, dispondo a eles o “direito de ser ouvido pessoalmente pela

autoridade competente”.

Sobre tal disposição, Veronese225 atenta que:

221

PRADE, Péricles. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 373.

222 PRADE, Péricles. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 373.

223 MIRANDA, Pontes de. In PRADE, Péricles. Direitos e Garantias Individuais da Criança e do Adolescente. Florianópolis: Obra Jurídica, 1995. p. 69.

224 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da Criança e do Adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006. 5 volume. p. 86.

225 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da Criança e do Adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006. 5 volume. p. 86.

73

Esta é uma garantia indispensável ao desenvolvimento regular do processo, bem como para a correta aplicação das medidas sócio-educativas, pois o adolescente deve ter a garantia da liberdade de expressar a própria opinião, principalmente quando ela está relacionada a assuntos do seu interesse.

Neste diapasão, complementa Prade226 que:

A autoridade competente, aqui, não é apenas (a) o Juiz natural (ECA, art. 186), que o ouvirá quando comparecer para a apuração do ato infracional, mas (b) o representante do Ministério Público, que o entrevistará se o desejar ao ser privado da liberdade (ECA art. 124, I), ouvindo-o ainda, informalmente (ECA, art. 179), quando for apresentado, bem como (c) o defensor público (ECA, art. 141).

Salienta Saraiva227, que a garantia disposta no inciso V, ora

analisada, tem amparo no “amplo acesso à Justiça” destacando o “art. 141 do

Estatuto, e art. 5º, XXXV, da CF”.

Por fim, a última garantia processual disposta nos incisos do

art. 111 do ECA, estabelece ao adolescente o “direito de solicitar a presença de

seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento”.

Para Prade228, tal presença “tem caráter psicológico, dando-se,

assim, maior conforto moral e emocional no curso do processo. O que é plausível,

tendo em vista a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”.

Saraiva229, por sua vez, acrescenta fazendo um paralelo entre

o ato criminoso, cometido por pessoas que atingiram a maioridade penal, e esta

garantia concedida ao adolescente, enfatizando que:

Se a todos os cidadãos está assegurado o direito de avistar-se com familiar em caso de imputação de ato criminoso (a CF, art. 5o, LXII, impõe a imediata comunicação da prisão à família ou a alguém indicado pelo preso), no caso do adolescente a quem se atribui a autoria de ato infracional esta garantia se faz ampliada, pelo caráter

226

PRADE, Péricles. Direitos e Garantias Individuais da Criança e do Adolescente. Florianópolis: Obra Jurídica, 1995. p. 73-74.

227 SARAIVA, João Batista Costa. In ILANUD; ABMP; SEDH; UNFPA (org.). Justiça, Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006. p.193.

228 PRADE, Péricles. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 374.

229 SARAIVA, João Batista Costa. In ILANUD; ABMP; SEDH; UNFPA (org.). Justiça, Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006. p. 194.

74

de apoio efetivo e necessário a ser alcançado ao jovem, em qualquer fase do procedimento, tanto que para a audiência de apresentação em juízo (art. 186) a cientificação dos pais ou responsável faz-se imperativa.

De modo a finalizar o assunto abordado neste item,

interessante se mostram as palavras de Braga230, dispondo que:

O art. 111 do Estatuto da Criança e do Adolescente demonstra o procedimento para viabilizar o princípio do artigo anterior. Seus pontos básicos são: permissão plena e formal para o adolescente tomar conhecimento do que lhe foi atribuído como ato infracional; igualdade na relação processual entre Estado e adolescente infrator, cabendo a este último o direito de ampla defesa; acesso à assistência judiciária gratuita; direito do adolescente falar à autoridade competente sobre seu ato; e, ainda, o direito do adolescente de ser acompanhado pelos pais ou responsável durante o processo.

Demonstradas as garantias processuais conferidas aos

adolescentes autores de atos infracionais, é interessante a abordagem de alguns

aspectos acerca das medidas sócio-educativas a eles aplicadas, bem como suas

modalidades.

2.4 AS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS APLICÁVEIS AOS ADOLESCENTES

QUE COMETEM ATOS INFRACIONAIS

As medidas sócio-educativas estão disciplinadas nos artigos

112 a 114 do Estatuto da Criança e do Adolescente, artigos que tangem às

disposições gerais. Já os artigos 115 a 125 do mesmo Estatuto, versam de maneira

específica a cada modalidade de medida sócio-educativa.

Ao comentar a parte geral das medidas sócio-educativas,

Liberati231 alerta para o significado da expressão, dizendo que:

As medidas sócio-educativas são aquelas atividades impostas aos adolescentes quando considerados autores de ato infracional. Destinam-se elas à formação do tratamento tutelar empreendido a

230

BRAGA, Ana Beatriz. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 376.

231 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 1997. p. 80 e 81.

75

fim de reestruturar o adolescente para atingir a normalidade da integração social.

Os métodos para o tratamento e orientação tutelares são pedagógicos, sociais, psicológicos e psiquiátricos, visando, sobretudo, à integração da criança e do adolescente em sua própria família e na comunidade local.

Em outra obra de sua autoria, Liberati232 afirma que:

A medida socioeducativa é a manifestação do estado, em resposta ao ato infracional praticado por menores de 18 anos, de natureza jurídica impositiva, sancionatória e retributiva, cuja aplicação objetiva inibir a reincidência, desenvolvida com a finalidade pedagógica-educativa. Tem caráter impositivo, porque é medida aplicada, independente da vontade do infrator – com exceção daquelas aplicadas em sede de remissão, de natureza transacional. Além de impositivas, as medidas têm cunho sancionatório, porque, com sua ação ou omissão, o infrator quebrou a regra de convivência dirigida a todos. E, por fim, ela pode ser considerada uma medida de natureza retributiva, porque é a resposta do Estado à prática do ato infracional.

Assim, o autor citado, Liberati233, assevera que:

(...) a medida sócio-educativa, em sua natureza jurídica implica na sanção aplicada como punição ou como reparação por uma ação julgada repreensível. Sua execução, no entanto, deve ser instrumento pedagógico visando ajustar a conduta do infrator à convivência social pacífica, sob o prisma da prevenção especial voltada para o futuro.

Neste sentido, assim prevê o artigo 112234 do ECA:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I - advertência;

II - obrigação de reparar o dano;

III - prestação de serviços à comunidade;

232

LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Rideel, 2009. p. 97.

233 LIBERATI, Wilson Donizeti. ILANUD; ABMP; SEDH; UNFPA (org.). Justiça, Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006. p. 371.

234 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.07.2010.

76

IV - liberdade assistida;

V - inserção em regime de semi-liberdade;

VI - internação em estabelecimento educacional;

VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.

§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.

§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

Para Ishida235 “o artigo em tela reproduz as medidas cabíveis

que encontram certas semelhanças com as aplicadas na esfera penal” e aduz ainda

que “trata-se de um rol taxativo, aplicando-se no caso o princípio da legalidade,

admitindo-se sanção previamente estabelecida por lei”.

Maior236 acrescenta que “como se trata de rol taxativo (e não

exemplificativo), é vedada a imposição de medidas diversas daquelas enunciadas no

artigo em tela”, aduzindo, também, que:

Constituem-se na autoridade competente, referida em tal norma, o juiz e o promotor de justiça da infância e da juventude (este último somente no pertinente às medidas previstas nos incs. I, II, III, IV e VIII, quando se tratar de concessão de remissão com aplicação de medida).

Neste diapasão, a primeira das medidas sócio-educativas

enumeradas no rol do artigo 112 do ECA é a advertência. Tal modalidade é

especificada pelo artigo 115 do mesmo Estatuto, o qual aduz que esta “consistirá em

admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada”.

235

ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 212.

236 MAIOR, Olympio Sotto. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 378.

77

Nos ensinamentos de Lima237:

(...) o “ato de advertir”, no sentido de “admoestar”, contém em sua estrutura semântica um componente sancionatório. Ainda quando externada informalmente, toda “advertência” representa, em última instância, um ato de autoridade e pressupõe que, numa dada relação social, alguém detém a faculdade de se impor a outrem (orientando, incutindo valores, induzindo comportamentos, etc.), mesmo contra a vontade daquele contra quem ou em relação a quem essa faculdade é exercida.

Liberati238, por seu turno, descreve o procedimento para o

ajuste da advertência, ensinando que:

A medida de advertência, como todas as medidas socioeducativas, representa um ato de autoridade, de forma solene, que deve ser executada: a) com as formalidades legais que exige, b) com a ocorrência da materialidade, c) com indícios suficientes da autoria, como dispõe o parágrafo único do art. 114 do ECA.

Para a aplicação da medida socioeducativa de advertência, o Estatuto determina a realização de uma audiência admonitória, em que deverão estar presentes o juiz, o Ministério Público, o adolescente e seus pais ou responsáveis.

Por fim, Lima239 alerta que a advertência, via de regra, destina-

se “a adolescentes que não registram antecedentes infracionais e para os casos de

infrações leves, seja quanto à natureza, seja quanto às suas conseqüências”.

A segunda medida sócio-educativa aplicada a adolescentes

que praticam atos infracionais está disposta no inciso II, do art. 112, do ECA, qual

seja a obrigação de reparar o dano.

A modalidade em tela esta inserida no artigo 116 do ECA, que

dispõe “em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade

poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o

ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima”.

237

LIMA, Miguel Moacyr Alves. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 386.

238 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Rideel, 2009. p. 98.

239 LIMA, Miguel Moacyr Alves. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 391.

78

Para Ishida240 tal medida “deve ser suficiente para despertar no

adolescente o senso de responsabilidade social e econômica em face do bem

alheio”, discorrendo que esta “deve buscar a reparação do dano causado à vítima

tendo sempre em vista a orientação educativa a que se presta”.

Já Lima241 se reporta à questão trazendo o ensinamento de

que:

No que concerne ao prejuízo causado por ato ilícito devido a menor, se este tiver menos de 16 anos, responderão pela reparação, exclusivamente, os pais e, se for o caso, o tutor ou curador. Se o menor tiver entre 16 e 21 anos, a lei o equipara ao maior no que concerne às obrigações resultantes de atos ilícitos em que for culpado. Neste caso, responderá solidariamente com seus pais, tutor ou curador pela reparação devida (art. 156 e 1.521, I e II, CC).

Assim, “tal medida, antes de ser punitiva, pretende, de forma

pedagógica, orientar o adolescente a respeitar os bens e o patrimônio de seus

semelhantes”, conforme aduz Liberati242.

Outra espécie de medida sócio-educativa é a prestação de

serviços à comunidade, estabelecida pelo inciso III do artigo em comento e

explicada pelo art. 117243, também do ECA, o qual prevê:

Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.

Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a freqüência à escola ou à jornada normal de trabalho.

240

ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 218.

241 LIMA, Miguel Moacyr Alves. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 392.

242 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 1997. p. 81.

243 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.07.2010.

79

No que tange à execução desta modalidade de medida,

Liberati244 afirma que:

O êxito da medida dependerá da efetiva fiscalização pela autoridade judiciária, pelo Ministério Público, pelos técnicos sociais dos programas, pelos responsáveis dos estabelecimentos escolhidos para sua execução e, sobretudo, pela comunidade.

Elias245 acrescenta algumas informações acerca da prestação

de serviços à comunidade, ressaltando:

(...) sobre os limites temporários da execução da medida: um semestre, no máximo, exercendo atividades altruísticas, nunca em estabelecimento de iniciativa privada de fins lucrativos. As tarefas não prejudicarão as aulas do ensino regular freqüentadas pelo adolescente, sem solução de continuidade. Quando o adolescente for empregado ou trabalhar por conta própria, os serviços de interesse comunitário que lhe forem impostos serão prestados nos dias em que não houver de exercitar seus afazeres particulares. Tais como aos sábados onde não houver expediente regular, e aos domingos e feriados nacionais, estaduais, municipais ou religiosos, ou outros dias de recesso profissional.

Neste norte, Nogueira246 faz uma comparação desta medida

com a disposta “no Código Penal como pena restritiva de direito”, ressaltando o

“alcance reeducativo, desde que devidamente aplicada e fiscalizada pelos órgãos

competentes”.

Como modalidade de medida sócio-educativa, há também a

liberdade assistida, demonstrada pelos artigos 118 e 119 do ECA.

Sobre as características desta espécie, Liberati247 elucida que:

(...) a) somente será aplicada ao adolescente autor de ato infracional; b) a medida será cumprida em meio aberto; c) será administrada e executada pelo Poder Público (preferencialmente, o Município) ou por entidades não-governamentais; d) com prazo de seis meses, no

244

LIBERATI, Wilson Donizeti. ILANUD; ABMP; SEDH; UNFPA (org.). Justiça, Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006. p. 372.

245 ELIAS, José de Farias. Comentários ao estatuto da Criança e do Adolescente. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 114.

246 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 4 ed. rev., aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 170.

247 LIBERATI, Wilson Donizeti. ILANUD; ABMP; SEDH; UNFPA (org.). Justiça, Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006. p. 373.

80

mínimo, permitida sua prorrogação, revogação ou substituição; e) com avaliações periódicas do adolescente efetuadas pelo orientador nomeado pela autoridade judiciária ou pelo programa de atendimento; f) é uma medida restritiva de direitos.

Já Carranza248, ressalta que:

Trata-se de uma medida judicial de cumprimento obrigatório para o adolescente que dela é sujeito. No entanto, pela natureza da medida, considera-se importante que esta se realize com o maior grau possível de voluntariedade e ativo protagonismo do adolescente, tendo como objeto não só evitar que este seja novamente objeto da ação do sistema de Justiça Penal mas, também, apoiá-lo primordialmente na construção de um projeto de vida. Neste sentido, o papel do orientador responsável é da maior importância e suas ações de apoio e assistência devem ser discutidas e acordadas com o adolescente, respeitando seu direito de escolher seu próprio projeto. Assim se procura que a liberdade, bem exercida, como valor em si mesma, atue como principal elemento socializante.

Liberati249, por fim, assevera que a liberdade assistida

apresenta nova significação “trata-se de medida ampla com a finalidade de orientar,

proteger e acompanhar o adolescente infrator, e deverá ser aplicada sempre que for

adequada”.

No inciso V do art. 112 do ECA, está prevista a modalidade de

medida sócio-educativa de semiliberdade, a qual é tratada de maneira específica

pelo artigo 120250 do mesmo diploma legal, que elucida:

Art. 120. O regime de semi-liberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial.

§ 1º São obrigatórias a escolarização e a profissionalização, devendo, sempre que possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade.

248

CARRANZA, Elias. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 404 e 405.

249 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 1997. p. 81.

250 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.07.2010.

81

§ 2º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação.

Sobre a semiliberdade, Liberati251 ensina que “entende-se

aquela medida sócio-educativa destinada a adolescentes infratores que trabalham e

estudam durante o dia e à noite recolhem-se a uma entidade especializada”,

acrescentando, o mesmo Liberati252, que:

No período noturno, quando o adolescente deverá recolher-se à entidade de atendimento, os técnicos sociais deverão complementar o trabalho de acompanhamento, auxílio e orientação, sempre verificando a possibilidade do término do tratamento.

Já Elias253 aponta para a aplicação da semiliberdade,

salientando que:

A medida pode ser aplicada desde o início, quando, pelo estudo técnico, se verificar que é adequada e suficiente do ponto de vista pedagógico. Pode ser, ademais, aplicada como forma de transição para o meio aberto, isto no caso do adolescente que sofreu medida de internação. Se este deixou de representar um perigo à sociedade, deve passar para um regime mais ameno, em que possa visitar os familiares e freqüentar escolas externas ou trabalhar.

Portanto, conforme ensina Liberati254 a semiliberdade revela-se

de “alto valor terapêutico e eficaz para a integração social do adolescente, dando-lhe

garantia e oportunidade de uma atividade útil e laborativa na comunidade, com o

acompanhamento de equipe técnica especializada”.

Por fim, o inciso VI, do artigo 112, do ECA, trata da medida

sócio-educativa de internação, a qual vem disciplinada nos artigos 121 a 125 da

mesma Lei.

251

LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 1997. p. 89.

252 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 1997. p. 90.

253 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 98.

254 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 1997. p. 82.

82

Tavares255 afirma que esta medida “é a mais severa das

medidas sócio-educativas estabelecidas no Estatuto. Priva o adolescente de sua

liberdade física – direito de ir e vir – à vontade”, acrescentando Liberati256 que tal

modalidade “só pode ser aplicada pela autoridade judiciária em decisão

fundamentada”.

Para Costa257, três são os princípios que norteiam a aplicação

da medida sócio-educativa de internação:

(...) o princípio da brevidade enquanto limite cronológico; o princípio da excepcionalidade, enquanto limite lógico no processo decisório acerca de sua aplicação; e o princípio do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, enquanto limite ontológico, a ser considerado na decisão e na implementação da medida.

Tais princípios estão expressos no artigo 121, caput, do ECA, o

qual também faz outras importantes ressalvas acerca da medida, dentre elas as

citadas pelo doutrinador Tavares258, frisa-se:

A internação perdurará por tempo indeterminado (§ 2º) e durante o seu cumprimento será precedido reexame da situação a concluir pela continuidade, soltura ou substituição por outra medida mais suave. O que o Juiz da Infância e da Juventude decidirá em sentença com fundamentação legal. O § 3º limita em (3) três anos o prazo máximo dessa constrição, observando-se, de logo, que no caso do art. 122, III e seu § 1º, a duração não ultrapassará os (3) três meses.

Nesta direção, o artigo 122259 do ECA estabelece as hipóteses

em que a internação poderá ser aplicada, sendo elas:

Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:

255

TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 117.

256 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 1997. p. 82.

257 COSTA, Antônio Carlos Gomes da. In CURY, Munir (coord.). Estatuto da criança e do Adolescente Comentado. 8 ed. São Paulo: Malheiros LTDA, 2006. p. 416.

258 TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 118.

259 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.07.2010.

83

I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;

II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

§ 1º. O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses.

§ 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo a medida adequada.

Ao comentar o artigo citado, Nogueira260 faz menção à

reincidência, asseverado que a “reiteração equivale à reincidência, assim como a

representação contra o adolescente equivale à denúncia. Há uma mudança

terminológica, mas seus efeitos se equiparam”.

Além das medidas sócio-educativas aqui citadas, o artigo 112

do ECA, em seu inciso VII, também prevê a possibilidade se serem ajustadas as

medidas de proteção aos adolescentes que praticam atos infracionais, as quais já

foram devidamente tratadas no Capitulo I deste trabalho, acrescentando-se, apenas,

a lição de Liberati261 de que:

(...) as medidas de proteção referidas no art. 112, VII, não exigem indícios e/ou comprovação da autoria e materialidade da infração para serem aplicadas, pois não ofendem o princípio constitucional da liberdade de locomoção.

Sobre os parágrafos do artigo 112, já que auto-explicativos

Liberati262 os transcreve da seguinte forma:

Para a aplicação das medidas mencionadas devem-se levar em conta a capacidade do adolescente de cumpri-las, as circunstâncias do ato infracional praticado e sua gravidade (§ 1º). Em hipótese alguma e sob pretexto algum serão admitidas a tortura e a prestação de trabalho forçado, para a concretização da medida sócio-educativa

260

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 4 ed. rev., aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 193.

261 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 1997. p. 83.

262 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. São

Paulo: Malheiros Editores LTDA, 1997. p. 83 e 84.

84

(§ 2º). Os adolescentes portadores de doença ou de deficiência mental deverão receber tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições (§ 3º).

Estabelecidas e vistas as medidas sócio-educativas previstas

no ECA, estudar-se-á, agora, o procedimento para a sua aplicação e, assim

também, a atuação do Ministério Público na apuração de ato infracional.

CAPÍTULO 3

AS FASES PROCESSUAIS DA APURAÇÃO DO ATO INFRACIONAL

E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

3.1 AS CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES DA APURAÇÃO DO ATO

INFRACIONAL

Os artigos 171 a 190 do ECA estabelecem o regulamento legal

acerca da apuração do ato infracional cometido por adolescentes.

De acordo com Alves263 “o ECA não descreve um sistema de

investigação próprio para os ilícitos cometidos por adolescentes. Por isso, a

investigação deve, em linhas gerais, seguir o disposto no CPP (art. 152 do ECA)”.

Liberati264 atenta que “a regra principal do procedimento de

apuração de ato infracional é o respeito ao devido processo legal”, complementando

que, se ocorrer inobservância ao mencionado princípio, “deverá macular com o vício

da nulidade todos os procedimentos efetuados”.

O mesmo Liberati265 acentua que:

O procedimento de apuração de ato infracional divide-se em três fases distintas: a) fase policial, realizada pela Polícia Judiciária, quando o apreende e ao produto e os instrumentos da infração e determina diligências investigatórias (ECA, arts. 171 a 178); b) fase no Ministério Público, ocasião em que o infrator será apresentado ao promotor de justiça, em audiência informal, com os seus pais ou responsáveis, testemunhas e vítimas (ECA, arts. 179 a 182); c) fase judicial, quando o adolescente será ouvido pelo juiz, na presença de seus pais ou responsáveis e de seu advogado (ECA, arts. 183 a 190).

Assim, Alves266 sintetiza que:

263

ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 79.

264 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p. 171.

265 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p. 170.

86

É possível verificar que o ECA atribuiu a atividade de investigação à Polícia Judiciária, ainda que ao Ministério Público seja possível praticar de ofício as diligências que considere adequadas ou requisitá-las à autoridade policial. Na prática, o ECA atribuiu ao Ministério Público uma dupla tarefa: dirigir a investigação e exercer, com privatividade, o juízo de acusação. Ao órgão jurisdicional se reserva a função de garantia de direitos fundamentais, assim como o controle da viabilidade da ação e seu julgamento.

Verifica-se, portanto, a existência de três fases processuais na

apuração do ato infracional, as quais serão abordadas individualmente.

3.2 A APURAÇÃO DO ATO INFRACIONAL NA FASE POLICIAL

A fase de apuração do ato infracional na fase policial é a que

se desenvolve perante a polícia judiciária. Esta fase se caracteriza pela apreensão

do menor, do produto e instrumentos da infração.

Segundo Alves267 “o procedimento a ser adotado na fase

policial se condiciona à gravidade do ilícito e ao fato de ser ou não o adolescente

apreendido em flagrante”.

Tece Marçura268 que a apreensão de adolescente em que

acarrete privação de liberdade “somente poderá ser efetivada em razão de flagrante

de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária

competente”.

Acrescenta o autor acima citado, Marçura269, que:

A ordem deve emanar de autoridade judiciária competente, que, nos exatos termos do art. 146, é o juiz da infância e da juventude, ou o juiz que exerce essa função, na forma da lei de organização judiciária local. A ordem emanada de autoridade incompetente configura constrangimento ilegal, sanável pela via do habeas corpus.

266

ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 80.

267 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 80.

268 MARÇURA, Jurandir Norberto. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 531.

269 MARÇURA, Jurandir Norberto. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 531.

87

Sobre a apreensão por ordem escrita, o artigo 171270 do ECA

prevê que “o adolescente apreendido por força de ordem judicial será, desde logo,

encaminhado à autoridade judiciária”.

Em comento ao dispositivo legal citado, Ishida271 reporta a

duas questões interessantes, sendo elas o prazo de encaminhamento do

adolescente à autoridade judiciária e as hipóteses em que poderá ser o mandado de

busca e apreensão expedido, assim disciplinando:

Prazo para encaminhamento: não existe prazo determinado, mas a expressão “desde logo” pressupõe imediatividade, podendo ser utilizado como parâmetro o prazo de 24 horas, considerando a existência de plantão judiciário no local. São quatro as hipóteses de internação por determinação da autoridade judicial: (1) internação provisória decorrente de recebimento da representação; (2) internação provisória decorrente de aplicação da medida socioeducativa de internação ou semiliberdade; (3) apreensão após fuga do adolescente da entidade; (4) apreensão estando o adolescente infrator anteriormente em lugar incerto ou não sabido (LINS).

Liberati272, por sua vez, menciona as seguintes hipóteses que

autorizam a apreensão do adolescente mediante expedição do competente

mandado:

As hipóteses que autorizam a apreensão do adolescente infrator são semelhantes àquelas descritas no art. 312 do CPP, a saber: a) como garantia da ordem pública; b) por conveniência da instrução criminal; ou c) para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes da autoria.

A segunda modalidade de apreensão de adolescente que

pratica ato infracional está prevista no artigo 172273 do ECA, o qual estabelece

acerca da apreensão em flagrante de ato infracional, assim dispondo:

270

BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

271 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 339.

272 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p. 171.

273 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em

88

Art. 172. O adolescente apreendido em flagrante de ato infracional será, desde logo, encaminhado à autoridade policial competente.

Parágrafo único. Havendo repartição policial especializada para atendimento de adolescente e em se tratando de ato infracional praticado em co-autoria com maior, prevalecerá a atribuição da repartição especializada, que, após as providências necessárias e conforme o caso, encaminhará o adulto à repartição policial própria.

Marçura274 entende que:

O dispositivo enfocado trata da apreensão em flagrante de ato infracional, aplicando-se na espécie as normas do Código de Processo Penal pertinentes à prisão em flagrante, consoante preceito expresso no art. 152. Assim, deve-se considerar em flagrante de ato infracional o adolescente que: a) está cometendo ato descrito como crime ou contravenção penal; b) acaba de cometê-lo; c) é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor de ato infracional; d) é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor do ato infracional.

No que tange ao previsto no parágrafo único do artigo em

comento, valioso se apresenta os ensinamentos de Elias275, o qual retrata que:

(...) refere-se aos casos em que menores, que são inimputáveis penalmente, cometem atos em co-autoria com aqueles que, por serem maiores, são penalmente imputáveis. Dá-se, no caso, preferência ao encaminhamento do adolescente à delegacia especializada, onde houver, pois deve-se resolver quanto mais cedo o seu problema. Logo que tomadas as providências necessárias, o adolescente deverá ser encaminhado à autoridade judiciária, e o maior de idade à delegacia própria, conforme a natureza da infração cometida.

Importante frisar o disposto no artigo 230 do ECA, o qual prevê

pena de detenção de seis meses a dois anos a quem “privar a criança ou o

adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em flagrante

de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente”.

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

274 MARÇURA, Jurandir Norberto. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 532.

275 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 199.

89

De outro norte, compete ao artigo 173276 do ECA estabelecer o

procedimento adequado quando se tratar de flagrante de ato infracional cometido

com violência ou grave ameaça a pessoa, assim esculpido:

Art. 173. Em caso de flagrante de ato infracional cometido mediante violência ou grave ameaça a pessoa, a autoridade policial, sem prejuízo do disposto nos arts. 106, parágrafo único, e 107, deverá:

I - lavrar auto de apreensão, ouvidos as testemunhas e o adolescente;

II - apreender o produto e os instrumentos da infração;

III - requisitar os exames ou perícias necessários à comprovação da materialidade e autoria da infração.

Parágrafo único. Nas demais hipóteses de flagrante, a lavratura do auto poderá ser substituída por boletim de ocorrência circunstanciada.

Sobre a lavratura de auto de apreensão em flagrante ou

simples boletim de ocorrência, destaca Alves277 que “em qualquer caso, o

expediente será imediatamente enviado ao Ministério Público”.

O artigo 174278 do ECA trata da liberação do adolescente

quando do comparecimento de um responsável pelo mesmo na Delegacia,

disciplinando que:

Art. 174. Comparecendo qualquer dos pais ou responsável, o adolescente será prontamente liberado pela autoridade policial, sob termo de compromisso e responsabilidade de sua apresentação ao representante do Ministério Público, no mesmo dia ou, sendo impossível, no primeiro dia útil imediato, exceto quando, pela gravidade do ato infracional e sua repercussão social, deva o adolescente permanecer sob internação para garantia de sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública.

276

BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

277 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 81.

278 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

90

Sobre o artigo citado, Ishida279 destaca que:

O ECA estipula dois procedimentos: (1) delitos de menor gravidade: a autoridade policial elabora o termo circunstanciado e, mediante o comparecimento do responsável legal, libera o menor com o compromisso de apresentação ao membro do MP para oitiva informal; (2) delitos graves ou de grande repercussão: mantém o adolescente internado, desde que constatada a necessidade de segurança pessoal do menor ou manutenção da ordem pública. Assim, mesmo havendo auto de apreensão em flagrante decorrente de violência ou grave ameaça, é possível se o ato infracional não for revestido de gravidade, a liberação com o comparecimento de qualquer dos pais ou responsável.

Acerca da liberação do adolescente apreendido, Liberati280

acrescenta que “se ausentes ou desconhecidos os pais ou responsáveis do infrator,

a autoridade policial deverá encaminhar o adolescente à entidade de atendimento,

que deverá, em 24 horas, apresentar o infrator ao Ministério Público”.

O artigo 175281 do ECA, por seu turno, cuida dos casos em que

não será possível a liberação do adolescente, contemplando que:

Art. 175. Em caso de não liberação, a autoridade policial encaminhará, desde logo, o adolescente ao representante do Ministério Público, juntamente com cópia do auto de apreensão ou boletim de ocorrência.

§ 1º Sendo impossível a apresentação imediata, a autoridade policial encaminhará o adolescente à entidade de atendimento, que fará a apresentação ao representante do Ministério Público no prazo de vinte e quatro horas.

§ 2º Nas localidades onde não houver entidade de atendimento, a apresentação far-se-á pela autoridade policial. À falta de repartição policial especializada, o adolescente aguardará a apresentação em dependência separada da destinada a maiores, não podendo, em qualquer hipótese, exceder o prazo referido no parágrafo anterior.

279

ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 342.

280 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p.173.

281 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

91

O objetivo do prazo célere estipulado pela lei, conforme justifica

Elias282, “é evitar o contato do adolescente com pessoas imputáveis dadas ao crime

e, ao mesmo tempo, resolver rapidamente a questão, para encaminhá-lo, se for o

caso, à sua família”.

Já o artigo 176 do ECA, trata dos casos em que ocorrer a

liberação do adolescente, dispondo que “sendo o adolescente liberado, a autoridade

policial encaminhará imediatamente ao representante do Ministério Público cópia do

auto de apreensão ou boletim de ocorrência”.

Sobre o artigo em comento, Marçura283 disserta que:

O encaminhamento do auto de apreensão ou boletim de ocorrência ao representante do Ministério Público deve ser imediato, fazendo-se através do cartório judicial, a fim de que seja previamente autuado e instruído com informação sobre os antecedentes do adolescente (art. 179). Havendo apreensão de produto ou instrumento da infração, a autoridade policial lavrará o respectivo auto de apreensão, que será também encaminhado para apreciação do representante do Ministério Público. Os laudos de exames ou perícias necessárias à comprovação da materialidade podem ser encaminhados posteriormente, no menor prazo possível.

Neste aspecto, acrescenta Ishida284 que é “recomendável que

o encaminhamento seja de imediato no prazo de 24 horas, para possibilitar desde

logo a oitiva informal prevista no art. 179 do ECA”.

De outro norte, o artigo 177285 do ECA discorre sobre a

ausência do flagrante de ato infracional, porém havendo indícios de participação do

adolescente nos fatos, caso em que assim se procederá:

Art. 177. Se, afastada a hipótese de flagrante, houver indícios de participação de adolescente na prática de ato infracional, a

282

ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 203.

283 MARÇURA, Jurandir Norberto. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 541.

284 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 344.

285 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.07.2010.

92

autoridade policial encaminhará ao representante do Ministério Público relatório das investigações e demais documentos.

Considerando que o artigo não mencionou um prazo para a

autoridade policial remeter os documentos ao Ministério Público, Liberati286 sustenta

que “tão logo ultimadas as investigações, as remessas do relatório, dos exames

periciais e demais documentos deverão ser efetuadas o mais rápido possível”.

A propósito, disserta Elias287 que “embora o adolescente esteja

somente sujeito a medidas de caráter pedagógico e nunca punitivo, deve-se sempre

apurar a sua participação”.

Sobre o transporte do adolescente autor de ato infracional, esta

consubstanciado no artigo 178288 do ECA que:

Art. 178. O adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional não poderá ser conduzido ou transportado em compartimento fechado de veículo policial, em condições atentatórias à sua dignidade, ou que impliquem risco à sua integridade física ou mental, sob pena de responsabilidade.

Para Elias289 “a proibição em tela tem um triplo objetivo”, assim

reportando o mesmo autor290:

Primeiramente, quer-se preservar a sua dignidade. O art. 18 do Estatuto refere-se ao dever de todos de zelar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório e constrangedor. Não há dúvida de que transportar o menor em “camburão” atenta contra a sua dignidade.

Em segundo lugar, preocupa-se com a sua integridade física. Há de se observar que o Estatuto, ao cuidar do direito à vida e à saúde, tem

286

LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p.175.

287 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 205.

288 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

289 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 205.

290 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 205

93

um cuidado muito especial, que se inicia com o tratamento dispensado à gestante (arts. 7º a 14).

Finalmente, a atenção dirige-se à integridade mental. Sabe-se que muitas coisas podem ser nocivas ao adolescente, encarado como entidade ética. Evidentemente, se conduzido da mesma forma que um criminoso adulto, pode lhe ser prejudicial.

Acrescenta Marçura291 que “a vedação é corolário do cânone

constitucional inserto no art. 227, § 3º, V, da Carta Magna, que impõe respeito à

condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”, asseverando também o

mencionado autor, Marçura292, que:

A proibição não atinge, contudo, as viaturas policiais em que a pessoa presa ou apreendida é transportada no banco traseiro, ainda quando o acesso ao banco dianteiro seja impedido por meio de grade ou dispositivo análogo de segurança.

Desta forma, “visa tal dispositivo preservar sua dignidade,

vedando o transporte no denominado camburão”, de acordo com os ensinamentos

de Ishida293.

É necessário, portanto, seguir as disposições do ECA,

especialmente por se cuidar de adolescente que deve ser tratado de maneira que

não prejudique o seu desenvolvimento, assegurando-se proteção integral ao

mesmo.

3.3 A APURAÇÃO DO ATO INFRACIONAL NA FASE MINISTERIAL

A fase de apuração do ato infracional na fase ministerial é a

que se desenvolve perante o Ministério Público. Nesta fase o adolescente é

apresentado ao promotor de justiça acompanhado de seus pais ou responsáveis,

testemunhas e vítimas, em audiência informal, mas reduzida a termo.

291

MARÇURA, Jurandir Norberto. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 543.

292 MARÇURA, Jurandir Norberto. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 543.

293 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 345.

94

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

institui em seu artigo 127294, caput, a função do Ministério Público:

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Considerando o mencionado artigo, Silva295 sintetiza que

“o Promotor de Justiça não se ocupa apenas dos direitos coletivos e difusos mas

também dos direito que, apesar de restritos a um indivíduo singularmente

considerado, não podem ser renunciados por seu titular”.

Assevera ainda, Silva296, que:

Os direitos da criança e do adolescente são sempre indisponíveis – indisponibilidade que incorpora tanto as garantias fundamentais, como o direito à vida, à saúde e à educação; além dos direitos patrimoniais, vez que nem mesmo os pais, sem permissão da autoridade judiciária, podem transacionar os bens dos filhos menores de 18 anos.

No que tange ao tema tratado no presente trabalho, a apuração

do ato infracional e a atuação do Ministério Público, o artigo 201297, incisos I e II, do

ECA, versam acerca da atribuição do Ministério Público neste âmbito, assim

dispondo:

Art. 201. Compete ao Ministério Público:

I - conceder a remissão como forma de exclusão do processo;

II - promover e acompanhar os procedimentos relativos às infrações atribuídas a adolescentes;

(...)

294

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/> Acesso em: 30.09.2010.

295 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p.52.

296 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p.52.

297 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

95

Para análise dos incisos ora citados, dar-se-á prosseguimento

ao estudo dos artigos elencados na Seção V do ECA, que abrange a apuração do

ato infracional na fase Ministerial, notadamente os artigos 179 a 182.

Salienta-se, inicialmente, conforme elucida Silva298, que ao

receber a notícia do ato infracional, o Promotor de Justiça deverá observar se a:

-Justiça da Infância e da Juventude é competente para análise e o processamento do feito (...);

-conduta praticada se equipara a um tipo penal (...); e

-autoria está sendo imputada a adolescente, com idade compreendida entre 12 anos completos e 18 incompletos.

Neste sentido, o primeiro artigo do ECA, artigo 179299, que

prevê o procedimento da apuração do ato infracional na fase ministerial assoalha:

Art. 179. Apresentado o adolescente, o representante do Ministério Público, no mesmo dia e à vista do auto de apreensão, boletim de ocorrência ou relatório policial, devidamente autuados pelo cartório judicial e com informação sobre os antecedentes do adolescente, procederá imediata e informalmente à sua oitiva e, em sendo possível, de seus pais ou responsável, vítima e testemunhas.

Parágrafo único. Em caso de não apresentação, o representante do Ministério Público notificará os pais ou responsável para apresentação do adolescente, podendo requisitar o concurso das polícias civil e militar.

Sobre esta oitiva informal, tece Marçura300 que:

A oitiva informal do adolescente e, sendo possível, de seus pais ou responsável, vítima e testemunha destina-se, fundamentalmente, a fornecer elementos de convicção ao representante do Ministério Público, em substituição à sindicância ou inquérito policial, de sorte a imprimir celeridade à fase investigatória, permitindo rápida solução a casos de somenos importância, mormente quando a família e a sociedade já tenham reagido de forma eficaz.

298

SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p.227.

299 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

300 MARÇURA, Jurandir Norberto. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 546.

96

Além disso, ainda na oitiva informal, conforme destaca Silva301,

“deverá o Promotor de Justiça informar ao adolescente e a seus pais ou a seu

responsável a natureza do procedimento, o ato infracional que é imputado àquele,

seus direitos e suas garantias”.

Acerca da informalidade da oitiva, Alves302 faz a seguinte

ressalva:

Ainda que o ECA estabeleça que esta oitiva é informal, convém que seja reduzida a termo, porquanto poderá, mais tarde, servir como elemento de convicção. Não é opção do Ministério Público proceder ou não à oitiva, já que ela é também um direito do adolescente. Ademais, o próprio exercício da ação está condicionado à prévia oitiva do adolescente, salvo quando este, notificado da realização do

ato, a ele não comparece injustificadamente.

Ishida303, por sua vez, faz menção à existência de duas

correntes no que tange a necessidade da oitiva pelo Ministério Público ou não,

assim lecionando:

Existem duas correntes acerca da necessidade do cumprimento do disposto no art. 179. 1ª Corrente: entende que embora o B.O. possa servir de embasamento para a busca da convicção, a oitiva refere-se a um direito do adolescente, pois nela pode obter o arquivamento ou a remissão. 2ª Corrente: entende prescindível a oitiva informal, já que, a contrario sensu, o menor poderia evadir-se e assim se afastar de eventual representação ministerial. Entendendo dispensável por não se tratar de condição de procedibilidade (...).

Compartilhamos da segunda tese. Com efeito, embora salutar a oitiva informal do adolescente infrator, tem-se que a ausência da mesma não pode constituir-se em fator impeditivo da remissão ou representação. Isso porque a razão desse ato administrativo e informal é a formação da convicção do Parquet. Se contudo, já possui essa convicção, prescindível se torna a realização do ato.

Quanto ao parágrafo único do artigo em estudo, o qual trata da

não apresentação do adolescente, Elias304 trata da situação em que ocorrer a

301

SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 228.

302 ALVES. Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 81.

303 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 346.

304 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 207.

97

desobediência injustificada por parte dos pais ou responsáveis quando devidamente

notificados da audiência, aduzindo que “estarão sujeitos às penas do art. 236, que

prevê detenção de seis meses a dois anos àqueles que impedirem ou embargarem

a ação do Ministério Público no exercício de função prevista no Estatuto”.

Após a oitiva informal do adolescente o representante do

Ministério Público deverá agir de acordo com os dispositivos do artigo 180305 do

ECA, que são:

Art. 180. Adotadas as providências a que alude o artigo anterior, o representante do Ministério Público poderá:

I - promover o arquivamento dos autos;

II - conceder a remissão;

III - representar à autoridade judiciária para aplicação de medida sócio-educativa.

As opções tratadas no artigo mencionado serão melhor

analisadas nos tópicos a seguir.

3.3.1 O arquivamento da notícia do ato infracional

O arquivamento da notícia do ato infracional está previsto no

inciso I, do artigo 180, do ECA.

Segundo Silva306, ocorrerá nas seguintes hipóteses:

(...) de estar provada a inexistência do fato, de não haver prova da existência deste, do fato não se constituir ato infracional, de não existir prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional, ou, ainda, em outras situações que o Promotor de Justiça julgar cabível (...).

305

BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

306 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 229.

98

Já para Ishida307, além das hipóteses mencionadas o

arquivamento pode ser fundamentado na "existência de excludente de

antijuridicidade ou de culpabilidade”.

São excludentes de antijuridicidade ou ilicitude, as cláusulas

previstas no artigo 23308 do Código Penal:

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I - em estado de necessidade;

II - em legítima defesa;

III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Dotti309 pondera que quem praticar o fato nas situações

descritas no art. 23 do Código Penal “está protegendo um direito individual (próprio

ou de terceiro) e, também, um interesse coletivo, posto que a sociedade reprova os

comportamentos ilícitos causadores de perigo ou lesão”.

O que ocorre aqui é que o fato é típico, porém não ilícito, em

razão das excludentes, conforme expõe Capez310 “pode suceder que um fato típico

não seja necessariamente ilícito, ante a concorrência de causas excludentes”.

Neste aspecto, Jesus311 enfatiza que “quando isso ocorre (..)

fica excluído o próprio delito. Em consequência, o sujeito deve ser absolvido”.

Já as excludentes de imputabilidade, que segundo Jesus312

“excluem, por conseqüência, a culpabilidade”, estão previstas no art. 26313, caput, e

no art. 28314, § 1º, ambos do Código Penal.

307

ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 351.

308 BRASIL. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del2848.htm.> Acesso em 30.09.2010.

309 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. 2. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 385

310 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. Volume 1. p. 268

311 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral. 28. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005. Volume 1. p. 306.

99

Tais artigos assim estabelecem:

Art. 26. É isento da pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Art. 28. (...)

§ 1º. É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou forca maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Neste sentido, resume Capez315 que quatro são as causas que

excluem a imputabilidade: “1) doença mental; 2) desenvolvimento mental

incompleto; 3) desenvolvimento mental retardado; 4) embriaguez completa

proveniente de caso fortuito ou força maior”.

Assim, “optando pelo arquivamento, o Promotor de Justiça

deverá fazê-lo por meio de termo de arquivamento – documento composto por

relatório dos fatos apurados e pelos motivos (...) que consubstanciam sua decisão”,

conforme ensina Silva316.

Silva317 também assinala que:

Após, deverão ser remetidos os autos conclusos à autoridade judiciária competente (...).

Homologado o arquivamento, serão os autos arquivados (artigo 181, § 1º, ECA). Contudo, caso a autoridade judiciária discorde do pedido,

312

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral. 28. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005. Volume 1. p. 471.

313 BRASIL. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del2848.htm.> Acesso em 30.09.2010.

314 BRASIL. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del2848.htm.> Acesso em 30.09.2010.

315 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. Volume 1. p. 307 e 308.

316 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 229.

317 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 229.

100

despachará expondo as razoes da negativa e remeterá os autos ao Procurador- Geral de Justiça (artigo 181, § 2º, ECA).

O Procurador-Geral de Justiça, por sua vez, poderá oferecer pessoalmente a representação, designar outro membro do Ministério Público para tanto, ou, ainda, ratificar o arquivamento, decisão que, em face da soberania do Ministério Público, será imposta à autoridade judiciária, que não poderá recusar nova homologação (artigo 181, § 2º, ECA).

Por fim, o mesmo autor, Silva318, destaca que a sentença de

arquivamento tem “natureza jurídica de sentença declaratória, haja vista que seu

julgamento confirma o ato administrativo ministerial”.

Assim, o arquivamento será feito pelo Ministério Público se o

adolescente praticar o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, em

estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular do direito, for doente

mental, tiver desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ou, no momento da

infração estiver embriagado por motivo de caso fortuito ou força maior.

3.3.2 A Remissão Ministerial

A remissão é uma das providências do artigo 180 do ECA, a

qual é tratada pelos artigos 126 a 128 do mesmo diploma legal, passível de ser

aplicada se não for causa de arquivamento da notícia do ato infracional e, se ante as

circunstâncias e conseqüências do fato ao contexto social, bem como frente a

personalidade do adolescente e sua participação no ato infracional, for digno de

perdão.

Assim estabelece o artigo 126319, caput, do ECA:

Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional.

318

SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 229.

319 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

101

Ishida320 conceitua a remissão ministerial como:

(...) o perdão feito pelo Promotor de Justiça ao adolescente infrator de natureza administrativa. Trata referida norma de verdadeira manifestação da soberania do Ministério Público, pois pode o Parquet decidir pela aplicação da medida (...). É forma de exclusão do processo.

Silva321, por sua vez, enfatiza que a remissão prevista no ECA

segue “a regra do item 11.2 da Resolução 40/33 da Assembléia Geral, de 29 de

Novembro de 1985, Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da

Justiça da Infância e da Juventude (Regras de Beijing)”, assim transcrevendo o

mesmo autor, Silva322:

11.2 - A Polícia, o Ministério Público e outros organismos que se ocupem de „jovens infratores‟ terão a faculdade de arrolar tais casos sob sua jurisdição, sem necessidade de procedimentos formais, de acordo com critérios estabelecidos com esse propósito nos respectivos sistemas jurídicos e também em harmonia com os princípios contidos nas presentes regras.

Neste diapasão, Silva323 complementa que ao ser possibilitada

a remissão para o procedimento de apuração de ato infracional, o ECA visou “sanar

os efeitos negativos que o procedimento judicial podem acarretar ao adolescente, tal

como os danos decorrentes dos processos de estigmatização e rotulagem”.

Não discrepa Saraiva324:

O instituto da „remissão‟ trouxe agilidade ao sistema de apuração de ato infracional, constituindo-se em inovação importante, cuja esteira veio a ser trilhada, de certa forma, em relação a determinados delitos praticados por imputáveis, pela Lei 9.099/95, que consagrou o direito de transação no sistema penal adulto brasileiro.

320

ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 243.

321 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude.

Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 230.

322 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 230.

323 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 230.

324 SARAIVA, João Batista Costa. Direito Penal Juvenil: Adolescente e Ato Infracional: garantias processuais e medidas socioeducativas. 2. ed.ver.ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 56.

102

Do mesmo modo se posiciona Ishida325:

O caráter transacional da remissão fica evidente quando confrontada com a Lei 9.099/95, que institui a transação e a suspensão condicional do processo no juízo criminal. Na verdade, o conteúdo das normas dos arts. 126 e 127 do ECA antecipou a introdução do princípio da oportunidade e da transação no direito menorista ainda em 1990, para depois surgir no direito penal e processual penal em 1995. Confrontando estes dispositivos com alguns da Lei nº 9.099/95 como dos arts. 69 a 76 e do art. 89, notam-se várias semelhanças, como o objetivo de se evitar o início do processo ou, se iniciado o mesmo, a maneira de objetivar sua suspensão ou extinção, ainda quando menciona que não prevalece para efeito de antecedentes e quando acaba por aplicar pena (ainda que com características diferentes) e medida socioeducativa, antecipadamente.

Reza o artigo 127326 do ECA que para o oferecimento da

remissão será desnecessário o reconhecimento ou comprovação da

responsabilidade, assim contemplando:

Art. 127. A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semi-liberdade e a internação.

Sobre o artigo em comento, notadamente acerca da

responsabilidade e antecedentes, Mirabete327 esclarece que:

Diante da pequena gravidade da infração e das outras circunstâncias que levam à aplicação da remissão e a não haver uma apuração rigorosa dos fatos imputados ao adolescente, determina a lei que não implica, a sua concessão, reconhecimento ou comprovação da responsabilidade do menor. Em conseqüência, como se esclarece expressamente, não pode prevalecer para efeito de antecedentes.

Mirabete328 ressalva também às modalidades de remissão,

classificando-a como perdão puro e simples ou com uma espécie de transação,

ensina que:

325

ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 249.

326 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

327 MIRABETE, Júlio Fabbrini. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 426.

103

A remissão pode ser concedida como perdão puro e simples, sem a aplicação de qualquer medida, ou, a critério do representante do Ministério Público ou da autoridade judiciária, como uma espécie de transação, como mitigação das conseqüências do ato infracional. Nesta última hipótese ocorre a aplicação de medida específica de proteção ou sócio-educativa, excluídas as quem implicam privação da liberdade.

A possibilidade de a remissão incluir a aplicação da medida

sócio-educativa, com exceção da semiliberdade e da internação, ou das medidas de

proteção, gerou controversa na doutrina e na jurisprudência, conforme destaca

Silva329, quando questiona se o legislador teria conferido, equivocadamente, ao

representante do Ministério Público “o poder decisório exclusivo do Poder

Judiciário”.

Contudo, sobre o tema, Silva330 frisa que “a discussão era

tamanha que ensejou a publicação da Súmula nº 108, do Superior Tribunal de

Justiça”, a qual prevê que “a aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente,

pela prática de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz”.

Não obstante a edição da súmula citada, o próprio artigo

181331, caput, do ECA, estabelece que a medida aplicada em sede de remissão

necessitará de homologação judicial:

Art. 181. Promovido o arquivamento dos autos ou concedida a remissão pelo representante do Ministério Público, mediante termo fundamentado, que conterá o resumo dos fatos, os autos serão conclusos à autoridade judiciária para homologação.

Assim, “implicitamente afirma que será o Juiz de Direito quem,

homologando a transação efetuada, estará aplicando a medida socioeducativa

ajustada entre as partes”, conforme esclarece Silva332.

328

MIRABETE, Júlio Fabbrini. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 426.

329 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 231.

330 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 231.

331 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

104

Na mesma esteira, Engel333 assoalha que:

(...) a remissão concedida pelo Ministério Público só pode ocorrer antes da fase judicial, ou seja, ainda na fase administrativa e resulta de acordo de vontades, e só terá eficácia após a homologação judicial, tendo esta por finalidade apenas a verificação da legalidade do ato.

Ocorrendo a inclusão de medida na remissão, “o adolescente

deverá manifestar seu acordo com a remissão e com a medida”, o que assevera

Alves334.

Demonstrada a aceitação do adolescente serão os autos

conclusos à autoridade judiciária para homologação, sendo que de acordo com

Silva335 “a homologação da remissão é materializada por meio de sentença

declaratória confirmativa do ato administrativo executado pelo Ministério Público”.

Salienta-se que o Juízo pode não concordar com a remissão

concedida, oportunidade em que remeterá os autos ao Procurador Geral de Justiça,

conforme preceitua o artigo 181336, §2º, do ECA:

Art. 181. (...)

§ 2º Discordando, a autoridade judiciária fará remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, mediante despacho fundamentado, e este oferecerá representação, designará outro membro do Ministério Público para apresentá-la, ou ratificará o arquivamento ou a remissão, que só então estará a autoridade judiciária obrigada a homologar.

332

SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 231.

333 ENGEL, Norival Acácio. Prática de ato infracional e as medidas sócioeducativas: uma leitura a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente e dos princípios constitucionais. Itajaí, 2006. Dissertação (Mestrado em Ciência Jurídica) – Setor de Pós-Graduação, UNIVALI. p.49.

334 ALVES. Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 84.

335 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 231.

336 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

105

De outro norte, homologada a medida concedida em sede de

remissão, esta poderá ser revista judicialmente a qualquer tempo, conforme

estabelece o artigo 128337 do ECA:

Art. 128. A medida aplicada por força da remissão poderá ser revista judicialmente, a qualquer tempo, mediante pedido expresso do adolescente ou de seu representante legal, ou do Ministério Público.

Segundo Mirabete338, ao decidir acerca da revisão a autoridade

judiciária poderá “a) cancelar a medida aplicada, com retorno à situação processual

anterior; b) substituí-la por outra, com exclusão do regime de semiliberdade e da

internação; c) convertê-la em perdão puro e simples”.

Por fim, de acordo com Marçura339, tem-se que a remissão é

“ato complexo, iniciado pelo representante do Ministério Público, através de termo

fundamentado, e concluído pela autoridade judiciária, mediante sentença”.

Assim, a remissão ministerial será oferecida pelo representante

do Ministério Público, observada as disposições legais, remetendo, então, os autos

para a autoridade judiciária concluí-lo por meio de sentença.

3.3.3 A representação à autoridade judiciária

O inciso III do artigo 180 do ECA prevê a possibilidade do

representante do Ministério Público “representar à autoridade judiciária para

aplicação de medida sócio-educativa”.

Engel340, ao comentar este dispositivo, pronuncia que:

(...) se o Promotor de Justiça entender não ser recomendável, frente as circunstâncias, dentre elas a gravidade do ato, a reincidência e os

337

BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

338 MIRABETE, Júlio Fabbrini. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 427.

339 MARÇURA, Jurandir Norberto. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 547.

340 ENGEL, Norival Acácio. Prática de ato infracional e as medidas sócioeducativas: uma leitura a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente e dos princípios constitucionais. Itajaí, 2006. Dissertação (Mestrado em Ciência Jurídica) – Setor de Pós-Graduação, UNIVALI. p.59.

106

antecedentes, promover o arquivamento dos autos ou conceder remissão, representará o adolescente junto à autoridade judiciária.

Tavares341, por seu turno, aduz que tal inciso confere ao

Promotor de Justiça competente “a legitimidade para efetuar a representação ao

juiz, para formalização do procedimento Especial buscando sentença que imponha

medida sócio-educativa”.

No que tange a um significado para representação, Silva342

entende que ela é “a peça processual inaugural do procedimento para aplicação de

medida socioeducativa”.

Marçura343 tece que:

A representação é a peça formal pela qual tem início a ação sócio-educativa pública. Denomina-se ação sócio-educativa porquanto a tutela jurisdicional é invocada para efeito de aplicação de medida sócio-educativa; e pública porque somente poderá ser iniciada mediante representação do Ministério Público.

Paula344 coaduna, sustentando:

A representação, portanto, constitui-se em peça vestibular da ação sócio-educativa pública, instrumento inicial de invocação da tutela jurisdicional, tendo por escopo a aplicação coercitiva da sanção decorrente da prática, pelo adolescente, de conduta descrita como crime ou contravenção penal.

Neste aspecto, esculpe o artigo 182345 do ECA:

Art. 182. Se, por qualquer razão, o representante do Ministério Público não promover o arquivamento ou conceder a remissão, oferecerá representação à autoridade judiciária, propondo a

341

TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4. ed.rev.ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 177.

342 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude.

Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 233.

343 MARÇURA, Jurandir Norberto. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 548.

344 GARRIDO DE PAULA, Paulo Afonso. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 556.

345 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

107

instauração de procedimento para aplicação da medida sócio-educativa que se afigurar a mais adequada.

§ 1º A representação será oferecida por petição, que conterá o breve resumo dos fatos e a classificação do ato infracional e, quando necessário, o rol de testemunhas, podendo ser deduzida oralmente, em sessão diária instalada pela autoridade judiciária.

§ 2º A representação independe de prova pré-constituída da autoria e materialidade.

Comentando o artigo supra mencionado, Costa346 faz uma

comparação entre tal dispositivo do ECA com a legislação processual penal, assim

explicitando:

(...) o legislador da lei 8.069/90 optou por uma redação menos exaustiva que a legislação processual penal adulta, estabelecendo, de forma limitada, que a representação deve ser oferecida por petição, contendo o resumo dos fatos, a classificação do ato infracional e, quando necessário, o rol de testemunhas. Não há, portanto, previsão expressa dos requisitos para rejeição da representação, a exemplo do que ocorre no art. 43, combinado com os arts. 525 e 564 do CPP. Ao contrário disso, no § 2º do art. 182 do Estatuto, está previsto que a apresentação da representação independe de prova pré-constituída da autoria e da materialidade do ato infracional.

O mesmo pensamento é adotado por Elias347:

A rigor, o Juiz da Infância e da Juventude, diferentemente do que ocorre no processo penal, não pode rejeitar a representação. Na esfera penal, a denúncia pode ser rejeitada. Na área do menor, embora a representação tenha de atender aos requisitos do art. 182, § 1º (breve resumo dos fatos e classificação do ato infracional), entendemos que, mesmo com alguma falha, não pode ser preterida. É que, com o seu oferecimento, a primeira providência é a designação de audiência de apresentação do adolescente.

No entanto, sobre a possibilidade de ser a representação

rejeitada emergem divergências.

346

COSTA, Ana Paula Motta. As garantias processuais e do Direito Penal Juvenil: como limite na aplicação da medida socioeducativa de internação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p.111.

347 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 213.

108

Liberati348 arremata que “o Estatuto não disciplinou o não

recebimento da representação, fato que, perfeitamente, poderá ocorrer nas

hipóteses previstas no art. 43 do CPP”.

De igual modo de manifesta Nogueira349:

O Estatuto não se refere ao não-recebimento da representação oferecida, o que é perfeitamente admissível, aplicando-se subsidiariamente as normas processuais penais (CPP, art. 43), pois, se o juiz pode discordar do arquivamento e da concessão da remissão, com muito mais razão poderá também rejeitar a representação oferecida.

Para Engel350, o melhor entendimento é “o de admitir a

possibilidade da rejeição (...) se ausentes os requisitos formais, as condições da

ação, além dos pressupostos processuais”.

Ao comentar o estabelecido no § 1º do artigo 182 do ECA,

Silva351 destaca que tal dispositivo “faculta ao membro do Ministério Público a

apresentação da representação sob a forma de peça escrita ou sua dedução oral em

sessão instalada pela autoridade judiciária”, aduzindo também, que há a imposição

de dois requisitos formais “1) a breve exposição dos fatos; e, 2) a classificação do

ato infracional”.

No que versa ao requisito da breve exposição dos fatos,

Paula352 esclarece que deve conter todas as circunstâncias do fato, para que o

adolescente “conhecendo a atribuição infracional, possa produzir sua defesa”.

Quanto à classificação do ato infracional, segundo requisito

formal, o mesmo autor, Paula353, assim discorre:

348

LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p.178.

349 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 4 ed. rev., aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 292.

350 ENGEL, Norival Acácio. Prática de ato infracional e as medidas sócioeducativas: uma leitura a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente e dos princípios constitucionais. Itajaí, 2006. Dissertação (Mestrado em Ciência Jurídica) – Setor de Pós-Graduação, UNIVALI. p.71.

351 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 233.

352 GARRIDO DE PAULA, Paulo Afonso. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 557.

109

Exige a lei que a representação indique o dispositivo do Código Penal, legislação penal extravagante ou Lei das Contravenções Penais tipificador de uma conduta à qual se subsume a ação ou omissão cuja autoria possa ser atribuída ao adolescente.

Além dos requisitos formais, Silva354 disserta que devem estar

presentes “a legitimidade ad causan, o interesse de agir, e a possibilidade jurídica do

pedido”, tidos como “condições da ação”.

Sobre a legitimidade para a propositura do procedimento para

aplicação de medida socioeducativa, Engel355 ensina que:

(...) tão somente o Ministério Público detém legitimidade para a propositura da ação, o que importa dizer da impossibilidade de sua deflagração ex officio. Aliás, é o que deflui da norma contida no ECA: Art. 201 – “Compete ao Ministério Público”: no inciso II, diz que – “promover e acompanhar os procedimentos relativos às infrações atribuídas a adolescentes”.

Dispõe Paula356 em análise ao tema:

No que concerne à legimatio ad causam, deflui do Estatuto da Criança e do Adolescente que somente o Ministério Público pode promover a ação sócio-educativa. É ela, portanto, sempre pública. Somente o Estado, através da instituição encarregada de defender os interesses sociais e individuais indisponíveis, tem legitimidade para invocar a tutela jurisdicional, pretendendo a aplicação de medida que funcione como meio de defesa social e, ao mesmo tempo, instrumento de intervenção positiva no processo de desenvolvimento do adolescente infrator. Assim, inexiste a figura da ação sócio-educativa privada, ou ação sócio-educativa condicionada, não só pelo fato de inexistir menção legal expressa, como, também, decorre do sistema adotado pelo Estatuto a titularidade exclusiva do Ministério Público para promover a aplicação coercitiva de medida sócio-educativa.

353

GARRIDO DE PAULA, Paulo Afonso. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 557.

354 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 233.

355 ENGEL, Norival Acácio. Prática de ato infracional e as medidas sócioeducativas: uma leitura a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente e dos princípios constitucionais. Itajaí, 2006. Dissertação (Mestrado em Ciência Jurídica) – Setor de Pós-Graduação, UNIVALI. p.60.

356 GARRIDO DE PAULA, Paulo Afonso. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 558.

110

Relacionado ao interesse de agir, uma das condições da ação,

Paula357 entende que este “encontra-se implícito na peça inaugural da ação sócio-

educativa pública” e, assim aponta:

(...) o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao prever um verdadeiro juizado de instrução, estabelecendo um procedimento judicial de apuração de ato infracional, dispensou a figura do inquérito policial, remetendo a coleta de provas diretas ou indiciárias para a fase judicial. Assim, afastou o rigor do próprio processo penal, minimizando a severidade da avaliação da justa causa para a invocação da tutela jurisdicional. Por tal razão, expressamente consignou que a representação independe de prova pré-constituída da autoria e materialidade (ECA, art. 182, § 2º), deixando claro que o interesse de agir encontra-se implícito na peça inaugural da ação sócio-educativa pública, porquanto a aplicação coercitiva de medida não prescinde da intervenção jurisdicional de apuração de ato infracional.

Neste norte, Silva358 expõe que o interesse de agir “merece um

olhar cauteloso do Promotor de Justiça”, pois este deverá “ter a precaução de utilizar

com muita moderação a prerrogativa do § 2º, que se entende um equívoco do

legislador”.

No que tange à terceira condição da ação, a possibilidade

jurídica do pedido, o mesmo autor, Silva359, exemplifica que esta, por sua vez,

“impede que o membro do Ministério Público formule pedido contrário à pretensão

teleológica do Estatuto da Criança e do Adolescente”.

Sobre o tema, Paula360 cita como exemplo ser juridicamente

impossível “o pedido de aplicação coercitiva de medida sócio-educativa por

perambulação, de vez que tal conduta não se subsume a qualquer tipo descrito na

lei penal”.

357

GARRIDO DE PAULA, Paulo Afonso. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 559.

358 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 234.

359 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 234.

360 GARRIDO DE PAULA, Paulo Afonso. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 558.

111

Conforme visto, a representação será oferecida quando o

Promotor de Justiça deixar de arquivar os autos ou conceder a remissão ao

adolescente que praticou o ato infracional, sendo, portanto, estas as possibilidades a

serem adotadas pelo representante do Ministério Público quando adotadas as

providências do art. 179 do ECA.

3.4 A APURAÇÃO DO ATO INFRACIONAL NA FASE JUDICIAL

O Ministério Público oferecendo a representação terá início à

fase judicial da apuração do ato infracional.

Versam esta fase do procedimento, os artigos 183 a 190 do

ECA.

O artigo 183 do ECA prevê o prazo de quarenta e cinco dias

para o término do procedimento quando o adolescente estiver privado de sua

liberdade.

Elias361 assevera que:

O Estatuto estabeleceu um prazo razoável, suficiente para que o adolescente seja devidamente examinado por equipe interprofissional e, também, para que sejam ouvidas as testemunhas e vítimas, além dos responsáveis pelo menor.

Não é recomendável que o mesmo fique internado por longo tempo, sem se saber se tal medida é a que mais lhe convém. Destarte, o prazo não admite prorrogação.

Complementando o entendimento, Costa362 argumenta que:

Neste aspecto foram reforçados os princípios de brevidade e prioridade absoluta previstos tanto na Constituição Federal quanto no Estatuto. Cabe, portanto, ao Promotor de Justiça requerer junto com a representação a internação provisória (...).

361

ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 212.

362 COSTA, Ana Paula Motta. As garantias processuais e do Direito Penal Juvenil: como limite na aplicação da medida socioeducativa de internação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p.113.

112

O artigo 184363, caput, do ECA, por seu turno, contempla as

providências iniciais que serão adotadas pela autoridade judiciária quando do

oferecimento da representação:

Art. 184. Oferecida a representação, a autoridade judiciária designará audiência de apresentação do adolescente, decidindo, desde logo, sobre a decretação ou manutenção da internação, observado o disposto no art. 108 e parágrafo.

Conforme o artigo, inicialmente o juiz de direito irá designar

data para a apresentação do adolescente e, decidirá, desde logo, sobre a

decretação ou mantença da internação.

Para Liberati364, tal audiência de apresentação significa

“o momento de defesa do adolescente e de fundamental importância para que o juiz

possa aferir as características da personalidade do adolescente, sua situação

familiar e social, a extensão e gravidade do ato infracional praticado”.

Quanto à decretação ou mantença da internação provisória do

adolescente, assim pontua Paula365:

Tem por fundamento a gravidade do ato infracional e sua repercussão social, das quais deflui a necessidade de garantir a segurança pessoal do adolescente ou a ordem pública. Além desses aspectos, o juiz deve fundamentar sua decisão em indícios suficientes de autoria e materialidade e demonstrar a necessidade de utilização desse recurso excepcional, reservado como último instrumento de solução para o conflito surgido com a realização da conduta descrita como crime ou contravenção penal.

Após serem adotadas as mencionadas providências,

estabelece o § 1º, do artigo 184366, do ECA, que “o adolescente e seus pais ou

363

BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

364 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p.180.

365 GARRIDO DE PAULA, Paulo Afonso. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 563.

366 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

113

responsável serão cientificados do teor da representação, e notificados a

comparecer à audiência, acompanhados de advogado”.

Disserta Engel367 que a “não localização dos pais do

adolescente, ou seu responsável importará na nomeação de curador especial ao

mesmo, cujo encargo poderá recair na própria pessoa de seu defensor”.

A mencionada afirmação está prevista no § 2º, do artigo 184368,

do ECA, o qual discorre que “se os pais ou responsável não forem localizados, a

autoridade judiciária dará curador especial ao adolescente”.

De outro norte, Liberati369 atenta para o caso de o adolescente

não ser localizado e, ensina então, que “a autoridade judiciária expedirá mandado de

busca e apreensão, determinando o sobrestamento do feito, até a efetiva

apresentação”. Este ensinamento encontra respaldo legal no § 3º, do artigo 184, do

ECA, que dispõe no mesmo sentido.

Importante ressaltar agora, o ensinamento de Ishida370 de que

“não se admite também a citação por edital ou com hora certa, porque mais que no

processo penal, o ato judicial com o adolescente é tratado como ato personalíssimo,

exigindo o contato direto com o magistrado”.

O último parágrafo do artigo 184371 do ECA, § 4º, prescreve,

por sua vez, que “estando o adolescente internado, será requisitada a sua

apresentação, sem prejuízo da notificação dos pais ou responsável”.

A propósito, disserta Paula372:

367

ENGEL, Norival Acácio. Prática de ato infracional e as medidas sócioeducativas: uma leitura a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente e dos princípios constitucionais. Itajaí, 2006. Dissertação (Mestrado em Ciência Jurídica) – Setor de Pós-Graduação, UNIVALI. p.72.

368 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

369 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p.179.

370 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 369.

371 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

114

Sem prejuízo da citação, estando o adolescente internado, será requisitado sua apresentação, para audiência, junto à autoridade administrativa responsável pela medida. Trata-se de ordem judiciária, cujo descumprimento pode importar crime de desobediência. É mister observar que a requisição também se dá sem prejuízo da citação e notificação dos pais ou responsável.

Frisa-se que a internação provisória, mantida ou decretada

pela autoridade judiciária, não poderá ser cumprida em estabelecimento prisional, de

acordo com o previsto no art. 185373 do ECA:

Art. 185. A internação, decretada ou mantida pela autoridade judiciária, não poderá ser cumprida em estabelecimento prisional.

§ 1º Inexistindo na comarca entidade com as características definidas no art. 123, o adolescente deverá ser imediatamente transferido para a localidade mais próxima.

§ 2º Sendo impossível a pronta transferência, o adolescente aguardará sua remoção em repartição policial, desde que em seção isolada dos adultos e com instalações apropriadas, não podendo ultrapassar o prazo máximo de cinco dias, sob pena de responsabilidade.

Sobre esta proibição, Elias374 assoalha:

A proibição é, portanto, absoluta. Não se admite outra exceção senão a constante do § 2º, por breve período.

Segundo o teor do § 1º, a entidade, para receber o adolescente, há de ter as características do art. 123 do Estatuto. Caso não exista estabelecimento adequado na comarca, deve-se transferi-lo para a localidade mais próxima que o tenha. Essa proximidade deve ser respeitada para que possam ser assegurados, com todo o rigor, os direitos do adolescente privado de liberdade, constantes do art. 124, especialmente o recebimento de visitas de seus familiares.

Conquanto o § 2º permita, por exceção, que o adolescente permaneça em repartição policial, há requisitos imprescindíveis para isso: que seja em seção isolada dos adultos, que as instalações sejam adequadas e que não ultrapasse o período de cinco dias.

372

GARRIDO DE PAULA, Paulo Afonso. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 565.

373 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

374 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 215.

115

Complementa Liberati375, que se não for realizada a remoção

do adolescente no prazo de cinco dias, “este deverá ser imediatamente colocado em

liberdade. Caso contrário, a autoridade policial, detentora do adolescente, estará

sujeita às penas do art. 235 do ECA”.

De outro norte, o artigo 186376 do ECA expõe que

“comparecendo o adolescente, seus pais ou responsável, a autoridade judiciária

procederá à oitiva dos mesmos, podendo solicitar opinião de profissional

qualificado”.

Para Ishida377 “o juiz deve proceder à oitiva dos pais ou

responsável com o escopo de delinear o perfil psicológico do adolescente”, pois a

“integração ou não do adolescente com a sua família é fator preponderante para a

decisão de remissão, para a decretação da internação etc.”

Liberati378 afirma que após a oitiva do adolescente e seus pais,

terá condições, o juiz, “de formar sua convicção a respeito da medida adequada”,

podendo, se entender adequado, “aplicar a remissão, como forma de suspensão ou

extinção do processo, após colher o parecer do representante do Ministério Público”.

A possibilidade da remissão na fase judicial, conforme

destacou Liberati acima, está prevista no § 1º, do artigo 186379, do ECA, o qual

estabelece que “se a autoridade judiciária entender adequada a remissão, ouvirá o

representante do Ministério Público, proferindo decisão”.

Salienta-se aqui, o disposto no artigo 188380 do ECA:

375

LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p.180.

376 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

377 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 363.

378 LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito da Criança e do Adolescente. 3 ed. São Paulo: Riddel, 2009. p.180.

379 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

380 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do

116

Art. 188. A remissão, como forma de extinção ou suspensão do processo, poderá ser aplicada em qualquer fase do procedimento, antes da sentença.

Sobre este dispositivo, Ishida381 assevera que “a remissão

pode ser concedida a qualquer momento antes da sentença, podendo haver

extinção ou suspensão do procedimento”.

Para isso, Costa382 acrescenta que nesta fase a concessão da

remissão tem “apenas como requisito a oitiva do Ministério Público e não estando

prevista expressamente a manifestação do advogado”.

Neste mesmo sentido, Paula383 complementa que a

inobservância da manifestação do Ministério Público gera a “nulidade justificadora

do ato”, justificando seu posicionamento no artigo 204 do ECA, o qual prevê que “a

falta de intervenção do Ministério Público acarreta nulidade do feito, que será

declarada de ofício pelo juiz ou a requerimento de qualquer interessado”.

No caso de não ser concedida a remissão, Costa384 elucida

que:

(...) o processo terá continuidade. Nessa direção, o juiz designará nova audiência em continuação, e o defensor constituído ou nomeado terá o prazo de três dias, a contar da audiência de apresentação, para apresentar defesa prévia e rol de testemunhas. O juiz poderá ainda determinar diligência ou estudo do caso por equipe técnica que ele requisitará.

Tal assertiva encontra respaldo legal nos parágrafos 2º e 3º, do

artigo 186385, do ECA:

Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

381 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 369.

382 COSTA, Ana Paula Motta. As garantias processuais e do Direito Penal Juvenil: como limite na aplicação da medida socioeducativa de internação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p.114.

383 GARRIDO DE PAULA, Paulo Afonso. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 574.

384 COSTA, Ana Paula Motta. As garantias processuais e do Direito Penal Juvenil: como limite na aplicação da medida socioeducativa de internação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 114 e 115.

117

§ 2º Sendo o fato grave, passível de aplicação de medida de internação ou colocação em regime de semi-liberdade, a autoridade judiciária, verificando que o adolescente não possui advogado constituído, nomeará defensor, designando, desde logo, audiência em continuação, podendo determinar a realização de diligências e estudo do caso.

§ 3º O advogado constituído ou o defensor nomeado, no prazo de três dias contado da audiência de apresentação, oferecerá defesa prévia e rol de testemunhas.

Na sequência, o último parágrafo do artigo 186386 do ECA, § 4º,

cuida do tramite desta segunda audiência, ou seja, da audiência de continuação,

contemplando que:

§ 4º Na audiência em continuação, ouvidas as testemunhas arroladas na representação e na defesa prévia, cumpridas as diligências e juntado o relatório da equipe interprofissional, será dada a palavra ao representante do Ministério Público e ao defensor, sucessivamente, pelo tempo de vinte minutos para cada um, prorrogável por mais dez, a critério da autoridade judiciária, que em seguida proferirá decisão.

Silva387 ressalva para a atuação do Ministério Público nesta

fase, expressa:

Por ocasião das alegações finais, deverá o Promotor de Justiça analisar integralmente as provas ventiladas nos autos, destacar a questão dos antecedentes infracionais e avaliar as condições sociais e psicológicas do adolescente.

Ao final de sua exposição, verificando a necessidade de cominação de medida socioeducativa, o Promotor de Justiça deverá indicar a que lhe parece mais adequada e os motivos para tanto, pleiteando medida privativa de liberdade apenas nas hipóteses listadas no Estatuto (artigo 122, ECA).

Assim, acerca de todo o tramite do processo de apuração do

ato infracional na fase judicial e, para uma melhor compreensão, Ishida388 pondera:

385

BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

386 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

387 SILVA, Marcelo Gomes (coord.). Manual do Promotor de Justiça da Infância e Juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 237.

118

Procedimento no caso de representação: (1) representação (art. 184); (2) oitiva pelo Juiz dos pais ou responsável legal do menor (art. 186, caput), hipótese em que analisará a hipótese de remissão ou de continuação do procedimento e se procederá à nomeação de defensor; (3) defesa prévia e rol de testemunhas (três dias) (art. 186, § 3º); (4) audiência de instrução (juntando-se relatório da equipe interprofissional); (5) debates (20 minutos prorrogáveis por mais 10); (6) sentença.

Salienta-se, para finalizar o estudo, o contido nos artigos 187389

e 189390 do ECA:

Art. 187. Se o adolescente, devidamente notificado, não comparecer, injustificadamente à audiência de apresentação, a autoridade judiciária designará nova data, determinando sua condução coercitiva.

Art. 189. A autoridade judiciária não aplicará qualquer medida, desde que reconheça na sentença:

I - estar provada a inexistência do fato;

II - não haver prova da existência do fato;

III - não constituir o fato ato infracional;

IV - não existir prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional.

Parágrafo único. Na hipótese deste artigo, estando o adolescente internado, será imediatamente colocado em liberdade.

Numa breve análise, Ishida391 comenta os incisos do artigo 189

do ECA da seguinte forma:

1. Inexistência do fato: ocorre, por exemplo, quando inexiste o fato qualificado como ato infracional;

388

ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 362 e 363.

389 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

390 BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

391 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 370 e 371.

119

2. inexistência da prova da existência do fato. Embora haja indícios de que o mesmo ocorreu, inexistem elementos que comprovem sua existência. Exemplo: não foi localizado o cadáver da vítima do homicídio;

3. não constituição do fato ato infracional: assemelha-se à conduta criminosa. Assim, não existe o delito do art. 146 do Código Penal se existe constrangimento para transfusão de sangue, havendo risco de vida;

4. inexistência de prova sobre a vinculação do adolescente com o ato infracional. Ocorre, por exemplo, quando não se comprova a participação do adolescente em roubo à instituição bancária.

A Lei nº 11.690, de 9-6-08 introduziu um novo inciso IV ao art. 386, do CPP: “estar provado que o réu não concorreu para a infração penal”. A mesma por analogia legal pode ser utilizada com parâmetro pelo juiz menorista.

Por fim, o artigo 190392 do ECA dispõe acerca da intimação do

adolescente da sentença, quando esta aplicar medidas sócio-educativas ou

protetivas:

Art. 190. A intimação da sentença que aplicar medida de internação ou regime de semi-liberdade será feita:

I - ao adolescente e ao seu defensor;

II - quando não for encontrado o adolescente, a seus pais ou responsável, sem prejuízo do defensor.

§ 1º Sendo outra a medida aplicada, a intimação far-se-á unicamente na pessoa do defensor.

§ 2º Recaindo a intimação na pessoa do adolescente, deverá este manifestar se deseja ou não recorrer da sentença.

Importante ressaltar que o Ministério Público, segundo

Paula393, “deverá, dentro de três dias de sua publicação (CPP, art. 390), ser intimado

pessoalmente da decisão (ECA, art. 203)” e o defensor também deverá ser intimado

392

BRASIL. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm> Acesso em 10.09.2010.

393 GARRIDO DE PAULA, Paulo Afonso. In: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 585 e 586.

120

da sentença, independente de sua natureza, “garantindo-se, eventualmente

mediante interposição de recurso, o pleno exercício do direito à defesa técnica”.

Assim, finda-se o terceiro capítulo, o qual tratou da apuração

do ato infracional e enfatizou, de maneira detalhada, a atuação do Ministério Público

em todas as fases de tal procedimento. A seguir, passar-se-á ao relato das

considerações finais da autora da pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objeto a atuação do Ministério

Público na apuração de ato infracional cometido por adolescente, cujo objetivo foi

verificar a atuação do Ministério Público nas fases da apuração do ato infracional,

tendo como objetivo geral a investigação da atuação do Ministério Público no

procedimento de apuração do ato infracional, as medidas sócio-educativas que

podem ser aplicadas aos adolescentes que praticam ato infracional e o

procedimento para que sejam elas aplicadas, conforme a legislação e a doutrina

pátrias.

Para o desenvolvimento lógico do trabalho, este foi dividido em

três capítulos.

Inicialmente, constatou-se que o direito da infância e juventude

em vigor no Brasil adota como diretriz a doutrina da proteção integral, sistema

instituído pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Este sistema assegura às crianças e adolescentes todos os

direitos infanto-juvenis, de modo universal, abrangendo instrumentos jurídicos de

caráter nacional e internacional.

A doutrina da proteção integral diferencia-se das demais

legislações anteriormente aplicadas às crianças e adolescentes, haja vista que

atende as crianças e adolescentes em qualquer situação jurídica.

As primeiras leis nacionais a se preocuparem com a criança e

com o adolescente estavam ligadas com o regime escravista brasileiro, surgindo,

posteriormente, o Juízo de Menores em 1924, o Código de Menores em 1927 e o

novo Código de Menores, datado de 1979.

Observa-se que apesar do surgimento das legislações citadas,

só a partir da adoção da doutrina da proteção integral é que as crianças e

adolescentes passaram a ser vistos como sujeitos de direitos frente à família, à

122

sociedade e ao Estado, passando agora a titulares de direitos comuns e especial,

isso em razão da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Como modo de estruturar a proteção integral, temos as

políticas de atendimento, tidas como políticas sociais básicas e políticas e

programas de assistência social. As primeiras atendem a defesa dos direitos

fundamentais enquanto que a última está voltada às desigualdades sociais

incapazes de desaparecer com a política básica.

Por meio das diretrizes da política de atendimento surgem os

programas e entidades de atendimentos, como os Conselhos Municipais e Tutelares

e os Fundos Municipais dos Direitos das Crianças e Adolescentes, integrando esta

rede de atendimento, também, as entidades a quem se atribui o planejamento e a

execução dos programas de proteção e de medidas sócio-educativas.

O segundo capítulo foi destinado ao estudo do ato infracional,

conceituação e aspectos gerais, à inimputabilidade dos adolescentes, aos direitos

individuais e as garantias processuais conferidas aos adolescentes que cometem

atos infracionais e às medidas sócio-educativas a eles aplicáveis.

Observa-se que o ato infracional é tido como a conduta

descrita como crime ou contravenção penal, cometida por pessoa inimputável, que é

o adolescente.

Para o adolescente que comete ato infracional será passível a

aplicação de medidas sócio-educativas, as quais estão expressas no rol taxativo do

artigo 112 do ECA, sendo elas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação

de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Frisa-se

que cumulativamente a elas poderão ser aplicadas as medidas de proteção

estudadas no primeiro capítulo deste trabalho.

Já no terceiro capítulo, tratou-se do procedimento da apuração

do ato infracional e das fases deste procedimento, a fase policial, ministerial e

judicial, enfatizando a atuação do Ministério Público em todos os momentos.

Neste capítulo foi demonstrado detalhadamente o que

acontece na fase policial, quando há a apreensão em flagrante do adolescente e

123

quando este será ou não liberado. Verificou-se que ao ser o adolescente

encaminhado à Delegacia competente e após a confecção de boletim de ocorrência

ou auto de apreensão em flagrante, este será imediatamente encaminhado para

audiência de apresentação, juntamente com seus responsáveis, realizada no

Ministério Público.

Na fase ministerial, a qual se inicia com a apresentação do

adolescente, o representante do Ministério Público agirá de acordo com o artigo 180

do ECA, que prevê a possibilidade do arquivamento dos autos, da concessão da

remissão ou do oferecimento da representação.

Verificou-se que o arquivamento dos autos será requerido pelo

Promotor de Justiça quando estiver provada a inexistência do fato, quando não

haver prova da existência deste, quando o fato não se constituir em ato infracional,

quando não existir prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional, ou,

ainda, quando existir excludente de antijuridicidade ou de culpabilidade.

Já a remissão será concedida antes de ser iniciado o

procedimento judicial para apuração do ato infracional, quando então o Promotor de

Justiça poderá concedê-la atendendo às circunstâncias e consequências do fato,

considerando o contexto social, a personalidade do agente e a sua participação no

ato infracional.

Se, diante da gravidade do ato infracional, o Promotor de

Justiça optar pelo oferecimento da representação, já que ele tem a competência

privativa de atuar no pólo ativo da demanda, terá início a fase judicial, na qual será

realizada outra audiência, ouvidas as testemunhas arroladas e posteriormente

proferida a decisão pelo juiz.

Verificou-se que todas as etapas do procedimento seguem os

parâmetros do devido processo legal, conferindo ao adolescente os direitos

individuais e as garantias processuais estabelecidos pelo ECA.

A seguir, passa-se à verificação da confirmação ou não das

hipóteses levantadas na introdução do estudo.

A primeira hipótese firmada no início da pesquisa informa que:

124

Hipótese 1: Os direitos individuais são vantagens conferidas

aos adolescentes pela norma jurídica. As garantias processuais são os meios para

fazer tais direitos.

Ao final da pesquisa, a mesma hipótese informa que:

Hipótese 1: Os direitos individuais são vantagens conferidas

aos adolescentes pela norma jurídica. As garantias processuais são os meios para

fazer tais direitos.

Portanto, a primeira hipótese da pesquisa foi confirmada.

A segunda hipótese da pesquisa informa que:

Hipótese 2: O procedimento de apuração do ato infracional é

composto por três fases: fase policial, fase ministerial e fase judicial.

Ao final da pesquisa, a mesma hipótese informa que:

Hipótese 2: O procedimento de apuração do ato infracional é

composto por três fases: fase policial, fase ministerial e fase judicial.

Verifica-se assim, que a segunda hipótese da pesquisa

também restou confirmada.

A terceira hipótese da pesquisa informa que:

Hipótese 3: O Ministério Público atua na fase ministerial e

judicial da apuração do ato infracional. Na fase ministerial o representante do

Ministério Público poderá arquivar os autos, conceder remissão ou oferecer

representação. Na fase judicial o representante do Ministério Público atua como

autor da ação, visando a alcançar os objetivos de ressocialização e reeducação do

adolescente.

Verifica-se, que esta hipótese também foi confirmada, haja

vista que ao final da pesquisa a mesma hipótese informa que o Ministério Público

atua na fase ministerial e judicial da apuração do ato infracional, sendo que na fase

ministerial o representante do Ministério Público poderá arquivar os autos, conceder

125

remissão ou oferecer representação. Já na fase judicial o representante do

Ministério Público atua como autor da ação, visando a alcançar os objetivos de

ressocialização e reeducação do adolescente.

Por fim, ressalta a autora da pesquisa que não teve a intenção

de esgotar o tema, mas, sim de contribuir com a discussão sobre o mesmo e, de

estimular novas investigações sobre Direito da Infância e Juventude.

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