A-autobiografia-e-romance-autobiográfico

download A-autobiografia-e-romance-autobiográfico

of 8

Transcript of A-autobiografia-e-romance-autobiográfico

  • ISSN: 1983-8379

    1Darandina Revisteletrnica - http://www.ufjf.br/darandina/. Anais do Simpsio Internacional Literatura, Crtica, Cultura VI Disciplina, Cnone: Continuidades & Rupturas, realizado entre 28 e 31 de maio de 2012 pelo PPG Letras: Estudos Literrios, na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora.

    A autobiografia e o romance autobiogrfico

    Gabriel Moreira Faulhaber1

    RESUMO: O trabalho em questo pretende uma abordagem dos gneros autobiografia e romance autobiogrfico a partir do conceito de pacto autobiogrfico do crtico e terico francs Philippe Lejeune. Busca-se, principalmente, partindo desse conceito, verificar como a autobiografia e o romance autobiogrfico se diferenciam, o que os ope e o que os aproxima e como cada um deles se comporta, com relao recepo.

    Palavras-chave: Autobiografia; Romance autobiogrfico, Recepo

    RSUM: Dans cette tude, on s'intressera au fonctionnement de deux types d'criture de soi, l'autobiographie et le roman autobiographique, partir du concept de "pacte autobiographque", forg par le thoricien et critique franais Philippe Lejeune. On cherchera vrifier ce qui les oppose et ce qui les approche et comment ils se comportent en ce qui concerne leur rcepcion.

    Mots cls: Pacte autobiographique ; Autobiographie ; Roman autobiographique ; Rception

    Introduo

    Quando se aborda assuntos referentes autobiografia fica, de certa forma, seja

    para concordar ou no, inevitvel falarmos de Philippe Lejeune e seu conceito de pacto

    autobiogrfico.

    Como nesse trabalho, pretendemos apresentar um paralelo entre a autobiografia e o

    romance autobiogrfico, comearemos com a exposio do conceito de pacto autobiogrfico,

    com exemplos presentes na literatura brasileira, alm de apontar a defesa que o autor faz de

    seu conceito, com relao a uma das principais crticas direcionadas a ele, para em seguida,

    apresentarmos as diferenas existentes entre os gneros citados, principalmente no que se

    refere ao modo de leitura de cada um.

    1 Mestrando em Estudos Literrios pela Universidade Federal de Juiz de Fora

  • ISSN: 1983-8379

    2Darandina Revisteletrnica - http://www.ufjf.br/darandina/. Anais do Simpsio Internacional Literatura, Crtica, Cultura VI Disciplina, Cnone: Continuidades & Rupturas, realizado entre 28 e 31 de maio de 2012 pelo PPG Letras: Estudos Literrios, na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora.

    1.O pacto autobiogrfico

    O Pacto autobiogrfico um conceito criado pelo terico e crtico francs

    Philippe Lejeune. O termo surge pela primeira vez no ano de 1973, em um ensaio intitulado

    O Pacto autobiogrfico, publicado na revista Potique e reaparece em 1975 como um

    ensaio que abre um livro que tambm recebe o ttulo de O Pacto autobiogrfico. um texto

    que no s auxilia, mas consolida a definio de autobiografia como gnero, objeto de anlise

    crtica e a legitima e inclui no territrio do literrio. O texto foi criticado como sendo

    normativo e at mesmo dogmtico. O que assumido pelo prprio autor, em seus retornos a

    ele, no ano de 1986 com O Pacto autobiogrfico ( bis) e no ano de 2001 com O Pacto

    autobiogrfico 25 anos depois. Nessas revisitas Lejeune reconhece o teor normativo de seu

    conceito, no entanto admite a necessidade de tal postura, devido a sua inteno que foi

    declaradamente a de inserir a autobiografia no campo literrio, retirando-a da categoria de

    mero documento sobre a vida do autor, usado pela crtica biogrfica tradicional como um

    simples instrumento para interpretar sua obra.

    O Pacto autobiogrfico uma espcie de proposta do autor, um discurso dirigido ao

    leitor que visa estabelecer um contrato de leitura. Esse contrato baseado, acima de tudo, na

    afirmao de identificao entre autor, narrador e personagem. Essa identificao feita

    atravs do uso do nome prprio e pode ser estabelecida de diferentes formas.

    A primeira, e mais bvia, quando narrador e personagem possuem o mesmo nome,

    remetendo a uma pessoa existente, registrada em cartrio, que seria o autor da obra. Outra

    forma de afirmar a identificao quando o personagem no tem nome na narrativa, mas o

    autor d indcios de identificao com narrador-personagem, atravs de ttulos, prembulos e

  • ISSN: 1983-8379

    3Darandina Revisteletrnica - http://www.ufjf.br/darandina/. Anais do Simpsio Internacional Literatura, Crtica, Cultura VI Disciplina, Cnone: Continuidades & Rupturas, realizado entre 28 e 31 de maio de 2012 pelo PPG Letras: Estudos Literrios, na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora.

    prefcios que remetem ao nome desse autor assinado na capa. Existe uma terceira forma de

    constatar essa identificao que no diretamente explicitada como nas formas citadas

    anteriormente. quando o autor deixa pistas, ao longo de sua narrativa, como ttulos de suas

    obras anteriores, meno sua profisso, nome do pai e da me ou at mesmo uma passagem

    rpida, na qual seu nome prprio aparece. Tais pistas permitem ao leitor associar o narrador-

    personagem ao nome do autor, assinado na capa. Por outro lado, segundo Lejeune, no

    haveria pacto, logo no haveria autobiografia, quando o nome do narrador-personagem difere

    do nome do autor, impossibilitando qualquer forma de identificao. Para Lejeune, a

    assinatura do autor, seu nome, sustenta o pacto autobiogrfico. No caso dos textos

    autobiogrficos, h ainda um pacto referencial coextensivo ao pacto autobiogrfico ,

    semelhante quele que firmado pelo jornalista ou historiador. Porm, no caso das escritas de

    si, o objeto sobre o qual o autor promete falar ele mesmo.

    Dou como exemplo duas obras nas quais encontramos o Pacto autobiogrfico

    no Brasil. Em Como e porque sou romancista (1983), de Jos de Alencar, o pacto

    estabelecido diretamente, pois se trata de uma obra que apresentada na forma de uma

    suposta carta, na qual o autor relata a um amigo o processo de sua formao como escritor.

    Cito o incio da obra:

    Jos de Alencar

    MEU AMIGO

    Na conversa que tivemos, h dias, exprimiu V. o desejo de colher, acerca da minha peregrinao literria, alguns pormenores dessa parte ntima de nossa existncia, que geralmente fica sombra, no regao da famlia ou na reserva da amizade (ALENCAR, 1959, p.101)

  • ISSN: 1983-8379

    4Darandina Revisteletrnica - http://www.ufjf.br/darandina/. Anais do Simpsio Internacional Literatura, Crtica, Cultura VI Disciplina, Cnone: Continuidades & Rupturas, realizado entre 28 e 31 de maio de 2012 pelo PPG Letras: Estudos Literrios, na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora.

    Percebemos, ao lermos o trecho citado, que Alencar firma o pacto logo no incio,

    quando assina seu com seu nome prprio o incio da carta

    J em Um Homem sem profisso. Sob as ordens de Mame ( 1954), de Oswald de

    Andrade, o pacto no estabelecido diretamente como no caso de Jos de Alencar,que como

    foi dito, o estabelece ao assinar a suposta carta.No caso de Oswald, o estabelecimento do

    pacto se d com o nome aparecendo em uma rpida passagem, alm de outras pistas ao longo

    da obra que permitem a identificao narrador-personagem ao autor. A meno ao nome

    surge na seguinte passagem:

    Tenho uma vaga lembrana de minha av, seca, velha, de culos e grande leitora. Alis, atribui-se a ela Oswald a origem de meu nome sem o o final (ANDRADE, 1971, p.30)

    Essa concepo do pacto como um contrato, remete ao campo jurdico, no qual

    o autor nos apresenta uma proposta de nos dizer a verdade, selando-a com o uso do nome

    prprio. O Pacto autobiogrfico se tornou um importante conceito, pois consolida a

    autobiografia como gnero, possibilitando-a de ser estudada de forma crtica e analtica.

    Apesar da importncia e da produtividade dessa definio, o conceito sofre diversas

    crticas. Uma das principais aponta para o fato de ser impossvel se resgatar um sujeito pleno

    anterior ao texto.

    Lejeune responde a essa crtica se fundamentando no conceito de "identidade

    narrativa" de Paul Ricur. Nesse conceito, o filsofo prope o que chama de identidade ipse

  • ISSN: 1983-8379

    5Darandina Revisteletrnica - http://www.ufjf.br/darandina/. Anais do Simpsio Internacional Literatura, Crtica, Cultura VI Disciplina, Cnone: Continuidades & Rupturas, realizado entre 28 e 31 de maio de 2012 pelo PPG Letras: Estudos Literrios, na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora.

    como alternativa para pensar o sujeito, como soluo ao cogito rompido noo

    nietzscheana de um eu mltiplo e fragmentado, no qual no haveria um substrato, um agente

    por trs da ao , mas sem retornar identidade idem, imutvel, que supunha o sujeito

    cartesiano. essa identidade ipse, que no um mesmo, sempre idntico a si, mas um si

    mesmo como um outro, que caracteriza a identidade narrativa. Ela no implica em nenhuma

    afirmao relativa a um pretenso ncleo no mutvel, mas dinmica, podendo se superar.

    Ela acolhe em si o outro: existe alteridade no sujeito. Portanto podemos dizer que em

    autobiografias e outros textos regidos pelo pacto autobiogrfico temos a construo de uma

    identidade narrativa, a presena de um si mesmo e no de um mesmo.

    2. Autobiografia x romance autobiogrfico

    Conhecido o funcionamento do conceito de pacto autobiogrfico, verificamos que a

    partir dele que podemos estabelecer claramente uma oposio entre autobiografia e o romance

    autobiogrfico.

    Ao lermos os textos de Lejeune, nos quais o crtico trabalha com a definio de

    autobiografia, percebemos que tal definio caminha paralelamente com o conceito de pacto

    autobiogrfico, tornando praticamente impossvel tentarmos definir um sem falarmos do

    outro.

    Partindo da definio de autobiografia que aparece como

    Narrativa em prosa que uma pessoa real faz de sua prpria existncia, quando focaliza sua histria individual, em particular a histria de sua personalidade (LEJEUNE, 2008, p.14)

  • ISSN: 1983-8379

    6Darandina Revisteletrnica - http://www.ufjf.br/darandina/. Anais do Simpsio Internacional Literatura, Crtica, Cultura VI Disciplina, Cnone: Continuidades & Rupturas, realizado entre 28 e 31 de maio de 2012 pelo PPG Letras: Estudos Literrios, na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora.

    Lejeune, ao fazer uma anlise dessa definio, diz ser muito difcil uma dissociao

    completa entre autobiografia e seus subgneros, sendo s vezes muito sutis e at mesmo

    imperceptveis as diferenas entre eles. Para o terico, a proporo com que se preenche ou

    no as categorias presentes na definio, como histria individual, narrativa em prosa, que

    permite estabelecer transies da autobiografia, que segundo ele, apresenta ao mesmo tempo

    todas as condies, com o que pode ser chamado de seus subgneros como as memrias, que

    preenche apenas algumas, deixando, em alguns casos, de ter como assunto principal a vida

    individual para abrir espao para questes como histria social ou poltica.O que o francs

    aponta o seguinte

    Para que haja autobiografia (e, numa perspectiva mais geral, literatura ntima) preciso que haja relao de identidade entre o autor, o narrador e o personagem(LEJEUNE, 2008,p.15)

    Ou seja, retornamos ao pacto autobiogrfico.

    Portanto, reconhecemos que o conceito de pacto autobiogrfico essencial para o

    conceito de autobiografia. o pacto que sustenta a autobiografia. Alm disso, atravs do

    pacto que conseguimos distinguir a autobiografia e seus subgneros do romance

    autobiogrfico. Nesse ltimo, por mais que o leitor tenha razes para acreditar que os fatos

    narrados, so realmente da vida do autor, esse optou por no afirmar a identificao autor,

    narrador e personagem. Portanto, no se pode confirmar nada, pois o pacto firmado o

    romanesco, caracterizado pela no existncia dessa identificao. Aqui no Brasil, citamos

    Menino de Engenho ( 1932), de Jos Lins do Rego,dentre muitos outros, como exemplo de

    obras que so chamadas de romances autobiogrficos.

  • ISSN: 1983-8379

    7Darandina Revisteletrnica - http://www.ufjf.br/darandina/. Anais do Simpsio Internacional Literatura, Crtica, Cultura VI Disciplina, Cnone: Continuidades & Rupturas, realizado entre 28 e 31 de maio de 2012 pelo PPG Letras: Estudos Literrios, na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora.

    Ento, podemos dizer que a leitura de uma autobiografia difere da leitura de um

    romance autobiogrfico. Um leitor de autobiografia se comporta de uma maneira diferente

    Ele objeto de um pedido de amor. levado a tomar partido, a ser testemunha, como se fosse membro do jri de um tribunal criminal ou de recurso. (LEJEUNE, 203,p.50)

    Lejeune diz mais sobre a leitura de uma autobiografia

    A minha expectativa no a do consumo de um objeto imaginrio: estou entregue curiosidade, numa atitude de escuta, em relao a algo que creio ser real (LEJEUNE, 2003,p.50)

    A diferena na leitura recai ento sobre o seguinte aspecto: na autobiografia o autor se

    expe ao afirmar dizer a verdade sobre si mesmo, ao passo que no romance autobiogrfico

    no temos essa afirmao. No romance autobiogrfico, ficamos limitados ao texto, ao

    enunciado. Na autobiografia entra em jogo a enunciao, o sujeito que diz eu e afirma, a

    um s tempo, ser o autor e o narrador e dizer a verdade sobre si

    Concluso.

    O romance autobiogrfico e autobiografia apesar de se aproximarem no que diz

    respeito a partirem de uma experincia vivida, se diferenciam com relao recepo, pois a

    partir do pacto firmado previamente pelo autor, temos modos de leitura distintos.

    Referncias

  • ISSN: 1983-8379

    8Darandina Revisteletrnica - http://www.ufjf.br/darandina/. Anais do Simpsio Internacional Literatura, Crtica, Cultura VI Disciplina, Cnone: Continuidades & Rupturas, realizado entre 28 e 31 de maio de 2012 pelo PPG Letras: Estudos Literrios, na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora.

    ALENCAR, Jos de. Como e porque sou romancista. In: ALENCAR, Jos de. Fico Completa. So Paulo: Companhia Aguiar Editora, 1959, vol. I

    ANDRADE, Oswald. Um homem sem profisso. Sob as ordens de mame. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1971.

    LEJEUNE, Philippe. Definir autobiografa. In MOURO, Paula(org). Autobiografia. Auto-represenntao. Lisboa: Edies Colibri, 2003

    ____________________. NORONHA, Jovita Maria Gerheim (Org.). Traduo de Jovita Maria Gerheim Noronha e Maria Ins Coimbra Guedes. Belo Horizonte: UFMG, 2008.

    .