A BAHIA CHORA “LÁGRIMAS DE SANGUE”. O BOMBARDEIO … · Pang destaca também que as...

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1 A BAHIA CHORA “LÁGRIMAS DE SANGUE”. O BOMBARDEIO DA CIDADE DO SALVADOR: morte, rebeldia e disputa de poder na Bahia republicana da década de 1910. Hugo Santiago Mendes 1 1.0 Introdução No dia 10 de janeiro de 1912, às 13 horas e 10 minutos, o Forte de São Marcelo realizou dois disparos de pólvora seca. Este ato era uma operação padrão que visava informar que um ataque seria realizado. Às 13 horas e 40 minutos, segundo os periódicos da época, iniciou-se um fato histórico relevante ao Estado da Bahia: o bombardeio da sua capital pelas Forças Armadas nacionais. Jornais da época relataram que vários bairros puderam ouvir os “roncos” dos canhões 2 , que na demonstração de toda sua fúria bélica, teve como alvos principais o Palácio do Governo, o atual Palácio Rio Branco, a Praça Municipal e os demais prédios da região, não sendo levado em conta se eram públicos ou privados. O bombardeio foi executado pelos fortes de São Marcelo, do Barbalho e São Pedro, edificações militares construídas com a função de proteger a cidade, mas que naquele contexto eram usadas para destruí-la. A 1h e 40ms começou o bombardeio. Os canhões do forte de S. Marcello romperam fogo, cahindo as duas primeiras balas na montanha junto a base do palacio do governo e as demais, numa pontaria certeira, nas paredes e interior do edifício a praça do Conselho. Não era, entretanto, este o único ponto alvejado. Tambem desparos se fizeram dalli para o edifício do paço municipal, a mesma praça, e em um de cujos lados funcciona, como se sabe, a camara dos deputados e para o theatro S. João, edifícios estes egualmente se achavam occupados por parte contigentes da força policial. Vimos que em vinte minutos, de 1 e 40 as 2 hs, o forte S. Marcello deu vinte tiros. Durante o bombardeio ocorriam em terra encontros entre soldados de policia e do exercito e pessoas do povo. 3 1 Mestrando do 1° semestre do Programa de Pós graduação em História da Universidade Federal da Bahia 2 Diário da Tarde. 12 de janeiro de1912, p.1.BPEBa/Secção de Jornais Raros. 3 Jornal de Noticias. 12 de janeiro de 1912, p.6. BPEBa/Secção de Jornais Raros.

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A BAHIA CHORA “LÁGRIMAS DE SANGUE”. O BOMBARDEIO DA

CIDADE DO SALVADOR: morte, rebeldia e disputa de poder na Bahia

republicana da década de 1910.

Hugo Santiago Mendes1

1.0 Introdução

No dia 10 de janeiro de 1912, às 13 horas e 10 minutos, o Forte de São Marcelo

realizou dois disparos de pólvora seca. Este ato era uma operação padrão que visava

informar que um ataque seria realizado. Às 13 horas e 40 minutos, segundo os

periódicos da época, iniciou-se um fato histórico relevante ao Estado da Bahia: o

bombardeio da sua capital pelas Forças Armadas nacionais.

Jornais da época relataram que vários bairros puderam ouvir os “roncos” dos

canhões2, que na demonstração de toda sua fúria bélica, teve como alvos principais o

Palácio do Governo, o atual Palácio Rio Branco, a Praça Municipal e os demais prédios

da região, não sendo levado em conta se eram públicos ou privados. O bombardeio foi

executado pelos fortes de São Marcelo, do Barbalho e São Pedro, edificações militares

construídas com a função de proteger a cidade, mas que naquele contexto eram usadas

para destruí-la.

A 1h e 40ms começou o bombardeio. Os canhões do forte de S. Marcello

romperam fogo, cahindo as duas primeiras balas na montanha junto a base do

palacio do governo e as demais, numa pontaria certeira, nas paredes e interior

do edifício a praça do Conselho. Não era, entretanto, este o único ponto

alvejado. Tambem desparos se fizeram dalli para o edifício do paço

municipal, a mesma praça, e em um de cujos lados funcciona, como se sabe,

a camara dos deputados e para o theatro S. João, edifícios estes egualmente

se achavam occupados por parte contigentes da força policial. Vimos que em

vinte minutos, de 1 e 40 as 2 hs, o forte S. Marcello deu vinte tiros. Durante o

bombardeio ocorriam em terra encontros entre soldados de policia e do

exercito e pessoas do povo.3

1 Mestrando do 1° semestre do Programa de Pós – graduação em História da Universidade Federal da

Bahia 2 Diário da Tarde. 12 de janeiro de1912, p.1.BPEBa/Secção de Jornais Raros. 3 Jornal de Noticias. 12 de janeiro de 1912, p.6. BPEBa/Secção de Jornais Raros.

2

O periódico Jornal de Notícias retrata com precisão a intensidade do ataque e os

sujeitos históricos diretamente envolvidos no conflito armado. Eram indivíduos que

compunham o quadro da Força Policial, do Exército e, principalmente, “as pessoas do

povo” que sofreram diretamente as consequências das disputas políticas travadas entre

as oligarquias4 baianas que buscavam se enquadrar no ainda recente regime republicano

marcado, durante a década de 1910, pela implementação da “política das salvações”5 do

governo federal chefiado pelo então presidente Marechal Hermes da Fonseca; uma

política que teve como grande alicerce de legitimação o uso da intervenção militar.

O incêndio das “salvações” acabara por estender-se a todos os Estado do

Norte, do Amazonas ao Espírito Santo. Quando as velhas oligarquias não lhe

crepitavam nas chamas, desapareciam cautelosamente nos acordos de última

hora, onde pelo menos se poupavam ao susto das arruaças e dos

bombardeios. A Nação recebera, ao que parecia, primeiramente divertida, e

depois, assustada a renovação violenta dos quadros políticos das antigas

províncias.6

Enquadrar-se em um novo regime, tendo uma permanência de mentalidade ainda

ligada aos cânones políticos e sociais monárquicos, foi um dos entraves para acentuar os

conflitos políticos em toda a nação entre os grupos sociais detentores do poder, não

sendo diferente no Estado da Bahia. Conforme a historiadora Consuelo Novais

Sampaio, os partidos políticos existentes no Estado da Bahia, na Primeira República,

não detinham fidelidade a um conjunto de propostas pré-estabelecidas, ou seja, a um

conjunto de ideais políticos. Na verdade, os primeiros partidos políticos da Bahia

tratavam apenas de representar os interesses similares de um determinado agrupamento.

A partir do momento que estes interesses eram rompidos, outro partido poderia ser

4 Para o historiador Eul Soo Pang o conceito de oligarquia pode ser definido como um sistema de domínio

político legitimado por uma ou mais indivíduos, unidos por metas econômicas comuns e interesses

políticos e ideológicos em alguns casos voltados para a glorificação de um líder carismático. Pang

destaca também que as oligarquias brasileiras não eram necessariamente rurais, nem monolítica, variando

em organização em cada Estado. PANG, Eul – Soo. Coronelismo e oligarquias: a Bahia na primeira

República brasileira, 1889 – 1943. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, p. 7 a 8 5Este fenômeno político objetivava eliminar os conjuntos oligárquicos que fossem de oposição ás

diretrizes do grupo que representava a União. 6 BELO, José Maria. História da República: síntese de sessenta e cinco anos de vida brasileira (1889

– 1954). 7. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976, p.225.

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formado da forma mais simples e rápida, caracterizando o fenômeno da fluidez

partidária.7

Além dos interesses individuais que fomentavam a formação dos partidos

políticos, havia também o respeito ou a solidariedade, mesmo que temporária, à figura

do “chefe”, do representante maior do partido. Devido a essa relação de poder

desenvolvida entre o líder perante seus correligionários, torna-se possível compreender

a instituição partidária a partir de uma personificação, o que leva alguns partidos do

período a serem conhecidos mais pelo nome dos seus lideres do que pelo nome da

própria legenda.

O nome do chefe revigorava a agremiação política e lhe conferia um cunho

de autenticidade. A partir da cisão, ocorrida em 1907, ninguém mais se

referia ao P.R.B., mas tão-somente a severinistas ou a marcelinistas. O

Partido Democrata (P.R.D.), outro exemplo, era o partido de Seabra. Seus

adeptos eram chamados de seabristas, e não democratas.8

Não cabe nesta pesquisa realizar uma produção histórica voltada aos líderes

políticos, e sim compreender como os “anônimos”, ou seja, como a grande parte da

população foi afetada com este bombardeio, assim como suas opiniões e ações durante e

após o evento. Contudo, torna-se indispensável situar as principais forças políticas do

período, já que foi devido às ambições pessoais e/ou do pequeno grupo aos quais

representavam que os severinistas, marcelinistas, seabristas e vianistas, grupos políticos

personificados nas lideranças respectivamente de Severino Vieira, José Marcelino, José

Joaquim Seabra e Luiz Vianna, alteraram consideravelmente a vida de vários cidadãos.

O lançamento da candidatura de Seabra ao governo do Estado, para as eleições

de 1912, contando com o apoio do presidente da República; a cisão declarada entre os

líderes do Partido Republicano da Bahia, Severino Vieira e José Marcelino, partido da

7 Consuelo Novais Sampaio contabilizou entre o ano de 1890 a 1930 a existência de treze partidos:

Partido Nacional, Partido Nacional Democrata, Partido Republicano Federalista, Partido Católico, Centro

Republicano Democrata, Partido Operário, Partido Republicano Federal, Partido Republicano

Constitucional, Partido Republicano da Bahia, Partido Democrata, Partido Republicano Democrata,

Partido Republicano Conservador e Concentração Republicana da Bahia. Ver. SAMPAIO, Consuelo

Novais. Os partidos políticos da Bahia na primeira República: uma política de acomodação.

Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA, 1975 8SAMPAIO, Op. Cit., 2010, p.19.

4

situação no Estado; e toda uma estratégia política entre os políticos contrários a

ascensão seabrista em território baiano irá proporcionar a intervenção militar que

culminou numa sucessão de fatos que se sobrepõem ao bombardeio da cidade por um

período de quatro horas. Destaca-se também, além das balas de canhões, o conflito

armado entre a Força Policial e o Exército, nas ruas da cidade, e o conflito dialético

entre os periódicos da época visando estabelecer qual era a “verdade” diante dos fatos.

Este evento que para muitos historiadores detém apenas uma dimensão política,

sendo considerado por muitos como um “ritual de passagem” do poder político do

Estado da Bahia para as mãos do grupo seabrista, reserva algumas indagações e

reflexões. A grande questão é compreender como o povo agiu diante deste conflito

material (destruição de edificações públicas e particulares) e dialético (conflito entre as

versões completamente distintas do mesmo fato histórico pelos jornais da época).

2.0 Justificativa

Nesta caminhada acadêmica foi possível compreender que o papel da História

tanto na pesquisa historiográfica, quanto como disciplina acadêmica e escolar, não

poderia limitar-se a uma simples divulgação dos fatos históricos, cabendo assim ao

historiador analisá-los, refleti-los e questioná-los, produzindo uma abordagem crítica do

conhecimento a ser desenvolvido. Seguindo esta perspectiva é possivel identificar temas

que não são trabalhados, por serem considerados simplórios, sem relevância para a

História.

Esta situação ficou evidente em uma das aulas de campo realizadas no primeiro

semestre da graduação. Em uma aula realizada na Praça Municipal Thomé de Souza, a

docente Angélica Maria Anunciação Reis Soares , titular da disciplina História da Arte

I, explanava a respeito das mudanças arquitetônicas e artísticas que a cidade do

Salvador tinha sido submetida ao longo dos séculos. Justamente em frente ao Palácio

Rio Branco, a historiadora informou que o estilo artístico utilizado na fachada da

edificação havia sido alterado devido a um bombardeio a que a cidade foi submetida no

ano de 1912.

Esta informação era completamente nova para todos os discentes presentes,

demonstrando que muitos fatos são negligenciados pela historiografia fazendo com que

5

os conteúdos ensinados em algumas instiuições de ensino ainda se confundam com uma

produção historiográfica unívoca, factual e que privilegia apenas alguns grupos sociais.

Instalou-se o anseio de pesquisar este fato históricos de tentar “ouvir” outros sujeitos

históricos envolvidos neste evento político, que não fosse apenas os grupos sociais

dominantes. O estudo das fontes despertou o interesse em refletir uma “história vista de

baixo”9, refletir como os anônimos se comportaram perante o poder público, ou seja, de

que forma a grande parte da população civil, viveu, sobreviveu e morreu durante a

disputa acirrada pelo poder em 1912, que até mesmo envolveu um conflito atípico entre

a Força Policial local e o Exército? É um questionamento que pretende ser desvelado

nesta pesquisa, a partir do diálogo com as fontes impressas disponíveis da época –

jornais, processos criminais, entradas em hospitais e necrotério , além de bibiografia

especializada sobre o contexto histórico da época. Creio que esta disputa política não

interferiu apenas por quatro horas no cotidiano de uma população, mas sim durante

dias, semanas e/ou meses, com mortes, acusação de vandalismo, crimes, comércios

fechados, resultando até em escassez de alimentos em alguns lares, e por isso não pode

ser compreendida apenas como um evento de consolidação de um grupo político no

poder.

3.0 Considerações teórico - metodológicas

A busca pela compreensão de como os sujeitos históricos destituídos e

marginalizados das relações sociopolíticas e econômicas em pleno regime republicano,

ou seja, como a maioria da população vivenciou este fato histórico é o grande interesse

deste projeto. Assim, não pretendo identificar a totalidade das bases que sustentavam as

manipulações políticas, os rituais e acordos proferidos pelos grupos sociais dominantes

para alcançar o poder, mas construir uma possibilidade histórica destes sujeitos vindos

de baixo, como orienta Erick Hobsbawm, a partir das evidências documentais.

Um aspecto importante da história dos movimentos populares é aquilo que as

pessoas comuns se lembram dos grandes acontecimentos, em contraste com

aquilo que seus superiores acham que deveriam se lembrar, ou com o que os

9 HOBSBAWM, Eric. A história vista de baixo. In.: HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Cia

das Letras, 2001. pp.216.231.

6

historiadores conseguem definir como tendo acontecido; e na medida em que

convertem a memória em mito, como tais mitos são formados.10

Não há garantia da presença de relatos populares nas fontes impressas, ou se as

mesmas existindo traduzem de fato as aspirações populares, pois como analisa

Hobsbawm, “durante a maior parte do passado, as pessoas geralmente eram iletradas. É

muito mais comum inferirmos seus pensamentos a partir de suas ações.”11

Visando seguir a manifestação do povo, encurralado em pleno fogo cruzado

pelas incursões de duas forças militares, pretendo entender suas angústias, os insucessos

nas tentativas de mobilização, de refúgio, ou de como encararam o confronto, já que a

imprensa acusava por vandalismo os populares que, entre rajadas de tiros, saques de

armazéns e massacres dos moradores de rua, tentavam escapar com vida daquelas cenas.

Para desvendar detalhadamente todo processo de extermínio dos indigentes, ou dos que

viviam da mendicância diante daquela disputa política, a meta é recorrer aos livros de

registros dos hospitais da Santa Casa de Misericórdia da Bahia no próprio acervo da

instituição12. Também, analisar-se-ão os processos criminais relacionados a termos

similares à expressão “vandalismo” da Seção Judiciária do Arquivo Público do Estado

da Bahia13 para compreendermos os argumentos das instâncias judiciais em indiciar por

questões penais o povo que escapou do massacre, assim como tentar extrair das páginas

dos processos os argumentos postulados pelos anônimos de suas respectivas

manifestações no momento do bombardeio.

Não é possível conceber esta pesquisa somente a partir da tradição da História

Social Inglesa compreendendo as contribuições do próprio Hobsbawm, mas também de

Edward P. Thompson no que se refere a uma metodologia que admite uma História

vista ‘de baixo para cima’, refletindo as ações populares não apenas pautadas no crime,

no puro vandalismo e/ou na manipulação das classes subalternas pelas oligarquias

baianas. Outra contribuição teórica e metodológica importantíssima para esta pesquisa

10 HOBSBAWM, Op. Cit., 1998, p.222. 11 HOBSBAWM, Op. Cit., 1998, p.222 12 Arquivo da Pupileira – Santa Casa da Misericórdia da Bahia. Seção Avulsas – Caixas do ano 1912-

1913. 13 Processos Crimes e Civeis, Seção Judiciária do Arquivo Público do Estado da Bahia, anos 1912-1913.

7

serão os recursos analíticos presentes na Micro-História, na qual Carlo Ginzburg, é uma

salutar referência,

A análise micro-histórica é, portanto, bifronte: por um lado, movendo-se

numa escala reduzida, permite em muitos casos uma reconstituição do vivido

impensável noutros tipos de historiografia. Por outro lado, propõe-se a

indagar estruturas invisíveis dentro das quais aquele vivido se articula.14

Aliado a estes referenciais teóricos, a abordagem qualitativa e quantitativa será

uma opção metodológica indispensável para compreender as vozes obscuras presentes

nos jornais e nos documentos pesquisados no decorrer da pesquisa. Enquanto

instrumental metodológico, destaca-se o indiciarismo de Carlo Ginzburg15, por situar

especial atenção aos imperceptíveis fragmentos de informações, considerando-os

capazes de reconstruir uma parte de determinada realidade – nesta pesquisa as “vozes

obscuras e silenciadas de um determinado grupo social”16. Também, porque

acreditamos que a Micro-História permite a análise política e social a partir da redução

da escala, não se restringindo a biografias, mas a um ponto específico que analisa o

poder local correlacionando os seus sinais com o macrossocial, ao revelar suas

influências políticas por outros meandros e intercâmbios que centraliza nossos

questionamentos com a história total através da disputa política e interesses do poder

institucionalizado. De acordo com a historiadora Natalie Davis o que diferencia a

Micro-História da Macro-História política é o ponto de partida narrativo, porque a

conexão com o global, ou o todo, somente vem à tona quando se torna necessário

abordar os “ritmos da vida e as crises dos atores locais”17. Nessa perspectiva, a forma de

questionamento das fontes, e o interesse em conduzir o problema histórico se aproxima

das tendências da História Social em diálogo com as correntes inglesa ou italiana.

14 GINZBURG, Carlo. A Micro-História e outros ensaios. Lisboa: Difel, 1989. 15 GINZBURG, Carlo. Sinais: Raízes de um paradigma indiciário. In: GINZBURG, Carlo. Mitos,

Emblemas e Sinais: Morfologia e História. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, pp. 143 a 179. 16 Idem. Ibidem. 17 DAVIS, Natalie Zemon. Las Formas de la Historia Social. Revista História Social, pp. 177-182, 10,

primavera-verano, 1991. p. 180. Disponível em: << http://www.jstor.org/stable/40340282?seq=1#page_scan_tab_contents>>.

8

É interessante ressaltar que a pesquisa, por se tratar de uma continuidade das

etapas acadêmicas de graduação e pós – graduação, encontra-se adiantada, com

transcrições e material fotográfico. Grande parte das fontes estão disponíveis em ótimo

estado de conservação, no Arquivo Público do Estado da Bahia, no Instituto Geográfico

e Histórico da Bahia, na Biblioteca Pública do Estado da Bahia na Secção de Jornais

Raros, além dos livros de registros dos hospitais da Santa Casa de Misericórdia da

Bahia

As fontes a serem utilizadas correspondem a dois grupos: em primeiro os

principais periódicos que constituíam a grande imprensa baiana no ano de 1912. A

consulta dos jornais Diário da Tarde, Diário da Bahia, Diário de Notícias, Gazeta de

Notícias, Gazeta do Povo e Jornal de Notícias ajuda a identificar uma verdadeira disputa

acerca de qual periódico informava ao povo uma verdade absoluta, visto que muitos

periódicos representavam os anseios e interesses de grupos políticos específicos.

Destacaram-se nessa batalha o Diário da Tarde, periódico considerado marcelinista, e o

Gazeta do Povo, periódico seabrista. Já num posicionamento dito apartidário, onde não

havia uma preocupação na defesa ou acusação de uma personalidade política incluem-se

os demais jornais.

A partir da análise de dois jornais, o Diário da Tarde e o Diário de Notícias, foi

possível compreender a barbaridade que foi cometida na cidade. Ambos os periódicos, o

primeiro com o intuito central de acusar Seabra, e o segundo com a função a que

julgava-se apenas de informar, ou seja, descomprometida com as disputas partidárias,

realizaram uma valiosa pesquisa acerca das vítimas do conflito18. O interessante é

perceber que, mesmo que a imprensa no período buscasse concentrar esforços para

defender as principais lideranças políticas envolvidas, o povo foi representado perante

suas emoções e atitudes frente ao conflito. O fato de não ter dado voz aos sujeitos

históricos mais prejudicados não necessariamente os silenciam, sendo estas “vozes

18 Os periódicos, fizeram uma minuciosa pesquisa acerca das vitimas do conflito. Ambos os jornais

trazem informações acerca do nome dos indivíduos mortos e feridos no bombardeio e nas disputas entre o

Exercito e a Forca Policial. Alguns relatos fornecem dados como a cor, o estado civil, o endereço

residencial e/ou de trabalho, além do vinculo de trabalho.

9

obscuras”, proferidas a partir de um diálogo travado nas ações e consequências destes

indivíduos, objeto central da análise destes jornais.

Em segundo estão os processos crimes e os documentos que retratam as entradas

em hospitais e no necrotério da cidade, documentos que fornecerão pistas diretas das

ações populares frente ao conflito. O cruzamento destes conjuntos de informações

possibilitará perceber as interligações entre o prescrito e o vivido.

A fronteira entre o dizível e o indizível, o confessavel e o inconfessável,

separa, em nossos exemplos, uma memória coletiva subterrânea da sociedade

civil dominada ou de grupos específicos, de uma memória coletiva

organizada que resume a imagem que uma sociedade majoritária ou o Estado

desejam passar e impor.19

No item bibliografia, foi necessário realizar um amplo estudo, efetuando assim

uma revisão bibliográfica acerca das principais publicações, as consideradas clássicas e

as atuais. Nesta etapa do trabalho ficou evidente como há temas, que mesmo no âmbito

acadêmico são priorizados em detrimento de outros. Quantitativamente, a produção

voltada para o entendimento deste fato histórico é bastante pequena, sendo assim mais

possível encontrar publicações que têm o mesmo recorte temporal, ou que apenas citam

o fato ocorrido, demonstrando seu status de tema subalterno.

Existem, basicamente, duas obras clássicas específicas sobre o tema, produzidas

ainda no calor dos fatos: “O bombardeio da Bahia e seus efeitos” de José de Sá e “Dr. J.

J. Seabra, sua vida, sua obra na república” de F. Borges de Barros. Ao pesquisar uma

bibliografia mais atual durante a graduação e pós-graduação não encontrei nada

específico, a não ser publicações que se aproximavam da temática ou do recorte

temporal. Destaco “Partidos Políticos na Primeira República: uma política de

acomodação” da historiadora Consuelo Novais Sampaio, “Coronelismo e Oligarquias: a

Bahia na primeira república brasileira” do historiador brasilianista coreano Eul – Sôo –

Pang e a dissertação de mestrado do historiador Rinaldo Cesar Nascimento Leite

19 POLLAK, Michael. Memória, esquecimento e silêncio. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro,

vol 2, n°3, 1989, p.8.

10

intitulada “E a Bahia civiliza-se... Ideais de civilização e cenas de anticivilidade em um

contexto de modernização urbana”.

É ciente que no campo historiográfico a neutralidade está longe de ser alcançada,

provocando uma narrativa histórica “recheada” de subjetividade que pode ser

identificada nos interesses políticos, sociais e econômicos que podem ser traduzidos

destas fontes. Tal afirmação ficou bastante clara nas obras de Sá e Barros, pois enquanto

o primeiro devido a sua posição política indicava como grande culpado pelo ato o

governador eleito, Seabra, Barros em sua obra tratava de exaltar as qualidades do

político, eximindo a sua responsabilidade perante tal acontecimento.

Assim, compreender o bombardeio proporciona refletir não apenas as

consequências do ato, como também a mentalidade baiana da época ao perceber como

se processavam as relações políticas, a relação entre a população e a urbes que ainda

respirava ares coloniais, produzindo assim uma pesquisa histórica que não se limite

apenas a uma vertente historiográfica.

4.0 Referências

Fontes

1. Jornais

DIÁRIO DA BAHIA. Salvador. Bahia.12/01/1912. p.1.

DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Salvador. Bahia. 08/01/1912. p.1.

DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Salvador. Bahia. 09/01/1912. p.1.

DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Salvador. Bahia. 10/01/1912. p.1.

DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Salvador. Bahia. 11/01/1912. p.1.

DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Salvador. Bahia. 12/01/1912. p.1.

DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Salvador. Bahia. 22/01/1912. p.1.

DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Salvador. Bahia. 24/01/1912. p.1.

DIÁRIO DA TARDE. Salvador. Bahia. 09/01/1912. p.1.

DIÁRIO DA TARDE. Salvador. Bahia. 12/01/1912. p.1.

DIÁRIO DA TARDE. Salvador. Bahia. 13/01/1912. p.1.

DIÁRIO DA TARDE. Salvador. Bahia. 17/01/1912. p.1.

GAZETA DO POVO. Salvador. Bahia. 09/01/1912. p.1.

GAZETA DO POVO. Salvador. Bahia. 10/01/1912. p.1.

GAZETA DO POVO. Salvador. Bahia. 11/01/1912. p.1.

JORNAL DE NOTICIAS. Salvador. Bahia. 12/01/1912. p.6.

JORNAL DE NOTICIAS. Salvador. Bahia. 13/01/1912. p.5.

JORNAL DE NOTICIAS. Salvador. Bahia. 14/01/1912. p.5.

JORNAL DE NOTICIAS. Salvador. Bahia. 15/01/1912. p.5.

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