A “CAIXA DE FERRAMENTAS” da prospectiva estratégica Godet

download A “CAIXA DE FERRAMENTAS” da prospectiva estratégica Godet

of 97

Transcript of A “CAIXA DE FERRAMENTAS” da prospectiva estratégica Godet

Cadernos do CEPES

A CAIXA DE FERRAMENTAS DA PROSPECTIVA ESTRATGICA

por Michel Godet em colaborao com Rgine Monti, Francis Meunier e Fabrice Roubelat

Prefcio da edio portuguesa por Jlio Dias. Traduo e reviso tcnica realizada por Jlio Dias e Pedro Ramalhete

CEPES Centro de Estudos de Prospectiva e Estratgia Edifcio do IESF de Lisboa, Alameda das Linhas de Torres, n 179 1750 Lisboa Tel.: 21 7524417 Fax: 21 7524417 E-mail: [email protected]

A CAIXA DE FERRAMENTAS DA PROSPECTIVA ESTRATGICA - Problemas e mtodos por Michel Godet em colaborao com Rgine Monti, Francis Meunier, Fabrice Roubelat (Prefcio e reviso tcnica da edio portuguesa por Jlio Dias)

Sumrio Prefcio 1 - Do Rigor para uma Indisciplina Intelectual 1 Planificao, Prospectiva, Estratgia: que diferenas? - o uso abusivo do termo estratgia - dos desejos da Prospectiva s realidades da Estratgia - as cinco questes fundamentais da Prospectiva Estratgica - as cinco atitudes possveis face ao futuro 2 As cinco ideias-chave da Prospectiva - o mundo muda mas os problemas permanecem - os actores como elementos-chave nos pontos de bifurcao - contra a complicao do complexo - colocar-se as boas questes e desconfiar das ideias feitas - da antecipao aco pela apropriao 3 A caixa de ferramentas da Prospectiva Estratgica - o sonho do prego e o risco do martelo - o planeamento estratgico com base em cenrios - exemplos de aplicaes contingentes 4 Do bom uso dos instrumentos - os cenrios: usos e abusos Pg. 3

- instrumentos simples e apropriveis: os Seminrios de Prospectiva - recomendaes para uma Prospectiva Territorial - uma via nova: o futuro em comum no seio de uma fileira - a arte do rigor subtil Bibliografia 2 - Iniciar e simular o conjunto do processo Ficha n 1: o mtodo dos cenrios Ficha n 2: os Seminrios de Prospectiva Estratgica 3 - Elaborar o diagnstico completo da empresa face sua envolvente externa Ficha n 3: as rvores de competncias Ficha n 4: os instrumentos da anlise estratgica Ficha n 5: o diagnstico estratgico 4 - Colocar-se as boas questes e identificar as variveis-chave Ficha n 6: a anlise estrutural 5 - Analisar as estratgias de actores Ficha n 7: o mtodo MACTOR 6 - Varrer o campo dos possveis e reduzir a incerteza Ficha n 8: a anlise morfolgica Ficha n9: o mtodo Delphi Ficha n 10: o baco de Rgnier Ficha n 11: os impactos cruzados probabilsticos SMIC-Prob-Expert

7 - Avaliar as escolhas e as opes estratgicas Ficha n 12: as rvores de pertinncia Ficha n 13: Multipol

PREFCIO EDIO PORTUGUESA

O Caderno n 5 do LIPS constitui um texto preparatrio da nova edio, em dois tomos, do Manual de Prospectiva Estratgica do Prof. Michel Godet, publicado em Paris, pela Dunod, em Maio de 1997. O texto introdutrio da Caixa de Ferramentas da Prospectiva Estratgica resume o contedo essencial do tomo I do Manual, intitulado Uma Indisciplina Intelectual. Atravs dele, Michel Godet actualiza o seu posicionamento face s questes essenciais da Prospectiva Estratgica, que tm a ver com: (a)- o lugar da Prospectiva no campo das Cincias Sociais; (b)- as relaes entre a Prospectiva e a Estratgia ou, mais geralmente, a posio da Prospectiva como instrumento ao servio da arte da Gesto; (c)- em suma, os fundamentos do conceito de Prospectiva Estratgica e as condies da sua eficcia prtica. No que respeita questo (a), Michel Godet no avana posies definitivas.Com alguma razo, ele considera que a Prospectiva ainda uma indisciplina intelectual ou seja, algo que pe em causa, em aspectos importantes, as velhas disciplinas e ideias feitas das Cincias Sociais - ; no entanto, ainda no tem o estatuto de uma nova disciplina (no sentido de uma nova cincia) do campo das Cincias Sociais. Pressente-se que ainda falta tempo de experimentao, de elaborao terica, de maturao cientfica, em suma, para se poder falar numa nova Cincia Social... Em relao questo (b), Michel Godet muito mais afirmativo. Para ele, a Prospectiva e a Estratgia so dois amantes inseparveis e o casamento entre estes dois grandes instrumentos da arte da Gesto tem consequncias muito fecundas para a melhoria da capacidade de navegao das empresas, designadamente na poca actual em que grande parte delas navegam no mar alto da economia global e da sociedade da informao escala mundial. Nesta ordem de ideias, o conceito de Prospectiva Estratgica aparece como uma resposta extremamente actual aos desafios que a mundializao da economia coloca s empresas e s organizaes, em geral. Para Michel Godet, s faz sentido estudar e aperfeioar a Prospectiva, como disciplina cientfica, se ela continuar a dar provas prticas enquanto ferramenta de gesto particularmente adaptada s condies da economia globalizada dos dias de hoje. Para ele, separar a Prospectiva da Estratgia o mesmo que reduzir a Prospectiva a uma mera elocubrao futurista e, por seu turno, limitar a Estratgia a um mero exerccio caseiro de jogos de guerra... por todas estas razes, em suma, que Michel Godet e a sua equipa do LIPS tm dado tanta importncia ao aperfeioamento da caixa de ferramentas da Prospectiva Estratgica. Neste Caderno n 5, cada uma das ferramentas apresentada, de forma clara e sinttica, nas 14 fichas tcnicas em que se estrutura o texto, aps o artigo introdutrio j referido (Do Rigor para uma Indisciplina Intelectual). Uma apresentao mais detalhada destes mtodos, bem como a discusso dos principais

problemas levantados pela sua operacionalizao, ao longo dos ltimos anos, pode encontrar-se no tomo II do Manual, A Arte e o Mtodo. Na sequncia deste primeiro Caderno, o CEPES tem inteno de publicar, nesta mesma coleco, outros trabalhos cientficos com importncia na rea da Prospectiva Estratgica, designadamente os que resultem das actividades do Curso de PsGraduao em Propectiva e Estratgia das Organizaes, actualmente a funcionar no Porto (sob a gide do CCT-Conservatrio de Cincias e Tecnologias), e do MBA em Prospectiva e Gesto Internacional, tambm em funcionamento no Recife e em Lisboa. Lisboa, 1 Junho de 2000 Jlio Dias*

Jlio Dias Director do CEPES e do IESF de Lisboa. Tem assegurado, desde 1997/98, a coordenao cientfica e pedaggica do Curso de Ps-Graduao em Prospectiva e Estratgia das Organizaes (Lisboa e Porto) e do MBA em Prospectiva e Gesto Internacional (Lisboa e Recife), em estreita colaborao com o Prof. Michel Godet.

*

1 - DO RIGOR PARA UMA INDISCIPLINA INTELECTUAL

falaremos de Planeamento Estratgico, de Gesto Estratgica e de Prospectiva Estratgica. Cada uma destas aproximaes da realidade remete para um referencial de definies, de problemas e de mtodos cuja especificidade no est suficientemente estabelecida at porque a linguagem no est estabilizada. Como podermos orientar-nos no meio desta problemtica? No haver grande proximidade entre todas estas abordagens? Face aos problemas concretos, no acumulmos ns uma srie de mtodos que so bastante teis at porque lhes conhecemos os limites? A estas questes respondemos sem hesitar. Existe, de facto, uma caixa de ferramentas para a anlise prospectiva e estratgica e os gestores experientes fariam mal em privarem-se da sua utilizao, pois torna-se necessrio criar uma linguagem comum e libertar a fora do pensamento colectivo, reduzindo as inevitveis dificuldades de comunicao. Mas, para isso, importa recordar os conceitos fundamentais e a sua histria. Para ser fecundo, ou seja, portador de futuro, o casamento entre a Prospectiva e a Estratgia deve encarnar-se na realidade quotidiana e dar origem, atravs da apropriao (por todos os actores envolvidos, do topo base da hierarquia), a uma verdadeira mobilizao da inteligncia colectiva. Embora o encontro entre a Prospectiva e a Estratgia fosse inevitvel, de facto, ele no conseguiu apagar a confuso de gneros e conceitos que ainda existe. Estes ltimos so bastante mais prximos do que geralmente se admite. Assim, a definio de Planeamento proposta por Ackoff (1973) - conceber um futuro desejado, bem como os meios reais para l chegar - no difere em nada da que propomos para a Prospectiva; para a qual o sonho fecunda a realidade, o desejo fora produtiva do futuro e a antecipao ilumina a pr-actividade e a pr-actividade. As modas da gesto sucedem-se mas vo mantendo sempre um ponto em comum. Trata-se de motivar os homens lanando-lhes novos desafios, sendo certo que o processo do seu envolvimento colectivo o objectivo pretendido; ele obtm-se, havendo ou no resultados imediatos. neste sentido que as anlises estratgicas partilhadas podem produzir a sntese do envolvimento colectivo, contrariamente ao que defende Henry Mintzberg (1994). O mais difcil no fazer as boas escolhas, mas estar seguro de que se consegue que cada um se coloque as verdadeiras questes. Um problema bem colocado, e colectivamente partilhado por aqueles a quem diz respeito, estar j quase resolvido. No isso que quer significar Michel Crozier quando afirma: o problema, [a formulao d]o problema!? A herana acumulada pela anlise estratgica considervel. Assim, por exemplo, a anlise clssica em termos de ameaas e oportunidades, oriundas da envolvente geral, mostra que no podemos limitar-nos, em nome da rendibilidade de curto prazo, mera anlise do contexto concorrencial, como poderamos ser levados a crer pela leitura das primeiras obras de Michael Porter. As mltiplas incertezas que pesam sobre o contexto geral, nomeadamente no longo prazo, mostram o interesse da construo de cenrios globais para iluminar a escolha das opes estratgicas e assegurar a perenidade do desenvolvimento. O mercado das ideias na rea da Gesto e da Estratgia marcado pela dominao esmagadora das abordagens e instrumentos concebidos alm-Atlntico. Todavia,

numerosas empresas americanas foram vtimas das abordagens em termos de strategic business units [unidades estratgicas de negcio]. O declnio relativo e mesmo absoluto de sectores inteiros da indstria americana, nos anos 60 a 80, relativamente Europa e ao Japo, impedem, segundo Marc Giget (1998), que se fale de abordagem clssica americana: A renovao dos anos 90 fez-se a partir de anlises, como Made in America, inspiradas precisamente em modelos estrangeiros, para redescobrir as virtudes do posicionamento relativamente aos melhores (benchmarking), da reconveres total dos processos e das organizaes (reengineering), da recentragem nas actividades de base (downsizing) e da inovao a partir das macrocompetncias da empresa. No mesmo sentido argumentam Hamel e Prahalad (1995), quando procuram explicar a diferena entre empresas ganhadoras e empresas perdedoras: A concluso impunha-se: certas equipas de direco, simplesmente, fizeram prova de maior clarividncia que outras. Algumas conseguiam imaginar produtos, servios e sectores de actividade inteiros, at a inexistentes, e acelerar o seu nascimento. Manifestamente, elas perdiam pouco tempo a preocupar-se com o posicionamento da sua empresa nos espaos concorrenciais existentes, dado que j tinham empreendido a criao de novos espaos. Outras empresas as retardatrias preocupavam-se mais com a conservao do passado do que com a conquista do futuro. De passagem, realcemos as semelhanas: a Estratgia fala de clarividncia e de inovao e a Prospectiva de pr-actividade e de practividade, mas bem da mesma coisa que se trata. Esta sem dvida a razo pela qual a expresso Prospectiva Estratgica se tem difundido desde o fim dos anos oitenta. Como imaginar a aco estratgica sem ver longe, largo, profundo, assumir riscos, pensar no homem, como o faz a Prospectiva, segundo Gaston Berger (1964)? Claro que impossvel! E inversamente, ainda segundo Gaston Berger, olhar o futuro perturba o presente, ou seja, a antecipao convida aco. Para ns, a questo est resolvida: a Prospectiva frequentemente estratgica, seno pelas suas consequncias ao menos pelas suas intenes, e a Estratgia apela Prospectiva, quanto mais no seja para iluminar as escolhas que comprometem o futuro. O uso abusivo do termo estratgico A Ascenso e a Queda do Planeamento Estratgico1 no pararam de fazer falar delas. E a fortuna de Henry Mintzberg est assegurada, uma vez que quando se corta um ramo de rvore ele rebenta de novo, em razo da independncia dos seus elementos constituintes: Uma organizao pode planear (tomar o futuro em considerao) sem se envolver num processo de planeamento (num procedimento formal) mesmo quando produz planos (intenes explcitas). Na realidade, no tanto o planeamento que est em causa mas a maneira como ele posto em prtica. O enxerto do planeamento estratgico s pode pegar se ele se integrar na cultura e identidade das organizaes envolvidas. As alavancas do desenvolvimento no so apenas racionais, so tambm emocionais e comportamentais. Da a ideia de Gesto Estratgica, que quase um pleonasmo uma vez que, para Boyer e Equilbey1

Ttulo do conhecido livro de Henry Mintzberg, publicado em Paris pela Dunod em 1994.

(1990), a Gesto a arte de pr a organizao ao servio da Estratgia. A gesto no constitui em si mesmo uma estratgia. A estratgia condiciona a gesto mas supe tambm a existncia de objectivos e de tcticas associadas (decises contingentes). verdadeiramente difcil as pessoas entenderem-se no meio desta terminologia quando autores to conceituados como Mintzberg se recusam a fazer estas distines, ao citarem nomeadamente Rumelt: A tctica de uma pessoa a estratgia duma outra; e se contentam em utilizar sem restries o termo estratgico como adjectivo para qualificar qualquer coisa de verdadeiramente importante. Como se pode ver, chegado o momento de clarificar todos estes conceitos para evitar dar sentidos diferentes s mesmas palavras e utilizar palavras muito diferentes para dizer a mesma coisa. De acordo com autores clssicos como Lucien Poirier (1987) e Igor Ansoff (1965), a noo de estratgia remete para a aco de uma organizao sobre o meio envolvente e para a reflexo sobre essa aco. Muito naturalmente, Lucien Poirier falava de estratgia prospectiva. As duas noes so distintas mas frequentemente associadas. Entretanto, certos autores como Fabrice Roubelat (1996) sustentam a ideia de que certas prospectivas seriam estratgicas e outras no. Este ltimo apoia-se, nomeadamente, numa observao de Jacques Lesourne2 para afirmar que: a deciso estratgica no s aquela que cria uma irreversibilidade para o conjunto da organizao mas tambm aquela que antecipa uma evoluo do meio envolvente susceptvel de provocar essa irreversibilidade. A deciso estratgica seria ento, segundo Jacques Lesourne, aquela susceptvel de pr em causa a existncia da organizao, a sua independncia, as suas misses, o campo das suas actividades principais. Segundo esta definio, existem, para uma dada organizao, reflexes prospectivas de natureza geral que no revestem qualquer carcter estratgico (irreversvel) para o actor que as conduz. As definies rigorosas tm a vantagem de afastar a utilizao do termo estratgico para qualificar tudo o que parece importante. No entanto, a prudncia e o bom senso impem no limitar a prospectiva interrogao sobre os riscos de ruptura, nem reduzir a estratgia s decises que apresentam um carcter irreversvel para as organizaes. Com efeito, as fronteiras so tnues e impossveis de materializar. nomeadamente o caso das decises acerca das quais o prprio Jacques Lesourne constatava: as grandes decises tomam-se raramente, elas tornam-se cada vez menos improvveis medida que se acumulam as pequenas decises3. Para uma organizao, a prospectiva no um acto filantrpico mas uma reflexo com vista a iluminar a aco, e em particular aquela que reveste um carcter estratgico. Dos desejos da Prospectiva s realidades da Estratgia sempre tentador tomar os desejos pelas realidades. Ora no pelo facto de as vises do futuro ou os cenrios parecerem desejveis que se deve fazer as escolhas e construirPara toda a organizaoa noo de estratgia inseparvel da noo de irreversibilidade em grande escala, Lesourne J., A noo de desafio estratgico, nota ao Comit de Prospectiva da EDF, Novembro de 1994. 3 Aquando de uma conferncia proferida no CNAM em 1992.2

projecto estratgico de uma organizao em funo dessa viso pr-activa. preciso tambm ser pr-activo e preparar-se para as mudanas esperadas na envolvente futura da organizao. Os cenrios possveis no so igualmente provveis ou desejveis e preciso fazer a distino entre os cenrios da envolvente geral e as estratgias dos actores. O sucesso da expresso cenrio conduziu a abusos e confuses com a estratgia que convm clarificar. Importa, pois, distinguir uma fase exploratria de identificao dos desafios do futuro e uma fase normativa de definio das escolhas estratgicas possveis e desejveis, para no perder a orientao definida, face a esses desafios. A distino entre estes dois tempos tanto mais justificada quanto a escolha das estratgias condicionada pela incerteza mais ou menos forte que pesa sobre os cenrios e pela natureza mais ou menos contrastada dos cenrios mais provveis. No se deve confundir os cenrios prospectivos (que projectam os desejos e as angstias face ao futuro) com a escolha das opes estratgicas (onde a ambio da vontade se inscreve no princpio da realidade das evolues previsveis da envolvente da empresa), tanto mais que no so os mesmos actores internos que esto na primeira linha. A fase da antecipao das mutaes deve ser colectiva e supe o envolvimento do maior nmero. Por consequncia, ela faz apelo aos instrumentos da Prospectiva para organizar e estruturar, de maneira transparente e eficaz, a reflexo colectiva sobre os desafios do futuro e, eventualmente, a avaliao das opes estratgicas. Em contrapartida, por razes de confidencialidade e responsabilidade, a fase das escolhas estratgicas da competncia de um nmero limitado de pessoas, em geral os membros do Comit de Direco da empresa. Esta ltima fase no tem, pois, necessidade de um mtodo especfico, devendo as decises ser tomadas aps concertao e consenso entre os dirigentes, tendo em conta o modo de regulao prprio cultura da empresa ou do grupo, assim como o temperamento e a personalidade dos dirigentes. Os instrumentos so teis para preparar as escolhas, mas no se devem substituir liberdade das escolhas. Que estratgias, para que cenrios? No h estatsticas do futuro. Face ao futuro, o julgamento pessoal , muitas vezes, o nico elemento de informao disponvel. preciso, pois, recolher opinies para forjar a sua prpria opinio e fazer prognsticos sob a forma de probabilidades subjectivas. Como acontece com um jogador de casino, s ao fim de um certo nmero de apostas que se pode apreciar a qualidade do jogador. A competncia dos peritos interrogados levanta, muitas vezes, um certo nmero de questes. A nossa convico simples: na medida em que um perito representa a opinio de um grupo de actores, o seu ponto de vista tem interesse para ser considerado. Com efeito, a partir desse ponto de vista que, mal ou bem, esses actores vo orientar a sua aco. A incerteza do futuro pode ser apreciada a partir do conjunto de cenrios que repartem entre si o campo dos provveis. Em princpio, quanto maior for o nmero de cenrios maior ser a incerteza. Mas ser maior apenas em princpio, porque necessrio ter

tambm em conta as diferenas de contedo entre os cenrios: os mais provveis podem ser muito prximos ou muito contrastados. A experincia mostra que, em geral, um tero do total dos possveis suficiente para cobrir 80% do campo dos provveis (ou seja, 10 cenrios sobre 32 possveis para 5 hipteses fundamentais). Se a incerteza fraca, isto , se um nmero limitado de cenrios prximos concentra a maior parte do campo dos provveis, poder-se- optar: seja por uma estratgia arriscada (apostando num cenrio entre os mais provveis); seja por uma estratgia robusta, que resista bem maior parte das evolues provveis. Se a incerteza grande (para cobrir 80% do campo dos provveis so precisos mais de metade dos cenrios possveis ou, ainda, os cenrios mais provveis so muito contrastados), ento convm adoptar uma estratgia flexvel compreendendo o mximo de escolhas reversveis. O risco aqui a recusa da assuno de riscos e de adoptar uma estratgia que conduz a rejeitar as opes arriscadas mas eventualmente mais rentveis, recuando para escolhas com ganhos to fracos como os seus prprios riscos. As cinco questes fundamentais da Prospectiva Estratgica Sendo a Prospectiva e a Estratgia dois amantes intimamente ligados, trata-se, no entanto, de duas entidades distintas. Por isso, convm separar bem: 1) o tempo da antecipao, ou seja, a prospectiva das mudanas possveis e desejveis; 2) o tempo da preparao da aco, ou seja, a elaborao e avaliao das opes estratgicas possveis para a organizao se preparar para as mudanas esperadas (practividade) e provocar as mudanas desejveis (pr-actividade). Esta dicotomia entre a explorao do futuro e a preparao da aco conduz formulao de cinco questes fundamentais: Que pode acontecer no futuro? (Q1); Que posso fazer? (Q2); Que vou fazer? (Q3); Como vou faz-lo? (Q4) e, uma questo prvia essencial, Quem sou eu? (Q0). Esta questo prvia sobre a identidade da empresa, frequentemente negligenciada, o ponto de partida da metodologia de anlise estratgica de Marc Giget (1998). Ela impe s organizaes um regresso s fontes sobre as suas razes de competncias, sobre as suas foras e fraquezas, o que no deixa de recordar o famoso conhece-te a ti mesmo dos gregos antigos. A Prospectiva, em sentido estrito, ocupa-se apenas da questo Que pode acontecer?(Q1). Ela torna-se estratgica quando uma organizao se interroga sobre (Q3) Que posso fazer?. Uma vez tratadas estas duas questes, a Estratgia parte do Que posso fazer?(Q2) para colocar as duas outras questes: Que vou fazer?(Q3) e Como vou faz-lo?(Q4). Da a sobreposio entre a Prospectiva e a Estratgia. Naturalmente que h exerccios de prospectiva geral que no tm um carcter estratgico claro para um determinado actor, assim como h anlises estratgicas de empresas ou de sectores em que a componente prospectiva embrionria ou, mesmo, inexistente. Portanto, sobretudo por uma razo de clareza, reservaremos a expresso Prospectiva Estratgica para os exerccios de prospectiva que tenham ambies e finalidades estratgicas para o actor que os realiza. As cinco atitudes possveis face ao futuro

por causa da falta de antecipao de ontem que o presente est cheio de questes por resolver, ontem insignificantes mas hoje a necessitar de resoluo urgente, mesmo que se sacrifique o desenvolvimento de longo prazo adopo de solues ilusrias e de efeitos imediatos. Num mundo em mutao, onde as foras da mudana vm subverter os factores da inrcia e os hbitos, um esforo acrescido de prospectiva (tecnolgica, econmica e social) exigido empresa para poder adquirir flexibilidade estratgica, isto , para poder reagir com flexibilidade e sem perder o rumo. Para serem sujeito da mudana e no apenas o seu objecto, as organizaes devem no s antecipar correctamente (nem demasiado cedo, nem demasiado tarde) as viragens tcnicas, concorrenciais, de regulao mas tambm realizar as suas actividades com excelncia e, enfim, inovar constantemente. Face ao futuro, os homens podem escolher entre quatro atitudes: a avestruz passiva, que sofre a mudana; o bombeiro reactivo, que aguarda que o fogo se declare para o combater; o segurador pr-activo, que se prepara para as mudanas previsveis porque sabe que a reparao mais cara que a preveno; e, enfim, o conspirador pr-activo, que actua no sentido de provocar as mudanas desejadas. Ao que parece, a Hasan Ozbekhan que devemos atribuir a paternidade dos conceitos de pr-actividade e pr-actividade, cuja unio constitui a definio exacta da Prospectiva4. Concluso prtica para os decisores: de agora em diante, quando fizerem um plano de aco, devero abrir trs colunas, uma para a reactividade, outra para a pr-actividade e outra para a pr-actividade. Nenhuma delas deve ficar nem demasiado vazia nem demasiado cheia. Naturalmente que, num contexto de crise, a reactividade sobrepe-se a tudo o resto e, num contexto de crescimento, necessrio antecipar as mudanas e tambm provoc-las, nomeadamente atravs da inovao.

2 CINCO IDEIAS-CHAVE DA PROSPECTIVAToda a forma de predio do futuro uma impostura, o futuro no est escrito e, pelo contrrio, necessrio constru-lo. O futuro mltiplo, indeterminado e aberto a uma grande variedade de futuros possveis. O que se vai passar amanh depende menos de tendncias pesadas que se imporiam fatalmente aos homens do que das polticas levadas a cabo por estes face a essas tendncias. Se o futuro , em parte, fruto da vontade humana, ento esta, para se exercer com eficcia, deve ter em conta cinco ideias-chave da Prospectiva. O mundo muda mas os problemas mantm-se Aps um quarto de sculo de reflexes e estudos prospectivos sobre os territrios, as empresas e os grandes desafios das sociedades modernas, chegmos a uma constatao

4

Durante um jantar em Madrid, h uma dezena de anos, Hasan Ozbekhan declarou-nos que a traduo inglesa do conceito de Prospectiva existia com qualquer destes dois significados ou qualificativos, practiva e pr-activa.

bem conhecida e, no entanto, geralmente ignorada: so sempre os homens e as organizaes que fazem a diferena. Assim, quando uma empresa est em dificuldades, no serve de nada procurar um bode expiatrio na tecnologia ou na concorrncia (vinda de algures e, decerto, desleal), nem a soluo est nos subsdios. Tudo se explica, na maior parte dos casos, pela falta de qualidade da gesto, pela sua incapacidade em antecipar, em inovar, em motivar os homens. O mundo muda mas os problemas mantm-se. Tal a constatao que se nos tem imposto cada vez que voltamos a encontrar um problema j abordado h cinco, dez ou, mesmo, quinze anos atrs. o caso no que concerne ao sector da energia, ao problema do transporte areo na regio parisiense, ao futuro dos Correios, aos grandes desafios das sociedades modernas como o emprego e a formao, etc. A vantagem do homem de reflexo evidente: o investimento intelectual do passado no fica quase nunca obsoleto, e basta actualiz-lo com a introduo de dados recentes para voltar a encontrar a maior parte dos mecanismos e constataes anteriores. Os homens tm a memria curta; eles desconhecem o tempo longo e os seus ensinamentos. A Histria no se repete mas os comportamentos reproduzem-se. Os homens conservam, ao longo dos tempos, perturbadoras semelhanas de comportamento, que os conduzem, quando colocados em situaes comparveis, a reagir de maneira quase idntica e, portanto, previsvel. Assim, existem no passado lies, tantas vezes esquecidas, que so ricas de ensinamentos para o futuro: os ciclos de penria e de abundncia, ligados s antecipaes sobre os preos; a sucesso de longos perodos de inflao seguidos de perodos de deflao; ou, ainda, a perturbadora coincidncia entre as evolues demogrficas e a expanso ou o declnio econmico e poltico dos pases; so exemplos que ilustram esta realidade. Cada gerao tem a impresso de viver uma poca de mutaes sem precedentes. Este enviesamento natural: a poca actual forosamente excepcional para cada um de ns porque a nica em que viveremos. Da a tendncia, simtrica da anterior, de sobrestimarmos a importncia e a rapidez das mudanas na actualidade, nomeadamente no que respeita s novas tecnologias. Os actores como elementos-chave nos pontos de bifurcao O mundo real demasiado complexo para que se possa esperar, algum dia, pr em equao o seu eventual determinismo escondido. E mesmo que o pudssemos, a incerteza, inerente a todas as medidas, e nomeadamente as sociais, manteria sempre em aberto, pelo menos nos nossos espritos, o leque dos futuros possveis. Uma vez que o determinismo indeterminvel, importa fazer como se tudo estivesse em aberto, como se a revolta da vontade pudesse, s ela, abater a tirania do acaso e da necessidade. Como reconhecer os pontos de bifurcao? Que acontecimentos, que inovaes vo ficar sem consequncias e quais so aqueles susceptveis de afectar o regime global, de determinar irreversivelmente a escolha de uma evoluo, quais so as zonas de escolha e as zonas de estabilidade? So estas as questes colocadas por Ilya Prigogine (1990). Elas constituem tambm o menu quotidiano da Prospectiva. Identificar o leque dos futuros possveis, atravs dos cenrios, no ser tambm reconhecer o diagrama das

bifurcaes? Os parmetros das bifurcaes no sero tambm as variveis-chave da anlise prospectiva? Constata-se tambm, nos ltimos anos, uma convergncia das teorias para o conceito de auto-organizao, o qual permite a adaptao ao novo e a criao do novo. Tudo se passa como se houvesse uma inverso da flecha do tempo, de maneira que o que fazemos hoje explica-se no pelos nossos condicionamentos mas pelo objectivo que explicitamos e para o qual tendemos- Jean Pierre Dupuy (1992). Voltamos a encontrar aqui o futuro enquanto razo de ser do presente (Gaston Berger, 1964), o que nos permite afirmar que o desejo, fora produtiva do futuro, tambm o principal motor da auto-organizao. Contra a complicao do complexo Sero necessrios instrumentos complexos para ler a complexidade do real? Ns pensamos que no. Os grandes espritos, dotados de um pensamento complexo, souberam melhor que outros descobrir leis relativamente simples para compreender o universo. Pensemos nos princpios da termodinmica ou na teoria da relatividade. Importa saudar o chamamento ordem de Maurice Allais (1989), um dos mais importantes economistas matemticos do nosso tempo: Uma teoria em que nem as hipteses nem as consequncias podem ser confrontadas com o real, desprovida de qualquer interesse cientfico. Ele acrescenta que no haver nunca modelos perfeitos mas somente modelos aproximativos da realidade, e esclarece que entre dois modelos, o melhor ser sempre aquele que, para uma dada aproximao da realidade, representar mais simplesmente os dados da observao. Eis algo que tranquiliza aqueles que, como ns, temiam ter perdido o seu latim e que, por outro lado, faz reagir aqueles que confundem complicao com complexidade!... e, simetricamente, simplicidade com simplismo! O desafio ambicioso pois fcil de fazer complicado e difcil de fazer simples Colocar as boas questes e desconfiar das ideias feitas A resposta sim, mas qual a pergunta?. Todos se lembram da famosa rplica de Woody Allen. Demasiadas vezes, com efeito, esquecemo-nos de investigar os fundamentos das questes colocadas e precipitamo-nos, como os carneiros de Panurge, na procura ilusria de respostas para falsas questes. Ora, no h boa resposta para uma m questo. Mas como colocar as boas questes? A luz cria a sombra. Se os projectores da actualidade esto poderosamente focados em determinados problemas para melhor esconder outros que no se querem ver. As ideias feitas e que esto na moda, aquelas que dominam a actualidade, devem ser olhadas com desconfiana, porque so geralmente fonte de erros de anlise e de previso. Maurice Allais figura entre os aliados objectivos deste combate pois denuncia, tambm ele, a tirania das ideias dominantes. A informao muitas vezes amordaada pelo conformismo do consenso, o qual leva a reconhecermo-nos na opinio dominante e a rejeitar o ponto de vista minoritrio. Aquele que v justo tem poucas hipteses de ser ouvido.

Esta observao no d, evidentemente, qualquer crdito suplementar s predies esotricas, mas torna suspeitas um certo nmero de conjecturas e de ideias feitas. Neste sentido, pr em causa o conforto de esprito, despertar as conscincias adormecidas sobre falsas certezas, verdadeiramente indispensvel em Prospectiva. No passado, pudemos ter, vrias vezes, razo quando insistimos em pr em causa as ideias dominantes. Esta reengenharia mental conduziu-nos, nomeadamente, a pressentir a superabundncia de energia, a denunciar a miragem tecnolgica e as japonesices em matria de gesto. A estratgia no escapa a este conformismo. Quantas escolhas de investimento, de implantao, no foram justificadas pelo mito da dimenso crtica que era preciso ter para se bater escala mundial? Na realidade, existem sempre, no mesmo sector, empresas mais pequenas e mais rentveis. A boa questo, que devemos colocar, , portanto: como ser rentvel com a dimenso que temos? E a resposta a esta ltima questo passa, muitas vezes, por uma reduo provisria da dimenso. Como acontece com as rvores que, uma vez podadas, voltam a crescer melhor! Da antecipao aco, pela apropriao A viso global necessria para a aco local, e, cada um, ao seu nvel, deve poder compreender o sentido das suas aces, ou seja, poder situ-las no projecto mais global onde se inserem. A mobilizao da inteligncia tanto mais eficaz quanto se inscreve no quadro de um projecto explcito e conhecido de todos. Motivao interna e estratgia externa so, portanto, dois objectivos indissociveis, que no podem ser atingidos separadamente. O sucesso do projecto passa pela apropriao. Em razo da sua transparncia, a mobilizao colectiva no pode centrar-se demasiado sobre as escolhas estratgicas, sobretudo quando estas tm um carcter confidencial. Nestas condies, a reflexo prospectiva colectiva sobre as ameaas e oportunidades, essencialmente na envolvente externa, que d contedo mobilizao e permite a apropriao da estratgia. A apropriao intelectual e afectiva constitui um ponto de passagem obrigatrio para que a apropriao se cristalize em aco eficaz. Encontramos aqui as trs componentes do tringulo grego (vide figura a seguir): Logos (o pensamento, a racionalidade, o discurso), Epithumia (o desejo, com todos os seus aspectos nobres e menos nobres), Erga (as aces, as realizaes). O casamento da paixo com a razo, do corao com o esprito, a chave do sucesso da aco e do desenvolvimento dos indivduos (o corpo). Pode tambm transmitir-se esta mensagem pela cor: o azul da razo fria, associado ao amarelo das sensaes quentes, produz o verde da aco viva.

O tringulo grego

ANTECIPAO Reflexo prospectiva

ACO Vontade estratgica

APROPRIAO

Motivao e mobilizao colectiva

Assim se clarifica o falso debate entre intuio e razo. Uma cabea normal deve estar razoavelmente cheia. Ao irrigarmos a metade esquerda do crebro, sede da racionalidade, tambm vivificamos a metade direita, sede da intuio e da emoo. todo o problema da ligao entre reflexo e aco. No momento da aco, demasiado tarde para reflectir e, quando o fazemos, preciso ter tempo e no estar pressionado pela urgncia. A aco comandada por um reflexo em que a intuio parece geralmente dominar a razo. Esta impresso enganadora porque o reflexo da aco tanto mais rpido e apropriado quanto mais treinado tiver sido o crebro, previamente. O que verdadeiro para os msculos, -o tambm para o esprito. No h, pois, oposio mas complementaridade entre intuio e razo.

3 A CAIXA DE FERRAMENTAS DA PROSPECTIVA ESTRATGICAFace complexidade dos problemas, os homens no esto desarmados. Eles forjaram, no passado, instrumentos que continuam a ser teis nos dias de hoje. Com efeito, se certo que o mundo vai mudando, tambm certo que continuam a existir bastantes invariantes e similitudes na natureza dos problemas com que nos deparamos. Se esquecermos a herana acumulada, privamo-nos de instrumentos importantes e perdemos muito tempo a reinventar a faca de cortar manteiga. necessrio manter a memria dos mtodos para melhor os enriquecer.

O sonho do prego e o risco do martelo No que respeita aos instrumentos da Prospectiva Estratgica, certamente que necessrio lembrar a sua utilidade: estimular a imaginao, reduzir as incoerncias, criar uma linguagem comum, estruturar a reflexo colectiva e permitir a apropriao. No devemos, no entanto, esquecer os seus limites e as iluses da formalizao: os instrumentos no devem substituir-se reflexo nem refrear a liberdade de escolha. Assim, lutamos para eliminar dois erros simtricos: ignorar que o martelo existe quando se tem um prego para pregar ( o sonho do prego) ou, pelo contrrio, sob o pretexto de que se conhece o uso do martelo, acabar por acreditar que todos os problemas se assemelham a pregar pregos ( o risco do martelo). A luta que levamos a cabo paradoxal: por um lado, divulgar os instrumentos e as regras da sua utilizao; por outro, passar uma boa parte do tempo a dissuadir os nefitos de os utilizarem sem conhecimento de causa. Convm igualmente esclarecer que os instrumentos da Prospectiva no tm a pretenso de se prestar a clculos cientficos como os que se podem fazer no domnio da fsica (por exemplo, para calcular a resistncia dos materiais). Trata-se apenas de apreciar, de maneira to objectiva quanto possvel, realidades com mltiplas incgnitas. Para mais, a boa utilizao destes instrumentos frequentemente refreada pelos constrangimentos de tempo e de meios, inerentes aos exerccios de reflexo. O uso destes instrumentos inspirado por uma preocupao de rigor intelectual, nomeadamente para melhor colocar as boas questes (pertinncia) e reduzir as incoerncias nos raciocnios. Mas se a utilizao destes instrumentos pode estimular a imaginao, no garante a criao. O talento do prospectivista depende tambm de dons naturais como a intuio e o bom senso5. Se a Prospectiva tem necessidade de rigor para abordar a complexidade, ela precisa igualmente de instrumentos suficientemente simples para que continuem apropriveis. Para facilitar as escolhas metodolgicas, ns organizmos a apresentao da Caixa de Ferramentas da Prospectiva Estratgica em funo de uma tipologia de problemas, a saber: iniciar e simular o conjunto do processo da Prospectiva Estratgica; colocar as boas questes e identificar as variveis-chave; analisar os jogos de actores; varrer o campo dos possveis e reduzir a incerteza; elaborar o diagnstico completo da empresa face sua envolvente; identificar e avaliar as escolhas e as opes estratgicas. Claro que este inventrio no exaustivo e existem outros instrumentos igualmente eficazes. Evocamos sobretudo aqueles que ns desenvolvemos e praticmos com sucesso. Podemos garantir o acrscimo de rigor e de capacidade de comunicao que essas ferramentas possibilitam, quando utilizadas com precauo, sabedoria e entusiasmo.

Para saber mais, o leitor poder consultar o Manual de Prospectiva Estratgica, em dois tomos, que publicmos, na Dunod, em 1997. O primeiro tomo, Uma Indisciplina Intelectual, apresenta os conceitos e as ideias-chave da Prospectiva e prope um outro olhar sobre o mundo. O segundo tomo, A Arte e o Mtodo, expe nomeadamente a caixa de ferramentas da Prospectiva Estratgica, bem como os princpios essenciais da Gesto que colocam os homens no centro da diferena entre as empresas ganhadoras e as perdedoras. (Nota do tradutor:a traduo portuguesa do Manual est a ser realizada, neste momento).

5

O planeamento estratgico com base em cenrios A Prospectiva Estratgica coloca a antecipao ao servio da aco e, por isso, continua a fazer progressos atravs da sua difuso nas empresas e administraes. Os anos 80 e 90 foram, de facto, marcados pelo desenvolvimento do planeamento estratgico baseado em cenrios, nomeadamente nas grandes empresas do sector energtico (Shell, EDF, Elf), sem dvida devido aos choques petrolferos passados e que ainda ho-de vir. Desde o incio dos anos 80 que nos empenhmos em desenvolver as fortes sinergias potenciais entre a Prospectiva e a Estratgia. A sntese procurada deu origem a uma metodologia integrada do planeamento estratgico com base em cenrios. O objectivo desta metodologia o de propr orientaes e aces estratgicas apoiadas nas competncias da empresa e em funo dos cenrios da sua envolvente geral e concorrencial. A Prospectiva, com as suas tendncias e riscos de ruptura, subverte o presente e interpela a Estratgia. Por seu lado, a Estratgia interroga-se sobre as escolhas possveis e os riscos irreversveis, e refere-se, desde os anos 80, aos cenrios da Prospectiva, como o testemunham, designadamente, os trabalhos de Michael Porter. O que no impede que as abordagens e os instrumentos continuem, frequentemente, distintos. Ns conjugmo-los, desde 1989, a partir das rvores de competncias de Marc Giget (1998). Naturalmente, a abordagem estratgica, definida a partir das rvores de competncias, necessitava de uma prospectiva da envolvente concorrencial. Compreende-se, pois, que o casamento entre a Prospectiva e a Estratgia passasse por uma aproximao entre o mtodo dos cenrios e o das rvores de competncias. Antes de apresentar o esquema integrado, em nove etapas, conveniente relembrar a definio e as origens do mtodo dos cenrios. Um cenrio um conjunto formado pela descrio de uma situao futura e do encaminhamento dos acontecimentos que permitem passar da situao de origem a essa situao futura. A palavra cenrio frequentemente utilizada de forma abusiva para qualificar um qualquer jogo de hipteses. Recordemos que as hipteses de um cenrio devem preencher simultaneamente cinco condies: pertinncia, coerncia, verosimilhana, importncia e transparncia. Distinguem-se, de facto, dois grandes tipos de cenrios: exploratrios: partem das tendncias passadas e presentes e conduzem a futuros verosmeis; normativos, ou de antecipao: so construdos a partir de imagens alternativas do futuro, podem ser desejados ou, pelo contrrio, temidos; so concebidos de forma retroprojectiva.

Os cenrios exploratrios ou os de antecipao podem, alm disso, consoante tomem em considerao as evolues mais provveis ou as mais extremas, ser tendenciais ou contrastados. Na verdade, no existe uma metodologia nica em matria de cenrios. Estes foram introduzidos na prospectiva por Herman Kahn nos Estados Unidos e pela DATAR em Frana. Hoje em dia, o mtodo dos cenrios que desenvolvemos na SEMA, primeiro, e

no CNAM, depois, por um lado, e o mtodo SRI (do nome do gabinete de consultoria americano), por outro, so as duas metodologias mais adoptadas. As diferentes etapas destes dois mtodos no diferem muito. Os diferentes passos ou etapas de ambas as metodologias no diferem muito. Em qualquer delas existem, por assim dizer, trs passos essenciais: identificar as variveis-chave; este , para ns, o objectivo da anlise estrutural; colocar as questes-chave para o futuro; para ns, ser este o resultado da anlise do jogo de actores, sobretudo se fr conjugada com a anlise da rvore de competncias; reduzir a incerteza sobre as questes-chave e definir os cenrios mais provveis para a envolvente; para ns, isso obtm-se atravs da anlise morfolgica e dos mtodos de inqurito a peritos.

-

Enfim, no plano da prtica, a nossa metodologia desdobra-se em 9 etapas distintas. A saber: A etapa n 1 tem como objectivo analisar o problema em questo e delimitar o sistema estudado. Trata-se de situar a anlise prospectiva no seu contexto socio-organizacional, tendo em vista visualizar e simular a globalidade do processo com a ajuda dos Seminrios de Prospectiva (ficha n. 2). A etapa n. 2 baseada numa radioscopia completa da empresa, do saber-fazer e competncias de base s linhas de produto, materializada na rvore de competncias (fichas n. 3, 4 e 5). A etapa n. 3 identifica as variveis-chave da empresa e da sua envolvente, com o auxlio da anlise estrutural (ficha n. 6). A etapa n. 4 pretende apreender a dinmica retrospectiva da empresa na sua envolvente, a sua evoluo passada, as suas foras e fraquezas, relativamente aos principais actores da envolvente estratgica. A anlise dos campos de batalha e dos desafios estratgicos permite identificar as questes-chave para o futuro (ficha n. 7). A etapa n. 5 procura reduzir a incerteza que pesa sobre as questes-chave para o futuro. Utilizam-se, eventualmente, mtodos periciais de inqurito junto de peritos para evidenciar as tendncias pesadas, os riscos de ruptura e, finalmente, para distinguir os cenrios de envolvente mais provveis (fichas n. 8 a 11). A etapa n. 6 pe em evidncia os projectos coerentes, ou seja, as opes estratgicas compatveis quer com a identidade da empresa quer com os cenrios mais provveis da sua envolvente (ficha n. 12). A etapa n. 7 consagrada avaliao das opes estratgicas; uma abordagem racional incitaria a que nos apoissemos num mtodo de escolha multicritrios, mas raramente o caso. Com esta etapa conclui-se a fase de reflexo prvia deciso e aco (ficha n. 13).

A etapa n. 8 - do projecto avaliao das opes estratgicas - crucial, na medida em que se trata de passar da reflexo deciso. As escolhas estratgicas e a hierarquizao dos objectivos so da competncia de um Comit de Direco ou equivalente. A etapa n. 9 destinada execuo do plano de aco; implica a realizao de contratos por objectivos (negociados ou suscitados), a implementao de um sistema de coordenao e acompanhamento e o desenvolvimento de uma vigilncia estratgica (externa). Importa esclarecer que o desenrolar desta abordagem no totalmente linear. Ele inclui vrios anis de retroaco possveis, nomeadamente da etapa 9 etapa 4. A execuo do plano de aco e os resultados da vigilncia estratgica podem conduzir, em determinados casos, a reconsiderar a dinmica da empresa na sua envolvente.

PLANEAMENTO ESTRATGICO COM BASE EM CENRIOS: A METODOLOGIA INTEGRADA1 O problema proposto, o sistema estudado Seminrios de Prospectiva Estratgica 3 Variveis-chave internas-externas Retrospectiva Anlise estrutural 2 Diagnstico da empresa rvore de competncias Anlise estratgica

Reflexo colectiva

4 Dinmica da empresa na sua envolvente Retrospectiva Jogos de actores Campos de batalha Desafios estratgicos 5 Cenrios da envolvente Tendncias pesadas Rupturas Ameaas e oportunidades Avaliao dos riscos 6 Da identidade ao projecto Opes estratgicas Aces possveis (valorizao, inovao)

Apropriao

7 Avaliao das opes estratgicas Anlise multicritrios em futuro incerto

(comit restrito)

Deciso

8 Do projecto s escolhas pelo Comit de Direco Hierarquizao dos objectivos

9 Plano de aces e implementao Contratao de objectivos Coordenao e acompanhamento Vigilncia estratgica

Aco Marc Giget (Euroconsult) Michel Godet (CNAM) 1996

Mtodos dos cenrios: etapas 1, 3, 4 e 5

Nesta metodologia de planeamento estratgico com base em cenrios, o esqueleto racional no impede a medula irracional de circular. A apropriao colectiva prepara a aco eficaz sem, por isso, se opr ao carcter restrito e, em parte, confidencial das decises estratgicas. A passagem da reflexo prospectiva aco estratgica supe, a todo o momento, uma apropriao pelos actores a que diz respeito. O mesmo dizer que o pessoal, e no apenas os quadros dirigentes, deve ser envolvido ao mximo nas diferentes etapas sem, por isso, alterar o carcter necessariamente confidencial de determinadas escolhas estratgicas. Para conseguir a passagem prtica, da reflexo aco, preciso passar pela apropriao: reencontramos aqui as trs componentes do tringulo grego. Esta abordagem destina-se, em primeiro lugar, s empresas passveis de serem representadas na forma de uma rvore de competncias. Ela tambm adoptada em trabalhos de Prospectiva Territorial. Assim, a questo de saber se os instrumentos frequentemente utilizados na Prospectiva Industrial tambm servem para a Prospectiva Territorial, -nos colocada regularmente e suscita tomadas de posio negativas de carcter terico, infundadas porque desmentidas pelos factos, como o testemunham mltiplas experincias de Prospectiva Territorial relativas ao Pas Basco, Ilha da Reunio, Lorena 2010, s Ardenas, a Ille-et-Vilaine, mas tambm, a Vierzon, a Toulon e a Dunquerque. Exemplos de aplicaes contingentes Como para qualquer caixa de ferramentas digna do nome, a utilizao das ferramentas depende do problema em questo, do contexto e dos constrangimentos de tempo e de informao. O mesmo dizer que a abordagem sequencial da utilizao das ferramentas, no quadro da abordagem do planeamento estratgico com base em cenrios, anteriormente descrita, no reveste um carcter de obrigatoriedade. Cada um dos instrumentos operacional, mas o seu encadeamento lgico na abordagem sequencial raramente foi seguido na totalidade. Da mesma forma, raro ver o mtodo dos cenrios desenvolvido de A a Z. O que se explica, nomeadamente, pelos constrangimentos do tempo que seria necessrio e que so raramente compatveis com os prazos concedidos. Felizmente, como em qualquer caixa de ferramentas, possvel utilizar cada uma delas de forma modular. Em muitos casos, no h que hesitar em jogar com a combinatria das ferramentas para responder aos problemas, e mesmo em inovar na aplicao dessas ferramentas. Uma chave de fendas pode tambm servir, se necessrio, para tirar a cpsula de uma garrafa de cerveja! Os exemplos seguintes testemunham sobre a utilizao contingente dos instrumentos da Prospectiva Estratgica. Dois exemplos de encadeamento especfico dos instrumentos Nos finais dos anos 80, a reflexo prospectiva sobre o armamento individual do soldado de infantaria para o horizonte 2010, levada a cabo pela Direco Geral de Armamento, conduziu-nos a retomar desde o zero uma anlise morfolgica que patinava h trs anos. A hierarquizao das 57 variveis com recurso ao mtodo MICMAC permitiu pr em evidncia uma quinzena de variveis-chave. Aps reflexo, nove dessas variveis surgiram como sendo componentes caractersticas da arma (natureza do projctil, mira,

fonte de energia...) e as outras seis como critrios de avaliao das armas (custo, competitividade, efeitos anti-pessoais...). A anlise morfolgica das nove componentes da arma, cada uma delas podendo assumir vrias configuraes, conduziu identificao de 15552 solues tcnicas teoricamente possveis. A utilizao combinada do mtodo MULTIPOL, para a escolha multicritrios, e do mtodo MORPHOL, para a considerao de condies de excluso e de preferncia, permitiu reduzir o espao morfolgico, primeiro a cerca de cinquenta solues e, depois, a vinte solues que mereciam um exame mais detalhado atravs de anlises complementares, quer do ponto de vista tcnico quer econmico. Dez anos depois uma delas era notcia de primeira pgina, com a apresentao pblica dum prottipo operacional. Trata-se de uma soluo poliarma-poliprojctil e com uma mira indirecta, baptizada PAPOP, com a qual o soldado de infantaria pode disparar, abrigado, sobre alvos fixos, blindados ou mveis, com projcteis especficos. Por ocasio de uma outra reflexo prospectiva, sobre o desenvolvimento comercial da EDF no horizonte 2010, a caixa de ferramentas foi utilizada de maneira inovadora. A anlise estrutural das 49 variveis tidas em conta conduziu identificao de seis questes-chave (sobre o consumo de energia, o regime de concesses, a competitividade da oferta, a margem de manobra da EDF...) e a agrup-las sob a forma de trs desafios, ou campos de batalha, futuros. A anlise morfolgica das respostas possveis, a cada uma das seis questes-chave e respectiva combinatria, permitiu, aps probabilizao pelo mtodo SMIC-PROB-EXPERT, seleccionar os cenrios mais provveis. Paralelamente, o mtodo MACTOR foi utilizado para analisar o jogo de alianas e conflitos possveis dos cerca de vinte actores envolvidos nos trs campos de batalha. As posies estratgicas dos actores foram, de seguida, optimizadas em funo dos cenrios estudados. A redescoberta da anlise morfolgica Verificamos que a anlise morfolgica, redescoberta em Prospectiva nos finais dos anos 80, se tornou um dos instrumentos mais utilizados. Curiosamente, a anlise morfolgica foi durante muito tempo utilizada na previso tecnolgica e muito pouco na prospectiva econmica ou sectorial. Todavia, ela presta-se bem construo de cenrios.

A construo de cenrios pela anlise morfolgicaUm sistema global pode ser decomposto em dimenses, ou componentes - demogrfica, econmica, tcnica, social ou organizacional cada uma destas componentes podendo ter um determinado nmero de estados possveis (hipteses ou configuraes).

Questeschave pertinentes

Respostas verosmeispara cada um e questes-chave

Q-1 Demografia Q-2 Economia Q-3 Tecnologia Q-4 Sociedade

1

2

3

?

1

2

3

4

?

1

2

3

?

1

2

3

?

Cenrios coerentes

Cenrio

Cenrio

Cenrio

X(1,2,2,1)

Y(2,2,3,2)

Z(3,4,3,3)

Um encaminhamento, ou seja, uma combinao associando uma configurao de cada componente, no seno um cenrio. O espao morfolgico define com preciso o leque dos futuros possveis.

Um caso de planeamento com base em cenrios6 AXA Frana, uma das empresas lderes da actividade seguradora em Frana, rene o conjunto das filiais francesas de seguros do grupo AXA. As entidades francesas decidiram levar a cabo um exerccio prospectivo para preparar o plano 1996-2000. O plano precedente (1992-1996) tinha sido consagrado reorganizao do conjunto, fruto de mltiplas aquisies, e melhoria da rendibilidade. Centrado sobre objectivos de organizao por canal de distribuio, o plano precedente no tinha sido objecto de trabalhos especficos sobre a evoluo da envolvente. Uma vez que os objectivos internos tinham sido atingidos, tratava-se para o novo plano, tendo em conta os objectivos mundiais do grupo e os imperativos de qualidade e rendibilidade, de melhor integrar os desafios externos e, portanto, definir os eixos estratgicos para os prximos cinco anos, luz duma viso do futuro a dez anos. Recordemos que esta reflexo foi levada a cabo dois anos antes da fuso AXA-UAP. A abordagem adoptada pela AXA Frana representativa das evolues da prtica da prospectiva de empresa e das modalidades da sua integrao no planeamento. Embora a empresa tenha cada vez menos tempo para reflectir, tomada pela urgncia da aco, ela tem cada vez mais de dar resposta seguinte questo: como levar a cabo, com os seus dirigentes, uma reflexo pertinente, coerente e verosmil sobre as incertezas e as grandes tendncias do futuro? (ou, dito de outro modo: que fazer em seis reunies de trabalho?). De facto, num grupo como AXA Frana, de constituio relativamente recente, marcado pela rpida integrao de numerosas aquisies, de estrutura flexvel e fortemente descentralizada, no se punha a questo de iniciar uma abordagem pesada, mobilizando um servio especializado e afastando, pelo menos parcialmente, os dirigentes das diversas filiais dessa reflexo. Tratava-se, pelo contrrio, de implicar fortemente os directores-gerais. O objectivo era que eles abordassem o futuro com uma viso comum e identificassem as ameaas e oportunidades, e eventuais rupturas, para prepararem a empresa para as mudanas esperadas (como fazer se...?) e favorecer as mudanas desejadas, ao mesmo tempo que deveria lutar contra as evolues temidas (como fazer para...?). Era, pois, necessrio identificar os futuros possveis e assinalar, entre estes, os mais provveis; numa palavra, construir os cenrios da envolvente de AXA Frana. O horizonte escolhido foi 2005.

6

Vid. O Planeamento com base em cenrios: o caso AXA France, Paul Berassonli e Regine Mouti, Futuribles n. 203, Novembro de 1995. Esta reflexo prospectiva foi realizada pelos membros do Comit de Gesto para a Frana, desde Maro de 1994 a Dezembro de 1995, sob a responsabilidade da Direco do Plano-Oramento-Resultado.

A construo de cenrios da envolvente O caso AXA Frana1 Seminrio de prospectiva: aquisio dos mtodos de anlise, identificao e hierarquizao dos factores de mudana de AXA Frana; seleco das componentes da envolvente mais determinantes para o futuro da AXA em Frana (meados Maro1994)

2 Elaborao, em grupo restrito, dos cenrios por grandes domnios (Abril-Junho 1994) 3 Integrao dos resultados dos diferentes grupos de trabalho e construo da trama dos cenrios da envolvente (Junho 1994) 4 Realizao de um inqurito de avaliao do futuro dos seguros em Frana (JulhoSetembro 1994)

5 Probabilizao, seleco e anlise dos cenrios (Outubro 1994) 6 Seleco de um cenrio central e identificao de hipteses alternativas (Novembro1994)

7 Apresentao do cenrio central e das hipteses alternativas, s diferentes filiais(Dezembro 1994)

8 Apropriao e integrao do cenrio central e das hipteses alternativas no plano das diferentes filiais (Janeiro 1995) 9 Elaborao do plano de cada filial (Fevereiro-Junho 1995) 10 Arbitragem e afectao de recursos (4 trimestre 1995) Devido aos prazos estabelecidos (nove meses), fizemos a economia de utilizao de dois dos principais instrumentos da prospectiva: a anlise estrutural, para a pesquisa das variveis-chave, e o jogo de actores, para a explorao das evolues possveis. Por outro lado, recorremos a trs outros mtodos os seminrios de prospectiva, a anlise morfolgica e o SMIC-PROB-EXPERT que permitem construir os cenrios, respeitando as condies fundamentais que so a pertinncia, a coerncia e a verosimilhana, economizando tempo e favorecendo a apropriao (transparncia).

4 DA BOA UTILIZAO DOS INSTRUMENTOSNos ltimos 20 anos, aquilo que se imps foi, sobretudo, um estado de esprito global, sistmico e de longo prazo. excepo da anlise do jogo de actores, com o mtodo MACTOR, os mtodos clssicos da Prospectiva registaram poucos avanos significativos, embora se tenham difundido largamente atravs de mltiplas aplicaes. Tudo se passou como se os praticantes tivessem seguido a recomendao de J. N. Kapferer: Mais vale uma imperfeio operacional do que uma perfeio que no o . Com efeito, para abordar um mundo complexo, necessrio instrumentos simples e apropriados porque apropriveis. Na prtica, a Prospectiva toma cada vez mais a forma de uma reflexo colectiva, de uma mobilizao dos espritos face s mutaes da envolvente estratgica e, por isso, conhece um sucesso crescente junto das organizaes regionais, das colectividades locais e das empresas. Se devemos congratular-nos com esta tendncia para uma maior difuso e apropriao da Prospectiva, at agora reservada aos especialistas, devemos tambm estar conscientes das fraquezas metodolgicas que permanecem ou se revelam pela primeira vez.

O mais grave que existe por todo o lado, e sobretudo nos EUA, um recuo marcado da racionalidade e, em particular, da formalizao terica, em favor de aproximaes fundadas sobretudo na intuio e cujo sucesso comercial no pode justificar os erros em que incorrem. Com efeito, segundo determinada racionalidade processual (Simon, 1982), um exerccio de Prospectiva deve continuar a ser uma aproximao heurstica, por oposio a uma aproximao algortmica ou a olhmetro, o que no impede a utilizao de tcnicas formais quando isso pode ser til. Deste ponto de vista, a construo de cenrios apresentada por vezes como A Arte da Viso a Longo Prazo (Peter Schwartz, 1991). Mas preciso espritos to brilhantes como Peter Schwartz para exercer esta arte sem tcnicas. A filosofia e as etapas da metodologia apresentada por Peter Schwartz so prximas daquelas que ns preconizamos, mas a sua tcnica no aproprivel nem reprodutvel pelo simples facto de que est ausente. Este recuo da formalizao foi acompanhado de uma perda de memria que chegou ao esquecimento das palavras e dos nomes. Muitos prospectivistas inexperientes lanam-se na construo de cenrios sem terem assimilado a herana acumulada e manifestam grande surpresa quando lhes falamos da anlise morfolgica ou da probabilizao dos cenrios, interrogando-se: de que se trata? ser mesmo possvel? A argumentao de Jacques Lesourne (1989), nos finais dos anos 80, em favor da investigao em Prospectiva era ento e -o ainda tanto mais justificada quanto certo que alguns confundem instrumentos simples com instrumentos simplistas. Lembremos que o mtodo dos cenrios, tal como foi concebido h mais de vinte anos, mantm toda a sua utilidade e, sobretudo, o grande mrito de impr um rigor intelectual: anlise qualitativa e quantitativa das tendncias pesadas; anlise retrospectiva; anlise dos jogos de actores; evidenciao dos germes da mudana, das tenses e dos conflitos; e, por fim, construo de cenrios coerentes e completos. Certos instrumentos especficos da Prospectiva, como a anlise estrutural, conhecem hoje um sucesso quase inquietante para aqueles que contriburam para o seu desenvolvimento. A anlise estrutural muitas vezes aplicada de maneira mecnica, sem utilidade e em detrimento de uma verdadeira reflexo. Lio a tirar desta histria: preciso tempo para difundir um instrumento terico (perto de vinte anos) e preciso ainda mais tempo para que ele seja utilizado de forma adequada. Quando se apresenta um mtodo num Manual, dever-se-ia tambm dizer o que se deve fazer (e no fazer) para o utilizar correctamente. Os cenrios: usos e abusos O destino da palavra cenrio no se apresenta sem perigos para a reflexo prospectiva dado que, actualmente, ela se arrisca a ser arrebatada por uma vaga de sucesso meditico cujos fundamentos cientficos so bastante frgeis. Coloquemos duas questes prvias: Dever-se- considerar que o simples facto de baptizar como cenrio qualquer combinao de hipteses d a uma anlise, por mais sedutora que ela seja, alguma credibilidade prospectiva?

-

Ser indispensvel elaborar cenrios completos e detalhados em toda e qualquer reflexo prospectiva?

A estas duas questes, ns respondemos claramente: no! Porque Prospectiva e cenrios no so sinnimos! Dizendo o mesmo por outras palavras, necessrios colocar as boas questes e formular as verdadeiras hipteses-chave para o futuro, bem como apreciar a coerncia e a verosimilhana das combinaes possveis. De outra forma, corre-se o risco de deixar na sombra 80% do campo dos provveis. Com mtodos de clculo probabilsticos como o SMIC-Prob-Expert (veja-se o quadro sobre os cenrios da siderurgia), essas tarefas no demoram mais do que alguns minutos para um grupo de trabalho.

A PROBABILIZAO DOS CENRIOS DA SIDERURGIA E A REDUO DAS INCOERNCIAS COLECTIVASEntre 1990 e 1991, vrios meses de reflexo prospectiva sobre a siderurgia em Frana, realizada por Edf e Usinor, no horizonte 2005, permitiram identificar seis cenrios pertinentes e coerentes construdos em torno de trs hipteses gerais: H1 (fraco crescimento do PIB, inferior a 1,8 %) ; H2 (fortes constrangimentos ambientais) ; H3 (forte concorrncia dos outros materiais). Negro (C1) Sombrio (C2) Tendencial (C3) Ecolgico (C4) Rosa Ao (C5) Rosa Plstico (C6) fraco crescimento do PIB e forte concorrncia dos materiais; fraco crescimento do PIB, sem forte concorrncia dos outros materiais; manuteno da situao presente; fortes constrangimentos ambientais; forte crescimento do PIB e competitividade favorvel ao ao; forte crescimento do PIB e competitividade favorvel aos outros materiais.

A utilizao da aplicao informtica PROB-EXPERT permitiu verificar que os seis cenrios apenas cobriam 40 % do campo dos provveis: C5 Rosa Ao e C4 Ecolgico ( 010 ) = 0,147 C1 Negro C6 Rosa Plstico C3 Tendencial C2 Sombrio ( 101 ) = 0,108 ( 001 ) = 0,071 ( 000 ) = 0,056 ( 100 ) = 0,016

Surgiram, deste modo, trs novos cenrios bem mais provveis que os peritos no tinham considerado ou, mesmo, indentificado, porque eles iam contra as ideias feitas, implcita ou explicitamente. Os trs jogos de hipteses referidas (60 % de probabilidade global) tm, cada um deles, uma probabilidade de realizao superior ao mais provvel dos cenrios anteriormente retidos. Ou seja: C7 Negro Ecolgico C8 Verde Ao C9 Verde Plstico ( 111 ) = 0,237 ( 110 ) = 0,200 ( 011 ) = 0,164

O par ( 11. ) sobre as duas primeiras hipteses H1 e H2 tinha sido eliminado porque, num contexto de fraco crescimento, fortes constrangimentos ambientais parecia a priori um luxo pouco provvel. O par ( .11 ) tinha sido eliminado porque fortes constrangimentos ambientais (H2) pareciam mais favorveis ao ao que no sofreria mais a forte concorrncia dos outros materiais. Mas porque no imaginar os plsticos reciclveis ou biodegradveis, como o sugere o par ( 0.11 )?

Um cenrio no a realidade futura mas um meio de a representar, com vista a iluminar a aco presente luz dos futuros possveis e desejveis. A prova da realidade e a preocupao de eficcia devem guiar a reflexo prospectiva para uma melhor interpretao da realidade e da histria. assim que os cenrios s tm credibilidade e utilidade se respeitarem cinco condies de rigor: pertinncia, coerncia, verosimilhana, importncia e transparncia. Curiosamente, certos prospectivistas recusam submeter o seu pensamento a esta espcie de mquina para detectar contradies e reduzir incoerncias a nvel do raciocnio. Entretanto, tm razo em sublinhar que a probabilizao no deve conduzir a afastar da reflexo aqueles cenrios que, sendo muito pouco provveis, so no entanto importantes em razo dos riscos de ruptura e dos impactos excepcionais que representam. A ltima condio indispensvel para a credibilidade e utilidade dos cenrios a transparncia de A a Z: o que se concebe bem enuncia-se claramente. Assim deve ser no que respeita ao modo de colocar o problema, aos mtodos de anlise escolhidos e s razes da sua escolha, aos resultados e concluses dos cenrios. Demasiadas vezes, infelizmente, a leitura dos cenrios fastidiosa e o leitor tem que fazer grandes esforos para perceber o seu interesse (pertinncia, coerncia). Ou, ento, a fraca qualidade literria no agua o apetite do leitor e este fecha rapidamente o livro. Deste modo, por falta de leitura atenta e crtica, muitos cenrios continuam a ter uma certa credibilidade, um benefcio da dvida (tudo se passando como se o leitor se sentisse culpado de no ter ido at ao fim da leitura). Sem esta transparncia no haver nem apropriao dos resultados nem empenhamento dos actores (o pblico) que queremos sensibilizar atravs dos cenrios. Naturalmente, a transparncia e a atractividade dos cenrios no implicam necessariamente a boa qualidade do seu contedo; poder-se-, assim, ser seduzido por cenrios com uma redaco apelativa, portadores de emoes, de prazer ou de angstia, como o caso de O Choque do Futuro de Alvin Toffler. Trata-se de livros de fico, isto , de um gnero literrio perfeitamente respeitvel e at apaixonante (pensemos em 1984, por exemplo), mas cujos cenrios raramente so pertinentes, coerentes e verosmeis. Ao respondermos negativamente segunda questo (ser absolutamente indispensvel elaborar cenrios completos?), queremos afirmar claramente que Prospectiva e cenrios no so sinnimos. Ao longo dos tempos, muitas reflexes prospectivas enterraram-se em areias movedias porque o grupo de trabalho tinha decidido lanar-se no mtodo dos cenrios. Mas para fazer o qu? Um cenrio no um fim em si, ele s tem sentido se tiver resultados, se tiver consequncias para a aco. Seguir o mtodo dos cenrios supe que se tem diante de si longos meses para trabalhar (12 a 18 meses no so raros), sendo preciso contar tambm com vrios meses para formar uma equipa e torn-la operacional. Pensemos nos trs anos (1976-1979) da equipa Interfuturs da OCDE (Lesourne, Malkin, 1979), cujos responsveis declararam que o tempo lhes tinha faltado, para levarem at ao fim a explorao dos cenrios! Acrescentemos ainda um ano suplementar para a difuso e a valorizao dos resultados. A maior parte das vezes, nas empresas e administraes, os grupos de trabalho devem apresentar o seu relatrio dentro de um prazo inferior a um ano. Em casos extremos, os

dirigentes podem lanar reflexes prospectivas que tm de ser realizadas em algumas semanas. As condies da reflexo so raramente ideais mas prefervel iluminar as decises do que tom-las s escuras. O bom senso sugere as questes a colocar desde o incio: Que podemos fazer nos prazos estabelecidos e com os meios disponveis? Como faz-lo de maneira a que os resultados sejam credveis e teis para os destinatrios? Nesta ptica, muitas vezes, ser prefervel limitar os cenrios a algumas hipteseschave, quatro, cinco ou seis, uma vez que, para alm destes nmeros (e mesmo com eles), a combinatria tal que o esprito humano se perde na mesma e desiste. Inversamente, reduzir o nmero de cenrios a quatro combinando somente duas hipteses, como preconiza o mtodo SRI, demasiado redutor. As arquitecturas de cenrios, construdas em torno de cinco ou seis hipteses fundamentais, serviro de pano de fundo para a reflexo estratgica do tipo que fazer se? ou como fazer para?. Este atalho sobre os cenrios impe, mais do que nunca, uma reflexo prvia explcita sobre as variveis-chave, as tendncias e os jogos de actores. Uma ltima dificuldade na construo dos cenrios e na escolha dos mtodos, a questo dos prazos. Mesmo quando se dispe de longos meses para trabalhar, eventualmente at alguns anos para realizar a obra, arriscado lanar-se na mesma porque, no entretanto, a equipa e o prprio chefe podem mudar. Um estudo de prospectiva raramente resiste partida daquele que o iniciou. Nas grandes organizaes, tendo em conta a mobilidade existente, prefervel limitar-se ao prazo de um ano ou prever resultados intermdios. Instrumentos simples e apropriveis: os Seminrios de Prospectiva Estratgica Se a Prospectiva tem necessidade de rigor para abordar a complexidade, ela precisa tambm de instrumentos simples para que possa ser apropriada. Desde meados dos anos 80 que os Seminrios de Prospectiva Estratgica se impuseram como resposta a estas preocupaes. Antes de nos lanarmos num exerccio mais ou menos pesado de Prospectiva Estratgica, avisado gastar algum tempo de reflexo sobre a natureza do problema que nos colocado, sobre a maneira de o atacar e sobre as respostas que se podem obter e o modo de as operacionalizar. Com efeito, intil perder tempo com falsos problemas e, alm disso, um problema bem colocado meio caminho andado para a sua resoluo Aquando do lanamento de uma reflexo prospectiva e estratgica, que envolve frequentemente dezenas de pessoas, durante longos meses, til tambm simular o conjunto do exerccio que vai ser lanado, avaliando rectroprojectivamente os objectivos finais e os prazos intermdios. A escolha dos mtodos no deve ser subordinada apenas natureza do problema identificado, ela deve ter tambm em conta as limitaes de tempo e os meios do grupo encarregado dessa reflexo. Qualquer que seja a metodologia utilizada, til marcar o lanamento de uma reflexo colectiva com um seminrio de dois dias de formao-aco em Prospectiva Estratgica. Este seminrio permite aos participantes descobrir e iniciar-se nos principais conceitos e instrumentos da Prospectiva Estratgica. A ambio destas jornadas, que podem envolver vrias dezenas de pessoas, operar uma imerso completa dos espirtos no

pensamento prospectivo ao servio da aco estratgica. Os Seminrios de Prospectiva so destinados a colocar bem o problema e a combater as ideias feitas que possam existir a seu respeito. Deste modo, eles permitem identificar e hierarquizar em comum os principais desafios de futuro que se colocam organizao em causa, designadamente na envolvente interna e externa. Ao fim desses dois dias, os participantes estaro em condies de esclarecer as propriedades, os objectos, o calendrio e o mtodo a seguir para organizar a sua reflexo prospectiva e estratgica7. A escolha de um mtodo no se impe a priori, mas indispensvel para a eficcia das reunies. Sem mtodo, no h linguagem comum, nem troca de ideias, nem, muito menos, coerncia e estruturao das mesmas. Entretanto, o mtodo no um fim em si, no devemos ser prisioneiros dos seus resultados, trata-se apenas de um apoio pertinncia da reflexo. Um mtodo rigoroso tambm um factor precioso para a coeso do grupo e a sua motivao, para a qual contribui tambm a difuso dos resultados intermdios. Enfim, a escolha do mtodo deve ser feita em funo dos problemas (vid seminrio de lanamento), das limitaes de tempo e com a preocupao de obter e comunicar resultados. Os instrumentos devem ser suficientemente simples para poderem ser apropriados pelos utilizadores e destinatrios. Recomendaes para uma Prospectiva Territorial Tendo tido a oportunidade de participar, directa ou indirectamente, em diversos exerccios de Prospectiva Territorial (Pas Basco 2010, Ilha da Reunio, Lorena 2010, Atenas, Ille-et-Vilaine, Pirinus Atlnticos, etc.), gostaramos de tirar aqui algumas lies dessas experincias. A credibilidade, a utilidade e a qualidade de um exerccio de Prospectiva Territorial implicam o respeito estricto de certas condies; em particular, no se deve, de modo algum, subcontratar completamente ao exterior a reflexo sobre o prprio futuro. Num estudo, qualquer que seja a sua qualidade, o relatrio final conta menos que o processo que a ele conduz. Da a importncia em nos apoiarmos sobre as capacidades tcnicas locais e em aproveitarmos o exerccio de prospectiva para desencadear uma dinmica de mudana, ao menos nos espritos. menos importante o estudo prospectivo propriamente dito que o processo de reflexo participada que ele deve desencadear. Com efeito, atravs do lanamento de uma reflexo global ao nvel local que criaremos as condies para um consenso sobre as ideias e a aco comum, designadamente tendo em vista a concretizao dos diversos projectos de desenvolvimento existentes no territrio em causa.

7

Um exemplo completo de Seminrios de Prospectiva foi publicado no n. 12 dos Cahiers du LIPS, sob o ttulo LAvenir de la Rglementation des Tlcomunications - etat des lieux et ateliers de prospective, por Stphane Leroy-Therville, Maro 2000.

As trs cres do tringulo grego e os trs tempos da Prospectiva Territorial As trs cres do tringulo grego (o azul da antecipao, o amarelo da apropriao e o verde da aco) permitem organizar a Prospectiva Territorial em trs tipos de documentos: um livro azul; este documento deve fornecer uma viso global da envolvente actual e futura do territrio; apoiando-se numa sntese de nmeros-chave, ele comporta elementos de diagnstico, regista os pontos controversos e aponta as tndencias provveis, as incertezas maiores e os riscos de ruptura possveis; este documento, com vocao monogrfica, pode ser subcontratado, em grande parte, a um consultor externo; vrios livros amarelos, onde os diversos centros operacionais formulam as suas propostas de aco local, no s no sentido de se prepararem para as mudanas globais pressentidas no livro azul (pr-actividade) mas, tambm, no sentido de ir concretizando os objectivos estratgicos atravs de projectos locais (pr-actividade); estes livros amarelos traduzem a apropriao colectiva da prospectiva territorial, podendo ser elaborados por empresas ou pelas prprias colectividades territoriais; um livro verde, no qual se prope o plano estratgico global para o territrio (da regio ou da cidade), associando a cada objectivo diversas aces concretas; este ltimo livro realiza a sntese entre o livro azul e os livros amarelos; alm disso, pela sua vocao estratgica, ele deve ser elaborado sob a responsabilidade dos dirigentes eleitos, para poder compromet-los na aco concreta.

-

-

Os instrumentos da Prospectiva de Empresa so tambm teis para a Prospectiva Territorial, na medida em que os mtodos correspondentes estiverem ao servio, antes de mais, da estruturao e organizao da reflexo colectiva. Neste sentido, eles facilitaro a comunicao, estimularo a imaginao e contribuiro para melhorar a coerncia das anlises. De qualquer modo, a Prospectiva Territorial mais difcil de conduzir que a Prospectiva de Empresa, nomeadamente para os consultores envolvidos no processo. A origem e as finalidades da encomenda raramente so suficientemente claras; os interlocutores tm expectativas mltiplas e, muitas vezes, contraditrias, os meios financeiros nem sempre esto altura dos objectivos visados. Em suma, o consultor um fusvel ideal quando as incoerncias se tornam demasiado fortes. O menos arriscado para a imagem, o mais fcil para a comunicao e os consultores, consiste em contentarmo-nos com um relatrio de estudo em moldes clssicos. Infelizmente, esta soluo pouco operacional e sem efeito durvel, pois ela esquece que a apropriao indispensvel para se passar da antecipao aco.

Uma nova via: o futuro em comum no seio de uma fileira8 A diviso agrcola da BASF fornece cooperativas e negociantes-distribuidores em adubos e em tratamentos fitosanitrios. Ela adquiriu, desde meados dos anos 90, uma posio de liderana no mercado francs. Tendo em vista consolidar esta posio, os seus dirigentes pensaram em reforar, de modo durvel, as suas relaes com os actores a montante e a jusante da fileira que vai da produo agrcola ao consumidor final. A metodologia aplicada pela Diviso agrcola da BASF e seus principais clientes, exemplar em muitos aspectos: tanto quanto conhecemos, esta a primeira vez que uma empresa se envolve numa reflexo prospectiva com os seus parceiros comerciais, de modo a poderem preparar-se em conjunto para um futuro comum; esta metodologia pe o acento tnico na apropriao sem descurar a qualidade da reflexo; os dirigentes das empresas envolvidas so, eles prprios, os autores desta reflexo. alm disso, estamos perante um exemplo em que o promotor do exerccio, a Diviso de Agricultura da BASF, deu toda a liberdade de reflexo aos participantes, sem qualquer censura, nem na fase da reflexo nem na fase posterior da difuso alargada dos seus resultados aos administradores e ao pessoal das cooperativas agrcolas; trata-se, verdadeiramente, de um exerccio de Prospectiva Estratgica na medida em que o actor BASF j se apoiou nele para rever as suas orientaes estratgicas quanto envolvente externa e, alm disso, elaborou um protocolo de cooperao com todos os seus clientes numa ptica de desenvolvimento concertado; enfim, o interesse deste exerccio consiste tambm no facto de se terem utilizado, de uma forma prtica, alguns dos principais instrumentos da Prospectiva Estratgica (anlise morfolgica para a construo de cenrios, anlise do jogo de actores, rvores de competncias, anlise multicritrios); estes instrumentos permitiram organizar e estruturar a reflexo prospectiva ao longo de um nmero de reunies relativamente limitado mas eficaz.

-

-

Dever-se- concluir que a reflexo prospectiva sobre o futuro de uma empresa ou de um territrio, um momento nico para ultrapassar as limitaes e as contradies do curto prazo, lanando os espritos, a todos os nveis, numa tomada de conscincia indispensvel sobre a necessidade de mudar de vida... Para isso, necessrio apoiarmonos nas competncias internas e aproveitar o exerccio de prospectiva para valorizar essas competncias, muitas vezes dispersas na organizao. O papel do consultor deve ser to discreto quanto possvel. Se ele se apresentar como especialista do sector, arrisca-se fortemente a ser rejeitado pelo grupo. O consultor deve ser o portador do mtodo de trabalho e da abertura de esprito perante as realidades e as ideias novas. Ele no deve esquecer nunca que as melhores ideias no so aquelas que ele produz ou d ao grupo, mas aquelas que consegue suscitar nesse mesmo grupo.

Esta reflexo prospectiva foi publicada na coleco Travaux Recherches en Prospective, n. 3 e nos Cahiers du Lips, n. 9 e n. 11, , sob o ttulo Basf Agriculture et ses distributeurs: lavenir en commun, Outubro de 1996.

8

DO RIGOR PARA UMA INDISCIPLINA INTELECTUAL Michel Godet (*)

A aco sem finalidade no tem sentido e a antecipao suscita a aco. por isso que a Prospectiva e a Estratgia so, em geral, indissociveis, e, da a expresso Prospectiva Estratgica. Mas a complexidade dos problemas e a necessidade de os colocar colectivamente impem o recurso a mtodos to rigorosos e participativos quanto possvel; sem esquecer, naturalmente, os limites da formalizao, porque os homens so tambm guiados pela intuio e paixo. Os modelos so invenes do esprito para representar um mundo que nunca se deixar encerrar na jaula das equaes. E felizmente que assim , porque, sem esta liberdade, a vontade animada pelo desejo no teria esperana! Tal a convico que nos anima: utilizar todas as possibilidades da razo, conhecendo os seus limites, mas tambm as suas virtudes. No h oposio mas complementaridade entre intuio e razo. Para permanecer uma indisciplina intelectual, fecunda e credvel, a Prospectiva tem necessidade de rigor. O debate de ideias sobre a mudana, o papel dos homens e das organizaes, a utilidade dos mtodos, est atravancado por um certo nmero de questes recorrentes, que voltam superfcie quaisquer que sejam os argumentos avanados. o caso, por exemplo, da diferena e das relaes entre os conceitos de Prospectiva, Planeamento e Estratgia, do interesse da probabilizao dos cenrios, da complicao do complexo e da utilizao das ferramentas que deram provas na prospectiva da empresa em outros domnios como a prospectiva territorial. Sobre todas estas questes, a experincia acumulada, desde h bem quase trinta anos, no mbito de vrias centenas de intervenes nas empresas e no terreno, permite-nos dar respostas claras, pelo menos no nosso esprito.

1 PLANEAMENTO, PROSPECTIVA E ESTRATGIA: QUE DIFERENAS?Os conceitos de Prospectiva, Estratgia e Planeamento esto na prtica intimamente ligados, sendo que cada um deles faz apelo aos outros e com eles se interpenetra:Michel Godet Professor Catedrtico de Prospectiva Industrial no CNAM - Conservatoire National des Arts et Mtiers, de Paris, e autor do Manuel de Prospective Stratgique (reeditado pela Dunod em dois tomos), alm de outros livros desta especialidade, com grande divulgao em Frana e na Europa.(*)

2 INICIAR E SIMULAR O CONJUNTO DO PROCESSO

FICHA TCNICA N1 MTODO DOS CENRIOSA metodologia integrada da Prospectiva Estratgica visa reposicionar a organizao na sua envolvente, tendo em conta as suas especificidades e, em particular, as suas competncias distintivas. Ela o fruto da conjugao dos cenrios da Prospectiva com as rvores de competncias da anlise estratgica. O objectivo desta metodologia propr as orientaes e aces estratgicas que assentam nas competncias da empresa, em funo dos cenrios da sua envolvente geral e concorrencial. A metodologia, no seu conjunto, foi apresentada na primeira parte deste caderno. Aqui expomos apenas o mtodo dos cenrios. OBJECTIVO O mtodo dos cenrios visa construir representaes dos futuros possveis, bem como dos caminhos que a eles conduzem. O objectivo destas representaes evidenciar as tendncias pesadas e os germes de ruptura relativos envolvente geral e concorrencial da organizao. DESCRIO DO MTODO Em boa verdade, no existe uma abordagem nica em matria de cenrios; estes foram introduzidos na Prospectiva por Herman Kahn (nos Estados Unidos) e pela Datar (em Frana). Hoje, o mtodo dos cenrios que desenvolvemos na SEMA e depois no CNAM, por um lado, e o mtodo SRI (derivado do nome do Stanford Research Institute), por outro, so as metodologias mais frequentemente adoptadas. As diferentes etapas destes dois mtodos no diferem muito entre si. No entanto, ao apoiar-se numa formalizao matemtica mais desenvolvida, o primeiro coloca mais nfase no exame sistemtico dos futuros possveis. este primeiro mtodo que iremos descrever aqui e que se encontra resumido no esquema a seguir apresentado. - O que um cenrio? Um cenrio um conjunto formado pela descrio de uma situao futura e do encaminhamento dos acontecimentos que permitem passar da situao de origem situao futura. Distinguem-se, de facto, dois grandes tipos de cenrios: - exploratrios: partindo das tendncias passadas e presentes e conduzindo a futuros verosmeis,

- de antecipao ou normativos: construdos a partir de imagens alternativas do futuro, podero ser desejados ou, pelo contrrio, temidos. So concebidos de forma retroprojectiva. Estes cenrios exploratrios ou de antecipao podem, por outro lado, consoante tomem em considerao as evolues mais provveis ou as mais extremas, ser tendenciais ou contrastados. Fase1: Construir a base Esta fase tem um papel fundamental na construo do cenrio. Consiste em construir um conjunto de representaes do estado actual do sistema constitudo pela empresa e sua envolvente. A base , por conseguinte, a expresso de um sistema de elementos dinmicos ligados uns aos outros; sistema esse, por sua vez, articulado com a sua envolvente exterior. conveniente, portanto: 1/ delimitar o sistema e a sua envolvente; 2/ determinar as variveis essenciais; 3/ analisar a estratgia dos actores. Para realizar o ponto 1, a anlise estrutural (ficha tcnica n 6) revela ser um instrumento precioso (e classicamente utilizado). Sobre as variveis resultantes da anlise estrutural, conveniente fazer um estudo retrospectivo aprofundado e tambm numrico e to detalhado quanto possvel. Esta anlise retrospectiva evita que se privilegie exageradamente a situao actual, que se tem sempre tendncia a extrapolar para o futuro. A anlise das tendncias passadas reveladora da dinmica de evoluo do sistema e do papel mais ou menos motor ou travo que pode ser assumido por determinados actores. Alm disso, cada actor deve ser definido em funo dos seus objectivos, problemas e meios de aco. necessrio, em seguida, examinar como se posicionam os actores em relao uns aos outros. Com esta finalidade, constri-se um quadro de estratgia dos actores. Para analisar este jogo, recorre-se ao mtodo MACTOR (vid ficha n 7). Fase 2: Varrer o campo dos possveis e reduzir a incerteza Estando identificadas as variveis-chave e analisados os jogos de actores, podem-se demarcar os futuros possveis atravs de uma lista de hipteses que traduzam, por exemplo, a continuidade de uma tendncia ou, ao contrrio, a sua ruptura. Pode-se recorrer nesta fase anlise morfolgica para decompor o sistema estudado em dimenses essenciais e estudar as recombinaes possveis destas diferentes dimenses, recombinaes estas que constituem outras tantas imagens do futuro. Com o auxlio dos mtodos periciais, poder-se em seguida reduzir a incerteza, estimando as probabilidades subjectivas de ocorrncia destas diferentes combinaes ou das diferentes envolventes-chave para o futuro (ver as fichas consagradas aos mtodos periciais: Delphi (ficha n 9), baco de Rgnier (ficha n 10) e SMIC-Prob-Expert (ficha n 11).

MTODO DOS CENRIOS

Seminrios de Prospectiva

O problema posto, O sistema estudado

Anlise estrutural Mtodo MICMAC

Identificao das variveis-chave(internas, externas) Rectrospectiva, tendncias Actores envolvidos

1

Anlise das estratgias de actores Mtodo MACTOR

Desafios e objectivos estratgicosPosio dos actores Relao de foras Convergncia e divergncias

2

Anlise morfolgica Mtodo MORPHOL

Varrer o campo dos possveisCritrios de excluso ou de preferncia Critrios de seleco

3

Mtodo de inqurito a peritos SMIC-Prob-Expert

Questes-chave para o futuroJogos de hipteses probabilizadas

3

Pertinncia Coerncia Verosimilhana

Cenrios1 Encaminhamentos 2 Imagens 3 Previses

3

Importncia Transparncia

Fase 3: Elaborar os cenrios Neste estdio, os cenrios esto ainda no estado embrionrio, pois limitam-se aos jogos de hipteses realizados ou no. Trata-se ento de descrever o encaminhamento que leva da situao actual s imagens finais retidas (esta parte do trabalho designada por fase diacrnica). Algumas partes da evoluo do sistema podem dar lugar ao aperfeioamento de modelos parciais e ser objecto de tratamento informtico. Mas os nmeros assim calculados tm apenas um valor indicativo: ilustram a evoluo do sistema e permitem efectuar algumas verificaes sobre a sua coerncia. UTILIDADE E LIMITES Os cenrios constituem uma iluminao indispensvel para orientar as decises estratgicas. O mtodo dos cenrios pode ajudar a escolher, pondo o mximo de trunfos do seu lado, a estratgia que estar na melhor posio para realizar o projecto pretendido. O seu encaminhamento lgico (delimitao do sistema, anlise retrospectiva, estratgia dos actores, elaborao dos cenrios) j se imps por ocasio de muitas dezenas de estudos prospectivos. No entanto, se o encaminhamento do mtodo dos cenrios lgico, no indispensvel percorr-lo de A a Z. Tudo depende do grau de conhecimento que se tem do sistema estudado e dos objectivos a prosseguir. O mtodo dos cenrios uma aproximao modular. Pode, tanto quanto necessrio, limitar-se ao estudo deste ou daquele mdulo, como, por exemplo, a anlise estrutural para a pesquisa das variveis-chave, a anlise da estratgia dos actores ou o inqurito junto de peritos sobre as hipteses-chave para o futuro. Do mesmo modo, frequentemente satisfatrio apresentar as imagens insistindo nas tendncias pesadas, nas rupturas ou nos acontecimentos-chave, sem precisar sempre os encaminhamentos. Uma das principais limitaes do mtodo dos cenrios o tempo. So necessrios, de uma forma geral, 12 a 18 meses para seguir o encaminhamento na sua totalidade, dos quais pelo menos metade se destina construo da base. Se apenas se dispe de um prazo de 3 a 6 meses para o estudo, prefervel concentrar a reflexo no mdulo que parece mais importante. CONCLUSES PRTICAS A palavra cenrio frequentemente utilizada de forma abusiva para qualificar no importa qual jogo de hipteses. Lembremos que para a Prospectiva e a Estratgia as hipteses de um cenrio devem preencher simultaneamente cinco condies: a pertinncia, a coerncia, a verosimilhana, a importncia e a transparncia. Mesmo que cenrios e prospectiva no sejam sinnimos, a construo de cenrios assume frequentemente um papel central na maior parte dos estudos prospectivos. Quer sejam seguidas todas as etapas atrs apresentadas, quer sejam desenvolvidas apenas

algumas dessas etapas, a apresentao dos cenrios, ainda que reduzidos a meras combinaes de hipteses, contribui para pr em evidncia os principais desafios do futuro. BIBLIOGRAFIA BUIGUES P.A., Prospective et competitivit, MacGraw-Hill, Paris, 1985. GODET M., De lanticipation laction, Dunod, Paris, 1991. Edio portuguesa. GODET M., ROUBELAT F., Creating the future: the use and misuse of scenarios, Long range planning, vol. 29, n 2, Abril 1996. JOUVENEL H. (de), Sur la mthode prospective: un bref guide mthodologique, Futuribles, n 179, Setembro 1993. REIBNITZ U. (von), La technique des scnarios, Afnor, 1989. SCHWARTZ P., La planification stratgique par scnarios, Futuribles, n 176, Maio 1993. WACK P., La planification par scnarios, Futuribles, n 99, Maio 1986.

FICHA TCNICA N 2 OS SEMINRIOS DE PROSPECTIVA ESTRATGICAOBJECTIVO O objectivo dos Seminrios de Prospectiva Estratgica iniciar e simular em grupo o conjunto do processo prospectivo e estratgico. Nestes encontros, os participantes so familiarizados com os instrumentos da Prospectiva Estratgica e so convidados a identificar e hierarquizar em comum os principais desafios do futuro e as principais ideias feitas sobre o assunto, bem como a delinear as pistas para a aco face a esses desafios e ideias. Deste modo, no final dos seminrios, os participantes f