A caminhada do Movimento Feminista Brasileiro

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A caminhada do Movimento Feminista Brasileiro: das sufragistas ao Ano Internacional da Mulher Introdução Ao longo da história brasileira, inúmeras foram as mulheres que se mantiveram distantes dos padrões de comportamento considerados "normais" ou "comuns" por parte de uma elite social normativa e conservadora 1 . A própria miscigenação do país e as variadas normas de conduta atribuídas às diferentes etnias e camadas sociais que vieram a constituir o povo brasileiro, contribuíram para a existência de inúmeros, e por vezes contraditórios, padrões de comportamento. Não poucas foram as mulheres que lutaram contra a situação de inferioridade e discriminação "próprias ao seu sexo", buscando maior autonomia e aceitação. Assim, já é possível verificar no final do século passado a existência de um grupo de mulheres liderado por Josefina Alves de Azevedo e Nísia Floresta Brasileira Augusta que, apesar de não terem organizado nenhum movimento visando a emancipação da mulher no Brasil, tiveram grande e importante atuação literária, divulgando idéias de emancipação feminina [BEM98, p.1]. Nascida no Rio Grande do Norte, Nísia dedicou-se ao magistério, fundando no ano de 1838, no Rio de Janeiro, um colégio exclusivo para educação de meninas. Além de reivindicar a abolição da escravatura,

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A caminhada do Movimento Feminista Brasileiro: das sufragistas ao Ano Internacional da MulherIntrodução

Ao longo da história brasileira, inúmeras foram as mulheres que se mantiveram distantes dos padrões de comportamento considerados "normais" ou "comuns" por parte de uma elite social normativa e conservadora1. A própria miscigenação do país e as variadas normas de conduta atribuídas às diferentes etnias e camadas sociais que vieram a constituir o povo brasileiro, contribuíram para a existência de inúmeros, e por vezes contraditórios, padrões de comportamento. Não poucas foram as mulheres que lutaram contra a situação de inferioridade e discriminação "próprias ao seu sexo", buscando maior autonomia e aceitação.

  Assim, já é possível verificar no final do século passado a existência de um grupo de mulheres liderado por Josefina Alves de Azevedo e Nísia Floresta Brasileira Augusta que, apesar de não terem organizado nenhum movimento visando a emancipação da mulher no Brasil, tiveram grande e importante atuação literária, divulgando idéias de emancipação feminina [BEM98, p.1]. Nascida no Rio Grande do Norte, Nísia dedicou-se ao magistério, fundando no ano de 1838, no Rio de Janeiro, um colégio exclusivo para educação de meninas. Além de reivindicar a abolição da escravatura, defendeu o direito da mulher à educação, à profissionalização e ao exercício dos seus direitos civis e políticos. De igual forma registrou-se no Rio Grande do Sul de 1837 a luta de Ana Barandas que defendia a participação política da mulher e a igualdade entre os sexos, denunciando a opressão masculina como causa dos defeitos femininos.

  Encontramos ainda no final do século XIX uma emergente imprensa feminina dedicada às questões de emancipação da mulher brasileira, sendo que o Brasil foi o país latino-americano onde houve maior desempenho do jornalismo feminista [TEL93, p. 33]. O Jornal das Senhoras (RJ- 1852); OBelo Sexo (1862); O sexo Feminino (MG/RJ - 1873); O Domingo (RS -1870); Direito das Damas (1882); Myosotis; Echo das Damas (RJ - 1874); bem como

as revistas A Família (SP- 1888) e A Mensageira (1889) são exemplos da imprensa feminina dessa época2.

  O trabalho desses jornais e revistas era o mais variado, sendo que o jornalismo do Belo Sexo, dirigido por Sandy Aguiar, possuía um conselho editorial amplo que reunia uma vez por semana diversas mulheres, para discutir os temas a publicar [TEL93 p. 34]. Dentre todos, no entanto, o Sexo Feminino foi o que apresentou características mais avançadas. Tendo como diretora Francisca Senhorinha Motta Diniz, este semanário foi publicado primeiramente na cidade de Campanha da Princesa, Minas Gerais, sendo transferido mais tarde para a capital do país (RJ) com o objetivo de atingir um maior número de leitoras. Como estratégia,em vez de apelar aos homens, como fizeram suas antecessoras a fim de ganhar espaço e talvez convencê-los, Francisca dirigiu-se diretamente às mulheres, para que tomassem consciência de sua identidade e seus direitos. Ela defendia a idéia de que a dependência econômica determina a sujeição feminina e uma educação melhor ajudaria as mulheres a elevar seu status. [TEL93 p. 34]Assim, podemos encontrar várias representantes de um pensamento considerado atualmente como feminista em muitos momentos da história brasileira. No entanto, é na luta por direito ao voto feminino que surge no país, em fins do século passado, o primeiro movimento organizado de mulheres com finalidades e características feministas.

As sufragistas: mulheres em busca de autonomia e direitos civisComo resultado da agitação republicana de 1889, surgiu a possibilidade de uma estrutura política mais fluida e aberta e, com a extensão do voto, em teoria, a todos os homens alfabetizados, a questão do sufrágio pôde tornar-se um tópico mais vital para as feministas cultas que experimentavam um sentimento de frustração e privação política. [HAH81, p. 80]. Assim, organizaram-se no país, logo após a Proclamação da República, grupos de mulheres com o objetivo de conquistar seu direito ao voto.

  Ainda que o feminismo político da época não houvesse se limitado apenas ao sufragismo, este foi sua principal tendência e o que provocou as reações mais violentas por parte dos opositores. O voto feminino havia sido discutido na Assembléia Constituinte de 1891, sendo considerado o caminho da dissolução da família

brasileira, pois, para a maioria dos deputados dessa assembléia, era indiscutível e inapelável o papel da mulher no lar e na família e o sufrágio feminino parecia-lhes uma ousadia anti-social [LEI84, p. 63]. Abrir a possibilidade de voto às mulheres seria admitir-lhes a capacidade de pensar os rumos políticos da nação e de exercer atividades de cunho público, campo destinado apenas aos homens3.

  Sem se intimidar com as campanhas anti-sufragistas que se encontravam em todas as partes, surge no Rio de Janeiro de 1910 o Partido Republicano Feminino. Fundado pela professora Deolinda Daltro, o partido tinha como objetivo ressuscitar no Congresso Nacional o debate sobre o voto da mulher (abandonado desde a Assembléia 1891). Sete anos após sua fundação, em 1917, o Partido Republicano Feminino chegou a organizar uma passeata na capital do país à fim de reivindicar o direito ao voto feminino. Ainda que este direito não fosse conquistado naquele ano, obteve-se outra conquista no campo do trabalho e a mulher brasileira passou a ser aceita no serviço público do Brasil4.

  No ano de 1919 outro passo significativo em prol do sufrágio universal é dado com a criação da Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher que, no ano de 1922, acabou por se transformar na Federação Brasileira para o Progresso Feminino (FBPF)5. O movimento de mulheres começava a tomar força, por iniciativa de algumas intelectuais, que estudaram no exterior e ao regressarem difundiram idéias emancipacionistas [BEM98, p. 2]. Entre elas encontrava-se a bióloga Bertha Lutz que, em 1922 liderava a FBPF6.

  Juntamente com Bertha, entrava no cenário nacional outra mulher: Maria Lacerda de Moura, jornalista e conferencista que se dedicou por praticamente dezesseis anos (1919 - 1935) aos problemas da condição feminina bem como ao autoritarismo na educação e na política. Com posturas e posições que a muitos parecem ter surgido apenas após os movimentos feministas da década de 60, Maria Lacerda foi lida em uma variedade de periódicos e ouvida em lugares como Juiz de Fora, Santos, Sorocaba, Barbacena, São Paulo, Rio de janeiro, Buenos Aires e Rosário [LEI84, p. vii].

  Partilhando inicialmente da luta pelo sufrágio, Bertha e Maria Lacerda acabaram seguindo caminhos distintos na década de vinte. Enquanto Bertha seguiu à frente da Federação Brasileira para o

Progresso Feminino lutando pelo direito ao voto, Maria Lacerda de Moura afastou-se do movimento por considerar o voto  um processo inadequado de luta pelo poder, que iria beneficiar umas poucas mulheres sem trazer coisa alguma à multidão feminina, vítima de uma organização social injusta [LEI84, p. xvi].

  Seguindo na luta pelo voto feminino, no dia 15 de agosto de 1925 o Rio Jornal noticiava a fundação do Partido Liberal Feminino por Julita Monteiro Soares. O partido possuía, dentre seus objetivos, a preocupação com a mulher da classe trabalhadora. Nesse mesmo ano, o Senador Moniz Sodré elaborou e enviou ao Congresso um projeto que reconhecia às mulheres o direito ao voto [BEM98, p. 2].

  Exercendo pressão sobre os membros do Congresso Nacional e promovendo através da imprensa a divulgação de suas atividades com a finalidade de mobilizar a opinião pública do país, a FBPF conseguiu no ano de 1927, com a influência do Presidente do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine, incluir na Constituição daquele Estado um artigo que permitia à mulher o sufrágio7. A partir daí intensifica-se a mobilização das mulheres, que requerem, em todo o país, seu alistamento eleitoral, provocando acirrados debates jurídicos [ALV91, p. 48]. Paulatinamente, este direito se estendeu aos demais estados brasileiros sendo que, ao ser promulgado o decreto-lei 21.076 de 24.02.1932 que aprovava o voto secreto e o voto feminino, já eram em número de dez os estados brasileiros que faziam uso do mesmo.

Juntamente com o direito ao exercício do voto, as mulheres conquistaram o direito de serem votadas. Assim, no ano de 1934, Bertha Lutz se candidata à deputada federal no Rio de Janeiro e Carlota Pereira de Queiróz em São Paulo (sendo Carlota eleita e Bertha primeira suplente). No mesmo ano várias deputadas estaduais foram eleitas: Lili Lages, em Alagoas; Maria Luiza Bittencourth, na Bahia; Alayde Borba, em São Paulo; Quintina Diniz de Oliveira, em Sergipe; Maria Miranda Jordão, no Amazonas [BEM98, p. 2].

Avaliando o movimento das sufragistas, Branca Moreira Alves e June Hahner, enfatizam diferentes facetas deste mesmo movimento. Para Branca, as conquistas alcançada pelas mulheres naquele momento histórico não passaram de acertos entre as elites e teriam se limitado a algumas reivindicações formais de um liberalismo burguês. O voto feminino teria sido recusado enquanto

supérfluo como força política conservadora e concedido quando assim interessou à classe dominante [ALV80, p. 181]. June, no entanto, procura não diminuir o valor da luta empreendida pelas sufragistas brasileiras, valorizando as estratégias e a tenacidade do movimento que, ao contrário do que teria acontecido em outros países da América Espanhola, não teriam recebido seus direitos de mão beijada, através das mãos de líderes masculinos conservadores que as vissem como uma força de manutenção do status quo [HAH81, p. 120].

Apesar do grande passo conquistado, essencial "à obtenção de garantias com base na lei [SOI97, p. 25]. A conquista dos novos direitos de participação na esfera pública não implicaram uma reformulação no âmbito das obrigações familiares [SOI97, p. 26], a estrutura hierárquica da família continuou não sendo questionada e os direitos públicos haviam sido reclamados em nome de um melhor desempenho dos papéis de esposa e mãe [COS91, p. 51-52]. Além disso, a luta pelo voto não havia encontrado penetração junto às classes trabalhadoras nem havia se associado a grupos oposicionistas que criticavam "a farsa eleitoral" da época [COS91, p. 52].

Após a conquista do direito ao voto o movimento de mulheres brasileiro entrou numa espécie de refluxo. Formalmente as reivindicações das mulheres haviam sido atendidas: podiam votar e ser votadas, ingressar nas instituições escolares, participar do mercado de trabalho [ALA91, p. 49]. A época, tanto no Brasil como na Europa e EUA, estava sendo marcada por um forte esquema repressivo que abafava quaisquer outras formas de contestação social [ALA19, p. 50]. À partir de 1937 tem início no Brasil o Estado Novo no qual todas as formas de manifestação popular passam a ser proibidas. É somente com a redemocratização do país, em 45, que novas mobilizações de mulheres passam a ser percebidas em âmbito nacional.

As organizações femininas de cunho social: adentrando o espaço público

Ainda que grandes manifestações não tivessem surgido durante este período, após a luta das sufragistas criou-se no Brasil uma espécie de Movimento Autônomo de Mulheres com inúmeras organizações, associações, clubes, ligas e grupos baseados em programas que discutiam a participação social da mulher e os

caminhos para a sua emancipação [TOS93, p. 28]8. Temas como a igualdade entre homens e mulheres e a conquista de novos espaços no mercado de trabalho faziam parte das discussões de muitos desses grupos. Questões relativas a sexualidade feminina eram uma exceção, nas palavras de Miriam Goldenberg e Moema Toscano: As feministas da época repudiavam, com energia, as tentativas de orientar sua militância nesse sentido, preferindo o caminho das reivindicações de cunho mais estritamente político ou trabalhista [TOS93, p. 29].

  Cecília Sardenberg e Ana Alice Costa observam ainda que, paralelamente ao movimento por elas chamado de feminista burguês, representado pela Federação Brasileira para o Progresso Feminino, teria se desenvolvido no país desta época, sob a tutela das organizações de esquerda - do Partido Comunista Brasileiro, em particular - uma mobilização de mulheres das camadas populares em torno das chamadas 'lutas gerais' da sociedade [BRA94, p. 101]9. Apesar da sua conotação esquerdista, o feminismo desenvolvido dentre estes grupos não teria se distinguido do feminismo socialista mundial ao deixar de reconhecer a existência de questões específicas à mulher. Tais questões eram deixadas de lado em prol das lutas gerais, de cunho político-econômico. Os tradicionais estereótipos da mulher eram utilizados para reforçar o seu papel dentro do lar e da sociedade, acabando por reforçar a própria estrutura que o movimento combatia.

  Com o golpe de estado de Getúlio Vargas em 37, a luta da mulher fundiu-se praticamente com a de todo o povo, que resistia à ditadura e defendia a democracia [TEL93, p.64]10. Em 1945, no período pós-guerra, o país entrava num processo de redemocratização. Acompanhando este processo, desenvolveu-se a luta pela anistia e criou-se no Rio de Janeiro o Comitê das Mulheres Pró-democracia (1945), cuja proposta principal era a de fazer com que a mulher participasse efetivamente da consolidação da democracia no Brasil e se esforçasse pela conquista da igualdade de direitos em todos os ramos da atividade profissional, administrativa, cultural e política [TAB83, p. 121].

Outro tema motivador para o surgimento de movimentos de mulheres no país, foi sem dúvida a questão da carestia de vida11. Milhares de mulheres passaram a se organizar em associações e uniões femininas buscando soluções para essa questão. Com a criação da Associação das Donas de Casa Contra a Carestia,

presidida por Nini Miranda, deu-se início a uma intensa atividade junto aos órgãos públicos responsáveis pelo abastecimento de gêneros alimentícios, buscando defender os interesses das mães de família [TAB83, p. 121].

  A partir do ano de 1947, o Dia Internacional da Mulher (08 de março) e o Dia das Mães (segundo domingo de maio) passaram a ser comemorados por diversos grupos e associações de mulheres vindo a primeira data a ser escolhida para a primeira Convenção Feminina do Distrito Federal (1947).

A convenção buscou reunir pessoas e organizações cujas atividades estavam direta ou indiretamente ligadas à questões femininas, de modo a possibilitar um amplo estudo e debate de todas as questões de interesse da mulher. Estas questões foram centradas em três pontos do temário: a defesa dos direitos da mulher; a proteção à infância e a defesa da paz mundial. [TAB83, p. 122]

O ano de 1947 marca ainda a criação do Jornal Momento Feminino, editado no Rio de Janeiro por Arcelina Mochel e que veio a existir por aproximadamente dez anos. Com representantes em 16 estados, defendendo sempre os direitos da mulher, da infância e da paz mundial, este jornal conseguiu uma boa penetração na diversas camadas da sociedade brasileira, tendo sido vendido também em bairros de grande concentração popular, em favelas, em locais de trabalho onde era elevada a proporção de mulheres [TAB83, p. 125]. Em maio de 47, criou-se também a Federação das Mulheres do Brasil, tendo Alice Tibiriça, batalhadora do direito do voto e da defesa do nosso petróleo [TEL93, p. 49], como sua primeira presidente.

  Quatro anos depois (1951) realizou-se em São Paulo o 1o Congresso da Federação de Mulheres do Brasil que primou pelas mesmas questões da Convenção Feminina do Distrito Federal, acrescido pela temática da carestia de vida. Fizeram-se presente neste congresso 231 delegadas advindas de 13 estados brasileiros. No ano seguinte o Rio de Janeiro foi palco da 1a Assembléia Nacional de Mulheres e em menos de um ano Porto Alegre sediou a 2a Assembléia com 80 delegadas representando 18 estados.

  Á partir de 1953 as lutas femininas no Brasil passaram a utilizar a

Declaração de Direitos da Mulher, adotada em Copenhague, como base. Tal declaração primava pelo cumprimento das leis trabalhistas e sua extensão às trabalhadoras do campo bem como pela igualdade de direitos civis e políticos para a mulher.

  Dando continuidade às suas ações, o movimento brasileiro organizou em 1954 a Conferência Latino-Americana de Mulheres com representantes do Chile, México, Equador, Argentina, Peru, Colômbia e Bolívia, além de reunir representantes de todos os estados brasileiros e uma representante da Federação Democrática Internacional de Mulheres, a italiana Maria Madalena Rossi.

  Com a implantação, em 64, da ditadura militar no Brasil, a grande maioria dessas associações femininas brasileiras desapareceu, principalmente aquelas que possuíam um engajamento político mais consistente. Em face à situação vigente, surgiu no país uma nova forma de organização feminina direcionada à luta pela anistia.

Sob um regime autoritário: o surgimento de um feminismo organizado

Ao longo de todo o regime militar, e em oposição a ele, várias mulheres acabaram se mobilizando em passeatas, manifestações públicas e organizações clandestinas, a maioria delas na condição de mães, esposas ou irmãs de prisioneiros políticos ou de desaparecidos.12.

  Elisabeth Souza Lobo observa que na origem dessas mobilizações a identidade tradicional da mulher continuaria não sendo questionada bem como o lugar ocupado por ela na esfera política [LOB91, p. 8]. No entanto, com a série de transformações pelas quais a sociedade brasileira há de passar, a própria visão do que é político se modifica, as contradições sociais tornaram-se cada vez mais visíveis e novas formas de exercício do poder começavam a se revelar, modificando também a forma da mulher brasileira pensar sobre si.

  Quanto ao feminismo mundial, já havia nessa época uma ampla discussão em torno de algumas obras que tornaram-se o fundamento básico para o movimento. A obra O Segundo Sexo, da escritora francesa Simone de Beauvoir (escrita em 1949) começava a ser lida e conhecida. Apontando para as raízes culturais da desigualdade entre os sexos, Beauvoir denuncia a existência de

uma categoria negativa à qual as mulheres estariam atreladas. Sendo uma espécie de "outro" as mulheres estariam sujeitas ao homem por sua condição biológica, pelo trabalho, pelos interesses econômicos e pela condição social. Através de uma análise profunda de questões relativas à biologia, à psicanálise, ao materialismo histórico, aos mitos, à educação e à própria história, a obra aponta para a forma pela qual a mulher realiza o aprendizado de sua condição feminina. A frase que dá início ao seu segundo tomo: "Não se nasce mulher, torna-se mulher", acabou sendo fundamental para o movimento feminista como um todo [BEA80].

  Além da obra de Simone de Beauvoir, são lançados nos Estados Unidos os livros Política Sexual, de Kate Milet, e A condição da mulher de Juliet Mitchell. O primeiro deles analisava as relações entre os sexos através da história, denunciando o sistema patriarcal como um sistema universal que permeia todas as culturas, religiões, leis e costumes da sociedade humana. O segundo procurava formular uma teoria que permitisse compreender tanto os aspectos gerais da discriminação de sexo quanto a sua especificidade nas diferentes classes sociais, chegando à conclusão de que a liberação da mulher só será possível quando esta se fizer nos quatro níveis que caracterizam a discriminação: as esferas da produção, da reprodução da sexualidade e da educação [ALV91, p. 54].

  Os primeiros passos para a construção de uma teoria feminista estavam sendo dados. Novas frentes de luta, além das reivindicações voltadas à desigualdade no exercício de direitos civis/político/trabalhistas são travadas. Passou-se a questionar as raízes culturais dessas desigualdades, a política, o sistema jurídico, a religião, a vida intelectual e artística são vistos como construções de uma cultura sexista e masculino e feminino passam a ser vistos como criações culturais, cujo aprendizado é um processo social.

  No Brasil, uma nova literatura começava a surgir, disposta a refletir e questionar a situação tradicional da mulher na sociedade. As próprias revistas femininas começaram a modificar o conteúdo de suas matérias, que até então estavam mais voltadas para culinária, corte e costura, decoração moda e beleza [TOS93, p. 32], para assuntos que tratassem especificamente das questões da mulher. Exemplo disso é a coluna que começa a ser escrita à partir de 1962 por Carmem da Silva na revista Cláudia.

  Contratada pela revista Cláudia para escrever a coluna A arte de ser mulher, a escritora e jornalista Carmem da Silva respondia às inúmeras cartas que falavam da insatisfação das mulheres para com a sua vida sexual e afetiva, incentivando as mulheres, através de uma linguagem convincente e acessível, a enfrentarem a situação por meio do rompimento de relacionamentos fracassados e da busca por remuneração salarial. De grande abrangência pelo país, o trabalho dessa jornalista influenciou muitas mulheres no sentido de modificarem suas vidas e de se engajarem em causas feministas [TOS92, p. 33]13.

  Também no campo acadêmico dava-se início ao que mais tarde seria identificado como "pesquisas sobre a mulher", tendo como pioneiro um trabalho de investigação sobre as operárias da indústria têxtil e professoras primárias realizado no ano de 1962 pela professora Heleieth Iara Bongiovani Saffioti. O trabalho conquistou para a autora a livre docência na Universidade Estadual de São Paulo e deu origem ao livro "Mulher na Sociedade de Classes: Mito e Realidade."

Em 1964, Manoel Tosta Berlinck defende a tese de mestrado "Algumas percepções sobre a mudança do papel ocupacional da mulher na cidade de São Paulo", na Escola de Sociologia e Política. No ano seguinte Marly A. Cardone defende outra tese, agora de doutorado, na Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da USP sob o título: "A influência da gravidez no contrato de trabalho". Em 1969, a socióloga Eva Blay defende sua dissertação de mestrado: "Mulher, escola e profissão"14.

Aparentemente sem grandes efeitos sobre a sociedade brasileira, as teses eram muitas vezes um acontecimento único no seio das universidades. Maria A. Morais da Silva, ex-aluna de Heleieth Saffioti, coloca em seu depoimento o nascimento de uma obra, a reação dos/as estudantes por ocasião da defesa da tese de livre-docência de Heleieth na Faculdade de Filosofia de Araraquara no ano de 1967 que durante vários dias disputavam os lugares do anfiteatro repleto de pessoas para assistir a defesa [SIL95, p. 159].

Ao lado das teses e dissertações, começaram a ser publicadas as primeiras obras feministas escritas por brasileiras. No ano de 1966 a Editora Vozes publica: "A Mulher na Construção do Mundo Futuro", de autoria de Rose Marie Muraro e que procurava abordar

as mudanças tecnológicas do século XX, a necessidade das mulheres tomarem posse dessas transformações e as restrições impostas à elas. Três anos depois também a obra de Saffioti, "Mulher na Sociedade de Classes: Mito e Realidade", é colocada à disposição do público.

Fazendo uma análise "dialético-marxista" para demonstrar que a inferioridade social da mulher derivava de uma necessidade estrutural do sistema capitalista, Heleieth entrou no debate internacional, constituindo-se referência obrigatória para feministas e cientistas sociais brasileiras/os e anglo-saxãs/ões15. O argumento central de sua obra era o de que o capitalismo ora incorpora as mulheres no sistema de produção, ora descarta-as e as marginaliza na família como exército de reserva, segundo as suas exigências, para rebaixar os salários e dividir a classe trabalhadora [SOR95, p. 157].

Dava-se início a uma nova fase, a de uma organização de mulheres em torno de problemas específicos de sua condição, que tenta eliminar as barreiras da discriminação a que estão sujeitas [COL97, p. 40]. Além disso, um novo elemento transformador das relações estava surgindo no mercado: As pílulas anticoncepcionais. O prazer e a sexualidade da mulher encontravam a possibilidade de se desvincular da tarefa procriativa, motivando o surgimento de uma série de discussões e de uma nova prática sexual.

O tema da sexualidade feminina, que até então ainda não havia sido levantado, vem à tona. "Nosso corpo nos pertence", passa a ser a palavra de ordem entre mulheres de todo o mundo. No entanto, diante da recusa da igreja e da parcela mais conservadora da sociedade em discutir a questão, o assunto é visto como promíscuo e atentatório à moral e aos bons costumes [COL97, p. 40], permanecendo tabu para a sociedade como um todo. O mesmo acontecia dentro dos movimentos de esquerda. Nas questões de moral e comportamento, a esquerda era conservadora. As mudanças de comportamento nem sempre eram recebidas como avanço, mas como retrocesso, sintomas da decadência da burguesia [COL97, p.33]16.

Maria Arias aponta ainda para as transformações pelas quais o mundo passava no final da década de 60 e que teriam auxiliado no desenvolvimento de um movimento que ela identifica como de liberação da mulher:

De um lado, as mulheres constituíram pela primeira vez a terça parte da força de trabalho, de outro, o casamento e a vida familiar começaram a deteriorar-se e, finalmente, os movimentos pacifistas em prol dos direitos civis e o nascimento dos hippies, transtornaram as ideologias políticas e os mitos culturais, acarretando um questionamento dos costumes sexuais e do papel da mulher na sociedade. [ARI97, p. 84]

Com o advento da modernidade, o feminismo começou a encontrar um campo fértil entre as camadas médias urbanas, mais propensas às ideologias individualistas e às mudanças de comportamento [SAR88, p. 39] mas, diferentemente do que aconteceu em outras partes do mundo, o feminismo brasileiro desenvolveu-se interligando os grupos de camadas médias e os movimentos populares. Contribuía para isso sua estreita ligação com as lutas democráticas em oposição ao regime militar [SAR88, p. 41].

  Enquanto que na Europa eclodiam uma série de movimentos sociais de forte conotação cultural, questionando os valores da sociedade industrial (que acreditava ser suficiente para o bem-estar social ter suas necessidades básicas supridas), no Brasil ainda se lutava para garantir o acesso ao básico dos básicos. Água, luz e esgoto revelavam-se objetos fundamentais às reivindicações femininas.

Como resultado desse "caldo político-social", o feminismo brasileiro encontrava-se no início da década de setenta diluído e engajado em várias frentes. Nas palavras de Cynthia Sarti:

O feminismo foi se impondo dentro deste quadro geral de mobilizações diferenciadas. Procurou conviver com essa diversidade, sem negar sua particularidade. Isso envolveu muita cautela. Inicialmente, ser feminista tinha uma conotação negativa. Vivia-se sob fogo cruzado.

Para a direita, era um movimento perigoso, imoral. Para a esquerda, reformismo burguês e, para muitas mulheres e homens, independentemente de sua ideologia, ser feminista tinha uma conotação antifeminina. [SAR88, p. 41

Ao lado destes grupos de mulheres que permaneciam se organizando em torno das chamadas "questões gerais" havia no país alguns grupos, "entre quatro paredes", preocupados em

discutir questões mais específicas da condição feminina. Vivia-se sob o medo, era a época do AI5, de um endurecimento do regime autoritário em compasso de milagre econômico17. A vida política parecia ter se restringido à um mínimo vital [COS88, p. 65] havendo uma grande sensação de fracasso junto aos movimentos de esquerda. Nas palavras de Albertina Oliveira da Costa, era uma sensação de vazio, contrária à própria noção de política - campo onde há sempre o que fazer e que acabaria por influenciar a forma de agir de muitos grupos [COS88, p.65].

  No artigo intitulado "É viável o feminismo nos trópicos" a autora aborda mais de perto os dilemas enfrentados por um grupo de mulheres de São Paulo que deu início às suas reuniões em 197218. Eram professoras universitárias19 com carreira profissional definida e com um passado de militância política que se encontravam "traumatizadas pela conjuntura", buscando alguma forma de reflexão coletiva.

  Dentre o grupo recém criado iniciava-se uma reflexão sem ligação com os movimentos de cunho social mas com grandes insatisfações políticas. Tinha-se consciência de pertencer à uma elite minoritária dentre um país de grandes desigualdades sociais.

No entanto, percebia-se a inviabilidade de trazer para o âmbito público as reflexões que estavam sendo feitas. Como analisa Anette Goldenberg:

Que significado podiam assumir aqui, naquela conjuntura de terror, questões tais como considerar político o quotidiano das mulheres e tornar públicos os atos comumente considerados como pertencentes ao âmbito privado, à esfera doméstica ou enfatizar a dominação de um sexo sobre o outro, quando a politização do quotidiano era mais que transparente e pesada para todos os cidadãos, quando a própria ordem autoritária se encarregava de misturar o público e o privado, violando a intimidade dos indivíduos? [GOL82]

Ainda que houvesse todo o medo do aparato repressivo, aparentemente o governo não considerava as "questões da mulher" como ofensivas ao regime, uma vez que foram realizados durante o mesmo alguns encontros e seminários referentes ao tema. Dessa forma, no ano de 1971, Rose Marie Muraro trouxe para o Brasil a combativa feminista norte-americana Betty Friedan cuja primeira

obra, "A Mística Feminina", havia sido traduzida para o português. Em sua obra, Betty abordava a frustração e o desespero de inúmeras mulheres diante do tradicional papel de donas de casa, questionando a famosa "realização mística" que teriam as mulheres em suas vidas domésticas, de mães e esposas. Apesar das críticas ferozes20 veiculadas pela imprensa, a estadia de Betty Friedan serviu para dar visibilidade às questões específicas da mulher e do movimento feminista no Brasil.

  No ano seguinte o Conselho Nacional da Mulher Brasileira, liderado pela advogava Romy Medeiros da Fonseca21, realizou no Rio de Janeiro um seminário que foi noticiado na imprensa com fotos de primeira página22. Neste encontro acabou ficando clara a indefinição pela qual passava o movimento de mulheres do país. O seminário abordou temas desde os mais polêmicos (como o planejamento familiar), aos feministas mais radicais (como o da mulher na era tecnológica) ou aos de interesse particular da classe média (como os problemas relacionados às babás). De igual forma, o perfil dos/as conferencistas espelhava esta indefinição, com representantes dos banqueiros, da BEMFAM23 e do alto clero católico, ao lado de feministas notórias por suas posições de esquerda como Rose Marie Muraro, Heleieth Saffioti e Carmem da Silva [TOS93, p. 31]. Estava-se à busca de um novo ideário.

  Enquanto o Conselho passaria a se dedicar à questões jurídicas, feministas como Carmem da Silva, Heloneida Studart e Rose Marie Muraro afirmavam a necessidade da sexualidade feminina ser colocada na linha de frente das discussões dos diferentes grupos do país. A questão homem-mulher e a reformulação dos padrões sexuais vigentes entravam em pauta, sem contudo obter a aceitação de todos os grupos que se empenhavam pelas causas feministas. Temia-se que a sociedade fosse levada a pensar que a reivindicação essencial das mulheres era a de ter o mesmo direito à promiscuidade sexual que sempre fora conferida aos homens [TOS93, p. 30]. Ainda assim, a jornalista Heloneida Studart lança no ano de 1974 o livro "Mulher, Objeto de Cama e Mesa" onde a questão é abordada24.

  Paralelamente às atividades feministas no campo político-social, novos passos estavam sendo dados no âmbito das universidades. Em 1973 é ministrado o Curso Monográfico Família e Relações entre Sexos na graduação de Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia. Ministrado pela professora Zaihidé Machado, este

foi um dos primeiros cursos cuja temática principal seria a mulher. No ano seguinte, um curso semelhante foi ministrado no mestrado em Ciências Sociais, o que representou um estímulo para a produção das primeiras teses sobre mulher no nordeste [COS94, p. 389, n. r. 4]25.

  Com as eleições parlamentares de 1974, onde ocorreu uma expressiva vitória do partido de oposição (MDB), dava-se início a um período de mudanças, ainda que parciais e limitadas. As conseqüências do milagre econômico agravavam-se, a perda do poder de compra da maior parte da população, a concentração de renda e a inflação apagavam a euforia dos anos anteriores e contribuíam para o crescimento de insatisfação diante das desigualdades [SAR88, p.41]. Era o início da abertura política no país. Em meio a esse processo, abre-se espaço para a reivindicação de políticas públicas e para o aprofundamento de reflexões feministas.

  Neste mesmo ano a Fundação Carlos Chagas deu início a um produtivo diálogo interdisciplinar em torno do assunto com a criação de um seminário de estudos sobre a mulher. Reunindo pesquisadoras da casa e especialistas convidadas, os seminários realizados na Fundação serviram para a criação de uma série de artigos de cunho acadêmico, editados em sua maioria nos "Cadernos de Pesquisa", que também já vinham tratando do assunto desde a edição de 1971 [COS92, p. 91].

  No plano internacional, centenas de cadeiras sobre a questão da mulher estavam sendo criadas, especialmente em território anglo saxão, o movimento feminista encontrava-se bem articulado, com amplas manifestações, influenciando a própria ONU que acabou decretando um Ano Internacional da Mulher. Na Europa e nos Estados Unidos a medida foi recebida com certa desconfiança e cautela, o que não aconteceu no Brasil onde as mulheres receberam o decreto como excelente instrumento legal para fazer algo público, fora dos pequenos círculos das ações clandestinas [TEL93, p. 85].

O Avanço do Feminismo no país: O Ano Internacional da Mulher

Com o apoio da Organização das Nações Unidas e o Ano internacional da Mulher como respaldo, 1975 tornou-se de fato o

marco histórico para o avanço das idéias feministas no Brasil [TEL93, p. 84]. Possuindo um instrumento legal para fazer algo público, fora dos pequenos círculos das ações clandestinas [TEL93, p. 85], as diversas organizações de mulheres passaram a buscar espaço para se manifestar.

  Abrindo as comemorações referentes a esta data, realizou-se no México o Congresso Internacional da Mulher, contando com apenas uma representante brasileira (enviada pela Fundação Carlos Chagas). Neste mesmo período, reuniu-se no Rio de Janeiro, à fim de buscar uma forma para marcar a data também no Brasil, um pequeno grupo de feministas, algumas delas com experiência de militância no movimento de outros países. Apoiado pelo Centro de Informações da ONU e pela Associação Brasileira de Imprensa este grupo organizou a Semana de Pesquisa sobre o Papel e o Comportamento da Mulher Brasileira. O evento constituiu-se no primeiro debate público sobre o feminismo no país [BAR92, p. 108].

  Contando com cerca de cinqüenta mulheres dispostas a discutir por uma semana os principais problemas enfrentados pela mulher brasileira, o encontro teve como um dos resultados a elaboração de um documento contendo uma análise sucinta da condição feminina no Brasil bem como as questões consideradas prioritárias daquele momento em diante. Dando ênfase às mudanças na legislação do trabalho, no Código Civil (concernentes à família) e à implantação de creches para as mães trabalhadoras, o documento não fez referência às questões reprodutivas nem se utilizou da expressão "feminista", apesar do grande contingente de mulheres identificadas com o assunto.

  Duas tendências haviam ficado claras entre os diversos grupos representados na Semana de Pesquisa, uma dedicada às questões jurídicas e trabalhistas e outra que enfatizava a questão da sexualidade, do aborto, da contracepção e a crítica à assimetria sexual na sociedade e na organização da família [BAR92, p. 108]. No entanto, por questões estratégicas, optou-se em deixar de lado na elaboração do documento final tudo o que se relacionasse com a sexualidade feminina e a reprodução humana. A situação exigia a criação de uma grande "frente única" contra a ditadura e para isso era preciso se aliar aos movimentos de esquerda e à Igreja Católica (grande opositora do regime). Além disso, questões de ordem sexual não eram consideradas políticas pelos movimentos de esquerda.

  O encontro marcou ainda o surgimento de uma grande mobilização feminina em prol da criação de um órgão que viabilizasse uma atuação mais permanente e articulada, com objetivos bem definidos e formas de ação coletiva, capaz de conduzir a resultados concretos [TOS93, p. 35]. Criou-se assim, em setembro de 1975, a primeira organização feminista do país: o Centro da Mulher Brasileira. Com sede no Rio de Janeiro o centro foi dirigido de forma colegiada, à fim de impedir um possível centralismo ou formas autoritárias do exercício do poder.

Fizeram parte desse primeiro colegiado: Moema Toscano, Branca Moreira Alves, Maria do Espírito santo Tavares dos Santos (Santinha), Maria Luiza Heilborn, Maria Luiza d'Aboim Inglês, Maria Emília Carvalho da Fonseca, Vera Maura Fernandes de Lima, Sandra Maria Azeredo Boshi e Berenice Fialho Moreira. [TOS93, P.35]

Com a finalidade de se dedicar à reflexão, à pesquisa e à análise da condição da mulher no Brasil, o Centro acabou se expandindo para outras partes do país. Vários congressos, encontros, seminários e publicações foram realizados, promovendo o intercâmbio entre as mulheres de diversas regiões e a expansão das questões feministas.

  Acompanhando esta nova fase do Movimento de Mulheres no país, uma nova imprensa feminista ressurgiu. A nove de outubro de 1975, foi editado em Londrina (PR) o número zero do jornal Brasil-Mulher, que à partir do exemplar de n. 2 passou a ser editado em São Paulo, por uma equipe de sete mulheres, entre elas Joana Lopes. Em junho de 76 também sairia em São Paulo o número um de Nós-Mulheres tendo Marisa Correa como jornalista responsável e uma equipe de quase trinta colaboradoras.

  Ainda que ambos os jornais estivessem empenhados "em prol da emancipação feminina e daqueles que se encontram mutilados por qualquer forma de discriminação"26, a utilização de termos como "feminismo" de início não foi utilizada, surgindo apenas na edição de n. 2 do Brasil-Mulher . Havia na época um grande receio para com a identificação de feminista devido a apropriação e má utilização do termo pela imprensa masculina. Até mesmo intelectuais de vanguarda tinham dificuldades em se assumir como feministas [TOS93, p. 88]. No Jornal Mulherio (que veio a substituir

na década de oitenta os dois periódicos lançados nesta época) de março e abril de 1982, a renomada feminista Heleieth Saffioti fala sobre o assunto:

Na verdade, eu sempre relutei em me dizer feminista no Brasil. No passado, esse termo tinha uma carga ideológica muito grande e ainda apresenta uma carga razoável. Eu gosto de dizer: eu sou feminista mas o meu feminismo é este (...) porque eu tenho muito medo que tomem o meu feminismo através dessa adulteração que se fez do termo que interessa muito à ditadura, de entender que esta é uma luta das mulheres contra os homens. [MUL82, n. 6]

Uma das preocupações da recém criada imprensa feminina era a defesa da Anistia a todos/as os/as presos/as e perseguidos/as políticos. Em especial o jornal Brasil-Mulher se dedicou ao assunto, se reafirmando entre os grupos contrários ao regime. Exemplares do jornal chegaram a ser enviados a vários estados brasileiros27, organizando em torno deles grupos de mulheres com a finalidade de lê-lo, distribuí-lo e enviar notícias para a próxima edição [TEL93, p. 89]. Preocupações como a socialização do trabalho doméstico através da criação de equipamentos sociais (creches, lavanderias, refeitórios públicos, etc.) e a discriminação racial também eram veiculadas pelo Nós-Mulheres, sem contudo, encontrar respaldo entre os grupos de esquerda que continuavam mantendo como prioridade as questões relacionadas à fome e à falta de liberdade.

  No segundo semestre daquele ano também foi criado o Movimento Feminino pela Anistia tendo como proposta mobilizar a opinião pública contra as arbitrariedades do governo militar que prendia, torturava, assassinava, cassava mandatos e efetuava aposentadorias compulsórias livremente. Therezinha Zerbini assumiu a frente do movimento, composto em grande parte por mulheres particularmente envolvidas com o assunto (mães, esposas, irmãs, amigas de pessoas atingidas pela repressão).

  Tendo o movimento em prol da Anistia iniciado em 1968 com um grupo de mães cujos filhos e filhas haviam sido presos no Congresso de estudantes de Ibiúna, comissões de familiares de presos/as e desaparecidos/as políticos foram sendo criadas, recebendo a adesão de mulheres de todo o país. Por ocasião do Ano Internacional da Mulher criou-se um abaixo-assinado acompanhado do Manifesto da Mulher Brasileira, em favor da Anistia. "Esse manifesto correu por todo o Brasil, de norte a sul,

com adesões de estudantes, advogados e outros profissionais liberais, mães de família e trabalhadoras" [TEL93, p. 82] culminando no Movimento Feminino pela Anistia28.

  Na área acadêmica o ano de 1975 marca a entrada, nas palavras de Albertina da Costa, numa espécie de "fogo cruzado". Era preciso provar às agências feministas e à comunidade acadêmica que as pesquisas realizadas sobre a mulher eram científicas e não apenas de caráter militante. De igual forma precisava-se provar às feministas que o interesse estava na causa e não numa possível carreira pessoal. As pesquisadoras eram vistas como feministas para a comunidade acadêmica e acadêmicas para as feministas [COS85, P. 6].

  Arriscando a sobrevivência entre este fogo cruzado, os Cadernos de Pesquisa deste ano editaram um número especial dedicado à questão da mulher (n. 15). Buscando uma abordagem multidisciplinar para o assunto, os artigos analisam comportamentos, valores, concepções, influências culturais, dentro de um contexto intelectual extremamente afeiçoado a explicações infra-estruturais [COS92, p. 92]. As indagações que norteavam as pesquisas deste caderno especial referem-se ao papel e à situação da mulher na sociedade; aos estereótipos, diferenças e papéis sexuais. Fazem parte desse número ainda uma crítica aos estudos das Ciências Sociais por sua omissão em relação às mulheres e pela produção de explicações para uma "subalteridade feminina" [COS92, p. 92].

  Juntamente com a criação deste Caderno de Pesquisa especial, a Fundação Carlos Chagas, que desde 74 já vinha incluindo em sua programação estudos sobre a mulher, elaborou em setembro de 75 um programa de pesquisas sobre o trabalho e a educação da mulher. Este programa era composto de um projeto de concurso de pesquisas aberto às pessoas de todo o país [COS85, p. 12]. De igual forma pensava-se em uma gama de projetos a serem realizados: uma bibliografia anotada, um centro de documentação, um curso de pesquisa, uma pesquisa sobre viesses sexuais na avaliação de redações escolares e uma pesquisa sobre mulher e ciência [COS85, p.12].

  Além da Fundação Carlos Chagas, também a Sociedade Brasileira para o Progresso da ciência deu ênfase à questão organizando duas mesas-redondas sobre o tema na sua reunião em Belo

Horizonte. Ambas as mesas eram constituídas por professoras universitárias mas com conteúdos e abordagens distintas. A reunião da manhã era de feministas que também eram especialistas, a da tarde de especialistas que também eram feministas [COS88, p. 67], exemplificando aspectos de um conflito que viria a se tornara cada vez mais visível entre feministas e militantes que possuíam uma concepção diferenciada de espaços, o da ciência e o da política [COS88, p. 67].

  Apesar das diferenças existentes entre os diversos campos de pesquisa e entra as próprias feministas, a presença crescente dos estudos da mulher nas reuniões da SBPC contribuiu em muito para a expansão dos mesmos a nível institucional. De igual forma tiveram um papel político muito importante diante da falta de espaços alternativos para a elaboração de pensamentos de oposição na década de 70.

Ainda no ano de 1975 as mulheres começaram a inovar e arriscar também no campo cultural. Para discutir as questões de relacionamento entre homens e mulheres, bem como criar um espaço para discutir a sexualidade feminina, Cidinha Campos, Rose Marie Muraro e Heloneida Studart montaram a peça "Homem não entra". Com um enredo que abordava problemas da vida cotidiana das mulheres, a platéia era convidada a se manifestar abertamente sobre seus relacionamentos. A peça foi representada durante anos, por todo o Brasil, com enorme sucesso, causando grande polêmica por proibir a entrada de homens [TOS93, p. 33]. À partir desse espetáculo tornou-se comum o uso de peças de teatro e filmes que estivessem centrados em causas feministas para fomentar discussões, abrindo-se, após a exibição dos mesmos, para o debate público.

Como nem tudo é conquista, a Lei Falcão censurou durante aquele ano dois dos livros de Rose Marie Muraro por considerá-los pornográficos:"A Mulher na Construção do Mundo Futuro" e "A liberação sexual da Mulher".

No final de 1975 estava criada uma rede estendida por sobre todo o território nacional, transformando a questão da mulher em temas de debates e de discórdias político-partidárias, eleitorais e públicas [TEL93, p.89]. Os anos que se seguiram foram de intensa atividade para as feministas que se organizaram por o país procurando dar o máximo de visibilidade às suas lutas contra a

discriminação, a violência, e a exploração sofrida pela mulher brasileira [TOS93, p. 39].

O final da década de setenta: possibilidade de expansão e conquistas

O ano de 1976 foi marcado pela primeira comemoração do Dia Internacional da Mulher desde a implantação da ditadura militar no país. O jornal Brasil- Mulher juntamente com o Movimento Feminino pela Anistia promoveu o dia 08 de março no auditório do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Estavam presentes cerca de 300 pessoas convidadas (em sua maioria homens) para marcar a data, sendo que a ênfase dada no encontro recaiu mais uma vez sobre a questão da Anistia. Falou-se ainda pela primeira vez em público sobre a questão da homossexualidade feminina, causando grande mal-estar entre os/as presentes.

  No ano seguinte nova comemoração foi realizada, desta vez no auditório da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Contando com o dobro de participantes do ano anterior, mais de 600 pessoas, discutiu-se em conjunto questões relacionadas com o custo de vida, a necessidade das creches para a mulher trabalhadora, a discriminação e a exploração das domésticas, a precariedade de muitas moradias, etc. Em reação ao encontro, o Jornal da Tarde dedicou uma página inteira ao evento sob o título "Nossas irrequietas feministas e todos os seus pedidos. Um deles: um lugar para namorar"29, numa tentativa de desmoralizar o movimento, que já começava a demonstrar sua força [TEL93, p. 99].

  Em 28 de abril de 1977, ainda como desdobramento do Ano Internacional da Mulher, foi proposta a instalação no Congresso Nacional de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para examinar a situação da mulher em todos os tipos de atividade [TOS93, p. 37.]. Apesar das limitações práticas em transformar efetivamente a situação das mulheres, a CPI criou uma oportunidade única até então para tornar visíveis a toda a sociedade a que níveis havia chegado a discriminação contra a mulher, em todas as instâncias de sua vida, e como tal estado de coisas impedia o acesso à sua plenitude como cidadã e mulher [TOS93, p. 37].

  Representantes de diversas camadas da sociedade e feministas de diversas organizações foram convidadas a depor na CPI, havendo

no entanto, restrições à mulher trabalhadora. Dentre as questões que vieram à tona para o conhecimento público estavam a esterilização indiscriminada de mulheres com verbas estrangeiras; o pagamento de apenas um quinto do salário pago aos homens na área rural; o não cumprimento da legislação referente a criação de berçários em empresas com mais de trinta mulheres; o impedimento do acesso das mulheres a determinados setores de trabalho; a demissão sumária de mulheres grávidas; e outros.

  No mesmo ano entrou em vigor a lei aprovando o divórcio e o governo implantou no um Programa de Prevenção à Gravidez de Alto Risco incluindo nele todas as mulheres com mais de trinta anos que já tivessem três filhos e fossem cardíacas ou desnutridas (70% das mulheres em idade fértil no país). Feministas e profissionais da saúde identificaram a medida como uma farsa para aplicar medidas de controle da natalidade, gerando entre as mesmas grandes protestos.

  Após dois anos de busca por financiamentos, a Fundação Carlos Chagas fecha em setembro um acordo com a Fundação Ford para realizar seu primeiro concurso nacional de dotação para pesquisas sobre a mulher. De igual forma, na reunião da SBPC deu-se novamente enfoque às questões femininas através de um simpósio sobre as Implicações das Pesquisas sobre Problemas da Mulher no Brasil, um curso sobre Mulher e Trabalho e duas comunicações.

  Entre altos e baixos o ano de 1977 viu ainda, a Academia Brasileira de Letras abrir suas portas, pela primeira vez em toda a sua história, para o ingresso de uma mulher entre os imortais, a escritora Raquel de Queiroz. Em contrapartida, Joana Lopes, editora do Brasil-Mulher, deixa a equipe por divergências internas.

  Com as eleições parlamentares de 1978 no Rio e em São Paulo, as feministas apresentaram aos candidatos documentos contendo suas reivindicações [SAR88, p. 43]. Dava-se início a um processo de abertura política no país. Novos tipos de espaço para a discussão política foram abertos e a mulher brasileira podia dedicar-se às questões que diziam respeito à sua condição específica. Começam a surgir novos grupos de mulheres de feição menos híbrida e mais caracteristicamente feminista [COS85, p. 7]. As mudanças puderam ser sentidas dentro do próprio Centro da Mulher Brasileira com o qual um grupo de feministas acabou rompendo o vínculo, lançando um manifesto reivindicando espaço

para os temas-tabu, dentre eles as questões da sexualidade e do aborto [BAR92, p. 110].

A pesquisa acadêmica entrou numa fase de consolidação e expansão. Não se fazia mais necessária a argumentação em prol da legitimidade da área, passando-se a novas questões e exigências tais como maior rigor científico e uma elaboração teórica mais sólida [COS85, p. 7]. Cria-se no Rio de janeiro o seminário sobre A Mulher na Força de Trabalho na América Latina, que daria origem ao Grupo de Trabalho Mulher na Força de Trabalho da ANPOCS. Neste seminário buscou-se entre as pesquisadoras um maior engajamento político para com as causas feminista, reivindicava-se que os estudos não fossem um fim em si, mas um meio de denúncia da desigualdade entre os sexos [COS85, p. 13].

Este foi também o ano do I Congresso da Mulher Metalúrgica no sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo do qual participaram cerca de 300 mulheres. O Congresso causou represálias por parte dos donos de metalúrgicas que acabaram por demitir várias operárias participantes do encontro. Bandeiras como igualdade salarial, acesso a cargos de chefia e a cursos profissionalizantes, redução de jornadas duplas de trabalho, criação de creches e refeitórios públicos, direito à amamentação e a criação de departamentos femininos nos sindicatos foram assuntos de pauta e reivindicações do encontro.

As greves eclodiram pelo país. As mulheres entraram em greve na fábrica de carburadores da Brosol, na indústria eletrometalúrgica Rowet de Santo André e na Philco de São Paulo (onde a maioria, dentre os 7 mil funcionários, era composta por mulheres). Também no setor químico, que contava com cerca de 11 mil trabalhadoras, realizou-se um Congresso em abril de 1978 dando-se a maior ênfase nas péssimas condições de trabalho.

O ano de 1979 inicia com a realização do Congresso Nacional pela Anistia no qual uma comissão de mulheres sugeriu a unificação deste movimento com os movimentos que se dedicavam às questões específicas da mulher. Como resultado decidiu-se fazer um levantamento de todas as mulheres e crianças atingidas pela repressão, organizar uma campanha de assistência às presas políticas, denunciar a violência policial e os problemas das crianças sem registro de nacionalidade por causa do regime.

Em 28 de agosto, após longos anos de luta e engajamento, a Lei da Anistia foi aprovada. Com a sua promulgação chegam as brasileiras exiladas políticas trazendo na bagagem o contato com movimentos feministas de outros países. Para muitas dessas mulheres o exílio havia significado a perda de identidade e uma busca por cidadania. Rosiska Darci de Oliveira coloca em seu depoimento sobre esta época a importância dos grupos feministas com os quais se engajara no exterior para o reencontro com sua cidadania perdida: Eu, que não tinha mais raízes, estava perdida, encontrei no Movimento Feminista, imediatamente um país de mulheres [TOS93, p. 57].

As ex-exiladas, com suas questões referentes à cidadania, contribuíram para uma expansão nas agendas das lutas por democracia. Também as questões referentes à sexualidade feminina tinham forte representação entre estas mulheres que haviam aprendido no exterior a lutar pela integridade do seu corpo: Nosso corpo nos Pertence foi uma afirmação anunciada por todas nos diferentes contextos, das passeatas à intimidade dos grupos de reflexão [AVI93, p. 384].

Outra marca deste ano foi a luta contra a impunidade aos assassinatos de mulheres em nome da honra. Com a absolvição de Doca Street, assassino de Ângela Diniz, as feministas se organizaram e saíram às ruas de Cabo Frio em protesto, exercendo grande pressão sobre a opinião publica e causando uma reviravolta no processo. "Quem ama não mata" virou slogan do movimento no final da década.

Neste mesmo ano criou-se no Rio de Janeiro, por iniciativa de organizações feministas, a Comissão Violência contra a Mulher. Através das manifestações de indignação das feministas criaram-se instituições de atendimento às vítimas de violência, pois se pensava então que o assassinato era o último ato de uma escala de violência conjugal que começava com o espancamento [GRO94, p. 474]. Surgiram os SOS-Mulher, grupos feministas que visavam o atendimento de mulheres vítimas de violência30, dando-lhes atendimento social, psicológico e jurídico. Pela primeira vez dava-se visibilidade às questões relacionadas com a violência doméstica.

A maioria dos grupos criados à partir da Segunda metade da década de 70 entraram nos anos 80 se debatendo em torno de questões como: continuar se dedicando às lutas gerais ou às

específicas? Identificar-se como um movimento feminista? Quem é o inimigo em potencial? O que fazer com a sexualidade feminina?

Apesar de conflitantes, estas questões foram essenciais para que se chegasse ao final da década com uma infinidade de grupos de mulheres espalhados por todo o país,num amplo leque de posições feministas, cujos rótulos eram por vezes reais por vezes pejorativos: havia as separatistas, as intelectuais, as pequeno-burguesas, preocupadas com sexo, as proletárias preocupadas com o casamento da luta geral com a específica, as defensoras do movimento autônomo, as 'estrangeiras' ex-exiladas influenciadas pelo movimento feminista europeu, etc. Esse universo constituindo o Movimento de Mulheres no Brasil. [SCH93, p. 348]

ConclusãoMarcado constantemente pelas questões político-sociais inerentes ao país, o feminismo brasileiro participou de inúmeras lutas no campo dos direitos civis e da justiça social. Inicialmente dedicou-se à conquista do voto feminino (1888-1932) seguindo por uma gama de lutas sociais (anistia, luz, escolas, etc.,) para se ramificar numa série de movimentos em defesa da mulher e de seus direitos.

  Questões como sexualidade feminina, o papel tradicional da mulher na família e na sociedade, divisão sexual do trabalho, violência doméstica, saúde, direitos reprodutivos, e outros, passaram a ser abordados dentro e fora do movimento. Entidades como o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e as Delegacias de Defesa da Mulher acabaram sendo criados na década de 80 como resultado do empenho e do trabalho dos inúmeros grupos de mulheres no Brasil, além das conquistas obtidas no campo do trabalho e da própria Constituição Brasileira.

  Paralelamente a todas estas lutas e conquistas, feminismo brasileiro acabou por fomentar uma forte pesquisa no campo das Ciências Humanas (ciências sociais, psicologia, letras, comunicação, demografia, história, etc.) que tem culminado na criação de Núcleos de Estudos sobre a Mulher e/ou Gênero em inúmeras universidades (USP, UNICAMP, UFSC, UFRJ, IUPERJ, UFF, UFAL, UFBA). A metodologia utilizada (a interdisciplinaridade) permitiu criar uma relação entre diferentes linhas de pesquisa, revelando conexões e sentidos velados que modificam a nossa compreensão dos mecanismos e dos significados do poder na vida social e política [ARD96, p. 74]31.

  Fazendo uso de um referencial teórico que visa a busca de novos conhecimentos que não reproduzam inversamente as categorias do sistema de dominação vigente, mas que rompam com a dominação [COL97, p. 15], as investigações feministas acabaram modificando também a visão tradicional de humanidade e das relações entre os sexos, particularmente sobre concepções ditas neutras, que na verdade sempre se referiram a homens brancos e privilegiados.

Foi a pesquisa feminista que evidenciou as relações existentes entre a tendência a mostrar preconceitos contra um grupo ou favorecer outro, tanto por contra do Gênero, como da raça ou da classe. O que a pesquisa feminista trouxe é nada mais nada menos que uma revolução em termos de objetividade e de abordagem da realidade. As lentes da diferença tornaram a nossa cultura mais complexa e mais diversa, e a nossa linguagem mais precisa. [ARD96, p. 74]

Atualmente, com o avanço e o amadurecimento no campo da pesquisa científica, bem como com a inadequação das teorias existentes em explicar as desigualdades entre homens e mulheres, chegou-se a uma nova categoria de análise, o conceito de Gênero, que busca desconsiderar a oposição masculino/feminino tal como se apresenta hoje e tentar vencer estas concentrações nas relações de Gênero, não partindo de estereótipos dados historicamente [COL97, p. 15].

  O presente trabalho acabou abordando apenas uma pequena parte da história do Movimento Feminista Brasileiro, sendo que é à partir da década de oitenta que o mesmo aparece com mais "nitidez" e organização, realizando congressos feministas, pressionando o Congresso na elaboração e reformulação de leis, dedicando-se à questões de saúde e proteção ambiental, etc. No entanto, é através da observação das origens e das primeiras manifestações do movimento no país, que conseguimos compreender muitas das suas atitudes e resoluções: A aparente "invisibilidade" de um feminismo no Brasil durante a década de 60 e setenta (quando o mesmo se tornava conhecido em muitas partes do mundo); A não existência de um feminismo brasileiro radical, centrado na erradicação das relações das mulheres com os homens (ao exemplo de alguns grupos norte-americanos); a diluição/associação do feminismo dentro dos diversos grupos existentes; etc.

  Através da reconstituição histórica dos primeiros anos de uma organização de mulheres de cunho feminista no país e da seleção e organização da sua literatura, o presente trabalho procurou contribuir para a pesquisa histórica brasileira, podendo ser utilizado como base para futuro projetos dentro da área.

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Ilze Zirbel: historiadora e teóloga feminista catarinense que trabalha com pesquisa de gênero. E-mail: [email protected]

Notas

1 Freqüentemente eram as mulheres das camadas mais populares, que não possuíam os meios econômicos ou as características étnicas consideradas necessárias para tal.2 Para ver um pouco mais detalhadamente cada um destes jornais ver: TEL93, p.33-36.3 Sobre este período, ver: TEL84, p.31-46.4 Sem contudo ter o acesso a todas as áreas. O campo que lhe estava restrito era o das atribuições consideradas extensão do mundo doméstico: parteira, enfermeira, professora, hoteleira, etc.5 Primeira entidade de mulheres no país [BRA94, p.99]. Ver detalhes sobre ela em: [PRO84, p. 43-44]6 Sobre os movimentos associativos femininos fundados no início do século, ver [LEI84, p.38-39]7 Apenas um ano depois já havia sido eleita uma mulher, Alzira Soriano, para a prefeitura do município de Lages (RN), resolução esta rechaçada pelo Senado Federal. [BRA94, p.99]8 Alguns exemplos dessas organizações são a União Feminina de Mulheres Universitárias, criada em 1929; a Cruzada feminista Brasileira, de 1931; a Obra da Fraternidade da Mulher Brasileira, de 1934 e a Unidade Feminina do Brasil, de 1935.9 Exemplos desses grupos de esquerda seriam, dentre outros: a União Feminina (1934), o Comitê de Mulheres pela Anistia (1945), o Comitê das Mulheres pela Democracia, o Instituto Feminino do Serviço Construtivo (1946) e a Federação de Mulheres do Brasil (1949). A União Feminina, que nasceu como parte integrante da

Aliança nacional Libertadora (movimento comunista organizado com a finalidade de derrubar o Governo Vargas), teve como membro a célebre Olga Benário, esposa de Carlos Prestes.10 Processo este que se estendeu por todo o período da Segunda Guerra Mundial.11 Para esta parte do trabalho o capítulo intitulado A experiência das associações femininas no Brasil (p.121-127) do livro de Fanny Tabak [TAB83], está sendo utilizado como base.12 As guerrilheiras talvez constituam a exceção. A grande maioria delas encontrava-se engajada por questões políticas e não familiares. Ver: A resistência da mulher à ditadura militar no Brasil. [COL97]13 A coluna existiu por quase vinte anos, extinguindo-se em 1985 devido o falecimento da jornalista. No livro intitulado O melhor de Carmem da Silva [SIL94], Laura T. Cirita fez uma coletânea dos artigos publicados por Carmem. No livro As Mulheres em Movimento [PRO84] pode ser encontrado ainda um depoimento de Carmem sobre este período e sobre a imprensa feminina da época.14 Dados retirados de [SAF87,p.121-122].15 Para avaliar o alcance dessa obra e seus efeitos, no contexto dos debates sobre a mulher das décadas de 60 e 70 ver: Dois olhares sobre Heleieth Saffioti.[SOR95]16 Apesar das diferenças entre a igreja, os movimentos de esquerda e o movimento feminista, ouve uma política de alianças entre os mesmos, uma vez que estavam todos navegando contra a corrente do regime autoritário [SAR88, p.40].17 Algumas dessas mulheres haviam convivido de forma muito próxima com a repressão e com a morte de pessoas conhecidas, o que fica claro no depoimento que segue: Acho que em 72, 73, não tinha mais nada, tinham matado todo mundo. Acabou... sobrou alguma coisa? Nada mesmo. Não gosto nem de lembrar, sinto um horror. [COS88, p. 65]18 Algumas delas haviam tido contato com o movimento de cunho feminista fora do país, o que também havia acontecido com Rose Marie Muraro e Bertha Lutz.19 Dentre elas estavam Betty Mindlin (economista que veio a se tornar antropóloga), Célia Sampaio (socióloga), Maria Malta Campos (educadora), Walnice Nogueira Galvão (crítica literária), Maria Odila Silva Dias (historiadora) e Martha Suplicy (que veio a participar do grupo num segundo momento).20 Betty havia estado entre as feministas norte-americanas que escandalizaram o mundo com a queima de sutiãs em praça pública como sinal da libertação da mulher.

21 Que já havia participado da luta por um novo estatuto da Mulher Casada que culminou com a aprovação da lei no 4.121/62 na qual foram eliminadas as incríveis discriminações que limitavam os direitos da mulher casada, considerada relativamente incapaz. [TOS97,p.30]22 Por causa desse seminário, Romy foi chamada oito vezes pelo DOPS. Conforme seu depoimento em: [PRO84, p.72]. Ver ainda no referido artigo mais informações sobre O Conselho Nacional da Mulher Brasileira.23 Sociedade Civil Bem Estar familiar no Brasil que atua na área da saúde sexual e reprodutiva desde 1965. Cf. anexo.24 Tendo se esgotado rapidamente, o livro foi reeditado várias vezes, tornando-se um best seller da literatura feminista no Brasil, atingindo mulheres de todo o país.25 No plano internacional centenas de cursos de "Estudos da Mulher" (Women's Studies) estavam sendo criados, principalmente no contexto anglo-saxão.26 Citação retirada do Brasil-Mulher n.1, dez de 1975.27 Como a Bahia, a Paraíba, o Maranhão, além de São Paulo e Rio de Janeiro).28 Na Conferencia do Ano Internacional da Mulher no México, foi aprovada a moção em prol da Anistia, que havia sido encaminhada por Terezinha Zerbini, dando repercussão mundial ao fato.29 Ironicamente o artigo foi assinado por uma mulher, a repórter Sheila Lobato. Jornal da tarde, 09/03/1977.30 Implantados mais tarde também em São Paulo e Porto Alegre.31 Como por exemplo, as relações existentes entre poder político tradicional e a violência doméstica ou entre a produção econômica e reprodução biológica