A Capacidade de Dizer Não_ Lina Bo Bardi e a Fabrica Da Pompéia
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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
LIANA PAULA PEREZ DE OLIVEIRA
A CAPACIDADE DE DIZER NO:
LINA BO BARDI E A FBRICA DA POMPIA
So Paulo
2007
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LIANA PAULA PEREZ DE OLIVEIRA
A CAPACIDADE DE DIZER NO:
LINA BO BARDI E A FBRICA DA POMPIA
Dissertao apresentada Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Arquitetura e Urbanismo
Orientador: Prof. Dr. Abilio da Silva Guerra Neto
So Paulo
2007
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O48c Oliveira, Liana Paula Perez de A capacidade de dizer no - Lina Bo Bardi e a fbrica da Pompia / Liana Paula Perez de Oliveira 2007. 200 p.: il. ; 30 cm Dissertao (Mestrado em arquitetura e urbanismo) - Ps- Ps-Graduao da Universidade Presbiteriana Mackenzie, So Paulo, 2007. Referncias bibliogrficas : p. 118-123.
1. Arquitetura. 2. Memria. 3. Coletividade. I. Ttulo.
CDD 720.92
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Aos meus pais e irmos, pela dedicao e apoio.
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5
AGRADECIMENTO
Agradeo aos que de alguma forma estiveram presentes e contriburam para
a realizao desta dissertao, ciente de que seria impossvel mencionar ou me
recordar aqui de todos que participaram desta obra: aos meus pais pelo apoio e
confiana, aos meus irmos sempre dispostos a ajudar, aos meus amigos por se
fazerem presentes em momentos especiais.
Ao meu orientador Ablio Guerra e todos os pesquisadores que se envolveram
com o trabalho de alguma forma: Cristina Ortega, Ana Paula de Oliveira Lepori, Ana
Carolina Bierrenbach, Anat Falbel, Zeuler Lima, Olvia de Oliveira, Eduardo Rossetti,
Renato Anelli.
Ao Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, pela oportunidade de estudo e crescimento
oferecida, em especial Graziella Bo Valentinetti, Daniela Paula Rodrigues de
Arajo, Luiz e Rafael Carvalho, Yannick Bourguignon, Sandra Moraes, Tatiana
Russo e Margot Crescenti.
queles que se dispuseram a ceder um pouco de seu tempo , memria e
conhecimento em entrevistas, to preciosas para o trabalho: Andr Vainer, Marcelo
Ferraz, Cilene Canoas, Hans Gnter Flieg, Tadeu jungle, Rubens Gerchman, Julio
Neves.
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Se o problema fundamentalmente poltico econmico,
a tarefa do atuante no campo do desenho , apesar de
tudo, fundamental. aquilo que Brecht chamava a
capacidade de dizer no (Lina Bo Bardi)
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SUMRIO RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE FIGURAS
INTRODUO............1
CAPTULO 1 UM EDIFCIO ABANDONADO ESPERA DE UM
ARQUITETO.......................................................................................3
1.1. Uma breve histria da Fbrica da Pompia..........................................................3
1.2. Lina Bo Bardi na Bahia .......................................................................................11
Captulo 2 A ARQUITETURA COMO MATERIALIZAO DE UM IDERIO......24
2.1. Interveno no existente: 1 fase do projeto.......................................................31
2.1.1. Os galpes e suas atividades..........................................................................36
2.1.2. Mobilirio..........................................................................................................51
2.1.3. Comunicao visual.........................................................................................63
2.1.4. Restaurao concluda.....................................................................................68
2.2. Construo do novo: 2 fase do projeto..............................................................70
CAPTULO 3 A EXPOSIO COMO MANIFESTAO DE UM IDERIO..........83
3.1. Conceito de exposio artstica em Lina Bo Bardi..............................................84
3.2. Design no Brasil: histria e realidade..................................................................91
3.3. Mil Brinquedos para a Criana Brasileira............................................................96
3.4. O belo e o direito ao feio...............................................................................100
3.5. Pinocchio...........................................................................................................103
3.6. Caipiras, Capiaus: Pau-a-Pique........................................................................106
3.7. Entreato Para Crianas.....................................................................................110
CONCLUSO..........................................................................................................115
BIBLIOGRAFIA........................................................................................................118
ANEXOS..................................................................................................................124
Anexo 1: Entrevista com Rubens Gerchman...........................................................125
Anexo 2: Entrevista com Julio Neves.......................................................................136
Anexo 3: Entrevista com Cilene Canoas..................................................................138
Anexo 4: Entrevista com Andr Vainer....................................................................156
Anexo 5: Entrevista com Hans Gutter Flieg.............................................................169
Anexo 6: Entrevista com Marcelo Ferraz.................................................................174
Anexo 7: Entrevista com Tadeu Jungle....................................................................189
Anexo 8: Desenhos Sesc Pompia..........................................................................195
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8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Vista da Fbrica da Pompia antes da Reforma.........................................2
Figura 2 - Vista area geral da Fbrica da Pompia antes da Reforma.....................3
Figura 3 - A Fbrica de tambores da Pompia............................................................4
Figura 4 - A Fbrica de tambores da Pompia............................................................5
Figura 5 - A Fbrica da IBESA- Industria Nacional de Embalagens S. A. que instala
o espao a fabrica de carcaas de geladeiras querosene Gelomatic.......................5
Figura 6 - Planta de situao projeto arquiteto Julio Neves para o Sesc Pompia. Na
seqncia, da esquerda para a direita; piscinas, quadras poliesportivas, bloco de
atividades gerais, rua interna sem sada (crrego das guas pretas),
administrao...............................................................................7
Figura 7 - Guirardelli Square, vista da rua Hyde, pier So Francisco..........................8
Figura 8 - Atividades no Sesc Pompia antes do restauro..........................................8
Figura 9 - Atividades no Sesc Pompia antes do restauro.................................... .....9
Figura 10 - Recuperao do edifcio do Solar do Unho,Salvador.............................9
Figura 11 - Milo, maio, 1945. Bahia del Re, Lina Bo Bardi em bairro popular
construdo durante o fascismo, poucos dias aps o fim da
guerra.........................................................................................................................10
Figura 12 - Estudo de Lina para mobilirio Solar do Unho. Dec. 50/60..................12
Figura 13 - Monte Santo, Bahia. Filmagem de Deus e o Diabo na Terra do Sol de
Glauber Rocha. Da esquerda para direita: Paulo Gil Soares, o cmera Waldemar
Lima, Glauber Rocha e Lina Bo Bardi. 29/jul./1963...................................................16
Figura 14 - Exposio Mario Cravo, realizada no MAMB..........................................18
Figura 15 - Lina no Solar do Unho, aps a restaurao. 1963................................19
Figura 16 - Solar do Unho, aps a restaurao. 1963.............................................20
Figura 17 - Convite para a Inaugurao do Solar do Unho.....................................22
Figura 18 - Croqui de Lina Bo Bardi para a escada do Unho. 1963........................22
Figura 19 - Pea encenada no Unho. 1963.............................................................23
Figura 20 - Pea encenada no Unho.1963..............................................................23
Figura 21 - Maquete..................................................................................................24
Figura 22 - Vista do possvel futuro do Sesc Pompia..............................................25
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9
Figura 23 - Quarto de arquiteto.................................................................................26
Figura 24 - Lina, Andr Vainer e Marcelo Ferraz no Sesc Pompia...........................28
Figura 25 - Lanchonete para o bloco esportivo.........................................................29
Figura 26 - Sesc Pompia em obras.........................................................................34
Figura 27 - Retirada do reboco das paredes originais do Galpo de Atividades
gerais. Abril/80...........................................................................................................34
Figura 28 - Detalhe da tubulao aparente do Sesc.................................................35
Figura 29 - Detalhe das trelias do galpo de atividades gerais...............................35
Figura 30 - Retirada do reboco das paredes originais do Galpo de Atividades
gerais. Abril/80............................................................................................................36
Figura 31 - Atividade na rua interna..........................................................................37
Figura 32 - Inicio das obras na rua interna................................................................38
Figura 33 - Calha de concreto e alvenaria revestida com seixos rolados................ 39
Figura 34 - Primeiros estudos para a restaurao da fbrica...................................40
Figura 35 - Concretagem do contrapiso do leito do rio. Dezembro/1979...............42
Figura 36 - Rio com a forrao de seixo rolado e piso do galpo com revestimento
de pedra mineira. Janeiro/1980..................................................................................42
Figura 37 - Montagem das formas da sala de leitura e biblioteca.............................43
Figura 38 - Salas de leitura e piso prontos................................................................43
Figura 39 - Foyer teatro.............................................................................................44
Figura 40 - Foyer teatro.............................................................................................45
Figura 41 - Teatro-auditrio.......................................................................................46
Figura 42 - Apresentao do Fbrica do Som no teatro do Sesc Pompia............46
Figura 43 - Estudo para disposio dos atelis.........................................................47
Figura 44 - Vista geral dos atelis.............................................................................48
Figura 45 - Vista restaurante do Pompia obras...................................................... 49
Figura 46 - Vista geral restaurante do Pompia........................................................50
Figura 47 - Cadeira Masp 7 de abril..........................................................................52
Figura 48 - Cadeira Z madeira compensada.............................................................53
Figura 49 - Cadeira madeira compensada e chita.....................................................54
Figura 50 - Cadeira trip em madeira assento removvel em couro..........................55
Figura 51 - Cadeira preguiosa.................................................................................55
Figura 52 - Cadeira Bowl publicidade.....................................................................56
Figura 53 - Cadeira auditrio teatro Castro Alves.....................................................58
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Figura 54 - Mobilirio desenvolvido para o galpo de atividades gerais...................59
Figura 55 - Mobilirio desenvolvido para o galpo de atividades gerais...................59
Figura 56 - Estudo de roupas para o teatro............................................................60
Figura 57 - Mobilirio desenvolvido para crianas....................................................61
Figura 58 - Concretagem mobilirio restaurante.......................................................62
Figura 59 - Mobilirio desenvolvido para restaurante................................................62
Figura 60 - Homenagem a Torres Garcia..................................................................64
Figura 61 - Totem na entrada do Sesc Pompia.......................................................65
Figura 62 - Desenho indicao comunicao visual.................................................65
Figura 63 - Desenho mascara teatro.........................................................................66
Figura 64 - Desenho elementos comunicao visual................................................66
Figura 65 - Desenho logotipo....................................................................................67
Figura 66 - Desenho logotipo entrada Sesc Pompia...............................................67
Figura 67 - Atividades no Sesc Pompia...................................................................68
Figura 68 - Desenho almoo no Pompia.................................................................69
Figura 69 - Vista externa Sesc Pompia...................................................................70
Figura 70 - Obras de restaurao na fbrica adquirida elo REDE, Providence........71
Figura 71 - Primeiros estudos para o Sesc Pompia................................................72
Figura 72 - Primeiros estudos para o Sesc Pompia................................................72
Figura 73 - Estudo para bloco esportivo Sesc Pompia............................................72
Figura 74 - Estudo para a pintura do banheiro feminino bloco esportivo..................74
Figura 75 - Bloco esportivo Sesc Pompia................................................................75
Figura 76 - Flor de mandacaru..................................................................................75
Figura 77 - Quadra esportiva outono......................................................................76
Figura 78 - Estudos para quadra esportiva...............................................................77
Figura 79 - Piscina bloco esportivo............................................................................78
Figura 80 - Janela buraco..........................................................................................78
Figura 81 - Deque Atlantic City. Venturi/ Scott Brown...............................................80
Figura 82 - Chuveiro ao ar livre solarium...................................................................80
Figura 83 - Chamin-Caixa dgua do Pompia........................................................82
Figura 84 - Torres da cidade satlite (1957-1958) de Barragn................................82
Figura 85 - Chamin-Caixa dgua do Pompia em obras........................................82
Figura 86 - Masp 7 de abril: primeiro andar do museu..............................................85
Figura 87 - Franco Albini. Galeria Palazzo Bianco in Genova 1950 51..............87
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Figura 88 - Pinacoteca Masp.....................................................................................88
Figura 89 - Exposio Burle Marx MAMB..................................................................90
Figura 90 - Exposio de artistas do Nordeste no Solar do Unho..........................90
Figura 91 - Geral da primeira parte da exposio de design.....................................94
Figura 92 - Geral da segunda parte da exposio de design....................................94
Figura 93 - Exposio Design no Brasil: histria e realidade....................................95
Figura 94 - Exposio Design no Brasil: histria e realidade....................................95
Figura 95 - Vista geral da exposio Mil brinquedos para a criana brasileira.........98
Figura 95 - Playmobil................................................................................................98
Figura 96 Bonecos.................................................................................................99
Figura 97 - Brinquedos exposio............................................................................99
Figura 98 - Vista Geral da exposio......................................................................101
Figura 99 Mveis..................................................................................................101
Figura 100 - Cama e roupas....................................................................................102
Figura 101 - Painis Exposio...............................................................................102
Figura 102 - Vista geral exposio Pinocchio..........................................................104
Figura 103 - A baleia ..............................................................................................105
Figura 104 - Menino na boca da baleia...................................................................105
Figura 105 - Vista geral exposio..........................................................................108
Figura 106 - Cobra..................................................................................................108
Figura 107 - Estudo para o Cartaz .........................................................................109
Figura 108 - Contra-kafka .......................................................................................109
Figura 109 - Forno de barro e casa de Pau-a-pique. 1984.....................................112
Figura 110 - O capito com a mulher, Dna Tereza. 1984........................................112
Figura 111 - Capela.1984........................................................................................113
Figura 112 - Sanfoneiras na festa de abertura........................................................113
Figura 113 - Galinhas, Vacas e Porcos na Exposio. 1984..................................114
Figura 114 - Desenho de chapu utilizado no Cartaz da exposio. 1984.............114
Figura 115 - Lina Bo Bardi obras Sesc................................................................ 115
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INTRODUO
No projeto do Sesc Pompia, encontramos um momento de maturidade na
obra da arquiteta Lina Bo Bardi. Nela possvel vislumbrarmos sua trajetria de vida
e, em especial, seu entendimento do Brasil, fruto de intensa pesquisa dos valores
genunos da populao.
Lina afirma, em escrito encontrado em seus arquivos, A arquitetura o
espelho da personalidade de quem a escolhe, a habita ou de quem a projeta. A
dissertao procura evidenciar esse mundo da arquiteta: os iderios, as suas
verdades que a leva para certas tomadas de posio singulares; a leva a
constituio de um mundo com o povo e para o povo, real mas tambm potico.
A arquitetura vivida por ela em seu sentido lato: intervenes urbanas,
exposies, design, trajes, cenografias de teatro. A pesquisa investiga essas
questes atravs de todo o processo desenvolvido na Fbrica de Lazer da Pompia.
No antigo bairro fabril da Pompia, uma rua de paraleleppedos nos convida a
visitar os diversos galpes de tijolos e concreto aparente: mundos distintos onde
interatuamos com a pequena experincia socialista1 de Lina Bo Bardi: direita, o
Galpo de Atividades Gerais, onde pessoas de diversos tipos, cores, tamanhos,
idades lem jornais e revistas, encontram-se apenas sentados, conversam,
descansam. Percorremos adiante uma rea mltiplas funes onde serpenteia o Rio
So Francisco em sua legtima funo de unir diversos tipos em torno de si. Logo
em seguida encontramos o galpo teatro-arena e seu foyer, tambm utilizado como
espao expositivo, e, mais alm, o galpo de oficinas. Ao fundo trs imponentes
torres de concreto dividem a paisagem com os novos prdios que surgiram na
regio. A comprida torre cilndrica, chamin-forte-caixa dgua marco da cidadela.
Um outro prdio robusto que abre janelas-buraco para a cidade cinzenta, causando
estranheza ou alegria aos transeuntes, abraa um bloco mais alongado e estreito,
atravs de passarelas de concreto que atravessam um solarium de madeira, local de
lazer e estar, onde pessoas tomam sol ou assistem a algum show eventual.
1 BARDI, Lina Bo. Sesc Pompia. Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi.
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As experincias da arquiteta modificaram a maneira de lidar com o lazer, com
a cultura, com o espao. Numa tarde de quarta feira em meados de 2006, o rudo de
uma modinha antiga me levou para o galpo-restaurante-choperia situado
esquerda do conjunto horizontal. Senhoras elegantes, aprumadas em vestidos
rodados bailavam, namoravam. Outros senhores levavam mocinhas pequenas
encantadas com a festa. Jovens observavam entusiasmados e arriscavam alguns
passos, estrangeiros procuravam entender o que ocorreria naquela antiga fbrica
adaptada ao lazer. Era o dia do baile da terceira idade na cidadela, projetada para
todas as idades, para o estar, deitar, falar, brincar, danar. Uma estrutura to dura,
mas to cheia de textura e cor onde acontecia mgica: numa cidade entulhada e
ofendida pode, de repente, surgir uma lasca de luz, um sopro de vento 2, diz o texto
de introduo Sesc.
Figura 01 - Vista da Fbrica da Pompia antes da Reforma Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ crdito
2 LATORRACA, Giancarlo (ed.) Texto de introduo Sesc. Cidadela da Liberdade. So Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, Sesc- Servio Social do Comrcio,1999.
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CAPITULO 1 UM EDIFCIO ABANDONADO ESPERA DE UM
ARQUITETO
1.1. Uma breve histria da Fbrica da Pompia
Figura 02 - Vista area geral da Fbrica da Pompia antes da Reforma
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Foto Peter Sheier
O terreno que abriga hoje o Sesc Pompia fazia parte da chcara do Bananal.
Em 1911 foi vendida Companhia Urbano Predial, que inicia o loteamento urbano
na rea. Existem registros de que em 1915 Daniel Heydenreich ganha posse da
terras numa hipoteca, e, em 1922 a vende para Adolf Heydenreich. Em 1936 a firma
alem Mauser & Cia Ltda adquire uma primeira parte do terreno, complementando-
o em 1938, ano de construo da fbrica destinada fabricao de tambores3. Sua
tipologia foi fundamentada num projeto ingls do incio do sculo, o que se manifesta
em sua estrutura simples e rigorosa, com detalhes tipicamente ingleses, como a
3 C. f. BARBARA, Fernanda. Espaos culturais na obra de Lina Bo Bardi: uma anlise do Sesc Pompia. Iniciao cientfica FAPESP. So Paulo, 1993, p 7-8.
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utilizao de tijolos aparentes e rebocados, estrutura de ferro e concreto, simetria de
planos, sheds para iluminao zenital.
A utilizao de projetos ingleses no comeo da industrializao brasileira foi muito comum. A fbrica de Tambores dos irmos Mauser, transformada no Sesc-Pompia em So Paulo, as Indstrias Reunidas Matarazzo juntamente com outras fbricas deste perodo, distribudas pelos bairros do Brs e Mooca e pelo interior de So Paulo, como o engenho Central em Piracicaba, exemplificam esta tipologia de edio fabril. No Rio de Janeiro a Fbrica de Tecidos Botafogo caracteriza as fbricas deste perodo 4.
Figura 03 - A Fbrica de tambores da Pompia
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Foto H.G. Flieg
4 CASTRO, Cleusa de. Permanncias, transformaes e simultaneidades em Arquitetura. Dissertao de mestrado. Porto Alegre, FAU-PROPAR-UFRGS,2002.
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Figura 04 - A Fbrica de tambores da Pompia
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Foto H.G.Flieg
Devido a motivos polticos referentes Segunda Guerra Mundial, o terreno foi
embargado e leiloado no ano de 1945, quando a Ibesa Indstria Nacional de
Embalagens S.A. coordenada pela Confab Cia. Nacional de Forjagem de Ao
Brasileiro5 o adquire, instalando posteriormente em seu espao a fbrica de
geladeiras querosene Gelomatic. A Ibesa funcionava como uma linha de
montagem na Pompia. L eram fabricadas as carcaas da geladeira. Mais tarde, a
fbrica foi desativada, vendendo-o no ano de 1971 para o Sesc.
Figura 05 - A Fbrica da IBESA- Industria Nacional de Embalagens S. A. que instala o espao a fabrica de carcaas de
geladeiras querosene Gelomatic Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Crdito H. G. Flieg
5 A Confab comeou a funcionar em 1942, com a fundao da IBESA Indstria Brasileira de Embalagens S.A., para a produo de tambores de ao. Pouco depois, passou a produzir botijes para GLP, tanques para postos de gasolina, alm de outros produtos como refrigeradores. Disponvel em www.enfoque.com.br. Acesso: jul./2007.
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O Sesc Servio Social do Comrcio elabora, de 1969 a 1974 um novo
plano de trabalho, o qual englobava a construo de uma ampla rede de centros
sociais maiores e mais modernos nas principais cidades do Estado e nos quatro
pontos cardeais da cidade de So Paulo 6. Sob a administrao de Papa Junior, o
Sesc procurava um terreno para a criao de um centro cultural e esportivo na zona
oeste da cidade, o que o leva a adquirir o terreno da Pompia. Inicialmente, a idia
era a de aproveitar somente o terreno para a construo do novo centro cultural
esportivo urbano. Um primeiro projeto foi elaborado pelo arquiteto Julio Neves.
Aps a elaborao de diversos estudos, a adequao do programa foi proporcionada atravs de sua distribuio em dois novos blocos, sendo um horizontal e outro vertical. A partir da definio adotada pela entidade, nosso escritrio elaborou os desenhos que foram submetidos aprovao da Municipalidade o que ocorreu em 05/12/1975, com a expedio do competente alvar de obra. A seguir, o projeto arquitetnico foi devidamente compatibilizado com os demais projetos complementares, contratados diretamente pelo Sesc e destinados execuo da obra. Nossos trabalhos foram concludos e entregues em janeiro de 1977.7
Segundo o arquiteto Julio Neves seu projeto no foi realizado por razes
econmico-financeiras.
No incio de 1977, com o projeto executivo em mos e de posse de oramento mais detalhado da obra e, ainda, em funo da conjuntura econmico-financeira de ento, a direo do Sesc optou por suspender a programao de incio da obra e reformular seus objetivos fixados anteriormente para o empreendimento. A arquiteta Lina Bo Bardi foi encarregada da elaborao de um projeto que mantivesse as edificaes existentes, aproveitando-as, reformando-as e complementando-as com o que mais fosse necessrio.8
6 REQUIXA, Renato. Introduo pasta portflio Sesc Pompia. Arquivo ILBPMB. S/data. 7 Entrevista realizada com o Arquiteto Julio Neves. So Paulo, 18.01.07. Anexo.
8 Ibidem.
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Figura 06 - Planta de situao projeto arquiteto Julio Neves para o Sesc Pompia. Na seqncia, da esquerda para a
direita; piscinas, quadras poliesportivas, bloco de atividades gerais, rua interna sem sada (crrego das guas pretas), administrao
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi
A preocupao e deciso em preservar a estrutura da antiga fbrica e
consequentemente a histria da formao do bairro ocorreu por parte da equipe do
Sesc. Segundo o arquiteto Marcelo Ferraz, Renato Requixa (diretor regional do
Sesc) e Glucia Amaral (diretora do Sesc) realizaram uma viagem a So Francisco,
quando conheceram o Ghirardelli Square9, bloco residencial transformado em centro
para o comrcio e o lazer. Os diretores vislumbraram a idia de transformar os
galpes industriais recm adquiridos na Pompia, agregando valor ao
empreendimento.
9 Disponvel em: http://www.ghirardellisq.com/ghirardellisq/ . Acesso: jul./2007
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Figura 07 Guirardelli Square, vista da rua Hyde, pier So Francisco
Fonte: www.chirowerkz. S/ Crdito
A antiga fbrica foi utilizada pelo Sesc precariamente entre os anos de 1973 e
1976. L funcionava uma sede de um grupo de escoteiros e atividades como artes
marciais, ginstica, jogos esportivos e teatro infantil.
Figura 08 - Atividades no Sesc Pompia antes do restauro Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
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Figura 09 - Atividades no Sesc Pompia antes do restauro Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
A direo do Sesc optou por convidar a arquiteta Lina Bo Bardi para realizar o
projeto de restauro na fbrica da Pompia. A arquiteta j havia realizado um projeto
de restauro no Solar do Unho, em Salvador, importante conjunto arquitetnico do
sculo XVI, um complexo agro-industrial dos engenhos de acar utilizado como
fbrica de rap e trapiche, onde trabalhou com intervenes significativas
evidenciando suas transformaes ao longo da histria, adaptando-o para ocupao
do Museu e Arte Popular e Escola de Desenho Industrial.
Figura 10 - Recuperao do edifcio do Solar do Unho,Salvador
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Foto W.Ninck
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A equipe de planejamento do Sesc forneceu a Lina uma lista das
necessidades objetivas do projeto para a realizao do espao. Essa lista se
equivale ao programa recebido pelo arquiteto Julio Neves, que compreendia reas
de escritrio e servios gerais no setor administrativo e o setor cultural e desportivo
provido de biblioteca, rea para exposies/estar, lanchonete/cozinha, teatro,
ambulatrio, rea para fisioterapia, quadras de esporte e ginstica, piscina,
vestirios e sanitrios.
[O programa desenvolvido por Lina] um programa muito parecido num certo sentido mas com outro enfoque. Ele concentrava tudo em um prdio, tinham umas piscinas ao ar livre, um pouco dentro dos moldes do que estava sendo feito o naquela poca que era o centro de Santos e logo em seguida o projeto do centro campestre. Logo antes da Pompia tinha sido feito um centro grande em Santos e tambm estava sendo feito pelo [Alberto Rubens] Botti acho o centro campestre [Interlagos,1976] que so em outros moldes. Piscinas grandes, reas externas grandes e construes novas para abrigar sobretudo as funes de lazer e de apoio ao esporte. Acho que na Pompia, como a rea dos galpes validamente equivalente rea de esportes, o caminho, o uso, para a utilizao da fbrica a parte antiga como centro cultural foi muito exacerbado. Passou a ter uma importncia muito maior do que nos outros Sescs. 10
* * *
Lina Bo Bardi participou de ambiente propcio para o desenvolvimento de uma
postura voltada para o social em sua formao, marcante na Itlia ps-segunda
guerra mundial. Vinculado a esse contexto encontramos: a arquitetura e design
desenvolvidos por Gi Ponti que prope uma modernizao do artesanato italiano
atravs dos valores culturais do povo, sendo que Lina colabora nesta direo
participando das revistas Domus, Lo Stille e Bellezza e tambm com trabalhos
espordicos; os pensamentos do poltico italiano Antonio Gramsci (1891-1937),
voltados para o Nacional-Popular e sempre presentes nos estudos da arquiteta; e o
cinema neo-realista, que revolucionou a arte cinematogrfica com sua abordagem
humanista, o uso de temas cotidianos, o retrato das runas morais e fsicas de um
pas devastado pela guerra, tendo como maiores representantes Vittorio de Sicca
(1902-1974) e Roberto Rossellini (1906-1977). Em meio a essa atmosfera, a
arquiteta buscou recursos criativos de sobrevivncia, as bases para o
desenvolvimento industrial do povo italiano no segundo ps-guerra porm se depara
10 Entrevista realizada com o Arquiteto Andr Vainer. So Paulo: jul. 2007. Anexo.
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com a nova sociedade de consumo do mundo ocidental. Ao invs de solues
voltadas para os valores do povo, encontrou os enlatados americanos e toda uma
cultura voltada para o consumo.11 Em 1946 casa-se com o marchand e crtico de
arte, Pietro Maria Bardi, embarcando para o Brasil
Figura 11 Milo, maio, 1945. Bahia del Re, Lina Bo Bardi em bairro popular construdo durante o fascismo, poucos
dias aps o fim da guerra Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
1.2. Lina Bo Bardi na Bahia
Chegando ao Brasil em 1946, a arquiteta se depara com a possibilidade de
envolvimento com os valores de um povo numa sociedade livre das runas, da
histria, do domnio do mundo ocidental de consumo. Um pas aberto, repleto de
possibilidades. E foi na Bahia, nas dcadas de 50/60, que ocorreu o grande divisor
de guas de sua vida. A arquiteta se aprofundou na realidade brasileira atravs de
seus aspectos sociais e antropolgicos. Sua arquitetura desde ento passou a
contemplar a capacidade criadora popular e peculiaridades que encontrou na regio.
11 FERRAZ, Marcelo. Texto extrado de palestra. Chile, Viena, s/ data.
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De uma parte, aprendendo a reconhecer e a ler a nossa especificidade cultural. De outra, realizando intervenes onde ntido o peso conferido ao seu carter ou alcance social, no sentido poltico e no cientfico do vocbulo. Lina soube olhar a rede, por exemplo, a um s tempo leito e poltrona, cuja aderncia perfeita forma do corpo, o movimento ondulante, fazem dela um dos mais perfeitos instrumentos de repouso. Soube ver uma colcha-de-retalhos numa feira nordestina pelo prisma de quem fora educada em Albers/Mondrian, mas sem extra-la de seu contexto.12
Figura 12 - Estudo de Lina para mobilirio Solar do Unho. Dec 50/60 Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Desenho Lina Bo Bardi
Lina se aproxima a vertente do incio do modernismo brasileiro, onde surge o
conceito de integrao entre a vanguarda europia e a tradio cultural brasileira,
sustentada nas obras de Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Raul Bopp. O
iderio de Lina acerca do desenvolvimento da cultura brasileira adequa-se sobretudo
viso adotada por Mrio de Andrade, onde existe uma procura da autenticidade da
civilizao brasileira, conectada em relao Europa, mas diferenciada. Existe uma
tentativa de erudio das artes brasileiras, estruturadas a partir de um fator cultural.
Mario de Andrade desenvolveu extensa pesquisa acerca dos costumes populares
brasileiros. Em sua dissertao de mestrado, Ablio Guerra ponderou a respeito do
livro Ensaio sobre a Msica Brasileira, de Mrio de Andrade,
12 RISRIO, Antonio. Avant-Garde na Bahia. So Paulo, Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1995, p.113.
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A msica erudita qualitativamente melhor do que a msica popular, mas nesta que se reflete as caractersticas musicais da raa. O trabalho de composio deveria, portanto, se constituir de dois momentos: o primeiro seria coligir os ritmos, as melodias e as instrumentaes populares; no segundo, se daria a elaborao erudita a partir do material coletado. O valor de uma obra no est em sua originalidade, mas na sua autenticidade e o msico deve sacrificar sua individualidade e se engajar na arte interessada.13
A condio primitiva aparece como essencial para o surgimento de uma
civilizao autntica. presente tambm em Mario de Andrade o estabelecimento
de uma conscincia nacional para o desenvolvimento dessa cultura, uma tendncia
realista, conectada ao desenvolvimento histrico da sociedade.
O momento poltico pelo qual o Brasil atravessava propiciou a liberdade necessria
para o desenvolvimento artstico e cultural: foi entre os governos de Getlio Vargas e
Joo Goulart que a Bahia passou por esse momento de redemocratizao.
Sob JK, tivemos a combinao de duas realidades to raras quanto fundamentais, em termos brasileiros. De uma parte; o pas experimentou um ritmo indito de crescimento, da expanso urbana abertura e asfaltamento de estradas, passando pela implantao da indstria automobilstica e pelas obras de Braslia. De outra parte vivemos anos de grande liberdade as discusses corriam sem entraves, idias circulavam em sua inteireza inexistiam presos polticos no pas, os comunistas se movimentavam tranquilamente. Nesse clima de liberdade e desenvolvimento, o Brasil se convenceu de que era dono do seu nariz. De que tinha o futuro em suas mos. E todo projeto corria o srio risco de poder trocar a luz do sonho pela luz do sol.14
Sob a administrao do reitor Edgard Santos e a Universidade Federal da
Bahia, com efetiva participao de um governo democrtico e classe estudantil,
houve uma significante ao cultural focada no desenvolvimento cultural e artstico
baianos. Com a incurso de intelectuais de diversas reas de atuao como
Agostinho da Silva que cria o CEAO Centro de Estudos Afro-Orientais, Hans
Joachim Koellreuter e os seminrios livres de msica, Martim Gonalves e a escola
de teatro, Yanka Rudzka e a escola de dana, o etngrafo Pierre Verger, e, por fim,
Lina Bo Bardi, que dirige o MAMB Museu de Arte Moderna da Bahia. O ambiente
cultural baiano viveu esse momento de vanguarda, atuando com experimentos
13 GUERRA, Ablio. O homem primitivo: origem e conformao o universo intelectual brasileiro (sculos XIX e XX). Dissertao de mestrado. Campinas, Faculdade de Historia da Universidade de Campinas UNICAMP, p.158.
14 RISRIO, Antonio. Avant Garde na Bahia. So Paulo, Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1995, p.17.
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inditos no campo da arte e cultura. Deste, podemos testemunhar importantes frutos
como o Cinema Novo e a Tropiclia.
Mestres como Lina Bo Bardi, Agostinho da Silva e Hans Joachim Koellreutter foram, portanto, formadores de mentalidades e de sensibilidades, faris da liberdade de pesquisa e da aventura criadora, em suma: encarnaes de uma pedagogia da inquietude [...]. E o fato que o iderio dessa gente de Lina e de Agostinho, sobretudo permanece ainda hoje vivo em meio vida esttico intelectual da Bahia.15
Parte dessa nova elite cultural que participou do avant-garde era de origem
estrangeira: a Bahia se abriu para considervel fluxo internacional de informaes
esttico-intelectuais e se preparou para intervir sob os signos da modernidade. O
grupo de intelectuais acreditava existir ali a possibilidade de sada do estgio de
colonialismo cultural, com o rompimento dos laos de dependncia aos pases
industrializados.
Em abril de 1958, convidada por Edgard Santos a proferir duas palestras na
Universidade Federal da Bahia, Lina enfatizou a necessidade de humanizao da
arquitetura contempornea. Ao 1 de Agosto retornou com o intuito de compartilhar
dessa ao cultural em Salvador, convidada a dar as aulas na cadeira de Teoria e
Filosofia da Arquitetura junto com o professor Digenes Rebouas. Na ocasio, o
ento governador Juracy Magalhes a convidou a dirigir o MAMB Museu de Arte
Moderna da Bahia, cargo que exerceu at o ano de 1964. Restaurou o Solar do
Unho, instalando ali o Museu de Arte Popular e a Escola de Desenho Industrial da
Bahia, participou do movimento teatral que despontava, projetando o cenrio para as
peas Calgula (Albert Camus) e pera dos trs tostes (B. Brecht e K. Weill)
organizada por Martim Gonalves, diretor da Escola de Teatro da Universidade da
Bahia, e tambm assumiu a direo da Pgina Dominical do Dirio de Notcias da
Bahia, onde trabalhou com a importncia de se considerar as bases populares
tradicionais para a constituio de uma sociedade autntica do ponto de vista
artstico e cultural. Desenvolveu temas como a conscincia do patrimnio
cultural/material e a formao de conceitos como cultura, civilizao, arte.
15 RISRIO, op. cit., p.26.
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Essa preocupao da arquiteta em documentar a cultura brasileira,
conciliando-a com a modernidade vem desde os anos 1950, quando era recm-
chegada ao Brasil, o que observamos ao inaugurar junto com Pietro Maria Bardi a
revista Habitat (1950).
A histria das artes no Brasil continua ainda em grande parte indita: por enquanto no passa de uma crnica contempornea que progride com surpreendente celeridade. Assim que o passado to rico em temas para a reevocao e a efervescente atividade do presente no encontraram ainda uma documentao e uma informao adequadas realidade e sua importncia, embora dia a dia aumente o desejo de se conhecer o que se faz no pas e fora dele em matria de arte [...] Habitat significa ambiente, dignidade, convenincia, moralidade de vida, e portanto espiritualidade e cultura: por isso que escolhemos para ttulo dessa nossa revista uma palavra intimamente ligada arquitetura, a qual damos um valor e uma interpretao no apenas artstica, mas uma funo artisticamente social.16
Em sua dissertao17, Ablio Guerra desenvolve a questo de que um fato
cultural nunca a expresso natural de uma toda coletividade, mas um
entendimento de mundo formado a partir da unificao de antigas tradies com
uma dada realidade histrica. Como no existem sociedades homogneas sem
alguma diferenciao de grupo ou indivduo, no existe uma cultura harmnica e
universal. A representao do mundo traduz uma luta poltico-ideolgica e sempre
ser repleta de contradies. Atravs desse raciocnio insiro a ao de Lina no
Brasil. A partir do seu entendimento de mundo Lina contemplou um imaginrio sobre
um caminho futuro para a cultura considerada erudita ou culta com base em tomada
de conscincia histrico-cultural do pas. O desenvolvimento das novas tcnicas de
reproduo trouxe um exame do conceito da arte, que substitui o seu carter cultual,
de origem, por um carter calcado na realidade.
A expresso que Lina utiliza para sintetizar o que seria a Fbrica de Lazer da
Pompia, desenvolvida por Ferreira Gullar,
A cultura popular , em suma, a tomada de conscincia da realidade brasileira. Cultura popular compreender que o problema do analfabetismo, como o da deficincia de vagas nas universidades, no est desligado da condio de misria do campons, nem da dominao imperialista sobre a economia do pas. Cultura popular
16 BARDI, Lina Bo. Prefcio. Revista Habitat n. 1. So Paulo, Habitat Editora Ltda., out./dez., 1950. 17 GUERRA, Ablio. O homem primitivo: origem e conformao o universo intelectual brasileiro (sculos XIX e XX). Dissertao de Mestrado. Campinas, Faculdade de Historia da Universidade de Campinas UNICAMP.
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compreender que as dificuldades por que passa a industria do livro, como a estreiteza do campo aberto s atividades intelectuais, so frutos da deficincia do ensino e da cultura, mantidos como privilgios de uma reduzida faixa da populao. Cultura popular compreender que no se pode realizar cinema no Brasil, com o contedo que o momento histrico exige, sem travar uma luta poltica contra os grupos que dominam o mercado brasileiro. compreender, em suma, que todos esses problemas s encontraro soluo se realizarem-se profundas transformaes na estrutura scio econmica e consequentemente no sistema de poder. Cultura popular , portanto, antes de mais nada, conscincia revolucionria.18
A arquiteta procurou trabalhar a conscincia histrica e cultural do pas. Sua
observao pessoal da cultura popular brasileira e desenvolvimento ao longo dos
anos acabou por instituir suas prprias convices que foram determinantes para o
projeto da Fbrica de Lazer da Pompia
Retomando o Museu de Arte Moderna da Bahia, ele surge com propostas
educativas, tornando-se parte do projeto de modernidade social e cultural de
Salvador.
Figura 13 - Monte Santo, Bahia. Filmagem de Deus e o Diabo na Terra do Sol de Glauber Rocha. Da esquerda para
direita: Paulo Gil Soares, o cmera Waldemar Lima, Glauber Rocha e Lina Bo Bardi. 29/jul./1963 Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
Publicado no livro Avant Garde na Bahia
18 GULLAR, Ferreira. Cultura Posta em Questo. Rio de Janeiro, Editora Civilizao Brasileira S.A., 1965.
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O museu nasceu em janeiro de 1960, funcionando provisoriamente no antigo
foyer do Teatro Castro Alves, situado no bairro do Campo Grande, em Salvador. O
projeto do Teatro dos arquitetos Bina Fonyat e Humberto Lopes, recebendo
meno honrosa na 1 Bienal de Artes Plsticas de So Paulo. Sua criao surgiu
de uma antiga reivindicao da classe artstica e cultural da Bahia, aprovada no
governo de Antonio Balbino (1955-59), passando por dois incndios.
O primeiro incndio ocorreu cinco dias antes de sua inaugurao, prevista
para o dia 14 de julho de 1957. A verso oficial a de que um curto circuito causou
o incndio do futuro espao cultural. A obra foi reconstruda aps nove anos,
ocasio de funcionamento do Museu de Arte Moderna no espao. No dia 04 de
maro de 1967 o teatro por fim inaugurado, na presena do ento presidente
Castelo Branco e do governador Lomanto Jnior. Foi um espao de intensa agitao
cultural, e no final dos anos 80, j degradado, passou por outro incndio, sendo
reformado e reinaugurado novamente em julho de 1993.19
Durante a adequao do MAMB no foyer do espao foi instalado tambm um
auditrio-cinema para conferncias e debates na rampa de acesso. J nos
subterrneos funcionava uma escola de iniciao artstica para crianas com escola
de Teatro e Seminrios livres de msica.
A verba reduzida do MAMB no permitia grandes aquisies, mas Lina obteve
diversos emprstimos com o MASP Museu de Arte de So Paulo, atravs de
Pietro Maria Bardi, e, com recursos adquiridos, o MAMB chegou a possuir
importante coleo de artistas brasileiros e alguns estrangeiros.
19 Disponvel em: http://www.tca.ba.gov.br/01/index.html. Acesso em: jan. 2002.
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Figura 14 - Exposio Mario Cravo, realizada no MAMB Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
a arquiteta italiana radicada em So Paulo Lina Bo Bardi tinha sido convidada pelo governador Estadual para organizar o Museu de Arte Moderna da Bahia [...], onde, alm do acervo crescente de obras brasileiras e estrangeiras, vamos magnficas exposies didticas que, se fosse o caso, contavam com alguns quadros de grandes artistas (Renoir, Degas, Van Gogh) a que a senhora Bardi tinha acesso por ser mulher do diretor do Museu de Arte de So Paulo. O Museu de Arte Moderna da Bahia funcionava no foyer, todo em mrmore e vidros, do imenso teatro Castro Alves, que tinha sido quase inteiramente destrudo por um incndio apenas um dia depois de inaugurado, poucos anos antes da criao do museu. O foyer ficara intacto, mas a sala de espetculos tinha se transformado numa enorme caverna negra de que Lina utilizou a parte correspondente ao palco para criar um pequeno teatro de meia-arena onde, em sua colaborao com o diretor da Escola de Teatro, Eros Martim Gonalves, montou-se a pera dos Trs Tostes, de Brecht [...], e, depois, Calgula, de Camus. Houve colaborao tambm com o crtico de cinema Walter da Silveira na transformao da rampa que liga o foyer sala de espetculos num belo cineminha exclusivo do clube de cinema que ele fundara.20
20 VELOSO, Caetano. Escrito sobre MAMB. Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1997.
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Figura 15 - Lina no Solar do Unho, aps a restaurao. 1963
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/Crdito
Posteriormente o MAMB se deslocou para o conjunto do Solar do Unho: sua
construo data do sculo XVI e teve como primeiro residente Gabriel Soares de
Souza.21 No sculo XVII foi residncia do desembargador Pedro Unho Castelo
Branco, de onde possivelmente surgiu seu nome atual. Existem relatos de diversos
usos ao longo de sua histria, tais como engenho de acar, fbrica de rap,
depsito de inflamveis da Standard Oil, quartel de fuzileiros navais da 2 guerra
mundial, curtume, sede se subprodutos de cacau de uma empresa baiana, ncleo
de pequenas indstrias. J no sculo XX o governo desapropriou o terreno, doando
o ao MAMB. O conjunto foi restaurado pela arquiteta Lina Bo Bardi, transformando-
se na sede do Museu de Arte Popular e tambm a sede de uma Escola de Desenho
Industrial, fundamentado em extensa pesquisa a respeito dos valores esttico-
culturais brasileiros e meios de transferncia para o desenho industrial. O conjunto,
formado pelo Solar da Casa Grande, Igreja e Senzalas situa-se sobre um
embasamento de pedra grantica, com duas plataformas sobrepostas. Da
construo restavam apenas as paredes externas. Seu uso foi adequado da
21 Gabriel Soares de Sousa foi senhor de engenho na Bahia. Chegou ao Brasil em 1569 e escreveu o Tratado descritivo do Brasil em 1587, uma das mais valiosas fontes de informao sobre o Brasil do seu tempo. Disponvel em: http://www.jangadabrasil.com.br/setembro25/al250900.htm. Acesso: maio, 2007.
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seguinte forma: na antiga capela, situada frente ladeira de acesso, foram locadas
as aulas de artes populares e industriais. Nas senzalas, trs barraces situados ao
lado da casa grande, encontravam-se as oficinas de trabalho com palha,
marcenaria, couro, tecelagem, rendas, e, no solar da casa grande, de trs andares,
encontrava-se o restaurante, museu de arte moderna permanente e de arte popular.
Para a conexo entre os pavimentos Lina projetou uma escada que se desenvolve
entre quatro colunas de sustentao da construo. Seus degraus so presos por
encaixe, sem utilizao de pregos ou cola. Lina faz aluso em seus estudos ao
antigo sistema de encaixe de rodas dos carros de boi.
A arquiteta se fundamentou no mtodo da restaurao crtica, desenvolvida
na Itlia por Carlo Scarpa e Franco Albini. Esse modelo de restaurao trabalha o
respeito pela tradio e ao mesmo tempo reconhece o valor funcional da realidade.
A restaurao critica tem por base o respeito absoluto por tudo aquilo que o monumento
representa como potica, dentro da interpretao moderna da continuidade histrica,
procurando no embalsamar o monumento, mas integr-lo ao mximo na vida moderna. 22
Figura 16 - Solar do Unho, aps a restaurao. 1963
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Foto Armin Guthman, 1963. Repr. H.G. Flieg
22 BARDI, Lina Bo. Museu salva a cultura da Bahia e o passado pela F. Salvador, BA, Jornal da Bahia, 1963.
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A restaurao do conjunto preservou os antigos materiais empregados, como
a madeira de lei no revestimento de piso, escada, estruturas, o uso das tesouras de
madeira e telhas cermicas, o uso de alvenaria e tijolos, caixilho de madeiras.
O incio das atividades no museu foi marcado pela exposio Nordeste,
realizada no perodo de novembro de 1963 a fevereiro de 1964. A mostra, que teve
colaborao do Museu de Arte da Universidade do Cear, do Instituto Joaquim
Nabuco de Pesquisas Sociais e do Museu do Limoeiro foi dividida em duas partes, a
mostra de arte popular, realizada no Solar e uma mostra de artistas contemporneos
representantes de trs estados do nordeste brasileiro: Cear, Pernambuco e Bahia.
Esta exposio que inaugura o Museu de Arte Popular do Unho deveria chamar-se Civilizao do Nordeste. Civilizao. Procurando tirar da palavra o sentido ulico- retrico que a acompanha. Civilizao o aspecto prtico da cultura, a vida dos homens em todos os instantes.23
Logo em seguida o museu foi tomado pelos militares que apresentaram no
espao uma exposio de armas subversivas da ditadura, quando a arquiteta
retornou para So Paulo.
Lina experimentou intensamente os valores dessa civilizao que conheceu
no perodo e atravs desse espetculo procurou abrir um espao na modernidade
para uma nova leitura de fatores culturais. A arquiteta investigou esses valores, essa
identidade, atravs de inmeras possibilidades, que permeiam de hbitos populares
do cotidiano, hbitos alimentares, tcnicas de construo, hbitos musicais.
23 BARDI, Lina Bo. Texto retirado do cartaz da Exposio Nordeste. (nov. 1963-fev. 1964). Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi.
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Figura 17 - Convite para a Inaugurao do Solar do Unho
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi
Figura18 - Croqui de Lina Bo Bardi para a escada do Unho. 1963 Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Desenho Lina Bo Bardi
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Figura 19 - Pea encenada no Unho. 1963
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
Figura 20 - Pea encenada na escada do Unho. 1963 Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/Crdito
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CAPTULO 2 A ARQUITETURA COMO MATERIALIZAO DE UM IDERIO
Figura 21 - Maquete
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Foto Hans Gnter Flieg
Uma fortaleza que cultiva em seu interior espaos de lazer, de convivncia,
de interao entre as pessoas que a freqentam. Definida pela autora do projeto
como cidadela, ponto de defesa de uma cidade, do ingls, goal 24, meta; procura
o bem estar do povo atravs de uma experincia autntica de dignidade e
simplicidade. A arquitetura do Sesc se constitui atravs de sua funcionalidade,
apresentando tcnicas contemporneas na execuo. As solues plsticas e de
textura empregadas apresentam um aspecto simples, o que apreende a percepo
dos usurios no espao.
O projeto da Fbrica de Lazer da Pompia realizou-se em duas etapas, em
um total de nove anos. A primeira etapa, recuperao estrutural e adaptao dos
galpes da antiga fbrica para atividades culturais e de lazer, foi realizada de 1977 a
1982. A segunda etapa, construo de torres de concreto aparente para
24 LATORRACA, Giancarlo. (ed.) Cidadela da liberdade.So Paulo, Instituto Lina Bo e P. M. Bardi e Sesc - Servio Social do Comercio,1999, p.11.
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acomodao do bloco esportivo, aconteceu de 1982 a 1986. A rea total do terreno
de 16.500m, com 23.500m de rea construda.
Essa concepo do Sesc Pompia carrega elementos antagnicos que a
torna amplamente comunicvel, como o antigo e o moderno representado pelos
galpes horizontais voltados para as atividades culturais e as torres verticais para os
esportes, sintetizando a heterogeneidade do bairro inicialmente fabril, e, na poca da
construo do Sesc, j ocupado pela especulao imobiliria com edificaes
verticais; ou ainda a dialtica de trabalho e lazer, uma antiga fbrica que carrega a
idia do trabalho intenso dos homens que passou a produzir poesia, liberdade
atravs das atividades e relaes que ali se desenvolveram.
Figura 22 - Vista do possvel futuro do Sesc Pompia
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Desenho Lina Bo Bardi, 1983
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Para os procedimentos tcnicos do restauro dos galpes, Lina baseou-se nos
princpios da carta de Veneza; documento aprovado no segundo congresso
internacional de arquitetos e tcnicos dos monumentos histricos, em maio de 1964.
O documento trata de princpios de preservao de elementos dotados de valores
humanos, testemunhos da histria de um povo. A Carta de Veneza estende-se no
s s grandes criaes mas tambm s obras modestas, que tenham adquirido, com
o tempo, uma significao cultural 25
Para a arquiteta, o passado faz parte do cotidiano, vivo, dinmico. Dessa
maneira ela trabalha os museus que concebe, a disposio de obras de arte no
espao, o restauro de construes histricas. Em artigo intitulado Quarto de
Arquiteto 26 desenvolvido pela arquiteta Olvia de Oliveira esse conceito ilustrado
por uma gravura de Lina onde maquetes de edifcios antigos, modernos, templos,
palcios ocupam todo o espao, como se fossem roupas e objetos de cotidiano,
garantindo essa constante renovao entre o passado e o presente.
Figura 23 - Quarto de arquiteto
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Crdito Lina Bo Bardi
25 CARTA de Veneza.Documento,1964. Disponvel em: http://www.vitruvius.com.br/documento/patrimonio/patrimonio05.asp. Acesso em: jul. 2006.
26 OLIVEIRA, Olvia Fernandes de. Quarto de Arquiteto. Revista CULUM, n.5.
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Justificando sua atitude em considerao histria e como ela se adiciona ao
presente, Lina desenvolve a idia de que A Histria aquilo que transforma os
monumentos em documentos 27, contestando o filsofo Michel Foucault, LHistoire
est ce que transforme des documents en monuments28. A histria como documento
traduz a noo de que o passado testemunho da cultura de um povo, e persiste
ainda no presente. Para a arquiteta os monumentos no se referem somente s
obras arquitetnicas, mas do mesmo modo s aes coletivas do povo:
Antes de assumir o compromisso da restaurao e reciclagem da velha fbrica, procurei me informar sobre sua importncia histrica e seu valor para a regio. Vi que a industrializao no lado oeste da cidade est muito ligada s estradas de ferro, que foi tambm o que gerou a urbanizao dos antigos capoeires e chcaras isoladas existentes na rea. Falando com os antigos moradores do lugar senti que havia neles um apego pela construo. Ento a preservao tinha razo de ser, mesmo tratando-se de uma fbrica despojada, de arquitetura apenas tcnica. 29
A arquiteta no se limitou ao levantamento do terreno, da regio, observando
seus freqentadores e hbitos, visto que o Sesc j se encontrava funcionando nos
galpes da fbrica; mas ainda participou efetivamente da obra, em todos os passos:
seu escritrio, um barraco de madeira, foi construdo no prprio canteiro de obras,
concebendo muitas das solues no cotidiano da obra ao lado de seus
colaboradores, engenheiros e operrios e as executando juntos. Assim foi no Museu
de Arte de So Paulo, no Solar do Unho, e igualmente na Fbrica de Lazer da
Pompia. O filsofo Eduardo Subirats descreve o escritrio e suas impresses sobre
ele:
Era uma casinha de madeira, de paredes escorridas pelas chuvas e pelo bolor, que se sustinha sobre umas delgadas pilastras. Conheci mais tarde estas delicadas arquiteturas nas encostas da selva amaznica, s que agora a exuberante vegetao estava substituda pela selvagem monumentalidade de um subrbio industrial de So Paulo. O conjunto era frgil, chegava-se casinha por uma tenebrosa escada, que logo dava-se lugar a uma passarela. Seu interior oferecia assolhos um alegre espetculo: empoeirados arquivos, mesas e cadeiras velhas, muitas pastas com recorte de jornais, revistas, e alguns textos manuscritos. Uma certa desordem. E, aqui e ali, referncias a um museu de arte popular brasileira: joguinhos maravilhosos, bonecos lavrados por mos delicadas e toscas a um
27 LATORRACA, op. cit., p.38.
28 FOUCAULT,Michel. L'Archologie du Savoir. Paris, Gallimard, 1969. (A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro, Forense-Universitria, 1972) 29 BARDI, Lina Bo. Escrito sobre a fbrica da Pompia. Arquivo ILBPMB.
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mesmo tempo, cermicas cheias da mais sensual fantasia. E esse era o obrador, a oficina, como se chamavam os atelis dos artistas que construram as Igrejas na Idade Mdia europia.30
Figura 24 - Lina, Andr Vainer e Marcelo Ferraz no Sesc Pompia
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Desenho Lina Bo Bardi, 1986
A convivncia na obra foi rica e frtil ao lado dos operrios, mestres de obra,
engenheiros e inclusive seus colaboradores, os arquitetos Marcelo Ferraz e Andr
Vainer. Eram muitas as exigncias, mas existia uma relao de trabalho baseada no
respeito, na dignificao da profisso humana do trabalho.
Ela dava voz, dava poder s pessoas. No era autoritria apesar de ser muito autoritria conceitualmente , tinha um respeito pelo ser humano que era uma coisa preciosa. Aprendi muito com isso, pela maneira como ela comandava. [...] Era uma mulher muito dura, mas, ao mesmo tempo, muito doce, muito gentil e delicada. 31
Lina possua uma capacidade grande de assumir erros e encontrar diferentes
solues que vinham da realidade da obra, sem preconceitos; fossem do tcnico, do
operrio, do arquiteto. Ela no era exatamente contraditria, incoerente, mas
30 SUBIRATS, Eduardo. Os gigantes e a cidade. So Paulo, 1986. Publicado na revista Projeto n. 92 e n. 149. So Paulo, 1992.
31 Entrevista com o artista plstico Rubens Gerchman. So Paulo,13/10/06. Anexo.
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paradoxal. Essa caracterstica certamente causava muitas brigas no decorrer da
obra, mas traziam as dissonncias, expostas percepo dos usurios.
Sendo o projeto executivo realizado no canteiro de obras , foram permitidas
muitas decises, principalmente de acabamentos, que no seriam possveis no
projeto executivo entregue num s pacote para o cliente. As divergncias, erros de
percurso, caminhos possveis que existem no cotidiano faziam parte do processo de
trabalho. Lina borrou nesse momento a fronteira entre o erudito e popular,
relacionando artistas, tcnicos e operrios, situao de troca que se traduziu numa
arquitetura simples, clara, repleta de poesia. Atravs de toda a sua histria, ligada
condio estrangeira e ao esforo de integrao no novo contexto cultural, a
arquiteta teve a capacidade de produzir uma nova realidade, atravs de uma
releitura de valores.
Figura 25 Lanchonete para o bloco esportivo
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Desenho Lina Bo Bardi, 1984
Lina utilizava-se muito de seus croquis para a representao e dilogo na
obra. Seu pai, Enrico Bo, engenheiro e tambm pintor, a ensinou a desenhar desde
pequena. Depois cursou o Liceu Artstico, antes de ingressar na faculdade de
Arquitetura de Roma. Desenhava muito bem. Suas aquarelas, colagens, esboos
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demonstram que sua percepo estava voltada para as relaes do Homem com o
entorno; retratavam o cotidiano, a realidade do espao imaginado. Nos desenhos da
arquiteta para o Sesc percebemos essa particularidade sobretudo na fase dos
acabamentos, onde obtinha o entrosamento de todos os aspectos, tcnicos ou no,
atravs de croquis em cores, caneta esferogrfica, hidrocr. Durante a realizao da
obra, seguia os experimentos in loco.
Nesses experimentos o espao obteve solues que carregavam um pouco
da cultura dos operrios, incorporando valores do povo, criando identidade; como
acontece com os mdulos de azulejos de folha de bananeira e peixes idealizados
pelo artista plstico Rubens Gerchman, combinados aleatoriamente pelos
trabalhadores e resultando em arranjos autnticos no restaurante e piscina; os pisos
dos galpes para as oficinas de gravura e desenho, feitos com retngulos de
cimento e salpicados com seixos trazidos diretamente de rios do tringulo mineiro,
dosados pelos prprios operrios; a execuo do painel de comunicao para o
restaurante, uma homenagem a Torres Garcia, feito por um operrio da obra, o
Paulista, enfim, diversos detalhes construtivos que evidenciam o valor da
execuo, do fazer. Os resultados, produtos em parte inesperados, so
intencionais. A arquiteta procura uma releitura de valores culturais atravs da
realidade de todos que trabalham no dia a dia da obra. Existe nesse sentido um
grande rigor ideolgico da arquiteta na busca do que seria para ela a cultura
brasileira.
A cultura um fato de todo o dia. E o que a gente conseguiu pr, dentro de um plano da realidade de certa realidade esse fato prtico da cultura, que vai das coisas mais humildes at certas coisas importantes. 32
32 BARDI, Lina Bo. In Entrevista de Fbio Malavglia com Lina Bo Bardi. Realizada em duas sesses, de 23 e 26 de agosto de 1986. Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi.
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2.1. Interveno no existente: 1 fase do projeto
A interveno no conjunto dos galpes da fbrica levou seis anos para se
concluir, e no houve modificao estrutural. A escolha de materiais para as
alteraes foi feita com critrio para que a integrao entre o antigo e o novo
parecesse natural, porm diferenciada. A fbrica se encontrava com as paredes
externas rebocadas e Lina optou por evidenciar os tijolos da construo.33 Podemos
constatar em fotografias tiradas pelo fotgrafo Hans Gntter Flieg, no inicio da
dcada de 50, para o desenvolvimento de material publicitrio para a IBESA, que as
paredes externas encontravam-se rebocadas, e as internas, de tijolo vista. A
limpeza foi realizada com jatos de areia e em seguida, os tijolos originais foram
limpados. As telhas da fbrica, da mesma forma, foram lavadas e recolocadas. A
construo despida mostrou os elementos originais conservados: estrutura, parede
externa e cobertura.
A idia foi expor a histria da construo da fbrica e toda a sua evoluo ao
longo do tempo. Nos acrscimos arquitetnicos foram empregadas tcnicas
modernas sem rebuscamento ou relevo. O concreto utilizado, por exemplo, possui
um aspecto bruto, diferente das vigas e pilares originais; elementos como tijolos de
concreto aparente foram utilizados nos atelis, biblioteca, salas de msica e
separaes internas; a tubulao toda aparente e diferenciada por cinco cores
marcando funes, trs principais (vermelho para esgoto e incndio, amarelo para
som e azul para eletricidade) e mais duas complementares (verde para gua e
laranja para linhas telefnicas), o que tambm proporciona uma manuteno rpida
e eficaz. Esse esquema foi utilizado tambm no MASP Museu de Arte de So
Paulo (So Paulo, 1957-1968) e na casa do Benin (Salvador, 1987). Lina tinha a
tendncia de repetir solues que funcionaram bem em outras experincias de
projetos, adaptando-as ao novo uso. Assim foi cultivando uma seqncia, uma
narrativa de sua obra.
33 Entrevista com o arquiteto Andr Vainer. So Paulo, jul. 2007. Anexo.
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As portas da antiga fbrica, em madeira de lei, foram preservadas. Nas
aberturas, foram colocadas esquadrias treliadas, tambm em madeira de lei,
tambm utilizadas na restaurao do Solar do Unho (1959-1963) e Casa Valeria
Cirell (So Paulo,1958).
Os muxarabis foram utilizados largamente na arquitetura colonial brasileira,
emergidas da colonizao portuguesa e de suas referncias mouriscas, podendo
ainda ser observados em construes de cidades histricas como Ouro Preto,
Mariana, Diamantina. O elemento adaptado na obra do Sesc possui um fator
intencional, mostrando vnculo com a cultura popular, mas trabalhada de maneira
particular. A articulao entre a modernidade e a tradio foi tambm objeto de
estudo de Lcio Costa, sendo os muxarabis componentes de sua arquitetura no
incio dos anos 1930. Um exemplo o projeto para a Vila Monlevade, 1934:
Assim, a pequena cidade idealizada por Lcio Costa [Vila Monlevade] resultante de uma sntese entre elementos e valores aparentemente dspares: concreto e barro, telha de amianto e venezianas de madeira, pilotis e muxarabi, festana da roa e mveis standard, estradas rurais e preceitos da urbanizao moderna...34
A mesma condio pode ser observada na utilizao dos azulejos
desenhados em motivos predominantemente azuis no restaurante da fbrica e
tambm na piscina, uma herana portuguesa utilizada largamente na arquitetura
colonial e j adaptada no inicio da arquitetura moderna brasileira com a sntese das
artes. O tema figurativo evocado nos azulejos da piscina do Sesc pelo artista
plstico Rubens Gerchman; peixes, cavalos marinhos, estrelas do mar, foi
justamente o tema utilizado por Portinari no Ministrio da Educao e Sade, edifcio
precursor da arquitetura moderna brasileira, projetado por Lucio Costa e equipe.
Desde o inicio da arquitetura moderna no Brasil podemos encontrar a integrao nos
trabalhos entre arquiteto, escultores e pintores.35 Essa ainda uma particularidade
de Lina, que acredita a arquitetura como um produto do trabalho conjunto do
arquiteto, artista, arteso, engenheiro; conforme observado pelo arquiteto Andr
Vainer, A Lina sempre incorporou coisas de outras pessoas nas obras, o que
34 GUERRA,Ablio. Lcio Costa:modernidade e tradio Montagem discursiva da arquitetura moderna brasileira. Tese de doutoramento. So Paulo, 2002, p. 23.
35 FERNANDES, Fernanda. A sntese das artes e a moderna arquitetura brasileira dos anos 1950. Disponvel em http://www.iar.unicamp.br/dap/vanguarda/artigos_pdf/fernanda_fernandes.pdf.
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muito interessante. Significa que voc no est sozinho fazendo o projeto, est
aberto a que o projeto tenha participao de outras pessoas.36
Lina utiliza continuamente elementos extrados da cultura popular, o que nos
trs intimidade com sua obra: a consolidao do projeto se estrutura a partir de
valores culturais e, atrelado a isso, trabalha a criatividade. A arquiteta define sua
prpria arquitetura como poesia realizada com grande rigor tcnico e prtica
cientfica.37
A materializao dessa poesia acontece no projeto do Sesc Pompia atravs
da naturalidade na qual o espao projetado e da insero de uma perspectiva
humana. Em texto escrito em ocasio de premiao pela cenografia da pea UBU-
Folias, Pataphysicas e Musicaes (1985), a arquiteta cita Lautreamont38: a arte deve
ser feita por todos e no por um s,39 sugerindo que o espao feito por quem o
circula, com ele interage, o vivencia. Esse , igualmente, o princpio utilizado no
Sesc Pompia: um espao amplo, galpes de fbrica, que proporcionam infinitas
possibilidades e arranjos para o lazer.
Mas ningum transformou nada. Encontramos uma fbrica com uma estrutura belssima, arquitetonicamente importante, original, ningum mexeu. Ns colocamos apenas algumas coisinhas: um pouco de gua, uma lareira. Quanto menos cacareco, melhor. Fizemos tambm um esforo para dignificar a posio humana. 40
36 Entrevista com o arquiteto Andr Vainer. So Paulo, jul. 2007. Anexo. 37 C.f. MICHILLES, Aurlio.vdeo Lina Bo Bardi. So Paulo, Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1994.
38 Pseudnimo de poeta uruguaio Isidore Ducasse. Disponvel em http://pt.wikipedia.org/wiki/Conde_de_Lautr%C3%A9amont. Acesso jun./2007 39 BARDI, Lina Bo. UBU Folias physicas, pataphysicas e musicaes. In: FERRAZ, Marcelo (org.). Lina Bo Bardi. So Paulo, Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1993, p. 260. 40_____________. Interview n63. So Paulo, ago./1983.
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Figura 26 - Sesc Pompia em obras
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
Figura 27 - Retirada do reboco das paredes originais do Galpo de Atividades gerais. Abril/80
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
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Figura 28 - Detalhe da tubulao aparente do Sesc Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
Figura 29 - Detalhe das trelias do galpo de atividades gerais
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
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Figura 30 - Retirada do reboco das paredes originais do Galpo de Atividades gerais. Abril/80
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
2.1.1. Os galpes e suas atividades
O eixo principal de circulao do Sesc Pompia se d por uma antiga rua
interna de paraleleppedos da fbrica que permeia os galpes restaurados. Uma
evocao dos primrdios da vida urbana em So Paulo e das vilas operrias, onde
as ruas, com o calamento de paraleleppedos,41 eram o ponto de abrigo de aes
coletivas urbanas, a conexo entre um lugar e outro, o ir e vir de crianas, velhos,
homens mulheres. Lina procura preservar esse valor democrtico na entrada da
fbrica de lazer. Muitas atividades e brincadeiras acontecem nos caminhos da
cidadela. A arquitetura aqui definida pelo efmero, pelo cotidiano.
41 O calamento de paraleleppedos foi introduzido em So Paulo entre 1870-73, tornando-se freqente a partir de 1910. C.f. YZIGI, Eduardo. O mundo das caladas. So Paulo: Humanitas/FFLCH6/USP; Imprensa Oficial do Estado, 2000.
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Figura 31 - Atividade na rua interna. Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
Os paraleleppedos possuam para Lina a conotao de elogio ao povo. A
arquiteta se rebelava com a madame de salto alto que fosse entrar no Pompia, ou
desquitadas que pretendiam fazer cursos nos atelis, mas fez questo de incluir o
deficiente fsico. Depois de pronto o projeto a arquiteta acabou por delinear uma
passagem plana entre as pedras aos usurios.
Os paraleleppedos so um dos calamentos mais sublimes da histria da humanidade, documentos seculares de pedras cortadas e alisadas com as mos, por homens, mulheres, crianas, documentos de civilizao da qual os deficientes no devem ser excludos. 42
Medindo 134 metros de comprimento e oito metros de largura, a rua foi
mantida com o revestimento de paraleleppedos original. A areia empregada para
assent-los foi substituda por terra, propiciando o crescimento de grama em seus
vos, o que produziu um aspecto interiorano. margem da rua segue uma larga
vala de concreto e alvenaria revestida com seixos rolados para o escoamento das
guas. O revestimento, de textura belssima, foi concebido para produzir sonoridade
ao chover.
42 BARDI, Lina Bo. Esboo de carta a ser endereada ao professor Luiz Carlos Zanolli. So Paulo, Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, sem data.
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Ela [Lina] dizia que aquilo quebrava a chuva, quando vinha a chuva, a gua violenta, e fazia barulhinho tambm, ela tinha essa ligao com a natureza. Aquela soluo de acmulo das pedrinhas; vi os caras fazendo artesanalmente. A Lina ia l, e, puxa pra c, puxa pra l, era muito legal de ver. Ela cuidava daquilo como se fosse a casa dela, como se fosse uma escultura, ou um jardim que ela estivesse regando.43
Figura 32 - Incio das obras na rua interna
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
43 Entrevista com o artista plstico Rubens Gerchman. So Paulo,13/10/06. Anexo.
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Figura 33 - Calha de concreto e alvenaria revestida com seixos rolados
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
A rua torna-se o ponto de encontro obrigatrio dos diversos galpes. A nova
proposta do Sesc para o espao de lazer adotou o aproveitamento do espao
horizontal, o que possibilitava uma utilizao funcional e polivalente.
A preservao do prdio acrescentaria muito ao trabalho social que l se desenvolve, em funo do dado esttico e de funcionalidade. A construo de rara beleza, e sua horizontalidade facilita a integrao de pessoas estimulando o convvio grupal informal. A horizontalidade, eliminando o constrangimento das estruturas verticais, oferece, ainda, alm das j citadas, outras inegveis vantagens sobre a verticalidade. Possibilita a integrao e informalizao das atividades, dotando-as de colorido que nasce de espontaneidade, dos espaos abertos, da luz natural e da vegetao prpria para o nosso clima. 44
So quatro os principais plos de atividades culturais que ladeiam a rua
central na fbrica de lazer; as atividades gerais, o teatro, os atelis e o restaurante-
choperia.
44 REQUIXA, Renato. Proposta de preservao do prdio do centro cultural e desportivo Pompia. So Paulo, Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 21/jan./1977.
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Alm desses principais galpes existe um espao destinado ao almoxarifado
e apoio s oficinas, situado em frente ao galpo das oficinas, o qual a arquiteta
intencionava utilizar ainda para uma rea de jogos para crianas, e a Administrao,
uma rea de 700m situada na entrada do conjunto ao lado direito. Esse espao no
sofreu muitas alteraes, houve apenas a construo de algumas alvenarias. O
layout das salas foi definido pela arquiteta, assim como o seu mobilirio, mesas de
vidro com a base funcionando como arquivo.
Na administrao, porta de entrada para o conjunto do Pompia, foi colocada
uma carranca feita por artesos de Pirapora, Minas Gerais; presente do professor
Bardi ao Sesc. Segundo a tradio, a carranca afastaria os maus espritos ou o mau
olhado e nesta ocasio foi colocada como smbolo de proteo.
Galpo de Atividades Gerais
Nos primeiros estudos de Lina para o interior do galpo de Atividades Gerais
ela props a insero de pisos elevados de madeira laminada de diferentes ps
direitos, unidos por rampas sinuosas, cercadas de vegetao. A arquiteta procura
trazer movimento, vida ao espao. As solues do projeto foram modificadas, mas
essa questo central a ser projetada no espao foi preservada.
Figura 34 - Primeiros estudos para a restaurao da fbrica
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Desenho Lina Bo Bardi
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O galpo de atividades gerais o mais amplo do conjunto. Livre das paredes
internas abriga variadas atividades; exposies, biblioteca, rea de leitura, estar,
jogos. A iluminao acontece pelos sheds, e pela insero de cobertura de telhas de
vidro em uma das guas da estrutura. Em estudos existe a proposta de se cobrir
todo o galpo com telhas de vidro, o que no foi possvel devido ao conforto trmico
do espao.
As interferncias no espao foram singelas, a dignificao da posio humana
aparece no sentido criativo e recreativo materializado. A arquiteta colocou o fogo, a
gua, pequenas alegrias, como ela as batizou, arranjadas para a fbrica de lazer:
uma lareira e um grande espelho dgua revestido internamente por pedras do
tringulo mineiro. Lina no queria um desenho racional, pensado. Seu contorno foi
definido in loco, livre de composies. O Rio So Francisco, trao de unio de
diversas atividades, idades e tipos.A arquitetura no precisa ser romntica no
sentido pequeno, domstico da expresso. Ela pode ser potica. 45
Lina criou volumes de concreto aparente suspensos com 1,20 metros de
altura no guarda corpo para leitura e salas com sesses de vdeo abaixo. O concreto
apresenta textura bruta, evidenciando as marcas do madeiramento vertical utilizado
na concretagem da forma. Todo o piso foi trocado, utilizando-se pedra gois. O
bloco integra-se no ambiente com naturalidade; um ambiente reservado para leitura
de jornais e revistas e biblioteca situou-se logo na parte inferior. O espao era
percorrido com muita liberdade e circulao, sem grandes interferncias nas reas
de diferentes funes. O lazer colocado com liberdade, sem muitas regras ou
imposies. Lina encontrou muitas oposies para realizar essa idia:
Mas existiu essa briga da Lina com as bibliotecrias. Elas queriam organizar a biblioteca de tal forma que a pessoa no tivesse a menor chance de roubar um livro. Acho que iam distribuir vrias cmeras. E a Lina brigava: Ento os homens vo roubar os livros? Jura? Mas que timo! Ah, se um dia me disserem que acabou a biblioteca porque roubaram todos os livros! Temos que dar uma festa!. E as bibliotecrias arrancavam os cabelos! 46
45 BARDI, Lina Bo. A Oficina da Criao: Lina Bo Bardi conseguiu transformar num ousado centro de lazer os galpes tradicionais de uma antiga fbrica de geladeiras. Revista VEJA. So Paulo, 14/abril/1982. 46 Entrevista com a sociloga Celene Canoas. So Paulo, 30/01/2007. Anexo.
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Figura 35 - Concretagem do contrapiso do leito do rio. Dezembro/1979
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
Figura 36 - Rio com a forrao de seixo rolado e piso do galpo com revestimento de pedra mineira. Janeiro/1980
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
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Figura 37 - Montagem das formas da sala de leitura e biblioteca
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
Figura 38 - Salas de leitura e piso prontos
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
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O Teatro
O Teatro do Centro de Lazer da Pompia situa-se na seqncia do Galpo de
Atividade Gerais, ladeando a rua central pela direita. Seu foyer corresponde
originalmente a uma das entradas da fbrica. O espao foi planejado para abrigar
exposies e demais atividades ao ar livre.
As telhas da cobertura foram trocadas por telhas de vidro e um volume
suspenso, que leva aos camarins e ao acesso da galeria do teatro, foi construdo em
concreto bruto aparente. O piso original foi substitudo por paraleleppedos, seguindo
o padro da rua principal. Suas duas extremidades foram fechadas com grandes
esquadrias em trelia de madeira. O jogo de texturas empregado no espao muito
atraente. Com elementos rsticos e o concreto spero marcando as intervenes do
conjunto de galpes existentes, Lina construiu uma linguagem forte e impactante.
Figura 39 Foyer teatro
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Desenho Lina Bo Bardi
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Figura 40 Foyer teatro
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
O Teatro, rea que mais sofreu modificaes na interveno, conformado
por duas platias opostas, mais duas galerias superiores de trs metros de
comprimento.O palco e sua iluminao foram projetados em conjunto com o artista e
cengrafo Flvio Imprio. Ele desmontvel, composto por pranchas de pinho. So
55 mdulos de 2m x 1m. O espao nem sempre foi utilizado na sua forma integral.
Lina se referia ao Teatro como auditrio, o que evoca a imagem de uso mais
informal e variado. A arquiteta procura desenvolver em todos os mbitos o lazer
descomprometido no espao.
O programa que melhor utilizou o espao foi o Fbrica do Som, realizado em
parceria entre a direo do Sesc Pompia e a TV Cultura. O programa, de grande
sucesso, foi ao ar pela primeira vez no dia 12 de maro de 1982, com apresentao
de Tadeu Jungle. Contava com a participao ativa do pblico, apresentando carter
revolucionrio: lanou nomes importantes na cena do rock e punk nacionais, como o
Tits, o Premeditando o Breque, o Ira! A comunho do espao com o programa se
deve ao carter de novidade e movimento do espao.
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Figura 41 Teatro-auditrio
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
Figura 42 Apresentao do Fbrica do Som no teatro do Sesc Pompia
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
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Oficinas
O galpo de oficinas o ltimo bloco voltado para o lado direito da rua de
paraleleppedos. So seis as atividades que compe o espao: marcenaria,
cermica, cinzelamento, gravura e serigrafia, tapearia, grfica. O ateli foi
idealizado para o desenvolvimento de atividades manuais, aberto ao pblico em
geral. Flvio Imprio participou na concepo do programa das oficinas com forte
base ideolgica. A idia inicial do Sesc era constituir ateli de artistas, o que
contradizia o iderio concebido por Lina para o espao. Inicialmente, muitos artistas
renomados ministraram cursos nos atelis para atrair o pblico para as atividades.
Figura 43 Estudo para disposio dos atelis
Fonte Arquivo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. S/ Crdito
A disposio dos atelis foi inspirada na obra do arquiteto holands Aldo Van
Eyck, conhecido pelos seus projetos de parques infantis ldicos. Seus limites so
marcados por blocos de concreto, com 2,20m de altura, dispostos em volumes
circulares e retilneos com aberturas desencontradas, favorecendo um percurso que
promove mais um jogo, uma brincadeira no espao. A arquiteta batiza os segmentos
de muros labirinto. O assentamento desses blocos favorece a idia do inacabado,
mostrando o cimento escorrendo pelas superfcies externas. A arquiteta brinca com
a textura dos materiais intencionando tambm deixar a superfcie sempre mostra,
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sendo que, com a rugosidade formada, no se consegue pendurar ou colar objetos.
Um outro bloco ao fundo do galpo abriga um laboratrio fotogrfico no trreo e o
sistema de ar condicionado para o teatro.
No ateli, ela quis fazer uma homenagem ao Aldo van Eyck. Ela tinha em mente um projeto do Aldo, um playground formado por labirintos de bloco, e ela achou que deveria usar uma coisa similar, de certa maneira mostrar como aquilo era uma obra da verdade. O material estava o tempo todo colocado no prprio sentido da restaurao, sem recuperar o tijolo de maneira certinha e formalmente adaptada. O olhar de restaurao dela foi de materiais que pudessem ir se sucedendo. Existem muitas paredes em que o tijolo est co