A CATARSE ARISTOTÉLICA E A O DISTANCIAMENTO · PDF filemistura com a poesia, entendida...

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  • Universidade Presbiteriana Mackenzie

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    A CATARSE ARISTOTLICA E A O DISTANCIAMENTO BRECHTIANO: UMA DISCUSSO SOBRE TEATRO

    Bianca Villela Silva (IC) e Graciela Deri de Codina (Orientadora)

    Apoio: PIVIC Mackenzie

    Resumo

    Aps breve contextualizao do universo grego, procuramos colocar lado a lado, duas vises, de certa maneira opostas, sobre a teoria do efeito teatral: a da catarse aristotlica e a do distanciamento de brechtiano, para explicitar em que termos se faz essa discusso recriada teoricamente pela anlise comparativa.

    Palavras-chave: teatro, catarse, distanciamento.

    Abstract

    After a brief contextualization of the Greek universe, seek to place side by side, two views, somehow opposite, on the theory of theatrical effect: the Aristotelian catharsis and Brechtian distancing, for explicit terms in which this discussion is done theoretically recreated by comparative anlysis.

    Key-words: theater, catharsis, distancing.

  • VII Jornada de Iniciao Cientfica - 2011

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    INTRODUO

    A tragdia um fenmeno cultural importante, repleto de problemticas. Uma delas

    relativa catarse. Aristteles, na Potica, descreve os principais elementos constitutivos da

    tragdia, que provocam os sentimentos de terror e piedade, constituintes da catarse. A catarse

    " o prprio fim desta imitao"POTICA, 1998, L XIII, 1452 b 31. E quando Aristteles

    afirma que a catarse o prprio fim desta imitao, que constitui a tragdia, no s explicita

    a importncia de que falamos, como tambm expe o conceito de mmesis (traduzido por

    imitao, mas que contm maior complexidade e deve ser problematizado), que auxiliar a

    compreenso do conceito de catarse, juntamente com os conceitos de techn e posis.

    No entanto, o desenvolvimento destes elementos no se far tranquilo, mas mesclado ao

    choque com teoria um tanto diversa, recortada e colada ao lado da teoria da tragdia,

    saltando sculos de distncia, para que se veja um outro lado da moeda, no universo

    moderno, com o conceito de distanciamento, fundamentado por Berthold Brecht - tambm

    de fundamental importncia para os estudos atuais das problemticas cnicas. De alguns

    ensaios selecionados nos Escritos Sobre o Teatro de Brecht, iremos extrair a posio do

    dramaturgo, nos servindo tambm, essencialmente do auxilio de trechos da anlise contida

    em Brecht: A Esttica do Teatro de Bornheim.

    Anteriormente, no entanto, dessa querela, faremos uma breve contextualizao social do

    mundo grego, com o auxilio de Vidal-Naquet e Jen-Pierre Vernant, para fazer jsutia a sua

    condio especifica, apesar do salto histrico que daremos.

    Sempre que necessrio recorreremos exemplificao, ou por meio de uma tragdia que,

    no caso, ser dipo Rei, de Sfocles, ou por meio de uma pea didtica de Brecht, que no

    caso ser A Me.

    Contexto Social da tragdia grega.

    Para podermos compreender o fenmeno trgico, e mais especificamente seu efeito, no

    podemos nos valer apenas de Aristteles. Como Jean-Pierre Vernant e Pirre Vidal-Naquet

    advertem, um sculo depois do pice da tragdia, quando, no sculo IV, na Potica,

    procura estabelecer-lhe a teoria, Aristteles no mais compreende que o homem trgico

    que, por assim dizer, se tornara estranho para ele. (MITO, 2008, p. 17). Por isso os

    helenistas se propem a pensar as condies sociais e psicolgicas em que a tragdia esta

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    inserida, no desconsiderando a analise filolgica dos textos, ou histrica por vezes

    utilizada.

    Apesar de no haver, um mundo espiritual claramente definido ao qual se possa apelar, h

    o contexto mental de um universo humano de significaes(MITO, 2008, p. 18),

    representado por valores, crenas e sensibilidade realidade e modo de ao daquele

    tempo. E este contexto mental marcado fundamentalmente pela ambigidade e choque

    entre dois campos: o religioso notadamente, no caso, a religio no oficial da Grcia - e o

    institucional/politico, ou do direito nascente que diga-se de passagem tambm constitua-

    se com seus Deuses prprios. Este estado social, em que os valores da tradio mtica, da

    antiga forma de poder, se confrontam com os valores da plis, surge na tragdia de diversos

    modos. Em todos, o que se ressalta, segundo a analise de Vernant e Vidal-Naquet, o

    confronto do homem com valores e normas estabelecidos.

    A tragdia no pode ser desconectada de sua ligao social, no s por se fundar de forma

    crtica em questes de seu tempo, como por se inserir na cidade, por meio dos festivais,

    quase como uma instituio social. Por representar o dilacerar da realidade social, torna-a

    problemtica e assim foge do estigma da mmesis como reproduo sem valor. A tragdia

    no apresenta respostas, mas os polos opostos, dominantes do contexto mental, em luta,

    sendo contestados, pois so ambos instveis.

    Para os autores esta situao irresoluta, de problema sem resposta, que conduz a

    tragdia, parece tanto a ns, como j Aristteles, um tanto quanto incompreensvel, j que

    um dos planos haveria de excluir o outro necessariamente. Aristteles tende a renunciar o

    plano divino arcaico, como de se esperar, e admite sua interferncia nas aes apenas da

    forma como ele surge em dipo, velada, por trs dos acontecimentos, sem ser ao direta.

    Esta presena do divino de forma explicita, para Aristteles, j pareceria inviabilizar a

    verossimilhana e portanto o carter crvel da obra, fato pelo qual se quebraria a

    identificao e consequentemente a catarse. Mas a lgica da tragdia consiste em jogar

    nos dois tabuleiros, em deslizar de um sentido para o outro, tomando, claro conscincia de

    sua oposio, mas sem jamais renunciar a nenhum deles(MITO, 2008, p. 23).

    Esta situao sem resposta pode levar a duas interpretaes diferentes, a primeira,

    defendida pelos helenistas, de que isto confere um carter crtico a tragdia, como principio

    de transio que se coloca em questionamento aberto, ou seja, em processo, a ser

    pensado; outra que poderia ver neste impasse insolvel posto pela tragdia um polo de

    passividade, pois, j que no h respostas, no h um ponto em que se firmar e o final

    uma catstrofe, ento o melhor no agir. A critica a catarse viria, nesse rumo, denunciando

    que ela no ata nem desata, mas gera um embasbacamento ante o incompreensvel,

    porque insolvel.

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    Dizem Vernant e Vidal-Naquet que esta tenso, que nunca aceita totalmente, nem

    suprimida inteiramente, faz da tragdia uma interrogao que no admite resposta (MITO,

    2008, p. 23) E se constri assim o retrato de uma sociedade em transio, mas a qual, em

    sua mescla e separao de moldes antigos e novos, de seu processo de mudana, pode ser

    identificada, mas no definida, a um rumo ou outro de mudana, a uma resposta. A

    mudana esta evidente, a realidade se transformando, mas a conscincia trgica aquela

    que no consegue posicionar-se quanto a mudana, esta dos dois lados dela ao mesmo

    tempo que transita de um para outro. Ou seja, vive a mudana como ambiguidade interna e

    externa, como dualidade, sem poder assumir uma frente.

    Segundo os autores as palavras trocadas no espao cnico carregariam o problema dos

    mltiplos sentidos na fala:

    A linguagem se torna transparente para ele [o espectador], e a mensagem trgica comunicvel somente na medida em que descobre a ambiguidade das palavras, dos valores, do homem, na medida em que reconhece o universo como conflitual e em que, abandona as certezas antigas, abrindo-se a uma viso problemtica do mundo, atravs do espetculo, ele prprio se torna conscincia trgica. (MITO, 2008, p. 26).

    E mais, a ao humana neste contexto permeada pela incerteza e desamparo, quase

    um desafio ao futuro, ao destino, a si mesma, aos deuses, ou ao institudo. Neste jogo, do

    qual no senhor, o homem sempre corre o risco de cair na armadilha de suas prprias

    decises. Um homem que reflita antes de agir, que indague os deuses, ou qualquer outra

    instituio, ainda assim no ter garantido o sucesso de sua ao, e s poder perceber seu

    significado depois que ela for vivida.

    Este o tempo em que se d a tragdia, quando:

    o homem comea a ter experincia de si mesmo enquanto agente mais ou menos autnomo em relao as foras religiosas que dominam o universo [at ento] podendo mais ou menos, por sua gnme - como bom-senso, reflexo, julgamento -, sua phrnsis esta sabedoria prtica, que visa melhorar a ao humana, por meio do exame das mltiplas opinies -, dirigir seu destino politico e pessoal. (MITO, 2008, p. 29).

    Mas a fora religiosa no deixa de estar presente, ainda assim. Ela surge na instituio, com

    seu culto oficial, o culto deste homem da plis um tanto mais senhor de si, este homem que

    livre e que tem bens - que tambm no deixa de representar um nmero muito pequeno

    da totalidade de pessoas que vivem na polis, deixando de lado idealizaes, j que

    escravos, mulheres, estrangeiro e pobres, no participam da politica, apesar de assistirem

    aos espetculos. No se dissipa um certo julgo inexplicvel, uma insegurana e medo na

    atmosfera grega.

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    REFERENCIAL TERICO Aristteles e Brecht numa querela conceitual.

    O primeiro passo para compreender o conceito de catarse dentro da teoria aristotlica esta

    em pensar os elementos sem os quais ela no seria realizvel, aqueles que se organizam

    obteno do fim catrtico. Na Potica, seguindo sua ordem de exposi