A China, Uma Trajetória Histórica
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Disciplina de Pós-Graduação em Ciências Sociais, IFCH, Unicamp, segundo semestre
de 2015, 6 de agosto, quinta-feira, 14 horas.
A China, uma trajetória histórica
Pedro Paulo A. Funari1
A China constitui a cultura mais antiga, em todo o mundo, viva desde há cinco
mil anos. Outras civilizações antigas, como a Egípcia, não chegaram aos nossos dias, ao
contrário da chinesa. A época histórica mais recuada, para a qual os conhecimentos são
precisos, referem-se à dinastia Shang, cuja capital era Yin, na atual província de Henan,
entre os séculos XVI e XI a.C. Com essa dinastia começa a história escrita da China.
Contudo, as lendas chinesas tratam de uma época anterior, um período lendário. Os
primeiros cinco imperadores teria sido os fundadores da China, a começar pelo
Imperador Amarelo (2674-2575 a.C.), seguido de outros quatro, que teriam introduzido
os fundamentos da civilização chinesa: a criação do bicho-da-seda, a tecelagem, os
carros e os barcos.
A dinastia Xia (2100-1600 a.C.) já se mostra menos lendária, mas ainda na
penumbra, devido tanto à falta de fontes escritas, como por tudo que a historiografia
clássica chinesa (século I a.C.) escreveu. Parece que havia o culto a um deus superior,
Shang-ti, o supremo antepassado deificado, mas também cultos a deuses aquáticos
originam-se nesse período ainda lendário.
1 Professor Titular do Departamento de História, IFCH, Unicamp.
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Na verdade, podem ser identificados oito grandes grupos humanos, no que viria
a ser a China,
Os povos que formariam o que viria a ser a China, podem ser identificados em oito
grupos humanos:
Cultura do nordeste: caçadores, agricultores, criadores de porcos, ceramistas;
Cultura do norte: proto-mongóis, caçadores e pastores nômades;
Cultura do noroeste: pastores, criadores de cavalos, agricultura subsidiária;
Cultura do oeste, nas montanhas: proto-tibetanos, pastores de ovelhas;
Cultura liao: caçadores, proto-austronésios;
Cultura Yao: a leste, caçadores e coletores nas montanhas;
Cultura Tai: cultivo do arroz em vales e campos inundados;
Cultura Yueh: nas costas, navegantes fluviais e martítimos.
O desenvolvimento da agricultura, cerâmica, bronze e, por fim, a escrita ideográfica
parecem ser autóctones. Não há dados históricos da vinda de nada disso da
Mesopotâmia, nem as formas e decorações indicam proveniência a ocidente. Portanto,
tudo leva a crer que o desenvolvimento tecnológico e cultural da China tenha sido
independente. A agricultura na época Shang (século XVI – XI a.C.) baseava-se no
plantio de cereais, como aveia, trigo e sorgo, já conhecidos desde o Neolítico. O cultivo
do arroz era apenas complementar, pois para cultivar essa planta é necessária irrigação
em larga escala, algo que tardará ainda. Os animais domesticados eram o cavalo, o boi,
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a ovelha, a galinha, o parto, o porco e o cachorro. No campo religioso, o culto aos
antepassados convivia com a magia.
A dinastia seguinte, vinda do oeste, foi a Zhou, a mais duradora (1122 a 221 a.C.) da
história chinesa. Foi a grande época feudal da China. A dinastia foi marcada por duas
fases, a primeira com capital a oeste, até 771 e a segunda a leste (771-221 a.C.). Os
feudos podiam ser transmitidos de geração em geração na mesma família, mas não
podiam ser vendidos ou entregues a outras pessoas. Nem todos estavam contentes com
o regime feudal, como atesta um poema do Livro das Odes:
Nós plantamos e ceifamos o arroz,
E empilhamos a madeira nas margens
Das águas claras e onduladas.
Eles não semeiam, nem colhem.
Como têm, então, 300 alqueires de trigo?
Eles nunca vão à caça.
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Como têm, então, javalis pendurados nos pátios das suas casas?
Ah, esses senhores,
Que não necessitam trabalhar para comer!
A dinastia Zhou do Leste pode ser dividida em dois períodos: 770-476 a.C. e 475-
221 a.C. Neste contexto feudal viveu Confúcio (551-479 a.C.) e fundou uma escola de
pensamento que continua até hoje, o confucionismo. Dava grande consideração à
hierarquia social, a o amor entre os homens, considerava que havia um ser supremo que
reinava sobre o universo e se impunha a todos. Criou escolas privadas e admitiu
discípulos das diversas camadas sociais, quebrando o monopólio das instituições
oficiais. Com mais de três mil seguidores, setenta e dois tornaram-se célebres. Sua
pedagogia baseava-se na repetição, pois “por meio da repetição aprende-se sempre algo
de novo”. Outras escolas filosóficas ou religiosas progrediram, como o taoísmo, o
caminho (tao) espiritual e individualista.
O império, após esse período feudal, inicia-se com o rei Chin, que funda a dinatia Han
(221 a.C.-220 d.C.). O antigo título de rei (wang, em chinês) foi substituído pelo de
imperador. Em chinês, huang-ti (imperador) é uma junção de ti, “antepassado deificado”
e huang quer dizer “brilhante”. É interessante que ambos os termos correspondem aos
termos latinos para o imperador: divus (divinizado) e Augustus (brilhante). O império
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consolidou o confucionismo, desenvolveu o comércio com o Ocidente, pela rota da
seda, assim como se consolidou a historiografia. O período seguinte ficou conhecido
como Idade Média chinesa (220-600 d.C.) e corresponde a grandes transformações em
todo o mundo. Pragas espalharam-se e movimentos de povos, as grandes invasões,
conhecidas também no Mediterrâneo e na Europa Ocidental. Alguns autores associam a
queda dos grandes impérios (Roma e China), a difusão de pragas e as grandes
migrações a mudanças climáticas, com um resfriamento que estimulou a migração no
sentido norte-sul de inúmeros povos.
O Budismo foi a primeira grande religião e influxo cultural externo a difundir-se de
forma ampla na China. Este processo inicia-se no ano 65 d.C., com chegada de
missionários partas pelo atual Afeganistão, mas difusão expandiu-se na Idade Média
chinesa. Por volta de 300 d.C. havia 180 mosteiros e mais de mil monges budistas. O
budismo introduziu as imagens religiosas, mas adotou o culto ancestral chinês. O
império foi reunificado sob a dinastia Sui (581-618), seguida pelos Tang (618-907),
auge da civilização chinesa. A capital estava em Xian, no início da Rota da Seda. Nas
suas ruas, encontravam-se coreanos, japoneses, persas, árabes. A administração imperial
tornou-se complexa e foram criadas duas universidades, assim como códigos de leis. A
influência chinesa foi importante, sendo determinante para o crescimento dos turcos
otomanos, que tomaram muito de sua administração da China.
O desmoronamento das instituições levou ao fim da dinastia e, de novo, ao
esfacelamento da China. Em 1127, conquistadores vindos do norte impuseram-se. O
século seguinte veria o estabelecimento de uma dinastia, Yuan, a partir de 1279,
mongol, povo que dominou uma imensa área que ida da Ásia à Europa. A capital estava
em Pequim e foi nesta época que o viajante de Veneza Marco Pólo empreendeu sua
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viagem. A dinastia Ming (1368-1644) restabeleceu a soberania chinesa e alguns
produtos, como a porcelana chinesa, começaram a circular pelo mundo. Em 1644 uma
nova dinastia estrangeira foi iniciada com a chegada de invasores do norte, da
Manchúria. A dinastia estabelecida, Qin, foi a última, até a implantação da República
em 1911. A China foi acossada pelas potencias estrangeiras, portugueses, ingleses e
japoneses. A República foi proclamada por Sun Yat-Sem. O país dividiu-se em dois
grandes grupos, os nacionalistas e os comunistas, o que facilitou a invasão japonesa e a
eclosão da guerra civil na década de 1930 e que só terminaria com a vitória comunista
de Mao-Dez-Dong em 1949 e a proclamação da República Popular da China. Os
nacionalistas refugiaram-se na ilha de Formosa (Taiwan), com um estado que herdou o
nome de República da China.
No continente, o regime comunista experimentou “o grande salto para frente”
(1958-1960), com pouco sucesso, seguido pela “Revolução Cultural” (1966-1976). A
Guarda Vermelha passou a atuar em paralelo ao exército e ao Partido Comunista, tendo
em vista purgá-los daqueles que fossem acusados de reacionários. A morte de Mao
(1976) levou ao fim da Revolução Cultural e a uma guinada econômica, em direção à
abertura e à economia de mercado. Em trinta anos, a China passou de uma economia
paupérrima à pujança, uma das grandes potências econômicas do mundo, no século
XXI.
A China contribuiu, ao longo dos séculos, em muitos aspectos para o modo de vida
Ocidental. Desde a Antigüidade, a seda chinesa difundiu esse produto no mundo
Mediterrâneo. Também vieram da China, já na Idade Média Européia, outros produtos,
adotados pelos europeus, a começar pelo macarrão, que se tornou uma comida de uso
diário. Os chineses inventaram os fogos de artifício e a pólvora usada nesses artefatos
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foi adotada pelos europeus, que fizeram dela um material bélico que iria revolucionar a
guerra no mundo inteiro. No período moderno, a porcelana chinesa chegaria a todos os
cantos do mundo e os ocidentais iriam imitá-la. A moda dos temas chineses iria explodir
a partir do século XVIII. O século XX veria, ainda, a difusão, em larga escala, de livros
chineses, como as obras de Lao Tse (século V a.C.), mas a mais profunda influência
veio do Maoismo. Inúmeros movimentos políticos, do América Latina à Europa,
passando pela África, reivindicaram sua inspiração chinesa. Hoje, o chinês é estudado
por estrangeiros, como nunca antes.
Bibliografia
DIRLIK, A. Chinese History and the Question of Orientalism, in: History and Theory,
Vol.
35, No. 4, Theme Issue 35: Chinese Historiography in Comparative Perspective (Dec.,
1996), pp. 96-118.
FRANKE, H. & TRAUZETTEL, R. El imperio Chino. México, Siglo XXI, 1973.
WINKINSON, E. Chinese History, a manual. Harvard, Harvard University Press, 2000.