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A CIDADE DE MARDIN E SEUS ARREDORES Mardin, do syriane (siríaco ou aramaico) Merdín, que significa “fortaleza”. Há outras duas versões também vindas do syriane: “Maridin” que significa “rebelar-se contra a maldade” e “Mar Din” que significa “Santa Religião”. Mardin, situada no Sudeste da Turquia, na divisa entre a Anatólia e a Mesopotâmia é hoje, tombada como Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Unesco. Seus primeiros moradores foram os arameus, que fundaram a cidade cerca do século IV AC numa localização estratégica, cravada em uma montanha rochosa que se eleva a 600m na planície mesopotâmica ao norte da Síria. Berço da civilização aramaica e a capital cultural e econômica de todo o norte da Mesopotâmia, foi berço também de uma das maiores e das mais cultas civilizações do oriente médio. O alfabeto aramaico (syriane ou siríaco), com o qual a Bíblia foi escrita e que Jesus Cristo falava e escrevia, foi criado por volta do século VII A.C., permanecendo vivo até hoje. A língua aramaica (syriane) é falada em diversas cidades ao norte de Damasco (como Máalula e Saydnaya) e aldeias ao norte da Síria e é a língua oficial da Igreja Syrian Ortodoxa, com a qual toda a liturgia é professada. Naquela região foram travadas muitas guerras de cunho religioso e político entre os diversos povos que a invadiram, embora toda aquela região pertencesse ao povo aramaico, que foram os fundadores e precursores da primeira Igreja Cristã no mundo em Antákia (Igreja Syrian Ortodoxa de Antioquía). Povo cristão, não tinham formação bélica como os curdos e turcos, muçulmanos que haviam invadido suas terras e que viviam em constantes lutas entre si. Em 1410, o Império Otomano, dos turcos originários da Ásia Central, derrotados pelos mongóis e convertidos ao Islã, tomam a região aquela região, após séculos de disputas entre diversos povos, principalmente com os persas. Curdos também invadem essa região, travado constantes lutas com o exército otomano, porém juntos atacavam e perseguiam a população cristã, culminando com o holocausto cristão de 1915. Em 1914, a Turquia entra na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) ao lado da Tríplice Aliança (Alemanha, Itália e Áustria-Hungria) e contra a Tríplice Entente (Inglaterra, França e Russia), recrutando à força homens da população cristã para colocá-los à frente das batalhas para cavar trincheiras e onde morriam, às vezes assassinados pelos próprios soldados otomanos. A convocação para o exército também era pretexto para deixar as aldeias desprotegidas de seus homens. As invasões, as perseguições e as atrocidades fizeram esse povo fugir de suas casas e terras para as mais diversas regiões do mundo. A maioria atravessou a fronteira síria indo radicar-se em cidades próximas à fronteira como Ammouda, Kamishly e Dirbessiye. Outros fugiram para o Líbano, radicando-se principalmente da cidade de Zahle; outros para Belém, na Palestina e outros fugiram diretamente para as Américas, tendo como foco principal a Argentina e São Paulo. Uma parte da população que emigrou para a Argentina, mudou-se para Corumbá, MS, fazendo parte da grande maioria da colônia mardinyie que vive hoje no Estado de Mato Grosso do Sul. Anterior a essa diáspora, muitos homens, no início do século 20, para não serem levados pelo exército turco, fugiam e refugiavam-se nas montanhas iraquianas, onde permaneciam por alguns anos até que a situação ficasse mais calma, para então regressar a Mardin.

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A CIDADE DE MARDIN E SEUS ARREDORES

Mardin, do syriane (siríaco ou aramaico) Merdín, que significa “fortaleza”. Há outras duas versões também vindas do syriane: “Maridin” que significa “rebelar-se contra a maldade” e “Mar Din” que significa “Santa Religião”.

Mardin, situada no Sudeste da Turquia, na divisa entre a Anatólia e a Mesopotâmia é hoje, tombada como Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Unesco. Seus primeiros moradores foram os arameus, que fundaram a cidade cerca do século IV AC numa localização estratégica, cravada em uma montanha rochosa que se eleva a 600m na planície mesopotâmica ao norte da Síria.

Berço da civilização aramaica e a capital cultural e econômica de todo o norte da Mesopotâmia, foi berço também de uma das maiores e das mais cultas civilizações do oriente médio. O alfabeto aramaico (syriane ou siríaco), com o qual a Bíblia foi escrita e que Jesus Cristo falava e escrevia, foi criado por volta do século VII A.C., permanecendo vivo até hoje. A língua aramaica (syriane) é falada em diversas cidades ao norte de Damasco (como Máalula e Saydnaya) e aldeias ao norte da Síria e é a língua oficial da Igreja Syrian Ortodoxa, com a qual toda a liturgia é professada.

Naquela região foram travadas muitas guerras de cunho religioso e político entre

os diversos povos que a invadiram, embora toda aquela região pertencesse ao povo aramaico, que foram os fundadores e precursores da primeira Igreja Cristã no mundo em Antákia (Igreja Syrian Ortodoxa de Antioquía). Povo cristão, não tinham formação bélica como os curdos e turcos, muçulmanos que haviam invadido suas terras e que viviam em constantes lutas entre si.

Em 1410, o Império Otomano, dos turcos originários da Ásia Central, derrotados pelos mongóis e convertidos ao Islã, tomam a região aquela região, após séculos de disputas entre diversos povos, principalmente com os persas. Curdos também invadem essa região, travado constantes lutas com o exército otomano, porém juntos atacavam e perseguiam a população cristã, culminando com o holocausto cristão de 1915.

Em 1914, a Turquia entra na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) ao lado da

Tríplice Aliança (Alemanha, Itália e Áustria-Hungria) e contra a Tríplice Entente (Inglaterra, França e Russia), recrutando à força homens da população cristã para colocá-los à frente das batalhas para cavar trincheiras e onde morriam, às vezes assassinados pelos próprios soldados otomanos. A convocação para o exército também era pretexto para deixar as aldeias desprotegidas de seus homens.

As invasões, as perseguições e as atrocidades fizeram esse povo fugir de suas

casas e terras para as mais diversas regiões do mundo. A maioria atravessou a fronteira síria indo

radicar-se em cidades próximas à fronteira como Ammouda, Kamishly e Dirbessiye. Outros fugiram

para o Líbano, radicando-se principalmente da cidade de Zahle; outros para Belém, na Palestina e outros fugiram diretamente para as Américas, tendo como foco principal a Argentina e São Paulo. Uma parte da população que emigrou para a Argentina, mudou-se para Corumbá, MS, fazendo parte da grande maioria da colônia mardinyie que vive hoje no Estado de Mato Grosso do Sul.

Anterior a essa diáspora, muitos homens, no início do século 20, para não serem

levados pelo exército turco, fugiam e refugiavam-se nas montanhas iraquianas, onde permaneciam por alguns anos até que a situação ficasse mais calma, para então regressar a Mardin.

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Figura 1 – Acima, mapa atual da Turquia. Região estratégica, que divide a Europa da Ásia e do oriente Médio.

Figura 2 - Acima, mapa atual da Turquia com a Província de Mardin em hachura vermelha.

Figura 3 – Ao lado, mapa Atual da Província de Mardin (Ref.: Wikipédia)

Situada nas divisas do sudeste da Anatólia, da região da Alta Mesopotâmia e do norte Síria, a província de Mardin tem como capital a cidade de Mardin e é composta pelas cidades de Mardin, Nusaybin, Kiziltepe (na fronteira da Siria), Derik, Savur, Dargeçit, Yeşilli, Mazıdağı e Ömerli (antiga Maásarte). A população da Província hoje tem cerca de 800.000 habitantes, dos quais muito poucos são os moradores antigos da cidade, os aramaicos cristãos.

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A RELIGIOSIDADE CRISTÃ EM MARDIN E REGIÃO

A Primeira Igreja Cristã no mundo (hoje Igreja Syrian Ortodoxa) foi fundada na cidade Antioquía (Antákia em árabe e Hatay em turco) por São Pedro (considerado seu primeiro Patriarca) no início de sua peregrinação a partir de Jerusalém, provavelmente em 37 DC. Durante anos houve muita luta para sobrevivência do Patriarcado na Turquia. Em 518 o Patricarca Severius foi exilado e teve que refugiar-se em Alexandria, no Egito. Daí em diante, com as constantes perseguições aos cristãos, inicialmente pelo Império Romano e depois pelos turcos otomanos, o Patriarcado passou por diversos Monastérios na Mesopotâmia até se instalar no século 13 em Mardin, no Monastério de Deyrülzafarân, permanecendo lá por cerca de 700 anos. Em 1933, devido à situação política na região o Patriarcado se transfere para Homs, na Siria e em 1959 para Damasco (Bab Tuma), onde esta até hoje.

Nessa região há vários mosteiros syrian-ortodoxos, como o Monastério de São

Gabriel, (Dayro d-Mor Gabriel também conhecido como Deyrulumur), fundado em 397 e o mais antigo mosteiro vivo da Igreja Sirian Ortodoxa no mundo, localizado em Tur Abdin, perto da cidade histórica de Midyat. Há também o Monastério de Deyrülzafarân, a poucos kilômetros de Mardin. Entre as Igrejas importantes, se destaca a Igreja dos 40 Mártires, construída em 569 por causa do genocidio de quarenta homens que tinham se convertido ao cristianismo e a Igreja de Mar Schmune.

Figura 4 – Vista de Mardin, (Foto CLM 2004), tendo a Cidadela ao alto. A cidade velha, cravada numa colina, é circundada em toda sua concavidade por uma única via, a Sok El Mishkiye, desde o alto até a planície, onde se formou a cidade nova (Neushehir).

Vide Figura 14.

Figura 5 – Vista da Sok El Mishkiye, a principal rua de Mardin (foto CLM 2004), que circunda toda a colina. Aos fundos, vê-se o Hotel Artuklu Kervansarayi, palacete restaurado a partir de uma antiga Residência Mardiniye, cuja construção tem cerca

de 800 anos.

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A Igreja de Mar Schmune foi erguida em homenagem a Shmune, uma mulher

que foi martirizada pelos turcos. Seus sete filhos foram mortos em sua frente, por terem, a família toda, se convertido ao cristianismo.

Figura 6 - Acima, interior da Igreja dos 40 Mártires.

Figura 7 – Ao lado, entrada da Igreja dos 40 Mártires. (Foto CLM 2004).

A Igreja dos 40 Mártires foi erguida em 569 em homenagem aos quarenta homens que foram martirizados e assassinados pelo Imperador Constantino, por terem se convertido ao cristianismo.

Figura 8 - Igreja de Mar Shmune (Santa Simone), vendo-se ao fundo a planície mesopotâmica e as terras do norte da Síria.

Figura 9 - Interior da Igreja de Mar Shmune. Vê-se a parte coberta do pátio interno, onde há um antigo cemitério, onde foram está enterrada Santa Simone e seus filhos e outros sacerdotes ortodoxos. (Foto CLM 2004)

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Figura 11 – Pátio do Monastério de Deyrzaafarán, vendo-se a Planície Mesopotâmica e a fronteira norte da Síria (Foto CLM

2004).

Figura 10 – Monastério de Deyrzaafarán, que foi sede do Patriarcado Syrian Ortodoxo, do século 13 até 1933. Deyr significa Mosteiro e Zaafarán, Açafrão.

Figura 12 – Entrada do Monastério de Mar Gabriel (Foto CLM

2004).O Monastério fica no município de Mydiat.

Figura 13 – Capela do Monastério de Mar Gabriel. São Gabriel viveu ali por muitos anos, sem nunca ter saído para a parte externa. (Foto CLM 2004)

Figura 14 – Vista da parte nova de Mardin (Neushehir), vendo-se aos fundos a colina da cidade antiga. A avenida termina no início da Sok El Mishkiye, a rua que circinda toda a colina da Cidade Velha.

Figura 15 – Rio Tigre em Hassankeyef, aldeia ao norte de Mardin e da Planície Mesopotâmica, perto de sua nascente.

Hassankayef fica na província de Batman.

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O POVO ARAMEU ou ARAMAICO

Para muitos historiadores, o termo arameu refere-se ao povo descendente de

Aram, filho de Sem e neto de Noé. Radicados, a princípio, nas na regiões norte e sul da Mesopotâmia, era um povo

culto que falava um idioma próprio - o aramaico, com lingua e alfabeto, um dos primeiros do mundo.

Os Arameus, estabelecidos em muitos outros pontos da Ásia, apoderaram-se do norte da Síria. A região que ocupavam, compreendia duas partes: a Arameía do Norte, cuja principal cidade era Carkemisk e a Arameía do Sul, que tinha por centro Damasco. Caremisk era o local predileto dos comerciantes, tornando-se muito importante para a época. Lá existia um número notável de cidades com grande importância, isto é, as mais ricas cidades da Síria.

Os Arameus, que compunham um conjunto de tribos nômades, entre os séculos XI e VIII AC, partiram de um Oásis no deserto sírio e instalaram-se em Aram, uma extensa região na Síria setentrional. No mesmo período, algumas dessas tribos dominaram grandes áreas da Mesopotâmia. A primeira referência a eles ocorreu em inscrições do rei assírio Tiglate Pileser I, no século XI AC, que afirmava tê-los combatido em 28 campanhas. No final desse século os Arameus fundaram o estado de Bit Adini nos dois lados do rio Eufrates, abaixo da cidade de Carquemish, e ocuparam áreas na Anatólia, na Síria setentrional e na região do Antilíbano, inclusive Damasco. Por volta de 1030 AC, uma coalizão de Arameus da Mesopotâmia atacou Israel, mas foi derrotada pelo rei Davi.

Além de ocupar a Síria, as tribos araméias estenderam-se ao longo do médio e baixo Eufrates, junto ao médio Tigre e, para leste, até a Babilônia, onde um arameu foi coroado rei. Por volta do século IX toda a área compreendida entre a Babilônia e a costa mediterrânea era dominada pelos membros dessas tribos, mencionados na Bíblia como caldeus, nome de uma delas.

A Assíria, praticamente cercada pelos arameus, reagiu sob a liderança de

Assurnasirpal II e conseguiu subjugar um dos reinos arameus a oeste.

Em 856 AC, o rei assírio Salmanazar III anexou Bit Adini e, em 853 AC, travou batalha contra os exércitos de Hamat, Aram, Fenícia e Israel. Embora a batalha terminasse sem vencedores, em 838 AC Salmanazar conseguiu anexar as regiões dominadas pelas tribos no médio Eufrates.

Durante um século prosseguiram as guerras intermitentes entre Israel e Damasco. Em 740 AC, o assírio Tiglate Pileser III capturou Arpad, o centro da resistência araméia na Síria setentrional, derrotou Samaria em 734 e Damasco em 732. A destruição de Hamat pelo assírio Sargão II, em 720 AC pôs fim aos reinos arameus do oeste.

Os Arameus, então instalados junto ao baixo Tigre conseguiram manter a independência por mais tempo. Entre 722 AC a 710 AC, o caldeu Merodach-Baladan, governou a Babilônia, resistindo aos ataques assírios. Na luta violenta que se seguiu à sua morte os assírios deportaram cerca de 210mil arameus e, em 689 AC arrasaram a Babilônia. Os caldeus, porém, não se submeteram: reconstruíram a Babilônia e em breve a luta se reacendia. Em 626 AC, o general caldeu Nebopolassar proclamou-se rei da Babilônia e uniu-se aos medas e citas para derrotar a Assíria.

No novo império babilônico ou caldeu, os arameus, caldeus e babilônios mesclaram-se, tornando-se indistinguíveis.