A CONCORDATA DE SALAZAR PORTUGAL-SANTA SÉ 1940

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A CONCORDATA DE SALAZAR PORTUGAL-SANTA SÉ 1940 RITA MARIA CRISTOVAM CIPRIANO ALMEIDA DE CARVALHO ___________________________________________________ DISSERTAÇÃO DE DOUTORAMENTO EM HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA INSTITUCIONAL E POLÍTICA DE PORTUGAL DEZEMBRO 2009 ORIENTADOR: PROFESSOR DOUTOR FERNANDO ROSAS FINANCIADA PELA FCT E PELO FSE NO ÂMBITO DO III QUADRO COMUNITÁRIO DE APOIO

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  • A CONCORDATA DE SALAZAR

    PORTUGAL-SANTA S 1940

    RITA MARIA CRISTOVAM CIPRIANO ALMEIDA DE CARVALHO

    ___________________________________________________

    DISSERTAO DE DOUTORAMENTO EM HISTRIA CONTEMPORNEA INSTITUCIONAL E POLTICA DE PORTUGAL

    DEZEMBRO 2009

    ORIENTADOR: PROFESSOR DOUTOR FERNANDO ROSAS

    FINANCIADA PELA FCT E PELO FSE NO MBITO DO III QUADRO COMUNITRIO DE APOIO

  • minha Me

    Maria do Mar

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo aqui s diversas pessoas que contriburam para esta dissertao de doutoramento.

    Ao Professor Doutor Fernando Rosas, orientador da tese, agradeo a amizade franca, o dilogo aberto, as crticas e as sugestes de trabalho. A minha mais recente viagem ao Vaticano, onde recolhi documentao indita do pontificado de Pio XI, no a teria concretizado no fosse a sua insistncia. Foi, e , um privilgio trabalhar com ele no Instituto de Histria Contempornea da Universidade Nova de Lisboa.

    Ao Professor Doutor Lus Salgado de Matos devo o convite para colaborar no projecto A Igreja Catlica e o Estado Portugus no Sculo XX e o estmulo para levar esta dissertao at ao fim.

    Trabalhei com o Professor Doutor Antnio Costa Pinto num projecto sobre elites polticas no salazarismo, onde adquiri conhecimentos que viria a utilizar aqui. Devo-lhe, por isso, uma palavra de sincero reconhecimento.

    O Dr. Antnio Martinho, na qualidade de secretrio do Instituto de Cincias Sociais, manifestou grande abertura s necessidades desta investigao. Agradeo ainda a Maria Goretti Matias a tolerncia com que lidou com a volubilidade dos meus estados de esprito.

    Para Nuno Gonalo Monteiro e Conceio Andrade Martins a minha dvida enorme: tive a sorte de beneficiar da amizade de ambos.

    Por intermdio de Antnio de Arajo conheci pessoas e bibliografia, tive acesso ao Esplio Mrio de Figueiredo. Discuti ideias e recebi muitas, muitas, sugestes. Sem tudo isto o meu trabalho seria, com certeza, pior. Sou-lhe ainda grata pela amizade de sempre.

    H depois outros amigos que quero referir: Elvira Costa e Paula Costa (que me acolheram no Instituto de Cincias Sociais com uma amizade muito reconfortante e til (porque tambm so ptimas bibliotecrias), Nuno Estvo Ferreira (cujo rigor me obrigou a ser mais exigente com o meu trabalho), Antnio Leite (novo amigo que muito admiro), Fernando Martins e Ftima Patriarca (velhos amigos com os quais me habituei a contar), Marcelino Alves (que me ps, literalmente, a cabea no lugar).

    A Ins, a Ana e a Rosarinho (as trs ps-doutoradas nas vicissitudes da minha vida), a minha irm Patrcia (que do alto do seu nariz empinado me vai orientando a vida), o meu Pai (com a sua fleuma inspiradora) foram um auxlio precioso. A minha Me, o meu maior e melhor apoio, tomou conta de mim. O Z Maria tambm.

    As ltimas palavras deste agradecimento so para a minha filha Maria do Mar, o meu grande estmulo e a vtima principal deste labor esta tese sofreu, como a Igreja de Santa Engrcia, os efeitos de vrios terramotos, os quais, por razes endgenas, foram ultrapassados com muita dificuldade. Bem-haja aos Avs que a souberam fazer feliz!

  • A CONCORDATA DE SALAZAR: PORTUGAL-SANTA S 1940

    Rita Almeida de Carvalho

    Palavras-chaves: Igreja Catlica; Concordatas; Salazarismo, Fascismo,

    Franquismo.

    RESUMO

    Esta dissertao sobre a Concordata portuguesa celebrada com a Santa S a 7 de Maio de 1940 enquadra-se no mbito da histria poltica e consiste num estudo exaustivo e sistemtico das negociaes, que se debrua, com base na documentao original, sobre os pontos de vista do Estado portugus e da Santa S. Pretende ser ainda um primeiro esboo de um estudo comparativo com outras concordatas da poca dos fascismos.

    Salazar imps os seus pontos de vista, fazendo um acordo cujas benesses para a Igreja ficaram muito aqum das vantagens oferecidas noutros concordatas, como a italiana ou a espanhola, conferindo-lhe uma plasticidade que permitiu a sua persistncia no ordenamento jurdico portugus at 2004.

    THE CONCORDAT OF SALAZAR: PORTUGAL-SANTA S 1940

    Rita Almeida de Carvalho

    Keywords: Catholic Church; Concordats; Salazarism; Fascism; Francoism.

    ABSTRACT

    This thesis on the portuguese Concordat celebrated with the Holy See on May 7, 1940 falls within the scope of political history and is a comprehensive and systematic study of the negotiations based on original documentation which focuses on the views of the portuguese State and the Holy See. This study is also an initial outline of a comparative study with other concordats from the time of fascisms.

    Salazar imposed its points of view, making an agreement in which the benefits for the church were far below the ones of other contracts, such as the italian or the spanish concordats, providing it with a plasticity that allowed its permanence in the Portuguese legal system until 2004.

  • NDICE

    INTRODUO ___________________________________________________ 1 1 DO ESTADO E DA IGREJA DA MONARQUIA CONSTITUCIONAL DITADURA MILITAR ______________________________________________________ 11

    1.1 A MONARQUIA CONSTITUCIONAL __________________________________ 11 1.2 A REPBLICA ___________________________________________________ 12 1.3 O DECRETO MOURA PINTO _____________________________________ 13 1.4 O PROJECTO LINO NETO _______________________________________ 15 1.5 A DITADURA MILITAR ____________________________________________ 22 1.6 O DECRETO DA PERSONALIDADE JURDICA ________________________ 23 1.7 OS BENS DA IGREJA ______________________________________________ 49 1.8 AS MISSES E O PADROADO PORTUGUS DO ORIENTE _________________ 52 1.9 A ACO DO NNCIO BEDA CARDINALE _____________________________ 55 1.10 OS CATLICOS NO GOVERNO DA REPBLICA ________________________ 57 1.11 OS ACORDOS DE LATRO ________________________________________ 60 1.12 A PORTARIA DOS SINOS _______________________________________ 62 1.13 O NOVO CARDEAL PATRIARCA DE LISBOA __________________________ 64 1.14 UM PEQUENO INCIDENTE A PROPSITO DE UM PEDIDO DE AMNISTIA ____ 71 1.15 CADA VEZ MAIS PRXIMOS ______________________________________ 72

    2 O ESTADO NOVO E A IGREJA CATLICA AT CONCORDATA DE 1940 ___ 77 2.1 O PENSAMENTO DE SALAZAR SOBRE AS RELAES ENTRE O ESTADO E A IGREJA ___________________________________________________________ 79 2.2 A CONSTITUIO DE 1933 E O ESTATUTO DA IGREJA CATLICA _________ 82 2.3 APESAR DE TUDO, UM ENTENDIMENTO CORDIAL ______________________ 91

    3 DO ANTEPROJECTO AO PROJECTO OFICIAL DA CONCORDATA ________ 101 3.1 OS PRIMEIROS ENSAIOS _________________________________________ 102 3.2 O ANTEPROJECTO DA SANTA S __________________________________ 133 3.2.1 O PROJECTO DO CARDEAL CEREJEIRA, OS PROJECTOS QUE O ANTECEDERAM E A ANLISE DA SAGRADA CONGREGAO DOS ASSUNTOS ECLESISTICOS EXTRAORDINRIOS ______________________________________________________________________ 135

    4 O PROJECTO OFICIAL DO GOVERNO PORTUGUS ___________________ 167 4.1 A CONSTITUIO DO GRUPO DE DISCUSSO _________________________ 167 4.2. O PROCESSO DE FIXAO DO TEXTO OFICIAL ______________________ 179 4.3 OS CONTRIBUTOS DOS ACTORES PARA A FIXAO DO PROJECTO OFICIAL 185 4.3.1 PERSONALIDADE JURDICA DA IGREJA CATLICA __________________________ 187 4.3.2 ELEVAO DA LEGAO A NUNCIATURA ________________________________ 188 4.3.3. LIVRE EXERCCIO DO CULTO __________________________________________ 189 4.3.4 LIBERDADE DE COMUNICAO _________________________________________ 189 4.3.5 PERSONALIDADE JURDICA DAS ASSOCIAES RELIGIOSAS __________________ 191 4.3.6 PROTECO DO ESTADO ______________________________________________ 194 4.3.7 SEGREDO RELIGIOSO _________________________________________________ 195 4.3.8 ISENO DE CARGOS PBLICOS ________________________________________ 196 4.3.9 SERVIO MILITAR ___________________________________________________ 197 4.3.10 DESTITUIO DE ECLESISTICOS ______________________________________ 197 4.3.11 HBITOS TALARES _________________________________________________ 198 4.3.12 NACIONALIDADE DOS BISPOS _________________________________________ 199 4.3.13 NOMEAO DOS BISPOS _____________________________________________ 200 4.3.14 ASSISTNCIA RELIGIOSA S FORAS ARMADAS __________________________ 202 4.3.15 ACO CATLICA __________________________________________________ 205 4.3.16 ASSISTNCIA RELIGIOSA NAS ORGANIZAES DE JUVENTUDE _______________ 207 4.3.17 CASAMENTO ______________________________________________________ 209 4.3.18 SEPARAO DE PESSOAS _____________________________________________ 215 4.3.19 LIBERDADE DE CULTO_______________________________________________ 216 4.3.20 TOQUE DOS SINOS __________________________________________________ 217 4.3.21 FESTAS RELIGIOSAS ________________________________________________ 217

  • 4.3.22 LUGARES DE CULTO ________________________________________________ 219 4.3.23 ASSISTNCIA ESPIRITUAL AOS HOSPITAIS _______________________________ 220 4.3.24 LIBERDADE DE ENSINO ______________________________________________ 221 4.3.25 ENSINO RELIGIOSO _________________________________________________ 222 4.3.26 MORAL CATLICA __________________________________________________ 223 4.3.27 SMBOLOS RELIGIOSOS ______________________________________________ 223 4.3.28 ENSINO DA RELIGIO _______________________________________________ 223 4.3.29 OS PROFESSORES DE RELIGIO ________________________________________ 226 4.3.30 SEMINRIOS ______________________________________________________ 226 4.3.31 TTULOS ACADMICOS ______________________________________________ 228 4.3.32 COBRANA DE TAXAS E COLECTAS ____________________________________ 229 4.3.33 OS BENS DA IGREJA _________________________________________________ 229 4.3.34 MONUMENTOS NACIONAIS ___________________________________________ 231 4.3.35 OBJECTOS DE CULTO ________________________________________________ 234 4.3.36 ISENES FISCAIS __________________________________________________ 235 4.3.37 MISSES _________________________________________________________ 237 4.3.38 DIVISO RELIGIOSA DO ULTRAMAR ____________________________________ 240 4.3.38 BISPOS ULTRAMARINOS _____________________________________________ 240 4.3.39 PADROADO PORTUGUS DO ORIENTE ___________________________________ 241 4.3.40 DIREITO SUBSIDIRIO _______________________________________________ 243 4.3.41 INTERPRETAO DA CONCORDATA ____________________________________ 244 4.3.41 NORMA REVOGATRIA ______________________________________________ 245 4.3.42 RATIFICAO _____________________________________________________ 245

    5 DAS NEGOCIAES OFICIAIS RATIFICAO DA CONCORDATA _______ 247 5.1 A DISCUSSO DO ARTICULADO____________________________________ 323 5.1.1 A SANTA S SUJEITO DE DIREITO INTERNACIONAL _________________________ 324 5.1.2 CAPACIDADE JURDICA DAS INSTITUIES CATLICAS ______________________ 341 5.1.3 AQUISIO E O REGIME DE BENS DA IGREJA CATLICA _____________________ 343 5.1.4 GARANTIAS QUANTO AO CLERO E REGIME DAS PESSOAS ECLESISTICAS _______ 365 5.1.5 PRTICA E ASSISTNCIA RELIGIOSAS ____________________________________ 385 5.1.6 ENSINO ___________________________________________________________ 406 5.1.7 CASAMENTO _______________________________________________________ 429 5.1.7.1 EFEITOS CIVIS DO CASAMENTO RELIGIOSO ___________________________ 435

    5.1.8 DIVRCIO _________________________________________________________ 460 5.1.9 SEPARAO DE PESSOAS ______________________________________________ 476 5.1.10 REGIME DAS MISSES NO ULTRAMAR __________________________________ 477 5.1.11 PADROADO E SEMI-PADROADO ________________________________________ 488 5.1.12 INTERPRETAO E VIGNCIA DA CONCORDATA __________________________ 491

    CONCLUSO __________________________________________________ 499 1 AS CONCORDATAS E OS REGIMES POLTICOS _________________________ 499 2 AS CONCORDATAS NUMA PERSPECTIVA COMPARADA __________________ 504 3 REGALISMO OU CATOLAICISMO? ___________________________________ 515 4 PROCESSO DECISRIO ____________________________________________ 518

    FONTES ______________________________________________________ 527 BIBLIOGRAFIA CITADA _________________________________________ 529

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    INTRODUO

    Durante o Antigo Regime, todas as sociedades europeias eram confessionais. A

    Religio e o Poder estavam associados, a primeira legitimando o segundo e regulando toda a

    vida social e privada1:

    A religio regula toda a existncia, individual e colectiva. Ela preside a todas as actividades sociais: nada escapa sua vigilncia e ao seu controlo e o Estado vela pelo respeito das suas prescries cultuais e morais. Ela ocupa todo o espao social, ritma o tempo: a sociedade alinha-se pelo seu calendrio para o trabalho e para as festas. Ela abenoa todas as funes sociais. Ela mesma tem a seu cargo a assistncia e a educao: as universidades e os hospitais so instituies de origem religiosa e de estatuto eclesistico. O constrangimento exercido sobre as conscincias e as liberdades individuais tem contrapartidas: a proteco dos fracos, o alvio das doenas, a assistncia aos pobres, a homogeneidade de condutas, os pontos de referncia comuns2.

    A Revoluo francesa, com a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado e a

    Constituio Civil do Clero (1790), dissemina rapidamente a sua poltica: a religio deixa de

    ser o principal fundamento de unidade ou o critrio de identidade nacional3. Mas a

    tendncia generalizada para a separao entre os Estados e a Igreja Catlica comeou a

    despontar mesmo antes, com a Reforma protestante (onde, a ttulo de exemplo, o casamento

    passa a ser considerado um contrato civil). No resto da Europa tridentina, a reflexo sobre a

    separao entre os Estados e a Igreja Catlica inicia-se com o Iluminismo4, cujos princpios,

    tais como o facto de a liberdade individual ser o fundamento da ordem social5, foram

    aprofundados e modificados pela Revoluo francesa6.

    No que se refere a Portugal, pode dizer-se que o confisco dos bens da Companhia de

    Jesus pelo marqus de Pombal (Lei de 3 de Setembro de 1759) e a sua subsequente expulso

    1 Ren Rmond, Religion et Societ en Europe. La scularisation aux XIXe et XXe sicles. 1780-2000. Paris: dition du Seuil, 2001, p. 19. 2 Ren Rmond, Religion et Societ en Europe, p. 48. 3 Ren Rmond, Religion et Societ en Europe, p. 54-55. 4 O Iluminismo foi antes de tudo uma emancipao de posies anteriores de filosofia, autoridade e tradio. A prpria palavra Iluminismo implicava que, se pudssemos apenas a colocar a luz suficiente sobre uma dada questo, veramos as coisas como elas realmente so e ficaramos libertos das trevas e do erro. A razo humana tornou-se o principal foco e foi vista como o instrumento essencial para a libertao espiritual da ignorncia, superstio, e passividade. O iluminismo incentivou tambm uma busca de moralidade universal (incluindo a justia social para todos) e uma nfase no respeito pelos indivduos. In Timothy G. McCarthy, The Catholic Tradition. The Church in the twentieth century, 2 ed. Chicago: Loyola Press, 1998, p. 30-31. 5 Ren Rmond, Religion et Societ en Europe, p. 205. 6 Antnio Leite, Natureza e oportunidade das concordatas. In AAVV, A Concordata de 1940. Portugal Santa S, Lisboa: Edies Didaskalia, 1993, p. 6.

  • 2

    do territrio nacional (Lei de 28 de Agosto de 1767) constituram as primeiras medidas no

    sentido de coarctar a influncia da Igreja Catlica na sociedade civil. Como dir Monsenhor

    Fino Beja7:

    Pombal, puxado pelas ideias em voga, foi o primeiro que procurou aclimatar, nossa mentalidade, a corrente enciclopdica que via no casamento um prejuzo e no divrcio uma exigncia da natureza; e sem se aperceber, e mesmo sem querer, nas tentativas de submeter a Igreja ao Estado, enfraqueceu a instituio familiar8.

    Mrio de Figueiredo e Pacheco de Amorim justificam o aparente paradoxo de o

    anticlericalismo existir precisamente nos pases de tradio e maioria catlicas pelo facto de o

    clero ter a a possibilidade de dominar o governo atravs da maioria constituda pelos seus

    fiis. Com efeito a existncia de um Magistrio, cuja autoridade suprema reconhecida

    pelos fiis de todos os pases9, conferia-lhe esta possibilidade. tambm neste contexto que,

    com a sua ortodoxia doutrinria, a Igreja Catlica no s espera dos poderes seculares que a

    reconheam como sociedade perfeita como considera que estes tm o dever de a secundar no

    exerccio da sua misso espiritual. Por esta razo, interfere na poltica, em nome da

    moral que ela deduz da Revelao e do Evangelho10.

    Se os problemas das relaes entre os Estados e a Igreja Catlica tm razes mais

    recuadas, nos sculos XIX e XX a situao degradou-se rapidamente: a unificao italiana ps

    termo s concordatas com os antigos Estados e a Lei das Garantias de 1871 sancionou a

    separao Estado-Igreja (embora certos pases pudessem estar representados junto do

    Vaticano e vice-versa, no existiam relaes diplomticas entre a Itlia e o Vaticano)11; na

    ustria, o imperador reagiu declarao da infalibilidade papal com a denncia da

    Concordata de 1855; as concordatas dos Estados de Vurtemberga e Bade no foram aplicadas;

    em Frana, foi publicada a Lei da Separao de 9 de Dezembro de 1905, que acabou com o

    regime concordatrio da era napolenica12. Tambm em Portugal, um dos pases que acatou

    7 Monsenhor Jos Fino Beja (1882-1951) Director do jornal Democracia Crist (1912), fundador da Juventude Catlica Covilhanense (1916), director do jornal Notcias da Covilh (1922). Dava palestras frequentes ao microfone do Rdio Clube Portugus sobre temas religiosos e foi professor de Educao Moral e Cvica no Liceu. 8 Fino Beja, Famlia, casamento e divrcio. Lisboa: Livraria Popular de Francisco Franco, 1939, p. 268. 9 Mrio de Figueiredo e Pacheco de Amorim, Relatrio [apresentado Assembleia Geral do Centro Catlico em 17 de Dezembro de 1931]. In Documentos Originais Sobre o Fim do Centro Catlico, documentos oriundos do arquivo particular de Mrio de Figueiredo, hoje depositados na Biblioteca Joo Paulo II da Universidade Catlica Portuguesa por oferta de Josu Pinharanda Gomes. 10 Ren Rmond, Religion et Societ en Europe, p. 37. 11 Francesco Margiotta-Broglio, Les politiques concordataires. In Nations et Saint-Sige au XXe sicle, dir. Hlne Carrre dEncausse e Philippe Levillain, Paris: Fayard, 2000, p. 96. 12 Francesco Margiotta-Broglio, Les politiques concordataires, p. 97.

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    as disposies do Conclio de Trento e que sofreu uma forte influncia do anticlericalismo da

    Frana revolucionria, o liberalismo oitocentista e, depois, a Repblica infligem duros golpes

    Igreja Catlica. Refira-se a Lei de 30 de Maio de 1834, de Joaquim Antnio de Aguiar, a

    qual extinguia todos os conventos, mosteiros, colgios, hospcios, e quaisquer outras casas

    das ordens religiosas regulares, incorporando os seus na Fazenda Nacional. Por outro lado,

    a Igreja vai perder, paulatinamente, o controlo sobre as instituies que garantiam a

    reproduo social da sua ideologia13, poder que decorria, at ento e em grande medida, da

    debilidade dos recursos humanos e tcnicos da burocracia estatal14. Na verdade, at a eram

    as autoridades eclesisticas quem dominava a educao, a sade pblica e as obras

    assistenciais, a concesso de registos de nascimento, casamento e bito15. Outros perigos

    ameaavam a sua fora econmica e poltica, tais como a expanso sovitica e o comunismo.

    Por estas razes a Santa S procurava erguer uma frente em defesa da civilizao crist,

    ameaada, como diz Salazar, pelas desordens e perigos mentais, morais e sociais trazidos

    pelo falso liberalismo, pelo socialismo, pelo comunismo, pelo atesmo, pelo materialismo e

    pelas revolues16.

    Este temor bem expresso pelo relato que Assis Gonalves17 fez em 1933 de uma

    conversa havida entre o padre Jos de Castro, consultor eclesistico da Embaixada de

    Portugal no Vaticano18, e um chefe do Comunismo Separatista Catalo, que encontrara numa

    viagem de comboio de regresso a Portugal. Na opinio deste ltimo:

    Aquilo l por Portugal tambm vai muito bem A Galiza optimamente Em breve ela e Portugal constituiro o jardim da prxima Confederao Comunista Ibrica.

    A possibilidade do advento do comunismo na Pennsula Ibrica era, de acordo com o

    padre Castro, partilhada pelo Sumo Pontfice:

    13 Manuel Braga da Cruz, As origens da Democracia Crist e o Salazarismo. Lisboa: Presena/GIS, 1980, p. 44 e 39. 14 Ricardo Mariano, Secularizao do Estado, liberdades e pluralismo religioso. http://www.naya.org.ar/congreso2002/ponencias/ricardo_mariano.htm (22 de Maio de 2007). 15 Ricardo Mariano, Secularizao do Estado, liberdades e pluralismo religioso. http://www.naya.org.ar/congreso2002/ponencias/ricardo_mariano.htm (22 de Maio de 2007). 16 ANTT, AOS/CO/NE-1A (pt. 16, fls. 180-183). Texto de Salazar entregue aos directores dos jornais, em 7 de Maio de 1940. 17 Horcio de Assis Gonalves (1889-?) oficial do Exrcito, estudou na Universidade e foi alferes do Corpo Expedicionrio Portugus. Ideologicamente prximo do nacional-sindicalismo, ser secretrio de Salazar, seu antigo professor em Coimbra, de 1930 a 1934. Nomeado governador civil do distrito de Vila Real em 1934, ocupar esse cargo at 1944. Vivia ainda no ano de 1975. 18 Jos de Castro (1886-1966) sacerdote e escritor, conservador e monrquico. Conspirador monrquico em 1911, esteve preso. Viveu depois alguns anos em Espanha e no Brasil. Em 1930 foi nomeado consultor eclesistico da Embaixada de Portugal no Vaticano.

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    S. S. o Papa, sempre que se lhe fala em Portugal (ele que dirige o combate anticomunista por todo o Mundo, e que por isso tem acerca da sua organizao as mais completas informaes) diz com certa preocupao:

    Il faut prier toujours au Bon Dieu pour Salazar pour le Ministre Oliveira Salazar du Portugal19.

    Num continente dominado por Estados protestantes, anticlericais ou ateus a Santa S

    procurava fortalecer a sua posio internacional20, tentando recuperar a sua influncia, a sua

    autoridade e o seu patrimnio. Este esforo consubstanciado no movimento concordatrio

    do sculo XX. As concordatas so acordos genricos celebrados entre os Estados e a Santa S

    (a primeira Concordata que regula genericamente as relaes entre o Estado e a Igreja a

    Concordata napolenica), que tm juridicamente o valor de um tratado internacional, porque a

    Santa S geralmente reconhecida como pessoa jurdica de Direito Internacional Pblico

    (como as Naes Unidas ou a Unio Europeia)21. a prpria existncia da Santa S (e no do

    Estado do Vaticano) que faz com que em lugar de ser decretado unilateralmente pelo Estado,

    o estatuto da Igreja Catlica seja objecto de negociaes de natureza diplomtica entre os

    Estados e a Santa S e as disposies adoptadas sejam consagradas nos textos com todas as

    caractersticas de um tratado entre potncias, nas quais, em caso de desacordo, os diferendos

    tm uma dimenso internacional22. Depois da anexao pelo Estado italiano dos Estados

    pontifcios em 1870 e at assinatura dos Acordos de Latro em 1929, o papel internacional

    da Santa S mantm-se mesmo se o seu fundamento j no decorresse de uma soberania

    territorial, mas antes da chefia da Igreja Catlica. Como afirmava o embaixador do Brasil em

    Portugal nas palavras que dirigiu a Pio XI, em nome do corpo diplomtico,

    Os Papas, depois da queda do poder temporal continuaram a ser soberanos como dantes, porque potncias soberanas no teriam delegado nos seus embaixadores e ministros a misso de defender os seus interesses perante uma pessoa destituda de qualidade para os receber, isto , uma pessoa que no gozasse dos atributos da soberania23.

    19 Relatrio que Assis Gonalves envia Antnio Oliveira Salazar, em 31 de Julho de 1933. H. Assis Gonalves, Relatrios para Oliveira Salazar. 1931-1939. Lisboa: Presidncia do Conselho de Ministros/Comisso do Livro Negro sobre o Regime Fascista, 1981, p. 93. 20 Neal Pease, Poland and the Holy See, 1918-1939, Slavic Review, vol. 50, n 3, autumn, 1991, p. 521. 21 Retomaremos este assunto quando analisarmos os artigos da Concordata de 1940 que reconhecem a Santa S como sujeito do Direito Internacional, onde procuraremos demonstrar que esta questo, embora tenha suscitado por muito tempo grandes controvrsias, hoje consensual. A bibliografia sobre o assunto abundante. Veja-se, por exemplo, Jorge Miranda, A Concordata e a ordem constitucional portuguesa. In AAVV, A Concordata de 1940. Portugal Santa S, p. 68-84; Jean-Marie Mayeur, Les glises et les Relations Internationales. II. Lglise Catholique. In Histoire du Christianisme, dir. J.-M. Mayeur et al, vol. 12, Guerres mondiales et totalitarismes (1914-1958). Paris: Desde/Fayard, 1990, p. 297-298; Jean Julg, Lglise et les tats. Histoire des concordats. Paris: Nouvelle Cit, 1990, p. 11-20. 22 Ren Rmond, Religion et Societ en Europe, p. 42. 23 Citado em Rosa Dionzio Nunes, Das relaes da Igreja com o Estado. Coimbra, Almedina, 2005, p. 335.

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    A diferena essencial entre um Estado e a Santa S que o primeiro exerce uma

    soberania circunscrita a determinado territrio, e a segunda se constituiu enquanto poder

    transnacional24: duas sociedades, soberanas e independentes, mas de natureza diversa

    religiosa ou espiritual uma, e temporal e profana outra25. Daqui decorre que os dois poderes

    exercem a sua soberania sobre os mesmos sujeitos (cidados e fiis)26.

    Atravs das concordatas, a Santa S obtm da parte dos Estados garantias jurdicas de

    controlo da organizao eclesistica e dos fiis, proteco e, nalguns casos, o sustento

    financeiro do culto. As concordatas procuram ainda o reconhecimento do Cdigo de Direito

    Cannico de 1917, no que se refere ao casamento, concebido enquanto unio perptua e

    sacramental, que reproduz a unio entre Cristo e a Igreja, pelo que s o magistrio do Sagrado

    tem competncia para o regular27; ao ensino, cabendo Igreja o direito e o dever de garantir

    que a juventude seja convenientemente instruda na verdadeira f e na boa moral, ficando o

    papel do Estado confinado ao fornecimento dos meios para que os pais cumpram as suas

    obrigaes em todos os domnios, entre eles o religioso; nomeao dos bispos, que segundo

    o Direito Cannico da exclusiva competncia da Santa S (no se trata apenas de por termo

    ao direito de nomeao dos bispos pelos diversos Estados, mas tambm de acabar com os

    privilgios de certas Igrejas, como a alem e a austraca, que elegiam os bispos atravs dos

    captulos catedrais)28. Por estas razes, as concordatas deste perodo apresentam inmeras

    semelhanas.

    Do lado da Santa S, as concordatas imporiam s Igrejas nacionais reticentes a

    centralizao cannica com a ajuda do brao secular dos Estados interessados em concluir

    acordos com a Santa S29. A tentativa de estender Cristandade o Cdigo de Direito

    Cannico de 1917, num processo de centralizao e afirmao inequvoca da autoridade

    papal, atravs do estabelecimento de concordatas estar na origem, segundo John Cornwell,

    autor do polmico livro The Hitlers Pope, do silncio de Pio XII relativamente ao nazismo

    (em 1933, como se sabe, Pio XI celebrou uma Concordata com Hitler).

    24 Peter Hgel e Pauline Peretz definem as relaes transnacionais como interaces regulares transversais s fronteiras nacionais em que pelo menos um dos actores no um agente do Estado ou no opera custa de um Governo nacional ou de uma organizao intergovernamental. Peter Hgel e Pauline Peretz, States and Transnational Actors: Whos Influencing Whom? A Case Study in Jewish Diaspora Politics during the Cold War, European Journal of International Relations, vol. 11 (4) 2005: p. 487, nota 2. 25 Antnio Leite, Natureza e oportunidade das concordatas, p. 3-4. 26 Antnio Leite, Natureza e oportunidade das concordatas, p. 3-4. 27 A ttulo de exemplo, o Direito Cannico reconhecido na Concordata espanhola de 1953, na qual se prescreve que os nubentes no podem casar-se pelo civil, a menos que tenham feito publicamente acto de apostasia. 28 John Cornwell, Hitlers Pope: The Secret History of Pius XII. Londres: Penguin Books, 1999, p. 41-45. Ver tambm Francesco Margiotta-Broglio, Les politiques concordataires, p. 99. 29 Francesco Margiotta-Broglio, Les politiques concordataires, p. 97-98.

  • 6

    Por seu turno, os novos Estados ou novos regimes ditatoriais surgidos no perodo de

    entre-guerras procuram nestes acordos uma fonte de legitimidade, estabilizao e

    durabilidade, cientes de que a paz religiosa constitua um factor de primeira ordem para

    atingir a paz social, o catolicismo conferia unidade moral s naes30, um bom

    relacionamento com a Santa S era tambm uma fonte de prestgio internacional31. Como

    afirma Jean Julg, relativamente aos novos Estados sados da Primeira Guerra Mundial,

    O interesse pela religio no era sem dvida o seu principal objectivo, porque um reconhecimento pela Santa S conferia-lhes uma cauo moral que no poderia seno aumentar o seu prestgio e fortificar o seu regime32.

    A tal situao no alheio o facto de a comunidade catlica romana constituir, muitas

    vezes, a maioria da populao destes Estados, como acontece nos casos de Itlia, Portugal e

    Espanha. Outro aspecto atraente do regime concordatrio no que respeitava aos Estados

    consistia na posio da Igreja relativamente defesa da ordem estabelecida e afirmao de

    valores conservadores: submisso autoridade, culto da tradio, respeito pela hierarquia,

    aceitao das desigualdades. Como afirmou Lino Neto33 a Igreja um factor de

    disciplina34. Ren Rmond defende que o catolicismo romano (bem como o anglicanismo e

    o luteranismo), conservando a hierarquia episcopal, se predispe a aceitar toda a autoridade

    superior, poltica e eclesial, e a testemunhar-lhe reverncia e submisso35.

    Na verdade, o papel estabilizador da Igreja Catlica incontroverso, como se pode ver

    na introduo de um projecto de Concordata, elaborado por Trindade Coelho36 em 1932, no

    qual se declara que o respeito e o reconhecimento da situao jurdica da Igreja Catlica, no

    s vai ao encontro dos fins do prprio Estado, como est na origem de uma certa paz social,

    uma autntica prosperidade. Trindade Coelho considera que a Concordata assim um

    30 Yves de la Brire, Le Droit Concordataire dans la nouvelle Europe. In Acadmie de Droit International. Recueil des Cours, tomo 63, vol. 1. Paris: Librairie du Recueil Sirey, p. 38 ; Ren Rmond, Religion et Societ en Europe, p. 47. 31 Jean Salomon, La Politique Concordataire des tats depuis la fin de la Deuxime Guerre Mondiale. Paris: ditions A. Pedone, 1955, p. 29-38. 32 Jean Julg, Lglise et les tats. Histoire des concordats, p. 169. 33 Antnio Lino Neto (1873-1961) Seminarista em Portalegre, viria a concluir o curso de Direito na Universidade de Coimbra em 1899. Foi professor no Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, da Escola Politcnica de Lisboa e depois do Instituto Superior Tcnico e do Instituto Superior de Cincias Econmicas e Financeiras, chegando a ser director desta ltima instituio e a vice-reitor da Universidade Tcnica de Lisboa (1938-1943). Foi presidente do Centro Catlico de 1919 a 1934 e deputado catlico eleito em 1918, 1922 e 1925. 34 Dirio da Cmara dos Deputados, 11 de Dezembro de 1922. 35 Ren Rmond, Religion et Societ en Europe, p. 36. 36 Henrique Trindade Coelho (1885-1934) foi ministro dos Negcios Estrangeiros de 27 de Julho a 16 de Agosto de 1929. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, publicista, apoiante do 28 de Maio de 1926. Em 1927 ingressou na carreira diplomtica (ministro junto do Quirinal). Foi depois ministro dos Negcios Estrangeiro, e voltando a ocupar o cargo de ministro, agora junto da Santa S em Setembro de 1929.

  • 7

    tratado de paz37. Por um lado, a Igreja exige que os catlicos portugueses observem o

    Cdigo de Direito Cannico; em contrapartida, espera-se que os catlicos respeitem a

    Repblica portuguesa, observem fielmente as leis que tendem ao bem comum, trabalhando

    lealmente para que se conserve a ordem e se no perturbe a paz absolutamente indispensvel a

    um Estado que queira tranquilamente, e sem obstculos, atingir os seus fins38.

    Com as concordatas, a Igreja Catlica assume um estatuto de primazia relativamente

    s restantes confisses religiosas, tanto mais que se trata de um compromisso garantido, no

    por via do direito interno, mas atravs do Direito Internacional, isto , exime-se s sempre

    precrias mudanas de legislaes particulares39. Uns entendem que se tratam de privilgios;

    outros uma questo de justia em face das espoliaes pretritas, uma compensao

    legtima e o reconhecimento devido40.

    Paradoxalmente, a autoridade eclesistica v-se limitada e enquadrada41. Veja-se que

    em Portugal s na recente Concordata de 2004 se arredou o Estado do processo de nomeao

    dos bispos (embora este se limitasse apenas ao direito de objeco). Tal significa que nem

    sempre so os pases concordatrios os que conferem maior liberdade Igreja Catlica porque

    ao regularem a sua aco, tambm a disciplinam42. Da que dentro da Igreja, depois do

    Conclio Vaticano II, sejam comuns as afirmaes de que nem a Igreja nem o Estado podem

    abdicar da sua respectiva soberania ou independncia. A Igreja no pode nem quer gozar de

    privilgios, (...), pois tais privilgios, que geralmente so onerosos, impedi-la-iam [...] de

    realizar integralmente a sua misso e de se apresentar em toda a sua genuna pureza perante os

    homens de hoje43 e de que nesta sociedade dessacralizada, secularizada e pluralista, que

    cada vez mais a actual, no pode admitir-se que a Igreja esteja ligada por vnculos contratuais

    ao poder civil44.

    37 ANTT, AOS/CO/NE-29A (pt. 2, fls. 47-60). 38 ANTT, AOS/CO/NE-29A (pt. 2, fls. 47-60). 39 M. Isidro Soares, A Concordata de 1940. In AAVV, Concordata de 1940. Portugal Santa S, p. I (prefcio). Ver tambm Antnio Leite, Natureza e oportunidade das concordatas, p. 9-10. 40 M. Isidro Soares, A Concordata de 1940. In AAVV, Concordata de 1940. Portugal Santa S, p. I (prefcio). 41 John Markoff; Daniel Regan, Religion, the State and Political Legitimacy in the Worlds Constitutions. In Church-State Relations. Tensions and Transmissions, dir. Thomas Robbins e Roland Robertson. New Brunswick/New Jersey: Transaction Books, 1987, p. 171 e ss. 42 Ivan Vallier, por exemplo, defende que a Frana e os Estados Unidos, levando o princpio da separao e o pluralismo religioso mais longe, so tambm os pases onde a Igreja pode mais livremente actuar. Ivan Vallier, The Roman Catholic Church: A Transnational Actor. In Transnational Relations and World Politics: An Introduction, ed. Joseph S. Nye e Robert O. Keohane, 5 ed. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1981, p. 129-152. 43 Antnio Leite, Natureza e oportunidade das concordatas, p. 8. 44 Antnio Leite, Natureza e oportunidade das concordatas, p. 8.

  • 8

    A Concordata portuguesa de 1940 inscreve-se, por conseguinte, num conjunto de

    concordatas estabelecidas pelo Vaticano na primeira metade do sculo XX, inserindo-se na j

    designada Era das concordatas45, perodo que coincide com o pontificado de Pio XI, com o

    advento dos regimes totalitrios e autoritrios e com a Segunda Guerra Mundial. Entre 1922 e

    1939, Pio XI celebrou concordatas com diversos Estados: trs Estados da Repblica de

    Weimar (Baviera em 192446 e Bade em 1932, Estados alemes de maioria populacional

    catlica, e Prssia em 1929, o mais importante Estado do Imprio alemo, sendo que um tero

    da sua populao era catlica47); a Letnia em 1922, pequeno Estado democrtico

    desmembrado da Rssia dos czares, com dois milhes de habitantes na sua maioria

    protestantes, dos quais meio milho era catlico48; a Polnia em 1925, pas independente

    desde 1918, data uma democracia parlamentar49, com 34 milhes de habitantes, dos quais 26

    milhes eram catlicos; a Litunia em 1927, Estado que resultou tambm do fim do imprio

    russo, governado por uma ditadura militar de cariz nacionalista e com uma maioria de

    populao catlica50; a Romnia em 1929, repblica liberal, com uma populao de 19

    milhes, dos quais 3 milhes e meio eram catlicos (ainda que uma parte importante seguisse

    o rito greco-romano)51; a Itlia de Mussolini em 192952; a Alemanha de Hitler em 1933, com

    cerca de 66 milhes de habitantes, sendo um tero catlico; a ustria de Dollfuss em 193453,

    com uma populao maioritariamente catlica; a Jugoslvia em 193454. Pio XI iniciou ainda

    negociaes para o estabelecimento de concordatas com Portugal e Espanha, as quais foram

    45 Francesco Margiotta-Broglio, Les politiques concordataires, p. 95. 46 Esta Concordata estabelece que religio catlica a religio de Estado, apesar de, segundo a Constituio de Weimar, nenhum Estado o poder fazer, seja qual for a confisso religiosa. Jean Julg, Lglise et les tats. Histoire des concordats, p. 195. 47 Esta Concordata, a que o Estado alemo chamou apenas Conveno solene foi difcil de aprovar devido s dificuldades levantadas pelos no-catlicos, comunistas e nazis. Tambm por este motivo, a regulao do ensino foi excluda do texto. Ver Jean Julg, Lglise et les tats. Histoire des concordats, p. 196-197. 48 o primeiro dos novos Estados da Europa de Leste que concluiu uma Concordata com a Santa S. Durante a dominao russa os catlicos da Letnia foram enquadrados na hierarquia eclesistica estabelecida nos acordos concludos entre a Santa S e a Rssia. Era assim necessrio restabelecer o clero e uma hierarquia catlica nacional. Amadeo Giannini, I Concordati postbellici, vol. 1. Milo: Societ Editrice Vita e Pensiero, 1929, p. 43. 49Jzef Klemens Pisudski foi chefe de Estado da Polnia de 1918 a 1922. Em 1926, na sequncia de um golpe de Estado, instaura um regime autoritrio. 50 A Constituio da Litunia conferia ampla liberdade de culto a todas as confisses religiosas, pelo que foi fcil Santa S negociar com este Estado uma concordata. Amadeo Giannini, I Concordati postbellici, p. 14 51 Embora a sua ratificao, devido a certas reaces do clero ortodoxo e a algumas dificuldades polticas s se tenha verificado em 1929. Ver Jean Julg, Lglise et les tats. Histoire des concordats, p. 173. 52 Os Acordos de Latro so compostos por um tratado poltico, uma conveno financeira e uma concordata. 53 Esta concordata comeou a ser negociada antes de a ustria ter por chanceler Dolfuss, embora fosse assinada j por este. 54 A Concordata foi concluda em 1934 mas, depois do assassinato do rei Alexandre em Marselha em Outubro desse ano, o regente fez votar uma lei que o autorizava a ratific-la. Perante os protestos dos cristos ortodoxos srvios e a hostilidade do Senado, o projecto acabaria por ser retirado. Jean Julg, Lglise et les tats. Histoire des concordats, p. 176.

  • 9

    concludas j sob o pontificado de Pio XII em 1940 e em 1953. Esta ltima marca o fim da

    Era das concordatas, pois ainda uma Concordata tipicamente dos anos 3055.

    Existe uma coincidncia temporal entre esta Era das concordatas e o recuo, de que

    fala Hobsbawm, do constitucionalismo liberal e da democracia representativa56. certo que

    algumas destas concordatas foram celebradas em pases que apresentam algumas

    caractersticas comuns populaes maioritariamente catlicas, relaes entre o Estado e a

    Igreja Catlica moldadas pela reforma tridentina (at no subsequente laicismo) e regimes

    polticos que incorporam elementos do fascismo (antiliberalismo, anticomunismo,

    nacionalismo, autoritarismo, represso poltica, censura, corporativismo, partido nico,

    imperialismo, etc.). o caso do fascismo italiano, do salazarismo e do franquismo, para os

    quais tambm a religio catlica constituiu um cimento ideolgico e mental determinante57,

    por oposio ao anticlericalismo precedente. Mas no partilham entre si algumas das

    caractersticas que muitos autores consideram correntes no fascismo: o movimento de massas;

    o anticonservadorismo; a chefia carismtica58.

    Ora, quer as diferenas, quer as similitudes entre as realidades histricas, sociais e

    polticas destes pases tornam aliciante perceber por que razes quiseram estes Estados

    celebrar concordatas com a Santa S e vice-versa.

    Este projecto de investigao tem por objecto o estudo do processo negocial e das

    matrias reguladas na Concordata celebrada a 7 de Maio de 1940 entre o Estado Portugus e a

    Santa S, considerando tambm a aco dos diversos protagonistas envolvidos. Apesar de

    vrias contribuies, a Concordata portuguesa, no mbito da histria poltica, no mereceu

    ainda um estudo sistemtico e exaustivo que se debruasse, com base na documentao

    original, sobre os pontos de vista do Estado portugus e da Santa S59. O mesmo poder ser

    dito para o estudo comparativo que praticamente est por fazer e de que esta tese pretende ser

    um primeiro esboo. Nesse sentido, procurar-se- desenvolver uma aproximao transversal

    s experincias italiana (1929) e espanhola (1953), com o objectivo de identificar as

    55 Francesco Margiotta-Broglio, Les politiques concordataires, p. 95. 56 Eric Hobsbawm, The Age of Empire, 1875-1914, Londres: Cardinal, 1989, p. 99-100. 57 Antnio Matos Ferreira, Le Christianisme dans lEurope. La Pninsule Ibrique in Histoire du Christianisme, p. 402. 58 Ver, por exemplo, Stanley G. Payne, La poltica. In Franquismo. El juicio de la historia, coord. Jos Luis Garca Delgado. Madrid: Ediciones Temas de Hoy, 2000, p. 262 e ss. 59 Os estudos at agora existentes tm apenas por base a documentao existente no Arquivo Oliveira Salazar, depositado na Torre do Tombo, e no Arquivo Histrico Diplomtico. Cf. Samuel Rodrigues, Concordata de 1940 da Gnese ao texto definitivo. In AAVV, A Concordata de 1940. Portugal Santa S, p. 29-49; Manuel Braga da Cruz, O Estado Novo e a Igreja Catlica. Lisboa, Bizncio, 1999; Bruno Cardoso Reis, Oliveira Salazar e o Vaticano. Lisboa, Imprensa de Cincias Sociais, 2006.

  • 10

    especificidades da resposta portuguesa; situar com maior clareza a poltica da Santa S

    relativamente a regimes com algumas analogias com o portugus e assim contribuir para a

    caracterizao destas ditaduras quanto s relaes entre o Estado e a Igreja.

    Mas as concordatas no so os nicos instrumentos jurdicos que contribuem para a

    definio das relaes entre o Estado e a Igreja. Sabe-se que as constituies brasileiras de

    1934 e 1937 consagraram um tipo de relao entre o Estado e a Igreja Catlica em alguns

    aspectos semelhante ao das concordatas: reconhecimento de efeitos civis ao matrimnio

    catlico; proibio do divrcio; ensino religioso nas escolas pblicas; financiamento das

    escolas privadas catlicas. Sendo possvel regular estas matrias por outras vias, porque razo

    optaram Itlia, Portugal e Espanha pela celebrao concordatas?

    Eric Hobsbawm fez a seguinte afirmao: o que ligava a Igreja no s a reaccionrios

    anacrnicos mas tambm aos fascistas era um dio comum pelo Iluminismo do sculo XVIII,

    pela Revoluo francesa e por tudo o que na sua opinio dela derivava: democracia,

    liberalismo e, claro, mais marcadamente, o comunismo ateu60. As concordatas, no quadro

    destes regimes, ao promoverem uma aliana manifesta e uma colaborao estreita do poder

    religioso com o poder secular61, parecem confirmar esta tese, embora no se possam

    descurar os momentos de tenso e at de conflito entre os dois poderes. Mas ser que, da parte

    da Santa S, este tipo de acordo constituiu to-s um meio de obter garantias de liberdade de

    aco para a Igreja Catlica? Em todo o caso, que consequncias advieram da tanto para a

    Igreja como para os Estados?

    60 Eric Hobsbawm, A Era dos Extremos. Histria Breve do Sculo XX. 1914-1991. Lisboa: Editorial Presena, 1998, p. 120. 61 Jean-Marie Mayeur, Les glises et les Relations Internationales. II. Lglise Catholique, p. 301.

  • 11

    1 DO ESTADO E DA IGREJA DA MONARQUIA CONSTITUCIONAL DITADURA MILITAR

    1.1 A MONARQUIA CONSTITUCIONAL

    Embora Mouzinho da Silveira tenha afirmado que o negcio da crena e opinio

    pessoal, nada tem [com] o domnio das Leis, nem das Autoridades62, e que a Administrao

    no v nas pessoas de outras Religies ou Seitas mais do que Cidados, certo que na

    Monarquia Constitucional, no obstante a Carta Constitucional afirmar a liberdade de crenas

    e cultos, os principais documentos que regulavam a sociedade, tais como a Constituio (que

    proclamava a religio catlica a religio oficial do Estado), o Cdigo Civil, o Cdigo Penal, e

    o Cdigo Administrativo denunciavam uma adeso do regime ao catolicismo. O mesmo se

    depreende da obrigatoriedade de juramento de fidelidade religio catlica por parte do

    herdeiro da Coroa, do presidente da Cmara dos Deputados, dos prprios deputados, dos

    pares do reino, dos conselheiros de Estado, dos estudantes universitrios, quer dizer, dos

    sectores mais notveis da sociedade civil portuguesa. Alm disso, o Padroado conferia ao rei

    o direito de apresentao dos bispos, que tambm os sustentava; os padres recebiam a

    cngrua, pelo que tendiam a ser considerados funcionrios pblicos63; a Igreja controlava o

    registo dos cidados catlicos, porque os nascimentos, casamentos e bitos eram registados

    pelos procos; s existia casamento civil para os que no professassem o catolicismo, pelo

    que os crentes estavam obrigados ao casamento religioso. Esta ltima situao perdurou at

    Repblica, embora tenham surgido certas iniciativas no sentido de instituir um registo civil

    (Decretos de 26 de Novembro de 1830, de 16 de Maio de 1832, reforma administrativa de 18

    de Julho de 1835, Lei de 28 de Novembro de 1878).

    62 Relatrio de Jos Xavier Mouzinho da Silveira aos Decretos n 22, 23 e 24. In Coleco de Decretos e Regulamentos publicados durante o Governo da Regncia do Reino estabelecida na Ilha Terceira, desde 15 de Junho de 1829 at 28 de Fevereiro de 1832. Primeira Srie. Segunda Edio aumentada de muitos Diplomas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1936. 63 ANTT, AOS/CO/NE-1A (pt. 16, fls. 180-183). Texto de Salazar entregue aos directores dos jornais, a 7 de Maio de 1940.

  • 12

    1.2 A REPBLICA

    A poltica anticlerical da Primeira Repblica marcou por muitos e longos anos as

    relaes entre o Estado e a Igreja Catlica. De facto, sob a influncia da Revoluo francesa, a

    legislao republicana instituiu um regime que a Igreja e os catlicos consideraram

    persecutrio. Suspenderam-se as relaes diplomticas com a Santa S, que seriam abolidas

    pela lei de 10 de Julho de 1913, ficando as relaes entre o Estado e a Igreja Catlica

    reguladas exclusivamente atravs do direito interno. Foram proibidas as ordens e

    congregaes religiosas (Decreto de 8 de Outubro de 1910). Com a Lei da Separao do

    Estado e das Igrejas, de 20 de Abril de 1911, o Estado deixou de ser confessional; o direito de

    propriedade foi negado Igreja Catlica; o culto catlico deixou de ser sustentado ou

    subsidiado pelo Estado; a actividade de culto foi confinada a locais para tal exclusivamente

    destinados e ao perodo entre o nascer e o pr-do-sol; as manifestaes pblicas de culto,

    como as procisses, foram autorizadas mas sob determinadas condies; o toque dos sinos

    passou a ser regulado e proibido durante a noite64. As corporaes encarregadas do culto65

    passavam a ter que contribuir com parte das suas receitas para fins de assistncia ou

    beneficncia e s poderiam ser criadas com a autorizao do Ministrio da Justia; os bens da

    Igreja foram confiscados; Igreja Catlica e s suas instituies no era conferida

    personalidade jurdica e, portanto, no tinham existncia civil; a hierarquia catlica deixou de

    ser reconhecida, e sendo embora admitida a existncia de associaes encarregadas de culto,

    estas no dependiam das autoridades eclesisticas. Foi ainda proibido o ensino da religio nas

    escolas pblicas e privadas, bem como o juramento religioso; suprimiram-se os dias santos;

    extinguiu-se a Faculdade de teologia; o casamento civil passou a ser o nico vnculo

    matrimonial com validade (Lei de 25 de Dezembro de 1910); e promulgou-se a Lei do

    Divrcio (3 de Novembro de 1910).

    64 Atente-se quanto ao toque dos sinos que, por exemplo, um edital de 18 de Fevereiro de 1892 do governador civil interino do distrito do Porto, Joaquim Traibner de Morais, o regulava, e de que aqui apenas citamos algumas determinaes: s o bispo, o proco ou os capeles tm o direito de mandar tocar os sinos das igrejas, capelas e ermidas para os ofcios, oraes pblicas e outros actos religiosos, mas estes toques no podero durar mais de cinco minutos cada um, excepto para finados, pois nesse caso poder haver trs toques de cinco minutos cada um dom intervalo ao menos de um quarto de hora; era proibido qualquer toque de sinos antes do amanhecer e depois das 9 horas da noite desde a Pscoa at 31 de Outubro, e antes do amanhecer e depois das 8 horas da noite desde 1 de Novembro at Pscoa, com excepo da noite de Natal. A 12 de Julho de 1892, um ofcio do mesmo governador civil, permitia que o toque dos sinos no se limitasse ao nmero de trs, mas que fossem os necessrios. 65 Corporaes encarregadas do culto ou corporaes fabriqueiras paroquiais so os organismos que representam a parquia junto do poder secular.

  • 13

    Como afirmaria Salazar em 1940, a Lei da Separao suscitou um gravssimo

    conflito que acabou por desservir igualmente os princpios fundamentais da liberdade de

    conscincia, e os interesses superiores da Nao66. Mas, pior do que isso, a Lei da Separao

    ia, na opinio do Presidente do Conselho, contra todos os valores tradicionais e espirituais da

    Nao e do seu sentido histrico [que] se apresentavam aliados do ideal cristo67. Para o

    chefe do Governo criara-se, assim, um desfasamento entre o direito escrito e as tradies

    portuguesas.

    1.3 O DECRETO MOURA PINTO

    Embora j na Repblica Velha se tivesse verificado um certo apaziguamento das

    relaes entre o Estado e a Igreja, de que sintomtica a permisso da assistncia religiosa

    aos militares em campanha na Primeira Guerra Mundial (Decreto n 2.869, de 30 de

    Novembro de 1916, e Decreto n 2942, de 18 de Janeiro de 1917), no consulado de Sidnio

    Pais que se regista uma aproximao entre os dois poderes.

    Com efeito, o Decreto n 3856 de 22 Fevereiro de 1918, que se diz ter sido redigido

    por Brito Camacho68, e que foi publicado ao tempo em que era ministro da Justia Alberto de

    Moura Pinto69, no Governo presidido por Sidnio Pais, constitui a primeira disposio

    destinada a minorar a radicalidade do diploma de 1911. Registava no seu prembulo o desejo

    de eliminar preceitos violentos (...) atentatrios da liberdade de conscincia e do

    pensamento, contraditrios com a imparcialidade e neutralidade que a Repblica tem de

    manter em matria de crenas70. Dando conta dessa desadequao, o legislador acusa o

    redactor da Lei da Separao de ter envolvido o regime em contendas de crena, como se a

    66 Apontamento entregue aos directores dos jornais na reunio em So Bento de 7 de Maio de 1940. Texto do manuscrito de Salazar, intitulado Sentido e oportunidade da Concordata. ANTT, AOS/CO/NE-29 (pt. 1, fls. 1109-1112). 67 ANTT, AOS/CO/NE-1A (pt. 16, fls. 180-183). Texto de Salazar entregue aos directores dos jornais, a 7 de Maio de 1940. 68 Ver, por exemplo, Manuel Rodrigues Jnior, A verdade sobre a compra da igreja de So Julio. Notas oficiosas do Doutor Manuel Rodrigues, ministro da Justia, de 26 de Julho e 9 de Novembro de 1934, Lisboa, edies SPN, 1934, p. 16. 69 Alberto de Moura Pinto (1883-1960) Licenciado em Direito (1904), advogado em Coimbra (1904-1908), administrador do concelho de Arganil (1908-1909), procurador rgio e depois da Repblica em Miranda do Douro (1909), para S. Joo da Pesqueira (1910), Mangualde e Leiria. Aps a implantao da Repblica, foi membro da Junta Central Revolucionria de Coimbra, deputado s Constituintes de 1911 e em 1915, 1922 e 1925, eleito por Arganil. No sidonismo, foi ministro da Justia e Cultos (11 de Dezembro de 1917 a 7 de Maro de 1918). Conspirou contra a Ditadura Militar e o Estado Novo, viria a exilar-se em Espanha, em Frana e depois no Brasil. 70 Prembulo do Decreto n 3.856, de 9 de Fevereiro de 1918.

  • 14

    Repblica em 5 de Outubro fundasse uma religio que tivesse um credo hostil a qualquer

    outra j existente71.

    O referido Decreto modificou na Lei da Separao os aspectos que diziam respeito aos

    organismos encarregados do culto, uma das principais causas dos protestos contra essa lei: os

    fiis passavam a ser livres de formar a sua corporao para sustento do culto pblico de

    acordo com os preceitos da sua religio; o culto passava a poder realizar-se a qualquer hora;

    diminua-se significativamente a prestao para fins de assistncia ou de beneficncia;

    liberalizava-se o ensino de teologia nos seminrios; cederam-se Igreja os seminrios

    confiscados; suprimia-se o beneplcito estatal para os documentos emanados da cria

    pontifcia ou do episcopado; eliminavam-se as clusulas de proteco do Estado viva e

    filhos dos clrigos; permitia-se o uso de vestes talares fora dos templos, etc.

    A Santa S considerou que este Decreto melhorou em muito a condio da Igreja72.

    Alis, dir mais tarde que foi Sidnio Pais quem ps fim ao perodo agudo de perseguio

    Igreja Catlica, pois durante o seu governo teriam sido restabelecidas as relaes diplomticas

    com a Santa S, se bem que com o envio de um ministro para o Vaticano, em lugar de um

    embaixador, como era habitual antes de 191073. Este restabelecimento da representao

    diplomtica no deve ser confundido com a concesso de um privilgio Igreja Catlica,

    embora seja, como diz, Matos Ferreira o resultado do crescimento da influncia dos catlicos

    na vida do pas. Em face das crises que atravessa o regime republicano, os catlicos ganham

    peso, no que o nmero de parlamentares que o Centro Catlico faa eleger seja elevado, mas

    a sua interveno representa para o regime um elemento moderador74.

    Durante o sidonismo foi ainda alargada a assistncia religiosa s foras

    expedicionrias em frica, aos hospitais, aos asilos, etc. (Decreto n 4489, de Junho de 1918).

    Mesmo depois, o Decreto n 6322, de 24 de Dezembro de 1919, e o Decreto n 8351, de 26 de

    Agosto de 1922, incentivavam a actividade missionria.

    Apesar destas transformaes, a Igreja Catlica continuava a batalhar pela recuperao

    do seu estatuto.

    71 Prembulo do Decreto n 3.856, de 9 de Fevereiro de 1918. 72 ASV, AES Portogallo, IV Periodo, pos. 368 P.O., fasc. 111, fls. 36-70. 73 Relatrio da Sagrada Congregao dos Assuntos Eclesisticos Extraordinrios, Julho de 1938. ASV, AES Portogallo Concordato, pos. 427 (4), fasc. 172. 74 Antnio Matos Ferreira, Le christianisme dans lEurope de la premire moiti du XXe sicle. II. La pninsule ibrique. In Histoire du Christianisme, p. 406.

  • 15

    1.4 O PROJECTO LINO NETO

    A 7 de Maio de 1923 Achille Locatelli75 envia ao Cardal Secretrio de Estado, Pietro

    Gasparri76, uma cpia de um documento do ministro da Justia e dos Cultos. Este autorizava

    os Franciscanos a abrir em Portugal um instituto para a formao do pessoal missionrio para

    as misses em Moambique, o que at ao fim do ano de 1922 no fora autorizado (apesar de

    permitido pelo Decreto n 6.322, de 24 de Dezembro de 1919)77.

    Futuramente, o nncio Beda Cardinale78, referindo-se a este perodo, reconhecia que a

    convulso poltica criada pela Primeira Repblica prejudicava a condio da Igreja em

    Portugal, mas responsabilizava tambm o clero por tal situao, em particular, pela que se

    verificava na diocese de Lisboa:

    A decadncia religiosa da arquidiocese de Lisboa devida em grande parte deficiente formao e escassa actividade do clero. verdade que a Repblica com a sua violncia e com as suas leis de perseguio se abateu sobre a Igreja e as suas instituies como uma tempestade furiosa; verdade que a propaganda anticrist foi grande e insidiosa; mas tambm verdade que com um clero bem formado, zeloso, animado de esprito de sacrifcio, ter-se-ia podido estancar esta mar, remediar muitos males; e neste ltimos anos de relativa paz e liberdade, teria sido possvel dar um novo e vigoroso impulso vida religiosa79.

    Paz e liberdade que se inseriam numa nova atitude dos governos da Repblica

    relativamente Igreja Catlica, os quais procuravam agora a credibilizao do regime80.

    So vrias as iniciativas parlamentares que pretendem favorecer a Igreja Catlica,

    reclamando a liberdade do ensino religioso nas escolas particulares, a devoluo dos bens

    75 Achille Locatelli foi nncio apostlico em Lisboa de Julho de 1918 a Maio de 1923. 76 Pietro Gasparri (1852-1834) diplomata e jurista da Santa S. Ordenado padre em 1877, foi professor de Direito Cannico no Instituto Catlico de Paris 1880-1898, delegado apostlico no Peru (1898-1901) e secretrio da Comisso de Codificao da Lei Cannica. Seria um dos principais responsveis pela promulgao Cdigo de Direito Cannico de 1917. Em 1907 foi elevado ao cardinalato e de 1914 a 1930 serviu na qualidade de Cardeal Secretrio de Estado. Nessa qualidade assinou os Acordos de Latro. 77 Relatrio n 3785. ASV, AES Portogallo, IV Periodo, pos. 284 P.O., fasc. 4. fl. 22 e ss. 78 Joo Beda Cardinale (1869-1934) nasceu em Gnova a 30 de Julho de 1869. Frequentou o seminrio local e fez depois o curso clssico no Liceu de ria. Terminado o curso filosfico, entrou no mosteiro beneditino de S. Giuliano dAlbaro, onde tomou o nome do Venervel Beda. Ali terminou os seus estudos teolgicos, sendo ordenado sacerdote em Abril de 1893. Com 36 anos, em 1905, foi destinado a governar a Abadia de Praglia, perto de Pdua. Entre 1907 e 1910 esteve frente da diocese de Tarquinia e Civitavecchia e, depois, desempenhou as funes de administrador apostlico e arcebispo de Perugia. Em 1922 partiu para a Argentina na qualidade de nncio de Sua Santidade. Foi transferido para Lisboa, onde permaneceu de 1 Junho de 1928 a 1 Dezembro de 1933. Ver Novidades, 1 de Junho de 1932. 79 Relatrio do Nncio n 661, 27 de Outubro de 1929. ASV, AES Portogallo, pos. 367, fasc. 110, fl. 59. 80 Arnaldo Madureira, A Igreja Catlica na origem do Estado Novo. Lisboa: Livros Horizonte, 2006, p. 57.

  • 16

    Igreja, e o reconhecimento da personalidade jurdica e da hierarquia catlica81. Todas elas

    criaram a expectativa de que a situao dos catlicos em Portugal estava prestes a alterar-se,

    embora a efectivao destas medidas fosse sucessivamente protelada.

    A 16 de Setembro de 1922, o nncio apostlico em Lisboa, Achille Locatelli dir ao

    Cardeal Secretrio de Estado, Pietro Gasparri, que a 9 de Maro desse ano foi apresentado

    Cmara dos Deputados um projecto de lei da autoria do deputado do Centro Catlico Antnio

    Lino Neto que, prevendo a restituio dos bens Igreja Catlica e o reconhecimento da sua

    personalidade jurdica e da hierarquia catlica, fora at aprovado pelo presidente do

    Ministrio (Antnio Maria da Silva), pelo ministro dos Estrangeiros e pela comisso

    parlamentar respectiva. Porm, afirma, desgraadamente, outros assuntos urgentssimos e

    referentes a questes mais srias e vitais da nao acabaram por impedir a discusso dos

    projectos. Mesmo assim, congratula-se com o recente e importante Decreto para as Misses

    religiosas e com outros dois pequenos sucessos obtidos pelos senadores catlicos: a

    administrao do baptismo em perigo de morte sem requerer a precedente inscrio no registo

    civil; e o impedimento de que a recente carta de famlia introduzida no registo civil fosse

    sobrecarregada com uma taxa, o que poderia fazer com que muitos desistissem do baptismo,

    para evitar maior despesa82.

    O Governo chega a afirmar que encarar de frente o problema do ensino religioso em

    colgios e estabelecimentos particulares, de modo a acabar com o perigo da

    desnacionalizao, exercida pelo ensino estrangeiro, quer por infiltraes de professores no

    pas, quer pelo xodo das centenas de crianas que Espanha vo receber ensino de maneira a

    que, por outro lado, se desfaa completamente o equvoco entre a Repblica e as confisses

    religiosas, ficando perfeitamente clara a atitude da boa neutralidade do Estado83. Locatelli

    apressa-se a comunicar esta inteno a Gasparri, a 28 de Dezembro de 1922, dizendo que

    alguma imprensa veiculava a ideia de que a concesso do ensino religioso nas escolas

    privadas se faria a troco da imposio do barrete cardinalcio, acto de grande importncia

    81 Dirio da Cmara dos Deputados, 26/8/1921, p. 6 e 7; 9/9/1921, p. 42-43, 23/2/1922, p. 1; 9/3/1922, p. 4-5, 19; 10/3/1922, p. 3-12; 25/5/1922, p. 4-11; 26/3/1922, p. 2; 2/11/1922, p. 11-13; 8/12/1922, p. 4; 11/12/1922, p. 6-22, 30-32;13/12/1922, p. 27-28; 20/6/1924, p. 6-7 9/3/1926, p. 40; 11/3/1926, p. 26; 12/3/1926, p. 32; 15/3/1926, p. 18-25; 16/3/1966, p. 3-7; 18/3/1926, p. 30-31; 19/3/1926, p. 28-31; 22/3/1926, p. 28-30; 23/3/1926, p. 51; 25/3/1926, p. 25; 6/4/1926, p. 33; 8/4/1926, p. 106; 10/5/1926, p. 28-39. 82 Neste relatrio faz referncia crise que atravessa o Centro Catlico, crise essa que tem origem nos monrquicos, os quais continuam a repetir que no se iludam os catlicos, se esperaram obter vantagens do Governo Republicano, que essencialmente perseguidor, sectrio e incorrigvel. Relatrio n 3122. ASV, AES Portogallo, IV Periodo, pos. 284 P.O., Fac. 3, fls. 66-67. 83 Dirio da Cmara dos Deputados, 11 de Dezembro de 1922, p. 11.

  • 17

    simblica para o Estado portugus84. E, de facto, Antnio Jos de Almeida impor o barrete

    cardinalcio ao nncio apostlico, Monsenhor Achille Locatelli, a 4 de Janeiro de 1923, mas o

    ensino religioso nas escolas privadas continuava por aprovar. Entretanto, no Parlamento, a

    Comisso da Legislao Civil e Comercial substitura o projecto do Centro Catlico por um

    outro, o qual, substancialmente modificado, no reconhecia claramente a personalidade

    jurdica da hierarquia eclesistica, mas antes a da parquia, nem to-pouco devolvia os bens

    da Igreja Catlico seno em uso e administrao.

    Num relatrio que envia a Pietro Gasparri, em Fevereiro de 1923, o nncio prev que

    a discusso parlamentar deste projecto venha a suscitar o debate sobre o reconhecimento da

    hierarquia eclesistica e da personalidade jurdica da Igreja Catlica e afirma que, se os bispos

    souberem aproveitar o momento, podero pr fim a inmeras situaes em que as corporaes

    de culto esto sob a tutela de no-catlicos e at de maons, os quais tm a chave,

    administrando os bens independentemente do proco, que lhes est submetido, ao qual no

    prestam contas da sua administrao e prescindindo da autoridade episcopal. E acrescenta

    serem ainda estas corporaes quem tem a custdia de todos os objectos de culto, e que se

    arrogam no direito de estabelecer essa funo do culto, causa de conflitos frequentes com o

    proco que no quer aceitar esta ingerncia.

    Nesse mesmo relatrio, o nncio explica que esta questo deveria ter sido previamente

    apreciada entre o Governo e a Santa S. Mas tal implicaria perder mais tempo e dadas as

    mudanas frequentes de Governo e a pouca influncia que o Gabinete tem sobre os

    deputados (sobre os quais nem o seu prprio partido tem influncia, como se viu com a

    promessa de conceder a liberdade do ensino religioso nas escolas privadas, que foi aprovada

    pelo Gabinete, inclusivamente no seu programa), os deputados catlicos decidiram tomar

    directamente a iniciativa, tanto mais que o Governo e os lderes dos partidos lhes deram

    esperana de que o projecto seria aprovado. O nncio informa, por fim, que insistiu junto do

    Governo para que fossem satisfeitas as reivindicaes da Igreja e dos catlicos e que era

    necessrio que o projecto reconhecesse claramente a hierarquia eclesistica e que fosse

    modificado pelo menos nos pontos mais contrrios Igreja. Lino Neto foi tambm

    pressionado pelo nncio nesse sentido, exortando-o a meter todo o seu empenho para que o

    84 Por exemplo, Correio da Manh, 28 de Dezembro de 1922. Relatrio n 3378. ASV, AES Portogallo, IV Periodo, pos. 284 P.O., fasc. 4, fl. s/n e 5.

  • 18

    projecto passasse com as mudanas requeridas porque caso contrrio seria comprometida a

    aco dos parlamentares do Centro e desta Igreja85.

    O novo nncio em Portugal, Sebastiano Nicotra86, ser instrudo pela Secretaria de

    Estado, a 30 de Julho de 1923, para prosseguir com uma uma atitude leal e prudente, uma

    relao correcta, no submissa, com o Governo, distanciando-se das questes partidrias e

    no ferindo a susceptibilidade dos monrquicos. Tal como fizera o seu antecessor, devia

    estabelecer uma relao distante e discreta, atitude que ter permitido a Locatelli obter no

    insignificantes vantagens para a Igreja, e sobretudo criar um ambiente de respeito e confiana

    estvel entre os dois poderes. Na mesma instruo diz-se que o projecto Lino Neto fora

    consequncia das afirmaes do Governo de Antnio Maria da Silva acerca da poltica

    religiosa, o qual fizera meno futura liberdade de ensino religioso nas escolas privadas,

    declarao que agradara maioria da imprensa, mesmo republicana. Reitera-se ainda a ideia

    de que o Governo, a troco da imposio do barrete cardinalcio a Locatelli, estava disposto a

    conceder a liberdade do ensino religioso nos institutos privados. Embora, quanto a este

    aspecto, o ensino religioso fosse j leccionado nas escolas e colgios particulares com o

    conhecimento do Governo, embora na verdade continuasse proibido o que o Centro Catlico

    esperava reverter na prxima sesso legislativa.

    Informa-se igualmente o nncio de que as autoridades se apresentavam tolerantes

    relativamente Igreja, o que s se alteraria se os jacobinos as obrigassem a aplicar as leis

    existentes hostis Igreja e que todos reconhecem pois que, malgrado as leis anticlericais

    que ainda existem, a Igreja em Portugal hoje mais pobre sim, mas mais livre que na

    monarquia constitucional87. Tanto assim que a Santa S pode de facto nomear livremente

    os bispos e estes os seus procos; j no existe direito de Placet que obriga a Igreja a pedir

    autorizao ao Estado para exercitar certos actos de culto (...), e desapareceu o direito de que

    o Governo se arrogava de fixar os textos dos livros a adoptar nos seminrios, de nomear os

    Superiores e outros funcionrios dos ditos Seminrios.

    85 Relatrio n 3569, de Fevereiro de 1923. ASV, AES Portogallo, IV Periodo, pos. 284 P.O., fasc. 4, fls. 14 e ss. Juntamente com este relatrio o Nncio envia o parecer n 378, de 3 de Julho de 1922; o projecto de lei n 6-L, de 9 de Maro de 1922, subscrito por Antnio Lino Neto, Joaquim Dinis da Fonseca e Juvenal Henriques de Arajo; o parecer n 390, de 23 de Janeiro de 1923; o Projecto de lei n 3-K, de 23 de Fevereiro de 1922, subscrito por Artur Virgnio de Brito Carvalho da Silva, Manuel Duarte, Artur de Morais Carvalho e Paulo Cancela de Abreu. 86 Sebastiano Nicotra (1855-1928) foi nomeado bispo de Heraclea a 18 de Dezembro de 1916, tendo sido desde essa data nncio apostlico na Blgica. Em Julho de 1923 transitaria para a Lisboa onde permaneceu at 1928, ano em que faleceu com 72 anos. 87 Sublinhado acrescentado.

  • 19

    Nesse mesmo relatrio da Secretaria de Estado diz-se que as cultuais criadas pela Lei

    da Separao j no existem, estando encarregada do culto, depois do Decreto n 3856, de 22

    de Fevereiro de 1918, a confraria existente ou outra nova constituda em seguida. Graas a

    este Decreto puderam organizar-se canonicamente e uniformemente corporaes de culto,

    reformados os estatutos destas confrarias, (...) continuando a fazer-se aquilo que sempre se fez

    durante a monarquia, -lhes entregue a administrao das igrejas e parquias, que realmente

    foram sempre independentes na sua gesto da autoridade eclesistica. Mas, continua o

    nncio, ainda assim, estas juntas de parquia no deixam de dar problemas, negando-se, de

    quando em quando, a reconhecer a hierarquia eclesistica. Ora, dizia a Secretaria de Estado,

    quando fosse aprovado pela Cmara dos Deputados o projecto Lino Neto relativo restituio

    de bens poderia ser aproveitada a ocasio para se remediar este mal.

    A Secretaria de Estado considerava ainda excelentes os senadores e os deputados

    eleitos pelo Centro Catlico nas ltimas eleies; fazia referncia ao facto de os monrquicos

    militantes no perdoarem Repblica o restabelecimento das relaes diplomticas com a

    Santa S; por fim, dizia que o Presidente da Repblica, Antnio Jos de Almeida, embora

    pessoalmente com boa disposio relativamente aos catlicos, muito fraco e sem

    carcter88.

    Numa carta de Gasparri a Nicotra, datada de 3 de Fevereiro de 1924, pondera-se se

    no seria de adoptar em Portugal um procedimento anlogo ao recentemente tomado para a

    Frana, atravs da encclica Maximam gravissimamque, de 18 Janeiro de 1924, que autorizava

    os bispos a criar associaes diocesanas89, pois a Lei da Separao portuguesa era muito

    similar francesa. Isto em alternativa ao projecto Lino Neto. Pedia-se ento ao nncio o seu

    parecer e o dos bispos portugueses.

    O Arcebispo primaz de Braga90 responde dizendo que o projecto de lei elaborado por

    Lino Neto , apesar de tudo, mais vantajoso porque reconhece s agremiaes paroquiais,

    88 ASV, AES Portogallo, IV Periodo, pos. 316 P.O., fasc. 19 (Instrues ao Nncio 1923-1927), fl. 20-35. 89 Em Frana, desde a lei da Separao de 1905 at 1924, as associaes cultuais eram eleitas entre os fiis e compostas por leigos. Tais associaes no foram aceites pela Santa S. Em 1924, por acordo entre o Estado francs e a Santa S, so criadas as diocesanas. Constituindo a base da organizao do culto catlico em Frana, eram presididas pelo bispo e tinham no seu conselho de administrao, pelo menos, um vigrio geral e um cnego. O seu objectivo exclusivamente o exerccio do culto. 90 Manuel Vieira de Matos (1861- 1932) Bispo auxiliar de Lisboa (1899), arcebispo de Mitilene (1899), arcebispo da Guarda (1903), arcebispo de Braga (1914). Vieira de Matos era um tradicionalista intransigente, que at carta que, a 18 de Dezembro de 1919, Bento XV escreveu aos bispos portugueses [...] estivera em conflito com o novo regime. S depois de 4 de Fevereiro de 1920, quando os bispos portugueses, reunidos na sua conferncia anual, informaram o Papa de que obedeciam s suas indicaes, que o arcebispo de Braga passou a acatar as instituies a prestar o respeito devido autoridade, ainda que de forma limitada. A vida de Manuel Vieira de Matos mostrava que ele nunca escondera as suas convices monrquicas, passadistas e autoritrias.

  • 20

    arciprestrais e diocesanas personalidade jurdica com capacidade para adquirir bens, dispor

    deles e administr-los. Ora, isso era muito mais do que o que se fez em Frana, porque a a

    capacidade de possuir e administrar bens temporais no era concedida s diocesanas em si

    mesmas, mas s associaes de fiis. Seria ainda difcil adequar as diocesanas legislao

    civil portuguesa, porque essas so associaes constitudas ao nvel da diocese, enquanto as

    portuguesas, de acordo com a Lei da Separao e o Decreto de 22 de Fevereiro de 1918, so

    de base paroquial. Em jeito de concluso, o Arcebispo afirma que de nenhum modo conviria

    precipitar o ensaio das diocesanas em Portugal, se isso viesse contribuir para arrefecer o

    entusiasmo pela aprovao do projecto pendente nas cmaras, ou para o lanar

    definitivamente margem91. As opinies dos bispos da Guarda92, de Coimbra93 e do Porto94

    vo tambm no sentido da preferncia pelo projecto, relembrando os dois primeiros que este

    prev, ao contrrio do acordo francs que institui as diocesanas, a restituio de igrejas e

    objectos mobilirios do culto. Tal preferncia igualmente partilhada pelo Arcebispo de Vila

    Real, o qual considera ainda que seria comprometer este esforo poltico qualquer outra

    tentativa destinada a dar Igreja em Portugal uma situao jurdica; e que portanto melhor

    esperar pela resoluo das Cmaras. E acrescenta: tanto mais que, por informaes que

    tenho de Lisboa, o Governo no v com maus olhos o projecto que vai ser discutido, e est

    pronto a aceitar sem oposio as emendas, alteraes e modificaes que forem propostas

    pelos parlamentares catlicos95. A opinio do Cardeal Patriarca muito prxima da do

    prelado de Vila Real96. O Arcebispo de vora97 dir: falta de melhor, no desgostaria de

    Durante a Monarquia combateu as ideias e as foras republicanas. Durante a Repblica [...] lutara contra as leis e a prtica republicanas, tendo-lhe sido infligidas, pelas autoridades do regime, vrias penalizaes. Estas culminaram, em 1914, com a interdio de residir na sua diocese durante dois anos. Arnaldo Madureira, A Igreja Catlica na origem do Estado Novo, p. 205. 91 Carta de 19 de Fevereiro de 1924. ASV Archivio della Nunziatura di Lisbona, scatola n 436 (3), fls. 19-20. 92 Carta de 24 de Fevereiro de 1924. ASV Archivio della Nunziatura di Lisbona, scatola n 436 (3), fl. 21. Jos Alves Matoso (1860-1952) nomeado bispo da Guarda a 3 de Outubro de 1914, foi ordenado bispo a 21 de Maro de 1915. Morreu a 1 de Fevereiro de 1952. 93 Carta de 18 de Fevereiro de 1924. ASV Archivio della Nunziatura di Lisbona, scatola n 436 (3), fl. 22. Manuel Lus Coelho da Silva (1859-1936). Nasceu em Bustelo. Foi ordenado padre em 1884 e nomeado bispo de Coimbra a 31 de Outubro de 1914. 94 Carta de 23 de Fevereiro de 1924. ASV Archivio della Nunziatura di Lisbona, scatola n 436 (3), fl. 25. Antnio Barbosa Leo (1860-1929) Ingressa tardiamente no seminrio e ordenado sacerdote em 1886, foi Bispo de Angola desde 1906, transitando no ano seguinte para a diocese de Faro. A 16 de Julho de 1919 foi nomeado Bispo do Porto. Morreu a 21 de Junho de 1929. 95 Carta de 20 de Maro de 1924. ASV Archivio della Nunziatura di Lisbona, scatola n 436 (3), fl. 26. 96 Carta de 26 de Fevereiro de 1924. ASV Archivio della Nunziatura di Lisbona, scatola n 436 (3), fl. 25. 97 D. Manuel Mendes da Conceio Santos (1876-1955) Destacando-se no seminrio de Santarm, onde efectuou os seus estudos preparatrios, filosficos e teolgicos, foi enviado a Roma, para onde se doutorou em Teologia e se graduou em Letras clssicas e modernas. A conheceu Eugnio Pacelli, futuro Papa Pio XII, de quem ficou amigo. De regresso a Portugal, foi professor de teologia no Seminrio de Santarm e de Lnguas Modernas no Liceu daquela cidade. Padre desde 27 de Maio de 1899, exerceu o cargo de reitor do Seminrio da Guarda, e a destacou atravs da Imprensa e do verbo inflamado da sua oratria. Em 1915, foi nomeado Bispo

  • 21

    ver em Portugal a experincia das diocesanas que o Santo Padre aprovou para a Frana.

    Parece-me que seria isso prefervel ao reconhecimento da personalidade jurdica dos

    Seminrios e das Cmaras Eclesisticas, pois abrangeria um campo mais vasto e daria mais

    liberdade de aco98.

    Assim, a 16 de Maro de 1924 o nncio participa a Gasparri que a maioria dos bispos

    portugueses consideram o projecto a ser apresentado no Parlamento mais vantajoso para a

    Igreja em Portugal do que a adopo do modelo francs99.

    Durante mais de dois anos as iniciativas parlamentares dos deputados do Centro

    Catlico deixam de interessar representao diplomtica da Santa S em Lisboa, at que, a

    22 de Maio de 1926, em carta a Pietro Gasparri, o nncio Nicotra, dir que tendo a brilhante

    festa [de aniversrio da corao] do Santo Padre com a interveno do Governo preparado um

    ambiente favorvel Igreja, o Centro Catlico acreditou ser o momento oportuno para

    apresentar o seu antigo projecto sobre a personalidade jurdica da Igreja em Portugal, e que

    esse projecto tem o nome do deputado Lino Neto, porque foi verdadeiramente o presidente

    do Centro Catlico que o redigiu. Porm, a sua discusso acabaria por ser adiada por vrias

    razes: primeiro, porque o deputado Daniel Rodrigues, segundo presidente da Cmara,

    considerava que o mesmo ia contra a lei-travo; depois porque se pretendia discutir primeiro o

    oramento de diversos Ministrios; por fim, porque foi introduzida a difcil e urgente

    questo dos tabacos, cujo monoplio cessara nesse dia 1 de Maio. Esta ltima questo era

    de tal importncia, que muitos acreditavam que, por causa dela, haveria uma revoluo100.

    de Portalegre. Em 1920 era coadjutor do Bispo de vora, D. Augusto Eduardo Nunes, sucedendo-lhe na arquidiocese no ano seguinte. A desenvolveu um intenso trabalho apostlico. Diz-se que teve um papel determinante na aceitao, por parte de Oliveira Salazar, da titularidade da pasta das Finanas, em 1928. Como vimos, esteve na origem da designada crise dos sinos, a qual levaria queda de um Governo em 1929. Morreu a 30 de Maro de 1955, com fama de santidade. A sua causa de canonizao foi introduzida a 11 de Fevereiro de 1972. 98 Carta de 20 de Fevereiro de 1924. ASV Archivio della Nunziatura di Lisbona, scatola n 436 (3), fl. 28. 99 Ver nota 88. 100 Carta n 1603. ASV, AES Portogallo, IV Periodo, pos. 339 P.O., fasc. 44, fls. 4-5.

  • 22

    1.5 A DITADURA MILITAR

    justamente quando se discute na Cmara a questo da personalidade jurdica da

    Igreja Catlica que se ocorre o golpe militar de 28 de Maio de 1926.

    Com a Ditadura Militar instaurada em 1926 a Igreja Catlica criou expectativas

    favorveis relativamente renovao do seu estatuto. Tanto assim que o nncio, Sebastiano

    Nicotra, escreve a Pietro Gasparri, a 16 Junho 1926, afirmando que o Governo parecia estar

    decidido a romper com a poltica de disfarada perseguio religiosa, que se vivia em

    Portugal h 16 anos. Para sustentar esta ideia, o nncio apoiava-se no manifesto-programa,

    lanado no incio do movimento do 28 de Maio, no qual se repudiava a velha intolerncia

    sectria e se proclamava a mais ampla liberdade de crenas. Ora, dizia o nncio, se outras

    confisses no eram molestadas pelo Governo precedente, ento a intolerncia a que se

    referiam no poderia ser seno aquela praticada contra a Igreja Romana101.

    Tanto mais que Gomes da Costa102, quando em Maio de 1926 chega a Braga, cidade

    onde decorria o Congresso Mariano, ter informado os bispos que podiam continuar com as

    festividades religiosas e prometeu-lhe um mundo melhor, bem como a satisfao das mais

    instantes reivindicaes dos catlicos: o ensino religioso nas escolas particulares, o

    reconhecimento da personalidade jurdica, a devoluo dos bens Igreja Catlica, e a

    aposentao dos procos103. Esta crena intensificou-se ainda mais com a entrada para o

    Governo dos professores da Universidade de Coimbra Antnio Oliveira Salazar e J. Mendes

    dos Remdios, ambos catlicos e membros do Centro Catlico104. O nncio no deixou de

    notar que tais posies acabaram por suscitar a fria das diversas agremiaes democratico-

    manicas e tambm dos servidores fidelssimos da Causa Monrquica, cujas concesses

    feitas Igreja lhe retiram uma arma para combater a odiada repblica105.

    Vrias vicissitudes se seguiram e Carmona, na qualidade de ministro dos Estrangeiros,

    viria a declarar, segundo o nncio, numa entrevista concedida a 12 de Junho ao Dirio de

    101 Relatrio n 1624, de Nicotra a Pietro Gasparri, 16 Junho de 1926. ASV, AES Portogallo, IV Periodo, pos. 338 P.O., fasc. 43, fls. 45-46. 102 Manuel de Oliveira Gomes da Costa (1863-1929) oficial do Exrcito e poltico, liderou o Golpe de 28 de Maio de 1926 e assumiu por pouco tempo a Presidncia do Ministrio. 103 Antnio de Arajo, Braga, Maio de 1926. O Congresso Mariano e o golpe militar. In AAVV, O 28 de Maio Oitenta Anos Depois. Contributos para uma reflexo, Coimbra, CEIS 20, 2006, p. 29 e seg. 104 Relatrio n 1624, de Nicotra a Pietro Gasparri, 16 Junho de 1926. ASV, AES Portogallo, IV Periodo, pos. 338 P.O., fasc. 43, fls. 45-46. 105 Relatrio n 1624, de Nicotra a Pietro Gasparri, 16 Junho de 1926. ASV, AES Portogallo, IV Periodo, pos. 338 P.O., fasc. 43, fls. 45-46.

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    Lisboa sem qualquer reticncia que o Governo promulgaria quanto antes,

    independentemente da questo do Padroado do Oriente, as medidas reparadoras invocadas

    pelos catlicos. Outras declaraes da mesma natureza foram feitas por Carmona a um

    redactor do Rebate, com grave escndalo e no menor pesar da famigerada Associao do

    Registo Civil106.

    Um outro dado que denunciaria uma alterao da posio do Governo perante a Igreja

    foi a apresentao por Gomes da Costa, no Conselho de Ministros de 14 do mesmo ms, de

    um programa de Governo do qual constava a reviso da Lei da Separao e da Lei do

    Divrcio, o reconhecimento da personalidade jurdica da Igreja e a liberdade de ensino

    religioso nas escolas pblicas de ensino primrio e secundrio107.

    1.6 O DECRETO DA PERSONALIDADE JURDICA

    O nncio estava ainda animado com o que o ministro dos Estrangeiros lhe transmitira

    numa audincia recente: o ministro de Portugal na Santa S, Augusto de Castro108, fora

    encarregado de comunicar Santa S a iminente publicao de um Decreto garantindo a

    personalidade jurdica da Igreja e o ensino religioso nas escolas privadas. O ministro dos

    Estrangeiros teria ainda dito: O resto vir a seguir. Ora, tudo isto faz crer, salvo surpresas

    imprevisveis, que a promulgao do documento, redigido na substncia pelo bispo de

    Coimbra, D. Manuel Lus Coelho da Silva, e corrigido no aparato jurdico pelo ministro das

    Finanas [que era Oliveira Salazar], ser qualquer dia um facto adquirido. Queira o Senhor

    que este seja o incio de uma srie de medidas, com vista a melhorar, seno a regular

    106 Relatrio n 1624, de Nicotra a Pietro Gasparri, 16 Junho de 1926. ASV, AES Portogallo, IV Periodo, pos. 338 P.O., fasc. 43, fls. 45-46. 107 Relatrio n 1624, de Nicotra a Pietro Gasparri, 16 Junho de 1926. ASV, AES Portogallo, IV Periodo, pos. 338 P.O., fasc. 43, fls. 45-46. 108 Augusto de Castro Sampaio Corte Real (n. Porto, 11.1.1883) Escritor, jornalista e diplomata. Formou-se em Direito na Universidade de Coimbra (1903), foi advogado no Porto. Nesta cidade dirigiu o dirio A Provncia. J em Lisboa, foi deputado progressista e redactor-principal do Jornal do Comrcio e cronista de O Sculo, onde manteve a seco Fumo do meu Cigarro. Ensinou ainda no Conservatrio de 1912 a 1922 e foi chefe de Repartio da Caixa Geral de Depsitos (1919). Em Maro de 1924, foi nomeado chefe de misso de 4 classe em Londres. Por Decreto de 6 de Junho de 1924 foi transferido para a Santa S na qualidade de chefe de Misso de 1 classe, cargo que viria a ocupar tambm em Berlim por Decreto de 28 de Setembro de 1929. depois transferido para Bruxelas, pelo Decreto de 18 de Novembro de 1929, e por Decreto de Janeiro de 1931 nomeado ministro plenipotencirio em Roma (Quirinal), cargo que desempenha at 1935. A 4 de Janeiro de 1935 ingressa na Legao portuguesa no Vaticano. Em 1942 voltou actividade diplomtica, sendo em 1945, ministro plenipotencirio em Paris. Foi director do Dirio de Notcias de 1919 a 1924, de 1939 a 1945, e a partir de 1947.

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    definitivamente, as condies da Igreja em Portugal109. Ora, Oliveira Salazar deve ter tido

    um importante papel na primeira verso do projecto de Decreto, tanto que a Santa S vai

    posteriormente atribuir-lhe a sua redaco inicial; fervoroso cristo, t-lo- elaborado de

    acordo com o bispo de Coimbra e feito aprovar atravs de Manuel Rodrigues Jnior.

    O prprio bispo de Coimbra ter dito ao nncio que fora chamado pelo ministro da

    Justia para lhe ler o projecto de Decreto e que, em funo deste encontro, havia sido retirado

    do projecto a penalidade para os procos exonerados e suspensos e a permisso do ensino

    religioso, que segundo lhe teria dito Rodrigues Jnior, haveria de ser autorizado pelo

    Ministrio da Instruo, o que o bispo considerava, e transmitira ao ministro, uma cobardia.

    O bispo disse ainda que procurara junto do mesmo, como alis j tinha feito na reunio que

    tivera com Oliveira Salazar e Mrio de Figueiredo a 6 de Junho, a quem o ministro [da

    Justia] confiara a redaco do Projecto, acabar com o reconhecimento da personalidade

    jurdica s corporaes de culto. A estes dois professores ter mesmo enviado uma carta, que

    o nncio transcreve:

    Exmos. Amgs. e Srs.

    Quanto entrega dos bens, no convindo adoptar-se o art. 6 do meu projecto, parece-me que o art. 2 do Parecer da Cmara dos Deputados [...] muito prefervel ao Decreto Moura Pinto.

    A Revoluo certamente no querer dar-nos menos do que aquele projecto.

    O clero e os bispos so avessos a tudo o que so corporaes ou mesmo conselhos de fbrica. Quanto mais simplicidade melhor. Um proco cismtico poderia tornar facilmente cismtica a corporao ou conselho de fbrica.

    Por amor de Deus peo a V. Exas. atendam a isto110.

    O bispo de Coimbra ter ainda feito saber a Manuel Rodrigues que tal assunto, no

    entanto, deveria ser tratado com a Nunciatura.

    Entretanto, segundo o mesmo eclesistico, o auditor da Nunciatura comunicou

    telegraficamente Santa S os dois principais artigos do projecto dos Drs. Salazar e Mrio de

    Figueiredo depois de entregue ao ministro. Mas, desde ento, nunca mais o ministro lhe

    falara no projecto, nem to pouco lhe comunicara o texto definitivo, apesar de para isso ser

    instado pelo Dr. Cerejeira. Projecto esse que continha disposies que desconhecia, como a

    109 Relatrio n 1624, de Nicotra a Pietro Gasparri, 16 Junho de 1926. ASV, AES Portogallo, IV Periodo, pos. 338 P.O., fasc. 43, fls. 45-46. 110 Relatrio n 1624, de Nicotra a Pietro Gasparri, 16 Junho de 1926. ASV, AES Portogallo, IV Periodo, pos. 338 P.O., fasc. 43, fls. 45-46.

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    obrigao de prestar contas, a comisso de administrao dos bens, a entrega dos bens em uso

    e administrao (no em propriedade)111.

    Numa carta da Nunciatura, escrita por Monsenhor Felici, com data de 1 de Julho de

    1926 e dirigida a Monsenhor Francesco Borgongini Duca, Secretrio da Sagrada Congregao

    dos Assuntos Eclesisticos Extraordinrios112, dir-se- novamente que o projecto fora

    elaborado por Oliveira Salazar. Ao mesmo tempo critica-se o projecto nalguns dos seus

    aspectos: fala de igrejas e no da Igreja, como se no fosse esta ltima a nica vtima da

    famigerada Lei da Separao;