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A Consciência Mítica O sono da razão produz monstros F. Goya Goya: "O sono da razão produz monstros" Interpretação de Sergio Paulo Rouanet: “A coruja tirânica que quer impor sua vontade ao artista é a razão narcísica do hiper-racionalismo. Os morcegos são as larvas e os fantasmas do irracionalismo. Dois animais deficitários, truncados. O morcego tem uma audição aguda, mas é cego. A coruja enxerga de noite, mas não de dia. Falta um terceiro animal na zoologia de Goya, mais completo. Não, não falta. Ele está no canto direito, enorme, olhando fixamente o espectador. É um gato. O gato ouve tudo e tem uma visão diurna e noturna. Sabe dormir e sabe estar acordado. E sabe relacionar-se com o Outro, sem arrogância, ao contrário do seu primo selvagem, o tigre, e sem servilismo, ao contrário do seu inimigo domestico, o cão. É a perfeita alegoria da razão dialógica, da razão que despertou do seu sonho, é atenta a todos os sons e todas as imagens, tanto do mundo de vigília como do mundo onírico, e conversa democraticamente com todas as figuras do Outro, sem insolência e sem humildade” (ROUANET, Sergio Paulo. A Deusa Razão. In: NOVAES, Adauto (Org.) A Crise da Razão. São Paulo: Companhia das Letras; Brasília, DF: Ministério da Cultura; Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Arte, 1996, pp. 298- 299)

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A Consciência Mítica “O sono da razão produz monstros” F. Goya Goya: "O sono da razão produz monstros"

Interpretação de Sergio Paulo Rouanet:

“A coruja tirânica que quer impor sua vontade ao artista é a razão narcísica do hiper-racionalismo. Os morcegos são as larvas e os fantasmas do irracionalismo. Dois animais deficitários, truncados. O morcego tem uma audição aguda, mas é cego. A coruja enxerga de noite, mas não de dia. Falta um terceiro animal na zoologia de Goya, mais completo. Não, não falta. Ele está no canto direito, enorme, olhando fixamente o espectador. É um gato. O gato ouve tudo e tem uma visão diurna e noturna. Sabe dormir e sabe estar acordado. E sabe relacionar-se com o Outro, sem arrogância, ao contrário do seu primo selvagem, o tigre, e sem servilismo, ao contrário do seu inimigo domestico, o cão. É a perfeita alegoria da razão dialógica, da razão que despertou do seu sonho, é atenta a todos os sons e todas as imagens, tanto do mundo de vigília como do mundo onírico, e conversa democraticamente com todas as figuras do Outro, sem insolência e sem humildade” (ROUANET, Sergio Paulo. A Deusa Razão. In: NOVAES, Adauto (Org.) A Crise da Razão. São Paulo: Companhia das Letras; Brasília, DF: Ministério da Cultura; Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Arte, 1996, pp. 298-299)

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A perspectiva dos “civilizados”

Tendência de inferiorização dos povos tribais: sem-escrita, sem Estado, sem comércio”, sem história”

Claude Lévi-Strauss (antropólogo): “primitivo”. Povos diferentes, não inferiores

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O mito entre os “primitivos”

Senso comum: mito como maneira fantasiosa de explicar a realidade, de modo não justificado pela razão

Inferiorização da idéia de mito como lendas, fábulas, crendices, forma menor de conhecimento

Processo de compreensão da realidade: o mito não é lenda, mas verdade, intuída, pela fé e crença, emotiva e afetiva

Mythos (poeta-rapsodos): narrativa da origem de algo (genealogia), “dizer o mundo”, desejo humano, angústia, desconhecido, medo e morte

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As funções do mito

Modelos de construção mítica do real: de natureza sobrenatural (deuses explicam origem e natureza dos fatos)

Forma sobrenatural de descrever a realidade: Maneira mágica da ação do “primitivo” agir sobre o mundo

Ritos de pasagem: função social, nascimento, infância, idade adulta, casamento, morte

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Primitivo e a consciência de si

Comunidades tribais: a experiência individual não se separa da experiência da comunidade

Princípio de individuação depende da preponderância do coletivo

Adaptação acrítica do indivíduo à Tradição Ritos de purificação: bode expiatório Édipo Rei, de Sófocles –exemplo de tabu,

transgressão, incesto

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O mito hoje

O advento da consciência filosófica e cientifica matou a consciência mítica?

Augusto Comte, filósofo francês século XIX d.C.: abandono das formas míticas e religiosas, opõe mito a razão (fracasso)

Positivismo: mito do cientificismo Ciência como única forma de saber

possível (progresso, objetividade e neutralidades científicas)

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O mito hoje: conclusão

Mito: forma fundamental do viver humano; ponto de partida para a compreensão do Ser

O mito é nossa primeira leitura de mundo: outras interpretações do Real não o excluem como a raiz

Mitos da indústria cultural (James Dean, Marilyn Monroe), Super-heróis

Mito político: Nazismo, Romantismo Mito não é mentira: forma do existir, mito e

razão se complementam

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Do Mito à Razão Filosófica

Mitos: oralidade, sem escrita, tradição Homero e Hesíodo: Epopéias séculos IX e

VIII a.C. Ilíada: guerra de Tróia Odisséia: retorno de Odisseus ou Ulisses, rei

de Itaca Teogonia: nascimento dos deuses Terra: Gaia, Céu: Urano; Ponto: Mar Surgimento a partir do Caos

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Mito e Filosofia: Continuidade ou Ruptura?

Mythos: mytheos (contar, narrar, falar algo para os outros em público) Poeta rapsodo, escolhido pelos deuses

O mito é uma Cosmogonia ou Teogonia Nascimento do universo ou deuses

Pai e a mãe das coisas e seres: relações de cópula entre forças divinas pessoais

Rivalidade ou aliança entre deuses (Ilíada) Recompensas ou castigos divinos

(Prometeu)

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Mito e Filosofia: continuidade ou ruptura?

A Filosofia, ao surgir, é uma COSMOLOGIA, explicação racional sobre origem do mundo e das causas das transformações e repetições das coisas

Século XIX: Positivismo – A filosofia significou uma ruptura radical com os mitos, primeira explicação científica Ocidental da realidade

Século XX: antropologia e história – mito e organização social e cultural; Filosofia como racionalização lenta e gradual do MITO

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Diferenças entre Mito e Filosofia

1. Mito: Narra as coisas como eram/tinham sido no passado imemorial, longinquo e fabuloso

1. Filosofia: se preocupa em explicar como e porque as coisas são, no presente, passado e futuro (totalidade do tempo)

2. Mito: narra origem por meio de genealogias, rivalidades entre forças divinas sobrenaturais

2. Filosofia: explica através Causas naturais

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Diferenças entre Mito e Filosofia

Mito: as contradições, o fabuloso e o incompreensível fazem parte da natureza religiosa do narrador

Filosofia: a explicação deve ser lógica, coerente e racional; a autoridade não vem da pessoa do filósofo, mas da Razão, comum a todos seres humanos

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Édipo e a Esfinge

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Prometeu acorrentado

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Cronos devorando seus filhos