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A CONSTRUÇÃO DA ESCOLA PRIMÁRIA DA BAHIA NA PRIMEIRA
REPÚBLICA: Relato de um projeto de levantamento e pesquisa e dos seus
resultados
Elizabete Santana
Universidade do Estado da Bahia – UNEB
e-mail : [email protected]
Palavras chaves: história da educação - escola primária - currículo
Resumo
Relato da experiência de um projeto de pesquisa que em sua
primeira fase de execução realizou levantamentos destinados a
produzir as referências que se faziam necessárias para o estudo
das mudanças curriculares na construção da escola primária do
Estado da Bahia, na Primeira República. Textos de autoria de
Johnson Jr. (1980), Giroux (1986), Sacristán (2000), Faria Filho;
Vidal (2000) e outros foram utilizados na construção de uma
base teórica. Luz (2009), Vidal (2006) e outros apoiaram a
construção de conhecimentos sobre o ensino primário. Ao longo
dos levantamentos realizados foram publicadas obras de
referência e construídos conhecimentos sobre várias questões
entre elas a ação de delegados e inspetores escolares.
1 INTRODUÇÃO
A necessidade de uma história da construção da escola primária na Bahia que
inclua de modo abrangente e articulado os diferentes aspectos do seu funcionamento
deu origem ao projeto “Mudanças curriculares na construção da escola primária na
Bahia: os currículos prescritos nas reformas do ensino e suas relações com o currículo
em uso nas escolas (1889-1930)”.
Ao tomar como eixo para a estruturação das atividades de levantamento e
sistematização de dados os conceitos de currículo, currículo prescrito e currículo em
uso, o projeto contemplou temas que, estando presentes no funcionamento e no
cotidiano da escola, estão de algum modo relacionados com os conteúdos ensinados.
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Além de identificar as mudanças nos currículos prescritos e de delimitar os seus
reflexos nas práticas em uso nas escolas, havia a pretensão de comparar a estrutura e os
componentes curriculares propostos nas diversas reformas vigentes; conhecer as
condições e forças locais e nacionais que impulsionaram as mudanças e influenciaram
os princípios filosóficos e pedagógicos das diversas propostas oficiais; produzir
interpretações e explicações sobre as relações entre o currículo e outros aspectos da
prática escolar e social.
Esses são objetivos amplos que exigem uma divisão do projeto em etapas e
metas, um caminhar por diferentes percursos metodológicos e o uso de diferentes
fontes, sobretudo porque no caso da Bahia ainda são escassos os estudos que tratam a
escola primária com uma perspectiva abrangente das questões pedagógicas e do
currículo.
O levantamento da literatura pertinente ao tema resulta na descoberta de textos
com conteúdos importantes e substanciais em relação aos seus objetos centrais de
análise, mas que oferecem poucas informações sobre os referidos temas. Veja-se, por
exemplo, os estudos de Silva (1997), Luz (2009), e Nunes (2003) que trazem importantes
subsídios para o estudo da educação primária sem dar um tratamento amplo às questões
pedagógicas e ao funcionamento da escola primária.
Portanto, uma abordagem abrangente e articulada dos diferentes aspectos do seu
funcionamento se faz necessária. Tendo em vista a sua posição de elemento central para
o funcionamento da escola e de eixo em torno do qual podem ser construídas questões
de pesquisa, o currículo foi considerado o fio condutor a partir do qual os diversos
aspectos do estudo da escola primária que estamos empreendendo serão articulados.
As bases teóricas e metodológicas da pesquisa foram inicialmente construídas a
partir dos aportes da área de currículo, da história da educação e da pesquisa em
educação encontrados em Johnson Jr. (1980), Giroux (1986) Sacristán (2000), Faria
Filho ; Vidal, (2000), Luz (2009) e Vidal (2006). Ao longo da execução do projeto
houve a contribuição de outros autores no que se refere ao tratamento de temas
específicos.
O alcance dos objetivos delimitados exigia a construção de uma base
documental de apoio às investigações necessárias para encontrar respostas para as várias
questões de pesquisa que estavam postas.
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O ponto de partida foi o reconhecimento de que a estruturação do sistema
público de ensino vai se configurando através de medidas oficiais cujo conhecimento
ajuda a recompor parte do contexto e da realidade em que tramitaram e a encontrar
pistas para buscar outras peças e elementos que permitam uma aproximação e uma
interpretação da história. Em razão disso, em sua primeira fase, o levantamento
privilegiou a legislação que regulamentou a instrução pública primária do Estado da
Bahia incluindo, desde a primeira reforma republicana posta em prática, em 18 de
agosto de 1890, até a lei de 1929 e o Decreto de 1930, que modificaram alguns artigos
da lei de reforma e do regulamento vigentes a partir de 1925. As buscas da legislação
foram iniciadas a partir das obras de referência produzidas por Tavares (1985;
2001/2002).
Sobre as fontes, deve-se considerar o valioso apoio encontrado nas obras
organizadas sob a coordenação do professor Luiz Henrique Tavares, principalmente
naquela que, segundo ele, foi “toda ela gerada pela inteligência criadora do maior
pensador da educação brasileira neste século XX, Anísio Spínola Teixeira, a quem
também se deve o título de criador de bibliotecas de educação e de centros de
documentação da memória da educação em nosso país” (2001/2002). Organizado a
partir da atividade de pesquisador de História da Educação, exercida durante o período
de seis anos (1955-1961), no Centro Regional de Pesquisas Educacionais (CRINEP),
órgão do INEP-MEC na Bahia, o guia de fontes do professor Tavares foi essencial para
a localização física de leis de reforma, regulamentos e relatórios de diretores de
instrução que atuaram na administração estadual.
A localização física das leis e regulamentos em arquivos da cidade de Salvador,
já contou com o apoio aportado ao subprojeto Levantamento e sistematização de
referências documentais sobre a construção da escola primária na Bahia (1889-1930)
pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB).
Entre atos, leis e decretos foram localizados e fotografados 14 documentos que,
depois de impressos, foram digitados com o cuidado de preservar a grafia original.
Apesar do interesse específico pelo ensino primário, os documentos foram publicados
na integra nos formatos de livro impresso e digitalizada em um CD.
É no conteúdo dos temas presentes em vários artigos das leis que podemos
encontrar as intenções, as características e a tônica das propostas e medidas
educacionais. A ênfase atribuída a determinados temas indica as tendências, a
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importância política atribuída aos mesmos e as necessidades reais percebidas na
sociedade. Daí a proposta de produzir um guia organizado em torno daqueles temas ou
itens relevantes para o estudo do currículo e da escola primária os quais são,
seguidamente, objeto de regulamentação no conteúdo dos documentos legais. Entre
eles, estão: as matérias de estudo, métodos pedagógicos, organização pedagógica e
administrativa da escola, rotinas escolares, materiais didáticos, sistema de provas e
exames e vários outros. O Guia de referências temáticas nas leis de reforma e
regulamentos (1890-1930), publicado em 2011, é uma ferramenta que permite
introduzir o leitor no conteúdo da lei, sem que ele tenha de “perder-se”, primeiro, na
leitura de muitos dos seus artigos. Cada representação gráfica traz a indicação do ato, lei
ou regulamento, acompanhada de referências sobre os artigos que tratam,
especificamente, do tema. Portanto, o guia remete o leitor ao documento, facilitando a
sua consulta.
A análise dos documentos legais, aprofundada durante a preparação do Guia,
confirmava o pressuposto de que as prescrições oficiais indicavam as medidas para
uniformizar o ensino público primário e colocá-lo, progressivamente, dentro de uma
estrutura de rede de escolas e de sistema de ensino. Davam pistas sobre o
funcionamento possível da escola primária e da administração do ensino, mas não
indicavam o que realmente acontecia no cotidiano das escolas e nem como as
proposições legais impactavam na vida dos alunos e dos professores, em suas práticas,
ideias e expectativas. Várias são as análises sobre essa distância entre a prática e as
recomendações oficiais e os diversos significados que podem ser atribuídos à legislação,
entre as quais se encontra a realizada por Faria Filho (1998).
Outra preocupação presente na condução deste projeto é a de considerar os
agentes pedagógicos através dos quais as normas e práticas se concretizam (Julia, 2001).
Daí a intenção de articular o estudo da legislação com o do pensamento desses agentes e
das estratégias e formas que utilizam para construir a escola. Considerar que as
estratégias são o resultado do modo de interpretar e reinterpretar as recomendações
legais e de integrá-las ou acomodá-las às formas de ver e fazer a escola estimulava a
buscar respostas para questões formuladas no início do projeto. Entre tais questões
destacavam-se as relacionadas com a função que as práticas educativas
complementares, rotinas, práticas metodológicas e didáticas, materiais, formas da escola
se articular com a comunidade, etc. assumem nos currículos propostos e no currículo em
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uso e as que se referem às relações estratégicas existentes entre o currículo e outros
aspectos da prática escolar e social.
Essas questões remetiam a um esforço para a localização de escritos de
professores, alunos e observadores dos movimentos relacionados com a escola e a
educação, caso de jornalistas, políticos e outros que utilizam a imprensa, os discursos e
os escritos para comunicar suas ideias.
O desejo de conhecer o cotidiano da escola foi reforçado quando da descoberta
da passagem da administração das escolas estaduais do município da Capital para a
órbita da Intendência Municipal de Salvador, em 1895, através da Lei 117. Daí uma
ampliação das fontes predominantemente utilizadas na 1ª fase do projeto e uma busca
por documentos representados por relatórios, cartas, relação de pontos para exame,
materiais escolares, notícias de jornais, artigos de revistas, livros didáticos, teses e
memórias de professores, relatórios de intendentes e delegados escolares.
Concentrar o olhar em Salvador, considerando o período transcorrido entre o ano
de 1896, quando se efetivou a municipalização, e 1927, ano em que ocorre a reversão da
medida, representou uma redução temporária da abrangência geográfica do
levantamento na perspectiva de aprofundar o estudo do tema e de encontrar elos entre
experiências e eventos históricos vivenciados no interior e na capital, no campo da
educação.
Também acreditávamos que devido a sua posição de Capital, a cidade de
Salvador e o seu município sede poderiam ter se constituído de algum modo em um
laboratório irradiador de ideias e práticas para outras localidades do estado.
Nessa fase o grupo de pesquisa não contou com um guia de fontes para facilitar
a busca dos documentos. Valendo-se do conhecimento sobre temas articulados ao
currículo construído na primeira fase, foi elaborado um roteiro para orientar a leitura de
relatórios da intendência municipal localizados em arquivos da capital. O resultado foi
uma listagem de temas que orientou a busca de documentos manuscritos sobre a escola
primária da capital do estado, no período em que esteve sob a administração da
intendência municipal.
O acesso a essas fontes localizadas no Arquivo Histórico Municipal de Salvador
estimulou a sua exploração em análises preliminares para conhecer o que se passou com
a escola primária de Salvador, entre 1896 e 1927. Complementados por outras fontes,
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vários dos documentos manuscritos levantados foram utilizados na escrita de artigos
inclusos na primeira parte da obra O ensino primário no Município de Salvador (1896-
1924), que se encontra no prelo. São artigos sobre escolarização da população infantil,
características do aluno da escola primária de Salvador, dificuldades e obstáculos para
implantar a escola primária, representações dos professores e sobre um livro de leitura
para crianças escrito por um professor primário municipal.
Uma terceira fase do levantamento está em curso com o intento de responder a
questão: Que relações e influências a Escola Normal da Bahia e os alunos - mestres nela
formados tiveram na construção das propostas oficiais de currículo e no currículo em
uso nas escolas onde atuaram? Esta é a questão central do projeto MODOS DE FAZER:
Presença e influência das escolas primárias anexas ao Instituto Normal e do ensino de
pedagogia e metodologia nas práticas curriculares em uso na Primeira República, que
se encontra em execução com o apoio da FAPESB.
2 AS DESCOBERTAS SOBRE A CONSTRUÇÃO DA ESCOLA PRIMÁRIA NA
BAHIA, NA PROMEIRA REPÚBLICA: Um novo modo de ver a ação dos delegados e
inspetores escolares.
No início da pesquisa havia a tendência de considerar os delegados e inspetores
escolares como elementos do sistema de controle, representantes diretos do governo
junto aos professores com o objetivo maior de zelar pelo cumprimento das normas,
reduzindo a autonomia dos professores. Ao longo das atividades de leitura,
sistematização de informações e de organização do material levantado várias foram as
evidências que indicaram a importância do papel dos delegados e inspetores escolares
na expansão da escolarização, na vulgarização dos métodos pedagógicos, e no registro
de informações valiosas para a história da educação.
Os relatórios dos delegados municipais de Salvador dirigidos à Intendência
Municipal permitiram conhecer dados como matrícula e frequência dos alunos, nome
dos professores que assumiam as escolas e onde essas estavam localizadas. Esses
documentos constituem fonte valiosa sobre o tumultuado processo de municipalização
do ensino uma vez que aqueles agentes registraram as providências administrativas
postas em prática ou postergadas; as disputas de poder entre o governo estadual e
municipal; o clima reinante entre os professores; e as dificuldades, avanços e progressos
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observados. Trata-se de um material importante para a construção de uma história da
educação, no que diz respeito ao estudo de questões relativas às diversas nuances que
envolvem um processo de municipalização do ensino, sendo de grande utilidade para
um Estado como o da Bahia onde, recentemente, as escolas de ensino fundamental
foram entregues à administração municipal.
Entre os esforços para transformar a escola, no início da República, relatados
pelos delegados municipais, encontram-se os relacionados à classificação dos alunos de
acordo com os diversos níveis de curso que constituíam o ensino primário.
O Regulamento de 1881, último vigente na Bahia, antes da proclamação da
República, e que trazia como novidade a introdução do método intuitivo, não faz
referências a níveis, cursos e estágios. A escola primária não estava estruturada em
níveis ou graus, um só professor dava conta da preparação do aluno durante todo o
período de duração do curso primário. No referido Regulamento os conteúdos do ensino
eram indicados sob a forma das seguintes matérias: Leitura; Escrita; Elementos de
gramática portuguesa; Aritmética – operações elementares com aplicações práticas,
frações decimais e ordinárias, sistema métrico decimal, proporções e suas aplicações;
Desenho linear; Noções de geografia e história, especialmente da geografia e história
pátria; Elementos de ciências naturais e Religião e civilidade. Cabia aos professores
fazer a seu modo a divisão dos conteúdos ensinados aos diversos grupos de alunos sob o
seu encargo.
A subdivisão dos programas de modo a indicar a fração de conhecimentos
correspondentes a cada um dos níveis ou cursos da escola primária era um dos
requisitos para a constituição de uma escola graduada, moderna, submetida a novos
parâmetros de funcionamento, de controle e de produtividade. A nova escola exigia a
classificação dos alunos para constituir grupos homogêneos considerando a idade e o
domínio dos conteúdos adequados a cada faixa etária. Logo após a República, no
primeiro Regimento para as escolas primárias do Estado da Bahia, datado de 1891,
encontra-se a primeira referência à divisão da escola primária em cursos, que seriam o
elementar, médio e superior, com a correspondente distribuição dos conteúdos. Nele já
se observa um maior detalhamento dos assuntos e matérias do programa de estudos.
No que diz respeito ao município de Salvador, a Lei 219, de 20 de abril de 1896,
que instituiu o ensino municipal, determina a divisão das escolas primárias de 1º grau
em três cursos: Curso elementar ou 1º curso correspondendo ao período de iniciação,
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ensino formal; o curso médio ou 2º curso, período de aquisição de conhecimentos
usuais, ensino real e o curso superior que seria o período de instrução prática, de
repetição e de ensino principalmente cívico.
A necessidade da classificação pedagógica dos alunos por esses três cursos são
constantemente reafirmados nos diversos documentos oficiais do município de
Salvador, cabendo aos delegados escolares zelar pelo seu cumprimento. A
responsabilidade de classificação cabia ao professor no início do ano e contribuiria para
uma boa ordem das atividades pedagógicas. Entretanto, os professores não procediam à
classificação e a esse respeito o Delegado Antonio Bahia da Silva Araújo, faz um
pronunciamento apontando as desculpas dadas pelos professores – falta de mobília e de
material de ensino –, o que, segundo o delegado, não procede, uma vez que quanto ao
espaço físico, a classificação apenas exigia localizar em uma mesma área da sala alunos
da mesma idade e do mesmo nível de aprendizagem, facilitando o trânsito durante as
atividades (1899, p. 307).
Diante da resistência dos professores em classificar os alunos, apontada pelos
delegados incumbidos da fiscalização, os exames semestrais perdiam a sua função de
aferir o progresso da aprendizagem.
De acordo com art. 21 da lei n. 219, esses exames deveriam ser realizados em
julho, estavam a cargo dos delegados e tinham a função de apurar o aproveitamento da
classe no primeiro período do ano letivo e de constituir o grupo dos alunos que
realizariam os exames finais em Novembro. A não classificação dos alunos prejudicava
os exames de aproveitamento realizados no primeiro semestre o que interessava aos
professores acostumados a apenas concentrar esforços para preparar os alunos mais
aptos a serem submetidos aos exames finais.
Em 1899, amparadas Lei 219 e pelas instruções para exame e constituição das
classes que estavam anexas ao ato 425, de 24 de abril de 1899, comissões compostas
por Delegados Escolares visitaram as escolas e fizeram a classificação dos alunos, em
uma ação que podemos considerar precursora da implantação da escola graduada entre
nós. Ao mesmo tempo, em suas visitas durante os exames, os delegados zelavam pelo
cumprimento das normas relativas ao programa prescrito e pela uniformização dos
métodos e dos livros didáticos adotados na escola.
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Figura 1
Fragmento do mapa geral dos exames de aproveitamento procedidos
no ano de 1899 nas escolas primárias do Município de Salvador
Fonte: GUIMARÃES, 1900, p. 287-305
O mapa dos exames de aproveitamento realizados no ano de 1899, do qual se
extraiu o fragmento apresentado na Figura 1, foi elaborado por Antonio Bahia da Silva
Araújo e João Theodoro Araponga e publicado em relatório (GUIMARÃES, 1900, p.
287-305). Está composto, em seu formato impresso, de 18 páginas. Retrata o resultado
do trabalho realizado pelos delegados escolares, entre os dias 08 de julho e 11 de
novembro, com o objetivo de dividir os alunos por grupos, de acordo com o seu nível de
aprendizagem, segundo a classificação pedagógica prescrita no ato 425 que indica os
seguintes níveis: classe preparatória, 1º curso, 2º curso e 3º curso. O mapa registra a
data e hora das visitas realizadas, destaca as poucas escolas que tinham feito a
classificação pedagógica dos alunos, apresenta os resultados das classificações
procedidas pelos delegados e aponta os motivos da não realização da classificação em
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diversas escolas. Apresenta, também, observações sobre a gestão do currículo em cada
uma das 101 escolas visitadas no município de Salvador.
As observações registradas evidenciam a existência de tensões na relação entre
o currículo em uso nas escolas e o currículo prescrito, quando acusam que a grande
maioria dos professores ensina apenas leitura, escrita, desenho e cálculo. A redução do
currículo a essas matérias é um indício de que as escolas estavam distanciadas da
proposta de conteúdos prescrita no Ato 245 que instituiu o regulamento das escolas
primárias do município da capital . O Art. 27 do referido Ato estabelecia que a escola
primária de 1° grau teria a duração de 2 anos e desenvolveria o ensino de: língua
materna; leitura; escrita; cálculo e sistema métrico; geografia e história do Brasil,
principalmente a da Bahia; noções de higiene; noções de ciências físicas e naturais;
noções de agricultura; geometria elementar e desenho; moral prática, instrução cívica,
Constituição do Estado; elementos de música, canto coral, hinos patrióticos; ginástica e
exercícios militares para meninos; calistenia para meninas; trabalhos manuais para
meninos; trabalhos de agulhas e prendas para meninas.
Apesar desse elenco de matérias, as instruções anexas ao Ato n. 425, de 24 de
Abril de 1899 que regulamentava a constituição das classes e a sua organização
pedagógica reduzem a abrangência do currículo. Enfatizam os conteúdos relacionados
com leitura, escrita e cálculo ao indicar as aprendizagens essenciais para o aluno
progredir de um curso para outro e para ser considerado apto aos exames finais. Diante
disso, pode-se dizer que os professores davam prioridade às normas práticas
introduzidas para facilitar a operacionalização dos exames, em detrimento do plano de
estudo prescrito na legislação. Ou seja, distanciavam-se do currículo oficial,
estabelecido no Ato 245, mas privilegiavam os conteúdos expressos em habilidades que
outro ato legal determinava como os mínimos que deveriam ser aprendidos pelos
alunos. Assim, buscavam garantir o máximo de aprovações nos exames semestrais e
finais e não se aventuravam no ensino dos novos conteúdos introduzidos a partir do
início da República. Somente alguns professores foram apontados como ensinando
todas as matérias do programa. Entre eles encontram-se João Gonçalves Pereira,
Leopoldo do Reis, Cincinato Franca, Presciliano José Leal, professores que nos diversos
documentos examinados aparecem recebendo elogios por seu desempenho profissional,
recebendo prêmios, participando de eventos, assumindo funções destacadas, liderando
grupos, divulgando ideias inovadoras sobre educação através de revistas e jornais.
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No mesmo relatório que apresenta o mapa dos exames, anteriormente referido,
Antonio Bahia da Silva Araújo solicita ao Intendente Francisco de Paula Oliveira
Guimarães a manutenção dos exames semestrais,
[...] já porque fazem e mantém a classificação pedagógica da
escola, já porque obriga o professor a trabalhar com todos os seus
alunos, desde o começo do ano letivo, e não unicamente com alguns
escolhidos para figurarem nos exames finais com o abandono do
ensino dos demais alunos, que ficam a cargo de monitores, já porque
com segurança e verdade se conseguem a matrícula e a frequência
exatas das escolas.
Anos mais tarde, por volta de 1913,1914 e 1915, nas Conferências Pedagógicas
a indicação do ensino da Ginástica, História, Geografia, e das prendas como tema para a
elaboração das teses que seriam apresentadas por professores no evento, revela que
ainda permaneciam as dificuldades de penetração no cotidiano da escola.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora ainda não tenha ocorrido um tratamento abrangente do tema, prometido
no corpo do projeto que deu origem aos diversos levantamentos aqui referidos, novos
conhecimentos sobre a construção da escola primária da Bahia, na Primeira República,
estão sendo construídos e disponibilizados através da elaboração de artigos, trabalhos de
TCC e dissertações de mestrado que de diversas formas estão retomando as questões
iniciais de pesquisa e investigando-as com o uso dos documentos localizados e de
outros complementares. Junto com esse movimento as atividades de levantamento
também vão aportando informações e sugerindo conexões. Espera-se que a redução dos
compromissos com as atividades de levantamento e de organização do material
levantado abra espaço para um tratamento do tema mais próximo daquilo que foi
proposto no projeto Mudanças curriculares na construção da escola primária na
Bahia: os currículos prescritos nas reformas do ensino e suas relações com o currículo
em uso nas escolas (1889-1930).
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Histórico Municipal de Salvador – FUNDO INTENDÊNCIA MUNICIPAL – Seção
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