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6º Congresso SOPCOM 3566 A construção da percepção em imagem digital e o desenvolvimento de novas formas de literacia visual 12 Manuel José Damásio Rui Henriques Filipe Luz CICANT, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias Resumo O papel da percepção visual é essencial num contexto onde parte substancial da informação que é recepcionada pelos sujeitos é transmitida através de uma forma visual pelos media, sejam eles a televisão, o cinema ou a internet. O processo de percepção visual deve ser cada vez mais entendido como um processo educativo em torno das formas como diferentes canais transmitem, e por vezes distorcem, informação visual. O presente trabalho discute um processo específico de avaliação da percepção enquanto forma de literacia, por comparação à visualidade como processo holístico de recepção de informação em formato visual, e estabelece a diferença entre as duas tendo como base a capacidade subjectiva de distinguir percepções em função do seu nível de manipulação e consequências cognitivas das mesmas. A hipótese discutida preconiza que a emergência de novas formas de produção de representações visuais tendo como base tecnologia digital exige a definição de um novo enquadramento para estas variáveis e, consequentemente, para a própria literacia do visual. Introdução o conceito de literacia visual Tradicionalmente associado às capacidades de leitura e escrita da palavra textual, tornou-se comum nos nossos dias a utilização do termo ―literacia‖ para referir competências genéricas de escrita e leitura associadas às mais variadas formas de representação (Messaris, 1994). A separação tradicional entre conhecimento/educação e entretenimento/prazer, levou a que o valor social do termo literacia fosse directamente associado uma função educacional a aquisição de competências de escrita e leitura em ordem à criação de 12 * O presente trabalho foi produzido no âmbito do projecto INFOMEDIA Information Acquisition in New Media (PTDC/CCI/74114/2006)

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6º Congresso SOPCOM 3566

A construção da percepção em imagem digital e o desenvolvimento de

novas formas de literacia visual12

Manuel José Damásio

Rui Henriques

Filipe Luz

CICANT, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

Resumo

O papel da percepção visual é essencial num contexto onde parte substancial da

informação que é recepcionada pelos sujeitos é transmitida através de uma forma visual

pelos media, sejam eles a televisão, o cinema ou a internet. O processo de percepção

visual deve ser cada vez mais entendido como um processo educativo em torno das

formas como diferentes canais transmitem, e por vezes distorcem, informação visual. O

presente trabalho discute um processo específico de avaliação da percepção enquanto

forma de literacia, por comparação à visualidade como processo holístico de recepção de

informação em formato visual, e estabelece a diferença entre as duas tendo como base a

capacidade subjectiva de distinguir percepções em função do seu nível de manipulação e

consequências cognitivas das mesmas. A hipótese discutida preconiza que a emergência

de novas formas de produção de representações visuais tendo como base tecnologia

digital exige a definição de um novo enquadramento para estas variáveis e,

consequentemente, para a própria literacia do visual.

Introdução – o conceito de literacia visual

Tradicionalmente associado às capacidades de leitura e escrita da palavra textual,

tornou-se comum nos nossos dias a utilização do termo ―literacia‖ para referir

competências genéricas de escrita e leitura associadas às mais variadas formas de

representação (Messaris, 1994).

A separação tradicional entre conhecimento/educação e entretenimento/prazer,

levou a que o valor social do termo literacia fosse directamente associado uma função

educacional – a aquisição de competências de escrita e leitura em ordem à criação de

12

* O presente trabalho foi produzido no âmbito do projecto INFOMEDIA – Information Acquisition in

New Media (PTDC/CCI/74114/2006)

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6º Congresso SOPCOM 3567

modelos e metodologias de ensino e aprendizagem que resultassem no desenvolvimento

de indivíduos mais conhecedores e mais competentes (Kress&Van Leuwen, 1996).

O estudo da literacia refere-se normalmente à análise da capacidade de

processamento de informação através da palavra escrita ou lida. No entanto, a

importância que outras formas de representação e expressão simbólica, para além da

palavra escrita, têm vindo a adquirir na nossa sociedade, provocaram o surgimento de

diversos movimentos que defendem uma expansão do conceito de literacia (Bamford,

2004).

Se é mais ou menos inegável que o carácter altamente mutável do sistema de

representações em que nos movimentamos e a que estamos expostos, e a complexidade

do sistema tecnológico de comunicação que lhe está subjacente, exige uma nova visão do

conceito de literacia (Auferheid, 1993), já os contornos de tal definição não são

consensuais e estamos ainda longe de uma definição válida do conceito face às

circunstâncias actuais.

Na base de uma nova visão de literacia, está o alargamento das competências que

lhe são próprias a outras formas de expressão que não apenas a escrita, e de entre estas é

óbvio que a percepção visual ganha uma enorme preponderância em função da sua

primazia no interior do sistema mediático com que diariamente lidamos. De facto, parte

substancial da informação que recepcionamos é-nos veiculada sobre a forma de

informação visual. Este facto em si mesmo não é novidade, na medida em que a

construção de representações visuais tendo como objectivo o estabelecimento de

processos comunicacionais é uma constante desde a origem do homem. O que é de certa

forma novo, é a preponderância que diferentes tipos de imagens, pela sua quantidade e

variedade, têm vindo a adquirir para os sujeitos como principal mecanismo de construção

das suas referências às coisas e ao mundo que os rodeia. Estas imagens são

essencialmente imagens mediatizadas que, ao constituírem a principal forma de

informação visual a que estamos expostos, devem também obrigatoriamente ser o

principal objecto de uma literacia do visual.

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6º Congresso SOPCOM 3568

Se o processamento de informação através da palavra escrita e oral implica, para

além das competências base de uso restrito dessas formas de expressão, a compreensão

das funções que a escrita e a palavra desempenham aos mais variados níveis sociais,

também no caso da adequação das capacidades de escrita e leitura a outras formas de

expressão, como a visual, o seu uso restrito não pode ser dissociado da compreensão das

funções por elas desempenhadas.

É esta característica central do termo ―literacia‖, a referência a capacidades

específicas de utilização de uma língua escrita, que permite distinguir ―literacia‖ de

―alfabetização‖. ―Alfabetização‖ corresponde a um estado, normalmente associado à

formação escolar, de iniciação na utilização da língua, enquanto ―literacia‖ refere ―um

processo permanente e contínuo de evolução‖ (Potter, 1998).

O termo ―literacia visual‖ assenta no princípio de que as imagens podem ser lidas

e que um sentido que resulte dessa leitura pode ser comunicado. É precisamente este

princípio de que o sentido construído pode ser comunicado e distribuído, que está na base

de perspectivas mais amplas que enquadram a literacia visual como um constituinte das

práticas sociais do sujeito (Messaris, 1994).

A autoria do termo ―literacia visual‖ é atribuída a John Debes, que em 1969

definiu como literacia visual ―um grupo de competências que um sujeito pode

desenvolver e que pode integrar outras experiências sensoriais‖ (Avgerinou, & Ericson,

1997). A evolução constante das tecnologias de produção e representação de imagens e o

papel progressivamente mais importante que as mesmas desempenham na modelação da

relação entre os sujeitos e o mundo, levou a que o conceito de literacia visual fosse

expandido de forma a enquadrar, não apenas as competências interpretativas, mas

também as competências relativas à produção de imagens.

A expansão do termo implicou um aumento do leque de saberes que contribuem

para o enquadramento disciplinar da literacia visual, mas também resultou na inexistência

de uma teoria unificada que permita compreender o mesmo. Qualquer que seja a origem

disciplinar ou o campo de trabalho em causa, a generalidade dos autores parece concordar

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6º Congresso SOPCOM 3569

com o princípio de que a literacia visual é hoje uma componente educativa central, que

deve ser reforçada nos diversos níveis de ensino (Kellner, 2003).

O individuo visualmente literato é aquele que é capaz de descodificar e interpretar

uma composição visual, mas também aquele que é capaz de codificar e compor imagens

passíveis de possuírem um sentido comummente entendido.

Embora alguns autores entendam a literacia visual como um estado (Messaris,

1994) que facilita aos sujeitos a compreensão das representações visuais à sua volta, a

acelerada evolução de mecanismos de reprodução da imagem a partir da modernidade,

mas mais essencialmente a emergência da imagem digital nos nossos dias, torna inegável

a relevância de processos que facilitem a aquisição pelo sujeito de competências de

selecção, interpretação, codificação/descodificação e produção de imagens.

A proliferação de imagens na nossa cultura implica que a literacia visual seja

entendida, quer na sua forma mais básica de descodificação de simbologias visuais, quer

na sua forma mais avançada de construção de representações de sentido complexo, como

um processo central de aquisição de informação, construção de conhecimento e obtenção

de resultados educativos pelos sujeitos.

A necessidade de uma literacia visual resulta em primeiro lugar do facto de que os

símbolos e modos de representação utilizados na comunicação visual não possuem um

vocabulário fixo. Para além da extensão inimaginável de símbolos e formas que teriam de

constar de tal eventual vocabulário, coloca-se o problema muito mais premente de que a

interpretação e construção de sentidos em comunicação visual varia consoante o contexto

de produção e recepção das imagens.

A literacia visual constitui-se assim como um conjunto de competências que

envolve a compreensão das convenções, intenções subjectivas e conjunto de referências

ao real, incluídas na produção ou recepção de uma imagem. Tal processo de construção

de sentido, resulta numa sintáctica e semântica que implica que a literacia visual seja

entendida como uma prática social que não se limita ao texto da imagem, mas antes

enquadra esta no seu contexto social e cultural (Turner, 2006).

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6º Congresso SOPCOM 3570

Aprender com as imagens: o que vemos e o que não vemos

A emergência ao longo das últimas décadas de formas variadas de produção,

consumo e transformação de imagens de base digital que progressivamente se tornaram a

forma dominante de informação visual presente em todos os media, obriga-nos a

enquadrar o processo linear de uma literacia da percepção no campo mais vasto de uma

visualidade que se refere a todos os processos de recepção, produção e distribuição de

informação visual (Natharius, 2004). Existe assim uma relação directa entre construção

de sentidos, informação visual e literacia dos media, que se manifesta nomeadamente na

forma como as impressões visuais se vão constituindo como elementos aglutinadores da

nossa atenção e experiência subjectiva mediatizada através de media diversos.

A literacia visual está centrada em quatro aspectos (Messaris, 1994): a)

compreensão; b) cognição; c) manipulação; d) estética. Estes quatro aspectos não são

exclusivos da literacia visual e podem ser discutidos por referência a quase todas as

formas de informação mediatizada.

a) Refere-se ao facto de a literacia visual ser um pré-requisito para a

compreensão de qualquer medium de base visual;

b) Refere-se ao facto de a literacia visual promover a avaliação das

consequências cognitivas que a recepção ou produção de informação visual possa

ter para o sujeito;

c) Refere-se ao facto de a literacia visual implicar a aquisição de

competências relativas à capacidade de identificar traços de manipulação visual e;

d) Refere-se ao facto de a literacia visual incluir a apreciação estética

de informação visual.

Um aspecto essencial do conceito de literacia visual é a sua assumpção de que são

as nossas experiências do mundo real e dos seus objectos que utilizamos como referencial

para a avaliação e construção de sentido a partir das imagens mediatizadas.

A nossa hipótese de trabalho parte do pressuposto que de entre estas imagens

mediatizadas devemos isolar um tipo particular de imagens, as imagens animadas, que

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6º Congresso SOPCOM 3571

resultam da aquisição do movimento por sistemas de captura digital de movimento

(MOCAP), como um tipo particular de fontes de informação.

As imagens MOCAP (motion capture) são imagens digitalmente produzidas a

partir da aquisição do movimento de objectos ou sujeitos via um sistema de câmaras

baseadas em infra-vermelhos ou através da detecção do movimento em imagem vídeo.

Este tipo de imagens digitais permite criar uma representação realista que aproxima a

animação da forma de representação cinematográfica. As imagens MOCAP representam

um novo paradigma no campo da imagem digital, nomeadamente no que se refere ao seu

processo de produção e transformação (Manovich, 2006).

O realismo gráfico obtido por via das imagens MOCAP está, tal como no caso de

técnicas de animação anteriores, centrado na replicação das formas do mundo real para o

espaço digital. Os sistemas de MOCAP permitem criar imagens tridimensionais que têm

como base a replicação exacta do referente real criando assim um modo transparente que

torna difícil ao sujeito a identificação exacta da natureza da imagem – corresponde a um

referente real ou não? Tal acontece porque o aspecto real é verosímil (Lamarre, 2006).

Os movimentos capturados por MOCAP, as simulações gravíticas, as expressões

animadas e a representação foto-real, são de tal modo equivalentes à nossa experiência

do mundo real, que se torna imperceptível a distinção entre objectos reais e objectos

artificiais.

É precisamente este aspecto das imagens MOCAP que torna relevante o

contributo das mesmas para a discussão do conceito de literacia visual. Ao permitirem tal

fusão entre representações com referentes reais e representações totalmente artificiais, as

imagens MOCAP obrigam-nos a reformular o conceito de literacia visual no sentido de

este incluir como elemento obrigatório na avaliação de informação visual elementos de

percepção que não sejam da ordem do visual. A nossa hipótese preconiza que tal

elemento é o movimento.

A hipótese central do nosso trabalho tem então a seguinte redacção:

a.1) As imagens MOCAP constituem um tipo distinto de formas de

informação visual que possibilitam a expansão do conceito de literacia visual por

forma a que este inclua como elemento constituinte o movimento como factor

central de distinção pelo sujeito entre representações reais e artificias;

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6º Congresso SOPCOM 3572

a.2) De a.1 resulta que o estágio cognitivo, e não o estágio de percepção,

deve ser entendido como o mais relevante para a avaliação da literacia visual e

que a mesma se deve centrar nos elementos não visuais que possibilitam a

compreensão de uma imagem como informação visual em vez de se centrarem na

associação entre representação e referente.

A leitura de uma imagem implica processos cognitivos complexos de codificação,

descodificação e compreensão, usualmente agrupados em três estágios: sensorial

(aquisição do estímulo exterior); percepção (captura do estímulo pelo órgão sensorial e

selecção do mesmo tendo como base a comparação com estímulos anteriores existentes

na memória) e cognição (actividade mental subjectiva inerente a todo o processo). A

literacia visual deve lidar essencialmente com o último processo, ou seja, não com a

leitura das imagens, mas sim com a sua compreensão.

A passagem de uma informação visual a um produto cognitivo implica no seu

estágio final uma tomada de decisão subjectiva através da qual, e tendo como base os

traços de relação entre uma imagem e outra forma de representação armazenada na

memória do sujeito, este activa a informação visual percepcionada como equivalente a

determinado tipo de representação (Treisman, 1988). As imagens MOCAP confundem

este processo ao promoverem a produção de representações que estão em parte ligadas a

um referente real por via do movimento, mas por outro lado não estão, na medida em que

a sua representação visual é totalmente artificial e pode não corresponder a nenhum

referente real (ex. criaturas fantásticas que se movimentam exactamente como um

humano).

A emergência de tipos de tipos de informação visual que possuem uma aderência

a um referente real mas que aparentam poder manipulá-lo, coloca em causa as

propriedades de b) cognição e c) manipulação incluídas na definição do conceito de

literacia visual.

Foi com o objectivo de comprovar a nossa hipótese inicial relativa à relevância da

avaliação do movimento com propriedade essencial à avaliação subjectiva da informação

visual, bem como proceder à validação da relevância de b) e c) neste contexto, que foi

conduzido um estudo exploratório inicial de discussão da nossa hipótese de trabalho.

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6º Congresso SOPCOM 3573

Um estudo exploratório: da imagem artificial à percepção do real

Procurou-se com este estudo saber:

1) Se existem diferenças entre géneros para cada variável definida em função do

valor nuclear movimento (movimento humano, movimento real,

aceleração/desaceleração, massa e peso, acção da gravidade, aceleração do movimento,

estabilização do movimento, ângulo do movimento, fluidez do movimento);

2) Se existem diferenças entre grupos em análise (1- alunos cinema, 2- alunos

psicologia, 3- alunos animação, 4- alunos de desporto) para cada variável;

3) Se existem diferenças entre blocos de narrativas (bloco1 e bloco2) para cada

variável.

Metodologia

Design

Este é um estudo experimental e exploratório. No intuito de analisar as reacções

dos participantes às sequências elaboradas em Mocap (Motion Capture) e em animação,

foi elaborado um estudo piloto para testar o questionário desenvolvido pela equipa e que

visa a análise do movimento das diversas narrativas.

Participantes

Participaram na investigação 78 alunos voluntários alunos Portugueses do ensino

superior, 43 homens e 35 mulheres, com média de idades = 25,0 anos (intervalo etário:

17-44 anos). O seu recrutamento foi selectivo através de convite indiferenciado via web.

Os participantes encontravam-se divididos em quatro grupos: Alunos do Curso de

Cinema (n=14), alunos do Curso de Psicologia (n=36), alunos do Curso de Animação

(n=14) e alunos do Curso de Desporto (n=14). (tabela 1) (o nome curso = área de

formação).

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6º Congresso SOPCOM 3574

Material

Uma sala de aula foi equipada com 16 pc‘s contendo cada um questionário

individual (QAMH) que foi preenchido passo a passo pelos participantes a pedido do

investigador. No centro da sala foi instalado um projector de vídeo que procedeu à

projecção das sequências contra uma parede branca.

O questionário QAMH - Questionário para Análise do Movimento Humano (Rui

Henriques, 2008) encontra-se dividido em duas partes. Uma primeira (perguntas 1-3) que

inclui os dados pessoais e uma segunda (perguntas 4-12) que questiona a forma como

cada uma das sequências é percepcionada pelo sujeito e adquirida cognitivamente quando

comparada com formas de representação em memória. O principal objectivo do

questionário é validar a hipótese de que são mais os elementos não visuais –

nomeadamente o movimento – que são utilizados pelo sujeito para associar uma imagem

a um referente e activar a mesma cognitivamente, que os elementos visuais. Cada

pergunta encontra-se dividida em dois blocos (conjunto de quatro pequenas narrativas

sequenciadas de cerca de cinco segundos cada), correspondendo ao bloco 1 a sequência

feita em Mocap e bloco 2 a sequência produzida sem recurso a Mocap – Animação

tradicional. No total foram utilizadas oito sequências diferentes, distribuídas em dois

blocos, e que incluíam movimentos básicos como correr, levantar, saltar, etc.

Cada um dos blocos foi projectado e imediatamente respondido pelos sujeitos.

O questionário encontra-se dividido em questões referentes ao movimento

humano, movimento real, aceleração/desaceleração, massa e peso, acção da gravidade,

aceleração do movimento, estabilização do movimento, ângulo do movimento, fluidez do

movimento. À excepção da questão nove, todas as questões são dicotómicas.

Procedimento

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6º Congresso SOPCOM 3575

Após a explicação da finalidade do estudo, os sujeitos foram informados

oralmente que iriam ver dois blocos com seqências intercalados e após cada um dos

visionamentos ser-lhes-ia pedido que preenchessem a questão respectiva no questionário.

Após a projecção do bloco de imagens eles teriam de responder à pergunta, ao que depois

se passaria para o outro bloco e para a resposta a esse bloco, antes de se passar à pergunta

seguinte e repetir o procedimento.

No final do questionário, foi pedido aos participantes que premissem o botão

―Submeter‖ para que os dados ficassem gravados numa base de dados comum.

Resultados

No sentido de escolher a metodologia mais adequada para análise estatística dos

dados recolhidos – paramétricos ou não-paramétricos – procedeu-se a uma análise da

natureza da distribuição dos dados para cada variável procurando perceber-se assumiam

uma distribuição normal (teste Kolmogorov-Smirnov com correcção de lilliefors).

Verificou-se que nenhuma das nossas variáveis seguia uma distribuição normal

(p<0.05), sendo necessária a escolha de estatística não-paramétrica na análise dos dados

Tabela 1

Descrição da amostra

Homens Mulheres Total

N % N % N %

Participantes 43 55,1 35 44,9 78 100

Alunos do Curso de Cinema 10 23,3 4 11,4 14 17,9

Alunos do Curso de Psicologia 7 16,3 29 82,9 36 46,2

Alunos do Curso de Animação 13 30,2 1 2,9 14 17,9

Alunos do Curso de Desporto 13 30,2 1 2,9 14 17,9

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6º Congresso SOPCOM 3576

Tabela 2

Descrição das diferenças entre homens e mulheres para cada uma das questões

Homens Mulheres Total

Sim

(%)

Não

(%)

Sim

(%)

Não

(%) Sim

(%)

Não

(%)

O movimento da

figura parece-lhe

replicar o movimento

humano

Bloco 1 72,1 27,9 68,6 31,4

70,5

29,5

Bloco 2 0 100 11,4 88,6 5,1 94,9

Real

(%)

Comp

(%)

Real

(%)

Comp

(%)

Real

(%)

Comp

(%)

O movimento da

figura parece-lhe Real

ou parece-lhe

produzido em

computador (artificial)

Bloco 1 55,8 44,2 62,9 37,1 59 41

Bloco 2 2,3 97,7 2,9 97,1 2,6 97,4

Sim

(%)

Não

(%)

Sim

(%)

Não

(%)

Sim

(%)

Não

(%)

A aceleração e

desaceleração dos

movimentos

pareceram-lhe reais

Bloco 1 90,7 9,3 85,7 14,3 88,5 11,5

Bloco 2 4,7 95,3 22,9 77,1 12,8 87,2

Sim

(%)

Não

(%)

Sim

(%)

Não

(%)

Sim

(%)

Não

(%)

O corpo parece-lhe ter

massa e peso

Bloco 1 93 7 94,3 5,7 93,6 6,4

Bloco 2 37,2 62,8 40 60 38,5 61,5

Real

(%)

Artif.

(%)

Real

(%)

Artif.

(%)

Real

(%)

Artif.

(%)

Tendo em conta a acção

da gravidade sobre a

figura, este movimento

pareceu-lhe

Bloco 1 95,3 4,7 85,7 14,3 91 9

Bloco 2 9,3 90,7 20 80 14,1 85,9

=

(%

)

(%

)

(%

)

=

(%

)

(%

)

(%

)

=

(%

)

(%

)

(%

)

Em relação ao tempo

real, estas figuras Bloco 1

88,

4 2,3 9,3

77,

1 2,9 20

83,

3 2,6

14,

1

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6º Congresso SOPCOM 3577

encontram-se Bloco 2

16,

3

74,

4 9,3 20

68,

6

11,

4 17,

9

71,

8

10,

3

Sim

(%)

Não

(%)

Sim

(%)

Não

(%)

Sim

(%)

Não

(%)

Parece-lhe real a

estabilização do

movimento após

paragem

Bloco 1 95,3 4,7 80 20

88,5

11,5

Bloco 2 53,5 46,5 51,4 48,6 52,6 47,4

Sim

(%)

Não

(%)

Sim

(%)

Não

(%)

Sim

(%)

Não

(%)

O ângulo (direcção) no

qual a figura se move

parece-lhe o mais

correcto

Bloco 1 81,4 18,6 74,3 25,7 78,2 21,8

Bloco 2 44,2 55,8 45,7 54,3 44,9 55,1

Sim

(%)

Não

(%)

Sim

(%)

Não

(%)

Sim

(%)

Não

(%)

A figura parece ter

fluidez nos

movimentos

Bloco 1 83,7 16,3 68,6 31,4 76,9 23,1

Bloco 2 53,5 46,5 54,3 45,7 53,8 46,2

Nota: = Nem aceleradas, nem desaceleradas; Aceleradas; Desaceleradas

Tabela 3

Diferenças entre os sexos para as variáveis da percepção de movimento

Sexo Masculino Sexo Feminino

N % N % 2

Movimento Humano parece

realB2 5,1*

Sim 0 0 4 11,4

Não 43 100 31 88,6

Aceleração dos movimentos

parece real B2 5,7*

Sim 2 4,7 8 22,9

Não 41 95,3 27 77,1

Estabilidade do movimento

após paragem parece real B1 4,45*

Sim 41 95,3 28 80,0

Não 2 4,7 7 20,0

*p .05.

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6º Congresso SOPCOM 3578

Existem diferenças estatisticamente significativas entre os sexos para a replicação

do movimento humano no Bloco 2 (B2), 2 (1) = 5.1; p = .023 e para questão de se

considerar a aceleração/ desaceleração do corpo verosímil no Bloco 2 (B2), 2 (1) = 5.7;

p = .017.

Foram também encontradas diferenças significativas entre sexos relativamente à

estabilidade do movimento após paragem, no Bloco 1 (B1), 2 (1) = 4.45; p = .035.

Tabela 4

Diferenças entre os dois Blocos para as variáveis da percepção de movimento

Bloco 1 Bloco 2

N % N % 2

Acção da gravidade

sobre a figura 20,8***

Real 71 91,0 11 14,1

Artificial 7 9,0 67 85,9

***p .001;

Comparámos se havia diferenças entre cada um dos blocos para cada uma das

questões e apurámos que os participantes denotaram diferenças estatisticamente

significativas entre o Bloco 1 e 2 na questão da percepção da acção da gravidade sobre a

figura, 2 (1) = 20.8; p = .000

Conclusões

Tendo em vista o carácter experimental deste estudo e a dimensão da amostra não

podemos obviamente considerar que haja resultados significativos da comparação entre

grupos. Da comparação dos grupos não foi possível descriminar nenhum que tivesse

maior acuidade na distinção entre as figuras em Mocap e animação. Tal facto em nada

anula o nosso argumento inicial antes valida a pressuposição de que as imagens MOCAP

anulam completamente qualquer distinção entre referente real e artificial.

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6º Congresso SOPCOM 3579

Na análise entre cada uma das sequências (bloco 1 e 2) para cada pergunta, apenas

se extraíram resultados significativos relativamente à acção da gravidade sobre a figura,

onde uma grande maioria dos participantes (91%) considerou o bloco 1 como verosímil,

em oposição ao bloco 2 (14,1%) (Tabela 4). Uma explicação para estes resultados parece

estar assente na construção de ambas as sequências e que neste caso, são bastante

diferenciadas. Aliás, uma das conclusões para uma futura investigação passa pela

construção de sequências paralelas, ou seja as mesmas narrativas em ambos os blocos,

mas com processos de construção diferenciados: Mocap e Animação.

Face aos resultados apresentados podemos confirmar que o movimento se

constitui como factor central de avaliação da informação visual veiculada, logo deve ser

considerado como elemento não visual válido para efeitos de discussão da capacidade

subjectiva de compreensão de uma imagem.

A Literacia visual é um elemento nuclear para a compreensão do papel actual da

relação entre os sujeitos e a informação. O presente artigo teve como principal objectivo

apresentar uma hipótese de trabalho relativa à relevância que os elementos não-visuais

têm no contexto actual de percepção e aquisição de informação visual. A nossa proposta

incidia na relevância do movimento como variável central para a compreensão do papel

que as imagens digitais de um tipo particular – as imagens adquiridas via MOCAP –

podem ter no futuro no desenvolvimento do conceito de literacia visual. Do exposto

resulta que este conceito depende mais de variáveis não visuais do que visuais e que o

mesmo deve ser reformulado por forma a se centrar essencialmente na componente

cognitiva excluindo componentes relativas a manipulação e apreciação estética muito

valorizadas no passado.

Referências

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