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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA - UNOESC JOAÇABA ÁREA DAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS - ACHS PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO A construção de uma pedagogia para a infância, a formação docente e a inclusão: desafios da Educação Infantil no município de Campos Novos / SC Raquel Terezinha Sampaio Mêra Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação. Professora Orientadora: Drª Clarice Salete Traversini Joaçaba, outubro de 2006.

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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA - UNOESC JOAÇABA

ÁREA DAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS - ACHS

PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO

A construção de uma pedagogia para a infância, a formação

docente e a inclusão: desafios da Educação Infantil no município

de Campos Novos / SC

Raquel Terezinha Sampaio Mêra

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação.

Professora Orientadora: Drª Clarice Salete Traversini

Joaçaba, outubro de 2006.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu esposo, José, aos meus filhos, Valquiria e Ricardo, meus

amores cotidianos que, para meu orgulho, nos momentos de

desânimo, cansaço sempre me incentivaram a dar continuidade ao

desafio do curso de Mestrado.

Aos meus pais, Ibraim e Maria Dalva, aos meus irmãos, Roberto,

Renato, Rony e Rosane, aos sobrinhos e afilhados pela compreensão

na ausência às reuniões e festas familiares.

À Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc, que acreditou

em minha capacidade profissional, oportunizando esse momento

ímpar na construção de meu aprendizado na área da Educação.

Ao município de Campos Novos, por nos permitir realizar a pesquisa,

e à Secretaria Municipal de Educação, pelo apoio e motivação,

tornando possível a realização do Mestrado.

À Diretora Pedagógica de Educação Infantil, às Diretoras das

Instituições de Educação Infantil e às Professoras que não mediram

esforços em colaborar com minha pesquisa.

À Professora Drª ClariceTraversini, orientadora e amiga que me

acompanhou nesta trajetória de pesquisadora e minha professora há

algum tempo, por me ensinar o gosto pela pesquisa sobre a criança,

apresentando-me sempre novos desafios.

Às Professoras Leda e Nadir, pelas contribuições efetuadas na banca

de qualificação do projeto.

Às amigas Maria Ampessan e Solange Rosar Jacomel, por

compartilharem comigo deste processo de formação.

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À minha Mestra e amiga Evanilda Corrêa, que sempre esteve ao meu

lado durante o período de estudos do Mestrado, que também

contribuiu significativamente com sugestões.

Aos colegas do Mestrado, em especial à Neide, pela atenção e apoio

“do outro lado da linha”, passando as orientações recebidas e

“segredos” para elencá-los em minha produção científica.

À colega de Mestrado, minha amiga e companheira camponovense

Juliane Brogliato, pela força e alegria no decurso da longa jornada em

busca do aperfeiçoamento.

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Dedico este trabalho à minha mãe-avó (in memoriam), Maria Cláudia Vieira dos

Santos, mulher forte, corajosa, amiga, dedicada e inspiração para minha vida.

Ao meu pai-avô (in memoriam), Evaristo de Oliveira Santos, homem simples,

corajoso e de muita fé, com a certeza de que estaria orgulhoso pela minha conquista.

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS............................................................................................................ 02

DEDICATÓRIA..................................................................................................................... 04

RESUMO................................................................................................................................ 07

ABSTRACT............................................................................................................................ 08

INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 09

CAPÍTULO I........................................................................................................................... 13

1 A INFÂNCIA E A EDUCAÇÃO: ALGUNS APONTAMENTOS................................... 13

1.1 A construção da concepção de infância na modernidade............................................ 13

1.2 A educação das crianças passa a ser interesse do Estado............................................ 18

1.3 Pedagogia Escolar e da Infância: compreendendo os conceitos.................................. 22

1.4 Formação de professores da Educação Infantil........................................................... 27

1.5 A inclusão na Educação Infantil.................................................................................. 32

CAPÍTULO II ........................................................................................................................ 38

2 O CAMINHO PERCORRIDO PARA A REALIZAÇÃO DA PESQUISA....................... 38

CAPÍTULO III........................................................................................................................ 43

3 DESAFIOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO MUNICÍPIO DE CAMPOS NOVOS / SC

NA ATUALIDADE................................................................................................................ 43

3.1 Quando as docentes não escolhem a Educação Infantil para trabalhar..................... 44

3.2 O Predomínio da Pedagogia Escolar em detrimento da Pedagogia da Infância....... 50

3.3 A necessidade da formação continuada para a docência na Educação Infantil,

considerando as exigências contemporâneas da inclusão ........................................... 59

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................. 69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................... 74

ANEXOS................................................................................................................................. 78

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RESUMO

O presente estudo tem como objetivo investigar as ações pedagógicas desenvolvidas no

cotidiano da Educação Infantil no município de Campos Novos/SC e como ocorre a formação

continuada dos docentes que nela atuam, visando ao desenvolvimento da criança como

sujeitos de direitos e deveres. Para dar suporte à pesquisa, buscaram-se subsídios teóricos em

produções de autores como: Philippe Ariès, Eloísa Acires Candal Rocha, Ana Beatriz

Cerisara, Sonia Kramer, Moysés Kuhlmann Júnior, Maura Corcini Lopes e Hugo Otto Beyer.

Para alcançar o objetivo, foi realizada uma pesquisa de campo utilizando a entrevista

estruturada como instrumento para a coleta dos dados, envolvendo a diretora pedagógica da

Educação Infantil do município, as diretoras das Instituições e as professoras que atuam na

Educação Infantil com a faixa etária de quatro a seis anos. Na pesquisa, foi possível

identificar a escassa formação continuada das docentes para atuar na Educação Infantil. Além

disso, com as exigências legais para implementar as políticas de inclusão na escola, as

entrevistadas sentem-se despreparadas para assumir esse processo na Educação Infantil.

Constatou-se, sobretudo, o predomínio de uma pedagogia escolarizante no cotidiano da

Educação Infantil. Isso demonstra a necessidade de investir na formação docente para a

elaboração de um Projeto Político Pedagógico inclusivo e voltado para a Pedagogia da

Infância.

PALAVRAS CHAVE: EDUCAÇÃO INFANTIL – ESCOLARIZAÇÃO – FORMAÇÃO

DOCENTE

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ABSTRACT

The objective of the present study is to investigate both pedagogical actions taken in the Child

Education routine in Campos Novos / SC and how continued education of teachers is carried

out, aiming at the development of children as subjects with rights and duties. The research has

been based on theoretical subsides provided by the following authors: Philippe Ariès, Eloísa

Acires Candal Rocha, Ana Beatriz Cerisara, Sonia Kramer, Moysés Kuhlmann Júnior, Maura

Corcini Lopes, and Hugo Otto Beyer. A field research was carried out using a semi-structured

interview as an instrument to collect data, involving the Pedagogical Coordinator of Child

Education of Campos Novos, the principals of the Institutions and the teachers that work with

4 – 6 year-old children. It has been possible to identify the poor continued education of

teachers that work in this area. Besides that, with the legal requirements to implement the

inclusion policies in school, the subjects feel unprepared to assume this process in Child

Education. The prevalence of a schooling pedagogy in the Child Education routine has been

noticed. This shows the necessity of investments in teachers’ education to elaborate an

inclusive Pedagogical and Political Project considering the Child Pedagogy.

Key words: Child Education – School Education – Teachers’ Education

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INTRODUÇÃO

Ao pesquisar a história da Educação Infantil, percebe-se que não há linearidade em

sua trajetória, a qual foi determinada por mudanças sociais e econômicas. A Educação Infantil

já foi vista como lugar para se deixar as crianças enquanto suas mães trabalhavam fora do seu

lar. Ao mesmo tempo, era no espaço dessas instituições que as crianças poderiam ter boa

alimentação, higiene e cuidados físicos. No entanto, ainda há Instituições de Educação

Infantil realizando um trabalho reduzido à assistência, à compensação de carências e à

preparação para o Ensino Fundamental. A Educação Infantil, denominação contida na Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394 / 96 para o atendimento de crianças de zero a

seis anos em instituições educativas, possui uma trajetória marcada por lutas e contradições,

com muitas histórias de silêncios e ausências, de resistência e submissão, de assistência e

direitos.

As concepções anteriores à legislação vigente enfocavam o cuidado das crianças

sem função educativa. Só freqüentavam a creche crianças filhas de mães trabalhadoras e

oriundas de famílias que não podiam pagar uma profissional para cuidá-las em sua residência.

As pessoas que cuidavam das crianças tinham apenas que gostar delas e, principalmente, ser

mães, pois o cuidado era considerado de responsabilidade feminina.

A Educação Infantil no Brasil começou a ter espaço a partir de exigências

internacionais de movimentos que envolviam professores, pesquisadores, administradores

públicos e militantes preocupados com a situação da infância em nosso país, que advogavam

no sentido de atender a tal necessidade pública. Esses movimentos barganharam a inserção de

atenção à criança na Constituição Federal de 1988, apoiaram a aprovação do Estatuto da

Criança e do Adolescente de 1990, reafirmando os direitos da criança na Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional de 1996. Nesses documentos, a criança recebeu atenção especial

e passou a ser alvo dos deveres públicos do Estado e da sociedade. A legislação assume a

concepção de criança como sujeito de direitos e deveres, o que exige uma formação específica

dos profissionais que trabalham com elas na Educação Infantil, realizando uma prática

pedagógica em consonância com essas exigências.

Por atuar na área de Educação Infantil e visando à melhoria da ação pedagógica

cotidiana, procurei aperfeiçoamento profissional através do Mestrado em Educação. Em vista

disso, realizei a pesquisa na área da Educação Infantil no município de Campos Novos / SC,

que começou a ser desenvolvida no decorrer do ano de 2003, sendo concluída a coleta de

dados no início de 2004. A pesquisa possibilitou-me ampliar conhecimentos sobre a formação

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docente, os espaços destinados ao cuidado e à educação das crianças e, principalmente, sobre

as pedagogias presentes no cotidiano das Instituições de Educação Infantil.

Na condição de profissional de carreira na área da Educação, senti necessidade de

investigar como ocorre o processo educativo entre os envolvidos na Educação Infantil.

Mesmo possuindo experiência nos vários níveis de ensino, a Educação Infantil tornava-se um

desafio, pois era a primeira vez que atuava com crianças na faixa etária de cinco a seis anos.

Nessa época, já havia cursado Pedagogia e finalizado as especializações: uma em Educação

Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental, e a outra em Currículo e Prática Educativa.

Em uma das especializações, pesquisei: Conflitos e Expectativas da Criança na Passagem da

Educação Infantil para a Primeira Série do Ensino Fundamental (2000).

Naquele momento, diante da análise e dos resultados da pesquisa, constatou-se

que, na passagem da Educação Infantil para o Ensino Fundamental, as crianças sofrem uma

ruptura. Essa passagem soa para a criança como uma ameaça, pois os pais já amedrontam seus

filhos dizendo que, quando forem para a primeira série, terão que estudar e não haverá mais as

brincadeiras. Até mesmo alguns professores reforçam essa afirmação. Então, as crianças têm

medo de passar para a primeira série, pois de repente tornam-se adultos em miniatura. Nessa

transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental, é preciso um encaminhamento,

um preparo tanto para a criança quanto para o professor.

A referida pesquisa contribuiu para a reflexão sobre as concepções de infância e o

que acreditei ser o papel da Educação Infantil. Reafirmei que ensinar e aprender dependem do

educando e do educador, são processos compartilhados. A responsabilidade do professor de

Educação Infantil não é apenas preparar a criança para o seu ingresso no Ensino Fundamental,

mas propiciar momentos diversificados para viver sua infância intensamente. É mobilizar o

aluno para a aprendizagem, utilizando todos os caminhos possíveis, por meio da experiência,

da imagem, do som, da representação (dramatização, simulações), da mídia e da ludicidade.

O contato com as crianças durante a realização da pesquisa na especialização

aguçou o desejo de atuar como profissional também na Educação Infantil, experiência esta

que até então não havia vivenciado. Em 2000, esse desejo foi realizado através da aprovação

no concurso para o magistério público municipal de Campos Novos/SC. Esse concurso

oportunizou a atuação docente nessa área por escolha própria, pois nem sempre é o professor

que escolhe a Educação Infantil para trabalhar.

Diante da experiência de atuar diretamente na Educação Infantil, maior foi o

interesse em aprofundar conhecimentos na área para embasar a prática pedagógica. As

circunstâncias e as oportunidades cotidianas motivaram a realização da presente pesquisa,

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com o objetivo de investigar as ações pedagógicas desenvolvidas no cotidiano da Educação

Infantil no município de Campos Novos/SC e como ocorre a formação continuada dos

docentes que nela atuam, visando ao desenvolvimento da criança como sujeito de direitos e

deveres. Para a concretização do objetivo, foram traçadas duas questões norteadoras:

a) Que ações pedagógicas cotidianas são desenvolvidas nas Instituições de

Educação Infantil com as crianças de 4 a 6 anos?

b) Como ocorre a formação continuada dos professores que atuam nessa área?

Como resultado da pesquisa, elaborou-se a presente dissertação, assim

organizada: no primeiro capítulo, A Infância e a Educação: alguns apontamentos, abordam-se

aspectos teóricos considerados relevantes para compreender a Educação Infantil. Os estudos

realizados mostraram que a infância é uma construção histórica e social e que, a partir da

Modernidade, os sujeitos infantis se constituíram em público-alvo para os governantes

garantirem futura mão-de-obra e continuidade da organização social vigente. Para preservar a

vida das crianças e com a pressão das mães trabalhadoras, o Estado obrigou-se a

institucionalizar seu atendimento. No decorrer da história e procurando atender às exigências

legais das últimas décadas, além do cuidado, surgiu a necessidade de elaborar uma proposta

pedagógica para a infância, contemplando a criança como um sujeito de direitos e deveres. No

que tange ao trabalho pedagógico a ser desenvolvido com elas, frente às exigências da

contemporaneidade, torna-se fundamental a formação específica dos professores para lidar

com a Educação Infantil.

No segundo capítulo, intitulado O Caminho Percorrido para a Realização da

Pesquisa, explicita-se a trajetória da pesquisa. Foram envolvidas cinco Instituições de

Educação Infantil que atendem crianças de quatro a seis anos no município. Os sujeitos da

pesquisa foram: a Diretora Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação, as quatro

Diretoras das Instituições de Educação Infantil e dez Professoras da rede municipal de

Educação que trabalhavam com crianças da referida faixa etária. Para a coleta de dados,

utilizaram-se, entrevistas estruturadas, que foram gravadas, transcritas e analisadas.

No terceiro capítulo, Desafios da Educação Infantil no Município de Campos

Novos / SC, encontra-se a leitura dos dados coletados, tomando por base os referenciais

teóricos. Procurando responder as questões investigativas, descrevem-se algumas

características das docentes que atuavam nas instituições no momento da pesquisa,

mostrando-se que várias iniciaram o trabalho na Educação Infantil por ser a única alternativa

de ingresso ou continuidade no quadro docente do município, e não por sua opção.

Evidenciou-se na entrevistas que, nas ações pedagógicas, predomina a pedagogia escolar em

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detrimento de uma pedagogia para a infância. Uma das hipóteses é que a maioria das docentes

tem sua maior experiência com o Ensino Fundamental e, no momento em que assumem uma

turma de Educação Infantil, acabam desenvolvendo ações pedagógicas dessa natureza, ou

seja, escolarizantes. As próprias professoras apontam que possuem escassa formação inicial e

continuada para atuar na Educação Infantil. Além disso, no momento da realização desta

investigação, a vinda de cinco crianças com necessidades educativas especiais para uma das

instituições de Educação Infantil, bem como a obrigatoriedade da implementação das políticas

de inclusão, apontam mais um desafio a ser contemplado na formação de professores da área:

a educação inclusiva na escola regular.

Por fim, encontram-se algumas considerações produzidas a partir das reflexões

que esta pesquisa oportunizou.

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CAPÍTULO I

1 A INFÂNCIA E A EDUCAÇÃO: ALGUNS APONTAMENTOS

1.1 A Construção da Concepção de Infância na Modernidade

De acordo com Rocha (1999), a construção social da infância tem sido contada por

diferentes autores e, muitas vezes, de modo controvertido. No entanto, há um pressuposto

convergente de que a infância foi uma construção histórico-social produzida pela cultura

humana, com marcas delineadas a partir da Idade Média. Então, se a infância foi produzida

em tempos e espaços diferentes, pode-se dizer que há infâncias no plural.

Uma sociedade, em seu tempo, comportará a partir de sua constituição socioeconômica e cultural, diferentes infâncias. Cada qual a partir do lugar social que ocupa, será objeto de intervenção dos adultos, seja no sentido, do enquadramento social, adaptando-a ao mundo, seja projetando na infância uma nova sociedade, seja conciliando estes dois modos (ROCHA, 1999, p. 39).

Nesse contexto socioeconômico e cultural, são construídos novos sujeitos através

das diferentes formas de intervenção educativa a que se submetem. Rocha (1999) exemplifica

que, no Brasil, desde o século XVI, a infância era considerada como um momento de

“iluminação e revelação”, transformando-se em público-alvo dos projetos jesuíticos, que

tinham como meta a catequização para “transformar devidamente o caráter e o credo das

populações nativas”, submetendo-as a um “violento processo de aculturação, que incluía

punições e castigos físicos” (p.39).

Com base em Del Priore, a autora observa que os jesuítas consideravam as

crianças como tábulas rasas que somente poderiam ser escritas pela ideologia religiosa

pregada por eles. No decorrer do processo de catequização, eles perceberam que essas

crianças nativas traziam consigo valores e hábitos considerados inadequados que deveriam ser

modificados. Com isso, os jesuítas sentiram a necessidade de dedicar-se intensamente a

educá-las a viver do mesmo modo que vivia a civilização ocidental. Tal ação deixou em

segundo plano os ensinamentos religiosos. Para formar as pessoas que os jesuítas desejavam,

surgiram ações pedagógicas preservando tanto a atenção quanto o controle sobre as crianças.

Segundo Rocha (1999), no Brasil, a criança negra, escrava, considerada

mercadoria, com valor comercial para seus senhores, recebia uma atenção diferenciada.

Tinha-se a crença de que tanto as crianças negras quanto as brancas se tornavam anjos quando

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morriam. A criança negra podia aproximar-se da casa grande, desde que auxiliasse os filhos

de seus senhores. Dispensava-se maior atenção à criança negra pelo seu trabalho do que com

sua instrução ou alfabetização.

O estudo sobre a história da infância e do modo de educar as crianças mostra que

há caminhos ora de liberdade, ora de controle. Portanto, para estudar e entender a infância, é

necessário, como afirma Kuhlmann Júnior (1997, p. 10), considerar as experiências das

crianças vividas em diferentes tempos e locais, “é preciso conhecer as representações de

infância e considerar as crianças concretas, localizá-las nas relações sociais, etc., reconhecê-

las como produtoras da história”.

Ariès (1981) estudou a história da infância e apresenta a criança como um sujeito

inventado pela modernidade. Localiza o surgimento da infância nos séculos XVI e XVII na

Europa. Nos séculos anteriores, não havia uma representação das crianças como crianças e,

sim como adultos chegando ao ponto de não se perceberem as necessidades infantis. A partir

da análise de imagens da infância burguesa européia na Modernidade, o autor evidencia como

mudou o sentimento de infância e de família.

Para o pesquisador francês Ariès, a criança surgiu como uma nova personagem a

partir do século XVI. Durante o Período Medieval, a infância era reduzida ao seu período

mais frágil, enquanto o filhote de homem não conseguia bastar-se. Tão logo conseguisse

sobreviver sozinho, transformava-se num homem jovem, sem passar pelas etapas da

juventude. A criança afastava-se logo dos pais e, graças à convivência com os adultos,

aprendia as coisas que devia saber, ajudando-os no trabalho.

As crianças eram consideradas seres adultos em miniatura. Um exemplo disso é

uma imagem do século IX a. C., descrita pelo autor, em que uma mãe carregava no colo um

homem com tamanho maior do que o dela. Esse homem poderia ser uma criança como,

registrava uma mensagem na própria obra de arte da época: “A pequena figura masculina

poderia muito bem ser uma criança que, segundo a fórmula adotada na época arcaica por

outros povos, estaria representada como adulto” (ARIÈS, 1981, p. 52). A partir do adulto em

miniatura surgiram dois sentimentos de infância. Uma era marcada pela “paparicação”, que se

limitava aos primeiros anos de vida. A criança era motivo de distração e brincadeira dos

maiores. Tinha-se a noção da fragilidade da infância, que levava os maiores a cuidarem dos

pequenos, preservando sua vida. O outro sentimento era uma preocupação moral de

disciplinar as crianças para serem os adultos idealizados.

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Segue-se por muito tempo uma infância sem sua própria identidade. Por volta do

século XIII, começam a aparecer indícios de representação da criança próximos do sentido

moderno de infância. A primeira representação era apenas religiosa; as crianças eram pintadas

como anjos, com cara de Menino Jesus ou de Nossa Senhora menina. Em seguida, aparecem

obras de arte com crianças nuas. Segundo Ariès, pode-se dizer que a história da arte em geral

colaborou com os estudos contemporâneos da infância, resgatando a história da criança por

meio de quadros e outros objetos culturais, ou seja, através da iconografia.

A infância era um período insignificante, visto que, se uma criança morresse, sua

falta não era sentida, logo viria outra para substituí-la. O sentimento de indiferença e de

desapego às crianças nas sociedades européias do século XV pode explicar o grande número

de abandono de crianças recém-nascidas e um grande índice de mortalidade infantil. Devido

ao grande número de óbitos, começa uma preocupação maior com cuidados de higiene e

vacinação. Posteriormente, o cuidado com a saúde da criança foi influenciado pela exigência

de mão-de-obra para sustentar os avanços da industrialização e pelo surgimento da escola.

A partir do século XVI, inicia-se a diferença entre o mundo das crianças e o

mundo dos adultos. A criança deixou de ser misturada aos adultos e de aprender a vida

diretamente, através de contato com eles. Além disso, insistia-se em isolar as crianças que

dormiam juntas com os pais. Eles não podiam mais beijá-las, nem as crianças poderiam

tocar-se entre si, pois isso levava à suposição de pecado. As crianças passaram a ter seus

confessores, que podiam despertar-lhes sentimentos de culpa por suas ações impensadas ou

incorretas.

Essa separação das crianças foi promovida pelos reformadores, católicos ou

protestantes, ligados à igreja, às leis ou ao Estado, como uma das ações do “movimento de

moralização dos homens”. Porém, ela só foi possível com o consentimento da família, que se

tornou o lugar de afeto entre cônjuges e entre pais e filhos (ARIÈS, 1981).

Os moralistas acreditavam que o dever de um bom pai era enviar os filhos desde

cedo à escola para que tivessem uma vida boa e correta. As crianças eram enviadas desde a

mais tenra idade “ao mercado da verdadeira sabedoria, ou seja, ao colégio, onde eles se

tornarão os artífices de sua própria fortuna, os ornamentos da pátria, da família e dos amigos”

(ARIÈS, 1981, p. 277).

Conforme escreveram Nunes; Silva (1997, p.27), a prática moralista:

Começou a dividir a população escolar em grupos de uma suposta mesma capacidade etária, que eram selecionados e colocados sob a direção de um mesmo mestre. Esse processo correspondeu a uma necessidade ainda nova de adaptar o ensino do mestre ao nível do aluno. As escolas foram

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concebidas de maneira nova, segregando meninas e meninos, institucionalmente separados, isolando as crianças novas dos velhos, os ricos dos pobres.

A decisão das famílias, da igreja, dos moralistas e dos administradores de enviar os

filhos para os colégios, geralmente internatos, privou a criança da liberdade que tinha entre os

adultos. Nesse período do moralismo, adotaram-se o chicote, a prisão, os trabalhos pesados

para educar. O rigor imposto à educação das crianças tornou-se sentimento pior do que a

indiferença, pois era um amor possessivo e abusivo.

No fim do século XVII, com a valorização do afeto na família, ocorre uma

mudança de atitudes, e a criança conquista um lugar junto aos pais. Os pais não mais se

contentavam em pôr os filhos no mundo e dar atenção ao primogênito, desinteressando-se dos

outros. Entretanto, esse sentimento de infância não foi assumido igualmente entre meninos e

meninas. Conforme afirma Ariès (1981 p. 81),

O sentimento da infância beneficiou primeiro os meninos, enquanto as meninas persistiram mais tempo no modo de vida tradicional que as confundia com os adultos: seremos levados a observar mais de uma vez esse atraso das mulheres em adotar as formas visíveis da civilização moderna, essencialmente masculina.

No século XVIII, acentuaram-se as diferenças entre as crianças que possuíam

famílias e as rejeitadas por elas. Para as crianças com famílias, foi fixada a idade de sete anos

para entrar na escola e começar a trabalhar, tanto para os meninos quanto para as meninas.

Essa idade permaneceu até o final do século XVIII, quando passou a ser exigida a idade de

nove anos para aprender gramática. Por esse motivo, retardou-se a entrada das crianças na

escola. Antes dessa idade, as crianças eram consideradas fracas e incapazes de aprender o que

se ensinava nas escolas. Eram os meninos que mais se dedicavam aos estudos, pois as

meninas, muitas delas aos doze ou treze anos, já estavam casando e se dedicando aos

trabalhos manuais, aqueles afazeres considerados próprios das mulheres. Quanto às crianças

rejeitadas, estas eram colocadas nas Rodas dos Expostos, que consistiam em um dispositivo

de madeira onde se depositava o bebê rejeitado. O cilindro era, então, girado, e o bebê era

recolhido após o toque de uma sineta.1

O século XIX foi chamado de o século da criança na Europa. Aumentou a

população infantil, mas também aumentou seu abandono. As altas taxas de nascimento

conviviam com as altas taxas de mortalidade infantil, predominante nas categorias mais

pobres da população. A preocupação em ter mão-de-obra saudável para trabalhar nas 1 Para aprofundar a questão da roda de expostos, ver Corazza (1998).

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indústrias foi uma das razões para o investimento em campanhas sanitárias. Com a

justificativa econômica, as mortes das crianças significavam perdas para o Estado, portanto,

era necessário preservar sua saúde. Nessa lógica, as instituições recolhiam as crianças

rejeitadas na Roda dos Expostos, pois poderiam ser úteis à pátria, sendo usadas, inclusive,

como cobaias para experimentos médicos. Além disso, as Rodas eram celeiros de mão-de-

obra barata e dócil, tanto para os mestres artesãos quanto para as famílias, que recolhiam

principalmente as meninas para serem empregadas domésticas.

No século XX, há um deslocamento do foco das atenções sobre a criança. A

infância sem família começa a exigir um aparato jurídico que responda às necessidades da

época. Surgem os primeiros Tribunais de Menores, destinados ao atendimento daqueles

excluídos da escola e da família: os menores. Dessa forma, a família e a escola cumpriam as

funções de socialização e controle da infância, enquanto os tribunais encarregavam-se do

controle sociopenal dos menores.

No Brasil prevaleceu, até 1990, a doutrina da situação irregular que embasava o

Código de Menores. Crianças e adolescentes abandonados, vítimas de abusos e maus tratos,

supostos infratores da lei penal e menores em situação irregular eram os objetos potenciais de

intervenção do Código.

A Declaração dos Direitos da Criança2 (1959) e a Convenção Internacional dos

Direitos da Criança3 (1989) são os marcos decisivos na construção de novas políticas públicas

voltadas à proteção da infância. O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/90, que

regulamenta o artigo 227 da Constituição Federal, tem por base a doutrina da proteção

integral, inserida em um conjunto de instrumentos jurídicos de caráter internacional, em que a

Convenção Internacional dos Direitos da Criança é mais significativa.

1.2 A Educação das crianças passa a ser interesse do Estado

2 A Declaração dos Direitos da Criança foi aprovada em 20 de novembro de 1959, por unanimidade, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, enumerando princípios para garantir direitos e liberdades, proteção especial, oportunidades e facilidades, capazes de permitir seu desenvolvimento de modo sadio e normal em condições de liberdade e dignidade; a nome e a nacionalidade; a benefícios da previdência social, inclusive alimentação, habitação, recreação e assistência médica; a tratamento, educação e cuidados especiais às crianças com necessidades especiais ou incapacitadas; a serem criadas num ambiente de afeto, segurança e sempre que possível sob a responsabilidades, dos pais; a receber educação; a terem prioridade nos socorros; a proteção contra negligência, crueldade, exploração e discriminação. Os direitos devem ser observados e garantidos à criança pelas autoridades locais e Governamentais nacionais e voluntárias mediante medidas legislativas e de outra natureza (UNICEF, 2006).3 Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, a 20 de novembro de 1989. Entra em vigor em 2 se setembro de 1990.

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Retomando o tempo histórico, nos séculos XVII e XVIII, na Europa Ocidental,

ocorreram mudanças consideráveis que contribuíram para a atual concepção de infância. Com

a revolução industrial, o aumento da produção e o início do capitalismo, a mulher e as

crianças maiores foram inseridas no mercado de trabalho. Com isso, surgiu a preocupação

com as crianças pequenas, ainda não envolvidas com o trabalho, que necessitavam de um

lugar para ficar enquanto suas mães trabalhavam.

É importante frisar que, no decorrer da história, a concepção de infância estava

relacionada à essência da criança e não a sua relação sociocultural com o meio. Sabe-se que a

noção de infância não é nenhuma categoria dita natural, mas histórica. Para Kramer (1995, p.

19),

A idéia de infância, como se pode concluir, não existiu sempre, e nem da mesma maneira. Ao contrário, ela aparece com a sociedade capitalista, urbano-industrial, na medida em que mudam a inserção e o papel social da criança na comunidade. Se, na sociedade feudal, a criança exercia um papel produtivo direto ("de adulto") assim que ultrapassava o período de alta mortalidade, na sociedade burguesa ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada, escolarizada e preparada para uma atuação futura. Este conceito de infância é, pois, determinado historicamente pela modificação das formas de organização da sociedade.

A concepção de infância universal foi construída a partir da classe burguesa e,

segundo Kramer (1995), foi baseada no seu modelo padrão de criança, justamente a partir dos

critérios de idade e de dependência do adulto, características de um tipo específico de papel

social por ela assumido no interior dessas classes.

A infância é considerada a época da construção da relação com o mundo, da

descoberta de si e da apropriação significativa da cultura. Entende-se que as relações

estabelecidas com o mundo no período da infância marcam grande parte da vida de cada ser

humano adulto.

As formas de conceber a criança, seu desenvolvimento, suas características

tiveram como parâmetro a vida e os valores da classe com maior poder aquisitivo e maior

grau de reconhecimento na sociedade. Essas condições permitiram a criação de conceitos

universais, e as pessoas que neles não se enquadram acabam sendo consideradas incapazes.

Foi o que aconteceu com a criança em relação à escola: aqueles que não conseguiam

acompanhar os estudos desenvolvidos passaram a receber uma educação para compensar suas

deficiências. Deficiências essas que eram definidas aos olhos do conceito de criança

estabelecido por aqueles que detinham o poder de dizer o que era correto e adequado. Para os

considerados incapazes, era oferecida a educação compensatória, procurando-se compensar as

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chamadas deficiências de crianças pobres, amenizando seus problemas. Como exemplo disso,

podem-se citar os programas de merenda escolar.

No Brasil, a Educação Infantil iniciou com duas perspectivas distintas para seu

público-alvo: as creches e os jardins de infância. Nas creches, dominava o caráter

assistencialista, priorizando o atendimento das crianças social e economicamente

desfavorecidas, com base em uma concepção preconceituosa da pobreza, conforme

Khulmann Júnior (2001, p. 182-183),

Através do atendimento de baixa qualidade, pretende-se preparar os atendidos para permanecer no lugar social a que estavam destinados. Para as crianças com melhor posição socioeconômica, eram oferecidas melhores oportunidades para o seu desenvolvimento nos jardins de infância.

Assim como em outros estados brasileiros, em Santa Catarina, estudos mostram

que também havia ênfase no caráter compensatório da Educação Infantil. Segundo Rodrigues

(2005), de 1982 a 1986, na gestão do governo de Esperidião Amin Hellou Filho, foi

implantado o Programa Pró-Criança. Tal programa, com seu caráter compensatório e a

participação comunitária, acelera o aspecto informal da educação em todos os seus

subprojetos, como: Pró-Criança Rural, Pesqueira, Saúde, Cultural e Creches Domiciliares. O

programa Pró-Criança abrange crianças de zero a seis anos e atinge também famílias no

interior do Estado, facilitando que os envolvidos com o projeto (crianças, famílias, executores

e colaboradores) exerçam uma ação integrada, muitas vezes de caráter eleitoreiro.

Conforme Rodrigues (2005, p. 8),

O Estado organiza, a comunidade executa, paga, contribui, levanta fundos, eis o sentido da participação propalada pelo projeto em questão – constitui-se enquanto direção, atos intencionais que buscam construir efetivamente consensos, o consenso da pobreza, de como lidar com esta classe que se homogeneíza na falta dos proponentes como o “pequeno”. Entretanto, esta categoria social denominada de “pequeno” não se traduz pela homogeneidade, a comunidade aparece como um elemento agregador, unificador, pacificador, no qual a “participação” comunitária exprime um artifício valiosíssimo na reprodução de sensos comuns.

O Programa Pró-Criança teve a comunidade como porta-voz de um projeto

governamental. O intuito era agregar pessoas alinhadas aos mesmos princípios e condutas do

então governador Esperidião Amin. Segundo Rodrigues (2005, p. 9), “o Pró-Criança trabalha

fundamentalmente na construção e consolidação de consensos referentes à pobreza e

empobrecedores da existência e da historicidade humana”.

Era uma política que priorizava o atendimento à criança de maneira integrada,

voltando-se para a nutrição, a saúde, o saneamento, a educação, a estimulação e a afetividade.

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Isso tudo fazia parte de um grande projeto político denominado “opção pelos pequenos”, que

Ângela Amin, então Primeira-Dama, não se cansava de repetir que fazia parte da “Carta aos

Catarinenses”, a qual nada mais era do que um marketing político da família Amin. O

“pequeno” era a engrenagem essencial no jogo de forças, reconhecido muito mais como um

slogan nas articulações políticas. Para Rodrigues (2005, p. 5):

[...] o “pequeno”, passa a ser ressaltado retoricamente como uma forma “inovadora”, como um instrumento que o Estado dispõe para lidar com uma realidade que apresenta-se mais complexa, definindo-o ou descaracterizando-o enquanto provedor, definindo-se um papel gerenciador enquanto a comunidade participa como executora.

Na ausência de uma política educacional voltada às crianças em idade pré-escolar,

o programa Pró-Criança ganha força, ênfase e espaço. Isso não ocorre só no Estado de Santa

Catarina. Projetos de natureza semelhante desenvolvem-se em várias regiões do país,

incentivados, segundo a autora, por convênios entre o Ministério da Previdência e Assistência

Social e o Fundo das Nações Unidas para Infância.

Mesmo tendo determinada ideologia política, o Programa Pró-Criança provocou

discussões em torno da ação de cuidar e de educar crianças menores. Nessa época, no Brasil,

estava em curso a organização de associações formadas por profissionais lutando pelo espaço

da Educação Infantil. A necessidade de a mulher inserir-se no mercado de trabalho para

aumentar a renda familiar foi um dos motivos para exigir locais para deixar seus filhos em

segurança e bem cuidados. Esse foi o contexto propício para o Programa Pró-Criança criar o

subprojeto Creches Domiciliares. Para Rosemberg (1986, p. 73), essa modalidade de

atendimento significou “um modo de guarda da criança pequena: uma mulher toma conta em

sua própria casa, mediante pagamento, de filhos de outras famílias enquanto os pais trabalham

fora”.

Para Rosemberg (1986), as creches domiciliares acabaram se tornando um local de

guarda da criança em países com uma população de baixa renda, apoiados por organismos

internacionais, tais como a OMEP e a UNICEF4, pois era uma ação de baixo custo, não exigia

construção de locais próprios e nem precisava investir nas pessoas que cuidavam das crianças.

Rosemberg (1986) faz duras críticas à proposta por associar creche e família como a forma

adequada de atendimento à criança em oposição à institucionalização pública desse trabalho.

4OMEP – Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar é uma entidade consultiva da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) e do UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância). A OMEP, no Brasil, atua no âmbito estadual, regional e municipal, e seu objetivo é defender os direitos da criança (OMEP, 2006). Já o UNICEF é um órgão da ONU, criado em 11 de dezembro de 1946 para ajudar as crianças que sofreram com a segunda guerra mundial. Em 1953, tornou-se uma instituição permanente de ajuda e proteção a crianças de todo o mundo (UNICEF, 2006).

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Para Rodrigues (2005), os argumentos para divulgar e implementar as creches

domiciliares em Santa Catarina através do programa Pró-Criança fortaleciam os aspectos

criticados por Rosemberg (1986). Em síntese: forma alternativa de atender a criança de zero a

seis anos no que diz respeito ao cuidado com sua saúde; atendimento familiar dado à criança;

baixo custo; atendimento integrado, incluindo saúde, alimentação, atividades pedagógicas e

de estimulação. Um dos aspectos que contemplava a participação da comunidade era, segundo

Rodrigues (2005, p. 11), “o auxílio dos irmãos mais velhos como ‘Monitores Voluntários’ o

que implica, no argumento dos proponentes, em ajuda e momento de aprendizagem para

eles”. Tal aspecto contribuiu para a desqualificação do profissional de Educação Infantil, pois,

para cuidar das crianças, bastava ser dona de casa e mãe. Isso contribuiu para a separação do

cuidar / educar, binômio que nas atuais discussões da área, é considerado indissociável.

Outro ponto importante divulgado pelo Programa era a formação e preservação da

identidade catarinense desde os primeiros anos de vida. Para a autora, o programa estabelecia

posturas e valores a serviço de uma determinada ordem. Tal ordem podia ser visualizada, por

exemplo, nas dimensões políticas, culturais e sociais contidas nos livros de literatura infantil

distribuídos pelo Programa Pró-Criança Cultural. Porém, Rodrigues (2000), questiona a

construção de identidade, visto que as histórias eram “tentativas de moldar os indivíduos, seja

através da legitimação de valores, de comportamentos, impondo critérios de civilidade,

transmitindo e repassando preconceitos, sexismo, e essencialmente definindo o papel do

Estado e dos indivíduos” (RODRIGUES, 2005, p. 11).

O Programa Pró-Criança trouxe à tona a ideologia que permeava os discursos

políticos de seus governantes na época, carregando consigo as relações e articulações de

poder. Mantinha, ao mesmo tempo, uma face de auxílio à população, que necessitava da

intervenção do Estado para cuidar de seus filhos, e outra face que tentava garantir a

manutenção do mesmo grupo administrando Santa Catarina.

Em Campos Novos, um município catarinense, a trajetória da Educação Infantil

seguiu as orientações do Programa Pró-Criança. Primeiro, na década de 80, surgiram as

creches domiciliares, com pessoal não-habilitado, preocupando-se apenas com o cuidado das

crianças de baixa renda, que ficavam na casa das crecheiras enquanto suas mães cumpriam a

jornada de trabalho. Depois, na década de 90, criaram-se as Instituições de Educação Infantil,

embora ainda sob a orientação assistencialista. Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional - 9394 / 96, os profissionais, professores responsáveis por esse trabalho, são

obrigados a ir em busca de formação profissional em função das exigências legais.

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Embora as universidades — uma das instituições responsáveis pela formação dos

professores — realizem reflexões sobre a criança e sua história, parece tímido, ainda, o debate

sobre a Educação Infantil no âmbito universitário. Além da ampliação de pesquisas e de

debates sobre o tema, há necessidade de esses estudos envolverem os profissionais da

Educação Infantil que atuam nas instituições, bem como os gestores das políticas para a

infância. Ainda, é preciso que as pesquisas atuais cheguem nas escolas, sejam conhecidas,

debatidas e sirvam como estímulo para a construção de uma pedagogia específica para a

criança.

1.3 Pedagogia Escolar e da Infância: compreendendo os conceitos

Tomando por base a concepção de infância segundo a qual a criança é vista como

sujeito de direitos, um ser histórico, social e culturalmente constituído, há necessidade de

organizar um processo educativo institucional que tenha a criança como centro. A idéia de

apresentar a infância como construção social, segundo Martins (2004, p. 1), tem por base “os

estudos no campo da Sociologia da Infância, os quais consideram a criança como ator social,

que além de se apropriar de elementos culturais, produz cultura”.

A partir dessa reflexão, Martins (2000) destaca que pesquisadores como Montandon

(2001), Sarmento (1997, 2002), Sirota (2001) e Ferreira (2002) criticam as políticas

educativas e as práticas pedagógicas centradas nos adultos. Eles também apontam como

importante a categoria social da infância que considera as crianças nas suas múltiplas relações

estabelecidas entre si e com os adultos. Sob esse ponto de vista, o diálogo entre as Ciências

Humanas e Sociais buscou contribuições teóricas nas áreas da Sociologia, Antropologia,

História, Psicologia e Pedagogia. Por apresentarem abordagens teóricas e metodológicas

diversas, as áreas possibilitaram “entrar em contato com o universo de significações culturais

e sociais próprios da infância, deixando-me elencar pelos fios que são puxados da teia dos

contextos de vida das crianças” (MARTINS, 2000, p. 1).

De acordo com Rocha (1999), os trabalhos dos pesquisadores da infância em busca

da consolidação de uma Pedagogia para a Educação Infantil têm como objeto de estudo e

grande preocupação a própria criança. Nesse sentido, Cerisara e outros autores (2002, p. 2)

questionam:

O movimento que a educação infantil vem fazendo nos últimos anos é o de romper com uma visão adultocêntrica de criança e encontrar formas de captar as suas práticas sociais, ofuscadas pelas práticas escolarizantes ainda fortemente presentes no contexto educativo da creche e pré-escola. Esse

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movimento se configura como uma possibilidade de construção de uma “Pedagogia da Infância”, cujo objeto de preocupação é a própria criança: seus processos de constituição como seres humanos em diferentes contextos sociais, suas culturas, suas capacidades intelectuais, criativas, estéticas, expressivas e emocionais.

A discussão proposta em torno da Pedagogia da Infância tem como meta

construir a especificidade do trabalho junto à criança de zero a seis anos de idade em

Instituições de Educação infantil, cujas práticas sociais são diferentes das práticas de

educação em casa, nas escolas ou em hospitais (crianças com enfermidades prolongadas).

Conforme escreveu Rocha (1999, p.61-62),

Enquanto a escola se coloca como espaço privilegiado para o domínio dos conhecimentos básicos, as instituições de educação infantil se põe (sic), sobretudo com fins de complementaridade à educação da família. Portanto, enquanto a escola tem como sujeito o aluno e como objeto fundamental o ensino nas diferentes áreas, através da aula; a creche e a pré-escola têm como objeto as relações educativas travadas num espaço de convívio coletivo que tem como sujeito a criança de 0 a 6 anos de idade (ou até o momento que entra na escola) (grifos da autora).

A Pedagogia da Infância tem como perspectiva a necessidade de ter a criança

como ponto de partida para a organização de todo o trabalho pedagógico, o qual deve

aproximar os universos infantis do familiar. Diariamente, as crianças brincam, choram,

dormem, comem, desenham, no entanto, “isso não tem ressonância, não tem eco na

organização do trabalho pedagógico” (CERISARA, 2002, p. 3). Tantos outros modos de viver

da criança muitas vezes não têm sido considerados de relevância nos planejamentos

cotidianos das ações pedagógicas nas Instituições de Educação Infantil.

Segundo Silva; Rossetti-Ferreira (2000, p. 9), há necessidade de construir um

novo perfil para atuar na Educação Infantil a partir da perspectiva da Pedagogia da Infância,

Contudo, há que se considerar a experiência e a capacidade desses profissionais que conseguiram resistir e se manter em épocas de grande adversidade. Compartilhamos com a idéia de que somos ótimos críticos. Enquanto pesquisadores, cumprimos um papel histórico bastante importante onde soubemos pontuar os diversos aspectos negativos na educação infantil, em especial aqueles relativos à formação profissional, fundamentando as críticas e impulsionando os avanços legais através da produção de nossos conhecimentos.

As autoras enfatizam que os pesquisadores e profissionais foram elos de

relevância nas conquistas nacionais e nos avanços na produção científica internacional sobre a

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infância e o trabalho nas instituições de Educação Infantil. Atualmente, diante da precariedade

de condições físicas, financeiras e pedagógicas de muitas instituições de Educação Infantil,

fazem-se necessárias novas mobilizações e pesquisas registrando as experiências realizadas

com êxito. Essas ações tornam visíveis os múltiplos conhecimentos e práticas produzidas nas

diversas instituições, inclusive apontando as especificidades da infância produzidas nesses

locais. Assim sendo, essas ações contribuirão para construir uma prática da Pedagogia da

Infância nas instituições que trabalham com as crianças de zero a seis anos. Enfoca-se que um

trabalho dessa natureza requer uma proposta elaborada coletivamente, a qual poderá reforçar a

necessidade de articular teoria e prática.

É importante salientar que a luta por uma Pedagogia da Infância não dissocia a

relação entre a educação e o cuidado. Refletir a respeito dessa relação, de acordo com Campos

(1995), fortalece a compreensão de que essas dimensões estão presentes em diferentes idades

e condições socioculturais; assim, não deve haver ênfase de uma em detrimento de outra.

Educar e cuidar não são tarefas somente entre os profissionais da educação que atuam na faixa

etária de zero a seis anos, mas em todos os níveis de vida do ser humano. Para Kramer (1988),

educar e cuidar devem ser especificidades de todo professor. As funções de educar e cuidar,

na maioria das vezes, se reduz ao ensino de conteúdos e cuidados com o corpo. Além dos

cuidados essenciais, constitui hoje uma tarefa importante favorecer a construção da identidade

e da autonomia da criança e o seu conhecimento de mundo.

No entanto a associação entre o educar e o cuidar tem dificuldades de se

estabelecer devido à educação compensatória, largamente difundida, que priorizou o cuidado

em detrimento dos aspectos pedagógicos. No início da década de 70 do século XX, a função

de compensar as deficiências percebidas na vida das crianças pobres dava-se através do

atendimento pré-escolar. Se forem consideradas crianças pré-escolares todas aquelas da faixa

etária entre zero a seis anos, tanto a creche quanto a pré-escola passaram a ter a função

compensatória nesse período, já que se partia do princípio de que lhes faltavam requisitos

básicos capazes de garantir um futuro de sucesso escolar que não foram transmitidos por seu

meio social.

Kramer (1988), quando da divulgação do Programa Nacional de Educação Pré-

Escolar, em 1981, aponta um esvaziamento da função da pré-escola. Ao tentar estabelecer

uma proposta fora da abordagem de privação cultural e educação compensatória, o

Programa apresenta a pré-escola como tendo objetivos em si mesma, sem

responsabilidades pelo desempenho no Ensino Fundamental. No entanto, ao criticar o

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Programa, Kramer (1988) considera que o fato de a pré-escola ter objetivos em si mesma

pode isentá-la de critérios mínimos de qualidade, principalmente para as crianças das

classes populares.

A partir da década de 80, a instituição de Educação Infantil não pôde mais ser

pensada nem como depósito, nem como responsável por suprir carências e muito menos

esvaziada em suas funções. No momento em que a legislação estabelece uma série de

medidas de proteção à infância, a criança passa a ser alguém que possui mais que um lugar

na vida da família, isto é, ela é um sujeito de direitos. Na Constituição de 1988, no

Capítulo III - Da Educação, da Cultura e do Desporto, no artigo 208, inciso IV, há inclusão

do atendimento das crianças de zero a seis anos nas creches e pré-escolas, ressaltando-se o

cunho educativo dessa primeira fase da Educação Básica. Todas as crianças perante a lei

passaram a ser vistas como cidadãs.

A conquista da inclusão da Educação Infantil na lei expressa a luta do

movimento pela Constituinte em favor de um estado democrático. Com a nova

Constituição, buscou-se romper com padrões estabelecidos até então para a Educação

Infantil de zero a seis anos. A vitória considerada mais importante para os segmentos da

população foi a oficialização do direito de todas as crianças de zero a seis anos

freqüentarem instituições públicas e gratuitas. Como preceito legal, essa ação garante o

dever do Estado em manter financeiramente essas instituições.

Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394, de 20 de dezembro

de 1996, que regulamenta a Educação no Brasil, a Educação Infantil é assegurada como

um direito da criança. Conforme o artigo 29 da referida Lei:

A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança, até 6 anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.

O artigo 30 trata da oferta da Educação Infantil, a qual será propiciada em:

I – creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;

II – pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade.

A partir do vigor da referida lei, tornou-se fundamental a formação do

professor, preparando-o para estimular, motivar a criança para o seu desenvolvimento

integral, assegurando o caminho para o exercício da cidadania.

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Reconhecer a Educação Infantil como integrante da Educação Básica significa

considerar que os professores que atuam com crianças devem ter o mesmo prestígio e

formação dos profissionais que trabalham no Ensino Fundamental. Os professores que

atuam com crianças de zero a seis anos não podem mais ser aqueles que no passado não

necessitavam de preparo. Eles precisam de conhecimentos sobre o ser humano e a sua

complexidade, principalmente no que diz respeito ao potencial de desenvolvimento das

crianças nessa faixa etária, contextualizada em sua cultura.

Os educadores têm o compromisso de incentivar as crianças desde tenra idade a

observar, perguntar, questionar para que descubram o mundo em sua volta. Essa

experimentação possibilita ao aluno o acesso ao conhecimento e a compreensão de ações e

idéias sobre o mundo que o cerca. Essa é uma das opções que pode dar sentido à ação de

ensinar e que justifica a razão de ser da sala de aula.

As reivindicações legais ao atendimento das crianças brasileiras foram

alcançadas. Cabe agora aos segmentos da população continuarem com a luta para que as

leis sejam cumpridas e o atendimento às crianças seja efetuado numa concepção digna e

cidadã.

Avançaram os estudos e a produção acadêmica sobre creche e pré-escola

discutindo as condições individuais das crianças, passando pela influência dos fatores

sociais, culturais, pela análise das posições político-ideológicas, fundamentadas em

informações históricas, até a discussão do impacto das políticas públicas sobre a faixa

etária de zero a seis anos. Com esses estudos, estreitaram-se os laços com a Pedagogia da

Infância, pois apontam-se possibilidades alternativas para as propostas pedagógicas nas

Instituições de Educação Infantil que almejam ter a criança como centro de seus Planos

Pedagógicos.

Novamente, reafirma-se que, considerando-se a complexidade da Educação

Infantil, é de grande relevância a questão da formação do profissional que nela atua. A

qualificação dos professores da Educação Infantil tem se tornado um dos temas atuais mais

discutidos quando se aborda a educação de crianças de zero a seis anos. Na última década,

como constatam Silva; Rossetti-Ferreira (2000 , p. 4),

Aspectos ligados à regulamentação e à identidade profissional e à estrutura e aos conteúdos necessários para o exercício do trabalho desse profissional assumem na última década novos contornos, ganhando destaque em todos os fóruns e espaços de defesa de uma educação Infantil de qualidade.

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A qualidade está intrinsecamente ligada à formação profissional. A qualificação

dos professores de Educação Infantil é enfatizada, atualmente, como um aspecto necessário

para o exercício da prática pedagógica, articulando o processo de educar e cuidar as crianças.

Outro desafio é transformar as leis vigentes em políticas públicas de tal forma que,

efetivamente, possibilitem tanto o financiamento quanto a construção de currículos

específicos para a Educação Infantil.

1.4 Formação de Professores da Educação Infantil

A trajetória de mobilização dos movimentos sociais em favor da Educação

Infantil, juntamente com os dispositivos legais, contribuiu para a expansão do trabalho com

crianças de zero a seis anos, tanto na modalidade de serviços privados quanto de serviços

governamentais e comunitários. Por outro lado, com esse processo de expansão e a

necessidade de formação dos profissionais que trabalham com essas crianças, exigiu-se a

abertura de debates nos espaços acadêmicos. Para Raupp (2002), ainda são escassas as

atividades ligadas ao ensino, pesquisa e extensão existentes nas universidades direcionados

para a Educação Infantil. Como salienta a autora, em 2002, somente três instituições de

ensino superior federais tinham ações voltadas para a área. São poucos os professores

universitários que possuem qualificação e pesquisam sobre o tema. Muitas questões

necessitam ser repensadas e modificadas nos espaços acadêmicos para o envolvimento dos

profissionais que atuam nos cursos de Pedagogia em discussões e definições de propostas

no sentido de fortalecer os estudos de Educação Infantil nas Instituições de Ensino

Superior. Ao discutir os programas institucionais, Raupp (2002, p. 8) aponta como

prioridade:

Quanto ao perfil dos profissionais que trabalham com as crianças, há que se pensar que, na maioria dos casos, essa formação foi realizada num tempo e num espaço em que ainda não estava em construção a perspectiva de uma pedagogia da educação infantil. A construção dessa pedagogia própria para a área se caracteriza na busca da especificidade do trabalho a ser realizado com crianças na faixa etária de 0 a 6 anos. Significa a superação do caráter escolar ainda presente nas instituições de educação infantil. Trata-se de novos tempos, que indicam outro perfil de profissional para atuar na educação infantil, portanto sendo necessária essa revisão no âmbito da formação do conjunto de profissionais que atuam nas unidades.

A autora considera a universidade como a instituição responsável pela formação de

um profissional para o mercado de trabalho que atenda às necessidades da sociedade. As

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unidades de Educação Infantil constituem-se como mais um lugar onde se possam dar

subsídios para articulação da teoria e prática aos profissionais que atuam na área. Na mesma

direção, a pesquisa de Tomazzetti (2004) evidencia a necessidade de formar professores

priorizando a perspectiva da centralidade na criança, contemplando suas lógicas, modos de ser

e contextos para construir uma Pedagogia da Infância.

Tratando da formação docente de um modo geral, Freitas (1999) recupera a

trajetória do movimento dos educadores para garantir sua formação e profissionalização,

representado pela Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação

(ANFOPE), nos últimos 20 anos. Esse movimento luta por uma base comum nacional,

opondo-se às políticas aligeiradas e fragmentadas de formação docente. Pensar alternativas

em relação à formação atual dos professores, para a autora,

é colocar em movimento as concepções e práticas que orientam o pensamento mais avançado no campo da formação de professores, garantindo as atuais formas e aprimorando-as na busca por uma educação com bases sólidas voltada para a formação humana (FREITAS, 1999, p. 39)

Nesse sentido, Scheibe; Aguiar (1999, p.236) ressaltam a importância de repensar

o papel da universidade na formação dos professores. Para elas, “entender o curso de

pedagogia desvinculado da formação de professores (..) é deixar de completar a complexidade

da história do curso e da formação de professores no país”. Uma das preocupações das autoras

é a superação da dicotomia entre teoria e prática educacional, muitas vezes reforçada pelos

próprios cursos de Pedagogia. As autoras ressaltam, ainda, que é preciso um trabalho que não

contemple apenas “uma discussão conceitual, mas também a complexidade histórica do curso

e o seu papel no encaminhamento das questões educacionais” (p.236).

Diante disso, a retomada das dimensões que constituem a infância para planejar as

ações tanto dos profissionais que atuam diretamente com as crianças quanto dos que propõem

a sua formação pode ser um caminho para construir uma Pedagogia da Educação Infantil.

Essa é a posição de Coutinho (2002). Para a autora, é necessária a constituição de uma

Pedagogia para a Infância, “através do toque, do olhar, da fala, do choro, do silêncio, do

movimento, do descanso, das interações, entre tantas possibilidades que se apresentam no

cuidado-e-educação de sujeitos que somos” (p.15). Ela destaca que o grande desafio é

“garantir a diversidade, a pluralidade em instituições que historicamente primam pelo

homogêneo” (p.15). Essa parece ser uma das lutas para a construção das propostas de

Educação Infantil na atualidade.

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Em 1997 e 1998, divulgaram-se dois documentos que, para Cerisara (1999),

representavam uma ameaça às propostas políticas para a Educação Infantil. O primeiro,

“Proposta para o Plano Nacional de Educação do INEP”, parece retroceder às propostas

dos anos 70 pelo tratamento dado às creches e pré-escolas, pois as reduzia a um trabalho

assistencialista em que não era exigida do profissional uma formação específica. Já a pré-

escola, mesmo considerada necessária, deveria ter um profissional formado em nível de

Ensino Médio, no mínimo, podendo existir um auxiliar para colaborar com ele na sala de

aula. Se, por um lado, há necessidade de investir na construção de uma Pedagogia que

contemple os direitos das crianças, por outro lado, o investimento na formação dos

professores dessas crianças é uma necessidade urgente.

O segundo documento, que pode ameaçar os avanços produzidos na área de

Educação Infantil nestes últimos anos, é o Referencial Curricular Nacional para a

Educação Infantil (RCNEI). O referido documento apresenta sua proposta escolarizante

para as crianças de quatro a seis anos, e isso é um aspecto problemático para a autora, que

acredita na Pedagogia da Infância. Em 1999, o referido documento é enviado aos

profissionais da Educação Infantil pelo MEC. Segundo a autora, o Referencial Curricular

Nacional para a Educação Infantil apresenta proposta que rompe com o esforço realizado

no sentido de construir uma Pedagogia para a Educação Infantil que respeite as

especificidades do trabalho com crianças que freqüentam as creches e pré-escolas.

Nessa mesma direção, Campos (2002, p. 4) critica o Referencial Curricular

Nacional para a Educação Infantil, pois, em sua visão, retrocede em aspectos tais como “a

concepção compensatória e escolarizante implícita (educação infantil como preparação

para a escola), o papel da comunidade como ‘parceira’ nesses atendimentos e a formação

dos professores como sendo responsabilidade dos mesmos”. Aponta também que o RCNEI

é um documento elaborado pelo MEC, seguindo as diretrizes dos organismos

internacionais, como a UNESCO, a CEPAL e o Banco Mundial. Com esses argumentos, a

autora mostra que há desencontros entre os documentos oficiais, pesquisas e lutas de

profissionais da Educação Infantil. Esses desencontros podem ser sintetizados da seguinte

forma: a) concepção de desenvolvimento da criança em etapas lineares; b) referencial sem

clareza, misturando perspectivas teóricas sobre os sujeitos infantis sem possibilidade de

serem associadas; c) apresentação de um currículo centrado na visão escolar, em que o

educar e cuidar seriam separados, como se fosse possível abordar cada um desses aspectos

de forma diferente em cada área do conhecimento. O RCNEI, para a autora, reforça a idéia

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de Educação Infantil “escolarizada, compensatória, onde as famílias são também

responsáveis pelo serviço que se coaduna com as propostas internacionais” (CAMPOS,

2002, p. 5).

Na mesma direção, percebe-se que os documentos oficiais, muitas vezes,

reforçam a idéia de que a Educação Infantil tem duas faces separadas. De um lado, a

continuidade do cuidado familiar, com a alimentação, saúde e descanso da criança. Do

outro lado, a preparação para o ingresso no ensino fundamental, insistindo-se no

desenvolvimento da coordenação motora necessária para aprender a ler, escrever e contar.

Nas palavras de Cerisara (2002, p. 11),

Nessa dicotomização, as atividades ligadas ao corpo, à higiene, alimentação, sono das crianças eram desvalorizadas e diferenciadas das atividades consideradas pedagógicas, estas sim entendidas como sérias merecedoras de atenção e valor.

No histórico das instituições de Educação Infantil, percebe-se uma defesa

daquilo que denominamos como o “pedagógico” das atividades cotidianas das creches e

pré-escolas. Essa valorização do pedagógico é necessária. Porém, reafirmou a necessidade

de ensinar algo para as crianças, de transmitir conhecimentos como meta final da Educação

Infantil, reproduzindo as práticas recorrentes do Ensino Fundamental. Para Cerisara,

parece não estar clara a concepção de criança como sujeito de direitos, necessitando, ao

mesmo tempo, ser cuidada e educada. As atividades de cuidado são fundamentais para

atender as crianças, segundo a autora (2002). Ela formula questões importantes para refletir

sobre a especificidade do trabalho com a Educação Infantil:

Se as atividades de rotina diária de uma instituição de educação infantil guardam estritas semelhanças com o trabalho doméstico (banho, alimentação, sono, fraldas, etc.) essas práticas não se mesclam necessariamente? Se isso ocorre, quais as conseqüências? Será possível pensar em trabalho com crianças dessa faixa etária sem que a profissional recorra aos saberes naturais gestados na vida doméstica? Serão excludentes a postura maternal das profissionais de educação infantil e a competência necessária para o exercício dessa função? (p. 47, grifo da autora).

Vincular o cuidado apenas com atitudes relacionadas ao corpo faz parte da

herança moderna de separar corpo e mente. Nessa ótica, o cuidar estaria ligado ao corpo, e

o educar, à mente. Uma das grandes dificuldades na compreensão do cuidado da Educação

Infantil é sua vinculação restrita ao corpo, não levando em consideração as intenções, os

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sentimentos e os significados com o cuidar. Aprender a ver cada criança na sua concretude

e especificidade como um ser íntegro faz parte do cuidar e educar.

Nesse sentido, a visão adultocêntrica leva a uma espécie de esquecimento do

tempo de infância. Parece não ter existido um tempo próprio de criança em que as relações

com o meio social era organizado de outra forma, na maioria das vezes, tendo o

movimento como expressão fundamental. Esse esquecimento leva a cobrar das crianças

uma postura de seriedade, imobilidade e linearidade, limitando aos poucos aquilo que elas

possuem de mais significativo: a espontaneidade e a criatividade, manifestas em seus

gestos e movimentos. Comentando pesquisas de outros autores que analisaram ações e

reações de crianças nas atividades propostas a elas pelos adultos, Cerisara (2002, p. 4) diz

que é possível perceber que “suas práticas são constituídas pela simultaneidade de ações

em que a participação corporal, gestual, cognitiva, motora, emocional, afetiva e individual

se dá de forma indissociável”. Os adultos exercem a dominação constante sobre as

crianças, desconhecendo-as como sujeitos de direitos, inclusive não reconhecendo o direito

de movimentar-se, presente no mundo pelo próprio corpo.

Sayão (2002, p. 2) advoga em favor da corporeidade como uma necessidade das

crianças, não considerada na maioria das vezes pelos adultos. Esse precisa ser um tema de

relevância na formação dos professores.

No caso da Educação Infantil, cabe também aprofundar os estudos relacionados à formação das profissionais que atuam com crianças de zero a seis anos. Isto implica questionar profundamente a concepção racionalista que, historicamente, permeia tanto as práticas educacionais quanto a formação docente, pois a produção dos sujeitos humanos tem sido um constante inculcamento da disciplinarização de seus próprios corpos.

A autora também ressalta que o corpo jamais pode estar ausente nos currículos

de formação de profissionais que atuarão com crianças, pois o corpo é uma janela de

comunicação; através dele nos tornamos presente neste mundo. Compartilhando com a

proposta de Sayão, Tiriba (apud, RUELLA, 2003, p.1) refere-se à pré-escola como um

ambiente em que a corporeidade faz parte da constituição do ser criança:

Pré-escolas não podem se reduzir a simples espaços de guarda, assim como não devem ser apenas espaços de transmissão / apropriação de conhecimentos. Elas precisam ser espaços de viver, em que as crianças se desenvolvam integralmente, em sua totalidade, como sujeitos de conhecimento, mas também como sujeitos corporais, sujeitos de afeto, de intuição, de sensiblilidade.

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As Instituições de Educação Infantil que atendem crianças de zero a seis anos de

idade e principalmente a pré-escola da atualidade devem resgatar o vir a ser de nossas

crianças. Isso diz respeito à atuação do educador de pré-escola, que não é apenas de substituir

cuidados maternos, mas também de oferecer às crianças algumas possibilidades para o seu

desenvolvimento integral como seres humanos.

Outra questão que deve ser enfatizada nos currículos e nas discussões das

instituições responsáveis pela formação dos professores para a Educação Infantil, devido às

exigências legais atuais, é o processo de inclusão das Pessoas com Necessidades Educativas

Especiais na Educação Infantil, que passaremos a abordar a seguir.

1.5 A Inclusão na Educação Infantil

A temática da inclusão, ou da educação inclusiva, vem se destacando no centro

das atuais políticas educacionais brasileiras. Segundo Beyer (2005), da década de 60 até a

década de 90, a educação inclusiva influenciou as políticas educacionais de diversos

países, e, “nos primeiros anos do século XXI, tal concepção adquire unanimidade na

comunidade internacional como projeto educacional” (p.1). No Brasil, segundo o autor, as

tentativas de realizar a inclusão escolar atenderam às solicitações dos gestores

educacionais. Não apenas isso: as solicitações estavam atreladas a direcionamentos

internacionais redigidos nos encontros em Jomtien, na Tailândia, em 1990, e em

Salamanca, na Espanha, em 1994, que contaram com a participação de vários países,

inclusive o Brasil. O princípio contido nos documentos era de uma educação inclusiva,

sem segregação.

Para Beyer (2005), a história das práticas escolares de inclusão das crianças

com necessidades especiais não teve a comunidade escolar como aliada. Ele compara a

inclusão escolar a um “casamento arranjado”, em que não há amor e afeto. Em entrevista

em 2005, ao ser interrogado sobre a realidade educacional brasileira e os aspectos mais

difíceis na prática escolar para efetivar o projeto inclusivo, afirmou:

As escolas são chamadas a participar do projeto inclusivo, porém precisam se adequar rapidamente a uma realidade pedagógica que ainda não possuem. A comunidade escolar (professores, especialistas, alunos e famílias), principalmente, é chamada a envolver-se em um projeto pedagógico que desconhece e no qual se sente despreparada para desempenhar seu papel (BEYER, 2005, p.1).

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Para ele, a educação inclusiva tem que contar com a participação da

comunidade escolar, promovendo encontros sistemáticos em que representantes dos

segmentos de pais, professores, equipe diretiva, pedagógica e funcionários se envolvam no

projeto inclusivo. Isso propiciará discutir e contemplar, no projeto, os dois princípios de uma

educação inclusiva: “a promoção da convivência e aprendizagem comum de crianças com e

sem necessidades especiais”, bem como a elaboração de uma pedagogia escolar que atenda

“às necessidades dos alunos com deficiência visual, auditiva, mental, com paralisia cerebral

ou autismo, com dificuldades na aprendizagem, e assim por diante” (p.2).

Beyer (2005, p.2) chama a atenção para que a escola inclusiva tome o cuidado

de “evitar a transferência para as práticas pedagógicas de inclusão da herança terapêutica

advinda da hegemonia da área médica na educação especial”. Ainda, para o autor, o conceito

de bidocência5, empregado nas experiências européias de inclusão, é de grande relevância

para o sucesso do processo inclusivo.

A proposta da educação inclusiva é um grande desafio, tendo em vista a

realidade social e econômica de nosso país. O Brasil é um país com sérias desigualdades

sociais que tem atendimento público deficitário, principalmente nas áreas da saúde e da

educação, problemas que interferem diretamente na oferta e desenvolvimento de uma

educação de qualidade. Espera-se que todos esses obstáculos sejam aos poucos superados e

que a inclusão escolar não permaneça apenas como aspecto legal, mas torne-se uma prática

escolar efetiva. A partir do momento em que os professores, familiares e gestores

educacionais tenham consciência de suas funções e colaborem para desmistificar o

preconceito da deficiência, a prática escolar inclusiva acontecerá, e os grandes beneficiados

serão as crianças, que terão seus direitos assegurados.

A Conferência Mundial em Educação Especial, organizada pelo governo da

Espanha em cooperação com a UNESCO, realizada em Salamanca entre 7 e 10 de junho de

1994, elaborou a estrutura de ação, princípios, políticas e práticas em Educação Especial. A

estrutura de ação baseia-se nas:

Experiências dos países participantes e também nas resoluções, recomendações e publicações do sistema das Nações Unidas e outras organizações inter-governamentais, especialmente o documento Procedimentos-Padrões na equalização de oportunidades para pessoas portadoras de deficiência (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p.3).

5 O professor responsável é apoiado por um colega com conhecimento específico na área da educação especial. Isso não quer dizer que ele vai apenas desenvolver suas ações especializadas (leitura Braille, Língua de Sinais, entre outros), mas vai também trabalhar em conjunto com o outro professor e com todos os alunos que estão na mesma sala de aula.

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A Estrutura de Ação em Educação Especial de Salamanca menciona quem são

as crianças que devem estar na escola. O texto diz que as

Escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. Aquelas deveriam incluir crianças deficientes e super-dotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias lingüísticas, étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos desavantajados ou marginalizados (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p. 3).

É importante salientar que a Declaração inclui no termo “necessidades

educacionais especiais” todas aquelas crianças ou jovens “cujas necessidades educacionais

especiais se originam em função de deficiências ou dificuldades de aprendizagem”. O

mesmo documento aponta que as crianças que encontram dificuldades no momento da

escolarização também necessitam atenção especial de seus professores e que a escola

precisa buscar alternativas de educá-las. Denomina escola inclusiva aquela que aceita as

pessoas com necessidades especiais juntamente com os demais alunos ali matriculados.

Além disso, a escola terá que oportunizar uma “pedagogia centrada na criança e capaz de

bem-sucedidamente educar todas as crianças, incluindo aquelas que possuem desvantagens

severas” (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p. 3).

Aqui se pode observar que a escola regular tem muito a fazer para dar conta das

diversidades culturais e especificidades de cada criança, ou seja, precisa pensar nas

minorias e apresentar ações pedagógicas que atendam às peculiaridades de cada um num

clima de aceitação e comprometimento com a socialização e aprendizagem de todos. Para

que isso aconteça, todos os segmentos da unidade escolar têm que estar envolvidos para

que se trabalhe com as possibilidades dos diferentes.

De acordo com a Declaração de Salamanca (1994, p. 4), a Pedagogia Inclusiva

assume que as diferenças humanas são normais e que estão “em consonância com a

aprendizagem de ser adaptada às necessidades da criança, ao invés de se adaptar a criança

às assunções pré-concebidas a respeito do ritmo e da natureza do processo de

aprendizagem”. Segundo esse documento, a pedagogia que tem como centro a criança é

uma possibilidade de rever a concepção de que “um tamanho serve para todos”.

Percebe-se que, se existirem políticas públicas voltadas à inclusão na escola

regular, organização, formação de professores, apoio da comunidade, reforma das

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instituições e a convicção, o compromisso de toda a sociedade, a pedagogia inclusiva

atenderá a um direito de todas as crianças na comunidade.

O processo de inclusão poderá ter maior sucesso se houver identificação

precoce, avaliação e estimulação de crianças pré-escolares com necessidades educativas

especiais. Os programas educacionais para crianças até seis anos de idade deveriam ser

desenvolvidos e orientados no sentido de promover o desenvolvimento físico, intelectual e

social, contextualizado na sua cultura. Tais ações são importantes na prevenção do

agravamento de condições que inabilitam a criança.

A reflexão coletiva permanente de nossos conceitos, ações pedagógicas e

objetivos educacionais, hoje, são de grande relevância para a aceitação dos diferentes no

cotidiano da Educação Infantil. Essa é uma população que atualmente vai aumentando sua

presença na escola devido ao amparo legal. A reflexão apontará caminhos pedagógicos

diversificados que levem a assumir a inclusão como um direito, e não como um favor, e

com profissionalismo, visando a afastar a segregação dos diferentes.

A experiência da inclusão e da integração, longe de definir uma sociedade arrumada, com pessoas ocupando lugares predefinidos para elas, desarruma o que está dado e exige outras explicações e saberes para podermos trabalhar agindo pedagogicamente na ação do outro. Agir pedagogicamente na ação do outro exige um projeto escolar que nos possibilite as condições para que possamos usar a experiência para nos transformar em outros que não éramos no princípio (LOPES, 2005b, p. 2).

Segundo Lopes, a inclusão é um projeto a ser pensado na escola regular

juntamente com diversos projetos, ambos articulados entre si e sendo permanentemente

discutidos, questionados e experimentados.

Oliveira (2002) menciona outra forma de exclusão, isto é, todas as pessoas que não

se enquadram no modelo ocidental europeu são consideradas diferentes, sinônimo de menos

capazes. Há negação do universo de negros, de índios e de mestiços, considerados como raça

inferior. Ao pesquisar os estereótipos presentes em algumas escolas da rede pública da região

do meio oeste de Santa Catarina, Oliveira (2002) mostra a existência de fronteiras

socioculturais que mantêm os grupos em uma convivência paralela e discriminatória no

interior das escolas. Sugere que as escolas contemplem, em seus Projetos Políticos

Pedagógicos, uma “gama de atividades destinadas a construir dinâmicas voltadas à

problematização das diferenças em sala de aula” (p.161).

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No entanto, Lopes; Fabris (2003, p. 1-2) alertam que se manter na escola regular é

um desafio que não garante o lugar de incluído.

A inclusão quando tomada como o estar junto no mesmo espaço físico toma uma dimensão simplificada e que não garante a inclusão. Nessa ordem a fronteira da institucionalização é que determina as condições de inclusão e quem deve ser incluído nos espaços aceitos como normalizadores e “para todos”. As escolas, mobilizadas pelas políticas de inclusão, buscam orientações e apoio em serviços que objetivam promover a inclusão de pessoas que estão à “margem” entre o estar junto na escola regular e o estar junto na escola especial. Tendo a escola especial como lugar de exclusão, esta passa a constituir uma ameaça constante para quem está na escola regular e ocupa, mesmo que momentaneamente, o lugar de não aprendente.

As autoras enfatizam que a inclusão tem se resumido, na maioria das vezes, à

colocação, no espaço físico escolar, dos alunos com alguma necessidade especial e daqueles

que a escola considera como sendo normais. Mesmo que os documentos oficiais não abordem

a inclusão como apenas estar junto, na maioria das vezes, é isso que acontece no

desdobramento das políticas inclusivas no cotidiano da escola regular. Talvez o medo da

diferença, culturalmente construído desde há muito tempo, seja provocativo dessa forma de

agir. No entanto, por mais tentativas de inclusão que se oportunizem, dificilmente se

conseguirá desenvolver um processo educativo em que todos estejam em igualdade de

condições, pois a lógica da escola está centrada na homogeneidade, e não na diferença.

Conforme as autoras, ao analisarem-se situações de inclusão entre a escola regular e os alunos

com necessidades educativas especiais, em raras oportunidades a inclusão é trazida “como

possibilidade de promoção de qualidade de ensino e de aprendizagem para todos os sujeitos.

A escola deixa o conhecimento em detrimento da possibilidade da socialização” (LOPES;

FABRIS, 2003, p. 10).

Trabalhar com as diversidades é perceber que a escola ou Instituição de

Educação Infantil não existe apenas para transmitir, memorizar e medir conhecimentos, mas

sim para buscar a sua construção com sentido para a vida de cada educando, sem distinção. À

escola cabe propiciar as condições necessárias para que a aprendizagem se constitua pelo viés

da experiência vivenciada com a diversidade de crianças que partilham do mesmo espaço

físico e que passarão a fazer parte do currículo escolar, pois todos os momentos de convívio

conduzem à aprendizagem e à produção de conhecimentos.

É importante ressaltar, ainda, que uma rápida busca no site da CAPES, em

2004, último ano de registro das teses e dissertações, percebeu-se que a relação entre

Educação Infantil e inclusão tem aumentado como interesse de pesquisa. Constatou-se o

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registro de dez pesquisas abordando tal relação. Destas, quatro investigações ativeram-se a

necessidades especiais particulares, tais como síndrome de Down, deficiência mental e

deficiência visual, e foram desenvolvidas em programas de pós-graduação em Psicologia.

As outras seis pesquisas foram realizadas nos programas de pós-graduação em Educação e,

mesmo incluindo análises de necessidades especiais particulares (visual, auditiva,..),

apontam para questões pedagógicas que têm como desafio a inclusão na Educação Infantil.

Essas pesquisas, além das necessidades especiais, abarcaram discussões sobre a inclusão

social. Um exemplo é o estudo de Oliveira (2004), que analisa as práticas educativas e o

tratamento da questão racial nas creches, com crianças da faixa etária de zero e três anos.

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CAPÍTULO II

2 O CAMINHO PERCORRIDO PARA A REALIZAÇÃO DA PESQUISA

A Educação Infantil no município de Campos Novos / SC, da mesma forma que

em outros lugares, necessita ser pesquisada e discutida, possibilitando aprofundar, reelaborar

ou até mesmo iniciar a construção de propostas pedagógicas que primem pela identidade da

Educação Infantil. Propostas que respeitem as exigências legais, bem como o processo de

desenvolvimento das crianças e que por conseguinte, estejam em consonância com o objetivo

próprio das Instituições de Educação Infantil, ou seja, promover o desenvolvimento integral

da criança, em que cada uma delas se construa como sujeito único. Para o conhecimento da

Educação Infantil do Município de Campos Novos / SC, se propôs a presente investigação,

caracterizada como qualitativa. Trata-se de uma pesquisa de campo que procurou

compreender os seres humanos como indivíduos em seu próprio contexto. Para fazer a leitura

dos dados de forma a considerar o contexto da realidade pesquisada, a análise das

informações coletadas foi um processo que, incessantemente, recorria aos dados empíricos à

luz da teoria. Procurou-se compreender os significados expressos nas falas dos sujeitos da

pesquisa, tecendo fios invisíveis entre os protagonistas, interligando os diferentes pontos

observados, pois o objetivo era entender o fenômeno social referente à Educação Infantil no

município pesquisado.

Contribuíram para esse processo dois conjuntos de estudos: um retomando a

legislação e as políticas públicas atuais relacionadas com a Educação Infantil, e o outro

conhecendo algumas pesquisas realizadas na área. Em relação à legislação, houve a retomada

da Constituição Federal, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96, do

Estatuto da Criança e do Adolescente e ainda da Lei Orgânica do Município. Documentos

como o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, a Proposta Curricular de

Santa Catarina e os Planos Políticos Pedagógicos das escolas pesquisadas também foram

relevantes para esse primeiro conjunto de estudos.

No segundo conjunto de estudos, buscou-se conhecer algumas pesquisas sobre

a Educação Infantil produzidas no Brasil entre 1995 e 2005 no espaço da produção científica,

especialmente aquelas apresentadas nas reuniões anuais da ANPEd, e dissertações e teses de

doutorado registradas no banco de teses da CAPES. Destacam-se a seguir alguns estudos

significativos para aprofundar conceitos da área.

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Rocha (1999) apresentou uma discussão sobre a pedagogia direcionada às

crianças com a denominação de “Pedagogia da Educação Infantil” ou “Pedagogia da

Infância”. A autora destaca que não é sua intenção “advogar a departamentalização da

Pedagogia em campos específicos”, mas contemplar a especificidade da educação da criança

em instituições de Educação Infantil. Sobre a mesma questão, Strenzel (2000) realizou um

estudo identificando “os temas recorrentes e sua contribuição na constituição de uma

Pedagogia da Educação Infantil” (p. 1). Para isso, percorre a trajetória das pesquisas sobre

Educação Infantil nos Programas de Pós-Graduação em Educação, de 1980 até o final da

década de 1990.

Já sobre a formação docente, Cerisara (1996) realizou pesquisa em Creches e

Pré-Escolas de Florianópolis, apontando dados relevantes para identificar aspectos sobre o

processo de construção de identidade dos profissionais de Educação Infantil. Sobre esse

mesmo assunto, o trabalho acadêmico de Campos (2002) apontou a necessidade de

qualificação urgente para as professoras leigas que atuam na Educação Infantil, reforçando as

discussões atuais na área de formação docente.

Tristão (2004) realizou uma pesquisa envolvendo os profissionais que

assumem a função de professores junto aos bebês em uma creche, visando a conhecer a

trajetória de vida e perceber a sua constituição enquanto professores da Educação Infantil.

Uma das constatações da autora que se considera importante mencionar aqui é seu

questionamento sobre o registro das práticas docentes. Em seus escritos, a autora pergunta se

nos cursos de formação os registros e os planejamentos “são ensinados como instrumentos

elementares da prática pedagógica ou são ensinados como formalismos de uma instituição

burocrática”. Ela questiona se os professores em formação “aprendem a planejar tempos,

espaços e relações como determinantes da atuação pedagógica ou apenas coisas a serem feitas

– atividades” (p.190).

Ainda sobre a formação de professores, Bonetti (2004) enfatizou a

especificidade da docência na Educação Infantil no âmbito de documentos oficiais. Trata do

professor que exerce sua docência na primeira etapa da Educação Básica, atuando nas creches

ou pré-escolas, que envolvem crianças de zero a seis. Essa docência, segundo a autora, tem

sua especificidade definida pelas características da criança, que exigem dos docentes funções

abrangentes de cuidado e educação. Para a autora, a especificidade da docência na Educação

Infantil é uma construção histórica que teve seu início com o surgimento da educação

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institucional para as crianças de zero a seis anos. É uma construção que se dá na relação com

as características e necessidades das crianças e os objetivos educacionais de cada época.

Mais próximo da realidade de Campos Novos, a pesquisa de Novello (2000)

concentrou sua atenção sobre as características das instituições e dos profissionais da

Educação Infantil no município de Joaçaba / SC, após a promulgação da Constituição Federal

de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional - 9394 / 96.

Destaca-se, também, que uma ação relevante para a formação durante este curso

de Mestrado foi a seguinte: atendendo a orientações da Professora Drª Leda Scheibe, visitou-

se a biblioteca da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC para pesquisar alguns

trabalhos realizados na área da Educação Infantil. Em seguida, assistiu-se à defesa da

Dissertação “A Especificidade da Docência na Educação Infantil no Âmbito dos Documentos

Oficias que tratam da Formação de Professores após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional - 9394/96”, de Nilva Bonetti. Novamente, ressalto a grande valia da experiência

para este trabalho de pesquisa, pois o tema abordado veio a contribuir com minhas reflexões

sobre a Educação Infantil.

Além de ampliar o conhecimento, as produções sobre Educação Infantil

anteriormente descritas contribuíram para a elaboração do roteiro do instrumento utilizado na

coleta de dados: a entrevista estruturada. Todas as entrevistas foram gravadas com a

autorização das entrevistadas, e posteriormente as respostas foram transcritas6 e analisadas.

Essa opção foi feita intencionalmente por dois motivos: primeiro para tentar garantir que as

informações necessárias para a pesquisa fossem coletadas. Na condição de pesquisadora

iniciante, receava utilizar um instrumento com questões abertas, pois poderia distanciar-me do

foco da pesquisa. Optou-se, também, por não fazer questionário para recolher depois porque,

pelas leituras e conversas com colegas mais experientes na realização de pesquisas, a

tendência é que nem todos os instrumentos retornem, o que muitas vezes prejudica a

investigação. Como a população da pesquisa era pequena, desejou-se garantir o depoimento

de todas as professoras, motivo pelo qual as falas das envolvidas na pesquisa foram gravadas.

Além disso, para a realização da entrevista, agendou-se um encontro com cada entrevistada,

em horário por ela disponibilizado e no seu local de trabalho, por sentir-se mais à vontade

nesse ambiente.

6 Ver CD-Rom anexo à dissertação.

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Antes de iniciar a coleta de dados final, realizou-se uma entrevista-piloto para

observar se as questões propostas responderiam as questões de pesquisa.

Na condição de professora da Educação Infantil, já possuía muitas informações, o

que facilitou a elaboração do roteiro. Não obstante, em outros momentos, o fato de trabalhar

em Educação Infantil no município algumas vezes dificultou o trabalho, pois fazia parte do

processo, sendo difícil manter a isenção como pesquisadora.

Campos Novos possuía, em 2004, ano da realização da pesquisa, um total de 11

Instituições que atuavam com Educação Infantil: cinco creches e seis pré-escolas que atendem

crianças de quatro a seis anos de idade. Dessas 11 Instituições, duas unidades estavam

localizadas no interior do município. A rede municipal de Educação Infantil trabalhava com

636 crianças de zero a seis anos. Para esse trabalho, na rede municipal, dedicavam-se quatro

diretoras e 180 professores e atendentes de creche. Desse total de professores, 40 atendiam

234 crianças de quatro a seis anos.

Em Campos Novos, a Educação Infantil é parcialmente de responsabilidade da

Secretaria Municipal de Educação, pois, segundo a Coordenadora Pedagógica, até o ano de

2003, o pagamento dos professores da Educação Infantil estava a cargo da Secretaria

Municipal do Bem-Estar Social. A partir dessa data a Secretaria do Bem-Estar Social passou a

fazer o repasse da verba para a Secretaria Municipal de Educação, que desde então administra

o pagamento dos professores da Educação Infantil, enquanto que a alimentação continua

sendo oferecida pela Secretaria do Bem-Estar Social.

As crianças pertenciam às zonas rural e urbana, pois o município atende às

necessidades de ambos os locais. A grande maioria das crianças era (e é) de nível

socioeconômico baixo, um dos motivos pelo qual permanecem nas instituições em período

integral enquanto a família trabalha para sustentar-se. As crianças de zero a quatro anos ficam

na instituição em período integral; já as de cinco a seis anos freqüentam as unidades

educativas em meio período. De acordo com informações da Diretora Pedagógica de

Educação Infantil, há metas gradativas para atender as crianças da Educação Infantil em

período integral.

Para realização da pesquisa, foram envolvidas as cinco escolas que trabalhavam

com a faixa etária de quatro a seis anos, sendo quatro da zona urbana e uma da zona rural. O

grupo pesquisado constitui-se da seguinte forma: a Diretora Pedagógica, por ser a profissional

responsável pela implantação das políticas pedagógicas de Educação Infantil em Campos

Novos; todas as diretoras das Instituições de Educação Infantil, por estarem diretamente

acompanhando o trabalho como responsáveis pela coordenação, e pela implementação do

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Projeto Político Pedagógico; do total de 11 professoras que atuavam com crianças de quatro a

seis anos, selecionaram-se dez por serem responsáveis pela ação pedagógica cotidiana.

Apenas uma não foi selecionada devido à dificuldade de acesso à escola onde trabalhava.

Por fim, a partir dos estudos teóricos realizados e depois de várias leituras dos

dados organizaram-se três agrupamentos, que se tornaram as unidades de análise detalhadas

no capítulo seguinte. Nesta pesquisa, utilizou-se a expressão “leitura de dados”, pois há

muitas leituras possíveis dos dados coletados, dependendo do referencial teórico utilizado.

Esta é apenas uma das leituras possíveis. Ainda, destaca-se a utilização do termo

“agrupamento” para nomear a análise realizada, pois expressa a idéia de junção não-linear e

não-permanente. Conforme os critérios adotados, outros agrupamentos poderiam surgir a

partir de outros referenciais teóricos, o que produziria outras pesquisas.

No decorrer deste texto, usou-se a seguinte forma de identificação: DP para a

Diretora Pedagógica de Educação Infantil do município de Campos Novos /SC; D1, D2, D3 e

D4 para as Diretoras das Instituições; e P1, P2, P3...P10 para as professoras pesquisadas.

42

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CAPÍTULO III

3 ALGUNS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO MUNICÍPIO DE CAMPOS

NOVOS / SC

Com o objetivo de obter algumas informações sobre os interlocutores da pesquisa,

buscaram-se dados iniciais junto à Diretora Pedagógica Municipal. Segundo suas

informações, há concurso público para ingressar no quadro de professores municipais e o

critério inicial é ter o Magistério. Com o passar do tempo, espera-se que esse professor

conclua a licenciatura. Em relação à escolha das Diretoras, seguem-se os seguintes critérios:

ser do quadro efetivo acima de três anos e ter curso superior.

Por meio das entrevistas com as 15 profissionais escolhidas (dez professoras,

quatro diretoras, e a diretora pedagógica) foi possível observar algumas características:

a) quanto à idade: 75% possuem de 35 a 39 anos, o que mostra um predomínio de

profissionais com relativa experiência de vida;

b) quanto ao tempo de serviço no Magistério: 73% possuem de 10 a 20 anos. Os

dados confirmam a experiência profissional das entrevistadas, evidenciando que estão em fase

de consolidação de carreira. Apenas 20% delas estão em fase considerada inicial, com até 10

anos;

c) quanto ao tempo de serviço na Educação Infantil: 53% das entrevistadas têm até

seis anos, enquanto 40% têm de 6 a 14 anos. Se cruzarmos os dados de tempo de serviço no

Magistério e tempo de serviço na Educação Infantil, percebe-se que a maioria das

entrevistadas apresenta maior tempo de experiência profissional no Ensino Fundamental, com

crianças em fase de escolarização;

d) quanto à carga horária de trabalho: 93% têm 40 horas semanais. Algumas são

efetivas nas Instituições de Educação Infantil, por exemplo, no Centro de Atendimento

Integral à Criança (CAIC); outras são efetivas na Secretaria Municipal de Educação7. Apenas

uma professora, ou seja, 7%, trabalha 20 horas semanais e é contratada por período

temporário;

e) quanto à formação: 93% possuem curso de Magistério, 93% realizaram curso

superior de Pedagogia, a maioria, em Educação Infantil e Séries Iniciais. Ainda 74% cursaram

especialização. Desse total, 48% em Educação Infantil e Séries Iniciais, e 26% realizaram

7 As professoras efetivas na Secretaria de Educação do município de Campos Novos não têm escola definida permanentemente. A cada ano, podem ser destinadas a trabalhar onde houver necessidade.

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especialização na área da Gestão Escolar. Os dados mostram que a quase totalidade das

entrevistadas possui formação acadêmica vinculada à área de trabalho;

f) ao perguntar para as entrevistadas se sempre permaneceram atuando com a

mesma faixa etária ou se exerceram a docência com diferentes idades, foram unânimes em

afirmar que já trabalharam com faixas etárias diferentes na Educação Infantil. Esse rodízio de

trabalho é uma prática constante nas Instituições de Educação Infantil de Campos Novos / SC;

g) em relação ao gênero: as professoras da Educação Infantil são, na grande

maioria, mulheres; apenas dois professores são do sexo masculino, e estes são responsáveis

pela recreação das crianças. Então, vê-se que a educação das crianças ainda é

responsabilidade das mulheres.

3.1 Quando os professores não escolhem a Educação Infantil para trabalhar

Ao perguntar para as diretoras e professoras as razões que as levaram a optar pelo

trabalho com a Educação Infantil, suas respostas contribuíram para evidenciar que nem

sempre a escolha é uma opção do docente. Das dez professoras entrevistadas, quatro

ingressaram na Educação Infantil para assegurar uma vaga na carreira do Magistério Público

Municipal. Como não havia vaga no Ensino Fundamental, não tiveram alternativa e optaram

pelo trabalho com a Educação Infantil.

Quando eu fiz o concurso, fiz para o Ensino Fundamental, e na escolha de vaga não tinha opção. Era o que tinha, e eu entrei e no começo eu tive bastante resistência. Tinha medo da Educação Infantil. Mas depois me identifiquei. P8

Foi escolha da Secretaria de Educação, me mandou pra cá, e eu acabei gostando e permaneci. P6

Comecei por acaso e gostei. P5

Já a resposta da P1 foi direta e imediata: “pela vaga”, confirmando que, na época

do concurso, o mais importante era garantir o emprego, independentemente de seu desejo de

atuar na Educação Infantil ou no Ensino Fundamental. No decorrer da sua fala, acrescenta:

[...] depois eu me apaixonei pelo trabalho com a Educação Infantil. Sabe, quando você é valorizado no lugar em que você está fazendo um trabalho que gosta. Hoje eu não trocaria a Educação Infantil por nada. Estou no lugar certo, sabe, assim quando você se realiza[...]. P1

Uma inferência possível de ser feita sobre o assunto diz respeito ao seguinte: no

momento em que abre algum concurso público, as pessoas se inscrevem para garantir

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estabilidade de emprego e renda fixa para sobreviver. Muitas vezes, fazem essa opção sem

avaliar se era realmente era a profissão desejada ou a carreira projetada para ser seguida. Esse

fato não ocorre apenas na carreira docente; várias profissões defrontam-se com essas questões

que, com o tempo, se tornam um problema tanto para quem ingressou quanto para a

instituição.

Voltando aos dados da pesquisa, as diretoras referem-se aos motivos da escolha da

Educação Infantil quando falam sobre sua experiência profissional. Assim expressaram-se

algumas delas ao serem entrevistadas:

Tenho mais experiência com as séries iniciais. Com a Educação Infantil, tenho pouca experiência. Gosto muito do que faço. Foi um desafio quando fui convidada para trabalhar aqui. Adquiri bastante experiência. D1

Comecei a trabalhar com a 5ª série, com a disciplina de matemática, trabalhei 10 anos, com matemática. Em 99, fui quase que obrigada a ingressar na Educação Infantil. Dali pra frente, adorei o trabalho com a Educação Infantil e não voltei mais para o Ensino Fundamental. Hoje me sinto assim: bem feliz na área. D3

Chamou a atenção quando a D3 mencionou que foi “quase obrigada” a assumir

uma turma de alunos da Educação Infantil. Procurando entender o motivo da resposta, ela

então assim se manifestou: “Porque nós tivemos que lotar numa das instituições, e só tinha

vaga para educação infantil. Aí, então, não tive opção, tive que entrar, e assim foi bem

difícil no começo”.

Durante as entrevistas, observou-se que várias professoras e diretoras assumiram a

Educação Infantil por falta de vaga nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental e que, no

decorrer do tempo, aprenderam a gostar do trabalho com as crianças de 0 a 6 anos, buscaram

formação na área e declaram ter verdadeira paixão por sua atividade.

Pela leitura dos dados, ressalta-se novamente, que, mesmo tendo dito“me

apaixonei”, “acabei gostando”, “gosto muito”, “eu tenho muita atenção e carinho com essa

faixa etária”, elas insistem em declarar que não começaram trabalhando na Educação Infantil

por opção. Foi a alternativa para assumir uma vaga efetiva no sistema público municipal.

Essa realidade não é específica do município de Campos Novos / SC. Cerisara

(1996), ao pesquisar a construção da identidade das profissionais de Educação Infantil em

Florianópolis, constatava dois elementos importantes: primeiramente, referia-se às escolhas

profissionais, em que “as professoras explicitaram que, na verdade, houve muito mais uma

não escolha pela profissão de professora ou do curso de magistério”. Em seguida, afirmava

que “o ingresso na creche é uma decorrência e não o ponto de partida para a escolha” (p.69).

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Uma hipótese que pode ser levantada é a de que, na realidade brasileira, no

período pós Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - 9394 / 96, muitos professores

licenciados fizeram concurso e foram alocados da primeira à quarta série. Infelizmente, o

sistema educacional, tanto público quanto privado, ainda considera que, para trabalhar com a

Educação Infantil, é necessário um nível de formação menor do que para o Ensino

Fundamental. Essa prática pode reforçar ainda mais a dicotomia entre educar e cuidar, pois,

geralmente, parte-se do pressuposto de que ações de cuidado não requerem, necessariamente,

níveis elevados de especialização. Já para educar exige-se maior formação para exercer a

docência, promovendo-se o processo de escolarização.

Também na reestruturação do quadro de professores do magistério, em muitos

locais do país, foram alocados professores apenas com o Ensino Médio, Magistério ou talvez

somente o Ensino Fundamental para atuar na Educação Infantil. Isso mostra a grande

trajetória que os órgãos públicos precisam trilhar para investir e dar maior atenção às formas

de escolher quem vai trabalhar com a Educação Infantil.

Nesta pesquisa, não se tratou diretamente das questões de identidade de gênero.

Contudo, também é preciso considerar que, muitas vezes, a opção por trabalhar com

Educação Infantil se deve ao fato de as crianças de Séries Iniciais do Ensino Fundamental,

particularmente as maiores, serem “difíceis de controlar”, segundo constata Cerisara (1996, p.

98). Muitas professoras que escolhem trabalhar com Educação Infantil podem sentir-se mais

preparadas por fazerem uso da experiência materna. Porém, também se poderia supor que,

pelo fato de não serem mães, as professoras podem se sentir pouco preparadas para lidar com

a Educação Infantil. Cerisara (1996, p.100) ainda ressalta que essa condição acaba por criar

uma situação “cuja solução estaria em uma suposta divisão clara e definitiva entre funções de

professora de escola, de profissional de creche e de mãe, nas diferentes instituições”.

Por outro lado, nas conversas das salas de professores e nos momentos informais

da escola, ouve-se das professoras que optaram pela Educação Infantil por considerar que dá

menos trabalho: “não precisa corrigir e nem carregar cadernos, preparar atividades

diversificadas, não tem preocupação com a reprovação”. Pode-se supor, também, que aqueles

professores que possuíam larga experiência com o Ensino Fundamental trouxeram uma

prática pedagógica centrada na Pedagogia Escolarizante.

Com relação a essas questões, Rocha (1999, p.98) chama a atenção para os dos

poucos estudos que se dedicam a investigar “a identidade específica desses profissionais”.

Seus estudos, na época, mostraram a existência de apenas três trabalhos sobre o assunto

envolvendo duas capitais, Florianópolis e Belo Horizonte, que versam sobre a definição de

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quem são os profissionais que atuam na Educação Infantil. Salienta que, por serem poucos os

estudos, seu trabalho“representa uma visão parcial se considerarmos a diversidade do

contexto nacional numa área que até ha pouco não dispunha de normatização ou função

específica”. É importante ressaltar que, de 1999 até agora, já se passaram sete anos e apenas

alguns artigos são publicados na ANPEd8, INEP9, NEE0A610. Uma pesquisa nessa direção é a

de Lopes (2004), na qual constata que os pesquisados declaram terem-se constituídos como

professores tendo como referência pessoas que foram significativas na escola e em suas vidas.

A autora também aponta que, nas últimas décadas, as famílias e a própria comunidade

transferiram responsabilidade para o professor de Educação Infantil, sem que houvesse

mudança na formação profissional. Ressalta, por fim, que esses aspectos são fundamentais

para constituir a identidade profissional do professor de Educação Infantil.

Do mesmo modo que acontece essa movimentação dos professores das Séries

Iniciais do Ensino Fundamental para a Educação Infantil, também há esse movimento dentro

das próprias faixas etárias da Educação Infantil. Muitas vezes, o professor está trabalhando

com uma determinada faixa etária, produzindo materiais, estudando características das

crianças, e gostaria de continuar atuando com elas. No entanto, no ano seguinte, pode ser

retirado dessa turma para atuar com outra, composta por crianças com outra idade, sem que

isso seja opção dele. Para se obterem informações sobre o que as professoras pensavam a esse

respeito, foi perguntado qual seu ponto de vista sobre a alternância delas próprias para

trabalhar com as diferentes idades, bem como sobre a alternância da direção das Instituições

de Educação Infantil.

Das dez professoras entrevistadas, sete julgam produtiva a alternância de

professoras na Educação Infantil, pelos seguintes motivos:

[...] se você muda a faixa etária, você trabalha com diferentes idades e cresce como profissional, isso vai ajudar no seu trabalho de atuação dentro da sala de aula. P10

É bom porque você vê o desenvolvimento de cada faixa, então, você fica mais preparada. P6

Com certeza é produtivo, porque, ao mesmo tempo que você ensina, você está aprendendo também. P5

Duas delas concordam que a alternância é produtiva em parte11:

8 ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação.9 INEP – Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos.10 NEE0A6 – Núcleo de Pesquisa da Educação de zero a seis anos.11 Uma professora não respondeu a questão por ser iniciante e não ter vivido a experiência da alternância.

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Depende. Acho que a alternância dentro da Educação Infantil sempre é boa por causa do conhecimento que se adquire e todas as faixas etárias. Porém alguns professores se adaptam melhor com uma determinada faixa etária. Eu já prefiro trabalhar com crianças maiores na Educação Infantil. P2

É bom, [...] porque adquire mais experiências novas. Por exemplo: as crianças da Pré-escola com as crianças do Jardim I, têm uma diferença bem grande, e, por outro lado, se você fica na mesma sala, você vai melhorando, vai tendo conhecimento, vai aprendendo e vai melhorando o teu trabalho. P1

Em relação a esse mesmo assunto, três diretoras posicionaram-se favoravelmente à

alternância no trabalho das professoras com turmas de diferentes idades. Apresentam como

razões para esse posicionamento o fato de as professoras adquirirem novos conhecimentos e

não se acomodarem em suas turmas, passando a conhecer o desenvolvimento infantil. Apenas

uma ressalta que a alternância é válida apenas para o professor conhecer em qual faixa etária

ele melhor se adapta para trabalhar. Ela declara

[...] se você trabalha dentro da unidade escolar, é bacana trocar de sala, pois você vai adquirindo conhecimento, experiência. A gente se identifica mais com uma faixa etária. Então, vou no berçário, trabalho um pouco, passo por experiências diversas. Posso ver se é aquilo que eu quero [...]. D4

Já no momento do questionamento sobre a alternância da direção é produtiva nas

Instituições de Educação Infantil, cinco professoras consideram “positiva” pela renovação

que provoca na Instituição. Outras três concordaram em parte, pois, se a nova diretora não

tem experiência e conhecimento sobre a Educação Infantil, pode prejudicar o andamento do

processo pedagógico. E as outras duas professoras, pela pouca experiência, não vivenciaram

essa situação, por isso, não se manifestaram.

Sobre a alternância da direção, na visão das próprias diretoras, todas atribuem-lhe

validade e concordam com a necessidade de renovar a forma de trabalho, desde que não

aconteça com tal freqüência que prejudique o andamento administrativo e pedagógico da

instituição. Nas palavras da D2,

[...] sempre são idéias novas que vêm, vai se renovando, eu acho que é preciso essa renovação.

Já a D1 aponta:

É válida a alternância, mas não assim, todos os anos. A cada dois, três anos, sim. A professora para assumir a direção, tem que ter conhecimento para trabalhar e, principalmente, gostar daquilo que faz.

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Mais uma vez, fica clara a preocupação por parte das pesquisadas com a qualidade

do trabalho na Educação Infantil. Quando se fala em qualidade na Educação Infantil, esse

termo remete a duas interpretações: uma delas diz respeito ao compromisso e à seriedade com

que o professor assume o exercício docente com vistas a desenvolver um trabalho centrado na

criança. A outra interpretação possível é que parece ser o professor o responsável por fazer

acontecer a educação e o cuidado das crianças.

Estudando o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, o

documento explicita os seguintes princípios sobre o que seria um trabalho de qualidade:

•respeito à dignidade e aos direitos das crianças, consideradas nas suas diferenças individuais, sociais, econômicas, culturais, étnicas, religiosas etc;•direito das crianças a brincar, como forma particular de expressão, pensamento, interação e comunicação infantil;•acesso das crianças aos bens socioculturais disponíveis, ampliando o desenvolvimento das capacidades relativas à expressão, à comunicação, à intervenção social, ao pensamento, à ética e à sociedade;•a socialização das crianças por meio de sua participação e inserção nas mais diversificadas práticas sociais, sem discriminação de espécie alguma;•atendimento aos cuidados essenciais associados à sobrevivência e ao desenvolvimento de sua identidade (1998, p. 13).

A impressão que se tem ao ler o documento é que transformar os princípios em

prática é responsabilidade do professor. Campos (2002, p.6) analisou detidamente o RCNEI e

destaca que o texto curricular atribui a implementação de uma proposta curricular de

qualidade ao professor. Referenciando-se nisso, ela comenta que o discurso contido no

documento “acaba por delegar aos profissionais a responsabilidade por um atendimento de

qualidade, como se isso fosse possível independente das condições materiais concretas que

possuem para desenvolvê-las”.

Portanto, um trabalho de qualidade nas instituições de Educação Infantil não é

um trabalho de heroísmo e missionário de uma pessoa: o professor, ou melhor, a professora.

Conforme alerta Corrêa (2003, p.5),

[...] pensar em qualidade no atendimento à criança relaciona-se à idéia de garantia e efetivação de seus direitos, já consagrados universalmente e, do ponto de vista legal, bem definidos. Esses direitos estão explicitados em documentos que vão desde a Declaração Universal dos Direitos da Criança, para mencionar o plano internacional, passando pela Constituição Federal Brasileira de 1988, Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (lei n. 8.069 de 1990), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (n. 9394/96) e o Referencial Curricular para Educação Infantil, de 1998, entre outros.

3.2 O Predomínio da Pedagogia Escolar em detrimento da Pedagogia da Infância

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No decorrer da pesquisa, procurou-se identificar quais pedagogias eram

trabalhadas nas Instituições de Educação Infantil do Município de Campos Novos / SC. Para

isso, perguntou-se sobre o cotidiano da Instituição, o planejamento da ação pedagógica e a

forma de acompanhamento da aprendizagem da criança.

O cotidiano das diferentes Instituições de Educação Infantil pesquisadas chama a

atenção por características similares: a rotina, os rituais, os símbolos, a organização do espaço

e dos tempos, as comemorações de datas cívicas, as festas, o jeito que as crianças andam,

falam e se movimentam na sala. Mudam as culturas das crianças, mas a cultura da escola tem

uma capacidade de se autoconstruir sem interagir com esses universos.

A rotina das professoras mostra como essa “mesma coisa” é feita em todas as

escolas. Fazer tudo igual é uma forma de introduzir a Pedagogia Escolarizante, pois o objetivo

dessa pedagogia é que todas as crianças aprendam da mesma forma tudo o que foi ensinado.

Tais aspectos parecem remeter à Didática Magna de Comenius, cujo investimento era

“descobrir o método segundo o qual os professores ensinem menos e os estudantes aprendam

mais [...] um método universal de ensinar tudo a todos”(COMENIUS, 1922, p. 44 - 45).

Ao solicitar-se às professoras o relato de um dia de trabalho, percebe-se que há

uma tendência à padronização das ações pedagógicas. A preocupação central é cumprir a

rotina escolar, em que as situações de educação e cuidado parecem estar mais voltadas a ações

realizadas mecanicamente. A ausência de planejamento contemplando as características das

crianças, incluindo situações de educação e cuidado, já era apontada pelas professoras

entrevistadas na pesquisa de Coutinho (2002, p. 10):Não planejar essas situações acaba gerando muitos desencontros no cotidiano educativo da instituição, pois não refletir sobre o modo de organizar esses momentos, sobre os desejos e as possibilidades de vivências das crianças, coloca-os à margem de horários e espaços da instituição e assim, como diz a professora, fica uma rotina mesmo. (grifos da autora).

Para a autora, a rotina é algo pouco agradável, pois a “repetição prevista em seu

desenvolvimento e a pouca flexibilidade encontrada na sua organização, tornam-se

verdadeiras “camisas-de-força” para as profissionais” (p.10). Propostas diferentes, que não

estabeleçam uma previsão ordenada de horários e espaços, desorganizam a vida da instituição

e as práticas pedagógicas, deixando as professoras desorientadas e desordenadas.

Em sua pesquisa sobre a execução das rotinas, Barbosa (2001, p.5-6) afirma que,

nas instituições observadas:

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elas operam com o objetivo de estruturar, organizar e sistematizar as ordens moral e formal – acentuando seus esforços na ordem moral – afinal, um dos principais papéis da escolarização inicial é o de transformar as crianças em alunos. Para desempenhar esse papel, as rotinas utilizam-se de rituais – cerimônias, castigos, imagem de condutas, caráter, modos valorizados de ser e proceder – que relacionam os indivíduos com a ordem social do grupo, criando um repertório de ações que são compartilhadas com todos e que dá o sentimento de pertencimento e de coesão ao grupo. A rotina desempenha um papel estruturante na construção da subjetividade de todos que são submetidos a ela.

Na pesquisa ora realizada, foi possível constatar a existência de uma rotina tanto

nas falas da professoras quanto nas das diretoras. No entanto, percebeu-se que não há uma

linearidade na rotina; por exemplo, as crianças fazem recreação em horários diversificados.

Ao analisar a fala das entrevistadas, chegou-se à conclusão de que toda a estrutura

da creche é montada para atender às necessidades dos funcionários ou ao fluxo dos serviços

prestados. A criança é secundarizada, vem depois da estruturação da rotina da instituição. Na

maioria das creches, ocorre o seguinte: café da manhã às 8 horas; lanche às 10 horas; almoço

às 11 horas; lanche da tarde entre 13 e 14 horas; janta das 15h30min até as 16 horas. Percebe-

se que os horários são “fora da realidade”, se pensarmos em uma rotina familiar. Será que as

famílias jantariam às 15h30min?

Uma explicação dada para justificar essa rotina é o transporte escolar organizado

de maneira que, diariamente, das 16h30min às 17h, os veículos, passem nas instituições para

buscar as crianças. Algumas professoras, juntamente como o motorista, fazem a “entrega” das

crianças nos locais, onde seus familiares estão esperando por elas12. Depois disso, as

professoras retornam para encerrar sua jornada de trabalho, e tudo precisa estar organizado até

as 17 horas. Além disso, o transporte escolar necessita estar disponível para levar de volta os

alunos do Ensino Fundamental e Médio que foram trazidos das comunidades da zona rural no

início da tarde para estudar nas escolas da zona urbana. Ainda, há o retorno desse mesmo

transporte à noite, trazendo os alunos que estudam no período noturno.

Em algumas descrições das Diretoras transparece um trabalho rígido, semelhante

ao “caráter militar”, conforme fala a D4. A ser interrogada em relação ao cotidiano da

Instituição de Educação Infantil, responde enfaticamente:

Às 7 horas e 30 minutos, a gente abre o portão. A entrada acontece das 7 horas e 30 minutos até as 8h.Às 8h, fecha a porta do estabelecimento. Os pais sabem que tem que ter um horário de chegada e um de saída. Depois, em seguida, eu, como diretora, e a secretária passamos em cada sala

12 Devido à distância, as mães ou cuidadores das crianças levam-nas para um ponto de ônibus e o carro contratado pela Prefeitura Municipal transporta-as até as Instituições de Educação Infantil.

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dizendo um bom dia [...]. Às 5 horas, a gente abre a porta e começa a fazer a entrega das crianças.

A D4, quando usa as expressões “abre o portão”; “fecha a porta do

estabelecimento”, “os pais sabem que tem que ter um horário de chegada e um de saída”, “a

gente começa a fazer a entrega das crianças”, evidencia uma rotina que parece não ter espaço

para improvisos. Ainda mais, a palavra “entrega” leva a pensar nas crianças como se fossem

mercadorias, e no espaço escolar, como o depósito.

Outro elemento em que é possível reconhecer que pedagogia está sendo priorizada

é o conhecimento trabalhado com as crianças. Seguem algumas falas das professoras,

referentes às escolhas dos conhecimentos para trabalhar na Educação Infantil:

Nos anos anteriores, vinha pronto da Secretaria da Educação. O Projeto Político Pedagógico, eu nunca participei, nunca tive conhecimento, até por questão do nosso estágio da faculdade que precisamos, foi bem difícil. O que nós tivemos acesso parecia que não tinha nada a ver com o nosso trabalho. Esse ano que nós tínhamos que fazer um trabalho da Pós em Gestão Escolar e colocamos que teria uma necessidade que fosse feito, por exemplo, o que eu vou trabalhar no berçário, no maternal I, II, no pré, para não ficar, de repente, se repetindo as mesmas coisas. Geralmente, são feitos projetos. Esse ano, foi escolhido um só para toda a escola. Só que também acho que é uma coisa complicada. P1

Através dos PCNs e o PPP, que deveria ser feito por toda a comunidade escolar, mas vem pronto de cima, da Educação Fundamental, que os orientadores escrevem. Esse ano, foi revisto e modificado de acordo com as necessidades da escola. Como comecei este ano, foi proporcionado um dia de estudo com todos os professores e diretores da rede municipal que atuam na área da Educação Infantil. Foi formulado em planejamento unificado no município para todas as faixas etárias. D1

Coordenação motora, lateralidade, processo de alfabetização, palavras, noções de quantificação, nome. P6.

Nas Instituições pesquisadas, os conhecimentos adquirem forma de conteúdos, o

que é bastante semelhante à organização que ocorre no Ensino Fundamental. Segundo as

professoras entrevistadas, nos anos anteriores, os conteúdos “vinham prontos” da Secretaria

Municipal de Educação, ou seja, era enviada uma lista de conteúdos para serem trabalhados

pelas professoras com as crianças da Educação Infantil. Atualmente, as professoras participam

da elaboração do Plano Político Pedagógico e também organizam projetos, metodologia

utilizada na Educação Infantil nos últimos anos. As diretoras relatam que, no início do ano,

são reunidas todas as professoras de todas as Instituições de Educação Infantil do município,

momento esse em que a diretora pedagógica aborda os conteúdos do Referencial Curricular

Nacional para a Educação Infantil a serem trabalhados; a partir deles, as professoras elaboram

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o planejamento anual da rede municipal. Quer dizer, muda a forma, mas permanece a escolha

dos conteúdos de maneira centralizada.

Outra fonte de busca dos conteúdos a serem trabalhados com a Educação Infantil

são os documentos curriculares produzidos e enviados aos professores pelo MEC. Várias

entrevistadas denominam o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil de

“PCNs”. Observou-se isso ao perguntar-se como as professoras selecionam os conhecimentos

a serem trabalhados com as crianças. Seguem algumas respostas:

A gente segue, mais ou menos, um norteador, que são os Parâmetros Curriculares da Educação Infantil. Dentro desses, os conteúdos que procuramos trabalhar, além de todas as datas comemorativas, mais as ciências naturais e sociais, matemática e construção de escrita propriamente dita e da leitura. P2

A gente procura trabalhar voltado aos PCNs, englobando os temas transversais: a sexualidade, principalmente com crianças de 5 anos de idade. É uma idade em que aflora a sexualidade. P9

Buscamos nos PCNs da Educação Infantil e também o PPP – Projeto Político Pedagógico, mas tudo é globalizado. D2

A partir daquele planejamento lá, nós nos reunimos aqui na escola, fazemos, revisamos o nosso PPP em cima dos PCNs. D4

A princípio, parece apenas uma troca de siglas, mas atendo-se um pouco mais

sobre a questão, é possível perceber que não há clareza entre PCN e RCNEI, ou seja, não se

diferencia o objetivo de cada documento e a quem se destina. Os PCNs têm como finalidade

referenciar parâmetros de conhecimentos, habilidades e atitudes para as pessoas em fase de

escolarização. O objetivo é ter um currículo nacional, um conjunto de conhecimentos comuns

para todo o país, esperando-se com isso contribuir para criar uma identidade nacional. Os

PCNs não são obrigatórios, mas, do modo as políticas curriculares são operacionalizadas,

tornam-se norteadores das ações pedagógicas cotidianas para os professores.

Já o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, como o próprio

nome diz, é direcionado para a Educação Infantil. Ele traz pressupostos, orientações,

sugestões para realizar o desenvolvimento integral das crianças, de suas identidades, de sua

constituição cidadã, procurando respeitar os direitos da infância. Ele concebe a instituição de

Educação Infantil como um espaço de socialização das crianças de zero a seis anos, bem

como ambiente de ampliação dos conhecimentos da realidade social e cultural. No entanto,

“nem tudo são flores”! Cerisara (2002, p.337) destaca que a forma como o documento é

organizado submete a Educação Infantil aos moldes do Ensino Fundamental. Isso acontece

“porque a ‘didatização’ da identidade, autonomia, música, artes, linguagens, movimento,

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entre outros componentes, acaba por disciplinar e aprisionar o gesto, a fala, a emoção, o

pensamento, a voz e o corpo das crianças”.

Se os conhecimentos a serem trabalhados vêm determinados “de cima”, “prontos”,

da Secretaria Municipal de Educação, muitas vezes elaborados pelos orientadores do Ensino

Fundamental; trazem conteúdos divididos em áreas do conhecimentos próprios do processo

de ensino aprendizagem escolarizado; são referenciados como PCNs pelas professoras

entrevistadas, então, podemos dizer que essas são características que apontam para uma

Pedagogia Escolarizante. Isso quer dizer que a atenção está centrada na escolarização, ou seja,

na alfabetização em si, na preparação para o ingresso na primeira série do Ensino

Fundamental.

O predomínio da Pedagogia Escolar também pode ser evidenciado ao

perguntarmos para as professoras e diretoras quais suas expectativas sobre as crianças após

terem trabalhado com elas durante todo o ano letivo.

Nesses projetos, são trabalhados: as letras, o alfabeto, palavras. Desde historinhas, eu apresento as palavras para que visualizem o que eu estou falando. P3

Seria desenvolver o lado cognitivo, psicomotor e que eles consigam escrever algumas ou várias palavrinhas, alguns textos, números. Então, a gente iniciou aprendendo as vogais, o alfabeto, as palavrinhas. Já estamos com os textos. Também estamos nas atividades ‘recorte e cole’. P5

Numa Pedagogia Escolarizante, o corpo, o movimento, as brincadeiras são

secundários na escola. Observa-se que a meta principal é aprender as condições para ler e

escrever, as rotinas da escola, o que e quando falar.

Quando começamos com a construção da escrita, começamos com a historinha da semana, direcionada à letrinha, que vai ver depois no cantinho sobre isso, e apresenta a letrinha de diversas formas, primeiro no material emborrachado. Se o tempo está bom, vamos lá fora com giz e fazemos a letra gigante. No parque, eles escrevem a letrinha na areia também. Voltando para a sala, eles vão até o quadro e fazem a letra dentro de uma linha pra que tenham noção de espaço e tamanho. Depois disso, é apresentado a eles o carimbo da letra. No caderno, eles vão tentar construir e desenhar esta letra. Sempre dizendo o sonzinho de forma correta e a grafia também. No álbum seriado, colocamos a familhinha dessa letra. Eles ditam as palavrinhas que eles conhecem que inicia com a letra. Esse seria um dia de trabalho na construção da escrita [...]. E, nesses intervalos da construção da escrita, sempre promovemos a questão das brincadeiras da recreação. Constroem a letra com a massinha de modelar, com joguinhos de encaixe. Geralmente, duas a três vezes por semana, é passada a tarefinha de casa P2.

Foi trabalhado, confeccionados galinhos e pintinhos, trabalhamos a letrinha G. Então, o nome do pintinho era recortado, feito por eles com caixinha de fósforo. O pintinho se chamava Guto. P6

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Eles surpreendem a gente quando pegam o lápis na mão e já conseguem fazer o nome deles. Devido à falta de espaço, a gente brinca lá fora só duas a três vezes por semana. Há necessidade de espaço maior para trabalhar. Eu trabalho bastante a ludicidade. Bastante jogos. A matemática é trabalhada através do lúdico. Essa falta de espaço que a gente tem deixa a desejar para trabalhar melhor a criança integralmente. P7

Ao observarem-se a primeira e a segunda falas, registradas anteriormente, uma das

entrevistadas faz uso intenso do sufixo “inho”, enquanto a outra descreve a sua prática de

modo semelhante às atividades das cartilhas. As expressões diminutivas reforçam uma

linguagem infantilizada, muito recorrente na Educação Infantil. Para Kude (2004), o uso

desse tipo de linguagem é uma das crenças equivocadas sobre o processo de desenvolvimento

infantil. A autora menciona que várias “estratégias educacionais e disciplinares” usadas na

Educação Infantil têm como base “a crença de que a criança é uma pessoa adulta em

miniatura e intelectualmente retardada” (p.331). Além disso, o uso das expressões no

diminutivo contribui para a fragilização dos conhecimentos trabalhados na Educação

Infantil.13

Por outro lado, na terceira fala, é possível perceber que nem sempre a Pedagogia

Escolar é predominante. Às vezes, há uma tentativa de contemplar elementos da Pedagogia da

Infância, tais como ludicidade, construção de conceitos de jogos e brincadeira, trabalho com a

corporeidade em espaços abertos e adequados, não restringindo a criança a permanecer apenas

na sala de aula. Na descrição do seu cotidiano, a professora parece demonstrar preocupação

em planejar atividades que desenvolvam um conjunto de conhecimentos, atitudes e valores

adequados à faixa etária com que ela trabalha. Ela percebe a necessidade de trabalhar com a

criança como um sujeito participante do processo de suas construções infantis.

Essa fala da professora remete a pensar que o problema não é ensinar a ler e

escrever ou contar, mas em como esses processos são propostos. Não me refiro aqui apenas a

cópia, repetição mecânica ou exercícios estereotipados e, sim, percebi que há outro formato

indicando que é fácil, como indicam as palavras “historinha”, “letrinha”, que expressam a

“infantilização” e “déficit cognitivo”.

Essa professora não é a única a tentar desenvolver práticas diferenciadas.

Encontramos esse desejo explícito nas falas de outras professoras e diretoras. Nelas há

evidências de outros conhecimentos tidos como próprios para serem desenvolvidos com as

crianças da Educação Infantil, respeitando cada faixa etária.

13Agradeço a Profª Drª Eli T. Fabris pela significativa contribuição para essa discussão.

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[...] São trabalhados jogos e interação com objetos. Mesmo assim, eu trabalho um pouco a parte tradicional, porque você tem que acabar caindo no caderno, escrevendo letrinhas, palavras? Eu sempre tento aproveitar, trabalhar com o que eles trazem, fazer muitas brincadeiras com eles. Acho uma ruptura muito grande quando eles chegam na 1ª série, porque eles se tornam adultos. Têm que trabalhar certinho. P6

Trabalho desde historinhas, cantinhos, brincadeiras ao ar livre, no parque. Temos também, dentro da rotina da Educação Infantil, vídeo que podemos escolher de acordo com o que você está trabalhando. Ou simplesmente escolhemos história de literatura infantil para que as crianças tenham esse momento de lazer, de imaginação, de criatividade. P2

No dia-a-dia, eu parto sempre de uma literatura infantil. Se eu vou trabalhar com o ursinho, procuro na literatura infantil um livro que fale de ursinho. A gente conversa bastante sobre isso, faz desenho, teatro, se possível, passa vídeos que venham ao encontro desse tema. São feitas atividades de colagem, recorte com revistas, painéis, atividades no quadro, brincadeiras de roda, cantigas, trabalhinhos, e o letramento, no caso da letra U, o traçado da letra U. Faço isso para que eles comecem a se socializar com o caderno, a ter noção de limite de linha e tal. P9

Mesmo incipientes e muitas vezes parecendo contraditórias, há algumas tentativas

de não permanecer apenas naquelas atividades que visam a preparar as crianças para o Ensino

Fundamental. Isso ocorre porque as professoras também não sabem como fazer e porque

predomina a cobrança de a criança ir para a primeira série preparada. Na maioria das vezes, a

professora é julgada pelos pais, colegas e sociedade em geral se ela “prepara” a criança

adequadamente para ter sucesso na primeira série, e não se trabalha para que vivencie sua

infância na Instituição de Educação Infantil. Para atender aos anseios da sociedade, a escola,

na maioria das vezes, entra em contradição e passa a desperdiçar espaços propícios que

poderiam promover a formação do cidadão de direitos.

Outra evidência do tipo de pedagogia em ação pode ser obtida conhecendo-se o

processo de acompanhamento do desenvolvimento infantil. Ao final de um ano letivo,

professoras e diretoras esperam que as crianças apresentem alguns avanços. Elas explicitam

atividades que desenvolvem com as crianças:

O pleno desenvolvimento delas. Para isso, realizamos atividades diversificadas: socialização, dança, música, teatro, passeios. D1

Que eles tenham desenvolvido o conhecimento deles,a parte psicomotora. Por isso, são feitas muitas atividades, trabalhos pedagógicos, passeios, danças, festas. A gente comemora todas as festas D2.

Eu acho que o mais importante é você ter contribuído para que eles cresçam como pessoa. O importante, como eu disse pa você, é não tirar deles o que eles têm. O que de mais importante eles têm é o brincar, e junto com esse brincar você desenvolve neles o sentido de solidariedade, de

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aprender a conviver com os outros, a querer bem a si, aos outros e o mundo que os cerca. Nós realizamos diversas atividades, brincadeiras, jogos, contos, histórias de faz de conta, diversas atividades. P10

Além das expectativas e das atividades, procuraram-se informações sobre as

práticas de acompanhamento do progresso da criança no decorrer do ano letivo. Questionou-

se sobre quais aspectos eram observados para considerá-la em condições de avançar para a

turma seguinte, se havia processos avaliativos específicos. Seguem algumas das respostas das

entrevistadas:

Na verdade, dentro da Educação Infantil, não há reprovação. Mas é claro que a gente observa algumas características, alguns desenvolvimentos. Existe uma avaliação descritiva que é entregue semestralmente aos pais, dizendo o que a criança já consegue produzir, o que ela ainda está tentando produzir e se precisa de nossa ajuda e a da família. P2

Eu acho assim: para começar é a idade. Depois, saber distinguir as letras, os números, no meu caso. P4.

Na Educação Infantil o que a gente avalia muito para ver se ela está apta ou não é a questão da maturidade, o desenvolvimento dela. Digamos, no início, ela chegou uma criança X, e, no final do ano, houve uma evolução. Ela se soltou, se comunica mais, ela é mais carinhosa, afetuosa, a gente avalia essa questão. No desenvolvimento da criança, vemos se ela consegue extrapolar o que ela fez ou se é aquela criança que fica reprimida, que não consegue se socializar. P9

Como não tem reprovação, a criança, mesmo que não consiga atingir os objetivos, ela vai para a 1ª série. Mas o trabalho que a gente tem que desenvolver na Educação Infantil é conhecer o seu próprio nome, a maior parte das letras. As palavras trabalhadas, eles têm que dominar, tentar recortar, colar, identificar. P6

Tanto as diretoras quanto as professoras destacaram que a avaliação das atividades

é descritiva, e não há reprovação na Educação Infantil. Após observar as ações cotidianas da

criança, a professora registra no caderno os progressos e / ou dificuldades de cada um na

atividade realizada. Digo isso por ser professora e por também desenvolver essa forma de

avaliação, visto que é uma orientação da Secretaria Municipal de Educação. Há um registro

das ações cotidianas para constatar o desenvolvimento de cada criança e também para

diagnosticar as retomadas necessárias para melhorar o aprendizado de cada um naquele

momento.

Esses registros são apresentados semestralmente à família da criança; e no final do

ano, uma via é arquivada na secretaria das Instituições de Educação Infantil, ficando à

disposição do professor do ano seguinte. Para registro, são levados em conta os aspectos

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afetivo, cognitivo e psicomotor. Esse caderno de registros avaliativos da professora é

rubricado pela diretora da Instituição de Educação Infantil. Após, a professora registra nas

fichas individuais, posteriormente apresentadas aos pais. As diretoras procuram orientar as

professoras das crianças de quatro a seis anos para que desenvolvam dentro da Unidade

Escolar um trabalho pedagógico com a máxima responsabilidade, procurando registrar tudo o

que acontece para depois preencher a ficha avaliativa das crianças de forma descritiva, pois a

Educação Infantil não visa a nota ou conceito.

Considerando a não-obrigatoriedade em relação à atribuição de nota ou conceito

para crianças de zero a seis anos, estas não devem ser avaliadas formalmente como no Ensino

Fundamental. Nesse sentido, os estudos de Hoffmann (1996) apontam para a ocorrência da

avaliação formal na Educação Infantil. Em suas pesquisas, relata a existência de boletins de

acompanhamento das crianças, fichas de avaliação e outros mecanismos, inclusive avaliações

informais, que controlam e vigiam o comportamento e disciplina das crianças que freqüentam

a Educação Infantil. Antecipam-se, assim, as maneiras formais e informais de avaliação

escolar realizadas no Ensino Fundamental.

Segundo Hoffmann (1996, p.12):

[...] o modelo de avaliação classificatória se faz presente nas instituições de educação infantil quando, para elas, avaliar é registrar ao final de um semestre (periodicidade mais freqüente na pré-escola) os comportamentos que a criança apresentou, utilizando-se para isso, de listagens uniformes de comportamentos a serem classificados a partir de escalas comparativas tais como: atingiu, atingiu parcialmente, não conseguiu; muitas vezes, poucas vezes, não apresentou; muito bom, bom ,fraco; e outros.

Ao analisar as fichas de avaliação que, segundo ela, são freqüentemente utilizadas

nas Instituições de Educação Infantil, destaca:

Apresentam, por exemplo, um grande número de itens referentes a atitudes, tais como atendimento a solicitações da professora, organização do material, hábitos de higiene e alimentação. [...] Pareceres descritivos seguem roteiros atrelados à rotina dos professores, que dão o seu “parecer” sobre o comportamento das crianças nas diversas atitudes e momentos da rotina. A partir, também, de uma visão moralista e disciplinadora, elas são julgadas a partir de um modelo ideal de criança obediente, atenta, organizada, caridosa, querida, surgindo as comparações e classificações das atitudes evidentes por elas (HOFFMANN, 1996, p. 26).

A autora enfatiza, ainda, que diversas vezes esses instrumentos são elaborados por

profissionais que não atuam diretamente com as crianças. Algumas vezes, professores

participam do processo apenas aplicando, enquanto os critérios avaliativos são definidos pelos

diretores e / ou outros profissionais. Diante disto, constata-se que a Educação Infantil ainda

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sofre influência de prática do Ensino Fundamental e, com isso, antecipa a seleção e exclusão,

prejudiciais às crianças: “são inúmeros os casos, no país, de crianças ‘reprovadas’ e retidas

em um nível de pré-escola por avaliações bastante questionáveis” (HOFFMANN, 1996, p.

14).

Nesse tipo de processo, o que conta é apenas o olhar do professor; dificilmente a

criança participa do seu processo de avaliação. Hoffmann (1996) acredita que a avaliação

participativa seria a forma adequada para avaliar as crianças. Nesse sentido, “avaliar significa:

refletir, planejar, estabelecer objetivos e questionar-se” (p. 14). A autora ainda afirma que o

processo reflexivo é necessário para possibilitar a mudança da prática avaliativa, o que requer

também “mudança na concepção comum de infância e de criança, isto envolve novas formas

de trabalho e de relações entre crianças e adultos” (p. 14).

3.3 A necessidade da formação continuada para a docência na Educação Infantil

considerando-se as exigências contemporâneas da inclusão

Um dos aspectos centrais ao estudarmos a Educação Infantil diz respeito à formação

dos profissionais que nela atuam. Nesta pesquisa, esse também foi um aspecto importante. De

acordo com a diretora pedagógica, há apoio para os professores cursarem graduação e

especialização na área. “[...] economicamente não existe ajuda do poder público municipal,

mas é viabilizado para que possam cursar”. Conforme apresentado anteriormente, a grande

maioria das professoras tem formação inicial na área da Educação Infantil.

Em relação à formação continuada, a grande maioria possui apenas os cursos

oferecidos pela Secretaria Municipal de Educação e Universidade do Oeste de Santa Catarina.

As diretoras e professoras enfatizam que, na maioria das vezes, os cursos são direcionados às

Séries Iniciais do Ensino Fundamental. Mesmo tendo um número considerável de horas na

formação continuada, poucos são aqueles voltados para a área.

Cabe ressaltar que, nas falas, se menciona recorrentemente a participação em um

curso de Educação Ambiental, o qual possuía uma carga horária significativa (270 horas). O

referido curso foi conveniado entre uma empresa que estava construindo uma barragem nas

proximidades da sede do município, a UNOESC e as prefeituras da região.

Alguns professores foram convidados pelas Secretarias Municipais de Educação

para participar do curso. O conteúdo do curso voltou-se prioritariamente ao Ensino

Fundamental, cujo objetivo era trabalhar com os alunos aspectos relativos à preservação do

meio ambiente. Parece haver um contra-senso, pois a mesma empresa que financiava a

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formação docente para realizar práticas pedagógicas de preservação ambiental, possivelmente,

é a mesma que provoca muitos danos à natureza quando altera o meio ambiente por meio da

construção das barragens. Não se está contra os benefícios que o empreendimento oferece,

mas também é preciso refletir sobre os prejuízos que os avanços tecnológicos e industriais

podem causar para a população, pois esta é parte da natureza.

De acordo com a diretora pedagógica, a Secretaria da Educação oferece cursos de

capacitação padronizados14 no início, meio e fim de ano. A diretora pedagógica ressalta

também que: “[...] As unidades de Educação Infantil são autônomas para propiciarem seus

próprios momentos e fazerem essa troca de experiência na unidade de ensino”. Tal

informação é confirmada pela P1 ao relatar que a Secretaria oferece poucos cursos: “deveria

ser muito mais. Na verdade, é pouco o que a gente faz na Educação Infantil”.

Ao ser questionada sobre o mesmo assunto, a D1 afirma que realizou cursos “mais

direcionados às Séries Iniciais. A Educação Infantil, não”. Já a D4 aponta a realização de um

maior número de cursos. Em suas palavras: “a gente sempre está fazendo cursos. Só na

Educação Ambiental, tenho 270 horas, mais 80 horas na Educação Infantil”.

Como se pode observar nas falas, a ênfase na formação continuada oferecida pela

Secretaria Municipal de Educação é centrada nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental;

pouca formação é oferecida para a Educação Infantil.

Outra forma de aprofundar conhecimentos docentes é por meio de grupos de

estudos15, pois os participantes, ao estudarem os textos escolhidos, discutem e compreendem

conceitos, conhecem outras teorias, entram em contato com diferentes realidades e

experiências relacionadas ao tema estudado. Essas condições propiciam interação do grupo e

podem subsidiar a construção, ampliação e revisão de projetos pedagógicos que, em se

tratando de Educação Infantil, podem contribuir para a formação docente, visando a constituir

uma pedagogia da infância. Para Paixão (2004, p. 84), se a instituição de Educação Infantil

“deve ajudar as crianças na construção do seu conhecimento, então as professoras também

têm de construir conhecimentos acerca das crianças, para organizar um ambiente facilitador

de aprendizagem”.

Ainda, segundo Demo (1993, p. 245), a responsabilidade da construção de um

projeto pedagógico requer:

14 Todas as professoras participam dos cursos que a Secretaria Municipal considera importantes, sem ouvir a necessidade dos professores.15 Um grupo de estudos pode ser formado por um conjunto de profissionais que se reúnem por um tempo determinado e regular (semestral ou mensal) com objetivos comuns, ou seja, para estudar, para aprender, compreender algo que desconhecem ou de que têm apenas um conhecimento inicial.

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[...] o fazer e o refazer incessante da capacidade científica dos professores, motivando-os a trabalhar coletivamente, a revisarem sempre sua formação, a buscarem a atualização constante, a realizarem a escola como obra comunitária de todos, sob a liderança competente do grupo de professores.

Se assim for, os professores participantes de grupos de estudos poderão construir

propostas coletivas comuns de trabalho adequado às concepções de infância, bem como

compreender os desafios que a contemporaneidade apresenta.

Um desses desafios é o processo de inclusão. Quando a pesquisa foi realizada,

houve o ingresso de cinco crianças com necessidades educativas especiais nas turmas de

Educação Infantil. Esse foi um dos motivos que levou à formação de um grupo de estudos

muito produtivo em uma das escolas. O grupo de estudos reunia mensalmente as professoras,

a diretora e os especialistas (fonoaudióloga, psicóloga e médico) para discutir as necessidades

especiais existentes em sala de aula, as síndromes e como trabalhar com elas.

Com base nessa experiência que vivenciei, procurou-se saber se outras colegas

professoras já haviam participado dessa alternativa de formação continuada. Percebeu-se que

as entrevistadas confundiram grupos de estudos com reuniões pedagógicas. Três professoras

afirmaram que sua Instituição de Educação Infantil não possuía grupos de estudos, e sete

responderam que realizam paradas mensais, normalmente reuniões pedagógicas, em que lêem

e discutem assuntos relativos à Educação Infantil. Já as diretoras afirmaram que não possuem

grupos de estudo, mas, conforme a necessidade e as dificuldades do dia-a-dia, tratam e

estudam o assunto em reuniões pedagógicas, em que essas dificuldades são debatidas,

promovendo-se a troca de idéias e de experiências que ajudam a solucionar os problemas.

Observou-se que muitas professoras insistem na troca de experiências como ponto positivo e

enriquecimento da prática pedagógica.

Quanto às leituras realizadas pelas entrevistadas na área da educação, foram

citadas: Revista do Professor, Revista Nova Escola, Revista Pátio, livros e o Referencial

Curricular Nacional para a Educação Infantil. Além disso, mencionam a leitura de livros sobre

a alfabetização. Alguns autores também foram lembrados, como: Vigotsky, Le Bouche, Jairo

de Paula, Ruth Rocha. As informações evidenciaram que a ênfase recai sobre uma bibliografia

concentrada nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental. Além disso, as revistas citadas são

importantes, mas pouco divulgam as pesquisas acadêmicas, havendo predomínio de relato de

experiências. Considera-se importante a leitura de experiências realizadas, mas é preciso

aprofundamento teórico de autores, de conceitos, de conhecimento de pesquisas acadêmicas.

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Talvez, futuramente, esta pesquisa e os estudos feitos transformem-se em

oportunidades para contribuir com outras colegas da área. Na trajetória do curso de Mestrado,

o contato com leituras e pesquisas acadêmicas recentes na Educação Infantil abriu caminhos

para buscar os conhecimentos novos produzidos na área. A divulgação das pesquisas sobre

Educação Infantil é um desafio a ser superado, pois a maioria das produções dessa natureza

não chega aos professores que atuam cotidianamente nas salas de aula. Para Rocha (1999, p.

139),

[...] faz-se necessário investigar quais os canais de informação e circulação do conhecimento recente produzido pela pesquisa acadêmica, de forma a conhecer os canais de acesso a esta produção e a interlocução que consegue estabelecer com a realidade da qual se originou.

O conhecimento das múltiplas experiências realizadas na Educação infantil

descritas nas pesquisas, as teorias e conceitos estudados e os próprios resultados podem

contribuir para o professor da Educação Infantil enxergar outras possibilidades de ação

educativa na sala de aula, construindo outros jeitos de ver e de trabalhar.

A ação educativa exercida por professores ou outros profissionais que trabalham

com educação depende de situações planejadas num espaço educativo. O referencial teórico

atualizado e o compromisso do educador em mudar a sociedade através do tipo de pessoa que

pretende formar vêm a ser razões para o professor ou responsável pela criança na Instituição

de Educação Infantil continuamente buscar subsídios para aprimorar o desempenho de suas

funções. Nesse sentido, Kramer (1994, p. 19) menciona:

[...] só é possível concretizar um trabalho com a infância voltada para a construção da cidadania e a emancipação se os adultos envolvidos forem dessa forma considerados. Isso implica o entendimento de que os mecanismos de formação sejam percebidos como prática social inevitavelmente coerente com a prática que se pretende implantar na sala de aula, implica salários, planos de carreira e condições de trabalho digno.

São muitos os desafios para os profissionais que atuam na área da Educação

Infantil. Desafios que vão desde as políticas públicas e a definição das funções dos

professores até a relação entre instituições, famílias, crianças, entre outros. É necessário,

então, planejar qual o projeto de sociedade pelo qual a Educação Infantil deseja lutar. A luta

estende-se também para garantir as condições necessárias a sua concretização na prática. Uma

dessas condições é a permanente formação dos professores de Educação Infantil, considerada

insuficiente pelas entrevistadas, conforme as falas apresentadas no decorrer deste estudo.

A formação dos profissionais de Educação Infantil é uma preocupação das

entrevistadas devido a vários fatores. Um deles diz respeito a uma exigência da Lei de

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Diretrizes e Bases da Educação Nacional - 9394 / 96, que propõe em seu artigo 87 parágrafo

quarto: “Até o final da Década da Educação16, somente serão admitidos professores

habilitados em nível superior ou formados por treinamentos em serviço”. Isso pode justificar a

preocupação e busca de formação continuada.

A diversidade de crianças recebidas nas instituições, requer propostas que atendam

às suas especificidades. Portanto, é preciso uma formação atualizada para lidar com as

crianças dessa desta época. Uma política de formação profissional continuada pode estimular

o convívio de propostas cotidianas diferentes.

Ao sentirem necessidade de mais formação continuada, percebeu-se que as

entrevistadas desejam a melhoria de suas práticas pedagógicas, talvez, com isso, revendo

concepções meramente assistencialistas ou escolarizantes para construir uma Pedagogia da

Infância. Isso é de grande relevância, pois incorporar novas interpretações exige repensar o

modelo de conhecimento, cuidado e educação atualmente em uso na Educação Infantil. Além

disso, seu compromisso social enquanto professoras da Educação Infantil deve estar em

consonância com as exigências sociais da contemporaneidade.

A formação do profissional da Educação Infantil adequada à concepção de criança

cidadã, sujeito de direitos, exige repensar o perfil desse professor. É necessário oportunizar o

acesso além da formação inicial, Magistério ou Graduação, que propicie ao professor o

desenvolvimento de habilidades e capacidades para que possa trabalhar a indissociabilidade

do cuidado e da educação nas ações cotidianas realizadas nas Instituições de Educação

Infantil.

Em relação à formação continuada, a Proposta Curricular de Santa Catarina (1998,

p.103) esclarece que:

Todos sabemos, para dizer em poucas palavras, que a valorização do professorado passa pelo investimento na qualidade de sua formação profissional. Mesmo supondo que os professores saiam da universidade com formação razoável, ainda é necessário garantir a formação continuada. Um dos requisitos para tal é dar-lhes possibilidade de acesso às pesquisas aplicadas. E isso se faz através de encontros regulares, com algum tipo de acompanhamento e coordenação, que permitam o contato constante com o que está sendo discutido. De qualquer forma, supõe-se que seja possível um trabalho integrado na própria escola. Os professores, em consonância com o Projeto Político Pedagógico, devem desenvolver seu trabalho, somando esforços na caminhada para a conquista da cidadania.

A formação continuada é um elemento fundamental para construir a identidade

dos professores e tem desdobramentos na organização administrativa e pedagógica das

Instituições de Educação Infantil, bem como nas realidades em que estão situados. Porém, as 16 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional refere-se ao período de 1997 a 2007.

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mudanças educacionais não ocorrem por decreto ou apenas pela determinação de quem detém

o poder. Elas efetivamente ocorrem no interior das escolas e salas de aula, por meio das

práticas concretas de todos aqueles que lidam com a educação.

Ainda, de acordo com o documento curricular catarinense, ao aceitar que as

mudanças se constroem gradativamente e pela ação dos professores por meio da docência que

é exercida na concretude do cotidiano e do aprimoramento teórico, “torna-se necessário

(re)inventar as práticas formativas de modo que a Educação Infantil seja contemplada com

maior número de horas nos cursos” (p. 104). Isso pode contribuir para a realização de um

trabalho qualificado e contextualizado na área, envolvendo os diversos mundos da infância.

Não é apenas o aumento do número de horas de aperfeiçoamento contínuo que se

faz necessário; é também urgente discutir, nas ações de formação, as políticas inclusivas que

estão levando os alunos para as salas de aula da escola regular. Na última década, tem-se

observado um crescimento de matrículas de alunos com necessidades educativas especiais nas

redes pública e privada. Até o início do século XXI, as políticas públicas para Educação

Básica foram pouco expressivas para acolher esses alunos nas escolas públicas e do ensino

regular, mesmo existindo preceitos constitucionais e a própria Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional – 9394/96.

Enfocando a inclusão, Lopes (2005a) destaca que há múltiplas possibilidades de

discussão entre professores sobre a inclusão das diferenças na escola. Alguns textos

apresentam a inclusão como solução dos problemas sociais, “como possibilidade de promover

desafios para aqueles ditos ‘com deficiência’ e de promover a solidariedade e humanização

daqueles ditos ‘normais’” (LOPES, 2005a, p. 1). O tema inclusão vem sendo freqüentemente

debatido em livros e textos oficiais, no entanto, nas dimensões políticas, nada temos de

garantia que isso venha a diminuir o processo de discriminação e segregação das pessoas

consideradas deficientes.

A autora destaca que a inclusão pode ser geradora de mudança na prática cotidiana

das instituições, pois os conflitos e tensões entre os sujeitos envolvidos podem fazer surgir

espaços de negociação, desde a forma de aprender e como aprender até a forma de ser e estar

no mundo.

É da diferença que podem nascer movimentos escolares que rompam com aquilo que não queremos ou com pedagogias que olham para a aprendizagem como processos distantes da experiência vivida e pensada no coletivo (LOPES, 2005a, p. 2).

Sob o discurso de que os indivíduos com necessidades educativas especiais

possuem características físicas, emocionais e mentais que exigem tratamento diferenciado,

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eles são excluídos dos meios ditos normais e regulares de ensino. Surgem, assim, as

instituições de educação especial no Brasil em 1854, quando D. Pedro II fundou o Instituto

dos meninos cegos no Rio de Janeiro (BUENO,1999).

Pelo que foi pesquisado, percebe-se que, para a implementação de uma escola

inclusiva, precisa-se repensar a arquitetura dos locais e das vias públicas, bem como rever as

formas de comunicação para criar condições de interlocução, respeitando-se as necessidades

especiais em suas individualidades. Ainda é preciso estabelecer relações de parceria com

serviços públicos ou particulares que atendem de forma especializada esses sujeitos para que

possam usufruir do ensino da escola regular. O processo inclusivo requer uma atitude

reflexiva, inovadora, criativa, de estudo e pesquisa em relação às metodologias didáticas e

curriculares, as quais devem adaptar-se às necessidades das crianças.

Sabendo que a lei exige inclusão de crianças com necessidades educativas

especiais, o município investigado tem proposto raras discussões sobre o assunto. Devido a

isso, as professoras e diretoras entrevistadas declaram que sentem a necessidade de participar

de cursos que as auxiliem a trabalhar com crianças que têm necessidades educativas especiais.

Ao serem perguntadas se existem ou se tiveram cursos de formação continuada para trabalhar

com esse tipo de criança, afirmaram:

Só aquele curso do Fachion17, no ano passado. Eu acho que tem que ser um curso muito bem feito, e não de um dia ou dois, ou uma semana. E que se convidasse para participar professores que dissessem assim: eu tenho afinidade com isso e quero trabalhar com isso. Aí, você faria um curso muito bem feito, em que você se preparasse, e não fazer por fazer. P1

Não existem, mas acho que teria que existir. P5.

Olhe, nós tivemos no ano passado um curso, mas não atendeu toda a demanda de professores. Tivemos 40 horas de curso, e isso não prepara você, só te dá uma noção mínima. P7

Como nossa escola não possui crianças portadoras de necessidades especiais, eu não tenho conhecimento de nenhum programa, mas acredito que tenha. P9

Essa última fala parece mostrar que “naturalmente” deveria haver cursos nessa

área e que quando o professor recebesse algum aluno, seria só fazer o curso que teria o

conhecimento necessário para trabalhar com crianças com necessidades especiais.

Trabalhar com essas crianças na Educação Infantil exige professores com

formação e condições de trabalho nessa área: menos alunos na sala e presença de um

17 Profissional que ministrou curso no município de Campos Novos / SC sobre a inclusão de pessoas com necessidades educativas especiais. Era especializado em conhecimentos neurolinguísticos e neurocientíficos.

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professor auxiliar para desenvolver atividades que atendam às necessidades específicas de

cada criança.

Interrogadas se há crianças com necessidades educativas especiais e como

trabalhar com elas, as professoras e diretoras assim se manifestaram:

Eu acredito que, se fosse para escolher, ninguém escolheria trabalhar com essas crianças, pela falta de preparo do professor, porque é bem complicado. É muito fácil colocar uma criança dentro de uma sala, e daí, como que você vai trabalhar? P1

[...] Procuramos trabalhar junto com os outros. Então, eu acho que não há o por que você fazer trabalhos diferenciados. P10

Chamaram a atenção algumas falas que mostraram haver crianças com

necessidades especiais procurando a escola, mas, quando a escola constata suas

características, em seguida as encaminha par a APAE18.

Na minha sala, temos um caso. A família já encaminhou para vários exames. No momento, está meio difícil de direcioná-la para a APAE, porque a mãe não aceita essa dificuldade da criança. Em princípio, trabalho dentro de uma turma normal junto com os outros e dentro da normalidade da sala e da escola. Não é direcionado um acompanhamento especial. Claro que se respeitam os limites dela, as potencialidades dela. A gente faz com que ela não se sinta excluída. P2

Eu ainda não recebi, então, não saberia dizer qual seria o tratamento. Porque, geralmente, as crianças com problemas já são encaminhadas para a APAE, eles não ficam aqui. P6

Quando se perguntou se havia aceitação dos professores e colegas em relação às

crianças com tais características, obteve-se como resposta:

Eu acho que sim, porque essa inclusão é uma coisa que vem acontecendo há muito tempo. A gente conversa bastante com as crianças. Claro que as crianças são imprevisíveis quanto aos seus sentimentos e quanto aos seus comportamentos. Com certeza, a algumas vezes, há essa discriminação. P2

Eu considero que deveria ser feito um trabalho de aceitação, de socialização, de respeito à diferença, porque ainda sinto que há muita discriminação. P8

As Instituições de Educação Infantil não oferecem capacitação específica para a

área. Na maioria das vezes, como anteriormente mencionaram as entrevistadas, os cursos

18Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. Em Campos Novos / SC, a APAE Menino Deus presta atendimento às crianças com necessidades educativas especiais. São professores, especialistas, fonoaudiólogos, psicólogos, médicos, fisioterapeutas e familiares dessas pessoas que, com ajuda do Estado, do Município e de entidades beneficentes, lutam pela conquista da cidadania desses seres humanos.

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oferecidos pela Secretaria Municipal de Educação são voltados às Séries Iniciais do Ensino

Fundamental.

Lopes (2005b) relata que a inclusão não é um compromisso único e prioritário da

escola, também reforçando a idéia de que a escola inclusiva exige redefinições e uma outra

estrutura - implica desarrumar o que se imaginava estar arrumado. Não é tão simples, “não

basta sabermos diagnósticos, metodologias e com tanta segurança dizermos quem é o outro

com quem vamos trabalhar e nem mesmo basta fazermos meras adaptações curriculares para

ter uma escola inclusiva”. A autora faz um alerta quanto à compreensão sobre a adaptação.

Segundo ela, “adaptação pressupõe que o último a chegar - causando curiosidade e estresse -

não pertence àquele lugar criado efetivamente para alguns” (LOPES, 2005b, p. 1).

O “desarrumar a casa” é uma necessidade. A capacidade de tirar as coisas do lugar

para poder olhar de outra maneira é uma forma para se trabalhar atento às necessidades

individuais de cada um dos incluídos. Lopes (2005b) pensa inclusão a partir de alguns

questionamentos: em quais bases o projeto de inclusão se alicerça? Que condições têm as

escolas para tornarem-se inclusivas? Que capacidades possuem os professores e quais as

condições que têm para atender às diferentes necessidades?

Quanto ao número, as diretoras enfatizaram que as Instituições de Educação

Infantil do município de Campos Novos / SC contam com poucas crianças com necessidades

educativas especiais. As professoras confirmaram que havia poucas crianças com

necessidades especiais na sala. Algumas apresentavam situações específicas, como as

relacionadas à fala, e foram encaminhadas à fonoaudióloga. A mãe acompanha o tratamento,

levando a criança até o consultório. Em alguns casos, as professoras recebem orientações da

fonoaudióloga para fazer exercícios dirigidos às crianças.

Na época em que foram realizadas as entrevistas, havia duas Instituições de

Educação Infantil com apenas cinco crianças com necessidades especiais. No momento da

pesquisa, sentiu-se que a inclusão dessas crianças não é gradativa na comunidade escolar. As

professoras sabem que, a qualquer momento, podem receber essas crianças, porém, como

mencionaram, ainda não se sentiam preparadas, havendo uma necessidade urgente em

adequar-se à nova realidade.

Em relação ao trabalho com essas crianças, segundo as professoras, seria

normalmente, respeitando seus limites e potencialidades para que não se sentissem excluídas,

mas algumas acreditam que é necessária uma maior conscientização das crianças ditas

“normais” no que diz respeito à aceitação das crianças com necessidades especiais, pois

ainda consideram que há discriminação por parte de algumas crianças.

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A partir da pergunta “Como você analisa o processo de inclusão das crianças com

necessidades especiais na Instituição de Educação Infantil”, observam alguns indícios das

concepções que as professoras e diretoras possuem acerca do assunto.

Eu acho bastante complexo, até porque é difícil para nós, até porque não estamos preparadas. Nós precisamos de mais cursos, de conhecimentos para trabalhar essas crianças. D1

Há, ainda, aquelas que consideraram o trabalho com essas crianças de zero a seis

anos mais fácil, tranqüilo e natural do que no Ensino Fundamental.

Já tive oportunidade de trabalhar com crianças portadoras de necessidades educativas especiais – deficiência auditiva, com a Maria. Acho que, na Educação Infantil, ainda esse processo é mais tranqüilo, acontece naturalmente. É mais fácil de trabalhar do que no Ensino Fundamental. P8

As professoras envolvidas solicitam mais oportunidades de aquisição de

conhecimentos para desenvolver práticas docentes, tanto no trabalho com crianças ditas

“normais” quanto com aquelas com necessidades especiais. Porém, conforme indicou a

pesquisa, os professores deixam claro que não têm preparo profissional para atuar junto a

essas crianças, pois são poucos os cursos de capacitação oferecidos. Também ainda são

poucos os alunos com necessidades especiais que chegam à Educação Infantil. Aqui se

questiona: onde estão esses alunos? Nas APAEs? Em casa? Ao que tudo indica, o assunto

“aparece” quando uma criança com necessidades educativas especiais precisa ingressar na

escola.

Destaca-se também que as matrizes curriculares que formam o Profissional da

Educação, tanto em nível de Ensino Médio, quanto em nível Superior e até mesmo nos cursos

de Pós-Graduação da área da Educação, pouco ou quase nada abordam sobre o tema. Isso faz

pensar na necessidade de pesquisar sobre a questão, ou seja, saber quantas são essas crianças,

onde estão e que trabalho está desenvolvido com elas. Essa é uma idéia para próximas

pesquisas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criança e sua educação em cada sociedade são objetos de discussão, conforme

relatam os historiadores como Ariès (1981) e Kulhmann (2001). Os autores revelam inúmeras

concepções de infância, que variam de acordo com os tempos e lugares, ou seja, com a

sociedade, o momento histórico, a cultura e o local geográfico em que a criança está inserida.

É impossível pensar a criança deslocada da sociedade, da história e da cultura.

Nas Universidades, a questão da educação da criança passou a ser discutida com

maior ênfase nas últimas décadas, especialmente nos Programas de Pós-Graduação em

Educação, talvez devido aos avanços legais (Constituição Federal de 1988; Estatuto da

Criança e do Adolescente – ECA, 1990; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –

LDBEN, 9694/96) que declaram os direitos da criança cidadã. Observa-se, então, que a

Educação Infantil, a partir das últimas décadas (80 e 90), vem se consolidando nas

Universidades como objeto de estudo e que hoje já se tem disponível uma gama de produções

científicas na área que permitem vislumbrar esse conhecimento.

Objetivando investigar como ocorre a formação continuada dos docentes que

trabalham na Educação Infantil do município de Campos Novos/SC, visando ao

desenvolvimento da criança como sujeito de direitos e deveres, tracei as questões norteadoras

da pesquisa para conhecer que pedagogias estão sendo priorizadas e como estas vinham sendo

operacionalizadas em seu cotidiano, tentando diferenciar Pedagogia da Infância e Pedagogia

Escolar ou Escolarizante.

A Pedagogia da Infância tem como objeto de preocupação a própria criança, seus

processos de constituição como ser humano em diferentes contextos sociais, suas capacidades

intelectuais, criativas, estéticas, expressivas e emocionais. As peculiaridades da criança, nos

primeiros anos de vida, antes de ingressar na escola fundamental, não na condição de aluno,

mas como sujeito-criança em constituição, exige pensar em objetivos que contemplem

também as dimensões de cuidado e outras formas de manifestação e inserção social próprios

desse momento da vida. Por sua vez, a Pedagogia Escolar é um campo do conhecimento que

aborda as práticas da escola e seus processos educativos. A Pedagogia Escolar, ou

Escolarizante, prima pela prática escolar.

A Pedagogia da Infância visa a atender a criança como um ser que tem direito a

vivenciar sua infância. Rocha (1999) aponta que a Pedagogia Escolar versa em torno da

disciplina, imposição de regras, em que a passividade e a aceitação de condutas são constantes

por parte dos professores, com base na oferta e na repetição de informações. Já a Pedagogia

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da Infância prima pelo trabalho com a criança de direitos e deveres, que vivencia sua infância

pelo viés da autonomia e da coletividade, ampliando as possibilidades de concepção sobre o

mundo que a cerca. Trata-se de ações pedagógicas dinâmicas na condução dos projetos

educativos, tendo como meta melhor compreender as especificidades da vida infantil e seu

vínculo social e histórico. É uma pedagogia de respeito às individualidades da criança em seu

próprio tempo, privilegiando seu processo educativo contextualizado. Enfim, percebe que a

infância é um tempo de direitos reconhecidos e assegurados por lei específica, conforme já

citado anteriormente.

Com a leitura das informações coletadas, foi possível tecer algumas

considerações. As pesquisadas ainda vêem o trabalho com a Educação Infantil como um

desafio, reforçando a necessidade de se investir mais na formação continuada e específica na

área, no sentido de oferecer conhecimentos teóricos e práticos que lhes permitam desenvolver

um trabalho educativo em que a criança venha ser considerada um sujeito histórico e cultural.

Há também a preocupação com a inadequação dos espaços físicos das escolas

para receberem as crianças, bem como a necessidade de propostas pedagógicas inclusivas

para trabalhar com as crianças com necessidades educativas especiais. Diante da

complexidade do processo de inclusão dessas crianças, as entrevistadas sentem-se

despreparadas para trabalhar com elas, mas têm conhecimento da obrigatoriedade em recebê-

las nas Instituições de Educação Infantil. Ao mesmo tempo, precisam de formação continuada

específica na educação inclusiva, necessitando que programas específicos na área venham

subsidiá-las no processo inclusivo com maior probabilidade de êxito.

Com base nos depoimentos coletados, percebe-se também a necessidade de um

investimento maior na criança, e não apenas da oferta de maior número de vagas nas

Instituições para a faixa etária de quatro a seis anos, para que se oportunizem momentos

pedagógicos em que a criança vivencie sua infância também na escola, gerando maior

qualidade de vida. Por isso, as políticas educacionais precisam oferecer oportunidades para o

desenvolvimento cognitivo, físico e afetivo a todas as crianças, respeitando as diferenças.

Pode-se dizer que, nas Instituições de Educação Infantil de quatro a seis anos de

idade da realidade pesquisada, há o predomínio de uma Pedagogia Escolarizante. De acordo

com as falas das entrevistadas, evidenciamos a Pedagogia Escolarizante em quatro aspectos:

nas rotinas, nos conhecimentos escolhidos e trabalhados, nas expectativas, no

acompanhamento das crianças. Diante disso, percebe-se que há várias razões para a opção das

entrevistadas pela Pedagogia Escolarizante. A maior delas, talvez seja cobrada pela sociedade

para a inserção das crianças no processo de alfabetização desde a mais tenra idade. Outra

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hipótese é a de que as professoras entrevistadas optaram por ações pedagógicas escolarizantes

por receio de permanecerem na maternagem; uma outra hipótese, ainda, seria a do pouco

domínio da Pedagogia da Infância. Conforme já mencionado, Cerisara (1996) afirmava que

profissionais de Educação Infantil, para não realizarem um trabalho de maternagem, acabam

desenvolvendo uma Pedagogia Escolarizante.

As profissionais que atuam na Educação Infantil das Instituições da rede municipal

de ensino em Campos Novos/SC, foco desta pesquisa (a Diretora Pedagógica, as Diretoras e

Professoras da Educação Infantil), não fogem à realidade da constituição histórica dessas

profissões: são profissões que se constituíram no feminino e que trazem consigo a marca dos

papéis sexuais dicotomizados e diferenciados, em que a socialização feminina tem como eixos

fundamentais o trabalho doméstico e a maternagem. Hipoteticamente, outro aspecto que

também contribui para a efetivação da prática escolar é a experiência de vida das docentes,

que, na sua grande maioria, se encontram com 10 a 20 anos de carreira profissional. Essa

experiência de vida contribuiu para introdução de processos de ensino e aprendizagem

utilizados no Ensino Fundamental.

Apesar de suscitarem a busca de uma pedagogia para as crianças, as entrevistadas

mantiveram as mesmas práticas e atividades voltadas à preparação das crianças para o

ingresso no Ensino Fundamental. Trata-se de uma realidade contraditória, pois os espaços das

Instituições de Educação Infantil não devem ser locais destinados apenas ao preparo para o

Ensino Fundamental. Entende-se a Educação Infantil como um tempo de oportunidades de

desenvolvimento infantil, pois as crianças estão crescendo em todos os aspectos. Portanto, as

ações de cuidado e de educação precisam estar associadas e articuladas nos projetos

pedagógicos cotidianos promotores de aprendizagens adequadas a cada faixa etária.

Constatou-se que a grande maioria das pesquisadas iniciaram o trabalho na Educação

Infantil pelo interesse em fazer parte do quadro efetivo do magistério público municipal.

Como sua maior experiência docente era no Ensino Fundamental, levaram práticas

escolarizadas para o cotidiano da Educação Infantil. No decorrer do tempo, as professoras

sentiram a necessidade de aperfeiçoar-se na área, cursando graduação e especialização, e hoje

sentem-se apaixonadas pelo trabalho com a Educação Infantil. Demonstram interesse em

investir mais na formação continuada na área infantil e na educação inclusiva, pois entendem

que a contemporaneidade exige um profissional de Educação Infantil reflexivo em constante

formação, preparado para trabalhar com a pluralidade cultural das crianças e seus direitos de

cidadãs.

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Chama-se a atenção para a indicação de que, mesmo com um número

considerável de docentes habilitados na área, ainda não se tem clareza quanto à diferença

entre PCNs e o RCNEI e seus objetivos. Isso evidencia a necessidade de estudos e discussões

que venham contribuir para ampliar a visão crítica do referido documento, que, em muitos

momentos, vê a questão da qualidade na Educação Infantil como compromisso do próprio

professor da área.

Não se quer aqui, pura e simplesmente, criticar as professoras da Educação

Infantil por qualquer que seja sua atitude, embora algumas práticas descritas sejam

inaceitáveis. É importante ressaltar que estudos na área já apontavam que as professoras

tomam algumas atitudes e desenvolvem práticas muitas vezes não desejáveis por

encontrarem-se sozinhas na realização de seu trabalho. Para Corrêa (2003), esse

individualismo é a idéia de que cada um isoladamente é responsável pela qualidade de seu

trabalho, fruto do pouco investimento na formação em serviço no âmbito da própria unidade

escolar. São políticas que reforçam o individualismo e o isolamento. Ainda enfocando a idéia

de Corrêa, pouco se tem feito além de denúncias sobre a falta de qualificação ou de

competência técnica para que os profissionais da Educação Infantil realizem reflexões em

torno de suas práticas, problematizando-as em busca de formas coletivas para que seu

trabalho venha a acontecer com as transformações almejadas. O importante é trabalhar o

emocional e cognitivo da criança, desencadeando momentos ímpares de descobertas

prazerosas e dando sentido à vida das crianças.

Diante da complexidade das crianças e dos ambientes educativos institucionais, o

caminho é prosseguir aprendendo, produzindo ações capazes de modificar significativamente

o meio em que as crianças vêm sendo constituídas. Os poderes públicos responsáveis pela

coordenação dos projetos direcionados à Educação Infantil poderiam promover um trabalho

fundamentado na articulação entre teoria e prática desenvolvida na cotidianidade para que os

professores se tornem investigadores de sua própria prática pedagógica e da construção

coletiva desse saber. Essas ações, além de promoverem a integração do grupo de professoras,

possibilitam a melhoria do atendimento das crianças e determinam a qualificação de sua

educação. Isso é possível a partir de uma atitude de escuta da criança por parte do professor, o

que problematizará as situações que provocarão as construções de conceitos sem

fragmentação.

Espera-se, com esta pesquisa, desencadear reflexões sobre o fazer cotidiano dos

profissionais da educação envolvidos com a Educação Infantil para elaboração de projetos

que venham a contribuir para o aprimoramento da prática pedagógica. Da mesma forma,

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abrem-se também possibilidades de novas investigações e aprofundamentos nos vários

assuntos abordados, bem como a criação do Grupo de Estudos sobre a Educação Infantil,

encaminhando discussões sobre a inclusão das crianças com necessidades educativas

especiais, tema relevante e de interesse na condição de pesquisadora no momento.

É interessante registrar aqui: que após a realização da pesquisa, das leituras

realizadas, das análises construídas e da apresentação para a banca examinadora, emerge uma

discussão bastante importante relacionada com a dicotomia entre a Pedagogia Escolar e

Pedagogia da Infância. As contribuições das professoras examinadoras suscitaram o

questionamento sobre a terminologia “Pedagogia Escolarizante”, embora ela seja utilizada por

vários autores, pois parece que se está contribuindo com o argumento de que o que é escolar é

ruim. A Educação Infantil ocorre em Escolas Infantis. A Pedagogia para a Infância pode ser

considerada escolar e ser uma pedagogia que atenda as condições da infância contemporânea.

KUHLMANN (2001) auxilia a problematizar essa dicotomia quando afirma:

Se a especificidade da Educação Infantil mostra o quanto não faz sentido tratar o pedagógico como algo purificado da contaminação da família, da guarda e do cuidado da criança pequena, não poderíamos, para sermos conseqüentes, nos envergonhar também do caráter escolar da educação infantil. Se estas instituições são educacionais e apenas foram integradas ao sistema educacional do país após muitas lutas, das quais participaram a grande maioria das pessoas que pesquisam e trabalham nessa área, não cabe agora caracterizá-las exclusivamente em distinção aos níveis subseqüentes da educação básica (p.60).

Mais adiante ele reforça:

A instituição pode ser escolar e compreender que uma criança pequena, a vida é algo que se experimenta por inteiro, sem divisões em âmbito hierarquizados, que para ela, a ampliação do seu universo cultural, o conhecimento do mundo, ocorre na constituição de sua identidade e autonomia, no interior do seu desenvolvimento pessoal e social, diferentemente da segmentação proposta. Quando se indica a necessidade de tomar a criança como ponto de partida, quer-se enfatizar a importância da formação profissional de quem irá educar essa criança nas instituições de educação infantil. Não é a criança que precisaria dominar conteúdos disciplinares, mas as pessoas que a educam (p. 65).

Essas discussões são de grande relevância para pensar na continuidade deste

trabalho em futuros projetos de pesquisa.

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SAYÃO, Deborah Thomé. Corpo e Movimento: alguns desafios para a educação infantil. Revista Eletrônica Zero a seis. Florianópolis: Núcleo de Estudos e Pesquisas da Educação de zero a seis anos. n. 5, jan/jul, 2002. Disponível no site http://www.ced.ufsc.br/~zeroseis/artigos5.html. Acesso em 31 de janeiro de 2006.

SCHEIBE, Leda; AGUIAR, Márcia Ângela. Formação de profissionais da educação no Brasil: o curso de pedagogia em questão. Educação e Sociedade. Campinas: CEDES, v. 20, n. 68, dez. 1999, p. 220-238.

SILVA, Ana Paula Soares; ROSSETTI-FERREIRA, M. Clotilde. Desafios atuais da Educação Infantil e da Qualificação de seus Profissionais: onde o discurso e a prática se encontram? 23ª Reunião da ANPED. Caxambu-MG: ANPED, 2000. Disponível no site http://www.anped.org.br/23/textos/0707t.PDF. Acesso em 23 de dezembro de 2005.

STRENZEL, Giandréia R. A Educação Infantil na produção dos programas de pós-graduação em Educação no Brasil. – Indicações pedagógicas das pesquisas para a educação da criança de 0 a 3 anos. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2000 (Mestrado em Educação).

TRISTÃO, Fernanda Carolina Dias. Ser Professora de Bebês: um estudo de caso. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2004 (Mestrado em Educação).

TOMAZZETTI. Cleonice Maria. Pedagogia e infância na perspectiva intercultural: implicações para a formação de professores. Florianópolis: UFSC, 2004. (Doutorado em Educação).

UNICEF. Declaração dos Direitos da Criança. Disponível no site: www.unicef.org/brazil/decl_dir.htm. Acesso em 06 de julho de 2006.

______. UNICEF no Brasil e no mundo. Um pouco de nossa história. Disponível no site http://www.unicef.org.br. Acesso em 20 de junho de 2006.

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ANEXOS

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A N E X O I

ROTEIRO DE ENTREVISTA - DIRETORA PEDAGÓGICA

1.Dados de Identificação:

•Idade:

•Tempo de serviço no magistério:

•Experiência profissional:

•Tempo de serviço no cargo ou função atual:

•Tempo de trabalho com a Educação Infantil:

2.Proposta Pedagógica para a Educação Infantil no Município:

•O que o município de Campos Novos / SC possui em termos de

documentos oficiais sobre a proposta pedagógica desenvolvida com a

Educação Infantil?

•Que ações pedagógicas são desenvolvidas na Educação Infantil da

rede municipal?

•Há um Projeto Político Pedagógico para Educação infantil? Como ele

é organizado?

3.Espaço Físico:

•Quantas Escolas Municipais prestam atendimento na Educação

Infantil?

•Como são distribuídas as salas nas escolas que atendem Educação

Infantil e Ensino Fundamental?

•Qual é o número aproximado de crianças que são atendidas na

Educação Infantil da rede municipal de Campos Novos / SC?

•Em que período essas crianças são atendidas pelas Instituições de

Educação Infantil?

•Essas crianças que freqüentam a Educação Infantil pertencem à zona

urbana ou rural?

•Em geral, qual é o nível socioeconômico das crianças que freqüentam

a Educação Infantil da rede municipal?

Page 80: A construção de uma pedagogia para a infância, a … da experiência de atuar diretamente na Educação Infantil, maior foi o interesse em aprofundar conhecimentos na área para

4.Dos Profissionais da Educação Infantil:

•Que critérios são adotados para a seleção dos professores para

atuarem na Educação Infantil?

•Qual é o número de professores que trabalham com a Educação

Infantil do município de Campos Novos / SC?

•Em relação à formação dos professores que atuam na Educação

Infantil, há apoio para cursar graduação e especialização na área?

•São oferecidos cursos de formação continuada para os professores

que trabalham com crianças? Em que período eles acontecem e qual o

seu objetivo?

•Em relação às diretoras, quais seriam as exigências para sua escolha?

Page 81: A construção de uma pedagogia para a infância, a … da experiência de atuar diretamente na Educação Infantil, maior foi o interesse em aprofundar conhecimentos na área para

ANEXO II

ROTEIRO DE ENTREVISTA - DIRETORAS E PROFESSORAS DAS

INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO INFANTIL

1.Dados de Identificação:

•Idade:

•Tempo de serviço no magistério:

•Tempo de trabalho com a Educação Infantil:

•Carga horária de trabalho:

2.Experiência e Formação Profissional:

•O que levou você a optar pelo trabalho com a Educação Infantil?

•Sempre trabalhou com a mesma faixa etária na Educação Infantil?

•No seu ponto de vista, é produtiva a alternância do trabalho do

professor com as diferentes faixas etárias na Educação Infantil?

•E em relação à alternância na direção da Educação Infantil?

•Nível de escolarização: Ensino Médio, Graduação, Especialização.

•Possui cursos de formação continuada? Em que área? Quantas horas

aproximadamente?

•A Instituição de Educação Infantil em que você trabalha possui

grupo de estudos? Você participa dele?

•Você faz leituras na área em que trabalha? Poderia citá-las?

3.O Cotidiano na Educação Infantil:•Por gentileza, faça a opção por um dia de trabalho qualquer e conte-

nos como acontece o cotidiano de sua Instituição de Educação Infantil.

•Nesta Instituição de Educação Infantil, há crianças com necessidades

educativas especiais? Como trabalhar com elas?

•Elas são aceitas pelos professores e colegas?

•Existem programas de formação continuada para os professores que

trabalham com elas?

Page 82: A construção de uma pedagogia para a infância, a … da experiência de atuar diretamente na Educação Infantil, maior foi o interesse em aprofundar conhecimentos na área para

•Como você analisa o processo de inclusão nas Instituições de

Educação Infantil?

4.Planejamento da ação pedagógica:

•Que conhecimentos são trabalhados na Educação Infantil?

•Como esses conhecimentos são selecionados para compor o

planejamento da Educação Infantil?

•Quem elabora o planejamento anual da Educação Infantil?

•Como Diretora ou Professora da Instituição de Educação Infantil, o

que você espera, no final do ano, ter desenvolvido com as crianças?

•Como é acompanhado o trabalho das professoras?19

5Avaliação da aprendizagem:•O que é observado na criança para que seja considerada em condições

de ser encaminhada para a próxima turma?

•O processo avaliativo é registrado em algum documento? Quem o

registra? Esses registros são repassados para as professoras seguintes?

19 Essa questão foi feita apenas para as diretoras.